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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES A IMPORTÂNCIA DO VAZIO NO DIÁLOGO EXPOSITIVO Os Paradigmas do Vazio na Museologia Miguel Ângelo Vieira dos Santos Dissertação Mestrado em Museologia e Museografia Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Jorge dos Reis e pelo Prof. Mariano Piçarra 2017

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

A IMPORTÂNCIA DO VAZIO NO DIÁLOGO EXPOSITIVO

Os Paradigmas do Vazio na Museologia

Miguel Ângelo Vieira dos Santos

Dissertação

Mestrado em Museologia e Museografia

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Jorge dos Reis

e pelo Prof. Mariano Piçarra

2017

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RESUMO

No contexto museológico, a interpretação e o correto entendimento dos objetos expostos bem como da sua aura são de forma indubitável influenciadas pelo meio em que se inserem, pelo que se encontra em seu redor, ou pelo vazio existente no espaço. Patente em diversas culturas e eras, o vazio influencia a espiritualidade e a transcendência humana até aos dias de hoje, refletindo-se em aspetos estéticos nas diversas temáticas da arte. De modo a comprovar a importância do vazio no valor do diálogo expositivo, é feito um estudo interpretativo do diálogo expositivo, partindo de uma investigação acerca da perceção e da transcendência humana, considerando aspectos socioculturais de diversas épocas e culturas. Deste modo é possível encontrar uma leitura e compreensão universal para o discurso do acervo de uma exposição e contribuir para a inovação e desenvolvimento da musealização de novos espaços. Esta investigação teve como base fundamentos e conceitos considerados por alguns autores incontornáveis na história das disciplinas de Museologia, Museografia e mesmo da Filosofia, de relevância ontológica, metafísica, epistemológica e ética, considerando também estudos semióticos e da percepção do ser. Entre eles destacam-se Walter Benjamin, Johann Winckelmann, John Ruskin, Alois Riegl, Georg Hegel, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Merleau-Ponty, Wassily Kandinsky, Rudolf Arnheim, Roland Barthes, John Cage, Fernando Pessoa, Susan Sontag e Gilles Lipovetsky, pela influência das suas obras. Respeitante a toda a obra de arte, esta reflexão denota que o vazio é um elemento de grande relevância para as disciplinas de Museologia e Museografia ao enumerar sete paradigmas que vivem deste conceito, vinculando cada um à Museologia. Para a concretização da presente dissertação foi essencial a compreensão de toda a envolvência que relaciona os valores do vazio com os valores da obra ou objeto musealizado no seu contexto expositivo, tendo como fim a total conservação preventiva do acervo.

Palavras-Chave:

Museologia, Vazio, Aura, Diálogo Expositivo, Transcendência

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ABSTRACT

In the museological context, the interpretation and the correct understanding of the exhibited objects and it’s aura are undoubtedly influenced by the environment in which they are inserted, what is around them, or the void surrounding them. Present on several cultures and different eras, emptiness and void have influenced spirituality and human transcendence to this day, being reflected on the aesthetic of various art themes. In order to prove the importance of the void in the value of the exhibition, an interpretative study of the exhibition is made, starting with an investigation about human perception and transcendence considering sociocultural aspects of different times and cultures. Thus, in order to find a universal understanding for the collection display of an exhibition, contributing to the innovation and development of the musealization of new spaces. This research was based on foundations and concepts considered by some authors in the history of the disciplines of Museology, Museography as well as Philosophy with ontological, metaphysical, epistemological and ethical relevance, also considering semiotic studies and the perception of being. Among them Walter Benjamin, Johann Winckelmann, John Ruskin, Alois Riegl, Georg Hegel, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Merleau-Ponty, Wassily Kandinsky, Rudolf Arnheim, Roland Barthes, John Cage, Fernando Pessoa, Susan Sontag and Gilles Lipovetsky stand out by the influence of their works. Related to the whole work of art, this reflection indicates that the emptiness is an element of greater importance for the disciplines of Museology and Museography by enumerating seven paradigms that live from this concept, associating each of them to the field of Museology. For the accomplishment of the present dissertation it was essential to understand all the surroundings that relate the values of the void to the values of the work or museum object in its exhibition context, aiming the complete preventive conservation of the collection.

Keywords:

Museology, Aura, Emptiness, Exhibition, Transcendence

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Agradecimentos

Aos meus pais, por me proporcionarem não apenas a existência, mas

também tudo o que vivi. À família e amigos, bem como a todos os que de alguma

forma me ensinaram algo até aqui.

Catarina Chicau, por toda a força e apoio, Pedro Fonseca e Silva, pelas

tertúlias que por ciclos se uniram, Mestre Compositor Ricardo Ribeiro, pela

atenção e informação partilhada.

Ao meu Orientador, Professor Doutor Jorge dos Reis e Co-Orientador

Professor Mariano Piçarra, pelo acompanhamento essencial para este trabalho

e por tudo o que aprendi convosco.

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1

Índice

Índice .................................................................................................................. 1

Índice de figuras ................................................................................................ 3

Siglas .................................................................................................................. 4

Introdução .......................................................................................................... 5Objetivo do estudo .................................................................................. 5

Metodologia e Processo .......................................................................... 6

Estado da Arte ......................................................................................... 7

Modelo Teórico ........................................................................................ 7

Quadro Conceptual ................................................................................. 8

Parte I ............................................................................................................... 101 Os Paradigmas da Ideia de Vazio ................................................... 10

1.1 Desmaterialização .................................................................... 17

1.2 Pureza ...................................................................................... 18

1.3 Silêncio ..................................................................................... 20

1.4 Ausência .................................................................................. 26

1.5 Aberto ....................................................................................... 27

1.6 Leveza ...................................................................................... 42

1.7 Branco ...................................................................................... 44

Parte II .............................................................................................................. 462 Vinculação dos Paradigmas da Ideia do Vazio na Museologia ....... 46

2.1 Desmaterialização na Museologia ........................................... 47

2.2 Pureza na Museologia ............................................................. 51

2.3 Silêncio na Museologia ............................................................ 57

2.4 Ausência na Museologia .......................................................... 63

2.5 Aberto na Museologia .............................................................. 67

2.6 Leveza na Museologia ............................................................. 73

2.7 Branco na Museologia ............................................................. 76

Conclusão ........................................................................................................ 80

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2

Bibliografia ....................................................................................................... 83

Webgrafia ......................................................................................................... 87

Iconografia ....................................................................................................... 89

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3

Índice de figuras

Figura 1 ............................................................................................................... 6

Figura 2 ............................................................................................................. 29

Figura 3 ............................................................................................................. 32

Figura 4 ............................................................................................................. 36

Figura 5 ............................................................................................................. 37

Figura 6 ............................................................................................................. 38

Figura 7 ............................................................................................................. 39

Figura 8 ............................................................................................................. 41

Figura 9 ............................................................................................................. 50

Figura 10 ........................................................................................................... 50

Figura 11 ........................................................................................................... 55

Figura 12 ........................................................................................................... 55

Figura 13 ........................................................................................................... 60

Figura 14 ........................................................................................................... 60

Figura 15 ........................................................................................................... 67

Figura 16 ........................................................................................................... 72

Figura 17 ........................................................................................................... 72

Figura 18 ........................................................................................................... 72

Figura 19 ........................................................................................................... 75

Figura 20 ........................................................................................................... 78

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4

Siglas

ICOM — International Council of Museums/Conseil International de Musées

UNESCO — United Nations Educational, Scientific Cultural Organization

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5

Introdução

O desenvolvimento de uma exposição deve ter determinadas

preocupações essenciais para a correta musealização de um espaço, de modo

a apelar à atenção do visitante. Esta investigação parte da evolução da

disposição das obras observada ao longo da história da museologia, desde os

gabinetes de curiosidades até às galerias da atualidade, considerando a

dispersão que se tem criado entre as obras. Propositada ou não, existe nesta

evolução uma marcante procura pelo vazio que passou ser vista como uma

preocupação de conservação preventiva. Agregar esta preocupação à

construção de um discurso expositivo como disciplina museológica é, portanto,

uma mais valia para a evolução expositiva, de modo a estimular novos interesses

para o visitante e libertar a aura de cada peça.

Objetivo do estudo

O presente trabalho pretende demonstrar a importância do vazio na

valorização de um diálogo expositivo, conseguindo uma melhor interpretação e

interação entre o observador e a obra. Para isto, a capacidade de transcendência

e de concentração em função do meio envolvente serão o foco desta

investigação.

A importância do vazio no diálogo expositivo é analisada através do estudo

de obras de diversos autores de onde emergem sete paradigmas. Aqui, as suas

ideias fundem-se, surgindo uma afiliação de cada autor com o vazio. Estes

conceitos serão apresentados em duas partes sendo que na primeira serão

analisados a Desmaterialização, a Pureza, o Silêncio, a Ausência, o Aberto, a

Leveza e o Branco. Na segunda parte, os mesmos conceitos serão analisados

no contexto museológico. Estes paradigmas do vazio na Museologia surgem

com a evolução sociocultural, notável na progressão dos valores estéticos nas

obras e na forma como são apresentadas, que tem vindo a ser beneficiada com

o auxílio e apropriação das novas tecnologias.

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Metodologia e Processo

Este trabalho parte da exploração de diversos conceitos que unem o vazio

à perceção humana, à forma como este pode ser fundamental para a

compreensão de um discurso expositivo e outras questões consideradas

essenciais para uma comunicação eficaz. As questões associadas ao contexto

comportamental do objeto e do observador são não só semióticas e sonoras,

como cronológicas e espirituais, sendo por isso analisadas do ponto de vista de

diversas áreas de estudo, nomeadamente a filosofia, que permitem uma ligação

ao mundo da museologia. Assim, esta investigação terá a seguinte estrutura:

Figura1

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Estado da Arte

Diversos autores analisaram conceitos determinantes para que se possa

compreender a importância do vazio na museologia. Desde noções milenares

até a reflexões contemporâneas, destaca-se, por exemplo, o pensamento

ocidental budista. Também autores como Johann Winckelmann, Walter

Benjamin, Friedrich Hegel, Alois Riegl e Erwin Panofsky desenvolveram estudos

importantes para o desenvolvimento e organização das artes com grande

influência para a conservação preventiva das mesmas.

No âmbito das disciplinas relacionadas à ontologia e transcendência,

destacam-se Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Rudolf Arnheim e Wassily

Kandinsky, tendo os dois últimos sido essenciais para o desenvolvimento dos

estudos da perceção humana. Algumas referências relevantes para o estudo

deste tema são obras como Inside the White Cube (1986) de Brian O'Doherty,

La Chambre Claire (1980) de Roland Barthes, bem como Silence (1961) de John

Cage.

Modelo Teórico

Este trabalho está dividido em duas partes. A primeira parte passa pela

análise de conhecimento de diferentes obras, absorvendo alguns conceitos

essenciais para o tema inseridos em cada paradigma apresentado. Na primeira

parte, Os Paradigmas da Ideia de Vazio, são definidos os seguintes conceitos-

chave: Desmaterialização, Pureza, Silêncio, Ausência, Aberto, Leveza e Branco.

Aqui, são tratadas noções como a Aura, de Walter Benjamin, que é essencial

para o desenvolvimento desta investigação, o Zeitgeist, que Hegel define como

o espírito do tempo e o Kunstwollen, de Alois Reigle, relevante para a

compreensão e conservação preventiva da arte. São ainda referidos neste

trabalho estudos sobre a essência e a transcendência humana, e o “objeto-

essência”, baseado nos fundamentos de Kandinsky, Heidegger e Sartre, antes

de ser analisado na “Arte e Percepção Visual” de Arnheim.

Esta dissecação de conceitos é imprescindível para a investigação no

intuito de fundamentar na segunda parte, Vinculação dos Paradigmas do Vazio

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na Museologia, a forma como estes conceitos se associam à Museologia,

mantendo a sequência estrutural de capítulos da parte I e II, em que cada

paradigma se relaciona com a sua vinculação. Através de reflexões e

investigações científicas acerca da perceção humana que contribuem e

potenciam uma nova abertura entre a peça e o observador, são alcançadas

novas possibilidades de compreensão para uma linguagem universal.

Quadro Conceptual

Para uma boa compreensão desta investigação foi elaborado o seguinte

quadro conceptual que ajuda a clarificar certos conceitos que possam não ser

bem interpretados.

Aura — A aura faz parte do caráter do objeto, proporcionando-lhe uma

valorização divina referente à sua unicidade, autenticidade e história. Esta é a

essência do objeto, tratada por Walter Benjamin no seu ensaio A obra de arte na

sua reprodutibilidade técnica (1936) como uma realidade intocável, sendo aquilo

que se sente na presença de um objeto ou obra de arte. Este sentimento de

caráter transcendental é conseguido pela sensibilidade que quem o observa

sendo um valor pertencente ao objeto que se encontra entre a perceção e o

sentimento da sua presença.

Momento Aurático — Pode ser descrito como o momento em que a obra

atinge a sensibilidade do apreciador alcançando um êxtase emocional e

transmitindo um sentimento pela presença do seu “hic et nunc [aqui e agora,

N.d.T], a sua existência única no lugar em que se encontra.” (Benjamin. p.10) .

Ocorre quando o observador se deixa envolver pela aura do objeto e a

contempla, sentindo a sua essência, criando um diálogo único e particular entre

o ser e a obra. Neste momento o poder da monumentalidade da obra arrebata o

ser, monumentalidade esta que pode não ser referente à dimensão da obra mas

sim aos seus valores e características.

Vazio — O Vazio é aqui apresentado como um valor estético que distancia

aparições e momentos temporais, como um mito que para Fernando Pessoa “um

nada que é tudo” (Pessoa, 1972). O vazio, por vezes tratado como o Nada,

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coloca questões inerentes à transcendência humana e ao espaço que rodeia o

ser. Este conceito é por vezes utilizado no quotidiano para descrever a ausência

de algo.

Zeitgeist — Termo cunhado por Hegel com definição de espírito do tempo.

Representa a integração espiritual e cultural do mundo, em determinada época

ou período de tempo e pertence aos valores das diferentes culturas e civilizações

de cada época. Para Hegel a natureza de cada objeto pertence à época e cultura

em que foi reproduzido, fazendo parte dos valores de um objeto ou obra de arte.

Kunstwollen — Termo que Riegle entende como vontade de arte através

da forma e material do objeto, como uma energia interna da criatividade humana

que provoca uma conexão formal entre os acontecimentos de uma época. Riegle

concluiu que a forma evolui por si, dependendo de si mesma em função do

material ou técnica com que o objeto é trabalhado.

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Parte I

Os conceitos apresentados neste capitulo expressam a importância da

transcendência e perceção humana, bem como a sua compreensão e a evolução

cronológica através de novos conceitos que evoluíram e se têm vindo a

influenciar. São apresentadas diferentes ideias que desfragmentam diversas

componentes temáticas e que se refletem na musealização de um percurso.

Aqui, cada objeto é colocado de forma a preservar o seu próprio vazio e ir ao

encontro do sublime.

1 Os Paradigmas da Ideia de Vazio

O vazio, ou o nada, é um conceito complexo e subjetivo sobre o qual é

possível refletir. Podemos supor que antes da existência do nada existe algo, e

que pode haver nada dentro de nada. Assim, o nada deve estar dentro de algo.

O nada que existe antes de existir algo mais já é, só por si, alguma coisa, sendo

que esse nada deverá estar em algo, ou seja, é limitado por algo. Deste modo,

podemos questionar como proveio, do nada, algo, se este não era nada. É

possível propor a existência de um tudo antes do nada. O nada é, portanto, tudo.

Neste contexto, Hegel refere:

Cada uma das partes da filosofia é um todo filosófico, um círculo arredondado e completo por si

mesmo. Em cada uma dessas partes, no entanto, a ideia filosófica é encontrada numa

particularidade ou meio específico. O círculo único, porque é uma totalidade real, explode os limites

impostos pelo seu meio especial e dá origem a um círculo mais amplo. Toda a filosofia dessa

maneira se assemelha a um círculo de círculos. A ideia aparece em cada círculo único, mas, ao

mesmo tempo, toda a ideia é constituída pelo sistema dessas fases peculiares, e cada um é um

membro necessário da organização.1 (Hegel, 1830).

O Nada, ou vazio, são de grande importância na valorização de um diálogo

expositivo, influenciando a forma como os objetos se comportam e se destacam,

1 Traduzido de: “Each of the parts of philosophy is a philosophical whole, a circle rounded and complete in itself. In each of these parts, however, the philosophical Idea is found in a particular specificality or medium. The single circle, because it is a real totality, bursts through the limits imposed by its special medium, and gives rise to a wider circle. The whole of philosophy in this way resembles a circle of circles. The Idea appears in each single circle, but, at the same time, the whole Idea is constituted by the system of these peculiar phases, and each is a necessary member of the organisation.” (Hegel, 1830).

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fazendo com que cada objeto respire e deixe transparecer a sua Aura. Cada

objeto vive pela sua forma, cor e material, diz respeito a uma época e conta uma

história. Este necessita de um espaço físico que deixe respirar a sua essência,

a qual deve ser respeitada e conservada em qualquer contexto que a peça tome,

num diálogo expositivo.

A forma de apreciar a arte e o modo de observar a sua exposição têm vindo

a sofrer alterações ao longo dos tempos. Neste contexto, é proposta a

valorização de um diálogo expositivo através do papel do vazio. Com a análise

de vários estudos acerca da perceção do comportamento humano e social

perante a matéria procura-se mostrar que o vazio expositivo é importante na

transcendência da essência do objeto exposto ao público.

