a influência das ordenações portuguesas e espanhola
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historia do direito no imperioTRANSCRIPT
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A INFLUNCIA DAS ORDENAES PORTUGUESAS E ESPANHOLA
NA FORMAO DO DIREITO BRASILEIRO DO PRIMEIRO IMPRIO
(1822 A 1831)
ANDR RUBENS DIDONE
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AGRADECIMENTOS
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RESUMO
O presente estudo trata de averiguar a influencia das Ordenao Afonsinas, Manoelinas e Filipinas no Direito brasileiro da poca do Primeiro Imprio brasileiro. Para tanto, tomou-se como instrumento a reviso bibliogrfica sobre as referidas Ordenaes, assim como do processo da Independncia do Brasil, com nfase aos aspectos jurdicos. Diante da delimitao do tema, de Portugal limitou-se ao perodo das Ordenaes de forma a fornecer ao leitor uma compreenso geral das mesmas. Quanto ao Brasil, delimitou-se na exposio dos aspectos relevantes para o entendimento da Independncia do pas e da formao do seu Direito. das Ordenaes do Reino, as Filipinas tiveram forma vigentes no Brasil at a entrada em vigor do Cdigo Civil. Sendo o Brasil Colnia de Portugal, esse foi regido juridicamente pelo ordenamento portugus. Conclui-se que o Direito brasileiro vigente no Primeiro Imprio teve como referncia as Ordenaes do Reino, uma vez que essas eram os preceitos jurdicos apreendidos e absorvidos pelos brasileiros e portugueses residentes no Brasil, e teve como base as referidas Ordenaes, haja visto que as Ordenaes Filipinas mantiveram-se para suprir a ausncia de Cdigos prprios, bem como, na evoluo natural do Direito brasileiro, entende-se que as modificaes ocorridas, principalmente no Cdigo Criminal, pode-se dizer, partiram da reviso e adequao do ordenamento vigente.
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SUMRIO
CAPTULO 1 INTRODUO 01
1.1 Problema 02
1.2 Delimitao 03
1.3 Justificativa 04
1.4 Objetivos 05
1.4.1 Objetivo geral 05
1.4.2 Objetivos especficos 06
1.5 Hipteses 06
1.6 Metodologia 07
CAPTULO 2 O DIREITO PORTUGUS 08
2.1 Aspectos do Direito portugus 09
2.2 Ordenaes Afonsinas 15
2.3 Ordenaes Manuelinas 21
2.4 Ordenaes Filipinas 25
CAPTULO 3 O DIREITO BRASILEIRO
NA POCA DO PRIMEIRO IMPRIO 31
3.1 Antecedentes administrativos e jurdicos 32
3.2 Processo emancipatrio do Brasil 38
3.3 O Primeiro Imprio 45
3.4 O Direito brasileiro 52
3.5 A Constituio de 1824 63
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3.6 O ensino de Direito 70
3.7 O Cdigo Criminal de 1830 82
CONCLUSES 87
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 97
ANEXOS 101
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CAPTULO 1
INTRODUO
Nas palavras de Cesr Tripoli (1936, p. 3), o Direito deve ser
encarado por dois aspectos: um, relativo sua formao e evoluo;
outro, ao seu fundamento.
No que se refere formao e evoluo do Direito,
essencialmente histrico, por ser um fenmeno da civilizao humana que
muda, se transforma e envolve no tempo e no espao. Seguindo tal
entendimento, verifica-se que todo direito tem seguido a um direito
anterior em um desenvolvimento contnuo.
Quanto ao assunto, este eminentemente filosfico, sendo na
filosofia que se deve buscar o princpio fundamental em que repousa o
edifcio jurdico.
A Histria do Direito, disciplina que trata da sua formao e
evoluo, descreve os fatos e fenmenos com os quais os seres humanos
realizam a sua vida jurdica.
Em se tratando do Direito Brasileiro, este, semelhana do Direito
dos demais povos, possui uma histria prpria e especial. Ao contrrio de
autores que negam a existncia de um direito brasileiro j no perodo
colonial, no entendimento de Csar Tripoli (1936), no h como negar que
o direito brasileiro s comeou a existir desde que houve normas jurdicas
no Brasil, tenham sido emanadas pela autoridade portuguesa em Portugal
ou pela brasileira no Brasil.
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Descobridor e colonizador, Portugal possua ordenamento jurdico
prprio o qual, evidentemente, foi levado para as suas colnias, dentre as
quais encontrava-se o Brasil.
1.1 Problema
Atualmente, define-se Direito de diversas formas, porm sua
evoluo conceitual junto sociedade princpio basilar para sua
compreenso. Noutra tica, verifica-se que, embora sua definio seja
dinmica, seu propsito resta idntico, ou seja, estabelecer normas para
que se possa viver em harmonia.
Afim de que a cincia do Direito atinja seu propsito primordial,
de suma importncia que caminhe pari passu com a sociedade, ou seja,
no se tornar cincia esttica, mas to dinmica quanto a sociedade que
visa regulamentar e harmonizar.
Necessrio, portanto, se faz, remonta aos estudos fundamentais da
cincia, apontando elementos bsicos que justificam o existir de cada
norma.
De suma importncia a nfase a se dar no tangente em que o
Direito emana das prprias aes e omisses da sociedade que visa
harmonizar.
O Direito brasileiro vigente fruto da histria, da evoluo das
sociedades. Pela cincia jurdica provir da necessidade de harmonizao
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social e, em considerando, a dinamicidade da prpria sociedade, o
ordenamento vigente deve ser compreendido atravs de sua histria.
Faz-se indispensvel, no mesmo diapaso, a exposio da prpria
sociedade da poca em sendo, sua economia, composio, moral,
ascendncia, etc. podendo-se, a partir de ento, compreender as
normas que a norteavam.
1.2 Delimitao
O presente trabalho visou a explanao do Direito no perodo
referente ao Primeiro Reinado, ou seja, entre 1822 a 1831. Necessrio se
faz, portanto, a contextualizao de tal poca, uma vez que nosso
cotidiano muito diverge de outrora.
Conforme elencado acima, para que se conceba o Direito como ele
realmente foi num perodo certo da histria, apenas a compreenso da
sociedade da poca poder nos proporcionar referida compreenso.
Atualmente no mais se menciona o Direito regido pelo olho por
olho, dente por dente, quando a justia era feita exatamente na medida
do ato ilcito cometido. Assim, se se praticava o homicdio, seria com a
vida que se lhe pagaria. Tal filosofia jurdica pode no parecer injusta
quando observada com os olhos de quem a praticava, ou seja, sob a
viso cultural e moral da poca.
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Ex positis, verifica-se a necessidade de se delimitar o lapso
temporal a serem estudadas as leis, no mbito de sua cultura, costumes,
crenas e, primordialmente, no que se refere moral admitida no perodo
do Primeiro Imprio.
1.3 Justificativa
O presente estudo justifica-se pela necessidade de demonstrar a
inexistncia de trabalhos especficos referentes ao tema proposto.
A delimitao oferecida ao tema se d, nica e primordialmente,
por ser a poca ps-independncia, verificando-se, dessa forma, a
independncia enquanto Imprio do Brasil, porm uma dependncia do
que tange moral portuguesa e espanhola da poca.
No h que se esquecer que a corte do Brasil Imprio era
composta por portugueses, liderada pelo Rei de Portugal, D. Joo IV, e
que, embora o Brasil colnia possusse regalias para com Portugal, seu
poderio concentrava-se nas mos desses. Dessa forma, as normas a
serem seguidas provinham do colonizador portugus.
Ao ser declarada independncia em 7 de setembro de 1822 pelo
filho de D. Joo VI, D. Pedro I, embora todo e qualquer vnculo com
Portugal tenha sido negado, a cultura e moral pertencente colnia no
poderia ser negada.
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O Imprio, uma vez livre do domnio portugus, devia, dentre
outras caractersticas da independncia, criar suas prprias normas,
espelhando-se, assim, nos ordenamentos jurdicos europeus, mais
especificamente, Portugus.
Referida poca cria um marco no direito brasileiro outorgando a
primeira Constituio do Imprio em 1824 e o Cdigo Criminal em 1830,
bem como ser o perodo em que surgiram no Brasil os primeiros cursos
jurdicos, os quais tinham, conforme apontamento de Maria Tereza Sadek
e Humberto Dantas (2000), a clara inteno de formar a elite dirigente do
pas.
O incio de legislao d-se como fundamental para o desenrolar
do Imprio brasileiro e, a regra de se conhecer a sociedade para que se
compreenda o Direito, evidencia-se com qui pro quo, noutras palavras,
conhecendo-se o Direito, pode-se vir a conhecer a sociedade.
1.4 Objetivos
1.4.1 Objetivo geral
Analisar a influncia das ordenaes portuguesas e espanholas na
formao do Direito Brasileiro do Primeiro Imprio.
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1.4.2 Objetivos especficos
a) Apresentar a histria do Brasil no Primeiro Imprio;
b) Averiguar o Direito vigente poca;
c) Expor os preceitos legais pertinentes s Ordenaes Afonsina,
Manuelina e Filipina;
d) Relacionar as Ordenaes supra citadas com a Carta Constitucional
de 1824, bem como com as normas jurdicas vigentes poca;
e) Correlacionar as Ordenaes com o sistema jurdico vigente.
1.5 Hipteses
As ordenaes Afonsinas, Manuelinas e Filipinas foram a base do
Direito Brasileiro do Primeiro Imprio.
As ordenaes Afonsinas, Manuelinas e Filipinas serviram de
referncia na formao do Direito Brasileiro do Primeiro Imprio.
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1.6 Metodologia
Tratando-se de um estudo histrico, por meio de reviso da
literatura, buscou-se obter subsdios que instrumentalizaram o autor a
alcanar seus objetivos.
As informaes obtidas foram expostas no decorrer de trs
Captulos de forma a fornecer uma seqncia lgica ao estudo. Dessa
forma, o primeiro Captulo trata da introduo do tema, constando de
apresentao, delimitao do estudo, problema constatado, justificativa
para o desenvolvido do estudo, objetivos a serem alcanados, hipteses e
metodologia. O segundo Captulo consiste na exposio do Direito
portugus, com nfase no perodo das Ordenaes Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas. No Captulo terceiro, o foco foi voltado para o
Brasil no perodo de Imprio, caracterizando-o de forma geral, com o
aprofundamento nas questes do Direito.
Aps os referidos Captulos, tendo como base o contedo terico
exposto, promoveu-se uma dialtica de forma a averiguar se as hipteses
levantadas procedem ou no.
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CAPTULO 2
O DIREITO PORTUGUS
No ano do descobrimento do Brasil, em 1500, era vigente em
Portugal as Ordenaes Afonsinas, as quais foram substitudas, em 1514,
pelas Ordenaes Manuelinas.
