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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ
CURSO DE DIREITO
NÍKOLAS SALVADOR BOTTÓS
A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DO ESTADO ESTRANGEIRO FRENTE AO DIREITO BRASILEIRO
SÃO JOSÉ 2007
NÍKOLAS SALVADOR BOTTÓS
A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DO ESTADO ESTRANGEIRO FRENTE AO DIREITO BRASILEIRO
Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.
Orientador: Professor Doutor André Lipp Pinto Bastos Lupi
SÃO JOSÉ
2007
NÍKOLAS SALVADOR BOTTÓS
A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DO ESTADO ESTRANGEIRO FRENTE AO
DIREITO BRASILEIRO
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em
Direito e aprovada pelo curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Educação São José.
Área de Concentração:
São José, 2007
Professor Doutor André Lipp Pinto Bastos Lupi UNIVALI
Orientador
Prof.
Instituição de ensino
Membro
Prof.
Instituição de ensino
Membro
Gostaria de dedicar este trabalho a minha família, que é meu suporte para seguir em frente e nunca esmorecer. Meu pai, Marco
Antônio. Minha mãe, Laudila. E meus irmãos, Arthur, Tiago e Thalissa. Vocês são o motivo da
minha vitória. Eu amo vocês.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer, primeiramente, ao meu orientador André Lupi, pela
paciência e pela cobrança, assim como pela amizade. Com certeza só concluí tal
pesquisa pois tive o senhor para me guiar.
Gostaria também de agradecer meus amigos do campus de São José, Bruno,
Douglas, Emílio, Fernando Gama D´Eça, Flaviano, Goldmeier, Jean, Juliano, Marcel,
Thiago, Ricardo Anderle, Russi e Zany; aos meus amigos do campus de Itajaí, Bruno
Schmidt, Pablo, Paulo, Rodrigo e Willian; e aos meus amigos dos velhos tempos,
Camilo, Elísio, Maurício, Klaus, Kristiano e Ricardo. Agradeço vocês pelos bons
momentos que passamos juntos, que com certeza ficará nas nossas memórias para
sempre, assim como os próximos que passaremos ainda.
ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
Art. – Artigo
Arts. – Artigos
CIJ – Corte Internacional de Justiça
CDI – Comissão de Direito Internacional
DIP – Direito Internacional Público
EUA – Estados Unidos da América
ONU – Organização das Nações Unidas
p. – Página
vs. – Versus.
RESUMO
Neste trabalho procuramos estudar a forma que os tribunais brasileiros aceitam a
imunidade de jurisdição. Com isso tentamos mostrar também a evolução do estudo
da matéria como um todo, não só em âmbito nacional, como em internacional. A
teoria da imunidade de jurisdição nasceu em uma forma mais rígida, chamada
absoluta, mas com o passar dos anos foi se tornando cada vez mais flexível,
passando para a forma chamada relativa. Os tribunais ao redor do globo
acompanharam essa mudança, assim como os tribunais brasileiros, que foram
mudando sua forma de aceitar a imunidade de jurisdição, sentença à sentença, até
alcançar o patamar que se encontra hoje, de uma imunidade cada vez mais relativa,
e por conseqüência, mais justa.
Palavras chave: Imunidade. Jurisdição. Absoluta. Relativa.
ABSTRACT
In this work we´ve tried to study how the Brazilian courts accept the sovereign
immunity. Doing this, we´ve tried to show too the evolution of the study of the theme
not only in Brazil, but also around the world. The sovereign immunity theory born in a
rigid form, called absolute theory, but with time, this concept have changed, turning
into a more soft one, called relative theory. The courts around the globe followed that
change, like the Brazilian courts, that keep changing the form they accept the
sovereign immunity, trail by trail, until they reached the point that they are now, of a
immunity more and more relative, and by this, with more justice.
Keywords: Immunity, Sovereign, Absolute, Relative.
SUMARIO
SUMARIO...........................................................................................10
INTRODUÇÃO....................................................................................10
1 O INSTITUTO DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO..........................12 1.1 CONCEITO.......................................................................................................12 1.2 FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL APLICADOS À IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO..........................................................................................................15 1.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS ESTADOS SOBERANOS.......................17
2 TEORIAS ACERCA A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO...................20 2.1 TEORIA ABSOLUTA.......................................................................................20 2.2 TEORIA RELATIVA .........................................................................................24 2.3 A PRÁTICA DA IMUNIDADE RELATIVA .......................................................27 2.3.1 TATE LETTER...................................................................................................27 2.3.2 EUROPEAN CONVENTION ON STATE IMMUNITY...................................................29 2.3.3 FOREIGN IMMUNITY ACT ...................................................................................30 2.3.4 STATE IMMUNITY ACT.......................................................................................32 2.3.5 OUTROS ATOS .................................................................................................33
3 RECEPÇÃO DA IMUNIDADE RELATIVA NO BRASIL .................37 3.1 EXAME DA DOUTRINA DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO............37 3.2 JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA NA MATÉRIA...........................................40 3.2.1 TRABALHISTA ..................................................................................................41 3.2.2 COMERCIAL E CIVIL ..........................................................................................42 3.2.3 TRIBUTÁRIO.....................................................................................................47
CONCLUSÃO.....................................................................................49
REFERÊNCIAS ..................................................................................51
10
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto a imunidade de jurisdição do Estado
estrangeiro frente ao direito brasileiro.
O seu objetivo é analisar a forma que a imunidade de jurisdição estatal vem
sendo tratada ao longo dos anos, primeiramente no âmbito internacional, para
depois passar à analise da mesma no direito brasileiro.
Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando dos aspectos históricos da
imunidade de jurisdição. Seus princípios norteadores, par in parem non habet
imperium e the king can do no wrong. Também há a análise das fontes do D.I.P. que
embasam a imunidade de jurisdição. E por fim, a igualdade jurídica entre os Estados
soberanos, direito que permeia a imunidade de jurisdição.
No Capítulo 2, tratando das teorias sobre a imunidade de jurisdição, que no
principio era mais rígida, sendo chamada de absoluta, mas que ao longo dos anos
foi se tornando mais maleável, sendo esta teoria chamada de relativa. A teoria
absoluta não faz distinção à conduta do Estado, considerando qualquer ação em
face de um Estado estrangeiro permissiva a imunidade de jurisdição. Já a teoria
relativa faz a distinção entre os atos de gestão e os atos de império praticados pelo
Estado estrangeiro. Por fim, há a análise da prática da teoria relativa, passando
pelos atos que internalizaram a imunidade de jurisdição em alguns países. Tais atos
regularam os limites concernentes ao aceite da imunidade de jurisdição.
No Capítulo 3, tratando da forma que o Brasil vem aceitando a imunidade de
jurisdição ao longo dos anos. Neste capítulo há a análise doutrinária e
jurisprudencial do tema.
A presente pesquisa se encerra com as considerações finais, nas quais são
apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à
continuidade dos estudos e das reflexões sobre a imunidade de jurisdição dos
Estados estrangeiros.
Para a presente Monografia foram levantadas as seguintes hipóteses:
- A corrente dominante aceita a imunidade de jurisdição como relativa.
- O Brasil aceita a imunidade de jurisdição como relativa.
11
- Há a delimitação das áreas aceitas pelos tribunais brasileiros como sendo
exceções à imunidade de jurisdição.
Quanto á metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação
foi utilizado o Método Dedutivo-Indutivo, na fase de tratamento de dados o Método
Cartesiano, e, o relatório de resultados expresso na presente Monografia é
composto na base lógica Dedutiva-Indutiva.
12
1 O INSTITUTO DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
1.1 CONCEITO
A imunidade de jurisdição é um costume do direito das gentes,
baseada na máxima “par in parem non habet imperium”, ou seja, “entre pares não há
império”. Embora alguns países tenham legislado internamente acerca de tal tema, o
Brasil ainda não o fez, assim como não ratificou nenhuma convenção ou tratado
internacional sobre o tema, portanto a Imunidade de Jurisdição, perante os tribunais
brasileiros tem por, fundamento jurídico o costume internacional, ou seja, uma
prática geral aceita como sendo de direito, como diz o art. 38 do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, fato que trouxe várias complicações para seu entendimento
como norma jurídica como veremos mais adiante.
Sobre o principio e a fonte de direito norteadores da imunidade de
jurisdição, disse Rezek:
Honrava-se em toda parte, apesar disso, uma velhíssima e notória regra costumeira sintetizada no aforismo par in parem non habet judicium: nenhum Estado soberano poderá ser submetido, contra a sua vontade à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado1.
Cumpre-nos ressaltar que a máxima latina par in parem non habet
judicium utilizada por Rezek tem o mesmo significado da par in parem non habet
imperium, haja vista que ambas surgiram do mesmo norte, que é a igualdade entre
Estados soberanos. Tal igualdade é um direito de todo Estado soberano, e acerca
dele escreveu Celso Albuquerque de Mello:
O principio da igualdade jurídica, segundo Podestá Costa, tem as suas origens na doutrina e nas obras de Puffendorf e Vattel, e na prática diplomática da Paz de Westfália(1648), que fora um tratado coletivo concluído “sem que se levasse em consideração diferenças de confissão religiosa ou de regime político”. Todavia, foi somente nos meados do século XIX que o princípio da igualdade jurídica se firmou na vida internacional. Este fato ocorreu acima de tudo porque
1 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar, 5ª Ed., São Paulo: Saraiva, 1995.p. 121.
13
o DI deixou de ser um direito europeu para ser realmente um direito internacional de aspecto universal. A igualdade é uma defesa da soberania dos Estados.2
A palavra jurisdição é alvo de vários equívocos, por ser uma palavra
plurívoca, isto é, com várias acepções diferentes.. A primeira, da delimitação
territorial da atuação de um certo poder estatal, o que não interessa no momento. A
segunda, e o conceito de jurisdição adequado para seguir no deslinde de tão
delicado tema, vem do significado latino da palavra jurisdição, que seria “juris”,
direito, e “dictio”, fala, que combinados significa a capacidade de um Estado em
dizer o direito.
Acerca da utilização do conceito de jurisdição, disse Madruga Filho:
Referimo-nos, com maior freqüência, à jurisdição como dístico da função de dizer o direito, ora alargando-a, tanto à atividade legislativa quanto à judiciária,[...], ora reduzindo-a a dístico específico da função exercida pelo Poder Judiciário, ou, melhor, pelos órgãos jurisdicionais, haja vista que estes não existem apenas no Poder Judiciário3
Sendo assim a imunidade de jurisdição, ou imunidade à jurisdição, é a
isenção, a desobrigação de um Estado soberano de ser tocado pelo poder estatal
específico, a jurisdição, de um outro Estado soberano, como diz Mandalozzo:
A imunidade de jurisdição nada mais é do que uma restrição a um dos direitos fundamentais do Estado, não se tratando de um Estado mais forte sobre outro mais fraco. Esta restrição é admitida pelo direito internacional, onde certas pessoas podem continuar se sujeitando às leis penais e civis de seus próprios Estados, em determinadas circunstâncias.4
Existem dois tipos de relação jurídica no caso da imunidade de
jurisdição: uma primária, no momento em que surge o conflito entre particular e um
Estado estrangeiro, que normalmente é o réu; e uma secundária, que surge quando
a jurisdição é provocada e há o conflito entre o Estado-réu e o Estado-juiz.
