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Castelo Branco Científica - Ano II - Nº 04 - julho/dezembro de 2013 - www.castelobrancocientifica.com.br 1 Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255 A INFLUÊNCIA DA EDUCAÇÃO FAMILIAR NA ESCOLA DURANTE, Michelli Campones Ceto 1 RESUMO Qual peso exerce a educação familiar no ambiente escolar? Como os pro- fissionais da educação devem lidar com as diferentes estruturas familiares deste século? Os pais sabem o quanto prejudicam os filhos dirigindo a eles uma superproteção descontrolada? As exigências feitas pela globalização associada ao consumismo desenfreado dispersam, cada vez mais, as fa- mílias. A ausência dos pais devido à carga horária de trabalho excessiva gera outro problema, a tentativa de suprir toda falta em bens materiais que sejam do interesse das crianças. A inversão de valores tem gerado crianças mergulhadas em uma grande inércia. Isso é levado para a escola todos os dias. Fica a cargo de o professor administrar os conflitos de cada educando e ministrar suas aulas da melhor forma possível. PALAVRAS-CHAVE Família. Educação. Escola. 1 Discente do 8º período do curso de Licenciatura em Pedagogia, pela Faculdade Castelo Branco de Colatina, Espírito Santo. Email: [email protected]

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Castelo Branco Científi ca - Ano II - Nº 04 - julho/dezembro de 2013 - www.castelobrancocientifi ca.com.br 1

Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255

A INFLUÊNCIA DA EDUCAÇÃO FAMILIAR NA ESCOLA

DURANTE, Michelli Campones Ceto1

RESUMO

Qual peso exerce a educação familiar no ambiente escolar? Como os pro-fi ssionais da educação devem lidar com as diferentes estruturas familiares deste século? Os pais sabem o quanto prejudicam os fi lhos dirigindo a eles uma superproteção descontrolada? As exigências feitas pela globalização associada ao consumismo desenfreado dispersam, cada vez mais, as fa-mílias. A ausência dos pais devido à carga horária de trabalho excessiva gera outro problema, a tentativa de suprir toda falta em bens materiais que sejam do interesse das crianças. A inversão de valores tem gerado crianças mergulhadas em uma grande inércia. Isso é levado para a escola todos os dias. Fica a cargo de o professor administrar os confl itos de cada educando e ministrar suas aulas da melhor forma possível.

PALAVRAS-CHAVEFamília. Educação. Escola.

1Discente do 8º período do curso de Licenciatura em Pedagogia, pela Faculdade Castelo Branco de Colatina, Espírito Santo. Email: [email protected]

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INTRODUÇÃO

No mundo atual, onde valores mudam dia após dia, a formação de nossas crianças sofrem distorções vindas de estruturas familiares baseadas na su-perproteção e na falta de limites. A ausência dos pais devido à carga horária do trabalho, os valores invertidos que hoje se fazem regra e as diferen-tes estruturas de famílias, que hoje são aceitas como normais, produzem uma educação familiar que irá infl uenciar de maneira negativa a educação escolar. As instituições de ensino e seus profi ssionais ao receberem tais crianças têm o grande desafi o de educá-las sofrendo pressão de pais que se fazem presentes na escola não para serem parceiros da instituição, mas para superprotegerem seus fi lhos, indo contra procedimentos educacionais que eles dizem não ser o certo, mesmo não tendo formação profi ssional para realizar tal julgamento. A educação escolar sofre infl uência direta da formação familiar das crianças, sendo assim, é fundamental que as duas instituições entendam que não deve haver hierarquia entre elas, mas sim harmonia. Os profi ssionais de educação estão sofrendo uma pressão psico-lógica no desempenho de suas funções, uma vez que corrigir indisciplinas de um educando pode ocasionar até mesmo processos judiciais.