Alm de tais Ordenaes, denominadas tambm de Ordenaes
do Reino, que se constituam a fonte principal do direito portugus, havia
outras fontes com valor subsidirio e complementar: direito romano,
direito cannico e direito consuetudinrio.
Antes de expor o Direito brasileiro na poca do imperial,
fundamental expor alguns aspectos do Direito portugus.
Como aponta Pontes de Miranda (1981, p. 28), o nosso direito no
vem da semente; mas de um galho, que se plantou. de todo interesse
seguir-lhe a evoluo antes de existir o Brasil-Colnia. S assim
poderemos compreender certos fenmenos que posteriormente se ho de
verificar.
Dessa forma, objetiva-se com o presente Captulo traar um
panorama geral do Direito portugus.
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2.1 Aspectos do Direito portugus
Na concepo de Raymundo Faoro (1998), precocemente
consolidado, o Direito portugus serviu mais organizao poltica do que
ao comrcio e economia particular, articulando-se no Estado de
estamento, como elo de unio, de sedimentao da solidariedade de
interesses.
O incremento da idia de regular as relaes jurdicas por
meio de normas gerais, e no de regras vlidas caso a
caso, coincide com o aumento da autoridade do rei,
sobretudo em desfavor dos privilgios do clero e da
nobreza. O soberano passa da funo de rbitro dos
dissdios, de fonte de decises, para o papel de chefe do
governo e chefe do Estado: diante dele no esto mais
pessoas qualificadas pela tradio, pelos ttulos, seno
sditos, embora ainda no sditos abstratos e cobertos
pela igualdade jurdica. O prncipe se comunica com os
seus vassalos e s o rei tem vassalos por meio do
regulamento, que ao reconhecer os direitos fixos do
estamento, delimita-os. Leis para quase-funcionrios,
aptas a ressalvar a supremacia real e capazes de
organizar, por meio de cargos e privilgios, a ordem
poltica do reino (Raymundo Faoro, 1998, p. 64).
Segundo Pontes de Miranda (1981), o Direito portugus tem em
suas origens o Direito Romano (mais poltico do que moral e religioso), o
Germnico (mais moral do que poltico e religioso) e o Cannico (mais
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religioso do que poltico e moral), adicionando-se a esses os elementos
da vida peninsular, particularmente a lusitana.
Walter Vieira do Nascimento (1988) concorda com tal afirmao,
ressaltando que, mesmo como nao desde 1140, pouco foi realizado em
Portugal, em matria legislativa, at o ano de 1210. At esse ano, havia
apenas um complexo de normas e atos dispersos, sem o menor vestgio
de sistematizao ou sentido unitrio (p. 222). Isso explicado pelo fato
de que, em Portugal, at o trmino do sculo XIII, ainda no era
conhecido o ensino do direito, encontrando-se a justia de cada
localidade a cargo de juizes despreparados e, algumas vezes,
analfabetos.
Tal observao compreensvel, uma vez que cada civilizao,
cada sociedade tem sua cultura prpria, sendo natural a adaptao de
normas s suas realidade e necessidades.
Sem demais delongas acerca de detalhes da histria geral de
Portugal propriamente dita, Csar Tripoli (1936) ressalta que, naquele
Reino, no incio do sculo XV, o direito em vigor era constitudo por um
conjunto de fontes jurdicas, cuja sua multiplicidade de espcies e cujas
contradies determinavam sria complicao, confuso e incerteza
acerca da sua aplicabilidade (p. 57).
Tal fato evidenciava a necessidade de confeccionar um texto nico,
o qual reunisse e coordenasse, de forma sistemtica, todo o direito
vigente, o que viria a ser as Ordenaes Afonsinas, cuja compilao teve
como objeto as leis gerais promulgadas desde Afonso III (1248-1279); as
resolues das Crtes (desde Afonso IV, 1325-1357); as concordatas de
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D. Diniz (1279-1325), de D. Pedro I (1356-1367), de D. Fernando (1367-
1385) e de D. Joo I (1385-1433); os usos e costumes nacionais, o direito
foralcio (ttulos inteiros transcritos literalmente do direito romano e
cannico); e algumas mximas deduzidas da Lei das Sete Partidas
(vigentes na Espanha).
Ora, compreensvel a necessidade de se estabelecer uma
uniformidade jurdica que fundamente as normas de uma nao, no intuito
de que se possa conseguir uma coeso das diversas regies que a
compe, seja qual for a sua diviso poltica, ainda que se mantendo certa
autonomia com relao a determinadas matrias.
Naturalmente, o Direito portugus passou por uma evoluo.
Pontes de Miranda (1981) aponta que so oito as pocas do direito
portugus pr-romnico, romnico e nacional:
1) Direito costumeiro puro: dos tempos primitivos at a reduo da
Espanha provncia romana: direito pr-romnico, pluralismo e
empria jurdica, com poucos costumes e nenhuma lei escrita.
2) Direito romano e direito costumeiro: da ocupao romana at a
invaso germnica (sculo V).
3) Direito do Cdigo visigtico: da invaso brbara at a sarracena;
Codex legum ou Lex wisigothorum, elaborado pelo XII Conclio de
Toledo, confirmado em 693 pelo XVI Conclio; direito costumeiro;
profundas simetrias sociais (classes).
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4) Direito costumeiro: da dominao moura at a fundao da
monarquia portuguesa; tradies romano-visigticas, forais (respeito
rabe propriedade individual da terra).
5) Direito costumeiro: da fundao da monarquia (incio da unificao
do direito leis gerais) at D. Joo I (resistncia do direito local e do
feudalismo portugus); oriundo dos forais, leis gerais (influncia do
direito justinianeu). Resistncia dos direitos locais; menos sensvel a
desigualdade das classes sociais.
6) Ordenaes: D. Joo I at D. Manuel, que levou ao auge o
absolutismo e a unidade do direito por meio dos princpios romanos;
Ordenaes Afonsinas (1443); reforma dos forais pelo governo central
(1500) sob regncia de D. Manuel; Ordenaes Manuelinas; de 1446 a
1769: preponderncia das fontes do direito, as glosas de Acrsio e de
Brtolo de Saxoferrato.
7) Ordenaes: de D. Manuel at D. Jos (poca dos abusos de
interpretao maquinal, firmada em Brtolo de Saxoferrato, ema resto,
em opinies comuns); Ordenaes Manuelinas (1521); leis
posteriores reunidas por Duarte Nunes de Leo (Alvar de 14 de
fevereiro de 1569); Ordenaes Filipinas (1603), iniciadas e concludas
pelos reis espanhis e revalidadas em 1643; Acrsio, Brtolo de
Saxoferrato, a opinio comum e a boa razo.
8) Lei de 18 de agosto de 1769: reformas do Marqus de Pombal
(mtodo cujaciano, luta contra a teocracia e a oligarquia aristocrtica,
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abertura de passagem burguesia para o plano aristocrtico e
simetrizao que se operou, nos fatos, aps a filosofia do sculo
XVIII.
Com relao histria do Direito portugus do passado, Nuno J.
Espinosa Gomes da Silva (1991) divide-o em quatro perodos, conforme
exposto a seguir:
1) Direito Consuetudinrio e Foraleiro (1140-1248): refere-se ao
perodo da independncia de Portugal, at o comeo do reinado de
D. Afonso III. um perodo marcado por um relativo florescimento
do Direito Consuetudinrio local, em que o poder poltico central
intervm pouco na criao do Direito.
2) Perodo de influncia do Direito Comum (1248-1750): vai do
comeo do reinado de D. Afonso III at meados do sculo XVIII
(reinado de D. Jos). Perodo em que o Direito Romano Justinianeu
e o Direito Romano da Compilao Bizantina so aplicados em
Portugal. O rei legislava para esclarecer, completar ou afastar as
solues romanas, embora o Direito Romano tenha sido sempre
ponto de referncia. Alm disso, o Direito Cannico se aplicava
tambm em coordenao com o Romano. Com relao a esse
segundo perodo, Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991)
considera conveniente distinguir dois perodos:
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a) poca da recepo do Direito comum (1248-1446): vai at o
aparecimento das Ordenaes Afonsinas (meados do sculo
XV), caracterizando-se pela legislao avulsa, em que a lei geral
do monarca combate as formaes consuetudinrias, ao mesmo
tempo em que se torna o meio da romanizao do Direito
portugus.
b) poca das Ordenaes (1446-1750): caracterizada pela
codificao dessa legislao avulsa e por uma sistematizao
das vrias fontes.
3) Perodo de influncia iluminista (1750-1820): esse perodo vai de
meados do sculo XVIII at a ecloso da revoluo de 1820,
caracterizando-se pelo racionalismo e pelo fato do rei se apresentar
como nico guardio, atacando, com igual rigor, todas as fontes do
Direito que no coincidia com a vontade do monarca.
4) Perodo de influncia liberal e individualista (1820-1926): vai da
revoluo liberal de 1820 at cerca de uma data que se pode,
convencionalmente, estipular como sendo o ano de 1926. Nesse
perodo surgiu a idia central da existncia dos Direitos Naturais do
indivduo.
Dos quatro perodos expostos anteriormente, relevante para o
presente estudo aprofundar o que se refere poca das Ordenaes.
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2.2 Ordenaes Afonsinas
Conforme aponta Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), nos
primrdios do sculo XV, tornou-se mais presente a necessidade de uma
compilao que fixasse e sistematizasse devidamente as variadas fontes
do Direito, em princpios aplicveis.
Do lado das fontes nacionais, tinha-se a monopolizao, direta ou
indireta, da criao do Direito pelo rei, o qual legislava abundantemente.
No entanto, a populao nem sempre tinha o conhecimento da norma
vigente1.
Pelo lado das fontes no-nacionais, tornou-se necessrio
determinar o exato campo de aplicao dos Direitos Cannico e Romano,
bem como definir suas relaes com o Direito Nacional. Era preciso
estabelecer um quadro de fontes com a sua hierarquia.
Ante as queixas formuladas nas Cortes, no que diz respeito ao
estado de confuso das leis, ainda no reinado de D. Joo I, Joo Mendes
Corregedor da Corte, foi encarregado de proceder a reforma. Aps a
morte de D. Joo I, D. Duarte determinou que a reforma tivesse
continuidade. No entanto, Joo Mendes faleceu, sendo a compilao
passada para o Doutor Rui Fernandes membro do Conselho do Rei. D.
Pedro, Prncipe Regente, determinou que Rui Fernandes desse
continuidade ao trabalho, tendo-se findo em julho de 1446.
1 No que se refere a esse aspecto, relevante expor que, no perodo em questo, a comunicao no contava com instrumento que contribusse para a divulgao de informaes, de forma a alcanar a maior parte da populao.