2 MELLO, Celso Duvivier Albuquerque. Curso de direito internacional público. 10 ed. v. 1. Rio de Janeiro: Renovar. 1994. p. 383 3 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A Renúncia à Imunidade de Jurisdição pelo Estado Brasileiro e o novo Direito da Imunidade de Jurisdição, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 71 4 MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de jurisdição dos entes de direito público externo na justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. P. 24
14
A relação secundária só se faz presente no caso do Estado-réu se
recusar a se submeter à jurisdição do Estado-juiz, fato este que cria um conflito que
deverá ser regido pelas normas processuais do Direito Internacional Público. Esta
recusa cria, a princípio, um incidente processual, chamado imunidade de jurisdição.
Como incidente processual que é, não há a necessidade de um procedimento
específico, sendo feito por simples petição ao juiz competente, que deverá apreciar o
pedido, decidindo pela encerramento, ou não, da lide.
O caráter processual da imunidade de jurisdição causa, em muitos
casos, uma confusão com a questão da incompetência do juízo. Para desfazer essa
confusão cabe fazer uma explicação, de que a incompetência do juízo se faz em
relação ao foro, onde a jurisdição continua a ser do Estado, porém é o foro que está
incompetente. No caso da imunidade, não só o foro, como toda a jurisdição do
Estado é inepta.
Como bem diz Madruga Filho5, a simples manifestação da imunidade
de jurisdição não impede o Estado-juiz de conhecer a lide, pois esta imunidade não
é mais absoluta, sendo somente aceita em algumas situações preestabelecidas, e é
por isso que, a princípio, a imunidade de jurisdição é tida como incidente, pois ela
pode nem mesmo ser deferida pelo juiz.
Contudo, com a constatação da mesma, ela torna-se um obstáculo
processual, pois impedirá o Estado-juiz de agir em face da imunidade argüida pelo
Estado-réu. Criar-se-á então um conflito internacional, que deverá ser dirimido
levando em conta a interpretação do Direito Internacional Público, combinando-o
com os limites impostos pelo direito interno.
Acerca disso, Madruga Filho6 diz que:
A imunidade de jurisdição cognitiva se classifica, processualmente, como uma questão independente da decisão de mérito da lide. Ou seja, antes de resolver o problema de fundo que norteia o litígio, o juiz deve avaliar se o Estado réu é imune à jurisdição nacional, assim como preliminarmente também deve verificar se a causa está nos limites da competência que lhe atribui a lei interna.
5 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. Prática da imunidade dos Estados soberanos: perspectiva brasileira In:
MADRUGA FILHO, Antenor Pereira (coord). GARCIA, Márcio (coord). A imunidade de jurisdição e o Judiciário brasileiro. Brasília: CEDI, 2002. p. 129-185. 6 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. Prática da imunidade dos Estados soberanos: perspectiva brasileira In:
MADRUGA FILHO, Antenor Pereira (coord). GARCIA, Márcio (coord). A imunidade de jurisdição e o Judiciário brasileiro. Brasília: CEDI, 2002. p. 134-135.
15
Há a possibilidade de um Estado regular os limites da imunidade de
jurisdição, embora o Brasil não tenha a utilizado. Nações como E.U.A., Reino Unido,
Austrália e Argentina, somadas à União Européia, trazem em suas leis as formas de
provimento e as exceções para a aplicação da imunidade.7
Reforçando a afirmação de que o direito interno brasileiro não legislou
acerca da imunidade de jurisdição, diz Silvana Mandalozzo8:
No Brasil, não é objeto de lei e encontra ‘seu único fundamento na antiqüissíma regra costumeira’, que proíbe a jurisdição de um Estado sobre o outro. Salienta-se que a regra de imunidade absoluta cedeu lugar a uma concepção restritiva de imunidade.
O Estado, para ver se aceita ou não o pedido de imunidade, deverá
analisar o Estado estrangeiro, seus bens, agentes e Forças Armadas, para ver se
tem poder de jurisdição sobre estes. Para explicar este conceito, assim explicitou
James Brierly9:
Este princípio, que é uma verdadeira norma de direito consuetudinário e não de simples cortesia internacional, traduz-se em que os Estados estrangeiros soberanos, os seus bens e os seus representantes oficiais estão isentos da jurisdição local, a não ser que esses Estados nela consintam. Quer isto dizer que todas as questões que surjam entre o soberano territorial e um Estado estrangeiro só poderão ser apreciadas por via diplomática ou numa assembléia internacional, a menos que o Estado estrangeiro renuncie à imunidade a que tem direito.
1.2 FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL APLICADOS À
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
O Brasil por não ter legislado acerca do tema, nem ratificado nenhuma
convenção internacional, se baseia no costume do Direito Internacional para aplicar
7 Public Law 94-583 – October, 21, 1976 United States of America; United Kingdom: State Immunity act 1978; State Immunity Act of 1985. Austrália; Ley 24488 – Inmunidad Jurisdiccional de Los Estados Extranjeros ante los Tribunales Argentinos. Argentina, 1995; European Convention of State Immunity. Basel, 1972 8 MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de jurisdição dos entes de direito público externo na justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. p. 29-30 9BRIERLY , James Leslie. Direito Internacional. 4 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1965. p. 242
16
a teoria da imunidade de jurisdição. O costume internacional, que é uma conduta
adotada pela coletividade internacional, que por ser tão comum, e tão utilizada, que
acaba se solidificando e tendo força de direito como se positivada fosse. A Corte
Internacional de Justiça, órgão internacional para dirimir disputas entre países,
estabelecida pela Carta das Nações Unidas, prevê no seu estatuto a utilização do
costume internacional e assim o conceitua:
1. Art. 38. 1. A Corte, cuja função é de decidir de acordo com o direito internacional tais disputas que é submetida, deverá aplicar: b. costume internacional, como uma prática geral aceita como direito; 10
Então perante a Corte Internacional de Justiça, no caso de uma disputa
entre dois Estados, poderá ser argüida uma prática geral, tida como direito. O
costume então faz parte do ordenamento jurídico internacional, e terá que ser
considerada uma fonte formal do Direito Internacional. Corroborando com esta
posição, dizem Quoc Dihn, Daillier e Pellet:
O costume, enquanto modo ou processo de elaboração do direito será uma fonte formal do direito? Impõe-se uma resposta positiva porque se trata de facto de um processo regido pelo direito internacional e autônomo em relação a outros modos, como o modo convencional que autoriza a exprimir regras de direito.11
O costume tem em sua formação dois elementos distintos. O primeiro,
chamado material, decorre da repetição de uma conduta, no decorrer do tempo,
tomada em relação a certo fato jurídico. Já o segundo, chamado subjetivo, é a opinio
juris do Estado, que assume tal prática como sendo jurídica.12
O Estado que alegar um costume como prova de um direito deverá
prová-lo, disse a Corte Internacional de Justiça. E essa prova será baseada em
todos os atos estatais, não só os executivos, e em textos legais e jurisprudências.
Ainda há outro tipo de prova do costume, os tratados. Em várias ocasiões, os
tratados vêm confirmar um costume, ou têm um costume como base para novas
proposições, e.g. a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados que, embora
10 Estatuto da Corte Internacional de Justiça, Art. 38. 11 QUOC DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 4° Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999. p. 292. 12 HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 3ª Ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 31-32.
17
tenha trazido inovações, tinha em seu escopo vários costumes já antigos e
incontestáveis.13
Resta ainda uma questão a ser abordada sobre o costume. Há que ser
ele admitido por um Estado que não deu causa para sua formação? Embora o
Estado não tenha sido um dos Estados que, ao longo do tempo, vêm praticando
certa conduta acerca de um fato, se contra ele for argüido tal costume, e provado,
terá sim que respeitá-lo, inclusive no seu ordenamento interno.
Acerca disso dizem Quoc Dinh, Daillier e Pellet:
A introdução de regras consuetudinárias e a sua aplicabilidade na ordem jurídica nacional não constituem problema. Não nos deparamos aqui com as dificuldades criadas pela ambigüidade da ´recepção´ formal das regras convencionais internacionais (promulgação e publicação dos tratados). A regra tradicional de origem anglo-saxónica, ´international law is a part of the law of the land´, é universalmente admitida;14
1.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS ESTADOS SOBERANOS
Não só no costume se baseia a imunidade de jurisdição. Há também
um antigo princípio que serve como um dos pilares de sustentação daqueles que
consideram impossível um Estado estrangeiro ser julgado por um Estado local. A
este princípio chamamos de igualdade dos Estados soberanos.
Um dos primeiros doutrinadores a tratar de tal princípio foi Hugo Grócio
(1583 – 1645), na sua obra De jure belli ac pacis, onde, antes de tratar do direito da
guerra, faz uma série de considerações acerca do Direito Internacional, entre elas,
alguns dos direitos que os Estados soberanos possuem, citando a igualdade como
um deles.15
Um século depois, Emer de Vattel (1714 – 1768) escreve sua obra Le
droit des gens, e, como Grócio, deduz a igualdade entre Estados da soberania. Diz
Vattel em sua já citada obra:
13 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar, 5ª Ed., São Paulo: Saraiva, 1995. p. 128.. 14 QUOC DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 4° Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999. p. 313. 15 QUOC DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 4° Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999. p. 48-49.
18
Desde que os homens são iguais por natureza, e suas obrigações e direitos são os mesmos, como provenientes igualmente da natureza, as Nações compostas de homens, consideradas como pessoas livres que vivem juntas num estado natural, são por natureza iguais e recebem da natureza as mesmas obrigações e os mesmos direitos. O poder ou a fraqueza não acarretam a esse respeito nenhuma diferença.16
Séculos depois, na II Conferência de Haia, em 1907, o então delegado
Rui Barbosa, representando o Brasil, defendeu a Igualdade Jurídica dos Estados.
Acerca do valor dessa defesa para a sua adoção, falou o professor Cançado
Trindade:
(...)o mais eloqüente defensor da igualdade jurídica dos Estados foi o delegado brasileiro Ruy Barbosa, como consta das Atas da Conferência e segundo o testemunho dos próprios colegas de delegações de outros países. A firme defesa de Ruy Barbosa do referido princípio (formulada ante as propostas de nomeação de juízes para as projetadas Corte de Justiça Arbitral permanente e Corte Internacional de Presas) contou com o apoio dos países latino-americanos e abriu caminho para a adoção, décadas depois, do artigo 2(1) da Carta das Nações Unidas. 17
Neste sentido a Carta das Nações Unidas, além do artigo citado pelo
professor Cançado Trindade, vem, em seu preâmbulo, dizer que as nações são
iguais, sejam elas pequenas ou grandes, e, como Vattel, colocando-as no mesmo
patamar da igualdade entre os homens, como vemos abaixo:
NÓS, POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, DETERMINADOS, a salvar as gerações futuras do flagelo da guerra, que duas vezes no nosso tempo trouxe indescritível lamentação para a humanidade, e para reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos do homem e da mulher, e das Nações grandes e pequenas, e estabelecer condições sob as quais justiça e respeito para as obrigações surgidas pelos tratados e outras fontes do direito internacional possam ser mantidas, e promover o progresso social e melhores padrões de vida numa maior liberdade, [...]18
Ainda acerca deste princípio, dizem os professores Quoc Dinh, Daillier
e Pellet que, “Uma vez que Estados , em virtude do imediatismo normativo, não
16 VATTEL, Emer de. O Direito das Gentes. Brasília: Universidade de Brasília, 2004. p, 8. 17 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. O Centenário da II Conferência de Paz de Haia. Em http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3864&Itemid=1, acessado em 13/10/2007.
18 Carta das Nações Unidas. Preâmbulo.
19
estão subordinados a qualquer outra autoridade nacional ou internacional, eles são
jurídicamente iguais entre sí.”19.