Partindo do pensamento de Lipovetsky, que nos fala de uma sociedade

narcisista onde o ser age de forma cada vez mais hedónica, compreende-se que

a sua independência e cultura pode partir de uma ostentação deste narcisismo

social. Esquecemos quem somos e o que realmente importa seguindo o boom

dos problemas sociais que surgem ao longo dos tempos. Assim, supõe-se que

o mesmo aconteça na forma como a arte é observada. O visitante entra numa

exposição indo, muitas vezes, diretamente ao encontro da obra, objeto ou tipo

de arte com a qual se identifica. Existe quase uma seleção prévia, uma ação

quase inconsciente do que se quer ver. A esta questão agrega-se ainda a

necessidade crescente de autopromoção nas redes sociais, sendo que, neste

contexto, para muitos, o importante deixa de ser apreciar a exposição, para ser

sim fotografado junto da peça que está na moda de modo a obter o máximo de

visualizações para exacerbar um sentimento narcísico.

Assim, começa a competir ao museólogo fazer com que os visitantes

prestem atenção às demais obras e não só às mais famosas e conhecidas,

seduzindo-os a investir em novas contemplações, fazendo com que os restantes

objetos tenham oportunidade de os chamar e ser independentes. Lipovetsky

refere que “a independência é um traço de carácter, é também uma maneira de

viajar segundo um ritmo seu, de acordo com os seus próprios desejos; construa

a «sua» viagem” (Lipovetsky, 1989, p. 19). Esta independência do objeto, terá

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sempre um significado e uma história que não poderá ser alterada ao

desmaterializar a coisa/objeto, pois pertence ao que viveu. A disposição de um

objeto musealizado no percurso expositivo pode ter diferentes interpretações

sendo que a forma como este é colocado pode alterar a história que tem para

contar, obstruindo a sua aura, desrespeitando o passado que lhe pertence e

destruindo o seu carácter.

A arte deve, assim, seduzir o espectador, tal como refere Lipovetsky:

Fazer da sedução uma «representação ilusória do não-vivido» (Debord) é reconduzir o

imaginário das pseudo-necessidades, a oposição moral entre o real e a aparência, um real

objetivo ao abrigo da sedução, quando se define, sobretudo, como processo de

transformação do real e do indivíduo. Longe de ser um agente de mistificação e de

passividade, a sedução é destruição do cool do social através de um processo de

isolamento, que já não surge administrado pela força brutal ou pelo quadriculado

regulamentar, mas através do hedonismo, da informação e da responsabilização

(Lipovetsky, 1989, p. 23).

Esta destruição do cool é essencial para combater a estandardização da

sociedade, pois embora a arte possa ser uma moda de um tempo, uma

exposição pretende mostrar esse tempo como história e cultura, sem que o seu

propósito seja alimentar uma tendência atual que pode desvalorizar e

desrespeitar obras de referência. Assim o afirma Debord:

Quando a arte tornada independente representa o seu mundo com cores resplandecentes,

um momento da vida envelhece e não pode ser rejuvenescido com cores resplandecentes.

Apenas pode ser evocado na memória. A grandeza da arte não começa a aparecer senão

no poente da vida.2 (Debord, 1970, p. 104).

Voltamos a referir o pensamento de Lipovetsky quando este refere que:

Num sistema desafectado, basta um acontecimento módico, um nada, para que a

indiferença se generalize e conquiste a própria existência. Atravessando sozinho o

deserto, carregando-se a si próprio sem qualquer apoio transcendente, o homem de hoje

caracteriza-se pela vulnerabilidade (Lipovetsky, 1989, p. 44).

2 Traduzido de: “When art which has become independent represents its world with dazzling colors, a moment of life has grown old and it cannot be rejuvenated with dazzling colors. It can only be evoked in memory. The greatness of art only begins to appear at the fall of life.” (Debord, 1970, p. 104)

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Assim, é importante vincar a importância do nada no contexto expositivo

para que o ser material conquiste a sua importância, destacando-se o valor da

obra de arte.

A existência da obra procura seduzir o observador, de forma que exista um

contacto entre o ser e a peça.

Existe um inevitável flirt para que a obra consiga o seu momento de

atenção, de contemplação, uma troca de energias, como o momento aurático da

obra de arte que nos fala Walter Benjamin. Este momento é algo que desperta o

subconsciente, conquistando o lado animal do ser humano através do seu

intelecto, do mesmo modo que a inteligência pode não ser o fator que suscita a

atração sexual, mas pode ser esse o fator que atrai para que haja oportunidade

de seduzir. Assim, a arte quer seduzir, estando aberta para receber o seu

observador, procurando constantemente um momento íntimo com o observador,

como uma ninfomania incansável por todo o ente. Este momento é, portanto,

uma necessidade de ser vista para que possa seduzir.

Tomemos como exemplo a Bíblia Sagrada. Podemos considerar que talvez

Adão e Eva não se tenham resistido por serem únicos um para o outro. Para

muitos, esta deve ser a primeira história erótica da humanidade, e para os que

não é, é possível observá-la como uma inevitabilidade. O desejo pelo

desconhecido é, talvez, das maiores atrações da humanidade, existindo no ser

humano um desejo constante de descobrir mais, provar algo novo. O instinto

leva-nos, assim, a explorar aquilo que está ao nosso alcance, e que nos é novo.

Por fim, se a obra for a única atração ao alcance de um ente observador, esta

irá decerto ter a sua atenção. Sontag, na sua obra a Estética do Silêncio, afirma

de forma clara esse aspeto:

A pornografia usa um tosco e reduzido vocabulário de sentimentos, sempre relacionado

às perspetivas de acção: sentimento que se gostaria de pôr em ação (luxúria), sentimento

que não se gostaria de pôr em ação (vergonha, medo, aversão) e que também na

pornografia o menos é mais (Sontag, 1987, p. 74).

Refere ainda também que a imaginação pornográfica expressa algo digno

de ser ouvido, algo que nos dá acesso à sensibilidade e personalidade individual.

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Lipovetsky define sedução como uma lógica que se desembrulha perante uma

socialização flexível empenhada na personalização-psicologização do sujeito,

surgindo de um clima que “distrai epidermicamente um público que está muito

longe de ser tão ingénuo e passivo como imaginam os actuais directores do

espetáculo” (Lipovetsky, 1989, pp. 21-25).

Conclui-se, assim, que o objeto expositivo se desmaterializa, mostrando

um propósito, colocando uma questão, contando uma história. A sua essência

vive de um poder esotérico vindo da mente do próprio homem desde os seus

primórdios, onde pequenas coisas são comuns a todos os povos e religiões. Em

vários pontos do mundo procurou-se fazer uma ligação do homem com uma

entidade divina através de uma «coluna sem fim»,

[…] a qual prolonga um tema mitológico já existente na Pré-História e que, por outro lado,

está muito espalhado por todo o mundo. A «coluna do céu» sustenta a abóbada celeste;

por outras palavras, é um axis mundi, da qual conhecemos numerosas variantes: a coluna

Irminsul dos antigos Germanos, os pilares cósmicos das populações norte-asiáticas, a

montanha central, a árvore cósmica, etc (Eliade, 1987, p. 147).

Tal como explica Marino ao salientar que os “universos imaginários

correspondem às estruturas simbólicas arquetipais, às imagens-modelos”, as

quais criam a plenitude dos “actos de criação o carácter ‘permanente’, ‘eterno’,

torna-os ‘universalmente acessíveis’ A ‘criação reintegra’ autenticamente um

arquétipo, entendido como uma potencialidade dinâmica.” (Marino, 1998, pp.

337,338). Citemos o autor a este propósito:

O simbolismo do axis mundi é complexo: o eixo que sustenta o céu e assegura,

simultaneamente, a comunicação entre a terra e o céu. Perto do axis mundi, supostamente

colocado no centro do mundo, o homem pode comunicar com os poderes celestes. A

concepção do axis mundi, enquanto coluna de pedra sustentando o mundo, reflecte, muito

provavelmente, as crenças características das culturas megalíticas (IV-III milénios a. C.)

(Eliade, 1987, p. 147)

Eliade exemplifica com a questão do feijoeiro, muito conhecido nos contos

de historias infantis. Referindo-o como uma Árvore-Cósmica. “A Katha-

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Upanishad (VI,1) descreve-a assim: ‘Este Acvattha3 eterno, cujas raízes vão para

cima e os ramos para baixo, é o puro (sukram4), é o Brahman5, é o que se chama

não morte” (Eliade, 1987, p. 147). Todos os mundos tocam nele ‘A árvore

acvattha representa na totalidade da sua compreensão, “a manifestação do

Brahman no cosmos, quer dizer, a criação como movimento descendente.”

Assim como outros escritos dos Upanixades6 certificam e esclarecem esta

intuição do cosmos como árvore. “Os seus ramos são o éter, o ar, o fogo, a água,

a terra” (Eliade, 1987, p. 147).

Elucidando também que “quando sobe ao céu, no decurso da sua viagem

mística, o xamã trepa a uma árvore que tem nove ou sete degraus. A maior parte

das vezes, no entanto, realiza esta ascensão por um poste sagrado que também

tem sete degraus e que, naturalmente, se admite encontrar-se no centro do

mundo” (Eliade, 1987, p. 147). Também os deuses Altaicos prendem os cavalos

a este pilar cósmico, acontecendo o mesmo com outras culturas como:

Nos Escandinavos; Odhin prende o seu cavalo a Yggdrasil (lit. ‘Cavalo de Odhin’) Os

Saxónicos denominam Irminsul este pilar cósmico -universalis columna quasi sustinens

omnia. Os Indianos têm a mesma ideia de um eixo cósmico, representado por uma árvore

de vida ou pilar, situado no meio do universo. Na mitologia chinesa, a árvore miraculosa

cresce no centro do universo, no sítio onde deveria encontrar-se a capital preferida. Ela

reúne as Nove Nascentes aos Nove Céus. Chama-se ‘Pau Erguido (kieou-Mou) e diz-se

que, ao meio-dia, tudo o que se encontra perto dela e se mantém direito não pode dar

sombra. (...). É o ponto de apoio, por excelência. Por conseguinte, a comunicação com o

céu só pode ser feita em torno dela ou mesmo por intermédio dela» (Eliade, 1987, p. 147).

Todas estas estas ideologias culturais nos remetem para a questão do

vazio, de onde de alguma forma tudo surge, sendo que algumas culturas

assumiram o vazio como razão, como por exemplo culturas orientais e de origem

asiática. Tomando como exemplo os egípcios, cuja cultura teria origens asiáticas

3 Figueira Sagrada, “Os indianos por exemplo, veneram certa árvore chamada Acvattha; simplesmente, para eles a manifestação do sagrado nesta espécie vegetal é transparente, pois só para eles a Acvattha é uma hierofania e não apenas uma árvore” (Eliade, 2008, pp. 7,9). 4 “Sukram é outra expressão poética que implica pureza, suddha, puro” (Thakar, 2011). 5 Em sânscrito Brahman, é um conceito do hinduísmo cujo termo designa o principio do divino, uma força superior omnipresente. 6“Os Upanixades ou Upanissades são parte das escrituras Shruti hindus, que discutem principalmente meditação e filosofia, e são consideradas pela maioria das escolas do hinduísmo como instruções religiosas.” (dicionarioportugues.org/pt/upanixade, visto a 11/08/2017).

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16

(Souto, 2016, p. 16): segundo a sua mitologia, antes de existir um mundo

organizado “existiam apenas águas cósmicas primordiais, o Nun uma massa

líquida fria, escura e em completa desordem. O Nun é silêncio, penumbra e

vazio, mas contém também um poder magnífico onde se encontra a essência da

criação” (Souto, 2016, p. 29).

Este vazio tão importante na cultura oriental e comprovado também pelos Sutras7

orientais, como o The Heart Sutra Prajnaparamita8 procuram a

desmaterialização quando referem que o vazio (sunyata9) é a chave para o

Budismo Mahãyãna. Aqui, o Sariputra, “Here, o Sariputra10, a forma é vazio e o

muito vazio é forma; vazio não se diferencia da forma, a forma não diferente de

vazio; tudo o que é forma, é vazio, tudo o que é vazio, é forma; o mesmo é

verdadeiro de sentimentos, percepções, impulsões e consciência”11 (Osho,

1978, p. 34).

Várias culturas procuram o freixo entre o céu e a terra. Esta poesia

mitológica que se tornou religião já era arte e neste sentido citemos Eliade ao

referir a obra de Brancusi:

Todo um conjunto de símbolos dizendo respeito à vida espiritual e, sobretudo, às

experiências extáticas e aos poderes, da inteligência é solidário com as imagens do

pássaro, das asas e do voo. O simbolismo do voo traduz uma ruptura efetuada no universo

da experiência quotidiana. A dupla intencionalidade desta ruptura é evidente:

simultaneamente, representa a transcendência e a liberdade que obtemos pelo «voo»

(Eliade, 1987, p. 149).

7“Budhism. Collections of dialogues and discourses of classic Mahayana Buddhism dating from the 2th to the 6th century A.D” (Makins, 1992, p. 1358) 8“Prajnaparamita significa "a meditação, a sabedoria do além (Osho, 1978, p.104) "a sabedoria do além, ou sangya, que significa percepção, sensibilidade ou vigyanam, que significa consciência" (Osho, 1978, p. 125) 9“A noção de sunyata, ou vazio, foi debatida por mais de dois mil anos por alguns dos maiores pensadores nas tradições budistas - incluindo o próprio Buda. Sunyata pode ser pensada como a Concepção da realidade final em certas seitas budistas " traduzido de: (Ando, 2013, p. 80) 10 Sariputra (também escrito por Sariputta ou Shariputra) foi um dos principais discípulos do Buda. (traduzido de:(O'Brien, 2015) 11 Traduzido de “Here, o Sariputra, form is emptiness and the very emptiness is form; emptiness does not differ from form, form does not differ from emptiness; whatever is form, that is emptiness, whatever is emptiness, that is form; the same is true of feelings, perceptions, impulses, and consciousness” (osho, the heart sutra, english discourse series,1978 p34)

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Este mesmo freixo entre o céu e a terra assemelha-se ao ser e à

transcendência, e este vazio entre ambos é a essência da compreensão do valor

da arte. No espaço expositivo, o vazio abrange não apenas o espaço que o

objeto habita e onde o visitante circula, como também a musicalidade do

conjunto de objetos dispostos na sala e o encontro com a arquitetura do local

onde se insere, procurando o silêncio necessário para que exista uma harmonia

onde as auras não se sufoquem.

Usando um exemplo concreto, o Japão tem uma cultura milenar de grande

influência para muitos povos que tiveram contacto com a mesma. Na sua

filosofia, o vazio está presente como um importante elemento que se reflete no

seu quotidiano. Esta filosofia, denominada MA, é um dos mais importantes

conceitos na arte japonesa. Deste modo, este é o primeiro paradigma a ser

analisado.

1.1 Desmaterialização

O MA é uma noção de origem japonesa que representa o “entre espaço”

(Kenmochi, 1992), o vazio. Este pode ser visto como o intervalo de conexão com

o Divino na cultura Oriental, visto como um “quase-signo” (Kenmochi, 1992) que

faz parte do senso comum milenar de todos os japoneses. Esta filosofia está

presente em todos os elementos culturais, como na arquitetura, nas artes

plásticas, na música, nos jardins, nos teatros e na comunicação. Pode ser

considerada uma área vazia entre sons e formas.

Kenmochi (1992) salienta que “MA é um espaço vazio, mas não no sentido

de vácuo (...) preenche uma energia ki” (Kenmochi, 1992, p. 39).Bem como

Okano explica da seguinte forma:

O Ma, semioticamente, pode ser considerado como um estágio pré-sígnico, pertencente

à primeiridade peirciana, isto é, anterior à existência do objeto como fenômeno. Assim, no

momento em que ele se manifesta no mundo, e, portanto, adentra o reino da segundidade

peirciana, inúmeras espacialidades são construídas ao se agregarem outras semânticas,

como a do entre-espaço, conforme aponta o próprio caractere ideogramático que

representa o Ma na língua japonesa: � = � � � (portão + sol). (Okano, 2013, p. 151)

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Ao transportar o pensamento de Kenmochi para a cultura ocidental é

possível associar esta energia à aura que todo o ser material possui por razão

da matéria, unicidade, espiritualidade, historicidade ou mesmo algo pessoal que

traz um acrescento de valor à sua essência física. Este conceito apresenta-nos

a procura da importância não material, o valor da essência através da exclusão

do que é físico, o valor do vazio (da pureza) em si.

1.2 Pureza

Entendemos por pureza, aquilo que é puro, algo que nada tem misturado à

sua composição. Encontrar a pureza leva à desmaterialização do ser, visto a

transcendência de cada um absorver uma realidade pessoal diferente. Deste

modo, a ideia de pureza deve ser fisicamente inalcançável. Tal como referido

anteriormente, a aura é o conceito com o qual os ocidentais estão familiarizados,

que mais se pode assemelhar ao MA. Esta pode ser vista como uma poesia

intocável inerente ao ser ou coisa, sendo este físico ou não. Perante esta

premissa, Walter Benjamin coloca a questão:

Que é, em suma, a aura? Uma trama singular de tempo e de espaço: aparição única de

um longínquo, por mais próximo que esteja. O homem que, numa tarde de Verão, se

abandona a seguir com o olhar o perfil de um horizonte de montanhas ou a linha de um

ramo que sobre ele deita a sua sombra — esse homem respira a aura dessas montanhas,

desse ramo (Benjamin, 2010, p. 10).