A MULTIPLICIDADE DAS ESTRUTURAS FAMILIARES ATUAIS

Nos dias de hoje alguns fatores têm causado inúmeras modifi cações na organização dos países. Pode-se citar como fatores de infl uência: o êxo-do rural em busca de melhores condições de vida, condição que acelera o processo de urbanização; o processo geral de globalização desenfreado associado ao consumismo; os padrões dos estilos de vida e o modismo, impostos e exigidos pela sociedade civil, que muitas vezes não estão ao

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alcance das camadas menos favorecidas; os grandes avanços tecnológicos, entre outros. Desses fatores provêm outros, que representam problemas ainda maiores para a sociedade, como por exemplo, a violência social, osbaixos níveis de qualidade de vida, a adesão às drogas e ao tráfi co, a cri-minalidade, a corrupção política atrelada a políticas de caráter assisten-cialista, desigualdade, entre outros. Tudo isso provoca mudanças radicais também nas famílias.

O acesso aos bens de consumo, a televisão e os demais meios de comunicação, trazem hoje, para dentro dos lares, conceitos novos de vida. Por isso, o poder arbitrário dos mais velhos e das instituições que eles dirigiam (o clube social, a igreja, as festas mundanas) foi sendo substituído por um sistema aberto de relacionamento inter-pessoal, que jogou por terra barreiras de cor, sociais e de submissão da mulher. (CARVALHO, 1993, p. 62).

Fica evidente que os moldes familiares vividos pelos mais antigos estão perdendo força e dando lugar a estruturas familiares bem distintas. O re-trato de família que a sociedade apresenta refl ete estruturas bem diferentes do modelo que se considerava clássico, formado por homem e mulher em união estável e posteriormente, fi lhos desse mesmo casal.A mulher, que antes assumia um papel de dona de casa e cuidadora dos fi lhos, hoje passa a lutar por sua total independência. Em alguns casos, as mulheres deixam seus lares em busca de renda, a fi m de auxiliar o orça-mento familiar, já que desejam ter poder de compra e condições de acom-panhar as tendências predominantes, seja da moda, dos eletrônicos, dos automóveis, das tecnologias, etc. Em outros, são as mulheres que assumem todas as funções da casa, inclusive as que são relacionadas à renda, já que fi zeram a opção de serem mães solteiras ou de morarem sozinhas.

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“Houve um crescimento expressivo das famílias com responsável do sexo feminino, inclusive daquelas que contavam com a presença de cônjuge. Os motivos para este aumento podem ser creditados a uma mudança devalores culturais relativas ao papel da mulher na sociedade brasileira. O ingresso maciço no mercado de trabalho, o aumento da escolaridade em nível superior combinados com a redução da fecundidade são fatores que podem explicar este reco-nhecimento da mulher como responsável pela família.” (Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística, 2012).

As mulheres têm buscado e ocupado lugares de destaque no mercado de tra-balho e falar em ser dona de casa representa uma afronta. Uma das consequ-ências desses fatos é o distanciamento entre os membros das famílias, como afi rma Carvalho, “deste modo, os laços entre os membros de uma tradicio-nal família, que estava sempre junta, se enfraquecem a cada dia.” (p.40).Assim como as mulheres, os fi lhos também têm ocupado um lugar de des-taque em seus lares. A formalidade, a obediência junto às regras severas e a hierarquia, que antes eram aspectos visivelmente marcantes nas famílias, hoje dão lugar ao respeito e a uma igualdade considerável entre os mem-bros. O direito a voz passa a ser também da mulher e dos fi lhos, já que em tempos passados era exclusividade dos homens. Ao contrário do que prega o modelo clássico, em tempos presentes o controle familiar pode ser exercido tanto pelo homem, quanto pela mulher. Uma prova disso se dá no fato da substituição da expressão “pátrio poder” pela expressão “poder familiar”, no Novo Código Civil do país.De acordo com pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), embora tenha sido triplicado o percentual de divór-cios e tenha sido diminuído o número de casamentos civis registrados, o número de famílias, independente da estrutura, cresceu aproximadamente duas vezes mais que a população em um todo. A partir desses dados é pos-