E foi desta idéia de igualdade que surgiu a máxima “par in parem non
habet imperium”, que é tida como um dos pilares do conceito de imunidade de
jurisdição. O princípio “par in parem non habet imperium” ou “par in parem non habet
judicium” nasce da imagem de que, sendo os Estados soberanos iguais,
automaticamente, terá que se levar em conta a imunidade destes perante a
jurisdição de outro Estado.20
Levando em consideração esse princípio não seria possível um Estado
julgar outro sem que houvesse nesse julgamento uma lesão a um direito de Estados
soberanos. Com a evolução do direito internacional, foi-se perdendo a rigidez acerca
desse princípio, fato que ajudou a complicar ainda mais o controverso tema da
imunidade de jurisdição. Afinal, quando é que Estados estrangeiros poderão ser
julgados por Estados locais? Essa é uma pergunta que será discutida a seguir.
19 QUOC DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 4° Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999. p. 388. 20 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A Renúncia à Imunidade de Jurisdição pelo Estado Brasileiro e o novo Direito da Imunidade de Jurisdição, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 182
20
2 TEORIAS ACERCA A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
Desde o advento da imunidade de jurisdição até os dias de hoje houve
uma significativa mudança na sua forma de entendimento. Da admissão total da
imunidade, dita absoluta, a algumas exceções aceitas para o julgamento de ações
contra Estados estrangeiros, dita relativa. Abaixo serão discutidas as duas teorias.
2.1 TEORIA ABSOLUTA
A teoria absoluta tem como princípios norteadores as máximas par in
paret non habet imperium e a king can do no wrong. A máxima latina é imputada a
um jurista italiano, Bártolo de Sassoferato, que viveu na idade média, e que
escreveu em sua obra, Tractatus Represalium. Contudo, diz Madruga Filho que
mesmo que não houvesse essa expressa citação de Bártolo acerca deste principio,
ainda assim ela existiria indubitavelmente no direito comum medieval. Há correntes
que afirmam se tratar de um costume ainda mais antigo, vindo da Roma clássica,
onde escavações em Pompéia acharam referências literais a ela, como sendo um
ditado amplamente aceito entre os populares romanos, inclusive os de baixa
instrução. Deixando de lado um pouco as questões históricas, a máxima par in paret
non habet imperium afirma que entre pares não há subjugados. Isto é, entre impérios
todos são iguais, e por isso não há o que se admitir um Estado se submeter a
jurisdição de outro.21
Já a maxima a king can do no wrong nasceu de um princípio de
imunidade interna real, onde o Rei, por ser o soberano máximo de um povo, não
poderia ser processado pelos seus súditos. Tal imunidade interna, aos poucos, foi se
difundindo entre os paises da Common Law, passando também a se tornar um
princípio de imunidade externa. Isto não quer dizer que ambas as imunidades têm as
mesmas raízes. O fato de um soberano não poder ser processado por seus súditos
21 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A Renúncia à Imunidade de Jurisdição pelo Estado Brasileiro e o novo Direito da Imunidade de Jurisdição, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 179
21
não leva a crer que ele não poderá ser processado por um outro soberano. Um
soberano não é processado pelo súdito unicamente porque o súdito é inferior ao
soberano, portanto tal processo não teria força coercitiva para existir. Já no caso do
conflito entre soberanos, ambos são iguais, portanto não há uma superioridade.22
Tais máximas se fizeram presentes quando a Suprema Corte dos
Estados Unidos da América julgaram uma ação intentada por dois cidadãos
americanos contra o Estado francês, que confiscou dos autores uma escuna
chamada Exchange, sob a alegação de violação do embargo feito por Napoleão
Bonaparte à Inglaterra e seus aliados. 23 Cumpre ressaltar que a Suprema Corte
adotou tal conduta por ser Napoleão Bonaparte um soberano de conduta
extremamente belicosa, além de o mesmo ter auxiliado os americanos na sua luta
pela independência contra os ingleses. É certo que se o caso fosse contra uma
nação menos poderosa que a França de outrora, a resolução poderia ter sido
favorável aos cidadãos lesados. Esta decisão foi uma das primeiras onde a
imunidade de jurisdição foi aceita, e assentou a teoria absoluta como a principal até
a metade do século XX. Apesar dos tribunais de Itália e Bélgica já aceitarem a
imunidade de jurisdição na sua forma relativa, foi prática no resto do mundo aceitar
tal teoria, inclusive no Brasil. O Itamaraty emitiu inúmeros pareceres acerca tal tema,
sendo que a conduta de adotar a imunidade absoluta foi aconselhada como a
correta. No início do século passado, o Brasil contratou uma empresa holandesa
para a confecção de alguns navios. No decorrer do contrato houve atrasos de
ambas as partes, o que levou a empresa holandesa Gusto a mover um processo
contra o Brasil, perante a justiça holandesa. Quando houve a tentativa de citação do
Brasil para se manifestar sobre tal processo, houve a consulta ao Itamaraty, que
passou o tema ao ilustre jurista Clóvis Bevilacqua, que se manifestou favorável a
imunidade de jurisdição absoluta, alegando que o Brasil não poderia ser acionado
perante a justiça holandesa, a não ser que houvesse renúncia, expressa ou tácita,
ao direito de ser imune a tal jurisdição. Acerca disso ele assim se manifestou:
"Dessa proposição do Governo holandês, induz-se que, para ele como para o brasileiro, é verdadeira a tese de que aos juízes locais falta competência para conhecer de causas, em que são partes
22 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A Renúncia à Imunidade de Jurisdição pelo Estado Brasileiro e o novo Direito da Imunidade de Jurisdição, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 134-136 23 Suprema Corte dos Estados Unidos da América, The Schooner Exchange v. McFaddon, 11 U.S. 116 (Cranch).
22
Estados soberanos estrangeiros, salvo se estes renunciam, expressa ou tacitamente, às suas imunidades"24.
Mesmo havendo tal explicação acerca do caso, houve ainda espaço
para a confecção de outro parecer, cerca de 3 meses depois, também sobre a
citação do governo brasileiro. Neste parecer25, muito mais completo que o primeiro,
Clóvis Bevilacqua volta a afirmar a impossibilidade do Brasil ser processado por
outro Estado, haja vista a imunidade de jurisdição ser absoluta. Porém, agora ele
ainda levanta a possibilidade do foro competente ser o Brasil, domicílio do governo
brasileiro, e não a Holanda, domicílio da Sociedade Werf Gusto.
Podemos crer, com base nos pareceres acima expostos, que a posição
do Brasil à época era de um país que aceitava a imunidade de jurisdição na sua
forma absoluta, e tentava que assim fosse tratada pelos outros Estados soberanos.
Na primeira metade do século XX, houve pela primeira vez a discussão
acerca de um processo movido por uma empresa brasileira, contra a legação da
Tchecoslováquia, perante a justiça brasileira. Novamente tal fato gerou um parecer
do Itamaraty, feito novamente por Clóvis Bevilacqua, que desta vez foi categórico e
lecionou com extrema habilidade sobre o tema:
Os princípios, que resultam das necessidades internacionais iluminadas pela razão jurídica, são os seguintes: I - Os Estados são soberanos e iguais. Não podem ser submetidos á jurisdição, forma de autoridade de outro Estado, sem que voluntariamente o façam, de modo expresso ou tácito. É esta uma verdade que se impõe independentemente de qualquer demonstração. II - Os tribunais comuns são competentes, apenas, nos casos seguintes: a) Quando o Estado estrangeiro, expressamente, por convenção, renuncia ao direito de alegar a incompetência dos tribunais locais; b) Quando é ele que propõe ação perante algum tribunal do país; c) Quando, acionado, aceita a jurisdição; d) Quando é proprietário de imóveis e a questão versa sobre estes bens; III - A nossa Constituição, sendo a organização politico-juridica de um povo, não traça regras obrigatórias para outros povos. Assim, quando determina que aos juízes e tribunais competentes processar e julgar os pleitos entre Estados estrangeiro e cidadãos brasileiros, pressupõe a aquiescência desses Estados em aceitar a jurisdição
24 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo (Org). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty, V. II Brasília: Senado Federal, 2000. p. 117 25 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo (Org). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty, V. II Brasília: Senado Federal, 2000. p. 120.
23
dos nossos tribunais.26
Ainda acerca dos pareceres emitidos pelo Itamaraty, o mesmo
Bevilacqua ainda emitiu um parecer sobre a forma que os tribunais brasileiros
deveriam seguir quando houvesse um conflito entre o direito de um Estado soberano
à imunidade de jurisdição, e o direito de uma pessoa, seja ela física ou jurídica, de
ver sanado a sua lesão mediante um processo. Diz Bevilacqua que quando a ação
versar sobre questões imóveis, terá que ser analisada a sua natureza. Se ela
decorre de um imóvel utilizado pela legação do país estrangeiro, deverá ser dada a
imunidade. Agora se esta mesma ação versar sobre imóveis de missões, casas ou
centro de culturas, ou outro órgão de país estrangeiro, a imunidade poderá ser
afastada. Ainda trouxe a baila uma importante constatação. Se o país estrangeiro
aceitar herança ou legados de bens no Brasil, terá ele, implicitamente, aceito a Corte
brasileira para julgar ações que envolvendo tais bens. Ainda neste parecer,
Bevilacqua segue dizendo que, a principio, a imunidade de jurisdição é absoluta, a
não ser que o Estado estrangeiro renuncie a este direito e aceite a jurisdição
brasileira.27
Tal renúncia poderá ocorrer de duas formas: tácita ou expressa. Tácita,
quando o Estado estrangeiro, por livre e espontânea vontade, responder ao
chamado feito pelo juízo local, sem que nessa resposta, invoque o princípio da
imunidade de jurisdição. Expressa, quando por força de um contrato, ou tratado, o
Estado estrangeiro abrir mão deste direito, estando então passível da jurisdição do
Estado local.
No ano de 1948 houve uma consulta formulada por um juiz de Direito
do Rio de Janeiro, onde o mesmo pede informações acerca de alguma convenção
que impeça o despejo de um consulado de um imóvel alugado por falta de
pagamento. Desta vez tal tema foi deixado sob a batuta de Levi Carneiro, que em
seu parecer se ateve apenas às imunidades consulares, não tratando do fato que,
tal consulado representa um Estado estrangeiro, soberano, e, levando em conta a
forma em que era aceita a imunidade, como sendo absoluta.28
26 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo (Org). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty, V. II Brasília: Senado Federal, 2000. p. 262-263. 27 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo (Org). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty, V. II Brasília: Senado Federal, 2000. p. 510-511. 28 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo (Org). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty, V. IV Brasília: Senado Federal, 2000. p. 143
24
A teoria absoluta da imunidade de jurisdição permaneceu como norma
dominante até meados dos anos 50 do século passado, quando o mundo se viu
obrigado a rever o tratamento acerca da matéria, haja vista a ascensão, política e
econômica, de países comunistas, e.g. URSS e China, e a conseqüente inclusão
dos mesmo nas relações políticas e comerciais com países capitalistas. Por serem
comunistas a propriedade privada não existia, e as empresas eram todas estatais.
Quando havia algum problema entre a empresa comunista e uma empresa ou
cidadão de um país capitalista, havia sempre a possibilidade do segundo sofrer um
revés, pois a alegação da imunidade de jurisdição era aceita de maneira absoluta,
impossibilitando uma ação.
Esta mudança de comportamento na verdade surgiu tardiamente, haja
vista tribunais italianos e belgas já praticarem a imunidade de jurisdição de forma
relativa desde o final do século passado. Também a corrente doutrinária dominante
argüia pela relativização da imunidade de jurisdição, o que de fato acabou
acontecendo, como veremos a seguir.