Benjamin define a aura como a “única aparição de uma realidade

longínqua, por mais próxima que ela possa estar” (Benjamin, 2010, p. 10). A aura

pode ser entendida como o poder de algo sobre nós e pode ser, por exemplo,

aquilo que um artista procura mostrar ao apresentar a sua obra. A noção de MA

da cultura japonesa acabou por influenciar escolas da cultura ocidental que

deixam transparecer algumas das suas características, tal como nas escolas

Gert J. van Tonder12 e Dhanraj Vishwanath13. Os mesmos fatores de perceção

implícitos nos manuais de jardinagem centenários do Japão são parcialmente

12 Laboratory of Visual Psychology, Department of Architecture and Design, Kyoto Institute of Technology 13 School of Psychology, University of St. Andrews, Scotland

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incorporados nas ideias apresentadas pela Bauhaus, escola de psicologia

Gestalt e outros movimentos, quase um milénio mais tarde, estes conceitos de

design japonês entre os grandes projetos de paisagem do mundo, a arquitetura

e os jardins clássicos japoneses são de especial interesse, porque durante o

último milénio culminaram com um canone de efeitos de design para impor uma

ordem naturalista idealizada sobre elementos de design; A ordem em grandes

vistas naturalistas geralmente é recriada num espaço relativamente limitado. Ele

oferece uma visão valiosa sobre o que é uma forma natural boa e equilibrada e

como diferentes estruturas naturais e de origem humana podem ser

harmoniosamente combinadas (Vishwanath, 2017).

As mesmas características apresentadas nos antigos jardins do Japão,

podem ser vistas nas ideias retratadas pela Bauhaus, Gestalt School of

Psychology, entre outros movimentos, quase um milénio depois. O design

japonês mostra-nos uma visão valiosa sobre o que é uma boa forma, natural e

equilibrada, e como diferentes infraestruturas podem ser harmoniosamente

combinadas com a natureza. Bem como refere Arnheim:

O jardim japonês por excelência contrasta com os jardins da perspetiva barroca, como os

tribunais de Herrenhausen e Veitshöchheim. Essas estruturas impõem geometrias não

naturais e puras em elementos de design naturais, geralmente em grandes escalas

espaciais. O jardim barroco aparece como a continuação da geometria arquitetónica

humana no espaço exterior circundante, enquanto num jardim de rocha japonês clássico

a transição do design humano para a forma naturalista é mais enfatizada14 (Arnheim, 1966,

p. 123).

Johan Wagemans (2015) refere que o aumento do contacto entre o Japão

e o Ocidente nos finais do séc. XIX, teve grande influência na Bauhaus. O

minimalismo presente nas estampas de stencils woodblock e katagami utilizados

para o tingimento têxtil tiveram um forte impacto na evolução do Design gráfico

ocidental conduzindo para uma linha a clarificada e bem como para o destaque

14 Traduzido de: “The courts at Herrenhausen and Veitshöchheim. These structures impose non-naturalistic, pure geometries onto natural design elements, usually over large spatial scales. The baroque garden appears as the continuation of human architectural geometry into the surrounding exterior space, while in a classical Japanese rock garden the transition from human design to naturalistic form is more emphasized.” (Arnheim, 1966, p.123).

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da representação não figurativa. Os stencils katagami eram conseguidos por

várias camadas que constituíam motivos com figuras percetíveis. No entanto,

cada folha separada, apresenta um design abstrato. Esses stencils,

desconhecidos na Europa até à época, tornaram-se muito populares entre os

membros da Secessão de Viena15, ao serem acidentalmente considerados

designs abstratos intencionais.

Wagemans menciona ainda o conceito de "natureza idealizada"

(Wagemans, 2015, p. 869), uma noção baseada no design japonês, que está de

acordo com as ideias ocidentais da teoria de arte no final do século XIX que

vieram a influenciar a art nouveau, a art deco, e a Bauhaus.

1.3 Silêncio

Uma fonte sonora que gera um som16 provoca um movimento ordenado

das moléculas do ar, propagando-o no espaço. A sua propagação no espaço

está dependente de diversas variáveis, entre elas os obstáculos com que se

depara, sendo a própria matéria um fator que influencia. Assim, um som emitido

numa sala desocupada propaga-se mais facilmente de forma ininterrupta quando

nenhum objeto obstrui a sua passagem. Isto pode ser extrapolado para uma

exposição em o espaço existente entre cada peça permite a fluidez deste

discurso. O respeito pelo respirar de cada uma produz uma musicalidade no

discurso expositivo onde os pormenores são marcados no tempo certo

conseguindo com este contraste um diálogo não monótono.

15 Movimento artístico da sociedade dos artistas austríacos do final do séc. XIX, liderado por Gustav Klimt, que protestava contra as normas tradicionais e artísticas da época. 16 Som: “Movimento vibratório de um corpo sonoro, que se propaga no ambiente e impressiona o órgão da audição: som agudo, som grave. Emissão da voz; voz. Quando um corpo sonoro é tangido, suas diferentes partes experimentam imediatamente um movimento de vibração. O ar que cerca os corpos participa desse movimento e forma em volta dele ondas que atingem o ouvido. O ar é, pois, o principal veículo do som, que se propaga com uma velocidade de cerca de 340 m por segundo (em temperatura normal). Os líquidos transmitem-no com mais rapidez: a velocidade dele na água é de 1.425 m por segundo; nos sólidos, a velocidade é ainda maior. O som não se transmite no vácuo, e sua intensidade aumenta ou diminui proporcionalmente à pressão do gás que o transmite. Quando as ondas sonoras encontram um obstáculo fixo, elas se refletem. É nesta propriedade que se fundamenta a teoria do eco. Os sons perceptíveis têm uma frequência compreendida entre 16 períodos e 15.000 períodos por segundo; os infra-sons têm uma frequência inferior a 16, e os ultra-sons uma frequência superior a 15.000.” (Dicio, 2017)

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Tal como John Ruskin afirma “o talento do compositor não está na

monotonia, mas nas mudanças”17 (Ruskin, 2004, p. 35) lembrando também que

este “Deve suportar pacientemente a inflação da monotonia por alguns

momentos, para sentir o refresco da mudança” 18 (Ruskin, 2004, p. 35). Sobre

a importância do contraste à monotonia Sontag refere que “não há superfície

neutra, discurso neutro, tema ou formas neutras. Uma coisa é neutra apenas

com relação a algo mais — como uma intenção ou uma expectativa” (Sontag,

1987, p. 17). Assim, encontramos um discurso aberto entre as peças existentes,

detentor de contrastes e variações. Propõe-se que a atenção do visitante seja

captada pelo fluir de cada conjunto de peças onde a mais importante se destaca

pela forma como respira, pelo respeito existente com o espaço e pelo ecoar do

seu som. Quanto maior for a liberdade conseguida e o eco de determinada peça,

mais possibilidade terá de ser ouvida e mais tempo irá durar a sua nota, sendo

valorizada pela musicalidade do diálogo onde se insere. Assim, o eco de um

objeto é conseguido pelo vazio, pela ausência de obstáculos, fator essencial

para a captação de informação conseguida nos contrastes do espaço.

Segundo Cage: “um som tem quatro características: frequência, amplitude,

timbre e duração. O silêncio (ruído ambiente) tem apenas duração. Uma

estrutura musical zero deve ser apenas um tempo vazio 19” (Cage, 2002, p. 80).

O silêncio pode assim ser visto como um tempo vazio que possibilita a existência

de música e da sua transcendência, como Kandinsky refere em relação a uma

composição de Wagner:

Os violinos, os tons profundos dos baixos, e especialmente os instrumentos de sopro,

representavam para mim, naquele tempo, toda a potência daquela hora crepuscular. Eu

vi todas as cores no meu espírito; elas estavam de fronte dos meus olhos. Linhas

selvagens, quase loucas, estavam desenhadas à minha frente. Não me atrevi a usar a

expressão que Wagner tinha pintado musicalmente ‘a minha hora’ (Kandinsky, 1982, p.

362)

17 Traduzido de:“the talent of the composer is not in the monotony, but in the changes” (Ruskin, 2004, p. 35) 18 Traduzido de: "must bear patiently the infliction of the monotony for some moments, in order to feel the refreshment of the change" (Ruskin, 2004, p. 34) 19 Traduzido de:“a sound has four characteristics: frequency, amplitude, timbre and duration. Silence (ambient noise) has only duration. A zero musical structure must be just an empty time.” (Cage, 2002, p. 80)

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Este estado de transcendência potenciado pela peça de Wagner pode ser

relacionado ao momento e o seu espírito, o Zeitgeist. Hegel fala-nos do espirito

do tempo, o qual define como Zeitgeist. Nesta matéria Wagner explica que a

ideia de Hegel assenta numa carência da ideia ser conceitualizada, devendo

este ser universal, e pela sua característica artística “superar a sua subjetividade,

exteriorizando-se” (Wagner, 2014, p. 24). Prevalecendo então o presente e a

historia para que este espírito se tenha desenvolvido. Na filosofia de Hegel

importa que o espírito seja “como única substância, o que supõe, assim, que a

história seja o espaço de realização e liberdade” (Wagner, 2014, p. 25).

Realização esta que atravessa o tempo de forma continua, com sentimentos,

com “conquistas, alegrias, sofrimentos, conflitos, guerras, etc.” (Wagner, 2014,

p. 25). Todas os períodos cronológicos têm uma nova reconstituição, com

diferentes compreensões de liberdade e afirmação da mesma, que terá

inevitavelmente o seu reflexo nas artes e nos meios de comunicação. Este

espirito do tempo provem da forte importância da filosofia da historia para a

estética hegeliana. Assim Wagner salienta que:

Hegel percebe que a história apresenta um sentido, um significado específico para a

evolução do espírito, que adquire conhecimento próprio do que se apresenta como real.

Ele apresenta o sentido da história como o espaço da emancipação da humanidade. A

ideia de o espírito transitar pela história é a ideia de uma razão concreta. A realidade

adquire a forma sensível do Belo artístico, determinando o Ideal do Belo artístico. A arte,

segundo Hegel, é a manifestação concreta do Espírito e da Verdade na história da

humanidade, o que difere da ideia platônica do Belo. Para Platão, a Ideia do Belo, como a

da Verdade e do Bem, é abstrata, atemporal e não histórica. Hegel também critica

Aristóteles sobre a imitação da natureza (Wagner, 2014, p. 25).

É coerente salientar este adágio no presente trabalho, visto a essência do

objeto estar diretamente ligada a toda a sua história, o que é imprescindível para

compreender o significado do mesmo. Por conseguinte, é de maior valor

considerar o Zeitgeist enquanto instrumento aplicável ao discurso expositivo, não

apenas a nível cronológico, mas também transcendente. Ou seja, este deve ser

ponderado no que diz respeito à época do objeto no seu contexto expositivo,

bem como na forma como o visitante o irá interpretar no aqui e agora. Isto está

associado à dimensão temporal.

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A existência do tempo talvez possa ser negada, pois este não é mais do

que uma transcendência, tal como uma imagem. Só existe consciência do tempo

porque o homem necessita de uma forma de controlar e gerir a vida, dando-se

conta desta dimensão que manipula e domina a ação humana, tão eterna como

a liberdade. É algo que não tem fim. O tempo é uma abstração que tudo controla.

O ser não existe no tempo, o tempo existe no ser, pois este pode não passar de

uma transcendência. Deste modo, Husserl refere:

Através da análise fenomenológica não se pode encontrar a mínima porção de tempo

objectivo. O «campo temporal originário» não é um fragmento do tempo objectivo, o agora

vivido, tomado em si mesmo, não é um ponto do tempo objectivo, etc. Espaço objectivo,

tempo objectivo e, com eles, o mundo objectivo das coisas e processos reais — tudo isto

são transcendências. Bem entendido, espaço e realidade não são transcendentes num

sentido místico, como «coisas-em-si», mas justamente o espaço fenoménico, a realidade

fenoménica espácio-temporal, as formas espacial e temporal que aparecem (Husserl,

1994).

Assim, o tempo é uma dimensão, uma unidade de medida da nossa

transcendência. Esta ideia é reforçada por Santo Agostinho quando diz:

Nenhuns tempos Vos são coeternos porque Vós permaneceis imutável, e se os tempos

assim permanecessem, já não seriam tempos. Que é, pois, o tempo? (...) vós sois, antes

de todos os tempos, o eterno Criador de todos os tempos. Estes não podem ser coeternos

convosco, nem nenhumas outras criaturas, ainda que haja algumas que preexistem aos

tempos (Agostinho, 1981, pp. 14-30).

Assim como o tempo permanece puro, imutável, também as formas têm um

distanciamento temporal entre si, mediante a forma como são apresentadas

criando uma musicalidade expositiva, um silêncio entre elas. Assim como afirma

Kandinsky:

As formas das tendências construtivas em pintura podem dividir-se em dois grupos

principais: 1.º A composição simples, submetida a uma forma clara e simples, é

denominada composição melódica. 2.º A composição complexa, na qual se combinam

várias formas, as quais se submetem a uma principal pode, por seu lado, resultar de difícil

localização e isolamento exterior. A base da composição recebe então uma sonoridade

particular. É a composição denominada sinfónica (Kandinsky, 1912, p. 121).

A diferença das formas surge de uma dissociação entre ambas. Esta

pluralidade converge na medida em que todas são formas, e para que exista

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uma comparação é necessário haver um plural. Destacar um ponto é isolá-lo,

torna-lo único, podendo rodeá-lo de dissociações para que isso aconteça.

Segundo Kandinsky “a forma, mesmo quando abstracta e geométrica, possui o

seu próprio som interior; ela é um ser espiritual, dotado de qualidades idênticas

a essa forma. Um triângulo (agudo, obtuso ou isósceles) é um ser” (Kandinsky,

1912, p. 64). Bem como perante um objeto a apreciação estética do observador

altera consoante a cor aplicada à sua forma, ou o cheiro e a forma de um

alimento irão remeter quase automaticamente a um sabor, do mesmo modo que

a forma do objeto poderá para alguns ter um som. Segundo Kandinsky a forma

do objeto é tratada a partir desta citação:

Emana um perfume espiritual que lhe é próprio. Associado a outras formas, este perfume

diferencia-se, enriquece-se de nuances – como um som das suas harmonias --, mas no

fundo permanece inalterável. Tal como o perfume da rosa que nunca se poderá confundir

com o da violeta. (...). É assim que vemos claramente a interacção entre a forma e a cor.

Um triângulo totalmente preenchido a amarelo, um círculo a azul, (...). As cores agudas

têm uma maior ressonância qualitativa nas formas pontiagudas, (como, por exemplo, o

amarelo num triângulo). As cores que se podem classificar de profundas são reforçadas

nas formas redondas (o azul num círculo, por exemplo). É evidente que a dissonância

entre a forma e a cor não pode ser considerada uma desarmonia. Pelo contrário, pode

representar uma possibilidade nova e, portanto, uma causa de harmonia” (Kandinsky,

1912, pp. 64,65).

É então possível compreender que a cada transcendência é única,

possuindo características que não podem ser comparadas, sejam elas cheiros,

formas ou sons. O ruído nunca é eliminado na sua totalidade sendo que o

silêncio só existe perante a morte. Como John Cage descreve:

Comecei a ouvir os sons antigos, aqueles que eu pensei desgastados, desgastados pela

intelectualização, comecei a ouvir os sons antigos como se eles não estivessem

esgotados. O silêncio, como a música, é inexistente. (...). Há sempre sons, isto é, se

alguém está vivo para os ouvir. Obviamente eles não são. Se eu os faço ou não, há sempre

sons para serem ouvidos e todos eles são excelentes. Nós cozemos um bolo (...) e verifica-

se que o açúcar não era açúcar, mas sal20 (Cage, 2002, p. 152).

20 Traduzido de: “I begin to hear the old sounds, the ones I had thought worn out, worn out by intellectualization, I begin to hear the old sounds as though they are not worn out. Silence, like music, is non-existent. (…) There always are sounds. That is to say if one is alive to hear them. Obviously, they are not. Whether I make them or not there are always sounds

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É, no entanto, possível ocultar todos os outros sons através da combinação

de todas as frequências do som, o white noise. Lipovetsky dá-nos uma perceção

do white noise ao referir o seguinte:

Neutralizar o mundo pela força do som, fechar-se em si próprio, descarregar e sentir o

corpo aos ritmos dos amplificadores, eis que hoje os ruídos e vozes da vida se

transformaram em parasitas: é preciso que o indivíduo se identifique com a música e

esqueça a exterioridade do real (Lipovetsky, 1989, p. 71).