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sível concluir que as pessoas não estão deixando de formar suas famílias, porém, essas estão sendo constituídas a partir de múltiplas visões a respeito dessa instituição. Homens e mulheres têm optado por se adequarem a mo-delos nada tradicionais, que são centrados na aspiração de cada indivíduo e na excelência das relações. Ideais de vida revolucionários. Novas escolhas. Mudanças na legislação. Quebra de paradigmas. O poder impactante da mídia para tratar as transformações familiares. Cada um, em sua individua-lidade, tem suas verdades próprias e têm feito aquilo que lhe satisfaz plena-mente, pouco ou nada se importando com a forma como serão “julgados” pela sociedade. É necessário ter cautela quando se busca afi rmar o que écorreto ou não com relação às entidades familiares. Se é que existe errado ou certo nessa trama. O que acontece é que o ser humano em si possui muita difi culdade para lidar com aquilo que é novo, que é diferente. Não se trata de situações boas ou ruins, a questão é que muitos ainda não estão preparados para lidar com as mudanças.

MUDANÇAS E DADOS RELEVANTES OBSERVADOSNOS ÚLTIMOS TEMPOS

Onde está a famosa frase “até que a morte os separe”, fala marcante nas ce-rimônias religiosas e civis de casamento? Estaria ela sendo substituída pela expressão “se não der a gente separa”? As mudanças vigentes dos últimos tempos mostram que basicamente é isso que tem acontecido. As transfor-mações são provenientes de muitos fatores. Entre tantos, dois marcos im-pactantes na história do país são julgados como principais: o divórcio e o surgimento da pílula anticoncepcional. A adesão ao divórcio, legitimada no ano de 1977, quando virou lei no Brasil, trouxe a possibilidade de as pesso-as desfazerem seus casamentos e reconstruírem novas uniões, casando-se novamente. Nesse contexto, a união estável perde seu cunho irrevogável.

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Casar-se mais de uma vez se tornou comum e com isso abre-se espaço para novas combinações de família. Filhos que são de apenas um dos cônjuges.Avós que assumem a criação dos netos, após separação dos pais bioló-gicos. Filhos do homem e fi lhos da mulher que passam a morar juntos e considerarem-se irmãos. Família estendida. Adoção de crianças por diver-sos motivos. O último Censo Demográfi co realizado no ano de 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), revelou que “mais de 2,5 milhões de famílias brasileiras têm fi lhos de apenas um dos cônju-ges”. É aproximadamente uma média de 25 milhões de casais com fi lhos.Com base na pesquisa do referido instituto, cerca de 80% das famílias que têm seus fi lhos morando na casa dos pais são formadas de maneira tradi-cional, ou seja, família elementar. Entretanto, os percentuais das famílias reconstituídas são elevados. Ainda de acordo com o Censo, das 27.423.734 famílias reconstituídas analisadas no levantamento, 83% possuem um ou mais fi lhos que são do casal; 5,8% possuem um ou mais fi lhos apenas do cônjuge que se autodeclara responsável pela unidade doméstica. As famí-lias onde um ou mais fi lhos são apenas do cônjuge que não se autodeclararesponsável pela unidade doméstica representa 3,4%. O índice de famílias que possuem outras combinações que ainda não são caracterizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística é de 7,1%. O outro marco crucial para as mudanças familiares foi o surgimento da pílula anticoncep-cional que possibilitou às mulheres decidirem pelo momento da materni-dade ou até mesmo excluíram a possibilidade.

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A partir da década de 1960, (...) em escala mundial, difundiu-se a pílula anticoncepcional, que separou a sexualidade da reprodução e interferiu decisivamente na sexualidade feminina. Esse fato criou as condições materiais para que a mulher deixasse de ter sua vida e sua sexualidade atadas à maternidade como um “destino”, recriou o mun-do subjetivo feminino e, aliado à expansão do feminismo, ampliou as possibilidades de atuação da mulher no mundo social. A pílula, associada a outro fenômeno social, a saber, o trabalho remunerado da mulher, abalou os alicerces familiares, e ambos inauguraram um processo de mudanças substantivas na família. (SARTI, 1996, p.21).