2.2 TEORIA RELATIVA
Como já foi dito, o entendimento acerca da imunidade de jurisdição
passou a mudar a partir dos anos 50. Um dos primeiros documentos que
comprovam essa mudança de comportamento é a Tate Letter, uma correspondência
entre Jack B. Tate, consultor jurídico do Governo estadunidense, e o Departamento
de Justiça estadunidense que trouxe à tona a mudança de comportamento dos
E.U.A. sobre o tema. Depois, mais precisamente, em 1972, foi assinada uma
convenção européia sobre imunidades de Estado, que, entre seus principais
avanços, trouxe exceções à prática da imunidade de jurisdição absoluta. Seguindo
essa mudança, os E.U.A. redigiram o que seria a primeira normatização interna da
imunidade de jurisdição, pois antes disso nenhum país havia legislado sobre o tema,
que continuava a ser praticado com base em um costume internacional. A Foreign
Sovereign Immunity Act de 1976, o ato americano que foi o pioneiro sobre
imunidade de jurisdição, também previa exceções que deveriam possibilitar a
25
jurisdição americana em processos onde Estados estrangeiros eram partes. Outros
países da Common Law legislaram sobre o tema. A Inglaterra, em 1978, com o State
Immunity Act, e a Austrália, em 1985, aprovou lei semelhante, também chamada
State Immunity Act. Na América do Sul, a Argentina, em 1995 promulgou a
Inmunidade Jurisdiccional de los Estados Extranjeros ante los Tribunales Argentinos.
Todas essas leis, ou atos, previam exceções à aplicação da imunidade de jurisdição
na sua forma absoluta. Passou-se, na verdade, a conhecer hipóteses de não
aplicação da imunidade, pois com tais exceções, a imunidade deixava ser absoluta,
para agora depender de uma análise de onde surgiu o litígio, e, o mais importante,
da natureza da ação do Estado estrangeiro. Assim passou a ser aplicada a teoria
relativa acerca da imunidade de jurisdição.
A teoria relativa acerca da imunidade de jurisdição se baseia no
argumento de que o Estado estrangeiro pode executar certo atos que, embora sejam
atos estatais, poderiam ser praticados por uma pessoa qualquer, seja ela jurídica ou
não. Tais atos são chamados de atos de gestão, ou gestioni acti, e seriam a exceção
à regra par in parem non habet imperium. Já os atos personalíssimos da atividade
estatal, os atos de império, ou imperium acti, continuavam sob a tutela da imunidade.
Cumpre agora ressaltar quais atos se encaixam em atos de império e quais são
considerados como de gestão, e assim, sujeitos à jurisdição local.
As questões que versam sobre imóveis, inventário e partilha de bens
são afetas aos atos de gestão. O artigo 89 do nosso Código de Processo Civil diz
que "compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, (I)
conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; e (II) proceder a inventário
e partilha de bens, e tenha residido fora do território nacional". Tal artigo não prevê
expressamente, mas há a inclusão das ações onde Estados estrangeiros são partes.
Ocorre que de nada adiantaria esta lei interna se o Direito Internacional assim não
previsse. A teoria relativa da imunidade de jurisdição prevê que, quando as ações
contra Estados estrangeiros versarem sobre imóveis, inventário e partilha de bens,
tal Estado não poderá argüir a imunidade de jurisdição. Também as leis sobre
imunidades acima citadas, e que serão ainda estudadas, previam tal conduta. Ora,
se baseando pelo conceito de atos de gestão, qualquer pessoa poderia comprar um
imóvel, receber uma herança e dividir bens adquiridos na constância de uma
sociedade. No caso de um Estado, poderia ser a compra de um imóvel para situar
uma Casa de Comércio, ou de Cultura.
26
Nas questões que versam sobre atos comerciais houve tal mudança
para evitar que a crescente intervenção estatal trouxesse um desequilíbrio nas
atividades comerciais entre empresas públicas e empresas privadas. Como já foi
acima dito, as empresas de países comunistas, quando acionadas juridicamente, se
escusavam da jurisdição estrangeira por serem, na verdade, representação dos
Estados comunistas, por não haver lá a propriedade privada. Ainda incluem-se nesta
categoria as relações comerciais marítimas. Embora os países da Commom Law
tratem esse assunto separadamente, os países da Civil Law, como o Brasil, o tratam
em conjunto. Outro assunto que é tratado em separado, mas deveria ser na verdade
uma subseção deste é a participação do Estado estrangeiro em sociedades ou
associações comerciais. Estas associações, sejam elas com outros Estados ou com
particulares, também dia não há mais o que se falar em imunidade de jurisdição em
atos ou tratados comerciais.
Também as relações de trabalho serão passíveis de jurisdição local
frente um Estado estrangeiro. Tal prática é inconteste, e inclusive uma das poucas
aplicadas pelo Brasil. O contrato de trabalho, ou o de prestação de serviço, é
submetido ao direito local, sem que isso lese o direito internacional da imunidade de
jurisdição. Contudo, se o contrato versar sobre atividade diplomática, ainda haverá
que se valer a imunidade, pois tal contrato passará de ato de gestão para ser um ato
de império, haja vista o serviço diplomático ser uma atividade que depende do
Estado.
Quando um Estado estrangeiro, mediante atos não relativos a atividade
estatal, causa danos no território de um Estado local, seja esse dano a um cidadão
ou até mesmo ao próprio Estado, ele terá que ressarcir. Tal conduta caracteriza que
a responsabilidade civil do Estado estrangeiro não será afeta a imunidade de
jurisdição. Agora uma questão importante. A responsabilidade civil do Estado, pelas
nossas leis, é objetiva, ou seja, independe de culpa. Isso diz respeito ao Estado
brasileiro. Seria o caso de aplicarmos, analogamente, ao Estado estrangeiro?
Parece que não, pois, a responsabilidade civil do Estado estrangeiro só se sujeita a
jurisdição local se for sobre atos não estatais, portanto, se equipara a uma conduta
praticada por um particular, devendo então a responsabilidade ser subjetiva, onde a
culpa do Estado estrangeiro deverá ser provada para que haja a obrigação de
reparar o dano. Com isto encerra-se esta seção, passando agora a analisar a prática
da imunidade de jurisdição na forma relativa.
27
2.3 A PRÁTICA DA IMUNIDADE RELATIVA
Ao longo do tempo, como foi dito acima, a forma como era aceita a
imunidade de jurisdição foi sendo alterada. E são os vestígios desta alteração o
nosso objeto de estudo no momento. Alguns documentos são importantíssimos para
a compreensão deste momento de transição. Entre eles, podemos destacar:
2.3.1 Tate Letter29
A Tate Letter, já antes referida, datada de 1952, mostra a mudança de
posição dos E.U.A. com relação à concessão da imunidade de jurisdição aos
Estados estrangeiros. Embasando tal mudança, o consultor Tate registra os
principais paises que seguem a teoria absoluta, quais sejam, Brasil, Chile, China,
Hungria, Japão, Luxemburgo, Noruega, Portugal, os países da Commonwealth
britânica, o próprio E.U.A., Tchecoslováquia, Estônia e provavelmente a Polônia.
Afirma ainda que embora estes países sigam a teoria absoluta, os doutrinadores
locais já entoam coro para a mudança deste pensamento em suas obras, passando
a defender a teoria relativa como sendo a mais sensata. Jack Tate cita ainda os
países que estão em fase de transição, Argentina, Holanda e Suécia, não exibiam
uma conduta padrão, recorrendo a análise casuística, e, com isso, seus tribunais
oscilavam entre as duas teorias. Embora ambas sejam aceitas nesses países, Tate
lembra que a relativa é a que vem ganhando espaço entre as Supremas Cortes, e
relata o caso da Holanda, onde as cortes inferiores passaram a aceitar a imunidade
de jurisdição como relativa, por haver precedente na Suprema Corte holandesa. O
autor da carta ainda relata o caso da Alemanha, que no século XIX aceitou a teoria
absoluta, e nos anos 20 do século XX passou a ter de sustentar a pressão exercida
pelas cortes inferiores locais para que houvesse a mudança deste entendimento.
29 TATE, Jack. Tate letter to Attorney General. US: 1952.
28
Porém, tal mudança foi negada, sob a prerrogativa de que a teoria relativa precisava
de maior adesão para que houvesse necessidade de uma mudança. Tate afirma
que, se fosse analisado apenas o desenvolvimento da teoria relativa na Alemanha, o
entendimento acerca da jurisdição já tinha mudado, como tanto queriam as cortes
inferiores alemãs. Sobre a teoria relativa, Jack Tate afirma que os tribunais belgas e
italianos sempre defenderam e aceitaram essa forma de imunidade de jurisdição. Diz
ainda que a teoria relativa foi adotada em seguida por Egito e Suíça, e, a partir da
década de 20, por França, Áustria e Grécia, países tradicionalmente apoiadores da
teoria absoluta. Ainda suscitou a suspeita de que Romênia, Peru e possivelmente
Dinamarca também sigam tal teoria.
Jack Tate ressalta ainda na carta que, dos treze países citados como
apoiadores da imunidade absoluta, dez ratificaram a Convenção de Bruxelas de
1926, que, entre outras afirmações, previa que a imunidade de jurisdição não
caberia para ações envolvendo navios mercantes estatais. Embora os E.U.A. não
façam parte de tal tratado, desde então os Estados Unidos vem aderindo a essa
prática, não mais invocando a imunidade de jurisdição para os casos que versem
sobre navios mercantes de sua propriedade. Tate conclui que estes dez países
(Brasil, Chile, Estonia, Alemanha, Hungria, Holanda, Noruega, Polônia, Portugal e
Suécia) mais os E.U.A., embora ainda mantenham a postura de aceitar a imunidade
de jurisdição como absoluta, abriram mão de uma importante parte pertencente a tal
teoria. Ainda na parte em que embasa a mudança de postura americana, Tate afirma
que, tirando o caso do Reino Unido, que já está fazendo estudos para alteração da
forma em que aceita a imunidade de jurisdição, a teoria absoluta encontra pouco
apoio internacional, sendo exceções a União Soviética e seus satélites, por motivos
óbvios. Tate acha, corretamente, que com o avanço das relações comerciais entre
países estrangeiros e particulares, a antiga teoria absoluta passou a ser obsoleta,
devendo então os E.U.A. se atualizarem sobre o tema, passando agora a aplicar a
teoria relativa com relação à imunidade de jurisdição. Por fim, Tate reconhece que a
mudança da teoria relativa para a absoluta é somente por parte do poder executivo,
e que o judiciário americano poderá não acompanhar esta mudança de pronto.
Porém afirma que a posição do governo americano, tanto interna quanto
externamente, a partir deste momento, deverá ser a de um país que aceita como
teoria dominante e verdadeira, a imunidade de jurisdição na sua forma relativa.
29
2.3.2 European Convention on State Immunity
No ano de 1972, o Conselho Europeu se reuniu na Suíça, para
normatizar uma conduta já praticada entre seus estados membros. Tal conduta era a
de aceitar a teoria relativa da imunidade de jurisdição. Nos idos de 72, não apenas a
Europa seguia esta tendência, quase todos os países já mantinham restrições
acerca da aceitação da imunidade de jurisdição, porém nenhum deles havia
colocado isto no papel com força de lei. Pelo acordo firmado no momento da criação
do Conselho Europeu, os Estados-Membros deveriam seguir as convenções
firmadas por aquele. Portanto este tratado pode ser considerado a primeira
legislação acerca da imunidade de jurisdição, e tal documento prevê que ela será
relativa a certos casos.