Esta perceção pode surgir, por exemplo, ao ver uma exposição cheia de

gente. Aqui o ruído torna-se neutro e o ser é afetado apenas com a peça que

atrai a sua atenção. Então, segundo Lipovetsky podemos entender que a

perceção e compreensão das obras é individual “torna-se uma experiência

estética «não amarrada» (Kandinsky), polivalente e fluida. Com a arte moderna,

já não há espectador privilegiado, a obra plástica deixa de ter que ser

contemplada de um ponto de vista determinado, o observador dinamizou-se, é

um ponto de referência móvel” (Lipovetsky, 1989, p. 95). Este poderá ter de se

afastar de si mesmo para alcançar a compreensão da obra que poderá não ser

evidente. Como perante um quadro cubista em que o observador tem de se

desfragmentar para absorver toda a dinâmica pictórica representada. Deste

modo “A percepção estática exige de quem olha um percurso, uma deslocação

imaginária ou real através da qual a obra é um percurso, uma deslocação

imaginária ou real” (Lipovetsky, 1989, p. 95) onde a obra é reinterpretada,

podendo receber uma nova reorganização em função das faculdades e

transcendências do observador. Lipovetsky afirma o seguinte:

A arte moderna é aberta, requer a intervenção manipuladora do utente, as ressonâncias

mentais do leitor ou do espectador, a atividade combinatória e aleatória do intérprete

musical. Esta participação real ou imaginária, doravante constitutiva da obra, ligar-se-á,

como pensa Umberto Eco, ao facto de a ambiguidade, a determinação, a equivocidade,

se terem transformado em valores, em novas finalidades estéticas? «É preciso evitar que

uma interpretação inequívoca se imponha ao leitor», escreve U. Eco21: se todas as obras

de arte se prestam a uma multiplicidade de interpretações, só a obra moderna seria

to be heard and all of them are excellent. We bake a cake (…) and it turns out that the sugar was not sugar but salt.” (Cage, 2002, p. 152) 21 (Eco, 1965, p. 22)

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construída intencionalmente tendo em vista signos não unívocos, só ela buscaria

expressamente o vago, o fluido, a sugestão, a ambiguidade. Estará de facto, aqui o

essencial? (Lipovetsky, 1989, pp. 95-96)

Todas as obras têm uma sonoridade. Contudo, talvez seja o silêncio a

maior transcendência do som.

1.4 Ausência

A ausência ou a não existência faz com que algo seja, pois uma não vive

sem a outra. Cada elemento procura o seu bem-estar para ser bem sentido, para

que a sua presença seja total. Ao estar presente o ser expressa uma vontade.

Alois Riegl (1858-1905), historiador de arte do século XIX impulsionou o

formalismo ao comparar o artefacto ao objeto artístico, defendendo que ambos

possuem Kunstwollen, termo que Riegl entende como “vontade da arte” (Riegl,

1966, p. 12) através da forma do objeto, como uma energia interna da

criatividade humana que provoca uma conexão formal entre os acontecimentos

de uma época. Riegl concluiu que a forma evolui por si, em função de si mesma,

dependendo do material ou técnica com que o objeto é trabalhado. Este conceito

riegliano aparenta frisar as tentativas de delinear diferentes intenções na arte.

Estudar um objeto deve, portanto, ter implícita a interpretação do seu

Kunstwollen, para que possamos entender o comportamento do mesmo e sua

vontade. A sua aparência, forma e material exigem um determinado modo de

exposição pois é possível presumir que cada objeto se comporta de maneira

diferente consoante o espaço que ocupa e aquilo que o rodeia. Deste modo,

citemos Geraldo a propósito deste conceito:

O conceito de Kunstwollen teve importantes desdobramentos na história de arte do século

20, introduziu na história uma ideia de uma “força supra-individual”, objetiva, que se

manifesta na atividade de grupos de pessoas. Foi sobretudo interpretado por Erwin

Panofsky, para quem o Kunstwollen se caracteriza como um sentido eminente que a

crítica, no final de um processo de interpretação, decifra nos fenómenos artísticos. «Nessa

ótica o sentido de necessidade ou pulsão, que o historiador de arte acredita conhecer no

desenvolvimento de um estilo, não é a realização de uma essência ao longo da sucessão

de obras, mas a expressão de coerência de sentidos que a interpretação do historiador

liberta nos fenômenos. Não tem um caráter psicológico, tem um caráter transcendental,

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percebendo a arte em sua essência própria e não em função de fatores exteriores

(circunstâncias históricas, pressupostos psicológicos, analogias estilísticas). O conceito,

lido por Panofsky, define a partir de categorias ou conceitos fundamentais, a priori, que se

referem não ao fenómeno em si, mas às condições de seu ser-em-si, e de seu ser-como»

(Geraldo, 2017, p. 83).

Então, através a ausência do objeto ou o seu não-aparecimento encontra-

se uma separação entre a sua forma física e o seu significado, sendo este último

subjacente à sua tipologia. Como consequência dos estudos de Riegl referidos

anteriormente, foram desenvolvidas por Panofsky investigações e filosofias a

nível iconográfico onde este referia que “a iconografia é o ramo da história da

arte que se preocupa com o tema e significado das obras de arte, em oposição

à sua forma”22 (Panofsky, 1972, p. 3). O autor fez uma distinção entre a forma e

o significado do objeto, que considerou de maior importância iconográfica. A

iconografia é, por fim, um registo organizado através da imagem, uma linguagem

visual simbólica e representativa que vive da comparação, do mesmo modo que

Hegel separa os objetos através de uma organização cronológica.

1.5 Aberto

Partindo da ideia desenvolvida anteriormente, também Agamben procura a

separação do Homem e do seu ser físico, sendo apenas humano aquele que

“transcende e transforma o animal antropóforo que o sustém, e apenas porque

através da acção que nega é capaz de dominar e eventualmente destruir a sua

própria animalidade” (Agamben, 2015, p. 23).

Deste modo a abertura do homem é conseguida pela transcendência do

ser pensador, que tem a capacidade de sentir o que vem do seu exterior. Este

sentimento implica a perceção de um ponto, para que se possa abrir à sua

interpretação perante o mesmo.

Kandinsky, na sua obra Ponto, Linha, Plano, apresenta-nos o ponto como

marcação não apenas sintática e temporal, mas também como uma forma, e

22 Traduzido de: “Iconography is that branch of the history of art which concerns itself with the subject matter of meaning of works of art, as opposed to their form.” (Panofsky, 1972, p. 3).

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pelo modo como surge e se comporta. O autor explica-nos que o ponto apresenta

uma capacidade multifacetada de ser o embrião de todas as formas e de

simultaneamente conter em si todas essas formas.

Kandinsky começa por situar o ponto no quotidiano e como ele surge física

e iconograficamente nas nossas vidas, dando-nos a forma criada pelo senso

comum à sua realidade abstrata. É-nos explicado pelo autor que:

O ponto geométrico é, segundo a nossa conceção, a última e única união do silêncio e da

palavra. Eis por que o ponto geométrico encontrou em primeiro o seu lugar na escrita –

ele pertence à linguagem e significa o silêncio (Kandinsky, 1970, p. 35)

Sabe-se, assim, que o ponto é um símbolo respeitado e que, por norma, é

este que determina e que inicia uma ação não apenas na escrita como também

no desenho que é, por sua vez, a base da forma e da tridimensionalidade. Como

nos diz Kandinsky:

[…] encontramos pontos em todas as artes e o artista torna-se cada vez mais consciente

da sua força intrínseca.” [deste modo] “não devemos subestimar a sua importância. Bem

como na (…) escultura e na arquitetura, o ponto é resultante da intersecção de vários

planos é, por um lado, o resultado de um ângulo espacial e, por outro, está na origem

desses planos; os planos devem dirigir-se para um ponto e desenvolver-se a partir dele

(Kandinsky, 1970, pp. 47,48).

O autor diz-nos que toda a matéria está em constante mudança. Isto pode

ser observado, por exemplo, na ampliação de um ponto em que passamos a

distinguir a sua circunferência e o seu interior, que é só por sim um plano, que

por sua vez contém um conjunto de pontos. Este é um ciclo que se pode repetir

infinitamente, ou seja: ao marcar um ponto numa folha em branco, num programa

de edição gráfica (como por exemplo o Ilustrador), e aumentar este ponto iremos

obter um círculo. Tanto a sua circunferência como superfície delimitada pela

mesma são compostos por outros pontos aglomerados. É possível selecionar

qualquer um desses pontos e repetir este processo de ampliação infinitas vezes.

Este ciclo mostra-nos o comportamento da matéria. Kandinsky esclarece,

referindo que: “A matéria não deve ser um fim em si, mas deve servir a

composição (fim) como qualquer outro elemento (meio), senão produz-se uma

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dissonância interior e os meios transportá-la-ão para o fim” (Kandinsky, 1970, p.

57).

Como foi anteriormente referido, o ponto “é única união do silêncio e da

palavra” (Kandinsky, W., 1970, p.35). Ao ser visto deste modo, o silêncio pode

ser considerado como um vazio sonoro que transcende o poder de qualquer som

pois este é dissonante de todo o som, sendo o ponto onde este nasce e onde se

dissipa. É a pureza de qualquer nota. Considerando o que nos é dito pelo autor,

é possível propor que o silêncio é o vazio criado pela modelação dos espaços

ocupados, num discurso expositivo. O ponto a que Kandinsky se refere como

pausa é silêncio e, tal como o vazio num discurso expositivo, marca o tempo,

muda o sentido de uma frase, e é como um espaço em branco entre sons num

diálogo. Transpondo para o espaço físico, o vazio marca da mesma forma o

tempo e manipula o sentido de um local. O ponto é uma inquietação do vazio e

o vazio é um ponto (uma paragem sonora ou física entre dois corpos). Não

podemos, então, dissociar um do outro.

A forma como o diálogo expositivo é modelado permite salientar os pontos

a destacar, devendo ter em consideração que esse destaque acontece em

Figura2

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função do vazio que está em seu redor (Figura 2). Enquanto Kandinsky nos fala

do ponto como silêncio, o qual define a marcação sintática de um diálogo, uma

respiração, de um outro ponto de vista, Martin Heidegger refere que “A arte não

é mais do que uma palavra a que nada de real já corresponde. Pode valer como

uma ideia coletiva na qual reunimos aquelas coisas que da arte somente são

reais: as obras e os artistas” (Heidegger, 1977, p. 11). A arte, ao ser considerada

como uma transcendência, não é mais do que aquilo que é sentido quando esta

é vivida. Esta reunião entre obras e artistas, da qual Heidegger fala, é o conjunto

físico de um conceito, ou seja, a parte que materializa um diálogo expositivo. O

referido diálogo é a arte da exposição, sendo este criado a partir das obras e

artistas que nela são referidos, onde a troca de auras e épocas é sentida no

vazio que as complementa. É nesse vazio que o visitante circula e onde é

atingido pela essência das obras que o rodeiam. O papel do vazio no discurso

expositivo pode ser associado ao que é referido por Heidegger:

Tudo o que se queira entrepor entre nós e a coisa como concepção e enunciado sobre a

coisa deve ser afastado. Só então podemos abandonar nos à presença não mascarada

da coisa(...) no que nos vem na vista, no ouvido, no tacto, nas sensações da cor, do

som(...) deste conceito. (Heidegger, 1977, p. 18)

Quando Heidegger fala da coisidade da coisa e do seu caráter coisal refere-

se à mesma como “a experiência fundamental grega do ser e do ente”

(Heidegger, 1977, p. 16) sendo “o que é perceptível nos sentidos da

sensibilidade através das sensações”. (Heidegger, 1977, p. 18) A coisa é

também interpretada pela sua materialidade, ou seja, a coisa enquanto matéria.

Vemos então que uma obra exposta não é vista apenas como objeto, sendo

detentora de uma poesia que vai para o além do seu estado físico, aquilo a que

Walter Benjamin chama de Poder Aural em A obra de Arte na sua

Reprodutibilidade Técnica.

Ao retirar a Aura ou a essência de um objeto, este irá perder o seu valor, a

sua verdade enquanto obra de arte. Mostrar a verdade de uma peça não se

prende apenas pela colocação de um enunciado ou de uma legenda acerca da

sua história. Para transmitir a verdade de uma peça esta tem de se mostrar como

tal, pois, tal como o autor refere: “Verdade quer dizer desde há muito, a

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concordância do conhecimento com o objeto” (Heidegger, 1977, p. 41). A

verdade existe na obra mesmo sem enunciado, ou descrição pois a sua essência

existe em si mesma, faz parte da obra, “faz parte do acontecimento da obra. A

essência do criar determinamo-la de antemão a partir da sua relação com a

essência da verdade, enquanto desocultação do ente.” (Heidegger, 1977, p. 45).

A obra é a tradução de um sentimento ou conceito, a abertura de um ente. Para

que este possa existir como único e pertencente a uma peça, esta deve repousar

e respirar sem que a sua aura seja obstruída, não ocultando assim a sua

verdade.

“A abertura de um ente acontece na obra” (Heidegger, 1977, p. 54) a qual

salvaguarda a verdade do saber, do seu criador e do seu tempo. Heidegger

refere, de seguida, que o saber não consiste na mera representação de algo, ou

seja, podemos representar o que sabemos acerca de algo, mas esta

representação não irá chegar para traduzir o nosso saber na sua totalidade, e

quem sabe verdadeiramente o ente, sabe o que quer no meio do ente. Heidegger

explica que este querer não determina de antemão o saber, “concebe-se a partir

da experiência fundamental do pensar em Ser e Tempo. O saber que permanece

um querer e o querer que permanece um saber é a inserção ecstática do homem

existente na desocultação do ser” (Heidegger, 1977, p. 54). Assim, a obra liberta

o homem da sua essência através da sua existência, sendo que nada lhe pode

retirar o saber com que foi feita para alcançar a sua forma. Esta libertação reflete

uma vontade: “Querer é a sóbria decisão do ir-além-de-si-mesmo existente, que

se expõe à abertura do ente como ao que se pôs em obra. Assim, a instância

vem à lei, a salvaguarda da obra é, enquanto saber, a sóbria persistência no

abismo de intranquilidade da verdade que acontece na obra” (Heidegger, 1977,

p. 54). Em relação à obra, Heidegger salienta que:

A Obra de arte é o templo, ali de pé, abre um mundo e ao mesmo tempo repõe-no a terra

que, só então, vem à luz como solo pátrio (heigmaltlich Grund). Porém, jamais sucede que

os homens e os animais, as plantas e as coisas estejam aí e, reconhecidos como objetos

imutáveis, forneçam de seguida, acessoriamente, a ambiência adequada ao templo, que

um dia se acrescenta ao que lá está. Aproximamo-nos muito mais do que é, se pensarmos

tudo isso de modo inverso, com a condição, evidentemente, de sabermos ver, antes de

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mais, como tudo se nos apresenta de outro modo. A simples viragem (Umkerhren),

efectuada por si mesma, não há nada (Heidegger, 1977, p. 33).

Após esta triangulação de conceitos podemos propor a seguinte hipótese:

tal como não é possível dissociar o ponto do vazio também não é possível

dissociar o vazio de cada objeto que o ocupa, pois, este vazio é inerente não

apenas ao corpo, mas também à aura que o transcende.

A Figura apresenta o objeto (representado a preto) e as respetivas auras

como circunferência referente de cada um (Figura 3). Como é visível, os objetos

juntos tendem a consumir-se. Ao sufocar o objeto a aura não irá respirar

deixando assim de ter uma aura individual, para passar a ter uma aura global,

pertencente ao conjunto dos objetos. Desta forma, o objeto perde totalmente a

sua aura própria, sendo que a sua capacidade de transcender será alterada.

Perde-se, assim, a pureza do objeto.

Quanto à essência dos objetos, Ferrier cita Brancusi quando este nos diz-

nos que “Não é a forma exterior que é real, mas a essência das coisas. A partir

desta verdade, é impossível, a qualquer um, expressar algo real, imitando

apenas a superfície externa das coisas” (Ferrier, 1995, p. 539). A essência do

objeto permanece de forma intemporal, não importando a forma física da obra

ou o seu estado, conseguindo transportar o observador a um nível de êxtase,

seduzindo-o para um momento aurático. Cada objeto tem a capacidade de nos

contar uma história e cada pessoa é atingida consoante o saber que detém da

mesma. Naturalmente, cada um o interpreta e sente de forma diferente. Poderá

então a essência estar não no objeto, mas sim no observador? Sartre afirma que

Figura3

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somos aquilo que vivemos e a dimensão da nossa imaginação, sendo tudo

transcendência.

O conjunto "objeto-essência" constitui um todo organizado: a essência não está no objeto,

mas é o sentido do objeto, a ·razão da série de aparições que o revelam. Mas o ser não é

nem uma qualidade do objeto captável entre outras, nem um sentido do objeto. O objecto

não remete ao ser como se fosse uma significação: seria impossível, por exemplo, definir

o ser como uma presença - porque a ausência também revela o ser, já que não estar aí é

ainda ser (Sartre, 2007, p. 8).

Para Sartre, o ser é um fenómeno transcendental no qual a sua essência é

aquilo que é sentido em relação a esse ser, a imagem criada na mente. Visto

que o conhecimento não pode tornar-se um ser em si, todo o ser tem se ser

transfenomenal. Isto não significa que o ser se esconde por detrás de

fenómenos. O autor desenvolve esta ideia: “O que mede o ser da aparição é,

com efeito, o facto de que ela aparece. E, tendo limitado a realidade a este

fenómeno, podemos dizer que este fenómeno é tal como aparece” (Sartre, 2007,

p. 9).

A compreensão da consciência assume-se como um importante fator para

saber a forma como o ser irá interpretar uma exposição. Sobre este tema Sartre

refere que:

O prazer não deve dissolver-se detrás da consciência que tem (de) si: não é uma

representação, é um acontecimento concreto, pleno e absoluto. Não é de maneira alguma

uma qualidade da consciência (de) si, assim como a consciência (de) si não é uma

qualidade do prazer. Não há antes uma consciência que recebesse depois a afecção

"prazer", tal como se colore a água — do mesmo modo como não há antes um prazer

(inconsciente ou psicológico) que recebesse depois a qualidade de consciente, como um

feixe de luz (Sartre, 2007, p. 13).