Na amostra de Família e Domicílio divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE) o número de casais sem fi lhos, que era de 14,9% no ano de 2000, passou para 20,2% em 2010, levando em conta o total de famílias. A amostra afi rma que as “mudanças na estrutura da famí-lia, maior participação da mulher no mercado de trabalho, baixas taxas de fecundidade e o envelhecimento da população infl uenciaram no aumento da proporção de casais sem fi lhos.” Ainda de acordo com o IBGE, cer-ca de 12,2% de mulheres moram sozinhas sendo as únicas responsáveis pela criação de um ou mais fi lhos. Esse percentual representa cerca de 06 milhões do total. O número de homens que moram sozinhos, sendo responsáveis por um ou mais fi lhos chega a aproximadamente 900 mil, um percentual de apenas 1,8%. Com relação às zonas urbanas e rurais o número é bem dividido: somente 6,7% de mulheres que se encontram na situação citada, estão nas zonas rurais. Muitos casais veem a possibilidade de terem fi lhos como um empecilho para a vida a dois. Muitos dizem não à função mais comum da união entre homem e mulher, a reprodução, para poder fazer o que chamam de “curtir melhor a vida”. Vale lembrar que cada um tem seu conceito com relação a curtir a vida, para uns pode ser simples-mente realizar viagens, para outros pode ser frequentar festas e boates, sem

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se preocupar. O fato das mulheres dedicarem muito tempo ao trabalho e aos estudos, os planos de maternidade são adiados e até esquecidos. Al-guns casais são extremamente individualistas e optam por investir todo o tempo e dinheiro neles próprios.Outro ponto de discussão se dá com relação aos casais homossexuais, que têm travado uma batalha em busca do direito de se unirem formalmente. Essas uniões são justifi cadas, principalmente, pelo fato de desejarem estar juntos e se amarem. As restrições quanto à paternidade/maternidade desses casais também estão em pauta. Uma vez que, a princípio, são impossibi-litados de terem fi lhos, os mesmos têm lutado pelo direito à adoção de crianças. Direito esse já concedido a vários casais. Além da adoção, alguns casais de mulheres optam pela fertilização in vitro, processo realizado em clínicas (com sêmen).

UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO FAMILIAR CONTEMPORÂNEA

“ [...] Família, famíliaJanta junto todo dia,Nunca perde essa maniaMas quando o nenê fi ca doenteProcura uma farmácia de plantãoO choro do nenê é estridenteAssim não dá pra ver televisão. [...]”

(ANTUNES, Arnaldo; BELLOTO, Tony. Álbum “Cabeça de Di-nossauro”, 1986, WEA

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De que maneira as famílias tem se organizado com relação a seus hábitoscotidianos? Muitas “manias” que fazem muito bem ao relacionamento fa-miliar estão sendo deixadas à parte, como é o caso das refeições em con-junto. A família não consegue almoçar e jantar juntos, como há algumas décadas. O ritmo da sociedade é demasiadamente acelerado. A correria para dar conta de todos os afazeres é excessiva. As questões estruturais de uma casa ou de um escritório, como organização, limpeza e arrumação, até podem ser condicionadas a esse corre-corre. E as questões humanas? Os relacionamentos com as pessoas das famílias? Como fi ca a educação dos fi lhos ante esse ritmo? Poucas são as vezes que as crianças são capazes de administrar a ausência dos pais. Muitas atitudes e comportamentos dos pequenos são apenas um alerta da falta que sentem do pai e da mãe.No trecho da canção Família2, que foi lançada originalmente pela banda Titãs3, podemos ver que muita coisa vem mudando da década de oitenta até hoje. As manias comumente presentes nas famílias estão perdendo espaço. Colocar a mesa e realizar as refeições todos juntos era um costume. As diversas atividades em que se envolvem todos da casa, desde os fi lhos até os pais, não mais permitem essa ação. Os horários não coincidem. Os pais estão ocupados com reuniões e trabalhos extraordinários. Os fi lhos estão matriculados nas aulas de Inglês, de natação, de balé, de jazz, de futebol, de judô. Ou seja, mesmo as crianças estão com uma carga horária lotada. Será que sobra tempo para que as crianças brinquem com as brincadeiras que sintam vontade?