Tal Convenção trouxe em seu corpo exceções ao reconhecimento da
imunidade de jurisdição, quando invocada em casos que versem sobre contratos
comerciais, relação de emprego entre pessoa física ou jurídica de mesma
nacionalidade que o fórum local, sobre posse de imóveis (exceptuando-se os
imóveis utilizados para sede de Embaixadas e Consulados), sucessões de imóveis,
doações e outros direitos reais, sobre ações onde o Estado estrangeiro é sócio de
uma ou mais pessoas privadas em companhias, associações ou outra entidade legal
que tenha seu assento, escritório registrado ou local de atuação principal no território
do fórum onde foi ingressada a ação, também quando o Estado estrangeiro mantiver
no Estado local um escritório, agência ou outro estabelecimento para atuar, como se
pessoa privada fosse, no mercado financeiro, industrial ou comercial.
Uma inovação do texto foi a previsão da rejeição da imunidade quando
o caso versar sobre patentes, desenhos industriais, marcas ou outro direito similar,
quando tal direito tenha sido registrado, depositado ou intentado em ser registrado, e
protegido pelas leis do Estado local e no que diz respeito a tais direitos quando o
Estado for o dono. Estão excluídas também as ações que versem sobre lesões a
direitos de terceiros protegidos pelo Estado local, e também as relacionadas a
direitos autorais. As duas últimas exceções previstas são as relacionadas a
responsabilidade civil do Estado estrangeiro e quando o Estado estrangeiro submete
a ação a arbitragem, onde não poderá invocar a imunidade quando do resultado
30
negativo, ou mesmo positivo, da mesma. Tais exceções estão previstas na referida
convenção, do artigo 1º ao 12º.
Em todos os casos acima, há a exceção da exceção. Quando o Estado
estrangeiro, por força de documento escrito, acordo bilateral, prever a possibilidade
de argüição da imunidade de jurisdição ou quando for disputa entre Estados
soberanos, estas exceções não serão válidas, e o Estado estrangeiro voltará a ter o
direito de não ser julgado pelo Estado local.
Esta Convenção trouxe a possibilidade da renúncia expressa, quando
prevista em contrato firmado entre as partes, acordo internacional e consentimento
expresso posterior a disputa entre as partes. E também da tácita, quando o Estado
estrangeiro realizar qualquer procedimento relacionado ao mérito da questão30.
No capítulo II da referida convenção há a previsão das regras
procedimentais que deverão ser tomadas quando a ação tiver como parte um Estado
estrangeiro. Entre as regras instituídas, ressalta-se a prevista no artigo 16, que prevê
que o Estado local deverá transmitir, ao Estado estrangeiro parte da ação, o original
ou a cópia do documento onde os procedimentos estão instituídos, deverão repassar
também, via canal diplomático, ao Ministro de Assuntos Exteriores, jurisprudência
onde há ações em que Estados estrangeiros são partes. Há a ressalva de que,
quando necessário, tais documentos deverão contar com a tradução na língua
oficial, ou em uma das línguas oficiais, do Estado estrangeiro.
O capitulo III trata dos efeitos do julgamento. Prevê que o Estado
estrangeiro deverá reconhecer o efeito da sentença emitida pelo Estado local, se
não for possível a argüição de imunidade de jurisdição ou quando esgotarem as
possibilidades de apelação, recurso ou outro tipo de revisão da matéria in casu.
Porém, prevê que, quando o estado for manifestadamente contrário a política
pública utilizada pelo Estado local, ou, quando alguma das partes não tiveram a
possibilidade de uma defesa justa, ou ainda no caso de litispendência, onde a ação
se encontra em andamento no Estado local ou no Estado estrangeiro, desde que
tenha sido ingressada primeiramente.
2.3.3 Foreign Immunity Act
30 European Convention of State Immunity. Basel, 1972. Articles 2 to 3.
31
Este documento é a primeira legislação interna acerca da imunidade de
jurisdição. Datada de 1976, esta lei traz semelhanças à Convenção Européia,
contudo tem algumas inovações. No §1602 a lei descreve o seu propósito, que é o
de proteger os Estados soberanos, tanto o local quanto o estrangeiro, os litigantes, e
por conseqüente, a própria justiça. Utilizando o D.I.P. como norte, mais
precisamente a teoria da imunidade de jurisdição relativa, diz que os Estados não
possuem tal privilégio quando a ação decorrer de atividades e propriedades
comerciais. Termina dizendo que tais litígios deverão ser decididos pelas cortes
americanas.
No §1603 há a definição de atividade comercial:
§1603. Definições: (d) Atividade comercial significa tanto o curso regular de uma conduta comercial quanto um ato ou transação comercial particular. O caráter comercial de uma atividade será determinado pela natureza da conduta, da transação ou do ato particular, ou ainda pelo seu propósito.31
Uma das inovações trazidas por esta lei é a previsão legal da
imunidade de jurisdição. Tal previsão é expressa e pode ser encontrada no §1604,
que diz:
§1604. Imunidade de um Estado estrangeiro à jurisdição: Sujeito de um acordo internacional existente, onde os Estados Unidos são parte no tempo da promulgação desta lei, um Estado estrangeiro deverá ser imune da jurisdição das cortes dos Estados Unidos, excetuando-se o provido nas seções 1605 à 1607 deste capítulo.32
A seguir, no §1605, há a previsão das ocasiões onde não deverá ser
aceita a imunidade de jurisdição de um Estado estrangeiro. Via de regra, as
exceções tratam da propriedade de imóveis, exceto aqueles pertencentes à
embaixadas e consulados, sobre ações que versem acerca das atividades
comerciais praticadas no território americano, sobre agências e escritórios
estrangeiros, que atuem nos E.U.A., ou que sejam parceiros de empresas que
tenham alguma atividade comercial. Também são exceções as ações que tratem de
31 Foreign Sovereign Immunity Act of 1976. US. §1603. p. 1-2. 32 Foreign Sovereign Immunity Act of 1976. US. §1604. p. 2.
32
imóveis, adquiridos por meio de doações ou sucessão. Uma diferença entre a lei
européia e a lei americana é que esta última trata, explicitamente, da
responsabilidade civil do Estado estrangeiro, trata ainda das hipóteses onde tal
responsabilidade será afastada e a imunidade de jurisdição prevalecerá:
§1605. Exceções gerais à imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro: (a) Um Estado estrangeiro não deverá ser imune a jurisdição
das cortes dos Estados Unidos ou de seus estados quando: (5)Embora não tratado no parágrafo 2 acima, quando penas em pecúnia são aplicadas contra Estados estrangeiros, por lesões corporais ou morte, ou dano ou perda da propriedade privada, ocorridos nos Estados Unidos e causados por atos dolosos ou omissos deste Estado estrangeiro ou por qualquer oficial ou empregado seu, quando atuando fora do escopo do seu cargo; Exceção a este parágrafo: (A) Qualquer reclamação baseada no exercício ou performance ou falha a este exercício ou performance de função discricionária a não ser que tal discrição tenha sido abusada, ou; (B) Qualquer reclamação feita por litigância de má-fé, abuso no processo, falta de representação ou interferência nos direitos contratuais.33
Ainda não são imunes, de acordo com a lei americana, as ações que
versem sobre acordos comerciais entre empresas que tenham em seu quadro
associativo, mesmo que de forma minoritária, algum Estado estrangeiro ou escritório
ou agência que represente o mesmo. É também afastada a imunidade quando esta
for invocada em processo que trate de direito marítimo, onde o barco ou navio em
questão é de um Estado estrangeiro mas que tenha como atividade principal a
comercial.
Por fim a lei americana aborda generalidades ligadas ao processo em
si, o que não se faz interessante discutir no momento.
2.3.4 State Immunity Act
O Reino Unido foi um dos países membros da Convenção Européia
sobre Imunidade de Jurisdição, e em 1978 tratou de internalizar tal ato. Contudo, os
33 Foreign Sovereign Immunity Act of 1976. US. §1605. p. 2-3.
33
ingleses trouxeram uma novidade. Além de legislarem acerca dos Estados
estrangeiros atuantes em seu território, esta lei tratou de oficializar a conduta a ser
tomada pela Grã-Bretanha quando esta for acionada em território estrangeiro, desde
que tal território seja de um país membro da Convenção Européia.
Com relação às exceções à imunidade de jurisdição, esta lei apenas
tornou interna uma determinação acertada na esfera internacional, não trazendo
nenhuma inovação digna de comentário. Contudo, como dito acima, houve sim a
previsão da conduta a ser tomada pelo Reino Unido quando acionado em um
território de um Estado estrangeiro membro do acordo supramencionado. Esta
previsão se encontra na parte II da lei.
O ato do Reino Unido trouxe, como inovação a inclusão, como exceção
à imunidade de jurisdição, a matéria fiscal. E isto está previsto no seu Art. 11º, que
diz:
Art. 11º. Um Estado não é imune no que diz respeito aos procedimentos concernentes a sua responsabilidade por: a) Taxas financeiras, taxas alfandegárias e impostos agrícolas; b) Tributos de qualquer espécie devidos por ações comerciais.34
2.3.5 Outros atos
Seguindo esta nova tendência mundial de se tornar a imunidade de
jurisdição uma lei interna, outros países também fizeram atos internos acerca do
tema. Entre os atos mais importantes podemos citar o da Austrália e o da Argentina.
Em 1985 a Austrália promulgou o State Immunity Act. Vale ressaltar
que a Austrália já foi membro do Reino Unido, talvez por isso o nome dos atos
serem iguais. Não apenas nos nomes as leis são semelhantes. Também no
conteúdo, as leis são quase que iguais. Há que se dizer quase, pois, na Parte II,
artigo 19, há uma exceção que até então não estava positivada, apesar de já ser
acatada como exceção:
34 State Immunity Act of 1978. UK. Art. 11º. p. 4.
34
Art. 19. Notas de Câmbio. Onde: (a) Notas de câmbio tenham sido sacadas, feitas, distribuídas ou endossadas por um Estado estrangeiro em conexão com uma transação comercial ou evento.35
Por fim, há ainda a previsão da exceção à imunidade de jurisdição
quando a ação versar sobre cobrança de taxas previstas na lei australiana.
Outro país que legislou acerca das hipóteses onde a imunidade deverá
ser aceita ou rejeitada é a Argentina. Muito mais concisa e objetiva, a lei argentina
tratou o assunto em poucos artigos. Contudo, isso não significa que esta lei seja
menos importante que as outras. Os legisladores argentinos agiram com destreza
quando da elaboração da lei, utilizando o sumo de todas as outras, para que a lei
fosse de fácil compreensão.