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Logo aps o trmino do trabalho, D. Pedro determinou que fosse
efetuada a reviso das Ordenaes e Compilaes pelo prprio Doutor
Rui Fernandes, juntamente com o Doutor Lopo Vasques.
Segundo Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), provavelmente,
as Ordenaes foram concludas no segundo semestre de 1446 ou no
primeiro de 1447.
Mas como acentua Marcello Caetano podermos
presumir, com relativa probabilidade, a data de concluso
das Ordenaes, nada nos diz acerca de sua efetiva
vigncia no pas. Tirar cpias dessa compilao extensa,
como eram as Ordenaes Afonsinas, constitua tarefa
demorada e onerosa. Possivelmente, o original teria
ficado na chancelaria, as primeiras cpias teriam sido
destinadas aos tribunais superiores a Casa da
Suplicao, que acompanhava a Corte, e a Casa Cvel,
que estava em Lisboa e pouco a pouco, mas muito
lentamente, iriam sendo tiradas mais cpias completas,
que s poderiam ser custeadas por conselhos ricos,
como os do Porto e de Santarm, ou mosteiros
poderosos como o de Alcobaa (...) O Conhecimento da
compilao difundiu-se, portanto, com grandes vagares e
no nos devemos deixar iludir pelas idias actuais sobre
publicao e vigncia das leis (Nuno J. Espinosa Gomes
da Silva, 1991, p. 247).
No entendimento de Raymundo Faoro (1998), as Ordenaes
Afonsinas tinham como preocupao fundamental as atribuies dos
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cargos pblicos, incluindo dos cargos militares e municipais, assim como
os bens e privilgios da Igreja, os direitos do rei e da administrao fiscal.
Quanto sua estrutura, as Ordenaes Afonsinas, que vigoraram
cerca de 75 anos, constavam de cinco livros, cada qual dividido em
Ttulos, distintos por epgrafes detalhadas, subdivididas em nmeros ou
pargrafos, cuja importncia efetiva gera controvrsias entre os autores
que se ocuparam do tema.
Milton Duarte Segurado (1973) atenta para o fato de que essa
diviso em cinco livros possua uma tradio dos nmeros, uma vez que o
Corpus Juris Canonicis comeou com cinco livros, tratando-se, o ltimo,
do direito criminal, segundo a conhecida frmula, exposta a seguir:
1) judex = sobre o juiz;
2) judicium = sobre o processo;
3) clerus = sobre o clero;
4) connubia = sobre o casamento;
5) crimen = sobre o crime.
Essa tradio passou para as demais Ordenaes, sendo que as
trs possuem, alm de cinco livros, a mesma natureza e assunto, apesar
do contedo divergir de uma para outra, conforme poder ser verificado
no transcorrer do presente estudo.
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De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), os livros
apresentavam os seguintes contedos:
Livro I: com 72 Ttulos, continha os regimentos dos cargos pblicos.
Livro II: com 123 Ttulos, dizia respeito matria da Igreja e da
situao dos clrigos, direitos do rei em geral, administrao fiscal,
jurisdio dos donatrios, privilgios da nobreza, e legislao especial
de judeus e mouros.
Livro III: com 128 Ttulos, ocupava-se do Processo Civil.
Livro IV: com 112 Ttulos, do Direito Civil, e;
Livro V: com 121 Ttulos, versava sobre o Direito Penal e Processo
Penal.
Por se constiturem de uma compilao atualizada e sistematizada
das variadas fontes do Direito que tinham aplicao em Portugal, as
Ordenaes Afonsinas eram formadas, em grande parte, por leis
anteriores, respostas a captulos apresentados em Cortes, concrdias e
concordatas, costumes, normas das Sete Partidas e disposies dos
direitos romano e cannico (Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, 1991, p.
248).
Segundo Walter Vieira do Nascimento (1988), o Direito Romano, a
partir das Ordenaes Afonsinas, transformou-se em lei subsidiria,
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passando a ser aplicado apenas nos casos omissos da legislao
nacional, bem como, pode-se dizer, que concorria em igualdade de
condies com o Direito Cannico, o qual s era invocado onde fosse
revelado o pecado, como por exemplo, nos casos de crimes sexuais e de
heresia.
Nas Ordenaes Afonsinas, a tcnica legislativa utilizada foi, de um
modo geral, a transcrio na ntegra, dentro de cada Ttulo, da fonte ou
fontes existentes, seguindo-se um comentrio, contendo confirmao,
alterao ou afastamento do regime jurdico at ento em vigor.
Apenas no Livro I foi utilizado, segundo Nuno J. Espinosa Gomes
da Silva (1991), um mtodo diferente, sendo o mesmo escrito no estilo
denominado de decretrio ou legislativo. Dessa forma, enunciava-se
diretamente a norma, sem referncia fonte anterior.
Para explicar essa diferena metodolgica, alguns autores
sugerem que tal fato deve-se ao livro I ter sido escrito por Joo Mendes e
os restantes por Rui Fernandes. Outros sugerem que isso se deve pelo
fato do referido livro versar sobre matria que no era contemplada em
fontes nacionais, o que no o caso das demais.
Na concepo de Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), as
Ordenaes Afonsinas possuem lugar primacial na evoluo do Direito
portugus, sendo que seu plano sistemtico foi conservado nas
Ordenaes Manuelinas e Filipinas, assim como essas tm seus
contedos fundamentados na Afonsina.
Embora as Ordenaes Afonsinas tenham solucionado o problema
da necessidade de sistematizao do Direito portugus, continuava a
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questo de como assegurar o seu conhecimento efetivo e vigncia em
todo o pas. Isso se deveu ao fato de que fazer cpia dos seus cinco
volumes era oneroso e demorado.
Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991) ressalta que talvez tenha
sido esse o motivo que fez com que D. Joo II, encarregasse o ex-
corregedor da Corte, o licenciado Loureno da Fonseca, de abreviar as
Ordenaes Afonsinas em apenas um Livro. Embora algumas fontes
afirmem que ele assim o fez, no foi encontrado nenhum material que
ateste tal ao.
O fato que, no decorrer dos governos de D. Joo II e de D.
Manuel I, muitas leis foram expedidas, alterando, corrigindo e suprimindo
disposies das Ordenaes Afonsinas, tornando-se indispensvel a
organizao de um novo cdigo de leis, cuja compilao iniciou-se em
1505, tendo sua primeira edio ocorrido em 1512.
Uma vez promulgado, o novo cdigo foi denominado de
Ordenaes Manuelinas, tendo sido estruturadas da mesma maneira que
as Ordenaes Afonsinas.
A seguir apresenta-se a especificidade das Ordenaes
Manuelinas, que, em sntese, como ser visto, consistiram, basicamente,
na tentativa de resolver o problema da divulgao das Ordenaes pelo
Reino de Portugal.
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2.3 Ordenaes Manuelinas
Como foi visto, um dos maiores problemas das Ordenaes
Afonsinas encontrava-se no tamanho, na quantidade de texto, que
onerava a sua publicao e, consequentemente, dificultava a sua
divulgao.
Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991) aponta que o problema
de divulgao das Ordenaes Afonsinas pelo Reino voltou a ser
encarado no reinado de D. Manuel, sendo a soluo facilitada pela
inveno da imprensa, que chegou a Portugal, pelo que parece, em 1478.
Com a chegada da imprensa, surgiu a necessidade de colocar em
letra de forma as Ordenaes. Somada a essa necessidade, constatou-se
que, devido a tais Ordenaes terem sido compiladas havia mais de 50
anos, era preciso revisa-las e atualiz-las, tendo em ateno a legislao
extravagante publicada.
No ano de 1505, o Chanceler-Mor Rui Botto foi encarregado de
reformar as Ordenaes com o auxlio de Rui da Gr e Joo Cotrim.
Em dezembro de 1512 foi publicado o Livro I das novas
Ordenaes, posteriormente chamadas de Manuelinas e, em 1513, o
Livro II. De maro a dezembro do ano seguinte, foi feita uma impresso
completa dos cinco livros das Ordenaes Manuelinas.
De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), no
prlogo dessas novas Ordenaes, o monarca, justificando a compilao,
apontou:
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22
(...) a confuso e repugnncia de algumas ordenaes
por Reis nossos antecessores feitas, assim das que
estavam encorporadas como das extravagantes, donde
recresciam aos julgadores muitas dvidas e debates, e s
partes seguia grande perda (Nuno J. Espinosa Gomes da
Silva, 1991, p. 268).
No intuito de remediar os inconvenientes expostos, o monarca
determinou:
(...) reformar estas ordenaes e fazer nova compilao,
tirando todo o sobejo e suprfluo, e adendo no minguado,
suprimindo os defeitos, concordando as contrariedades,
declarando o escuro e difcil de maneira que assim dos
letrados como de todos se possa bem e perfeitamente
entender (Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, 1991, p.
268).
De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), a
reforma definitiva das Ordenaes Manuelinas (1521) teve como fator
impulsionador a promulgao de legislao extravagante, destacando-se
em importncia o Regimento dos Contadores das Comarcas (1514) e o
Regimento e Ordenaes da Fazenda (1516).
No entanto, ante a proximidade de edies das Ordenaes,
podendo provocar discrepncias, D. Manuel, atravs de Carta datada em
15 de maro de 1521, determinou que aqueles que tivessem as
Ordenaes velhas deveriam se desfazer delas, sob pena de, se assim
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23
no se procedesse em trs meses, pagar uma taxa, bem como, nesse
mesmo perodo, os conselhos deveriam adquirir as novas Ordenaes.2
O sistema das Ordenaes Manuelinas o mesmo das Afonsinas,
ou seja, cinco livros, divididos em ttulos e esses em pargrafos, assim
como sua matria estava agrupada da mesma forma que anteriormente.
Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991) destaca como alterao
importante o fato da legislao relativa aos judeus desaparecer, devido
sua expulso do Reino em 1496, assim como na edio de 1521,
desapareceram as normas relativas fazenda real, por essas passarem a
formar as autnomas Ordenaes da Fazenda.
O autor ressalta ainda as alteraes efetuadas com relao ao
estilo de redao utilizado.
As novas Ordenaes no se constituam de mera compilao de
leis anteriores, transcritas, na sua maior parte, com o teor original e
indicao do monarca que as promulgara, ao contrrio, de maneira geral,
todas as leis foram redigidas em estilo decretrio, como se fossem leis
novas, apesar de serem, muitas vezes, nova forma de apresentao da lei
que j vigente.
O sistema de hierarquia de fontes das Ordenaes Afonsinas no
sofreu grandes alteraes, perpetuando a primazia das fontes nacionais
(leis, estilo da Corte e costume).