2Música lançada no ano de 1986. Décima faixa do CD “ Cabeça de Dinossauro”, da banda Titãs.3Banda Pop Rock nacional que surgiu na época da ditadura militar.

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O verso da canção que diz “(...) o choro do nenê é estridente, assim não dá pra ver televisão”, evidencia o quanto a mídia está, determinantemente, presente no cotidiano das famílias. Se for lançada uma pesquisa a respei-to dos maiores desafi os encontrados no dia a dia, certamente a questão destacada será com relação a falta de tempo para cuidar dos fi lhos, para dialogar e para acompanhá-los em suas atividades. Porém, se a rotina das famílias for acompanhada mais de perto, será constatado que a maior parte do pouco tempo que ainda resta é dedicado aos programas de televisão e principalmente às telenovelas. Não se trata de ter que ser impedidos de assistirem aos programas exibidos. Mas, se o tempo é tão reduzido, não estaria ele sendo desperdiçado nesses momentos?O momento em que o silêncio é exigido na sala para ouvir uma parte da novela é um tempo que poderia estar sendo usado para ouvir o que o fi lho tem a dizer. O choro da criança representa a carência que está sentindo.Atrelado à mídia, está o mundo virtual amplo, com redes sociais que exer-cem grande infl uência na vida das pessoas. As tecnologias distanciam as pessoas. Os relacionamentos fi cam prejudicados. O diálogo fi ca escasso. Esse distanciamento faz com que as questões familiares, principalmente a educação dos fi lhos e o que eles fazem, fujam do controle dos chefes da casa. Se a mãe e o pai da família estão trabalhando fora do lar, com quem fi cam os fi lhos? Quem fi ca sendo responsável pela educação dessas crianças? Como dar atenção necessária aos fi lhos se estão tão ausentes? Restam apenas os fi -nais de semana. Há possibilidade de promover a educação de uma criança tendo disponível apenas esse breve período?O fato de a mãe estar ocupando um lugar no mercado de trabalho, sua car-ga horária excessiva a torna alheia à educação familiar. Os fi lhos têm um elo, um laço muito estreito com a fi gura da mãe e acabam sentindo muito o não comparecimento. A ausência dos pais os levam a terceirizar as suas

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funções dentro da família. Tudo isso sempre atrelado ao trabalho. As coisas passam a funcionar a poder do dinheiro.Tudo é remunerado a alguém. Paga-se para levar e buscar os fi lhos na esco-la e também em todas as outras atividades que estiverem matriculados. Al-guém é pago para cozinhar, organizar, limpar e arrumar a casa. A lavagem do carro também é paga. Para olhar os fi lhos durante o dia alguém é pago. Para lavar e passar a roupa contrata-se uma pessoa. O problema então é o tempo e não questões fi nanceiras. Por que então, ausentar-se e delegar as funções a outras pessoas? A mulher sai de casa para trabalhar e receber um salário. Recebe e distribui a todos os serviços que contratou. Faz sentido? O dinheiro não representa problema algum, o problema é essa ausência na vida dos fi lhos. Uma das atitudes tomadas pelos pais, que representa um grande agravante nesse enredo é tentar suprir a falta através de bens materiais, comprando o que desejarem. O poder de aquisição de brinque-dos, eletrônicos e acessórios não pode ser confundido com o real sentido que esses bens representam na vida de alguém. Trata-se de querer ganhar a criança e trazê-la para perto. Essa é uma atitude com a qual se deve to-mar cuidado, pois gera na criança uma sensação de consumo e de poder, o que futuramente pode prejudicá-la e criar grandes problemas, caso seja contrariada. A família, independente de seus arranjos, é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo. É no meio familiar que a criança adquire os primeiros hábitos e valores essenciais para a vida. É também nessa institui-ção que o indivíduo começa a dar seus passos, conhece o mundo externo, a linguagem e a aprendizagem. Para Kaloustian, a família:

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[...] é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos fi lhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. É a fa-mília que propicia os aportes afetivos e, sobretudo materiais neces-sários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as gerações e são observa-dos valores culturais. (KALOUSTIAN, 1988, p. 22).

Os pais devem propiciar um ambiente favorável para a criança desenvol-ver-se plenamente, afi nal, “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família (...).” (ECA, Estatuto da criança e do Adolescente. Art.19)

A INFLUÊNCIA DA EDUCAÇÃO FAMILIAR NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

Em meio a todo esse transtorno, será que a família tem se feito presente na escola a fi m de unir os seus interesses aos da instituição escolar, para que realmente ocorra um processo de aprendizagem para as crianças? Os pais devem ter interesse constante pelo pleno desenvolvimento de seus fi lhos. Quando escola e família se unem, sem dúvida, o maior benefi ciado é o aluno e todas as partes envolvidas saem ganhando.A maioria das crianças que são acompanhadas pela família, quando come-çam a frequentar a escola apresentam um bom rendimento escolar e uma boa convivência com as demais crianças e educadores, não demonstrando difi culdade em respeitar as normas da instituição escolar.

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[...] a família não é somente o berço da cultura e a base da sociedadefutura, mas é também o centro da vida social. A educação bem suce-dida da criança na família é que vai servir de apoio à sua criatividade e ao seu comportamento produtivo quando for adulto. A família tem sido, é e será a infl uência mais poderosa para o desenvolvimento da personalidade e do caráter das pessoas. (GOKHALE, 1980, p.33)

É possível pensar, planejar e executar uma proposta pedagógica escolar que esteja desassociada dos valores pregados pela família? A criança pode ser vista isoladamente? O educando é também um ser pensante. A família é determinante na subjetividade da criança. Educadores. Educandos. Famí-lia. É impossível um olhar isolado.São os contextos e não a individualidade da criança que determinam e jus-tifi cam as difi culdades de aprendizagens. Para avaliar o desenvolvimento delas, é preciso considerar e analisar os contextos interpessoais e situacio-nais. Assim, tanto a família, quanto a escola podem contribuir positiva ou negativamente com o processo de formação infantil. Os modelos a serem imitados pelas crianças são vistos inicialmente no meio familiar. E poste-riormente no meio escolar.Cabe à escola dar continuidade aos ensinamentos que foram iniciados dentro do seio da família, em uma perspectiva científi ca, conceitual e sistemática dos conteúdos. Quando a educação familiar dos valores é defi ciente, fi ca também a função de introduzir infl uências boas. Assim, cada instituição tem o seu papel. Embora as famílias venham passando por diversas mudanças gradativas, continuam preservadas suas obrigações e tarefas. As demais ins-tituições que lidam diretamente com as famílias, como a escola e a igreja, entendem que não devem assumir o papel que a priori é da família.

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No Brasil, a própria Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determinam a participação dos pais para a efetivação do processo da gestão democrática nas esco-las. Entretanto, mais do que o cumprimento de uma determinação legal, a busca pelo fortalecimento dessa parceria colaborativa se apresenta, no atual contexto social, como um dos poucos caminhos viáveis para que escolas e famílias consigam superar as difi culdades que vêm enfrentando na educação de seus fi lhos/alunos. (LIMA; LUCK. 2006. p.8).