Um exemplo do que foi acima explanado é o artigo 2º da lei argentina,
que fala sobre as exceções à imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros. O
que as outras leis tratam em várias páginas, cheias de explicações que servem mais
para confundir o intérprete, a lei argentina trata em meia página. Segue abaixo a
transcrição do artigo supracitado:
Artigo 2º: Os Estados estrangeiros não poderão invocar a imunidade de jurisdição nos seguintes casos: a) Quando consintam expressamente através de um tratado internacional, de um contrato escrito ou de uma declaração em um caso determinado, que os tribunais argentinos exercem jurisdição sobre eles; b) Quando forem objeto de uma reconvenção diretamente ligada à demanda principal que o Estado estrangeiro tenha iniciado; c) Quando a demanda versar sobre uma atividade comercial ou industrial levada a cabo pelo Estado estrangeiro e a jurisdição dos tribunais argentinos surgir do contrato invocado ou do direito internacional; d) Quando forem demandados por questões laborais, por cidadãos argentinos ou residentes no país, derivadas de contratos celebrados na República Argentina ou no exterior e que causarem efeitos no território nacionail; e) Quando forem demandados por danos e prejuízos derivados de delitos ou quase-delitos cometidos no território nacional; f) Quando se tratarem de ações sobre bens imóveis que se encontrem no território nacional; g) Quando se tratarem de ações baseadas na qualidade do Estado estrangeiro como herdeiro ou legatário de bens que se encontrem no território nacional;
35 State Immunity Act of 1985. Austrália. P. 11.
35
h) Quando, havendo acordado por escrito se submeter a arbitragem todo litígio relacionado com uma transação mercantil, pretender invocar a imunidade de jurisdição dos tribunais argentinos num procedimento relativo a validade ou a interpretação do acordo de arbitragem, do procedimento de arbitragem ou referida a anulação do laudo, a menos que o acordo arbitral disponha o contrário.36
A lei argentina ainda traz a possibilidade de um Estado estrangeiro ser
demandado, na Argentina, por um crime contra os direitos humanos. Contudo, neste
caso, os tribunais argentinos devem se limitar a indicar o órgão responsável para tal
denúncia e atuar apenas como observador.
Há, por último, um projeto de uma Convenção da Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas sobre o tema. Contudo, tal projeto ainda não está
vigendo. Mesmo assim é interessante trazê-lo à baila.
O projeto da CDI define, em seu art. 5º, que “um Estado tem
imunidade, em respeito a si próprio e às suas propriedades, da jurisdição das cortes
de outro Estado (...)”37. Como todos os outros atos, este também prevê as hipóteses
onde a imunidade poderá ser afastada. Cumpre-nos aqui fazer um aparte, e falar
sobre as formas de determinação dos limites da imunidade de jurisdição, que para
Hee Moon Jo, são dois, o Positivo, onde o legislador prevê os casos permissivos da
imunidade, e o Negativo, onde, ao contrário, há a previsão dos casos proibitivos da
imunidade. Todos os atos acima citados seguem a segunda forma, o sistema
negativo38. Aparte feito, há que se retornar ao projeto da CDI. Entre as exceções
previstas, se encontram a exceção sobre contratos de trabalho (Art. 11º), sobre a
responsabilidade do Estado estrangeiro em danos causados no território do Estado
local (Art. 12º), sobre atos comerciais do Estado estrangeiro (Art. 10º, 14º, 15º e 16º)
e sobre os imóveis pertencentes ao Estado estrangeiro em território do Estado local,
assim como a sucessão, herança ou legado recebida pelo mesmo na mesma
circunstância (Art. 13º).
Este projeto, assim como alguns outros atos39, não trouxe a previsão
da exceção à imunidade de jurisdição quando a ação versar sobre causas fiscais, o
36 Ley 24488 – Inmunidad Jurisdiccional de Los Estados Extranjeros ante los Tribunales Argentinos. Argentina, 1995. 37 Projeto de Convenção Internacional sobre Imunidades de Jurisdição dos Estados e de seus Bens (Comissão de Direito Internacional da ONU). Art. 5º, p.2.
38 JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr. 2000. p, 256. 39 Estes atos são, Convenção Européia, Ato Americano de 1976 e Ato Argentino de 1995.
36
que é lamentável, haja vista tal tema ainda causar muita discussão.
O projeto da CDI, como foi dito, ainda não está vigendo, necessitando
ainda a ratificação de alguns países para tanto, porém é um grande avanço na tarefa
de delimitar as possibilidades onde a imunidade de jurisdição deverá ser afastada.
Para finalizar, e completar tudo o que foi dito acima, vemos abaixo um
quadro comparativo com as exceções previstas nas leis internas sobre imunidade de
jurisdição:
A ÁREAS T O S
Trabalhista Responsabilidade
Civil do Estado Estrangeiro
Comercial Fiscal Direito sobre Imóveis
Convenção Européia
Sim. Artigo 5º
Sim. Artigo 12. Sim. Artigos 6º, 7º e 8º
Não. Sim. Artigos 9º e 10º
Ato Americano de 1976
Não. Sim. §1605, (5) Sim. §1605, (2).
Não. Sim. §1605, (3) e (4)
Ato Grão-Bretão de 1978
Sim. Art. 4º
Sim. Art. 5º. Sim. Arts. 3º, 7º e 8º.
Sim. Art. 11º
Sim. Art. 6º
Ato Australiano de 1985
Sim. Art. 12º
Sim. Art. 13º. Sim. Arts. 11º, 15º, 16º, 18º e 19º.
Sim. Art. 20º
Sim. Art. 14º
Ato Argentino de 1995
Sim. Art. 2º, d.
Sim. Art. 2º, e. Sim. Art. 2º, “c” e “h”
Não Sim. Art. 2º, “f” e “g”.
Projeto CDI
ONU Sim. Art. 11º
Sim. Art. 12º. Sim. Art. 10º, 14º, 15º e 16º.
Não Sim. Art. 13º.
37
3 RECEPÇÃO DA IMUNIDADE RELATIVA NO BRASIL
Neste capitulo final trataremos da forma como a imunidade de
jurisdição relativa foi aceita no Brasil, qual o entendimento dos tribunais brasileiros
acerca do tema e também se há alguma coisa que possa ser feita para melhorar
isto.
3.1 EXAME DA DOUTRINA DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO.
A teoria da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, na sua
forma relativa, começou a ser discutida no Brasil por volta da década de 70. Antes
disso o Brasil mantinha uma postura rígida com relação ao tema, sendo sempre
acatado como imunidade de jurisdição na forma absoluta.
Um dos primeiros doutrinadores brasileiros a tratar da imunidade de
jurisdição foi o então ministro Francisco Rezek. Ao analisar, em sua obra, as várias
leis internas que tratam da imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, Rezek
chega a seguinte conclusão:
A imunidade tende a reduzir-se, desse modo, ao mais estrito sentido dos ´acta jure imperii´, a um domínio regido seja pelo direito das gentes, seja pelas leis do próprio Estado estrangeiro: suas relações com o Estado local ou com terceira soberania, com seus próprios agentes recrutados na origem, com seus nacionais em matéria de direito público – questões tendo a ver com a nacionalidade, os direitos políticos, a função pública, o serviço militar, entre outras40
A conclusão que o ministro Rezek chegou, é o que vem acontecendo
ao longo deste quase meio século de mudança de raciocínio dos doutrinadores e
legisladores do direito internacional. A imunidade de jurisdição, na esfera
internacional mudou, e, como vemos pelo raciocínio de Rezek, na esfera nacional,
também o fez.
Falando da relativização da imunidade de jurisdição do Estado
40 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar, 10ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2005. p. 179..
38
estrangeiro, frente ao direito brasileiro, Madruga Filho diz que a imunidade de
jurisdição, na realidade, nunca foi absoluta, pois era conduta já consolidada a
jurisdição local em ações sobre imóveis, utilizando o princípio forum rei sitae como
norte.41
Ainda tratando da relativização, diz Celso de Albuquerque Melo:
A grande tendência nos dias de hoje é a de se distinguir entre os atos praticados pelo Estado “jure imperii” e os atos “jure gestionis”. Esta distinção surge nos tratados de paz após a 1º Guerra Mundial, mas a sua primeira consagração em um tratado multilateral foi no citado Código Bustamante. Os primeiros gozariam de imunidade, o que não aconteceria com os segundos. Esta restrição à imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro se originou no fato de que os Estados se dedicam cada vez mais a atividades comerciais (!jure gestionis”). Os atos “jure imperii” podem ser considerados os seguintes: a) atos legislativos; b) atos concernentes a atividade diplomática; c) os relativos às forças armadas; d) atos da administração interna dos Estados; e) empréstimos públicos contraídos no estrangeiro.42
O que Celso Albuquerque de Mello lecionou é que, em âmbito
internacional, a corrente dominante sobre a matéria aceita a teoria relativa. Porém
ele simplificou em demasia a problemática dos atos de império. Não apenas nos
casos citados que o Estado estrangeiro teria imunidade por ser um ato de império.
Como já exposto anteriormente, o ato de império é um ato personalíssimo do
Estado. E a gama de atos que são exclusivos de um Estado é bem maior do que a
apresentada acima.
Acerca disso, Accioly, juntamente com o seu co-autor, Nascimento e
Silva, nos ensina o que segue:
Muitos autores, distinguindo entre os atos praticados pelo Estado como pessoa pública ou no exercício do seu direito de soberania, e os que ele executa como pessoa privada, entendem que os primeiros estão isentos da competência de qualquer tribunal estrangeiro, ao passo que os últimos são passíveis desta jurisdição. Na verdade, porém, não é fácil distinguir precisamente os atos de autoridade do Estado, ou a sua atividade jure imperii, dos atos de simples gestão, ou a sua atividade jure gestionis. Como quer que seja, já se nota forte tendência contra a manutenção da doutrina da absoluta imunidade de jurisdição dos Estados
41 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A Renúncia à Imunidade de Jurisdição pelo Estado Brasileiro e o novo Direito da Imunidade de Jurisdição, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 178. 42 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12ª Ed. Rio de janeiro: Renovar, 2000. p 429.
39
estrangeiros.43
Com isso vemos que, realmente, é dominante a teoria da imunidade de
jurisdição relativa. Mesmo com a dificuldade na separação entre atos de império e
atos de gestão, tal teoria se mostra mais eficaz na tarefa de fazer justiça.
Corroborando com tudo que foi dito acima, vem Ricardo Seitenfus, e a
professora Deyse Ventura, em obra por ambos assinada, dizer o que segue:
Ocorre que a evolução do Direito Internacional relativizou o postulado da imunidade jurisdicional absoluta dos Estados estrangeiros, movida especialmente pela Convenção Européia sobre a Imunidade do Estado, de 1972, conhecida como Convenção de Basiléia, e por diplomas legais americano (Foreign Sovereign Immunities Act, de 1976) e inglês (State Immunity Act, de 1978). Assim, a jurisprudência brasileira incorporou recentemente a tendência distintiva entre os atos estatais de império (jure imperii, onde há manifestação da soberania) e os atos de gestão (jure gestionis, atos de rotina da administração), pelo que as causas relacionadas ao direito do trabalho e o direito civil indenizatório configuram atos de gestão.44
Seitenfus e Ventura preferiram aqui fazer a classificação dos atos de
gestão, que na realidade são mais evidentes que os de império. O ato de gestão,
como já explanado, é o ato que o Estado pratica, mas que poderia ser praticado por
qualquer pessoa natural. Com isso os doutrinadores, acertadamente, citaram dois
casos onde o Estado age na forma de gestor, portanto, sendo passível de ser
acionado.
Tratando agora da forma que o Brasil passou a aceitar a imunidade de
jurisdição a partir da relativização da mesma, podemos citar Guido Soares, que em
sua obra assim leciona:
No Brasil, o tema das imunidades de jurisdição, até data recente, foi tratado pela jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente o STF, de forma lamentável. (...) A situação, contudo, começou a modificar-se, num campo onde eram mais evidentes as injustiças decorrentes da aplicação da teoria da imunidade absoluta de jurisdição do Estado estrangeiro: nas relações trabalhistas entre, de um lado, a Missão diplomática estrangeira ou uma Repartição consular estrangeira e, de outro, um trabalhador, pouco importando sua nacionalidade ou domicilio, nem o lugar da
43 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Manual de direito internacional público. 12ª Ed., São Paulo: Saraiva, 1996. p. 102 44 SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deyse. Introdução ao Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 76.