No que tange o pecado, na falta de direito ptrio, manda-se
observar o Direito Cannico e, em matria que no seja pecado, o Direito
Romano. Ao contrrio das Ordenaes anteriores, a Manuelina, nesse
2 Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991) aponta que tal medida explica a raridade de se encontrar cpias das Ordenaes anteriores a de 1521.
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aspecto, justifica o Direito Romano como norma subsidiria (Nuno J.
Espinosa Gomes da Silva, 1991).
Assim como nas Ordenaes Afonsinas, nas Manuelinas:
(...) quando nenhuma das mencionadas fontes se
pronunciasse sobre o caso, ou quando, em matria que
no fosse de pecado e no havendo entre o direito
cannico e as Grosas, e Doutores das Leys, seria o
assunto remetido deciso do rei (Nuno J. Espinosa
Gomes da Silva, 1991, p. 275).
Alm disso, no Livro V, Ttulo LVIII, estava prevista a aplicao de
certas penas aos juizes que no observavam as Ordenaes, bem como
se determinava que, no caso de dvidas na interpretao da lei, se
deveria apresentar tais dvidas ao regedor da Casa da Suplicao, no
intuito de que, em conjunto com os desembargadores, se fixasse a
interpretao3.
As Ordenaes Manuelinas vigoraram at 1603 (cerca de 90 anos)
sendo substitudas pelas Ordenaes Filipinas.
Como ser exposto a seguir, as Ordenaes Filipinas foram
editadas por Felipe II no intuito de reorganizar o direito rgio portugus,
bem como para agradar os portugueses.
3 Segundo Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991, p. 275), a supremacia da Casa de Suplicao, relativamente aos demais tribunais, obteve, at, consagrao protocolar: que era o prprio rei que se deslocava Suplicao, enquanto que, nas restantes judicaturas, eram os tribunais que se deslocavam ao rei, ao pao real.
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2.4 Ordenaes Filipinas
De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), com a
proximidade do fim do sculo, o elevado nmero de leis posteriores a
Coleco de Leis Extravagantes4 de Duarte Nunes do Leo, comeou a
torn-la antiquada e fazer surgir o desejo de nova compilao. Dessa
forma e, possvel e igualmente, por consideraes polticas, Filipe I
determinou, em data que no se pode precisar deduzindo-se ter sido
anterior a 1589, a reforma das Ordenaes, ficando tal tarefa aos
cuidados de Duarte Nunes Leo, os desembargadores Jorge de Cabedo
e Afonso Vaz Tenreiro.
Filipe I aprovou as novas Ordenaes por lei em 5 de junho de
1595. No entanto, essa lei no chegou a ter o seguimento necessrio,
sendo por isso que foi s em 1603, no reinado de Filipe II que, por fora
de nova lei, entraram em vigor as Ordenaes Filipinas.
Conforme Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), pode-se dizer
que essas Ordenaes tratavam-se de uma compilao escassamente
inovadora, cuja preocupao principal era, no fundo, reunir, em um
mesmo texto, as Ordenaes Manuelinas, a Coleco de Duarte Nunes
do Leo e as leis, posteriores a essa. Dessa forma, mantido o sistema
de diviso em cinco livros, por sua vez divididos em ttulos e esses em
pargrafos.
4 Lei que, se ocupando de matria que foi objeto de compilao ou codificao oficial, no vm a ser a incorporadas, vigorando por fora (Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, 1991).
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26
Pode-se dizer que a legislao filipina nada mais foi que uma
atualizao das Ordenaes Manuelinas.
O autor ressalta que no se deve criticar demasiadamente o
carter no inovador dessas Ordenaes, chamando ateno pelo fato de
que a prpria cultura jurdica da poca encontrava-se em crise, diante da
investida humanista contra o Direito Romano. Alm disso, a preocupao
poltica de Filipe I era de no ferir a susceptibilidade dos novos sditos,
logo, no queria mexer na estrutura e no contedo das Ordenaes
anteriores, visando demonstrar que respeitava as instituies
portuguesas.
De acordo com Raymundo Faoro (1998, p. 64), as Ordenao
Filipinas foram basicamente e principalmente:
(...) o estatuto da organizao poltico-administrativa do
reino, com a minudente especificao das atribuies dos
delegados do reino, no apenas daqueles devotados
justia, seno dos ligados corte e estrutura municipal.
Elas respiram, em todos os poros, a interveno do
Estado na economia, nos negcios, no comrcio
martimo, nas compras e vendas internas, no
tabelamento de preos, no embargo de exportaes aos
pases mouros e ndia. A codificao expressa, alm do
predomnio incontestvel e absoluto do soberano, a
centralizao poltica e administrativa.
No entendimento de Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), um
os maiores defeitos das Ordenaes Filipinas teve origem justamente, de
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27
certa forma, ao respeito pelas Ordenaes anteriores, ou seja, a sua falta
de clareza e a obscuridade de muitas disposies.
O fato que os compiladores, de forma mecnica, juntaram,
adicionaram leis manuelinas e preceitos posteriores, tornando, muitas
vezes, difcil o se entendimento. relevante apontar que, alm disso, nem
sempre ocorreu a verificao do que se encontrava revogado ou em
desuso, nem mesmo o cuidado de evitar a insero de leis contraditrias.
Jos Reinaldo de Lima Lopes (2000) aponta que as Ordenaes
Filipinas no eram um cdigo no sentido moderno do termo, mas uma
consolidao de direito real, as quais so criticadas especialmente pelas
contradies e repeties.
De acordo com Nuno J. Espinosa Gomes da Silva (1991), vrias
foram as tentativas no sucedidas de reformar as Ordenaes Filipinas,
que acabou vigorando at o Cdigo Civil de 1867 e, tendo sua vigncia
prolongada no Brasil at o Cdigo Civil de 1917.
Walter Vieira do Nascimento (1988), na vigncia das Ordenaes
Filpinas, no reinado de D. Jos I, destaca, na rea jurdica, Sebastio
Jos de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal, tambm Conde de
Oeeiras, devido a dois fatores. Em primeiro lugar pela Lei da Boa Razo
de 1979, que fixou os limites de aplicao subsidiria do Direito Romano
em Portugal e, em segundo, pela reforma dos estatutos da Universidade
de Coimbra (1772), que resultou na introduo de novas disciplinas no
currculo da Faculdade de Leis, tais como: Direito Natural; Histria do
Direito; e Direito Ptrio.
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28
Retomando brevemente as trs Ordenaes descritas
anteriormente, segundo Pontes de Miranda (1981), enquanto as
Ordenaes Afonsinas resultaram da necessidade da afirmao nacional,
aps a vitria de Aljubarrota, as Ordenaes Manuelinas tiveram como
fatores principais a ambio pessoal do monarca e a necessidade de
aproveitar, no ento novo cdigo, as doutrinas romanistas do poder
absoluto dos reis.
As Ordenaes Filipinas, por sua vez, foram elaboradas por reis
espanhis como ato de seduo, ou seja, tentativa, por parte dos Filipes,
de cativar o povo portugus, bem como na inteno de reagir contra o
realce do Direito Cannimo.
Walter Vieira do Nascimento (1988) aponta que os livros da
ordenaes constavam das seguintes matrias:
Livro I Direito Administrativo e Organizao Judiciria.
Livro II Direito Eclesistico, do Rei, dos Fidalgos e dos Estrangeiros.
Livro III Processo Civil.
Livro IV Direito Civil e Direito Comercial.
Livro V Direito Penal e Processo Penal.
O autor ressalta que as trs Ordenaes tinham a mesma natureza
de matrias, embora o seu contedo apresentasse pontos de divergncia,
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29
tais como, segundo os ensinamentos do douto doutrinador Walter Vieira
do Nascimento (1988, p. 487):
(...) a conseqncia natural e lgica era o
aperfeioamento do processo de codificao das leis
portuguesas, ainda que das primeiras para as outras
duas Ordenaes no houvesse operado uma diferena
muito acentuada.
Em sntese, as Ordenaes Afonsinas foram o resultado de um
vasto trabalho de consolidao das leis que foram promulgadas desde
Afonso II, assim como das resolues das cortes desde Afonso IV e das
concordatas de D. Dinis, D. Pedro e D. Joo, sofrendo a influncia do
Direito Cannico e da Lei das Sete Partidas, dos costumes e usos.
Com relao s Ordenaes Manuelinas, essas se formaram da
reunio das leis extravagantes que foram promulgadas at ento e das
Ordenaes Afonsinas.
Por fim, as Ordenaes Filipinas, foram compostas de disposies
das Ordenaes Manuelinas e de outras decorrentes das reformas
legislativas que ocorreram no sculo XVI (Walter Vieira do Nascimento,
1988).
Conforme o exposto, as Ordenaes do Reino, iniciadas pelas
Afonsinas, as quais foram substitudas pelas Manuelinas e,
posteriormente, pelas Filipinas, surgiram da necessidade de consolidar as
normas do reino de Portugal, servindo para centralizao do poder na
figura do rei.
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30
No diapaso da conduta do sistema colonial, as normas jurdicas
estabelecidas nas Metrpoles eram aplicadas nas suas colnias. No caso
de Brasil, colnia de Portugal, coube seguir as diretrizes das Ordenaes
Filipinas.
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31
CAPTULO 3
O DIREITO BRASILEIRO NA POCA DO PRIMEIRO IMPRIO
Aps a exposio de alguns aspectos sobre o Direito portugus,
com nfase no perodo das Ordenaes, esse Captulo trata da
apresentao do Direito brasileiro na poca do Imprio.
A histria do Direito brasileiro envolve, em suas razes, no
entendimento de Walter Vieira do Nascimento (1996), dois atos de Direito
Internacional Pblico: primeiro ato que se prende Bula Intercoetera
(1493) expedida pelo Papa Alexandre VI, assegurando ao rei de Espanha
direitos obre a Amrica e outras terras ainda no descobertas, a partir de
uma linha de cem lguas a oeste de Cabo Verde; e o segundo ato que se
relaciona com o Tratado de Tordesilhas (1494), entre Espanha e Portugal,
por mediao do referido Papa, definindo que, tendo como ponto de
partida Cabo Vede, na direo ocidental as terras que se inclussem at o
limite de trezentas e setenta lguas pertenceriam a Portugal e, as da para
frente Espanha.
No intuito de traar um panorama geral do Brasil no decorrer do
primeiro Imprio, parte-se de uma breve exposio do perodo, passando
posteriormente as questes do Direito brasileiro da poca.
-
32
3.1 Antecedentes administrativos e jurdicos
Como sabido, aps o descobrimento da Amrica, as terras que
posteriormente viriam a serem denominadas de Brasil, foram
descobertas pelos portugueses, mais propriamente, por Pedro Alvares
Cabral, no ano de 1500.
