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A INDÙSTRIA QUÍMICA NO BRASIL
Autor: Alexandre Ambiel Barros Gil Duarte (Ciências Sociais; UEL).
Co-autor: Ronaldo Baltar.
Palavras-chave: Indústria Química; Responsabilidade Social; Meio Ambiente.
INTRODUÇÃO
O presente estudo se presta a uma análise de empresas do setor químico com
atuação no Brasil. O comportamento dessas empresas relacionado aos direitos trabalhistas
discutido principalmente pela Organização Mundial do Trabalho (OIT), seu impacto
industrial sobre o local de atuação e sua política frente às questões ambientais. A
necessidade de altas tecnologias e sua constante renovação apresenta o setor como uma
área estratégica para qualquer país que busca o desenvolvimento. Mas ao que, de fato, nos
referimos quando falamos de uma empresa química? O que é o setor químico brasileiro e
que tipo de empresas ele agrega?
1. SOBRE A INDÚSTRIA QUÍMICA
A definição de uma indústria química pode causar confusão que em muito se da
pelo mercado consumidor desses produtos, além de processos de transformação distintos. O
refino de petróleo é um exemplo, pois este configura a indústria petroquímica que é voltada
ao setor energético. Defensivos agrícolas voltados à agricultura, os produtos
farmacológicos voltado à industria farmacêutica e assim por diante. Além disso, a ausência
de algumas atividades na definição, como resinas termoplásticas e de borracha sintética,
também é um erro comum. Em suma, consideramos indústria tipicamente química no Brasil
aquela que trabalha com os seguintes segmentos: químicos inorgânicos, químicos
inorgânicos; resinas e elastômeros; fibras, fios, cabos e filamentos contínuos artificiais e
sintéticos; defensivos agrícolas; produtos de limpeza em geral; farmoquímicos e
farmacêuticos; artigos de perfumaria e cosméticos; tintas, vernizes, esmaltes e afins; e
produtos de preparação química diversos. Essa classificação de indústria química é
brasileira, mas baseado nos critérios estabelecidos pela ONU.
Essa definição compreende dificuldades no entendimento, pois convergem empresas
químicas em diferentes ramos comerciais. Cada indústria é voltada à seus respectivos
mercados comerciais e suas caracteristicas. Entretanto, todas lidam com o processo de
transformação da matéria em âmbito químico. E é justamente essa característica da qual nos
prenderemos para analisar os químicos em geral.
É essa abrangência comercial do setor, que da ao mesmo um caráter estratégico. Os
produtos nele fabricados são essenciais nas atividades humanas englobando desde o
tratamento de água esgoto, na conservação e produção de alimentos, fundamental na
medicina, na construção civil, e nas tecnologias de informação, além de outros. A química
está, portanto dentro do nosso cotidiano. Ela faz parte de nossas mais diversas práticas, das
mais simples as mais elaboradas. Dada tal relevância, é de se notar que todos os países que
desejam um desenvolvimento tecnológico/econômico tentam cultivar uma indústria forte.
Concordamos com Galembeck* (2007) que uma interessante característica do setor
no Brasil, frente a esse leque de empresas que competem em diferentes frações do mercado
comercial, é o seu bom nível de organização, seja por entidades setoriais como a Abifina e
a Abrafati, seja pelo âmbito nacional, da qual a Abiquim é a grande representante.
A Abiquim é uma entidade, sem fins lucrativos, que congrega indústrias químicas
em todo o país de pequeno, médio e grande porte. Segunda a própria entidade “a Abiquim
está estruturada para realizar o acompanhamento estatístico do setor, promover estudos
específicos sobre as entidades e produtos da indústria química, acompanhar as mudanças na
legislação e assessorar as empresas associadas em assuntos econômicos, técnicos e de
comércio exterior”. Além disso, a Abiquim é a representante oficial do setor dentro do
Conselho Internacional das Associações da Indústria Química – ICCA, entidade de âmbito
mundial.
A Abiquim representa o setor químico. Seus interesses, suas verdadeiras
preocupações. É um auxílio para uma melhor atuação dentro do mercado comercial. E isso
se da necessária à medida que, dentro de um estado nos parâmetros do neoliberalismo, as
empresas necessitem de uma representação de peso dentro dos governos, como um órgão
regulador que vise o interesse em comum do setor. A Abiquim também, de fato, apresenta
um relatório anual sobre o setor em geral, com ênfase em segurança, meio ambiente,
transporte e gestão dos produtos, mas sua definição, em ultima instancia, é peso
representativo frente aos governos nacionais e internacionais. Defendendo sempre os
interesses comerciais dessas empresas.
2. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS.
Responsabilidade social é uma das palavras chave desse trabalho, e vejamos o
porque. Definimos o termo aqui como toda ação empresarial (nos referimos à ação
empresarial, pois ela melhor exemplifica o foco de nosso objeto de estudo) que siga
padrões de trabalho decente estabelecidos pela OIT (Organização Internacional do
Trabalho) que segundo a mesma “é um trabalho produtivo e adequadamente remunerado,
exercido em condições de liberdade, equidade, e segurança, sem quaisquer formas de
discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu
trabalho”.
Igualmente importante para exemplificar a responsabilidade social é a relação da
empresa para com o meio material, ou seja, com os meios de produção, abrangendo a
exploração de matérias primas, as tecnologias que poluem o meio ambiente numa extensão
que abranja toda cadeia produtiva, da extração de matérias primas até o consumo.
Nota-se que o termo responsabilidade social abrange a sociedade num todo sem se
prender a suas necessidades aparentes, da qual a prática da filantropia seria mais bem
sucedida.
A filantropia se associa em muito com uma ação social. Aliás, ela é, de fato, uma
ação social. Uma ação social é toda prática com efeito na sociedade ou que diz respeito a
ela de maneira imediatista ou que interfira em uma pequena fração desta, como uma família
ou um grupo de jovens isolados, por exemplo. Tomamos essa definição como necessária,
pois se deve distinguir o termo ação social com o de responsabilidade social. A
responsabilidade social é aquela da qual a empresa se propõe previamente a cumprir, como
respeitar os direitos trabalhistas, por exemplo. O termo está relacionado também com a
sociedade num todo e onde a empresa assume para si a responsabilidade pelas suas ações,
abrangendo toda a cadeia produtiva. A responsabilidade social em sua prática é uma ação
social, entretanto, nem toda ação social se refere às responsabilidades sociais da empresa. E
essa característica é de fundamental importância para uma análise do discurso das
empresas, não somente na indústria química como no meio do trabalho num todo. A
particularidade dos químicos nesse contexto se da à medida que essas indústrias têm uma
capacidade poluidora enorme e uma relevância, por parte dos governos, que em muitos
aspectos perpassa o social e visa somente o político/econômico (entraremos afundo nessa
questão mais à frente). Em suma, o termo ação social é abrangente demais para designar a
prática exigida das empresas. De fundamental importância, temos que a responsabilidade
inclui que as mesmas são responsáveis por suas práticas.
A responsabilidade social vem sendo discutida recentemente por causa das
mudanças ocorridas aproximadamente nos últimos 30 anos. Estamos nos referindo a um
quadro social que se pretende a pensar nas questões sociais e nas ambientais, de maneira
mais crítica. De oposição a um modelo econômico. Um modelo econômico onde o lucro
media as relações hoje se da maneira insustentável. E verificamos isso claramente com o
neoliberalismo. E a indústria química tem papel fundamental nesse processo. Ela é uma
grande “consumidora e produtora” de capital tecnológico, sendo ambicionada por todos os
países com interesses de desenvolvimento, como o próprio Galembeck* (2007) já afirmara.
Além disso, na fabricação de segmentos, está envolvido processos fortemente nocivos à
natureza, onde tecnologia e capital são fundamentais para o controle desse impacto.
Questionamos aqui também a suposição de que os chamados países desenvolvidos,
sendo o eixo EUA, Europa e Japão os principais representantes, estariam “empurrando” a
atividade industrial química para regiões subdesenvolvidas onde as leis ambientais e sociais
seriam mais flexíveis. Como já afirmamos, as indústrias químicas lidam com uma grande
quantidade de capital da qual é de interesse de diversos países, tanto de subdesenvolvidos
como os desenvolvidos.
Lembramos que toda análise aqui referida sobre responsabilidade social está
baseada nos direitos fundamentais do trabalho definidos pela OIT (Organização
Internacional do Trabalho), em um consenso entre governos, empresas e trabalhadores, que
deve seguir os preceitos de liberdade sindical, negociação coletiva, e visando a erradicação
do trabalho infantil, trabalho escravo, discriminação contra gênero e raça.