Com esta premissa, Sartre afirma também que não se deve entender que

a consciência se extrai do nada, não havendo possibilidade de haver nada de

consciência antes da consciência. Sabendo que não se pode prever uma

transcendência, pois ao prever esta transcendência, o ser já está a transcendê-

la, “antes da consciência só se pode conceber plenitude de ser, em que nenhum

elemento pode remeter a uma consciência ausente” (Sartre, 2007, p. 14). Esta

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plenitude de ser onde o ser se encontra a si como ser aparece perante si mesmo,

pois:

Para haver nada de consciência é preciso uma consciência que haja sido e não é mais, e

uma consciência-testemunha que coloque o nada da primeira consciência para uma

síntese de reconhecimento. A consciência é anterior ao nada e "se extrai" do ser.23 (…) A

consciência nada tem de substancial, é pura "aparência", no sentido de que só existe na

medida que aparece. Mas, precisamente por ser pura aparência, um vazio total (já que o

mundo inteiro se encontra fora dela), por essa identidade que nela existe entre aparência

e existência, a consciência pode ser considerada o absoluto (Sartre, 2007, p. 14).

Absoluto este que tem a capacidade de transcender, bem como a questão

do Dasein, onde o ser começa a questionar a razão da sua própria existência

O ser transfenomenal da consciência não pode fundamentar o ser transfenomenal do

fenômeno. Eis o erro dos fenomenistas: tendo reduzido, com razão, o objeto à série

conexa de suas aparições, acreditaram ter reduzido seu ser à sucessão de suas maneiras

de ser, e por isso o explicaram por conceitos que só podem ser aplicados a maneiras de

ser, pois designam relações em uma pluralidade de seres já existentes. (…) Sem dúvida,

pode-se ter consciência de uma ausência. Mas esta ausência aparece necessariamente

sobre um fundo de presença. Pois bem: como vimos, a consciência é uma subjetividade

real, e a impressão é uma plenitude subjetiva. Mas esta subjetividade não pode sair de si

para colocar um objeto transcendente conferindo-lhe a plenitude impressionável. Assim,

se quisermos, a qualquer preço, que o ser do fenômeno dependa da consciência, será

preciso que o objeto se distinga da consciência, não pela presença, mas por sua ausência,

não por sua plenitude, mas pelo seu nada. (…) “Mas de onde vem o nada? E se é a

condição primeira da conduta interrogativa, de toda indagação filosófica ou científica em

geral, qual será a primeira relação entre o ser humano e o nada, qual a primeira conduta

nadificadora? (Sartre, 2007, pp. 17,28)

Sartre, na obra O Ser e o Nada, refere que o ser determinado como nada

transpõe-se para o seu contrário “Esse ser puro — escreve Hegel na Lógica

menor — é a abstração pura e, por conseguinte, a negação absoluta, a qual,

tomada também em seu momento imediato, é o não-ser.” (Sartre, 2007, p. 29).

23 “Não significa de modo algum que a consciência seja fundamento de seu ser. Ao contrário, como veremos adiante, há uma contingência plenária do ser da consciência. Queremos apenas indicar: 1 º, que nada é causa da consciência; 2º, que ela é causa de sua própria maneira de ser” (Sartre, 2007, p. 14).

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Deste modo tanto o ser como o nada, são algo, bem como em seguida o autor

salienta que:

Com efeito, não é o nada simples identidade consigo mesmo, completo vazio, ausência

de determinações e conteúdo? O ser puro e o nada puro são, portanto, a mesma coisa.

Ou melhor, são diferentes, para dizer a verdade. Mas, «como aqui a diferença ainda não

está determinada, pois ser e não-ser constituem o momento imediato, essa diferença, tal

como neles se acha, não poderia ser mencionada: é apenas um simples modo de

pensar»24. Isso significa, mais concretamente, que «não há nada no céu e na terra que

não contenha em SI» 25 (Sartre, 2007, p. 29).

Explicando o fundamento do espaço como uma exterioridade recíproca em

que o ser é aquilo que é, o autor define o seu lugar presente como um para si

indiferente aos demais seres, afirmando esta indiferença como própria

identidade.

Sarte refere também que “O espaço é o nada de relação captado como

relação por um ser que é sua própria relação” (Sartre, 2007, p. 175). Da mesma

maneira que, para o ser humano, é impossível olhar diretamente para os próprios

olhos sem ser por meio de um reflexo, o vazio é uma transcendência. Nada pode

realmente limitar o vazio, podendo apenas criar uma interrupção visual que não

impede a noção de existência de algo mais, e o desejo de ver para além desse

limite. Assim, apesar de o vazio não poder ser observado este pode sim ser

disposto da forma desejada pelo observador. Logo, nós somos o limite da nossa

transcendência. Sobre este propósito Sartre salienta que:

Mas, por outro lado, quer ser o objeto no qual a liberdade do outro aceita perder-se, o

objeto no qual o outro aceita encontrar, como sua segunda facticidade, o seu ser e sua

razão de ser; quer ser o objeto-limite da transcendência, aquele rumo ao qual a

transcendência do Outro transcende todos os outros objetos, mas ao qual não pode de

modo algum transcender (Sartre, 2007, p. 291).

24 Hegel: P. c. - E. 988. 25 Hegel: Lógica maior, capítulo 1. [N. do T. = In Enciclopédia das Ciências Filosóficas (Editorial Atena, São Paulo).]

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O autor desenvolve: “o objeto sagrado, com efeito, é um objeto do mundo

que indica uma transcendência para-além do mundo. A linguagem revela-me a

liberdade daquele que me escuta em silêncio, ou seja, sua transcendência”

(Sartre, 2007, p. 296). Podemos, assim, ver o vazio como estado puro da

ausência de qualquer transcendência, pressupondo que a transcendência parte

da aparição de uma realidade, um objeto, um ser ou uma presença. Definir o

vazio é como ocultar o tempo no espaço, como um congelamento ou uma

interrupção no raciocínio. O vazio é inalcançável num contexto psicológico pois

como Sartre refere “o nada não se nadifica” (Sartre, 2007, p. 36). O simples facto

de existir leva à negação do vazio pois perante a existência de pensamento e a

existência de um ser pensador não é possível negar a transcendência. Tal como

defendia René Descartes, “penso, logo, existo” (Descartes, 2005, p. 34). O ser

pode, talvez, ser considerado o limite do vazio, da própria transcendência e da

forma em que o vazio existe até ao próximo limite, que será a próxima aparição

ou obstáculo que encontra. Ao encontrar este limite, vê e sente algo, realizando

e imaginando de uma determinada forma. Se existir, e o ser apenas se observa

por reflexo, o seu próprio estado físico pode ser uma transcendência de si

mesmo. Voltando assim a delimitar a ausência de qualquer presença, a

consciência do ser é tudo no nada.

O objeto continua a ter necessidade de respirar para que não seja

interrompido pelo que o espaço dado à essência do objeto é essencial para que

o objeto continue a ser um momento único na nossa capacidade de

transcendência (Figura 4).

Nesta sequência explicativa da importância do vazio no diálogo expositivo,

Rudolf Arnheim apresenta um pensamento proveniente da teoria da Gestalt:

Figura4

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Uma disciplina psicológica — A palavra Gestalt, substantivo comum alemão, usada para

configuração ou forma tem sido aplicada desde o início do nosso século a um conjunto de

princípios científicos extraídos principalmente de experimentos de percepção sensorial.

Admite-se, geralmente, que as bases de nosso conhecimento atual sobre percepção visual

foram assentadas nos laboratórios dos psicólogos gestaltistas, e meu próprio

desenvolvimento formou-se nos trabalhos teóricos e práticos desta escola (Arnheim, 2005,

p. 12).

Em relação à perceção visual, Rudolf Arnheim (1974) mostra-nos também

a estrutura oculta de um quadrado onde é percetível uma circunferência que não

está centrada (Figura 5).

Considerando a figura 5, Arnheim refere que:

Tais induções perceptivas diferem das inferências lógicas. Inferências são operações

mentais que acrescentam algo aos fatos visuais dados, ao interpretá-los. Induções

perceptivas são às vezes interpolações que se baseiam em conhecimento adquirido

previamente. Caracteristicamente, contudo, são conclusões derivadas espontaneamente

durante a percepção de determinada configuração do padrão (Arnheim, 2005, p. 22).

Em relação à figura 5, Arnheim diz-nos que esta é e não é,

simultaneamente, vazia. O centro desta figura pode ser visto como uma

complexa estrutura oculta para onde as forças se dirigem, como se de um campo

magnético se tratasse, e o disco como se fossem limalhas de ferro. Ao colocar o

disco em alguns lugares dentro do quadrado, irá parecer que este está

completamente estático, enquanto há outras posições em que irá dar a noção

de impulso para uma direção definida.

Figura5

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Perante estas comparações, Arnheim mostra-nos a Figura 6 onde

podemos reparar que o disco é atraído para o canto superior direito. Ao alterar a

distância, este efeito enfraquece e ou acaba por se inverter.

[...] pode-se ver o disco atraído pela borda direita. Se a distância foi alterada, este efeito

se enfraquece ou toma-se até reverso. Pode-se encontrar uma distância na qual o disco

parece «demasiadamente próximo», dominado pela urgência de ultrapassar a borda.

Neste caso o intervalo vazio entre a borda e o disco parecerá comprimido, como se mais

espaço fosse necessário. Para qualquer relação espacial entre objetos há uma distância

«correta», que o olho estabelece intuitivamente” (Arnheim, 2005, p. 22).

Assim, é possível assimilar que:

Todo padrão visual tem uma qualidade dinâmica que não pode ser definida intelectual,

emocional ou mecanicamente, através de tamanho, direção, forma ou distância. Esses

estímulos são apenas as medições estáticas, mas as forças psicofísicas que

desencadeiam, como as de quaisquer outros estímulos, modificam o espaço e ordenam

ou perturbam o equilíbrio26 (Dondis, 1976, p. 36).

É possível aferir então que tudo possui uma força que causa um efeito no

espaço que habita, e a sua disposição em relação ao espaço tem, do mesmo

modo, um efeito em si. Arnheim na Figura 7, que aqui reproduziu o seu propósito

refere o seguinte:

As explorações informais mostram que o disco sofre influência não apenas das bordas e

do centro do quadrado, mas também da estrutura em cruz formada pelos eixos vertical,

horizontal e pelas diagonais (...) O centro, o principal lugar exato de atração e repulsão,

26 Traduzido de: “Cada pattern visual tiene un carácter dinâmico que no puede definirse intelectual, emocional o meccánicamente por el tamaño, la dirección, el contorno o la distancia. Estos estímulos son solamente la mediciones estáticas, pero las fuerzas psicofísicas que ponen en marcha, como las de cualquier estímulo, modifican, disponen o deshacen el equilíbrio” (Dondis, 1976, p. 36).

Figura6

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se estabelece através do cruzamento destas quatro principais linhas estruturais. Outros

pontos das linhas são menos fortes do que o centro, mas exercem atração da mesma

forma. O padrão esquematizado (...) será chamado esqueleto estrutural do quadrado.

Mostrar-se-á posteriormente que estes esqueletos variam de figura para figura (Arnheim,

2005, p. 23).

Um efeito desagradável resulta das localizações nas quais as atrações são

tão equívocas e ambíguas que o olho não pode decidir se o disco pressiona em

uma direção em particular. Tal oscilação torna a afirmação visual obscura

interferindo no juízo perceptivo do observador. Em situações ambíguas o padrão

visual cessa de determinar o que se vê, entrando em jogo fatores subjetivos do

observador, como o foco de atenção ou preferência por uma direção em

particular. A menos que o artista pretenda ambiguidades deste tipo, elas induzi-

lo-ão a uma procura de arranjos mais estáveis (Arnheim, 2005, p. 7).

Segundo o autor, o nosso subconsciente formaliza uma nova perceção de

movimento entre limites desenvolvendo certas ilusões que enganam o olho

humano pela localização de um objeto perto de determinado limite. Aqui, o

Kunstwollen está presente na medida em que a atração de um objeto ou o seu

posicionamento no espaço irá depender da vontade do material, do

comportamento do objeto e da sua essência no espaço.

A pureza de um ser perante si mesmo não está oculta no seu estado físico

pois apenas este transporta a sua essência, embora “em termos ideais, as

formas visuais não devem ser propositalmente obscuras; devem harmonizar ou

Figura7

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contrastar, atrair ou repelir, estabelecer relação ou entrar em conflito”27 (Dondis,

1976, p. 42) como nos diz Donis A. Dondis. O corpo que carrega a aura deve,

portanto, conseguir uma melhor leitura e uma melhor relação com o espaço

contingente. Em caso de conflito, este pode também ser criado

propositadamente tornando-se uma mais valia para situações em que o diálogo

pretende a mostrar uma comparação ou separação de qualidades atribuídas a

uma obra ou objeto. Esta relação é descrita por Arnheim quando refere que se

deve ir além do quadro em preto e branco desenhado no papel. Explicando que

o quadro e a estrutura oculta que este provoca “é mais do que uma gelosia de

linhas.” (Arnheim, 2005, p. 8) Conforme a Figura 7, ao tratar a perceção como

“um campo contínuo de forças”. O Autor afirma ainda que nesta “paisagem

dinâmica” (Arnheim, 2005, p. 8), as linhas são verdadeiros cumes elevados que

divergem em ambas as direções. Estes cumes são centros de forças atrativas e

repulsivas os quais influenciam os seus arredores, dentro e fora dos limites da

figura, não ficando nenhum ponto da figura livre. “Aceita-se como verdadeiro a

existência de pontos estáveis, mas sua estabilidade não significa ausência de

forças ativas. O centro morto não está morto. Nenhum impulso para qualquer

direção se faz sentir quando atrações em todas as direções se equilibram”

(Arnheim, 2005, p. 8). Para a sensibilidade visual o equilíbrio destes pontos é

“animado de tensão” (Arnheim, 2005, p. 8).

Resumindo, da mesma forma que não se pode descrever um organismo vivo por um

relatório de sua anatomia, também não se pode descrever a natureza de uma experiência

visual em termos de centímetros de tamanho e distância, graus de ângulo ou

comprimentos de onda de cor. Estas medições estáticas definem apenas o estímulo, isto

é, a mensagem que o mundo físico envia para os olhos. Mas a vida daquilo que se percebe

- sua expressão e significado — deriva inteiramente da atividade das forças perceptivas.

Qualquer linha desenhada numa folha de papel, a forma mais simples modelada num

27 Traduzido de: “Idealmente, las formas visuales no deberían ser nunca deliberadamente oscuras; deberían armonizar o contrertar, atraer o repeler, relacionar o chocar” (Dondis, 1976, p. 42).

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pedaço de argila, é como uma pedra arremessada a um poço. Perturba o repouso,

mobiliza o espaço. O ver é a percepção da ação (Arnheim, 2005, p. 9).

Quando Arnheim coloca a questão dos dois discos num quadrado, refere

que os dois se atraem mutuamente confundindo-se com uma só coisa e, quando

se encontram demasiado próximos, rejeitam-se (Figura 8). Ainda assim, “a

distância na qual estes efeitos ocorrem depende do tamanho dos discos e do

quadrado, bem como da localização daqueles dentro deste.” (Arnheim, 2005, p.

10)

Arnheim explica também como o posicionamento dos objetos se pode

equilibrar mutuamente e como dois pontos inseridos no mesmo quadrado,

simetricamente localizados, formam um par pela sua proximidade, dimensão e

configuração. O par poderá parecer desequilibrado quando deslocado para outra

posição assimétrica. Assim, “como membros de um par nossa tendência é

percebê-los simétricos; isto é, eles têm valor e função iguais no todo. Este juízo

perceptivo, contudo, conflita com um outro, resultante da localização do par”

(Arnheim, 2005, p. 10).

A figura 8 mostra que até “o mais simples padrão visual é

fundamentalmente afetado pela estrutura do espaço circundante, e que o

equilíbrio pode ser perturbadoramente ambíguo quando a configuração e a

localização espacial entram em contradição” (Arnheim, 2005, p. 11). Deste

modo, é necessário ter como preocupação o equilíbrio e a forma como este irá

influenciar a transcendência e as diversas disposições dos objetos no espaço.

Figura8

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O equilíbrio na disposição de obras de arte, embora seja subjetivo e

variável, é essencial sendo crucial saber-se como consegui-lo. Porque deve o

equilíbrio ser uma qualidade para os padrões visuais? Arnheim esclarece:

Para o físico, equilíbrio é o estado no qual as forças, agindo sobre um corpo, compensam-

se mutuamente. Consegue-se o equilíbrio, na sua maneira mais simples, por meio de duas

forças de igual resistência que puxam em direções opostas. A definição é aplicável para o

equilíbrio visual (…) Com exceção das configurações mais regulares, nenhum método de

cálculo racional conhecido pode substituir o sentido intuitivo de equilíbrio do olho. De

nossa suposição anterior, segue-se que o sentido da visão experimenta equilíbrio quando

as forças fisiológicas correspondentes no sistema nervoso se distribuem de tal modo que

se compensam mutuamente (Arnheim, 2005, p. 12).