Na poca do seu descobrimento, o Brasil era habitado por ndios
os quais, no entendimento de Milton Duarte Segurado (2000, p. 7), se os
indgenas brasileiro no tinham leis, regiam-se por normas no-escritas,
formando incipiente direito consuetudinrio.
Em 1532, Martim Afonso de Souza, em expedio designada pelo
rei Joo III, trouxe para a colnia as primeiras leis (trs cartas rgias
datadas de 1530), dentre as quais uma que lhe nomeava capito-mor de
todas as terras que fossem descobertas, dando-lhe alada de juiz no
crime e no cvel.
No Brasil, o primeiro sistema administrativo foi o de capitanias,
governadas pelo capito-mor, ou seja, a terra foi dividida em senhorios,
dentro do senhorio do Estado, tendo como natureza jurdica a autarquia
territorial, no havendo laos de coeso entre as capitanias, muito menos
obrigao recproca de se defenderem no caso de agresso externa, elas
sujeitavam-se diretamente metrpole (Milton Duarte Segurado, 2000).
Milton Duarte Segurado (2000), ressalta que a capitania com o seu
capito-mor, no entanto, no foi a primeira realidade jurdica brasileira. A
primeira foi a Casa da Cmara, nas vilas e nas cidades, com o seu
alcaide-mor, que era o mesmo governador da capitania, juiz ordinrio,
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33
dois vereadores, procurador da Coroa, almotac (fiscal) e meirinho do juiz
(oficial de justia) e, algumas vezes, um juiz-de-fora. A Casa da Cmara
era presidida pelos juizes ordinrios, que eram eleitos pelos homens
bons, juntamente com dois vereadores.
As figuras administrativas e jurdicas desse perodo foram,
conforme aponta Milton Duarte Segurado (2000):
Governador: era o capito-mor donatrio, cuja jurisdio se estendia
a todo territrio da capitania, com alada no cvel e no crime, em
conjunto com o Ouvidor.
Ouvidor: figura judiciria de grande relevncia, era a maior autoridade
depois do capito-mor, tendo como funes a judiciria e a
administrativa, vindo de Portugal j nomeado pelo donatrio.
Juizes: os primeiros foram o juiz ordinrio e o juiz-de-fora, seguidos
por outras espcies de juizes de primeira instncia, cujos cargos foram
criados por lei, tendo suas funes especificadas nas Ordenaes do
Reino.
- Juiz ordinrio: presidente nato da Casa da Cmara, eleito pelos
homens bons, tinha sua eleio confirmada pelo Ouvidor, no
havendo necessidade de ser bacharel, usando como insgnia a
magistratura, a vara vermelha, assim como os demais juizes, com
exceo do juiz-de-fora.
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34
- Juiz-de-fora: nomeado pelo Rei, tinha de ser letrado e entendido,
ou seja, versado em Direito, bacharel em leis. Esse juiz visitava as
Comarcas, servindo nos lugares que no tinham juiz, bem como
auxiliando em suas funes os juizes ordinrios que lhe cediam a
jurisdio, bem como substitua o ouvidor, na sua ausncia ou
impedimento.
- Juiz-de-vintena: atuava em aldeias pequenas, com mais de 20
famlias (o que dava o seu nome, isto , juiz de vintena ou
vintenrio), sendo um pequeno juiz, um juiz de paz, com alada
entre 100 e 400 ris, decidindo verbalmente os pleitos, podendo
prender em flagrante os malfeitores.
- Juiz pedneo: na escala dos juizes, esse era o mais nfimo, sendo
mandado servir em lugares distantes, de pequena importncia.
Desta forma, era denominado de pedneo por andar a p ou por
julgar de p.
- Juiz de rfos apartado: esse tipo de juiz devia existir desde as
Ordenaes Manuelinas em vila onde residiam mais de 400
vizinhos. Devendo ter mais de 30 anos de idade, esse juiz devia
saber o nmero de rfos existentes na comarca, providenciar-lhes
tutor, saber se tinham bens e cuidar dos mesmos. Na ausncia
desse juiz, o juiz ordinrio acumulava as duas varas.
Escrives: havia aqueles que atuavam como juizes ordinrios, outros
como ouvidor e os que trabalhavam com os demais juizes. Deveriam
-
35
ser muito diligentes e aplicados, no caso de rfo, em anotar,
arrecadar e zelar pelos bens desses menores. Alm disso, deviam
prestar fiana antes de entrar no exerccio do cargo.
Tabelies: as Ordenaes Manuelinas dispuseram sobre os tabelies,
sendo que em cada lugarejo afastado uma lgua ou mais da vila,
deveria ter um tabelio, o qual era escolhido pelos vereadores da vila
prxima, podendo ser um morador que jurava sobre os Evangelhos
que iria servir fielmente o ofcio.
Vereadores: eram eleitos pelos homens bons e, uma vez eleito, era
cargo obrigatrio, sendo a reeleio imediata proibida, podendo ser
reeleito trs anos aps terminar o mandato. Prestava fiana antes de
exercer o cargo, tendo seus bens hipotecados em nome da Casa da
Cmara, enquanto durasse o mandato.
Almotacs: os almotacs eram oficiais com funes administrativas e
judiciais, sendo uma espcie de fiscais, competindo-lhes a polcia
administrativa e higinica das vilas, tendo como atribuies: fiscalizar a
limpeza e todas as questes referentes a caminhos, estradas, ruas,
becos, praas, logradouros pblicos, mercados, aquedutos etc. Eram
eleitos mensalmente na Casa da Cmara pelo juiz ordinrio, seu
presidente nato.
Inquiridores: eram os juizes bem entendidos e diligentes, destinados
a inquirir testemunhas nos processos.
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36
Procurador: representava o Rei na Casa da Cmara, sendo uma
espcie de promotor de justia.
Provedor: o provedor representava a fazenda, sendo uma espcie de
procurador e fiscal da Coroa.
Tesoureiro: competia a ele cuidar e zelar pelo dinheiro existente na
Casa da Cmara, resultante de multas, fianas e fintas, alm de outras
arrecadaes.
Vedor: era responsvel pela arrecadao de taxas e multas.
Meirinhos: inicialmente denominados de cursores, tinham a
incumbncia de levar cartas dos juizes para fazer as diligncias nela
mandadas, sendo que havia trs categorias de meirinhos:
- Meirinho-mor: muito principal e nobre, a servio de El-Rei, era o
oficial de justiar particular do Rei.
- Meirinho da Corte: andava continuamente na Corte no intuito de
levantar as foras, prender malfeitores e outras diligncias.
- Meirinho das cadeias: cumpria os mandados de justia.
Corregedor: era uma espcie de fiscal dos juizes.
Quadrilheiros: eras os policiais civis da vila, que prendiam os
malfeitores, evitavam malefcios e perseguiam vagabundos.
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Conforme aponta Jos Murilo de Carvalho (1980, p. 29):
Os juristas e magistrados exerciam um papel de maior
importncia na poltica e na administrao portuguesa e
posteriormente na brasileira. Tratava-se de uma elite
sistematicamente treinada principalmente atravs do
ensino de direito na Universidade de Coimbra, fundada
em 1290. E o direito ensinado em Coimbra era
profundamente influenciado pela tradio romanstica
trazida de Bolonha. O direito romano era particularmente
adequado para justificar as pretenses de supremacia
dos reis. Tratava-se de um direito positivo cuja fonte era a
vontade do Prncipe e no o poder da Igreja ou o
consentimento dos bares feudais.
relevante lembrar que, na poca do descobrimento do Brasil,
Portugal j havia consolidado suas Ordenaes, as quais centralizavam o
poder na figura do rei. Dessa forma, o ensino jurdico ia ao encontro dos
interesses do monarca.
Ora, como mostra a histria, as regies colonizadas tendem a
almejar a sua independncia, o que no foi diferente na Colnia brasileira.
Como ser visto, de forma sucinta, uma vez que o objetivo do
presente estudo no de esgotar a histria do pas, a Independncia do
Brasil foi fruto de um processo, influenciado pela queda do sistema
colonial e das idias liberais disseminadas pela Europa.
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3.2 Processo emancipatrio do Brasil
Richard Grahan (2001) aponta que quando Napoleo invadiu
Portugal, o prncipe regente Joo fugiu para o Rio de Janeiro, transferindo
a corte portuguesa e toda a burocracia do governo (arquivos, biblioteca
real, tesouro pblico). Vieram aproximadamente 15.000 pessoas, entre
funcionrios do governo e familiares da famlia real.
Segundo aponta Jos Murilo de Carvalho (1980), D. Joo trouxe
para Brasil todo o aparelho de Estado portugus. A elite que o
acompanhou era composta de nobres e funcionrios vinda do Estado
Moderno europeu, que embora atrasada em termos europeus, era
moderna para a colnia. Essa elite consolidou o poder nas mos do Rei,
no repartindo com a nobreza e o clero, criando e fortalecendo a
burocracia civil e militar que iriam garantir a ordem, a arrecadao de
impostos e a distribuio da justia do Rei.
De acordo com Raimundo Faoro (1998), o desembarque na Bahia
trouxe a primeira conseqncia da transmigrao, ou seja, diante do
fechamento dos portos da metrpole, no era possvel a exportao da
produo da monarquia, nem a obteno dos bens necessrios sua
subsistncia.
A abertura dos portos, repelido o alvitre de um emprio
ingls localizado e exclusivo da Gr-Bretanha, quebra o
pacto colonial, intil a reserva de provisoriedade inscrita
na carta de 28 de janeiro de 1808. Conquista na verdade
ferida com as tarifas preferenciais de 1810, que garantem
-
39
o mercado brasileiro s manufaturas inglesas por quinze
anos (Raimundo Faoro, 1998, p. 247)
Raimundo Faoro (1998) aponta que outra conseqncia est
caracterizada com o desembarque no Rio de Janeiro (8 de maro de
1808), que teria uma profunda projeo interna: as capitanias, dispersas
e desarticuladas, gravitariam em torno de um centro de poder, que
anularia a fuga geogrfica das distncias (p. 247).
Richard Grahan (2001) ressalta que, freqentemente, alguns
autores afirmam que, quando o governo portugus se mudou para o
Brasil, tornou esse ipso facto independente, especialmente devido ter
declaro a abertura dos portos para comercializar com qualquer outra
nao, bem como pelo fato de ter posto fim ao monoplio colonial de
comrcio ultramarino, que estava nas mos das casas de comrcio
portuguesas. Diante disso, foi destruda uma caracterstica determinante
da relao colonial anterior.
Diante da admisso do comrcio estrangeiro na colnia, a vida
colonial, conforme Raimundo Faoro (1998), adquire modernidade, por
meio de padres de costumes e idias novas.