As famílias possuem suas particularidades e cada uma enfrenta suas difi -culdades e defasagens de um jeito único. É inválido que a escola busque defi nir um modelo de família e assim trace uma forma de trabalhar com elas. O que deve ser feito é conduzir os profi ssionais da educação que trabalham na execução da proposta pedagógica escolar a uma refl exão de qual é a melhor forma de lidar com as múltiplas estruturas familiares e toda carga que as crianças carregam consigo. Uma vez que a família ousar atribuir à escola, atitudes que são de caráter próprio, essa deve promover meios de conscientizá-la do seu verdadeiro papel. Afi nal, como faz enten-der a própria Constituição Federal:

É dever da família, (...) assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à edu-cação, ao lazer, à profi ssionalização, à cultura, à dignidade, ao res-peito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, ex-ploração, violência, crueldade e opressão.”( BRASIL,Constituição Federal, 1988, Art. 227)

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É preciso que os gestores considerem as famílias como elas são. É perda de tempo idealizar modelos satisfatórios. A família vive confl itos e afetos, por isso é viva, é mutante. O foco sobre essa instituição deve ser amplo. Todos os membros são importantes, portanto, a família não pode ser vista em fragmentos. O mais importante nesse momento é a parceria.Tudo o que a sociedade tem vivido tem suas causas e suas consequências que são sentidas por todos. Desse modo, se fazem emergentes a interação e a in-tegração entre família e escola, já que é necessário compreender e assimilar os diferentes modos de vida e de perspectivas sociais. Além disso, às institui-ções escolares cabe ainda a reformulação do currículo de modo a atender as demandas sociais. Nessa perspectiva, LIMA e LUCK afi rmam que:

É fácil entender, a partir de alguns conceitos-chave que guiam as novas perspectivas sociais, como essa integração é fundamental. No momento atual, o conceito de cidadania se torna onipresente e releva uma sociedade responsável por si mesma, madura e não de-pendente de um governo paternalista e amplamente provedor; sabe--se, ou aprende-se às vezes de forma dolorosa, que os problemas sociais podem atingir qualquer um - ninguém mais está a salvo das consequências das distorções e mazelas da sociedade, portanto há que ter responsabilidade social; e está comprovado que somente os processos participativos produzem um signifi cado concreto e du-radouro no desenvolvimento social e individual. A efetivação des-ses conceitos-chave no mundo atual - cidadania, responsabilidade social e participação - podem ser estimulados e fortalecidos pela Educação, em particular pelos processos pedagógico-educacionais realizados pela escola. (LIMA; LUCK. 2006. p. 14)

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Diferentemente do que acontecia em alguns anos atrás, em que a respon-sabilidade pelo fracasso da criança era transferida da escola para a família vice-versa, atualmente já se reconhece que educar adolescentes e crianças é uma tarefa árdua e muito complexa. Família e escola necessitam de apoio mútuo. Essa é uma obrigação recíproca dessas duas instituições. Portanto, é incontestável a necessidade da parceria entre elas.

INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CRIANÇA E NA RELAÇÃO COM A FAMÍLIA

Como os pais podem participar, efetivamente, de todo o processo escolar dos fi lhos?O discurso atual dos dirigentes das escolas afi rma que a família precisa estar maispróxima da instituição de ensino. Quais políticas e ações são desenvolvidas pelasescolas, a fi m de garantir uma parceria? Como escola e família dialogam? De que forma os pais são recebidos quando chegam às escolas? Qual é a postura da família com relação aos educadores?A escola deve ser aberta. Cada parte deve desenvolver sua função. Assim, a escola não toma para si o que é de competência da família. Ao mesmo passo que a família, respeita os limites da escola, pois, “exercer uma res-ponsabilidade comum, refl etir, decidir e agir em conjunto não signifi ca que seja necessário renunciar à autonomia nem à singularidade individual.” (PERRENOUD, 2004, p. 157).Perrenoud (2004) diz que “a escola não é responsável pela miséria e pela violência do mundo, nem pelos medos que a acompanham. Em compensa-ção, ela não pode ignorá-los.” Uma vez que está inserida na sociedade, a escola sofre todos os fatos infl uentes e as mudanças determinantes. Os va-lores, os ensinamentos e todas as contribuições feitas pela escola infl uen-