Nesta obra, o autor refere que equilíbrio físico de uma tela é o ponto em

que esta se equilibra na ponta de um dedo e que, para descobrir o de uma

escultura é necessário amarrar-se uma corda para se perceber como o peso do

seu volume será distribuído. Por exemplo, o equilíbrio de uma tela é diferente do

de uma escultura por estar na vertical (numa parede) sendo que o da escultura

é influenciado por estar assente num plano ou no vazio. Dependendo sempre do

espaço que a rodeia, a verticalidade da peça é o fator de maior importância pois

o seu impacto varia conforme é apresentada no chão ou num plinto, estando

sujeita à relação entre a forma do plinto, da peça e da sala. Assim, “o equilíbrio

é o estado de distribuição no qual toda a ação chegou a uma pausa” (Arnheim,

2005, p. 30). Sendo também o equilíbrio pictórico indispensável, Arnheim refere

lembrar:

A energia potencial do sistema, diz o físico, atingiu o mínimo. Numa composição

equilibrada, todos os fatores como configuração, direção e localização determinam-se

mutuamente de tal modo que nenhuma alteração parece possível, e o todo assume o

caráter de «necessidade» de todas as partes. Uma composição desequilibrada parece

acidental, transitória, e, portanto, inválida. Seus elementos apresentam uma tendência

para mudar de lugar ou forma a fim de conseguir um estado que melhor se relacione com

a estrutura total (Arnheim, 2005, pp. 13,14).

1.6 Leveza

O conceito de leveza remete à ideia de peso e massa, sendo que o objeto

que for possuidor desta característica possui uma força seja ela física ou

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referente ao seu valor. Arnheim, na sua obra Art and Visual Perception refere a

importância desta força referindo:

O peso para além de influenciar as forças de distribuição num plano, também pode

apresentar forças de relevância, destaque e importância “o peso é sempre um efeito

dinâmico, mas a tensão não é necessariamente orientada ao longo de uma direção dentro

do plano pictórico. O peso sofre influência da localização. (...). Um outro fator que

influencia no peso é a profundidade espacial. Ethel Puffer observou que as "vistas" que

levam o olhar para o espaço distante têm grande força para contrabalançar. Esta regra,

provavelmente, pode ser generalizada como segue: quanto maior for a profundidade

alcançada por uma área do campo visual, maior será seu peso. (...) O peso depende

também do tamanho. Os outros fatores sendo iguais, o maior objeto será o mais pesado.

(...). Quanto à cor, o vermelho é mais pesado do que o azul, e as cores claras são mais

pesadas do que as escuras (Arnheim, 2005, p. 16).

É possível propor que a direção é indicada pelo movimento. O autor refere

também que:

O peso conseguido através da cor pode ser contrabalançado pelo peso através da

localização. A direção da forma pode ser equilibrada pelo movimento em direção a um

centro de atração. A complexidade destas relações contribui grandemente para a

vivacidade de uma obra (Arnheim, 2005, p. 20).

Na obra de Bernini O Rapto de Proserpina, deparamo-nos com um exemplo

em que a direção e o movimento conseguidos pelo escultor são essenciais para

a perceção da ação. Aqui, é possível notar que Plutão agarra Proserpina,

levantando-a com o seu braço esquerdo, num movimento de rotação para a sua

direita onde o eixo central se encontra sobre a sua perna fletida. Um movimento

contrastante mostra-nos que Proserpina não quer ser levada, quando vemos que

a deusa tenta fugir empurrando a cara de Plutão, inclinando o seu corpo para

fora da cena. Esta obra exemplifica o compromisso entre os conceitos de

equilibro, peso e movimento.

A cor é, do mesmo modo, uma propriedade relevante para influência do

equilibro, pelos pesos diversos e comportamentos distintos que apresentam

consoante o meio onde se encontram. Ao observarmos a pintura de Seurat e a

técnica de pontilhismo utilizada no seu percurso, é-nos exposto um modelo do

comportamento das cores. A questão do ponto, em que Kandinsky nos elucida

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que o ponto apresenta uma capacidade multifacetada de ser o embrião de todas

as formas e de simultaneamente conter em si todas essas formas, como já

referido anteriormente, é aqui apropriada a uma técnica de pintura que surge

após descobertas cientificas do séc. XIX através da decomposição prismática.

1.7 Branco

O branco é a representação pictórica que ilumina todas as cores, possuidor

da força da luz, sendo um dos elementos que desperta com facilidade a

sensibilidade humana. Para além desta, existem contrastes que atraem com

maior facilidade o olhar, como é o caso das cores quentes e frias. Kandinsky diz-

nos que “o calor ou o frio de uma cor entendem-se pela sua tendência geral para

o amarelo ou para o azul” (Kandinsky, 1912, p. 78). Segundo os estudos de

Kandinsky28 sabemos que numa mesma superfície “o calor tende a aproximar-

se do espectador, enquanto o frio o afasta”. No entanto, nem sempre é utilizada

cor e contrastes acentuados, uma vez que o artista pode ser um pintor/escultor

monocromático. Ao retirar a existência da cor da realidade visual aquilo que irá

afetar a perceção visual serão apenas reflexos e sombras. Consideremos o preto

e o branco cores que formam o quadro dos quatro tons fundamentais. Para cada

cor existem “quatro sons principais: I. quente e 1) claro ou 2) escuro; II. frio, e

simultaneamente, 1) claro ou 2) escuro” (Kandinsky, 1912, p. 78) onde o

movimento já não é dinâmico, mas estático, tanto no branco como no preto.

Assim sendo, é possível propor que uma sombra não é mais que um reflexo

da escuridão, assim como um reflexo uma sombra da luz. Ambos vivem e se

comportam da mesma forma, com maior ou menor intensidade, não existindo

um sem o outro.

Tendo assumido que a sombra é o preto e a luz é o branco, apenas as duas

juntas nos dão a tão vasta escala de cinzas que irá causar o êxtase de observar

a plasticidade do mundo físico. Podemos então observar a sombra como uma

mera perspetiva diferente de um reflexo. É importante o respeito pela cor, mas

28 Kandinsky, do espiritual na arte

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para esta existir terão sempre de estar presentes, à priori, luz e sombra, fatores

que devem ser os pilares principais a considerar na forma como se constrói um

diálogo, assim como numa obra de arte. O vazio concede a sombra assim como

a profundidade e compor um espaço é como esculpir uma peça, sendo uma

constante procura pelo vazio até chegar à forma. Neste sentido citemos Arnheim:

Visualmente, uma estátua e o espaço circundante podem ser considerados como dois

volumes contíguos — se na verdade desejarmos considerar o ambiente como um volume,

ao invés de mero vazio, uma vez que a estátua parece monopolizar todas as qualidades

da figura. A estátua é o volume limitado, menor, e tem textura, densidade e solidez. A

estas qualidades preceptivas praticamente toda escultura em toda a história da arte

acrescentou convexidade (Arnheim, 2005, p. 247).

Qualidades estas que também vivem na ausência a cor, sendo importantes

para a perceção da totalidade das características da peça, das quais nasce a

monumentalidade da peça independentemente do seu tamanho. O transpirar do

objeto faz com que este se torne sublime, através da verdade do seu material e

da técnica aplicada pelo autor. Esta vida que a peça ganha pode ser observada

apenas pela luz. Bem como Sampayo salienta que “A luz, pelo reflexo, transmite

a imagem dos corpos, e pelo reflexo, e refracção, os faz ver de diferentes Cores”

(Sampayo, 1787, p. XI). Tendo achado dois princípios para as cores:

Primeiro princípio: O Negro he huma cor positiva, na qual o Vermelho, o Azul, o Verde, e

o Amarello se achaõ intimamente unidos, e em quantidades quasi iguaes.

Segundo princípio: O Branco he huma cor igualmente positiva, onde o Vermelho, o Azul,

o Verde, e o Amarello se achaõ extremamente divididos, athe o ponto de íè fazerem

invisíveis (Sampayo, 1787, pp. 13,14).

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Parte II

A vinculação dos paradigmas da ideia de vazio na museologia pretende

mostrar o comportamento dos conceitos apresentados no capítulo anterior

concentrados no espaço museológico. Este capítulo expõe a forma como estes

conceitos são aplicados a nível prático, a influência que têm no espaço e o valor

que acrescentam ao diálogo expositivo.

2 Vinculação dos Paradigmas da Ideia do Vazio na Museologia

Para que as Vinculações dos paradigmas apresentados na primeira parte

deste trabalho sejam tratadas de um ponto de vista Museológico, é essencial

salientar que a Museografia pode ser considerada toda a prática implementada

pelo conceito museológico apresentando toda a operação interna e

sistematização do museu, mostrando-se como porta-voz das tendências

ideológicas e artísticas determinadas. A museografia é uma intervenção flexível

entre o âmbito teórico que atua sobre o terreno, preferindo os métodos mais

eficazes, anulando proposições incompatíveis a situações concretas e

selecionando o material cientificamente calculado pela museologia (Leon, 2000,

pp. 106,109)

Assim, a Museologia tem como objetivo:

O estudo sistemático, a classificação ordenada e selecionada e a exposição clara e

precisa dos fundos do museu, adaptando o edifício às necessidades museográficas e

introduzindo métodos eficazes para a sua compreensão. Toma na sua dimensão artística,

oferece um dos pontos mais essenciais para a estética, a arte, a sensibilidade e a

museologia. Qualificada como arte desde o momento em que não só manipula sobre o

campo artístico como os seus princípios mais primários tendem à inspiração, à criação e

interpretação, educação e sensibilidade, a promoção de novas vivências e emoções

através dos métodos expositivos para esses fins (Leon, 2000, p. 109).

Segundo o ICOM, (Conselho Internacional de Museus, organismo da

UNESCO) um museu é uma instituição ao serviço da sociedade, e para além de

adquirir, conserva, estuda, comunica e expõe. Este tem, portanto, a função de

Recolher/Documentar; Conservar/Restaurar; Investigar/Interpretar;

Expor/Divulgar; Administrar/Gerir. Esta investigação pode apresentar a sua

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importância em cada função, sendo aplicada a partir da sua documentação para

a conservação preventiva dos objetos. Sabendo que a forma como é exposta irá

influenciar os aspetos de valor da peça, bem como a sua interpretação, todas

estas disciplinas obrigam a administração e gestão museológica, bem como os

paradigmas referidos anteriormente poderão influenciar a forma como um

espaço é musealizado. A sua importância é assim aplicada nos diferentes

campos temáticos dos museus, de arte; arqueologia/história; ciência e técnica e

etnografia/antropologia.

O conceito de ciência museológica não surge até ao séc. XX, quando se

expande a necessidade de confrontar o público dos museus, sendo que a

museografia sofreu constantes alterações consoante as épocas e modas de

cada momento histórico. As vinculações dos paradigmas apresentados não têm

qualquer preocupação no que diz respeito a modas, mas sim na interpretação e

perceção humana de um ponto de vista sociocultural e sensorial, com base nos

estudos apresentados na primeira parte desta tese.

2.1 Desmaterialização na Museologia

Ao compreender o que existe em comum entre diversas culturas, é possível

encontrar uma forma de conquistar a atenção e compreensão de um maior

espectro de visitantes de uma exposição. O vazio é, assim, um elemento a

considerar, não apenas no contexto semiótico, mas também na conservação e

preservação dos valores de um objeto. As obras de site-specific, por exemplo,

residem segundo o crítico Douglas Crimp numa condição de receção e

deslocamento da atenção do observador para o local onde o objeto ou evento

se encontram e não apenas para as características específicas das mesmas. Se

uma destas obras for deslocada para outro local haverá algo errado com a peça

pois esta deve estar integrada no seu contexto ambiental sendo dirigido pelo

mesmo. Quando um trabalho é concebido exclusivamente para um local torna-

se dependente das características específicas desse espaço e, por isso, o

significado da obra não está somente no objeto, mas também no espaço físico e

contexto onde este se insere. Buren (1970) afirma que:

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Se o lugar onde o trabalho é mostrado imprime e marca esse trabalho, seja ele qual for,

ou se o trabalho em si é diretamente – conscientemente ou não – produzido para o museu,

qualquer trabalho apresentado nessa estrutura, se não examinar explicitamente a

influência desse formato sobre si mesmo, cai na ilusão de auto-suficiência – ou idealismo29

(Know, 2002, pp. 13,14).

Segundo Miwon Kwon, neste caso, o trabalho deve ser inseparável do seu

local visto fazerem parte um do outro, o que exige a presença física do

espectador para que a obra seja concluída. Esta é uma arte relacionada com a

realidade do local, o que supera todos os meios tradicionais, dando-se uma

substituição do objeto-arte pela contingência contextual, deslocando o sujeito

para o fenómeno. Isto acontece pois determinados objetos são feitos para um

local com o propósito de serem vistos e sentidos no mesmo, alguns com milhões

de anos, outros contemporâneos, mas ambos com o mesmo problema: a perda

do espaço do objeto. No entanto, nem sempre é possível preservar o objeto no

local, principalmente no caso de vestígios arqueológicos. Em certos casos pode

dar-se a musealização desse espaço, mas em caso de impossibilidade será

possível dar o mesmo valor a uma peça numa exposição fora do seu contexto

original? Um objeto criado para determinadas circunstâncias, com um propósito

definido, ou para o seu local específico pode não perder o seu impacto ao ser

deslocado, pois encontra nesse novo contexto novos significados. Mas, neste

caso, a peça nunca voltará a ser interpretada como era suposta, nem irá

transmitir o sentimento que originalmente transparecia. Ao perder o seu lugar irá

inevitavelmente perder parte da sua aura. Não é, por exemplo, suposto que um

objeto de culto com 50.000 anos ou um site-specific encontrem um novo

significado, perdendo o seu valor inicial para o qual foi concebido. Aqui, mais

uma vez, a manipulação museográfica é imprescindível para que não se perca

a leitura destas peças, devendo sempre fazer alusão ao local específico onde

pertenciam. Neste caso, a perda do local obriga à colocação do objeto num vazio

eterno, onde apenas esse poderá conter o que resta da essência do objeto,

29 Traduzido de:“Whether yhe place in which the work is shown imprints and marks this work, whatever it may be, or whether the work itself is directly – consciously or not- produced the Museum, any work presented in that framework, if it does not explicity examine the influence of the framework upon itself, falls into the ilusiono f self-sufficiency – or idealism” (Know, 2002, pp. 13,14)

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preservando uma leitura concisa. Talvez apenas o respeito por este espaço que

a essência do objeto ocupa irá conseguir que esta tenha uma interpretação

correta.

O conceito japonês MA, que representa o vazio ou “entre espaço” (Okano,

2013, p. 150), trouxe para o Ocidente uma influência não só para as formas

desenvolvidas nas artes, como também para a filosofia contemporânea. Esta

noção veio reorganizar o modo de observação dos espaços assim como a

disposição dos mesmos, deixando-os respirar e tornando-os mais harmoniosos.

A harmonia e a prática da meditação são grandes pilares da cultura oriental.

Em latim, meditare significa voltar para o centro, um método que permite que

uma pessoa se desligue do mundo exterior. No Oriente, a arte e a arquitetura

têm esta prática no seu cerne, o que pode ser observado nos antigos jardins

japoneses onde existe uma procura do vazio no ruído, nas pessoas e até mesmo

no pensamento.

A filosofia do MA pode ser associada à museologia no sentido em que a

leitura de uma peça pode ser influenciada consoante a encenação em que se

insere. A narrativa da exposição pretende passar uma mensagem cujo

significado pode ser manipulado pela sua museografia. É possível utilizar a

mesma peça em múltiplos conceitos de exposições com múltiplas leituras e em

inúmeros casos, mas será ética a apropriação de uma obra de arte para ilustrar

um conceito? Considerando que o meio em que uma peça se insere e a sua

disposição afetam a sua leitura, é possível que a verdadeira essência e

significado da mesma se percam. É, portanto, necessário encontrar o espaço

que cada elemento deve ocupar considerando a sua presença física bem como

a sua essência. Tanizaki (1933) faz a comparação entre o Oriente e o Ocidente

na obra Elogio da Sombra, afirmando que:

Se depuserem agora sobre um prato para bolos lacado esta harmonia colorida que é um

yõkan30

, o mergulharem numa sombra tal que faça com que mal se lhe distinga a cor, ele

tornar-se-á ainda mais propício à contemplação. E quando por fim levarem à boca essa

30 “Yôkan – Guleseima de consistência gelatinosa feita com pasta de feijão vermelho, açúcar e ágar, e perfumada com aromas de frutos como, por exemplo, castanha ou ameixa. Geralmente vendidos sob o formato de cubos, os yõkan são comidos à fatia” (Tanizaki, 2016, pp. 29,30).

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matéria fresca e lisa, a sentirem fundir na ponta da língua como uma parcela de escuridão

da sala, solidificada numa massa açucarada, esse yõkan ao fim de contas bastante

insípido reencontrará uma estranha profundidade que lhe realça o sabor. De certeza que

todos os países do mundo procuram encontrar a concordância de cores entre iguarias, a

loiça e até mesmo as paredes; ainda assim, a cozinha japonesa, se for servida num local

demasiado iluminado, em loiça predominantemente branca, perde metade do seu atrativo

(Tanizaki, 2016, pp. 29,30).

Aqui, é possível observar que a cultura oriental evidencia a encenação

adequada para criação de um momento de êxtase. Na arquitetura do Museu

Chichu em Naoshima, por exemplo, o arquiteto Tadao Ando trabalha o volume

da infra-estrutura de forma apenas interior, criando aberturas geométricas e

minimalistas no rochedo onde este se situa (Figura 9). Todo o interior desta

construção é um entre espaço onde se rasgam entradas de luz que criam um

ambiente estático e vazio que iluminam de forma contrastante a frieza

monocromática das suas paredes de betão. Neste ambiente as peças destacam-

se ecoando pela serenidade deste lugar (Figura 10).