Aps a derrota de Napoleo, D. Joo VI elevou o Brasil a condio
de Reino, unido a Portugal, permanecendo no Rio de Janeiro, at 1820,
quando as cortes exigiram seu retorno a Lisboa, em 1820, e aceitasse
uma constituio liberal. Desta forma, D. Joo VI deixou seu filho Pedro
como prncipe regente no Brasil, o qual, em 1822, tomou medidas para
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40
declarar o Brasil independente, coroando a si mesmo como D. Pedro I
(Richard Graham, 2001).
Gladys Sabina Ribeiro (2002) ressalta que a liberdade era o grande
tema de discusso no espao pblico, principalmente com as medidas
tomadas por D. Joo VI a partir do estabelecimento da Corte no Brasil. A
igualdade, nesse perodo, era direcionada apenas queles que eram
pares e que tinham, na igualdade diante da lei, um dos fatores que
poderiam justific-la, que garantiam a vida e a propriedade. No Brasil, a
classe dominante passou a considerar esses direitos inalienveis e
geraram o constitucionalismo, tendo como base as experincias francesa
e norte-americana. Dessa forma, passaram a desejar, diante do
entendimento da liberdade como fator de igualdade total com Portugal,
que o Reino do Brasil permanecesse autnomo e livre, em igualdade de
condies e de direitos com a Metrpole.
Estava inserido nesse desejo a idia de que os portugueses do
Brasil e os de Portugal, iriam se complementar em riqueza e grandeza.
Tal fato, mostra, segundo Gladys Sabina Ribeiro (2002), que a
independncia no foi sempre desejada enquanto separao de Portugal.
O que se queria era autonomia poltica, ou seja, o direito de tomar
medidas baseadas nas especificidades da Amrica portuguesa, a partir
das instituies estabelecidas nela.
relevante expor que, conforme discutido por Emilia Viotti da
Costa (1979), o sistema colonial, com base na lgica do capitalismo
comercial e em funo dos interesses do Estado absolutista, diante da
expanso dos mercados, desenvolvimento crescente do capital industrial
-
41
e falncia do Estado absolutista, entrou em crise, tornando inoperantes os
mecanismos restritivos de comrcio e de produo.
A crtica das instituies polticas e religiosas, as novas
doutrinas sobre o contrato social, a crena na existncia
de direitos naturais do homem, as novas teses sobre as
vantagens das formas representativas de governo, as
idias sobre a soberania da nao e a supremacia das
leis, os princpios da igualdade de todos perante a lei, a
valorizao da liberdade em todas as suas manifestaes
caractersticos do novo iderio burgus faziam parte
de um amplo movimento que contestava as formas
tradicionais de poder e de organizao social. O novo
instrumental crtico elaborado na Europa na fase que
culminou na Revoluo Francesa iria fornecer os
argumentos tericos de que necessitavam as populaes
coloniais para justificarem sua rebeldia (Emilia Viotti da
Costa, 1979).
No Brasil, as crticas feitas na Europa pelo pensamento ilustrado ao
absolutismo, adquiriram o sentido de crtica ao sistema colonial. Emilia
Viotti da Costa (1979) aponta que se passou o anticolonialismos ocorria
por meio das crticas a realizar, de forma que a tenso entre colonos e
Metrpole, nas duas ltimas dcadas do sculo XVIII, se concretizou em
alguns movimentos conspiratrios, com influncia da Revoluo Francesa
e Americana e das idias ilustradas. Tais idias se espalharam no Brasil
diante da abertura dos portos e conseqente entrada crescente de
estrangeiros, o que intensificou o contato com a Europa. Alm disso,
aumentou tambm o nmero de sociedades secretas no estilo da
-
42
maonaria, as quais contribuam de forma significativa para a divulgao
dessas idias.
No entanto, a autora ressalta que, apesar de ser evidente a
influncia das idias liberais da Europa nos movimentos que se
sucederam desde fins do sculo XVIII, no se deve superestimar sua
importncia. Emilia Viotti da Costa (1979, p. 27), com relao a esse
aspecto, cita Carlos Guilherme Mota que faz a seguinte observao:
Analisando-se os movimentos de 1789 (Inconfidncia Mineira), 1798
(Conjura Baiana), 1817 (Revoluo Pernambucana) percebe-se logo sua
pobreza ideolgica.5 Nas palavras da autora:
Apenas uma pequena elite de revolucionrios inspirava-
se nas obras dos autores europeus que liam,
freqentemente, mais com entusiasmo do que com
esprito crtico. A maioria da populao inculta e atrasada
no chegava a tomar conhecimento das novas doutrinas.
Se havia barreiras de ordem material difuso das idias
ilustradas (analfabetismo, marginalizao do povo da vida
poltica, deficincia dos meios de comunicao), o maior
entrave advinha, no entanto, da prpria essncia dessas
idias, incompatveis, sob muitos aspectos, com a
realidade brasileira (Emilia Viotti da Costa (1979, pp. 27-
28).
Com relao aos indcios da independncia, Richard Graham
(2001, p. 15) cita o historiador Jos Honrio Rodrigues, que afirma:
5 MOTA, Carlos Guilherme. Idia de revoluo no Brasil no final do sculo XVIII. So Paulo: 1967.
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43
D. Pedro I descobriu que os brasileiros estavam
animadamente preparados para endossar sua declarao
de independncia do Brasil e que permaneceram unidos,
a partir de ento, por um sentimento nacional
(...)
O sonho de um Brasil, nico e indivisvel, dominou todos
os brasileiros (demonstrando) o orgulho nacional
nascente.
Segundo Richard Graham (2001), essa idia de nacionalismo
brasileiro compartilhada por outros autores, como Manuel de Oliveira
Lima, para quem o Brasil, mesmo antes da separao de Portugal, j
tinha como objetivo a independncia.
No entanto, no havia uma coeso entre as diversas regies que
formavam a colnia. Como relata Richard Graham (2001, pp. p 21-22):
Os chamados precursores do movimento de
independncia no Brasil, em conspiraes tramadas em
Minas Gerais (1789) e na Bahia (1798), tentaram libertar
do domnio portugus somente aquelas reas especficas
e no visaram a independncia de um Brasil unido e
maior.
Uma rebelio republicana separatista irrompeu em
Pernambuco, em 1817, e, apesar de reprimida em
poucos meses por tropas leais vindas de outras regies,
ela revelou um sentimento regionalista profundo. Quando
as cortes portuguesas, em 1820, exigiram o retorno do rei
D. Joo VI a Portugal, as provncias do norte do Brasil
aprovaram, enquanto as do sul protestaram, insistindo
para que ele ficasse. Quando seu filho D. Pedro I
declarou a Independncia do Brasil, em 1822, a maior
parte das provncias do norte foi contra e permaneceu
-
44
leal a Portugal, at defrontarem-se com uma fora vinda
do Rio de Janeiro. A unidade do Brasil pareceu duvidosa
para os contemporneos, no importando como
historiadores a tm visto desde ento.
Conforme aponta Emilia Viotti da Costa (1979), o nacionalismo
brasileiro, mesmo com a participao de portugueses nos movimentos
revolucionrios, era manifestado, sobretudo, por meio de um
antiportuguesismo generalizado. A Independncia, na viso da populao
nativa mestia, tinha, antes de tudo, a esperana de eliminar as restries
que afastavam as pessoas de cor das posies superiores, dos cargos
administrativos, bem como do acesso Universidade de Coimbra e ao
clero superior. Desta forma, para elas, a Independncia configurava-se
como uma luta contra os brancos e seus privilgios (p. 31). Por outro
lado, para aqueles que representavam as categorias superiores da
sociedade (fazendeiros e comerciantes), a condio necessria da
revoluo era a manuteno de seus privilgios.
Com relao a esse aspecto da pr-disposio para a
Independncia e do nacionalismo, relevante transcrever a reflexo de
Gladys Sabina Ribeiro (2002, p. 22):
(...) no processo da independncia no cabe uma relao
de causalidade, marcada por eventos exteriores aos
processos internos da ex-Colnia, em ordem de
sucesso direta. A posteriori, colocaram-se os eventos
enfileirados a partir da necessidade de se construir uma
explicao convincente da independncia; da
necessidade de se dizer que o Brasil estava predestinado
-
45
desde sempre, ou ao menos desde o final do sculo
XVIII, a ser prspero e autnomo, independente como
pas. preciso esclarecer, juntamente com Valentim
Alexandre, que a palavra "nacionalismo" no tinha curso
ao longo da dcada de 1820; existiam apenas as
palavras "nao" e "nacional". Vale tambm o lembrete
de Eric Hobsbawn de que o conceito de Nao no tinha
o mesmo significado no incio e no fim do sculo XIX,
sendo, dessa forma, bastante moderno. Para este ltimo
autor, a compreenso deste termo dificultada por
acharmos hodiernamente a identificao nacional "to
natural, fundamental e permanente a ponto de preceder a
histria".
A autora ressalta que a dita conscincia nacional teve sua
construo iniciada a partir da atuao daqueles homens no seu tempo,
das suas vivncias e das circunstncias polticas.
3.3 O Primeiro Imprio
Contextualizando o perodo histrico de que trata o presente
estudo, o perodo inicial do Imprio compreendido da Independncia do
Brasil, em 7 de setembro de 1822, at a abdicao de Dom Pedro I, em
1831.
Retrocedendo ao incio de 1822, onde surgiram os primeiros
indcios de independncia do imprio brasileiro, conforme aponta Manuel
de Oliveira Lima (1989), j em 1 de janeiro D. Pedro recebeu o manifesto
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46
escrito por Jos Bonifcio e assinado por toda a junta provincial da
cidade, do qual constava que as Cortes de Lisboa, baseadas "no
despropsito e no despotismo" buscavam impor ao Brasil "um sistema de
anarquia e escravido".
Emilia Viotti da Costa (1979) ressalta que as Cortes tomaram uma
srie de medidas que deixaram claro a nova orientao assumida em
relao ao Brasil, evidenciando as intenes de restrio a autonomia
administrativa da colnia, bem como limitar a liberdade de comrcio, o
restabelecimento do monoplio e privilgios que os portugueses tinham
usufrudo anteriormente transferncia da Corte para o Brasil. Nas
palavras da autora:
Antes que os representantes brasileiros tivessem tido
tempo de chegar a Lisboa, j as Cortes decidiram
transferir para Portugal o Desembargo do Pao, a Mesa
de Conscincia e Ordens, o Conselho da Fazenda, a
Junta de Comrcio, a Casa de Suplicao e outras
reparties instaladas no pas por D. Joo VI. Decretos
de setembro e outubro determinavam a volta do prncipe
regente para Portugal, nomeando para cada provncia, na
qualidade de delegado do poder executivo, um
governador de armas, independente das juntas
governativas que se tinham criado. Ao mesmo tempo
destacavam-se novos contingentes de tropas com
destino ao Rio de Janeiro e Pernambuco (Emilia Viotti da
Costa, 1979, p. 40).