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ciam também na sociedade, já que, forma os indivíduos para a vida social. A sociedade determina a escola. A escola determina a sociedade.Os fi lhos têm a necessidade de sentir que há uma parceria amigável entre a escola em que está matriculado e sua família. Na medida em que notam a supervisão, o acompanhamento de seus estudos, o cumprimento das tarefas e o trabalho da instituição escolar, os fi lhos passam a compreender o quan-to é importante adquirir o saber e a seriedade de tudo isso. Além do mais, sentem-se apoiados em suas difi culdades e incentivados em seus progressos.A parceria permanente entre a instituição familiar e a instituição escolar sugere um caminho de mão dupla, ou seja, se os interesses da família dia-logam com os da escola, promovem o pleno desenvolvimento dos fi lhos/alunos. Os interesses sendo mútuos, logo, os resultados são satisfatórios. Vale ressaltar que um processo educacional equilibrado depende da com-plementação desempenhada pelas famílias. O clima nas relações de escola e família deve se dar de forma harmoniosa, o que é alcançado se houver uma mútua relação de confi ança.Os novos conceitos de escola democrática já contemplam a formulação do Projeto Político Pedagógico coletivamente. Dessa elaboração devem participar a equipe gestora, os professores, comunidade e pais, através dos conselhos de escola. Esse projeto é fundamental, pois permeia todas as ações da escola. Uma elaboração política e coletiva dessa ferramenta, já representa um passo para a parceria da escola com os pais e comunidade. É essencial a adesão dos pais às propostas pedagógicas. Isso ocorre quando se sentem respeitados e acolhidos.Quando a família acompanha de perto o desenvolvimento escolar do fi lho, torna-se apta a colaborar. Outro aspecto positivo do acompanhamento fa-miliar é contribuir, indiretamente, para que a autoridade do educador seja reconstituída. Sabe-se que a disciplina é um fator determinante em sala de aula, para que a aprendizagem aconteça. Por sua vez, o professor deve

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estar bem preparado e seguro. As críticas feitas sem uma base concreta, os questionamentos e a superproteção aos fi lhos, praticados por alguns pais, incentivam a desmotivação e a indisciplina dos mesmos.É um círculo vicioso que precisa ser rompido. A escola é uma instituição que tem um caráter formativo. Os professores devem exercer suas compe-tências técnicas, pois foram também formados para atuar nessa área. Mui-tas escolas têm promovido a formação de grupos, momentos de formaçãoe interação também para as famílias. O intuito é aproximar, instruir, in-centivar a participação e ampliar os conhecimentos a respeito do contexto escolar. Um exemplo claro é o Dia Nacional da Família na Escola, criado no ano de 2001 pelo Ministério da Educação.Várias instituições estão indo mais além e promovendo, durante o ano le-tivo, diversas palestras realizadas por profi ssionais da área abordada, por exemplo, distúrbios de aprendizagem, alimentação, saúde bucal, confl itos familiares, dentre outros.Outra ação adotada por algumas instituições é a Associação de Pais e Mes-tres (APM). O trabalho conjunto de professores e pais é capaz de garantir melhorias no processo de ensino-aprendizagem das crianças e até mesmo na melhor organização dos espaços físicos da escola e aquisições.Podemos fazer uma ressalva. A participação dos pais não exige tempo e sim dedicação. O mais importante é deixar evidente o quanto acreditam no trabalho da escola. Devem levar os fi lhos a entenderem que estudar é ne-cessário e não se trata de uma opção. A atenção aos comunicados da escola e o comprometimento com a escola explicitam às crianças qual dimensão tem a escola para os pais. O que a escola mais precisa é o apoio da socieda-de e da família, para desempenhar efi cientemente seu papel.

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