40
assinatura do contrato de trabalho, mas que presta ou prestou serviço em território nacional, junto àquelas entidades.45
O professor Guido Soares também nos falou que a teoria dominante é
a relativa, porém a trouxe para o panorama brasileiro. Como bem disse o doutrinador
acima, o STF realmente se equivocou em algumas decisões, como veremos a seguir
na análise jurisprudencial.
A relação trabalhista entre particular e Estado estrangeiro foi a primeira
a ser aceita como excludente de imunidade de jurisdição, abrindo caminho para a
relativização da imunidade de jurisdição nas cortes brasileiras e sobre o tema acima
descrito, podemos citar a obra de Silvana Mandalozzo, “Imunidade de jurisdição dos
entes de direito público externo na justiça do trabalho”, que trata da exceção feita às
ações que versem sobre dissídios trabalhistas. Na sua obra, Mandalozzo trata
somente da esfera trabalhista, o que ajuda a elucidar o problema, mas não o
resolve, pois já se encontra consolidada a jurisprudência brasileira que diz que
ações trabalhistas não permitem a guarida da imunidade de jurisdição a favor dos
Estados estrangeiros.
Como vimos, a doutrina brasileira sobre o tema ainda é escassa,
porém escasso não é o campo de discussão ainda presente. A imunidade de
jurisdição ainda hoje, embora já consolidada em alguns pontos, gera fervorosas
disputas nas cortes espalhadas pelo mundo, e no Brasil não seria diferente, como
veremos a seguir.
3.2 JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA NA MATÉRIA
A jurisprudência brasileira é o objeto de estudo deste item. As cortes
superiores brasileiras, STF e STJ, emitiram, ao longo de meio século, inúmeras
sentenças sobre o tema. A imunidade de jurisdição passou de absoluta à relativa
pelas canetas dos magistrados destas duas cortes. Veremos agora como foi essa
mudança.
45 SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. V. 1, São Paulo: Atlas, 2002. p. 287.
41
3.2.1 Trabalhista
Foi uma ação trabalhista que mudou a visão da imunidade de
jurisdição dos Estados estrangeiros perante os tribunais brasileiros. O caso Genny
de Oliveira vs. Embaixada da República Democrática Alemã abriu o precedente para
a aceitação da teoria relativa da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros.
A ação trata da reclamação trabalhista da cidadã brasileira, que chegou
ao STF pois os juízes trabalhistas inferiores acataram a imunidade de jurisdição
absoluta. A apelação teve como relator o ministro Sidney Sanches, que afastou a
imunidade de jurisdição, contudo de forma equivocada, como se vê a seguir:
Ocorreu, todavia, como se viu do novo texto constitucional de 1988, importante alteração à imunidade de Estado estrangeiro à jurisdição brasileira, antes decorrente da Convenção de Viena. É que o mesmo artigo 114 da CF, ao tratar da competência da Justiça do Trabalho, acabou por eliminá-la (a imunidade), dizendo que os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregados, pode abranger, entre estes últimos, “entes de direito público externo”.(aspas do autor)
Dada a devida vênia, que o ministro certamente merece, cumpre-nos
apontar duas grandes falhas presentes neste voto. A primeira, é que trata da origem
da imunidade de jurisdição, que é notadamente consuetudinária, e não na
Convenção de Viena, que trata de imunidades diplomáticas e consulares,
relacionadas à pessoa e não ao Estado. A segunda falha é relacionada ao texto
constitucional, que trata apenas da competência. A Justiça do Trabalho é sim
competente para tratar de dissídios, individuais ou coletivos, entre empregados e
empregadores, e este último podendo ser um Estado estrangeiro. Mas não é por
este motivo que a imunidade de jurisdição deverá ser afastada, e sim por este ato
ser considerado como de gestão.
Corroborando com o que foi dito acima, o ministro Rezek deu o seu
voto, num primeiro momento, afastando a tese de que a imunidade em questão
advinha das imunidades previstas nas cartas de Viena, “Ficou claro, não obstante,
que nenhum dos dois textos de Viena diz da imunidade daquele que, na prática
corrente, é o réu preferencial, ou seja, o próprio Estado estrangeiro.”46
Ainda tratando do voto do ministro Rezek, ele vem nos dizer o que
46 Apelação Cível 9696-3 SP. Relator Ministro Sidney Sanches. STF. Julgada em 31/05/1989.
42
segue:
O quadro interno não mudou. O que mudou foi o quadro internacional. O que ruiu foi o nosso único suporte para a afirmação da imunidade numa causa trabalhista contra Estado estrangeiro, em razão da insubsistência da regra costumeira que se dizia sólida – quando ela o era -, e que assegurava a imunidade em termos absolutos.47
Essa mudança ocorrida no quadro internacional foi a relativização da
imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, capitaneada pela promulgação da
Convenção de Basel sobre imunidade de jurisdição.
Nos votos seguintes, os outros membros do colendo colégio superior
pátrio concordaram com as premissas apresentadas pelo ministro Rezek, inclusive o
relator, ministro Sidney Sanches, aditou seu voto, absorvendo as alegações
daquele, porém mantendo sua posição de que a mudança na Constituição auxiliava
na conclusão do problema, o que continua equivocado, devendo-se apenas levar em
conta as palavras do ministro Rezek.
Este processo foi um marco na jurisprudência brasileira, pois a partir do
caso Genny de Oliveira o Poder Judiciário brasileiro passou a ver a imunidade de
jurisdição com outros olhos, abrindo caminho para a relativização da mesma e
fazendo o direito brasileiro alcançar o patamar onde já se encontravam E.U.A., a
Europa, Austrália, entre outros. Vale ainda ressaltar que a matéria trabalhista acerca
do tema está completamente pacificada48, e os Estados estrangeiros nem mais
invocam tal prerrogativa.
3.2.2 Comercial e civil
Na esfera civil e comercial ainda há muito a se discutir. Atualmente, os
tribunais superiores brasileiros analisam caso a caso, vendo se a conduta estatal
que motivou a ação configura um ato de gestão ou de império. Sendo de gestão, a
ação terá continuidade, caso contrário será dada guarida a imunidade de jurisdição,
47 Apelação Cível 9696-3 SP. Relator Ministro Sidney Sanches. STF. Julgada em 31/05/1989. 48 Corroborando com a informação acima cito os seguinte processos julgados pelo STJ: RO-33/RJ, RO-23/PA,
43
com a posterior extinção do processo sem julgamento de mérito.
Entre a jurisprudência do STF podemos ressaltar o caso Síria vs. Egito.
Este caso versou sobre um imóvel situado no Rio de Janeiro, então capital do Brasil,
comprado pela Síria em 1951 para que lá se fixasse a embaixada deste país no
Brasil. No ano de 1958 a Síria se juntou a outra república árabe, o Egito, fundando
assim a República Árabe Unida, RAU, que perdurou somente até o ano de 1961. Por
acordo entre as partes unidas, cada embaixada da RAU teria um embaixador
apenas, podendo ele ser egípcio ou sírio. Quando a RAU foi dissolvida, o
embaixador era egípcio, e logo após a dissolução montou no prédio da embaixada
da RAU a embaixada do Egito. Ocorre que o imóvel em questão era o supracitado, e
a Síria ficou sem imóvel para instalar a sua própria embaixada.
Indignada com tal situação, ingressou com ação perante o STF,
argüindo que por ser a dona antes da formação da RAU, deveria continuar a ser a
dona no momento em que a união fosse dissolvida. O Egito foi citado, na pessoa do
seu embaixador, e invocou o direito à imunidade de jurisdição, por ser um Estado
estrangeiro soberano. O relator ministro Soares Muñoz pediu o parecer da
Procuradoria Geral da República, que foi prontamente respondido, pelo então
subprocurador, José Francisco Rezek.
Em seu parecer, Rezek analisa o caso como um conflito entre nações
soberanas, que recorrem à uma terceira para ter seu imbróglio resolvido, que poderá
ser resolvido pelo Brasil, por ser uma ação que versa sobre direito de imóvel
localizado em território brasileiro, fato este que torna competente a nossa justiça, de
acordo com a constituição, tanto a da época do fato quanto a atual. Fato que
ressaltou a curiosidade do subprocurador foi o de dois países com um histórico
jurídico de extrema importância, com juristas extremamente hábeis, não ter sido feito
um tratado, quando do momento da dissolução, especificando o destino dos imóveis
pertencentes à RAU no exterior.
Em seqüência, o parecer diz:
Tudo quanto até agora foi dito, porém, só terá alguma utilidade operacional caso a República Árabe do Egito entenda de aceitar a jurisdição brasileira. Seu direito de recusá-la é patente, e o seria mesmo aos olhos de uma ainda confusa e pouco convincente parcela da doutrina, que insiste em raciocinar à base da distinção entre “atos de império” e “atos de gestão”.49
49 ACO298 / DF, STF, Relator Ministro Soarez Muñoz, julgado em 14/04/1982. Relatório, p 5.
44
O mesmo Rezek, que em 1989 defendeu a imunidade de jurisdição
como relativa, em 1982 dizia que a mesma se tratava de uma teoria minoritária, sem
muita expressão. Contudo, o Ministro Soares Muñoz, relator do processo, exariu seu
voto favorável à continuação da lide, afastando a hipótese da imunidade de
jurisdição, se baseando para isso na teoria relativa, de que ações versadas sobre
imóveis são uma exceção à regra de imunidade, e também na própria Constituição
de 1969, onde a mesma diz que a justiça brasileira é a única competente para julgar
ações sobre imóveis localizados no Brasil.
Seguiram o relator os Ministros Néri da Silveira, Rafael Meyer e
Firmino Paz. O Ministro Clóvis Ramalhete votou também a favor do afastamento da
imunidade de jurisdição, porém votou ainda pela extinção do processo por
impossibilidade jurídica do pedido. Entendeu o eminente Ministro que a ação se
tratava de uma disputa criada pela sucessão de Estados, e que nenhum juiz
brasileiro poderia resolvê-la, causando assim um “impossível jurídico”.50 Seguiram o
Ministro Ramalhete os Ministros Djaci Falcão, Décio Miranda, Moreira Alves e
Cordeiro Guerra. Com isso, foi extinta a ação, por impossibilidade jurídica do pedido,
por 5 (cinco) votos a 4 (quatro).
O que podemos ver, nessa votação apertada, é que, embora tenha a
ação sida extinta, foi quase que unanimidade a certeza da mudança de concepção
da imunidade de jurisdição, passando de uma forma absoluta, para uma forma
relativa. 51
A esfera civil, na sua totalidade, nos traz assuntos um tanto
excêntricos. E no direito internacional, mais precisamente na possibilidade de
imunidade de jurisdição, não seria diferente. Entre os casos que foram analisados
pelo STJ, dois chamaram a atenção.
O primeiro trata de uma ação ingressada por um estrangeiro residente
no Brasil, que foi vítima do regime nazista alemão durante a Segunda Guerra
Mundial, e que pleiteava o aumento da indenização paga pelo governo alemão da
época, entendendo que tal indenização não supria suas necessidades de
subsistência. A ação foi extinta sem julgamento de mérito, após o juiz federal da 4ª
50 ACO298 / DF, STF, Relator Ministro Soarez Muñoz, julgado em 14/04/1982. Voto do Ministro Clóvis Ramalhete, p 48 – 61. 51 Neste caso, dos 10 Ministros presentes no julgamento, excetuando-se o Presidente, que não votou, todos votaram ou seguiram votos pautados na imunidade de jurisdição. A única discrepância nesse entendimento foi o parecer do então subprocurador da República, José Francisco Rezek, que depois já Ministro passou a defender a imunidade de jurisdição relativa.