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47
No Brasil, tais decises repercutiram como se fosse uma
declarao de guerra, gerando tumultos e manifestaes de desagravo,
alm de novas adeses no movimento em favor da Independncia.
No Rio de Janeiro, segundo Manuel de Oliveira Lima (1989), foi
efetuado um abaixo-assinado com oito mil nomes, o qual foi entregue D.
Pedro em uma cerimnia realizada no dia 9 de janeiro. Depois de ler o
documento, o prncipe regente anunciou solenemente a sua deciso de
ficar no Brasil. No dia 11, as tropas portuguesas tentaram em vo obrig-
lo a embarcar para Lisboa.
Segundo Emilia Viotti da Costa (1979), apesar de D. Pedro ter
decidido permanecer no Brasil, tal fato no se tratava ainda de uma
ruptura, pois havia uma tentativa de manter aberta a possibilidade de
constituio de uma monarquia dual com sede simultnea em Portugal e
no Brasil, no intuito de manter o Brasil como Reino Unido a Portugal, ao
mesmo tempo em que se procurava em preservar a autonomia
administrativa e comercial alcanada. Nesse contexto, para cada grupo D.
Pedro passou a ter um significado. Desta forma, para os portugueses,
representava a possibilidade de manter o Brasil unido a Portugal, uma vez
que acreditavam que esse poderia evitar um movimento separatista. No
caso dos brasileiros, havia aqueles que almejavam a preservao das
regalias que foram obtidas e que pretendiam a criao de uma monarquia
dual, considerando que para isso, era essencial a presena de D. Pedro.
Tal presena tambm era vista como fundamental pelos brasileiros que
almejavam a Independncia definitiva e total, por acreditarem que o
prncipe evitaria qualquer alterao da ordem aps a independncia.
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48
Dando continuidade ao suceder dos fatos, Manuel de Oliveira Lima
(1989) aponta que cinco dias depois de expulsar do Rio as tropas lusas,
comandadas pelo general Avilez, D. Pedro organizou um novo ministrio,
cuja liderana foi incumbida a Jos Bonifcio de Andrada e Silva. Em 1
de agosto, D. Pedro declarou inimigas todas as tropas enviadas de
Portugal sem o seu consentimento. No dia 14, partiu para So Paulo para
contornar uma crise na provncia. No dia 2 de setembro, no Rio, a esposa
de D. Pedro, D. Leopoldina, leu as cartas chegadas de Lisboa com as
abusivas decises da Corte. Reuniu os ministros e enviou mensageiros a
D. Pedro que proclamou a independncia do pas em 7 de setembro aps
tomar cincia das mesmas. Dia 12 de outubro D. Pedro I aclamado
primeiro imperador do pas.
Gladys Sabina Ribeiro (2002) aponta que D. Pedro, Jos Bonifcio,
dentre outros, na poca que antecedeu a Independncia, no estavam
lutando especificamente por ela.
Os grupos, ou "faces" polticas, existentes no Rio de
Janeiro e que pugnavam ao redor do constitucionalismo
e do liberalismo portugueses , eram unnimes nos bons
propsitos de organizao da Nao portuguesa ao redor
de leis bsicas e promotoras da liberdade do indivduo.
Tais qual a idia de liberdade, as noes de igualdade e
fraternidade eram complexas e estavam na pauta do dia,
sempre reportadas s noes do direito natural, que
promovia uma rediscusso do pacto entre o rei e seus
sditos e questionava as bases do Antigo Regime.
Filsofos franceses como Montesquieu, Rousseau,
Voltaire, Diderot, e outros pensadores anglo-saxes,
como Bentham, foram lidos e reinterpretados com
sentidos diferentes dos dois lados do Atlntico. Dessa
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49
forma, a Ilustrao portuguesa forneceu as bases para a
elaborao e o triunfo do movimento constitucionalista,
reafirmando a necessidade de se reforar a construo
do imprio luso-brasileiro, projeto vislumbrado no sculo
XVI e acalentado com desenho prprio desde finais do
sculo XVIII (Gladys Sabina Ribeiro, 2002, pp. 23-24).
Segundo Emilia Viotti da Costa (1979), em 1822, as elites
brasileiras que tomaram o poder eram compostas por fazendeiros,
comerciantes e membros de sua clientela, ligados economia de
importao e exportao, interessados na manuteno das estruturas
tradicionais de produo que tinham como base o sistema de trabalho
escravo e o latifndio. Com a Independncia eles reafirmaram a tradio
agrria da economia brasileira, opondo-se aqueles que buscavam
promover o desenvolvimento da indstria, bem como resistindo s
presses inglesas com relao abolio da escravatura.
Essas elites, cuja ideologia era essencialmente conservadora e
antidemocrtica, tiveram a oportunidade, diante da presena dos
herdeiros da casa de Bragana no Brasil, de alcanar a Independncia
sem que fosse preciso recorrer mobilizao das massas, organizando
um sistema poltico fortemente centralizado, o qual colocava os
municpios na dependncia dos governos provinciais e as provncias na
dependncia do governo central. Deram continuidade tradio colonial,
subordinando a Igreja ao Estado, mantiveram o catolicismo como religio
oficial. Alm disso, adotaram um sistema de eleies indiretas, que tinha
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como base o voto qualificado (censitrio), excluindo a grande maioria da
populao das eleies (Emilia Viotti da Costa, 1979).
Aps a independncia, no incio de 1823, conforme Walter Vieira
do Nascimento (1996), foi convocada a Assemblia Constituinte, porm,
devido a uma forte divergncia entre os deputados brasileiros e o
soberano, que exigia um poder pessoal superior ao do Legislativo e do
Judicirio, a Assemblia foi dissolvida em novembro. Antes de sua
dissoluo, foi elaborado um Projeto de Constituio, tendo Antnio
Carlos Andradas como seu principal redator.
A primeira Constituio do Brasil finalmente foi outorgada pelo
imperador em 25 de maro de 1824.
Embora a referida Constituio tenha determinado que o regime
vigente no pas fosse liberal, o governo era autoritrio. Freqentemente,
conforme aponta Jos Reinaldo de Lima Lopes (2000), D. Pedro impunha
sua vontade aos polticos. Esse impasse constante gerou um crescente
conflito com os liberais, que passou a v-lo cada vez mais como um
governante autoritrio. Os problemas de D. Pedro I agravaram-se a partir
de 1825, com a entrada e a derrota do Brasil na Guerra da Cisplatina. A
perda da provncia da Cisplatina e a independncia do Uruguai, em 1828,
alm das dificuldades econmicas, levaram boa parte da opinio pblica a
reagir contra as medidas personalistas do imperador.
Segundo aponta Waldemar Martins Ferreira (1954), em 29 de
agosto de 1825, por intermdio de um tratado de paz, D. Joo VI
reconheceu o Brasil como imprio independente dos Reinos de Portugal e
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51
Algarves, e D. Pedro como imperador, cedendo-lhe e transferindo-lhe a
soberania, transmissvel a seus sucessores legtimos.
Aps a morte D. Joo VI, em 1826, D. Pedro envolve-se cada vez
mais na questo sucessria em Portugal. Do ponto de vista portugus, ele
continua herdeiro da Coroa. Para os brasileiros, o imperador no tem
mais vnculos com a antiga colnia, porque, ao proclamar a
Independncia, havia renunciado herana lusitana. Posteriormente,
formaliza-se a renncia e D. Pedro I abriu mo do trono de Portugal em
favor de sua filha Maria da Glria.
Ainda assim, a questo passou a ser uma das grandes bandeiras
da oposio liberal brasileira. Nos ltimos anos da dcada de 1820, esta
oposio cresceu. O governante procurou apoio nos setores portugueses
instalados na burocracia civil-militar e no comrcio das principais cidades
do pas. Incidentes polticos graves, como o assassinato do jornalista
oposicionista Lbero Badar em So Paulo, em 1830, reforaram esse
afastamento: esse crime foi cometido a mando de policiais ligados ao
governo imperial e D. Pedro foi responsabilizado pela morte.
Para Frei Vicente do Salvador (1975), a ltima tentativa de D.
Pedro de recuperar prestgio poltico foi frustrada pela m recepo que
teve durante uma visita a Minas Gerais na virada de 1830 para 1831. A
inteno era costurar um acordo com os polticos da provncia, mas
recebido com frieza. Alguns setores da elite mineira faziam questo de
lig-lo ao assassinato do jornalista. Revoltados, os portugueses instalados
no Rio de Janeiro promoveram uma manifestao pblica em desagravo
ao imperador. Isso desencadeou uma retaliao dos setores antilusitanos.
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Em 7 de abril de 1831, aconselhado por seus ministros, D. Pedro I
abdicou e retornou a Portugal.
3.4 O Direito brasileiro
Walter Vieira do Nascimento (1996) afirma que, at 1822, o Brasil,
enquanto parte integrante de Portugal, foi juridicamente regido de acordo
com as normas portuguesas, tendo o seu direito orientado pelas
Ordenaes Filipinas.
Indo ao encontro de tal afirmao, Ives Gandra da Silva Martins
Filho (1999) aponta que no existe registro sistemtico no Brasil dos atos
normativos que regiam a vida no perodo anterior a 1808, haja vista que
os registro oficiais encontravam-se em Portugal, sendo aplicadas no Brasil
as normas jurdicas gerais portuguesas e as especficas de administrao
da colnia. Desta forma, enquanto colnia, o Brasil encontrava-se
submetido s Ordenaes do Reino, bem como aos seus Regimentos,
que traavam normas especficas para o Brasil, que estabeleciam
medidas que deveriam ser tomadas nas capitanias, tratamento dos ndios,
organizao da defesa, disciplinamento do comrcio, organizao da
justia, normas de arrecadao, cuidados com os hospitais e igrejas,
dentre outros.
Conforme aponta Ives Gandra da Silva Martins Filho (1999), a
instalao de um Governo-Geral com Tom de Souza, foi o marco inicial
-
53
da estruturao do Judicirio no Brasil, ao trazer consigo o
Desembargador Pero Borges para desempenhar a funo de Ouvidor-
Geral, encarregando-se da administrao da Justia. Desta forma, a
administrao da Justia, no Brasil, fazia-se, originalmente, por meio do
Ouvidor-Geral, localizado na Bahia, ao qual se poderia recorrer das
decises dos ouvidores das comarcas, em cada capitania, que cuidavam
da soluo das contendas jurdicas nas vilas.