3. NEOLIBERALISMO
Observando mais de perto o que comumente se chama de neoliberalismo, podemos
entender que o mesmo é um conjunto de medidas no plano macroeconômico que visa a
reestrutura do capital. Autores como Perry Anderson (1995) afirmam que a origem do
neoliberalismo se da a partir da segunda guerra mundial em uma reação contra o
keynesianismo com seu intervencionismo estatal e a social democracia com o estado de
bem estar social. Porém, só a partir da década de 1970, com a crise inflacionária somada às
baixas taxas de crescimento econômico da maioria dos países capitalistas, é que a
“ideologia” neoliberal ganhou força. Ela seria uma reação contra um aumento da
participação e do controle dos trabalhadores sobre as relações de trabalho
Importante ressaltar que o termo neoliberalismo não pode ser tomado aqui de forma
a suplantar o entendimento sobre as questões inseridas dentro do capitalismo
contemporâneo. O termo por si só não explica nada. O importante se ter nessa explicação é
que as medidas aqui analisadas do capitalismo em si, e do setor químico em especial,
acontece com mais ou menos fatores relacionados à concepção neoliberal de mercado. Não
podemos cair no erro comum de colocar o neoliberalismo como um “ser causador” de suas
próprias características. Entretanto, apontamos notáveis mudanças que interferem não só
dentro do setor químico, mas em todo mundo capitalista. Vamos a elas.
O neoliberalismo entra como um “regulador da ordem”, isto é, como uma nova
política para o restabelecimento das taxas de lucro por parte das empresas. E nesse ponto,
concordamos com Marcelino que entende esse restabelecimento da seguinte forma: as
empresas apresentam ações voltadas aos acionistas visando sempre taxas elevadas de lucro;
os governos seguem os interesses das empresas com políticas sociais de diminuição dos
custos relacionados ao trabalho, e com influência para com interesses das empresas no
âmbito político internacional. Nota-se que, segundo neoliberalismo, os governos e as
empresas agem em conjunto para uma melhor atuação sob o mercado de trabalho, e isso
fica nítido à medida que governos beneficiam empresas com vantagens fiscais, monopólio
de comercio, desamparo com a questão ambiental, o que em nossa visão significa seguir os
interesses capitalistas de maximização dos lucros. Essa maximização segue uma lógica que
condiz para determinadas empresas, nesse caso era com as empresas internacionais que ela
condizia melhor. Pois a indústria química brasileira ainda não estava preparada para
tamanho desafio.
Como vimos, na nova estruturação do capital, da qual convencionamos chamar de
neoliberalismo, a abertura dos mercados nacionais se da de fundamental importância. E isso
fica muito claro dentro do setor químico no Brasil. Essas mudanças começam a ocorrer a
partir do governo Collor com medidas que favoreciam a abertura comercial. Segundo Silva
(2003) essa mudança causou um aumento na concorrência justamente em um momento de
recessão da economia nacional. Além disso, o mercado nacional ficava sensível às
flutuações dos preços internacionais dos produtos químicos à dinâmica mundial.
A abertura dos mercados nacionais ajudou a provocar a dependência do setor
químico. Vejamos o porque.
Segundo a Abiquim, em 2007, as exportações somam US$ 10,7 bilhões (um
aumento de 19,6% em relação a 2006) contra o recorde de US$ 23,9 bilhões em
importações (além do aumento de 37,8% em relação a 2006). A carência de matérias
primas é umas das causas do encarecimento da produção. Além disso, o Brasil não tem uma
tecnologia forte que auto-sustente a demanda interna.
Além disso, como já colocamos, o Brasil abriu seu mercado interno à concorrência
externa. Os lucros de num setor, que depende de muito capital e tecnologia, só são rentáveis
a partir de escalas altamente produtivas e isso a indústria química brasileira não estava
pronta para enfrentar. Os preços são determinados por um ciclo de produção que foge as
condições nacionais. Toda essa pressão comercial empurra as indústrias químicas a se
“adaptarem” as novas condições de mercado. As empresas vendem suas fábricas, e o
capital externo domina boa parte da indústria brasileira. Além disso, a desregulamentação
do setor acaba sendo uma das inovações decorrente de uma nova estrutura de produção.
A desregulamentação é a eliminação de barreiras ou travas burocráticas que
emperram o processo de acumulação de capital. Caracteriza-se por uma maior liberdade de
atuação da empresa na relação com o meio trabalhista, por exemplo, além de leis
ambientais ou na relação com outras empresas.