45
região acatar o pedido da embaixada da Alemanha sobre a imunidade que tal
Estado estrangeiro teria perante à justiça brasileira. Este fato gerou um recurso
especial ao STJ que, na análise da conduta alemã, corretamente decidiu que tal
seria um ato de império, estando então o Estado alemão imune à jurisdição
brasileira.52
O segundo caso traz a discussão entre o ceticismo, tão presente no
Direito, e a paranormalidade, onde há acontecimentos que a ciência e a lógica não
podem explicar. Um cidadão brasileiro, residente no Brasil, alegando ter poderes
mediúnicos, enviou uma certa quantidade de cartas à embaixada americana no
Brasil, alertando aos mesmos sobre o local em que se encontrava o ditador Saddam
Hussein, com o intuito de receber uma quantia que foi prometida pelo governo
americano a qualquer pessoa que desse pistas sobre o paradeiro do ex-presidente
do Iraque. No dia 14 de dezembro de 2003 o ditador foi finalmente capturado pelas
tropas de coalisão, E.U.A., Inglaterra e alguns outros países.
O cidadão brasileiro, achando ter direito à recompensa prometida,
ingressou com uma ação ordinária requerendo o pagamento de U$ 25.000,00 (vinte
e cinco milhões de dólares norte-americanos), aproximadamente R$ 50.000,00
(cinqüenta milhões de reais). A promessa de recompensa foi feita nos E.U.A., dando
ensejo à competência jurisdicional americana, porém o fato que gerou a mesma, foi
praticado no Brasil, gerando, desta vez, a possibilidade da atuação judiciária
brasileira.
Além deste conflito de jurisdições, há ainda a hipótese da imunidade de
jurisdição brasileira, como disse o eminente relator:
Contudo, em hipóteses como a vertente, a jurisdição nacional não pode ser reconhecida com fulcro, exclusivamente, em regras interiores ao ordenamento jurídico pátrio; ao revés, a atividade jurisdicional também encontra limitação externa, advinda de normas de direito internacional, consubstanciado aludido limite, basicamente, na designada ´teoria da imunidade de jurisdição soberana´ ou ´doutrina da imunidade estatal à jurisdição estrangeira´.53
A conduta tomada pelos magistrados do STJ foi de invocar a
competência concorrente brasileira, dando prosseguimento ao feito, contudo
52 RECURSO ESPECIAL, 2002/0065711-4. Relator Ministro Humberto Gomes de Barros. STJ. Julgada em 25/04/2006. 53 RO-39/MG. STJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 06/10/2005.
46
fazendo a ressalva de que o Estado americano tem direito à imunidade, abrindo a
possibilidade do mesmo invocá-la ou renunciá-la.
Ainda há a questão da responsabilidade civil do Estado estrangeiro,
passível de ação, de acordo com a teoria relativa da imunidade de jurisdição. E é
assim que as colendas cortes supremas brasileiras entendem. Uma discussão que
pode ocorrer, com relação à responsabilidade, é a possibilidade da mesma ser
objetiva ou subjetiva, haja vista ser um Estado a parte ré, e a nossa legislação
prever que a responsabilidade estatal seria objetiva. Embora seja estrangeiro, ainda
é um Estado. Porém a responsabilidade aceita pelo STJ e STF é a subjetiva.54
Passando agora para a esfera comercial, podemos citar o Agravo de
Instrumento 757-DF, interposto pela embaixada da República Socialista da
Tchecoslováquia em face da decisão proferida a favor de Vitral Vidros Planos Ltda.
O juiz do Distrito Federal não concedeu a imunidade de jurisdição ao Estado
Tchecoslovaco, alegando que o ato praticado por este se configura como sendo de
gestão, portanto, permissivo à jurisdição brasileira.
Indignada com tal decisão, a embaixada da Tchecoslováquia ingressou
com um agravo perante o STJ, alegando que como Estado Soberano que é, e a
embaixada é o Estado representado, deveria ser concedida a imunidade, se
baseando no costume do direito internacional e na igualdade jurídica das nações.
O ministro Sálvio de Figueiredo, relator do agravo, disse em seu voto,
para assim ser seguido pelos demais membros da 4ª Turma, que:
Não se vislumbra, no contexto da causa, um ato praticado jure imperii, mediante o qual se estabeleceria entre a recorrente e a recorrida um vínculo vertical de subordinação. Ao contrário o contrato com base no qual a recorrida deduziu sua pretensão vestibular é ato típico de gestão (`jure gestionis´), defluindo dele um vínculo horizontal de coordenação de vontades coincidentes e de mesmo nível. Pelo exposto, há de ser mantida a respeitável decisão, mercê dos substanciosos fundamentos nos quais se acha vazada, razão pela qual desprovejo o agravo.55
Acertada foi a decisão, mantendo a decisão do juiz federal, mantendo o
seguimento da ação e afastando a imunidade estatal de jurisdição, pois o ato de
contratar uma empresa para prestar um serviço a uma embaixada é considerado
54 AC-14/DF, STJ, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, julgada em 15/08/1994. 55 Agravo de Instrumento Nº 757 – DF, STJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo, julgado em 21 de agosto de 1990.
47
como de gestão, o que afasta qualquer possibilidade de argüição da imunidade de
jurisdição.
3.2.3 Tributário
No campo tributário a imunidade há também uma questão interessante.
As taxas são passíveis de cobrança ao Estado estrangeiro, e o não pagamento gera
sim uma ação cível, desde que não seja resultante de um imóvel onde se situe um
consulado ou embaixada, que estão imunes de acordo com a Convenção de Viena
de 63, que dizem:
Artigo 60 Isenção Fiscal dos Locais Consulares 1. Os locais consulares de uma repartição consular dirigida por funcionário consular honorário, de que seja proprietário ou locatário o Estado que envia, estarão isentos de todos os impostos e taxas nacionais, regionais e municipais, exceto os que representem remuneração por serviços específicos prestados. 2. A isenção fiscal, prevista no parágrafo 1º do presente artigo, não se aplicará àqueles impostos e taxas cujo pagamento, de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, couber às pessoas que contratarem com o Estado que envia.56
Contudo as ações fiscais encontram uma barreira intransponível para o
cumprimento da sentença que condena o Estado estrangeiro ao pagamento dos
tributos, a inviolabilidade dos bens do Estado estrangeiro, que são imunes a
execução. Há a possibilidade de penhora dos créditos que um Estado estrangeiro
porventura tenha a receber, porém a própria ação executória teria que ser aceita
pelo réu para que possa ter seguimento.
Mesmo com este empecilho a ação não deve ser descartada de pronto,
pois como o próprio STJ, no RO-41/RJ, do Rio de Janeiro, a jurisprudência ainda
não está consolidada, devendo ter análise caso a caso, para evitar que tenha a
denegação de justiça.57
Cumpre-nos ressaltar também que, de acordo com a análise da
jurisprudência brasileira, se o tributo em voga for específico, a ação poderá
transcorrer sem mais problemas e a imunidade será afastada, como podemos ver na
56 Convenções de Viena para as relações diplomáticas e consulares de 1961 e 1963. 57 RO-41/RJ, STJ, Relatora Ministra Eliana Calmon, Julgado em 03/02/2005.
48
ementa que segue:
Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ESTADO ESTRANGEIRO. IPTU E TAXAS. 1. É de ser reconhecida a imunidade fiscal inscrita na Convenção de Viena quando se tratar de execução fiscal. O STF, pela palavra do ministro Sepúlveda Pertence preconiza que `em se tratando de execução, e execução fiscal, é caso de impossibilidade jurídica do pedido e portanto, independe de prévia audiência do Estado estrangeiro para submeter-se, ou não, a jurisdição brasileira´.(AGRACO 527-9-SP, DJ, 30.09.98). 2. Tal regra admite temperamentos quando da cobrança de serviços específicos. No presente caso as exações reclamadas não apresentam essa característica.58
No meio da análise jurisprudencial necessária para a evolução deste
trabalho, pode-se encontrar um equivoco, por parte do STJ, em chamar a imunidade
fiscal que as embaixadas e consulados possuem de imunidade de jurisdição. Neste
caso, não é a jurisdição brasileira que é afastada, e sim o objeto da ação, a
cobrança de tributos, que é impossibilitada.59
Assim, há que salientar que as Convenções de Viena, de 1961 e 1963,
em nada trazem sobre a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, sendo o
objeto destas apenas as relações consulares e diplomáticas, trazendo assim no seu
corpo, apenas imunidades relacionadas à pessoa do Cônsul, Diplomata,
Embaixador, entre outros.
58 RO-36/RJ, STJ, Relator Ministro Castro Meira, julgado em 17/06/2004. 59 Para o equivoco do STJ: RO-49/RJ, RO-46/RJ, AGRGRO-29/RJ, RO-35/RJ. Decisão onde há a previsão da imunidade fiscal, e não de jurisdição: RO-36/RJ.
49
CONCLUSÃO
A imunidade de jurisdição é um tema que, apesar de não ser tão novo,
é muito pouco discutido. Ela surgiu do direito dos Estados à igualdade jurídica, e
norteada pelos princípios do par in paret non habet imperium e the king can do no
wrong.
No início era tratada de uma forma mais rígida, mas atualmente é
aceita, pela corrente majoritária, tanto da doutrina quanto dos tribunais, e até mesmo
pelos próprios Estados, como sendo relativa.
O Brasil não legislou sobre o tema, baseando o aceite da imunidade no
direito consuetudinário. Como o costume internacional foi se alterando, a postura
brasileira foi seguindo tal mudança. A partir dos anos 70 o Brasil começou a ver a
imunidade de jurisdição com outros olhos. Porém foi apenas em 1989 que foi aceita
pela primeira vez a imunidade de jurisdição como sendo relativa.
Analisando os fatores que contribuíram para essa mudança de
posicionamento tardio, podemos chegar na escassez da doutrina brasileira, que
perdura até hoje, pois são poucos os autores que incluíram de pronto a imunidade
em seus manuais de DIP, e menos ainda aqueles que decidiram falar única e
exclusivamente deste tema em livros. Podemos chegar ainda na demora do Brasil
em internalizar, tornar lei, tal costume internacional. Se a imunidade fosse regulada
por lei interna, como é em muitos países, seria muito mais simples sua
compreensão.
Como o Brasil não legislou sobre o tema, os tribunais superiores
continuam se baseando no costume, e analisando, caso à caso, para ver se a
conduta do Estado foi de gestão ou de império. Apenas nas ações trabalhistas há a
consolidação que o ato sempre será de gestão, e não terá o Estado direito à
imunidade de jurisdição. Nas ações sobre responsabilidade civil, atos comerciais e
contratos, as cortes aceitam como sendo exceções à imunidade de jurisdição, porém
tal posição ainda não está consolidada ao ponto das trabalhistas. E nas ações sobre
débitos fiscais, as cortes superioras brasileiras tem dado a imunidade de jurisdição
se baseando nas Convenções de Viena de 61 e 63. Porém as mesmas só tratam de
relações consulares e diplomáticas. Portanto, quando o tributo advir de um imóvel
50
que não seja um consulado, uma embaixada ou uma missão diplomática, essa
convenção não poderá ser utilizada.
Por fim, há que se ressaltar que o tema ainda é muito rico e tem de ser
melhor trabalhado pelos pesquisadores. A imunidade de jurisdição gera ainda muita
discussão nas nossas cortes, muito por culpa da abstenção do Poder Legislativo, e
também do Executivo, em regular os limites da imunidade de jurisdição.
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