No perodo colonial, as funes judiciais eram confundidas com as
funes administrativas e policiais, o que resultou na atuao dos
chanceleres, contadores e vereadores, que compunham os Conselhos ou
Cmaras Municipais, nas atividades jurisdicionais nas comarcas. Foi s
no decorrer da ampliao da colonizao, diante da necessidade de uma
estrutura burocrtica e administrativa mais sofisticada, que surgiram as
figuras dos corregedores, provedores, juzes ordinrios e juzes de fora.
Na concepo de Csar Tripoli (1936), nos trinta primeiros anos
que se seguiram ao descobrimento do Brasil, ocorreram alguns atos
legislativos que, apesar de no serem destinados de forma direta queles
que residiam na ento colnia portuguesa, referem-se a eles. Tais
legislaes referem-se a atos eclesisticos bulas pontifcias, e civis
alvars e cartas-rgias.
Comentando a afirmao de Csar Tripoli, Walter Vieira do
Nascimento (1996), destaca na legislao eclesistica:
a) Nula do Papa Jlio II (1506) que confirmou os direitos de Portugal
sobre as terras do Brasil, devido o Tratado de Tordesilhas.
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54
b) Bula do Papa Leo X (1514) e a Bulado Papa Jlio III (1551) que
retificaram a de 1506.
Com relao a legislao civil, destaca:
a) Em 1502, um contrato de arrendamento de terras celebrado entre o
governo portugus e um consrcio liderado por Fernando de Noronha,
segundo o qual, no decorrer de trs anos, os arrendatrios obrigavam-
se a enviar anualmente ao Brasil seis navios, fazer o reconhecimento
de 300 lguas de terra, fundar e manter uma fortaleza.
b) Em 1516, dois alvars expedidos por D. Manuel ordenavam ao feitor e
oficiais da Casa da ndia o fornecimento de machado, enxadas e
demais ferramentas queles que fossem povoar o Brasil. Alm disso,
deveriam indicar um homem prtico e capaz de ir ao Brasil dar
princpios a um engenho de acar; e se lhe desse sua ajuda de custo,
e tambm todo o cobre e ferro e mais coisas necessrias (p. 243).
c) Em 1530, trs cartas-rgias expedidas por D. Joo III, dando a Martim
Afonso de Souza poderes amplos e excepcionais para organizar e
regular a administrao colonial.
Jos Isidoro Martins Jnior (1895 apud Walter Vieira do
Nascimento, 1996, p. 254) ressalta:
(...) de 1808 a 1822 o direito nacional se revela pela
predominncia, seno quase exclusiva preponderncia,
dos institutos de direito pblico interno e externo:
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55
medidas polticas, administrativas, financeiras e
diplomticas. Os institutos de direito privado so, nesse
perodo, insignificantes ou quase nulos.
No entanto, Walter Vieira do Nascimento (1996) salienta que a
situao poltica e jurdica do brasil no se manteria dentro dos limites que
eram pretendidos e delineados por D. Joo VI, pois, ao regressar para
Portugal em 1821, deixou no Brasil seu filho D. Pedro I, que possua um
esprito rebelde e impulsivo, que logo mostrou que no iria se submeter s
imposies e Portugal, sendo um dos seus primeiros atos, o decreto de
que toda e qualquer lei que de l viesse, s entraria em vigor no Brasil
mediante o seu Cumpra-se.
Ives Gandra da Silva Martins Filho (1999) ressalta que o primeiro
perodo de atos normativos registrados refere-se ao perodo de 1808, com
a chegada da famlia real portuguesa ao Brasil, a at 1822, com a
Proclamao da Independncia, sendo que os atos normativos desse
perodo foram, basicamente:
Cartas Rgias constituem respostas do Prncipe
Regente a consultas de seus sditos, nas quais
determina as providncias a serem adotadas nos
vrios casos que lhe so submetidos: medidas
administrativas concretas, nomeaes de
autoridades, declaraes de guerra e medidas sobre
sua conduo, instituio de impostos, etc.
Decretos constituem ordens e mandamentos
emitidos pelo Prncipe Regente, por iniciativa prpria,
sobre as mais diversas questes, tanto gerais quanto
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56
particulares: instituio de cargos e nomeao de
seus ocupantes, criao de organismos estatais,
concesso de benefcios, etc.
Alvars constituem proclamaes do Prncipe
Regente, articulados em incisos, para regular a
atividade estatal, tendo, originariamente, natureza de
lei de carter geral, mas que passaram,
posteriormente, a ter carter temporrio, modificando
as disposies constantes em decretos. Albergavam
normas administrativas, processuais, tributrias, etc.
Cartas de Lei constituem normas legais pelas quais
o Prncipe Regente disciplinava, em carter
permanente, as vrias matrias prprias de lei
(frmula menos usada do que o alvar e o decreto).
Leis votadas pelas Cortes Gerais Portuguesas e
sancionadas pelo Rei, a partir de 1821 (Ives Gandra
da Silva Martins Filho, 1999, p. 2).
Nesse perodo os atos normativos editados totalizaram-se da
seguinte forma: Leis 10; Cartas de Lei 16; Cartas Rgias 183;
Alvars 215; Decretos 722 (Ives Gandra da Silva Martins Filho, 1999).
De acordo com Clia Costa (2000), a elite poltica portuguesa era
formada pelos altos estratos da burocracia estatal, sendo na sua maioria
juristas e magistrados. A partir de 1822, no Brasil, o grupo luso-brasileiro
responsvel pelo projeto de Estado, por ter sido formado dentro dos
cnones do direito romano ensinado em Coimbra, trouxe para a ex-
colnia a experincia burocrtica da metrpole. O Estado que se constitui
no sculo XIX, foi influenciado fortemente pelas concepes poltico-
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57
jurdicas portuguesas, dessa forma, era burocrtico e centralizado, com
fortes traos patrimonialistas herdados de Portugal.
Em 1822, com a proclamao da independncia, o Brasil, entre
outros graves problemas, teve que enfrentar o da sua estrutura jurdica.
No entanto, as mudanas levariam tempo, alm de serem difceis. Dessa
forma, at que fossem feitas as alteraes necessrias, continuou em
vigor a legislao de 1821 e as leis promulgadas por D. Pedro a partir de
tal ano.
Como conseqncia das primeiras medidas em direo a um novo
sistema de leis prprias, em 1823 foi convocada a Assemblia
Constituinte e, logo se passou a tratar da elaborao de um Projeto de
Constituio, tendo Antnio Carlos Andradas um dos seus principais
redatores.
Conforme Luiz Koshiba e Denise Manzi Frayze (1996), a referida
Assemblia foi formada por 90 membros eleitos em quatorze provncias,
dos quais 26 eram bacharis em leis, 19 sacerdotes, 7 militares, alguns
mdicos, proprietrios rurais e funcionrios pblicos, representando, na
sua maioria, os interesses da aristocracia rural.
Como aponta Emilia Viotti da Costa (1979, p. 116):
Durante as discusses da Constituinte ficou manifesta a
inteno da maioria dos deputados de limitar o sentido do
liberalismo e de distingui-lo das reivindicaes
democratizantes. Todos se diziam liberais, mas ao
mesmo tempo se confessavam antidemocratas e anti-
revolucionrios. As idias revolucionrias provocavam
desagrado entre os constituintes. A conciliao da
liberdade com a ordem seria o preceito bsico desses
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liberais, que se inspiravam em Benjamim Constant e
Jean Baptiste Say. Em outras palavras: conciliar a
liberdade com a ordem existente, isto , manter a
estrutura escravista de produo, cercear as pretenses
democratizantes.
O Projeto de Constituio era composto de 272 artigos, tendo
como princpios fundamentais:
a) monarquia constitucional e representativa;
b) liberdades e garantias constitucionais,
compreendendo liberdade de pensamento e
locomoo, liberdade individual e religiosa, liberdade
de imprensa, inviolabilidade da propriedade;
c) diviso dos poderes em Executivo (exercido pelo
Imperador com o auxlio de um Ministrio e um
Conselho Privado), Legislativo (exercido em conjunto
pelo Imperador e pela Assemblia Geral, esta
formada da Cmara dos Deputados e do Senado),
Judicirio (exercido pelos juizes letrados e jurados,
estes com interferncia em matria criminal) (Walter
Vieira do Nascimento, 1996, pp. 256-257).
O referido Projeto passou a ser debatido at que D. Pedro, sob o
pretexto de serenar os nimos, uma vez que o transcorrer dos debates
apresentava divergncias e discusses naturais, resolveu dissolver a
Constituinte. Walter Vieira Nascimento (1996) ressalta que alm desse
pretexto, certamente outras razes influenciaram a sua atitude, seja por
convico prpria, seja por incentivo de membros da cpula governista.
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D. Pedro dissolveu a Assemblia Constituinte com o seguinte
decreto:
Havendo eu convocado, como tinha o direito de
convocar, a Assemblia Constituinte e Legislativa, por
decreto de 3 de junho do ano prximo passado, a fim de
salvar o Brasil dos perigos que estavam iminentes, e
havendo esta Assemblia perjurado o to solene
juramento, que prestou nao de defender a
integridade o Imprio, sua independncia e minha
dinastia; hei por bem, como Imperador e Defensor
Perptuo do Brasil, dissolver a mesma Assemblia e
convocar j uma outra na forma das instrues feitas (In:
Walter Vieira do Nascimento, 1996, p. 128).
Com relao a esse fato, para Vicente Barreto (1977) a origem do
mesmo, que acabaria por separar de forma definitiva os constituintes do
Imperador, residia na origem da autoridade legislativa e da autoridade
executiva. Segundo ele, o trabalho dos constituintes estaria sendo
limitado pelo poder imperial, que avocava o direito de julgar a dignidade
ou no da Constituinte.
Na concepo de Paulo Sarasate (1967, p. 13):
Entre as razes que motivaram o choque entre o
Imperador e a Assemblia e de que resultou,
inexoravelmente, a dissoluo desta, alude-se ao fato,
tido como absurdo, de ter ela querido servir de
legislatura ordinria com prerrogativas especiais de
exclusividade, que s lhe cabiam na qualidade de
Constituinte. A par disso, e como elemento de ordem
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60
pessoal, no podem ser esquecidos, tambm, como
fatores negativos, tanto a inexperincia poltica da
maioria dos deputados como o arrebatamento e, por
igual, a inexperincia prpria da juventude do Imperador.
Paulo Sarasate (1967) aponta que, no intuito de elaborar um novo
texto, finalmente outorgado como Constituio, aps a audincia e
aprovao das Cmaras Municipais, o Imperador instituiu um Conselho de
Estado, para o qual foram escolhidos dez membros entre as expresses
polticas e intelectuais mais destacadas do Imprio (p. 13), cabendo a
Carneiro de Campos Marques de Caravelas, o melhor jurista, a parte
mais importante do projeto em que se consagrou