O descumprimento dos direitos dos trabalhadores ou o descuido com normas de
segurança é um dos terríveis exemplos que a desregulamentação pode provocar. A questão
é que isso se da de forma legal, de “adaptação” de uma lei ao processo acumulativo. É
justamente na modificação jurídica que a desregulamentação se insere, como uma solução
para superar a rigidez do direito e do mercado de trabalho. O meio ambiente é outro
possível prejudicado. A manutenção das fiscalizações ou as tecnologias para diminuir o
impacto na natureza dos processos químicos encarece os custos da produção. Por fim, a
desregulamentação pode dar a empresas vantagens fiscais, como diminuição de impostos,
concorrência desleal. As privatizações são bons exemplos. Porém, processo de
desregulamentação não consegue explicar a totalidade de relações do âmbito neoliberal,
entretanto, ela pode ajudar a pensar que a atuação legal dessas empresas nem sempre
responde a uma questão que, antes de qualquer outra, é uma questão ética de
responsabilidade social.
4. MEIO AMBIENTE
Entendemos essas características como uma reestruturação que se da em meio
produtivo também. E nesse ponto cabe uma reflexão sobre os recursos materiais da qual o
setor se apropria. Temos previamente que a transformação química de produtos traz
consigo uma vasta necessidade de matérias primas e energia. Além disso, a atividade
industrial leva a conseqüências danosas, como poluição de rios, da atmosfera, etc.
Comumente, apontam-se dois grandes problemas, nos países em desenvolvimento,
com relação à questão ambiental. O primeiro é a carência tecnológica para avaliar os
verdadeiros danos causados pelo uso de substâncias que, de fato, apresentam reações
nocivas ao meio ambiente. O segundo é a falta de verbas para avaliar os produtos pelos
quais já dispõe de dados. Em ambos dos casos, podemos entender que a falta de estrutura
do setor nesses países seria o principal problema. Entretanto, as atividades industriais do
setor nesses países, assim como muitos outros, ficam de responsabilidade de empresas
privadas. Multinacionais principalmente. A falta de estrutura, portanto deve ser um ponto
revisto nessa análise. Admitimos sim que a falta de recursos interfere de forma a prejudicar
os estudos no setor, mas a responsabilidade das empresas atuantes é de fundamental
relevância, pois elas é que de fato investem o capital, organizam a produção e dominam o
comercio. Necessário também que relatórios sócio/ambientais sejam rotineiros. Pois eles
beneficiam posteriores pesquisas e análises críticas.
No Brasil a Abiquim, de fato, apresenta um relatório anual com ênfase em meio
ambiente, segurança e transportes e gestão de produtos. Apesar do relatório se demonstrar
insuficiente para uma análise crítica mais profunda, ele é importante para que se forme um
constante “esclarecimento” da situação ambiental e social.
CONCLUSÃO
As mudanças ocorridas no Brasil a partir da década de 1990 colocam novos desafios
as empresas e a sociedade. As ameaças com a concorrência e a percepção de novas
oportunidades abrem um leque de políticas e estratégias que, em muito, se da de forma
prejudicial socialmente e ambientalmente. Busca-se na indústria química uma estratégia de
desenvolvimento, tecnológico, econômico, político, pois o capital nele inserido é demais
ambicionado. Ressaltamos aqui e ao longo do artigo, que as questões ambientais e sociais
não podem ser colocadas em segundo plano. Entretanto, culpar o setor como um todo por
suas ações é um erro. Temos que analisar essas empresas tomadas como “vontades
independentes”, no sentido de que são responsáveis por suas ações. Não nos contrapomos à
idéia de um setor, ou uma abstração dos químicos. O que defendemos aqui é que
determinadas práticas químicas nocivas a sociedade são antes cometidas por empresas, que
seguem interesses próprios distintos do meio social.
Não podemos correr o risco também de não tomarmos esse poder empresarial como
força política. Ela em suma se apresenta como força política. A atuação de governos e
empresas é, conforme vimos nas características do neoliberalismo do setor químico
brasileiro, um resultado disso. A Abiquim idem. O importante é sempre ter o quanto a
sociedade seria um resultado desse processo.
BIBLIOGRAFIA
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RIPPEL, Márcia e ROSSETO, Renato. Indústria Química: Evolução Recente, Problemas e
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