Como exemplo, ainda na instalação de Walter de Maria Time/Timeless/No Time

(2003-2004) (Figura 10) encontra-se numa sala onde todo o chão é preenchido

de degraus. No seu centro pode ser vista uma esfera de granito preto, que

absorve a energia dos ângulos retos da sala, bem como o reflexo contrastante

dos blocos retangulares folheados a ouro que o artista colocou nas paredes em

redor. Estes são iluminados consoante a luz que entra pelo corte no teto.

Figura9 Figura10

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O trabalho de Tadao Ando mostra assim um vazio evidente entre a matéria e a

forma, tal como a sua arquitetura e a natureza, onde a luz domina perante as

formas retas das suas infraestruturas.

2.2 Pureza na Museologia

Deixar que um ser material transmita o que é puro em si implica deixar este

corpo físico viver por si. A forma inadequada em que uma peça é disposta e

posicionada pode levar o observador ao engano, podendo confundir um objeto

com outro semelhante, como também tornar a sua leitura errada no que diz

respeito à sua utilidade. O objeto deve, portanto, ser preservado conforme a sua

função inicial e a posição para o qual tenha sido concebido, de forma a respeitar

a aura do mesmo. Retirar a função a um objeto é como apagar a intenção de

uma fotografia, o que faz com que este perca o seu valor. Não devemos, por

exemplo, apresentar um objeto preso à parede cuja função original obrigava a

estar pousado em cima de uma mesa, como é o caso de um pisa-papéis ou de

uma caixa de jóias. Ao desrespeitar o significado do objeto estamos a interferir

com a sua aura.

O conceito de aura apresenta uma forte ligação com a cultura e a religião,

devendo existir um respeito pela mesma na musealização de um objeto destes

âmbitos. Susan M. Pearce, na sua obra Interpreting Objects and Collections,

fala-nos de objetos mortos, ou seja, objetos para fins fúnebres ou específicos

para cultos de morte, que podem ser considerados possuidores de um vazio

natural visto que pertencem ao outro mundo. A colocação destes objetos de culto

fora do seu contexto (bem como as obras site specific) pode levar a uma

alteração do seu significado cultural e histórico, o que pode destruir a aura

genuína, impossibilitando a sua pureza de transparecer. Como refere o autor

José Carlos Pereira, “os espaços e o tempo sagrado são sinais externos de

grande valor (…) que têm dimensão subjectiva de grande significado. Sinais que

se reflectem nos objectos de culto” (Pereira J. C., 2004, p. 67). Deste modo,

podemos considerar que, na sua musealização, os símbolos da morte devem

ser analisados e expostos de forma diferente dos demais pois são objetos de

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culto pertencentes a uma cultura, objetos mudos, que devem pertencer e fazer

parte desse mundo para sempre.

Assim, a essência destes objetos contém o Zeitgeist dos mortos, possuindo

um paralelismo inalcançável para quem os vê do mundo dos vivos. Em

determinadas culturas, os mortos eram sepultados junto com os seu pertences.

Existe uma aura que envolve o corpo e os seus objetos e que deve ser respeitada

na musealização dos mesmos, não apenas por questões éticas, mas também

pelo simbolismo que os envolve. Uma múmia e as peças que a acompanham,

por exemplo, não podem ser considerados meros objetos. Estes encerram um

significado, sendo destinados para a vida após a morte e não para estar em

exposição.

Existem, também, objetos de culto criados para os vivos como é o caso dos

retábulos e painéis religiosos. A sua exposição deve considerar a leitura que

teriam na função inicial, bem como o modo de observação e de interpretação

das obras na época. As obras da arte antiga, por exemplo, eram de leitura

destinada ao povo para que “ao contemplá-las, possam ler, pelo menos nas

paredes, aquilo que não são capazes de ler nos livros” (Gregorii, 1982, p. 874).

A leitura do retábulo ou do vitral não era feita da mesma forma que seria

hoje, dependendo da cultura ou da religião a que a peça estivesse associada.

Assim, o estudo e investigação dos princípios de uma obra permite expor a peça

de modo a que seja conseguida uma leitura adequada da mesma, respeitando a

sua origem sem que exista alteração da sua história e significado. Para que isto

aconteça a importância de cada objeto deve ser evidenciada sempre dando a

monumentalidade devida a cada qual.

O modo de exposição de um objeto diz respeito não apenas ao diálogo

expositivo construído, mas também à conservação do valor histórico,

sentimental, monetário, iconográfico e religioso. Não existe nenhum valor imune

à forma como é exposto, sendo que a sua exposição está dependente do

ambiente onde se insere, das peças que a rodeiam, do suporte utilizado para a

sua apresentação e do destaque que recebe.

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Uma peça de maior valor deve, portanto, beneficiar de uma posição de

destaque no diálogo expositivo, como se edificasse um novo espaço dentro do

percurso da exposição. Este destaque pode ser conseguido através de um

estudo de cor, de um contraste de movimento no percurso da sala, ou mesmo

do avanço da parede em relação às restantes (no caso de uma pintura) o que

pode evidenciar a peça, elevando-se na sua proximidade com o visitante aos

restantes limites do olhar, como um plinto horizontal. Plus cita Diderot referindo

a intenção do plinto como a conquista da monumentalidade, desenvolvendo:

É preciso que um pedestal seja sólido: entre todas as figuras regulares, será escolhida

aquela que oponha mais a superfície à terra, é um cubo. Esse cubo será mais firme ainda

se as suas faces se inclinarem: elas serão inclinadas. Mas inclinando as faces do cubo

destruir-se-á a regularidade do corpo, e com ela as relações de igualdade: voltar-se-á a

elas através do plinto e das molduras. As molduras, os filetes, os contornos, os plintos, as

cornijas, os painéis etc. não são senão meios sugeridos pela natureza para se afastar da

relação de igualdade e para voltar a ela insensivelmente (Plus, 2006, p. 142).

Até ao séc. XX a escultura era, por norma, apresentada sobre um plinto

pois este suporte aumentava a aura do objeto, elevando-o ao seu esplendor.

Esta valorização é perdida quando o escultor Anthony Caro 31 tira a escultura do

pedestal e passa a colocar a obra diretamente no chão. A partir deste momento,

o espectador deixou de olhar a peça de baixo, passando a envolver-se com a

mesma. Caro obrigou o público a deslocar-se em torno das suas peças para as

observar de diferentes ângulos, convidando o observador a entrar nas suas

peças. Nesta era contemporânea o homem passa a habitar a escultura, vive-a e

interage com ela. Isto ocorre também em diversas obras de site-specific onde a

escultura é por si só colossal, monumentalizando-se pela forma como intervém

na ação do homem e da natureza. Na pintura, do mesmo modo que muitos

escultores deixaram de apresentar as suas obras num plinto, muitos quadros e

peças bidimensionais deixaram de requerer uma moldura, de onde é possível

31 “escultor abstrato, ficou em parte conhecido como o artista que retirou a escultura do plinto – o elemento que atestava ainda o lastro de continuidade entre a estatuária e a escultura moderna. Desempenhou assim um papel fundamental na escultura do século XX, nomeadamente através da sua libertação espacial” (Rato, 2017) .

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compreender que a moldura está para pintura assim como o plinto para a

escultura.

A aura de uma obra tem um papel fundamental na sua musealização o que

pode ser constatado quando Barthes nos diz que “tudo o que podemos dizer de

melhor é que o objecto fala, induz, vagamente, a pensar (...) a Fotografia é

subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando

é pensativa” (Barthes, 1984, p. 62). Isto indica que cada objeto transmite algo,

pois ao ser criado pelo homem pretende expressar algo, e ao partir da natureza

é parte da hyle (a matéria em estado puro, em grego) que pode ser apropriada

para a criação. O Museógrafo deve trabalhar esta questão sabendo que o valor

de cada obra deve ser evidenciado de forma adequada em relação às restantes,

independentemente da sua beleza, sendo cada um destes elementos um

punctum na exposição. Barthes refere este conceito como sendo aquilo que o

toca e estimula, referindo que “esse punctum agita em mim uma grande

benevolência, quase um enternecimento. Todavia, o punctum não leva em

consideração a moral ou bom gosto” (Barthes, 1984, p. 71).

A preocupação com o destaque da obra de arte só surgiu, no entanto, após

o período helenístico, entre 336 a.C. e 30 a.C., no qual ocorreu a difusão da

civilização grega no mundo mediterrânico e no Oriente. Durante esta época de

multiculturalismo foram feitos desenvolvimentos a nível filosófico, religioso,

económico, científico e também artístico, tendo surgido o gosto pela coleção de

arte em todas as casas nobres. Após séculos de domínio cultural por sociedades

clássicas e medievais, a cultura do helenismo expandiu-se trazendo uma total

renovação para o colecionismo, assim como o Renascimento trouxe valor

formativo e científico para o homem, educando-o para apreciar a obra de arte.

Contudo, até aos finais do século XVII as coleções de arte eram privadas, sendo

abertas ao público apenas em eventos e festas, mantendo-se distantes e não

oferecendo nenhum tipo de ensino às classes sociais mais baixas.

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É possível observar na Figura 11 “O Museu-Jardim de J. Galli em Roma

(Gravura de Heemskerck, 1532-36) O gosto pela Antiguidade e o clássico é

evidente na escolha de peças abundantes em relevos, esculturas clássicas,

ornamentos com motivos ornamentais, apresentados sem rigor científico ou

ordenação racional”32 (Leon, 2000, p. 28).

Na Figura 12 observamos “a galeria em 100 Pal-Mall (Aquarela de

Mackenzie, circa 1787-1854, Victoria and Albert Museum, Londres). O princípio

tradicional da simetria, o empilhamento de telas e a ausência de rigor sistemático

no ordenamento das peças”33 (Leon, 2000, p. 29).

Os gabinetes de amador eram como pequenas pinacotecas com salas

cheias de “obras-primas como se fossem papel de parede” (O´Doherty, 2002, p.

3), sufocando-se umas às outras. As pinturas de maior dimensão iam para o

topo, por serem mais fáceis de ver à distância e por vezes com o devido

afastamento da parede para manter o plano do observador. Os quadros de

excelência encontravam-se na zona central enquanto os mais pequenos

preenchiam a zona inferior e os restantes espaços da parede. Como refere o

32 Traduzido de: “El Museo-Jardin de J. Galli en Roma (Grabado de Heemskerck, 1532-36.) El gusto por la Antiguedad y lo clásico se patentiza en la eleccíon de piezas abundantesen relieves, esculturas clásicas, flentes con motivos ornamentales, presentadas sin rigor cientifico ni ordenación racional” (Leon, 2000, p. 24). 33 Traduzido de: “la galeria en el 100 del Pal-Mall (Acuarela de Mackenzie, hacia 1787-1854, Victoria and albert Museum, Londres.) El principio tradicional de la simetría, el amontonamiento de lienzos y la ausencia de rigor sistemático en la ordenacíón de las piezas (Leon, 2000, p. 25).

Figura12 Figura11

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autor Brian O´Doerty, “o trabalho perfeito de pendurar quadros resulta num

mosaico engenhoso de molduras sem que se veja uma nesga de parede

desperdiçada” (O´Doherty, 2002, p. 6). Sem qualquer espaço para deixar a sua

aura respirar, a obra deixa de ser vista como uma só, perdendo a sua dignidade

sendo apenas mais uma peça que cobre o resto visível da parede. A

impossibilidade de ser a única distração no campo de visão faz da peça poluição

visual para as restantes, independentemente do seu valor e qualidade. O autor

explica a necessidade de isolamento visual para a apreciação absoluta da obra:

«Entra-se» decididamente num quadro desses ou se plana sem esforço, conforme sua

tonalidade e sua cor. Quanto maior for a ilusão, maior a atracão para o olho do espectador.

O olho é abstraído do corpo estático e projeta-se dentro do quadro como um procurador

em miniatura, para viver e verificar as interações de seu espaço. Para que isso ocorra, a

estabilidade da moldura é tão imprescindível quanto um tanque de oxigénio para um

mergulhador (O´Doherty, 2002, p. 10).

Consequentemente, a moldura pode ser vista como o limite entre a

representação e a realidade, pois, talvez Zêuxis possa ter enganado os pássaros

com a sua natureza morta, mas com a presença da moldura, dificilmente

Parrhasius teria enganado Zeuxis (Elsner, 1996, p. 184). O´Doerty põe também

em questão quanto espaço necessitará uma obra de arte “para “respirar”? Se as

pinturas manifestam implicitamente suas condições de ocupação, torna-se difícil

ignorar o resmungar um tanto aflito de uma com a outra. O que fica bem junto, o

que não fica?” (O´Doherty, 2002, p. 21)

No século XIX, a parede passou a ser participante da arte em vez de um

mero suporte passivo. Mas porque haveria uma peça respirar dentro de um

tanque de oxigénio? Talvez O´Doerty pretenda mostrar que a peça está

submersa, e a moldura é um meio de salvação para que não morra. Ainda assim,

a peça continua a não ser livre, respirando com um limite, do mesmo modo que

o mergulhador tem o seu tempo limitado ao tanque de oxigénio. Neste sentido o

autor refere que:

Quando se sabe que um trecho da paisagem representa uma resolução de excluir tudo o

que o circunda, percebe-se muito pouco o espaço fora da pintura. A moldura torna-se num

parêntese. (…) No século XIX se examinava o tema — não suas margens. Vários campos

eram analisados dentro de seus limites evidentes, A análise, não dos campos mas de seus

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limites, e a definição desses limites com o fim de ampliá-los são um costume do século

XX. Temos a ilusão de que o campo aumenta ampliando-o lateralmente, e não penetrando

nele, no estilo correcto de perspectiva, como se diria no século XIX. Até mesmo os

especialistas de ambos os séculos possuem uma percepção claramente diversa de

margem e profundidade, de limites e definição. A fotografia aprendeu rápido a deixar de

lado as molduras pesadas e montar uma cópia num cartão. Deixava-se uma moldura

circulando o cartão após um intervalo neutro. A fotografia iniciante reconhecia a margem,

mas retirou-lhe a retórica, atenuou sua presença absoluta e a transformou em uma zona,

ao contrário do reforço que ela constituiria mais tarde. De qualquer modo, a margem, como

convenção inabalável que encerrava o tema, tornara-se frágil (O´Doherty, 2002, pp.

10,11).

2.3 Silêncio na Museologia

A música só é possível pela existência do som organizado, o qual é

formado pela reorganização do ar no espaço físico. É pertinente falar de música

aplicada ao discurso expositivo, considerando a sua importância na fluidez entre

o espaço vazio e aquele ocupado por cada objeto. Imagine-se uma situação

hipotética em que o interior de um instrumento de sopro é uma sala, no qual a

porta é o bocal, e no final deste percurso expositivo encontramos uma saída de

ar. Cada elemento colocado neste percurso irá influenciar o som conseguido por

um sopro, consoante o seu volume forma e material. Assim, é possível propor

que todo o espaço apresenta uma musicalidade conforme a sua ocupação. É

possível sentir uma harmonia e ritmo pelas variações de espaço entre cada

objeto. Acerca da música Ethel D. Puffer refere: “Os dois grandes fatores da

música são o ritmo e a sensação do tom, de entre os quais o ritmo parece ser o

mais fundamental. Em geral o ritmo é definido pela repetição de uma serie de

intervalos de tempo”34 (Puffer, 1905, p. 157).

Propõe-se que a captação da atenção do visitante é conseguida de forma

mais eficaz através de um respirar dissonante de cada conjunto de peças, onde

a mais importante se destaca pela forma como o discurso flui, pelo respeito

mostrado pelo seu espaço e pelo ecoar do seu som. Quanto maior for a liberdade

34Traduzido de:"The two great factors of music are rhythm and tone-sensation, of which rhythm appears to be the more fundamental. Rhythm is defined in general as a repeating series of time intervals " (Puffer, 1905, p. 175).

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conseguida por uma peça e mais eco tiver, mais esta será ouvida e mais longa

será a sua nota, valorizando-a na musicalidade do diálogo onde se insere. Este

eco conseguido pelo vazio é essencial para a captação de informação

conseguida nas diferenciações deste espaço de forma mais prolongada no

tempo.

O Zeitgeist, como foi referido anteriormente, é considerado o espírito do

tempo e deve ser ponderado no discurso expositivo respeitando a época do

objeto no seu contexto expositivo, assim como na forma como o visitante o irá

interpretar no momento.

Na segunda metade do século XVIII, Winckelmann propôs um conceito de

desenvolvimento coerente dos estilos artísticos que preservava a relação entre

a produção artística e o respetivo contexto histórico, estabelecendo novos

critérios para a história de arte, no qual defendia que:

Uma história da arte deve remontar até à sua origem, seguindo os seus progressos e

mudanças, até à sua decadência e seu fim. Ela deve dar a conhecer o estilo diferente dos

povos, dos tempos, e dos artistas, atribuir-lhe as características e justificar, sempre que

possível, por meio de obras que ainda existam. Pois o resto não passa de conjectura. (...)

A descrição de uma estátua deve indicar em detalhe suas belezas, defeitos, estilo, etc. É

preciso então conhecer a arte e haver estudado e examinado suas partes, antes de se

encontrar em condições de bem julgar suas produções (Winckelmann, 2017, p. 2).

A classificação de obras de arte por estilos artísticos proposta por

Winckelmann acrescentava valor sistemático e contextual da peça para a sua

compreensão a nível expositivo nos museus de arte. Assim sendo, a separação

de momentos cronológicos é essencial para a purificação da leitura da peça. O

tempo é contínuo, mas um silêncio deve separar as diferentes épocas

encontrando uma descontinuidade e um corte no ressalto das gerações e estilos

artísticos. Nas suas investigações, Winckelmann incluiu técnicas mais objetivas

desde a comparação até às noções de conexão, acabando por influenciar a

posterioridade da história de arte com aspetos mais concretos e materiais

“relegando para um segundo plano os elementos estéticos e obliterando os

aspectos funcionais e simbólicos” (Roque, 2017, p. 74). Relativamente a este

ponto Friedrich Hegel acaba por defender que toda a obra de arte pertence ao

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seu próprio tempo, ao próprio povo e ambiente, dependendo de noções e

intenções históricas, consequentemente “o conhecimento no campo da arte

exige uma grande riqueza de fatos históricos e, de fato, muito detalhados, uma

vez que a natureza individual da obra de arte está relacionada a algo individual

e requer necessariamente conhecimento detalhado para sua compreensão e

explicação”35 (Hegel, 1975, p. 14).

Esta necessidade de individualizar a arte faz com que a obra se queira

afirmar como única querendo ser compreendida, acabando por se atribuir um

estilo à peça, com fundamento na sua escola e autoria.

Os vários tipos de julgamento não devem ser considerados como estando um ao lado do

outro, cada um com o mesmo valor; Em vez disso, eles devem ser vistos formando uma

sequência de estágios, e a distinção entre eles depende do significado lógico do

predicado. Podemos realmente encontrar isso já no nosso senso comum, na medida em

que, sem hesitação, atribuímos apenas um poder de julgamento muito inadequado a

alguém que habitualmente enquadra apenas julgamentos como * "Este muro é verde",

"Este forno é quente" e, portanto, em contraste, dizemos que alguém realmente entende

como julgar apenas quando os seus julgamentos se tratam de uma determinada obra de

arte ser bonita, seja uma ação boa, e assim por diante. No caso de julgamentos do primeiro

tipo, o conteúdo é apenas uma qualidade abstrata, cuja presença pode ser

adequadamente decidida pela perceção imediata, enquanto que, para dizer que uma obra

de arte que é bela, ou se uma ação que é boa, os objetos em questão devem ser

comparados com O que deveriam ser, ou seja, com o conceito deles36 (Hegel, 1991, p.

249).

35 Traduzido de: "Further, every work of art belongs to its own time, its own people, its own environment, and depends on particular historical and other ideas and purposes; consequently, scholarship in the field of art demands a vast wealth of historical, and indeed very detailed, facts, since the individual nature of the work of art is related to something individual and necessarily requires detailed knowledge for its understanding and" (Hegel, 1975, p. 14). 36 Traduzido de: “The various types of judgment must not be regarded as standing beside one another, each having the same value; instead, they must be seen as forming a sequence of stages, and the distinction between them rests on the logical significance of the predicate. We can indeed find this already in our ordinary consciousness, in that we unhesitatingly ascribe only a very inadequate power of judgment to someone who habitually frames only such judgments as *("This wall is green," "This oven is hot," and so on; in contrast, we say that someone genuinely understands how to judge only when his judgments deal with whether a certain work of art is beautiful, whether an action is good, and so on. In the case of judgments of the first kind, the content is only an abstract quality, the presence of which can be adequately decided by immediate perception; whereas, to say of a work of art that it is beautiful, or of an action that it is good, the objects in question must be compared with what they ought to be, i.e., with their concept” (Hegel, 1991, p. 249).

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A cidade de Lisboa é uma referência para este conceito, pela cidade

romana nela subterrada. Como se pode ver na (Figura 13), a reconstituição do

local onde se encontra um teatro romano que é um dos núcleos do Museu de

Lisboa. Nesta cidade, não só podem ser visitas algumas ruínas do grande

Império Romano, como também vestígios milenares tal como uma estela do séc.

VII a.C, onde se vêm caracteres de escrita fenícia (Figura 14).

Este vestígio possui um silêncio evidente por todo o tempo que este viveu

sem se manifestar e um silêncio que se mantém para quem olha sem uma

tradução, não só linguística, mas também de significado espiritual, do tempo e

da cultura do mesmo. Este acrescenta valor à cultura da cidade sendo detentora

da história dos povos que por ela passaram, e do espirito em que o objeto viveu

no seu tempo, que não é o presente. A essência do tempo que este possui

suscita o espirito da sua temporalidade (Pereira G. , 2016).

Através do silêncio é possível atribuir um som a uma correspondência

visual (um desenho), criando um código. Efetivamente, a própria caligrafia é um

código criado para que se possa comunicar verbalmente de forma gráfica. Uma

cor quente pode, por exemplo, ser associada a um som grave, ou uma cor fria a

um som agudo. Tanto a cor como o som transmitem sensações, podendo o

ambiente ser manipulado através do estudo sensorial dos observadores. Criando

um espaço com uma cor quente seguido de uma cor fria ou uma sequência de

Figura13 Figura14

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quadros quentes e frios, consegue-se um tipo de musicalidade expositiva não só

no espaço que cada objeto ocupa, mas também com a sua tonalidade. Assim,

“o ruído, sozinho, nada diz ao espírito; os objetos devem falar para se fazerem

compreender; em qualquer imitação é preciso que uma espécie de discurso

venha sempre suprir a voz da natureza” (Rousseau, 2008, pp. 157,158). É

possível manipular o discurso através de paleta cromática, como refere

Kandinsky:

As cores claras atraem o olhar e retêm-no. As claras e quentes fixam-no ainda com mais

intensidade; tal como a chama que atrai o homem com um poder irresistível, também o

vermelhão atrai e irrita o olhar. O amarelo limão vivo fere os olhos. A vista não o suporta.

Dir-se-ia um ouvido dilacerado pelo som estridente de uma trombeta. O olhar pestaneja e

abandona-se às calmas profundezas do azul e do verde. (...) Fala-se correntemente do

“perfume das cores”, ou da sua sonoridade. Esta sonoridade é de tal maneira evidente,

que ninguém pode encontrar uma semelhança entre o amarelo-vivo e as notas baixas de

um piano ou entre a voz de um soprano e o vermelho lacado de escuro (Kandinsky, 1912,

pp. 58,59).

Esta semelhança entre o som e a cor, já referida anteriormente é aqui

sublinhada. O amarelo-vivo e o vermelho lacado escuro, são assim cores

dissonantes. Desta forma façamos alusão a Schoenberg quando este nos diz:

(…) entendo que a compreensibilidade da dissonância é equivalente à compreensibilidade

da consonância. (…) tratando a dissonância como consonância é a maneira de renunciar

à supremacia do centro tonal37. Evitando o estabelecimento de uma tonalidade,

ultrapassamos a noção da modulação (…) (Schoenberg, 1989).

Schoenberg, ao renunciar estes dois propósitos à supremacia do centro

tonal, encontra um vazio harmónico que nega qualquer som. Desta forma cria

um silêncio abstrato, “uma harmonia nova, rica em cores (…).” (Schoenberg,

1989)

Este silêncio é como “um ‘nada’ sem possibilidades, um ‘nada’ morto depois

do Sol morrer, como um silêncio eterno, sem esperança de futuro, eis a

ressonância interior do preto. A sua correspondência na linguagem musical é a

37 Nota de referencia para uma escala musical. Tonalidade, “a presença de uma chave musical numa composição. (…) O esquema geral de cores e tons numa pintura.” Traduzido de (Makins, 1992, p. 1420).

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pausa” (Kandinsky, 1912, p. 86). Como um ponto final na literatura, o qual é o

fim incerto do que virá, “provavelmente será seguido de qualquer outra coisa – o

nascimento de um outro mundo” (Kandinsky, 1912, p. 86). Esta pausa é o

abismo, onde o solo termina sem mais para onde se andar. Kandisnky compara

também o preto de uma fogueira apagada, “consumida, imóvel e insensível como

um cadáver indiferente a tudo. É como o silêncio que se apodera do corpo depois

da morte, o fim da vida. Exteriormente é a cor mais desprovida de ressonância”

(Kandinsky, 1912, p. 86). Desta forma, qualquer cor que não esta, por mais fraco

que seja o seu som “adquire, quando colocada neste fundo neutro, uma

sonoridade mais viva e uma nova força” (Kandinsky, 1912, p. 86).

Seguindo esta lógica, o conceito de Dark Box transmite uma

resplandecência ao acervo, encontrando o “total” silêncio que elimina mais

aprofundadamente o ruído da sala. Em relação à perceção do vazio, John Cage

refere:

Não há tal coisa como um espaço vazio ou um tempo vazio. Há sempre algo para ver, algo

para ouvir. Na verdade, mesmo que tentemos fazer um silêncio, não conseguimos. (...).

Para certos fins de engenharia, é desejável ter uma situação tão silenciosa quanto

possível. Tal quarto é chamado de uma câmara anecoica, são seis paredes de material

especial, uma sala sem ecos. Eu entrei numa na Universidade de Harvard há vários anos

e ouvi dois sons, um alto e um baixo. Quando os descrevi para o engenheiro responsável,

ele informou-me que o alto era o meu sistema nervoso em operação, e o baixo que meu

sangue a circular. Até eu morrer, haverá sons. E continuarão a seguir minha morte. Não é

preciso ter medo do futuro da música.38

(Cage, 2002, pp. 7,8).

O autor continua passando a explicar que neste espaço a posição de um

som particular depende de cinco determinantes: frequência ou inclinação,

amplitude ou intensidade, estrutura ou timbre, duração e morfologia (como o som

38 Traduzido de: "There is no such thing as an empty space or an empty time. There is always something to see, something to hear. In fact, try as we may to make a silence, we cannot. (...) For certain engineering purposes, it is desirable to have as silent a situation as possible. Such a room is called an anechoic chamber, its six walls nlade of special material, a room without echoes. I entered one at Harvard University several years ago and heard two sounds, one high and one low. When I described them to the engineer in charge, he informed me that the high one was my nervous system in operation, the low one my blood in circulation. Until I die there will be sounds. And they will continue following my death. One need not fear about the future of music" (Cage, 2002, pp. 7,8).

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começa, continua e desaparece). “Com a alteração de qualquer um desses

determinantes, a posição do som no som-espaço muda” (Cage, 2002, p. 9).

Assim, ao alterar as suas qualidades “qualquer som em qualquer ponto neste

espaço sonoro total pode se mover para se tornar um som em qualquer outro

ponto”39 (Cage, 2002, p. 9).

Desta forma podemos concluir que o som nunca será nulo, não é possível

eliminar a totalidade do som do mesmo modo que é feito com a luz, manipulando

a arquitetura de um espaço para conseguir o domínio total da iluminação de

forma artificial. Segundo esta reflexão de John Cage é possível compreender

que uma Dark Box, proporciona um maior proveito do domínio museográfico não

eliminando, no entanto, o som próprio40 produzido por cada indivíduo presente.

Este som pode, talvez, ser abafado, do mesmo modo que um elemento se perde

no meio de uma multidão, e uma nota se funde num acorde. Introduzindo uma

densa quantidade de frequências, esses sons próprios perdem-se. Inserindo um

som na exposição, mais concretamente um white noise41, é possível neutralizar

todos os outros, deixando que o som próprio do diálogo expositivo domine. Estas

diferentes frequências acabam por se abafar mutuamente, chegando ao ponto

nulo de perceção de qualquer nota. A musicalidade sonora envolvente pode,

assim, aproximar-se da sonoridade nula deixando sobressair a musicalidade dos

objetos em que a atenção se deve focar. O objetivo é, por fim, a procura da

musicalidade visual que deixe transparecer as peças na sua forma mais pura.

2.4 Ausência na Museologia

Num contexto museológico, a ausência é o vazio do percurso da exposição

onde o ser observador deixa o objeto libertar-se da sua forma física,

39 Traduzido de: “By the alteration of anyone of these determinants, the position of the sound in sound-space changes(...) Any sound at any point in this total sound-space can move to become a sound at any other point” (Cage, 2002, p. 9). 40 Som que pertence à matéria ou objeto. 41 Um músico pensa em um ruído branco como um som com igual intensidade em todas as frequências dentro de uma banda larga. Alguns exemplos são o som do trovão, o ruido de um motor a jato e o ruído de um porta-moedas Traduzido de (Kuo, 1996, p. 1).

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transcendendo-se. Aqui, o meio envolvente influencia a forma como este se

afirma.

Como referido anteriormente, Kunstwollen é entendido como sendo a

vontade da arte através da forma do objeto, como uma energia interna da

criatividade humana que provoca uma conexão formal. Isto pode ser

compreendido ao analisarmos o abecedário. A cada desenho de letra é

associado um som e é através da diferença de sons das várias letras que somos

capazes de formar palavras e registá-las de forma universal. Podemos mesmo

comparar o abecedário a uma partitura musical. O facto de a forma de cada letra

representar um som confere a cada letra uma unicidade do mesmo modo que a

classificação da arte por estilos proposta por Winckelmann, acentua a

singularidade de uma obra. A ambos os casos é possível atribuir o Zeitgeist de

Hegel, individualizando cada uma para que esta possa ser única. Sem estes

conceitos não seria possível compreender que cada forma tivesse o seu

Kunstwollen, a sua vontade própria. A dicotomia entre tempos é essencial para

que uma peça consiga mostrar o seu hit et nunc42 alcançando o seu eidos, a sua

essência. É importante que exista um corte na linha de tempo para que, perante

um vazio, cada forma se destaque formalizando uma linguagem clara e

respeituosa.

A pintura de Monet é apresentada pelo pintor da forma mais pura, nua do

suporte da moldura de modo a destacar a verdade da sua obra, apenas com “o

apropriamento de um espaço raso literal contendo formas inventadas,

diferentemente do antigo espaço ilusório, que continha formas “reais” exerceu

mais pressão sobre a borda” (O´Doherty, 2002, pp. 11,13). Theo Angelopoulos,

diretor de cinema grego, refere a necessidade de libertar a imaginação do público

para que possam entrar no que visualizam, ao afirmar que, “o poder da sugestão

é exercido dinamicamente de modo a libertar a imaginação da audiência, para

42 Hic et nunc significa “aqui e agora”, em latim.

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que esta possa criar para si uma imagem dentro de uma imagem”43

(Angelopoulos, 2001, p. 73). Deste modo, Aurora Leon refere que:

Já em 1933 Monet expunha que o particularismo estético conduzia a uma impotência

criativa e que a solução para a crise que o panorama artístico vivia consistia na realização

de uma arte que surgia a partir da emoção coletiva e que colocasse a beleza na existência

do quotidiano, tendo que ser resolvido em confrontos constantes de atitudes coletivas,

com valores éticos e estéticos que seriam a vida em vez de morte lenta para museus 44

(Leon, 2000, p. 55)

O’Doherty refere, acerca da pintura de Monet, que a ausência de

características marcantes faz com que o olho relaxe para fixar qualquer lugar.

Monet capta tudo aquilo que um olhar desconcentrado iria ver, do mesmo modo

que Seurat, ao aplicar nas suas obras a técnica do divisionismo. Com um jogo

de pontos coloridos aglomerados as margens da sua pintura dispersam para

dentro com o intuito de destacar e apontar o motivo da obra. Também Matisse

“compreendeu melhor que ninguém o dilema da superfície pictórica e sua

tendência de estender-se para fora (...). Diante das pinturas amplas de Matisse,

raramente nos consciencializamos da moldura. Ele solucionou o problema da

expansão lateral e da contenção com grande sensibilidade” (O´Doherty, 2002, p.

16).

Segundo O´Doherty, a estrutura robusta das obras de Matisse não exige

nenhum espaço desmesurado na parede vazia, as suas pinturas são fáceis de

pendurar com um cuidado decorativo que as torna autónomas. O autor refere

também que a partir de Courbet as convenções do ato de pendurar foram

esquecidas explicando que:

O modo de apresentar quadros une suposições sobre o que se quer apresentar. A

colocação interfere nas questões de interpretação e de valor e sofre uma influência

inconsciente do gosto e da moda (…). Deve ser possível correlacionar a história das

43 Traduzido de: “the power of suggestion is exercised dynamically in order to free the imagination of the audience, so they can create for themselves a picture inside a picture” (Angelopoulos, 2001, p. 73). 44 Traduzido de:“Ya en 1933 Monet exponía que el particularismo estético conducía a una impotencia creadora y que la solución a la crisis que pasaba el panorama artístico radicaba en la realización de un arte que surgiera de la emoción colectiva y que situase la belleza en la existencia cotidiana, lo habría que resolver en constantes confrontaciones de actitudes colectivas, con valoraciones éticas y estéticas que serian la vida y no a muerte lenta para los museos” (Leon, 2000, p. 55).

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pinturas em si com a história externa de como elas eram penduradas. Podemos iniciar a

pesquisa não por um meio de exposição aprovado socialmente (como Salão), mas pelas

excentricidades pessoais - com aqueles quadros de colecionadores dos séculos XVII e

XVIII dispostos elegantemente em meio a seu patrimônio (O´Doherty, 2002, pp. 15,16).

O´Doherty supõe ainda que a primeira ocasião recente em que um artista

radical expôs os seus quadros foi “A Mostra Individual do Salon de Refusés”, de

Courbet, que ocorreu em simultâneo com a exposição de 1855. Esta foi a

primeira vez que um artista moderno teve de criar o contexto em que a sua obra

se inseria, desenvolvendo assim um diálogo expositivo. Tal como O’Doherty

afirma, o pintor teve de “interferir no seu valor. (…). Ainda que as pinturas tenham

sido radicais, o emolduramento e o modo de pendurá-las no início geralmente

não eram. A interpretação do que uma pintura transmite de seu contexto é

sempre, podemos admitir, atrasada” (O´Doherty, 2002, p. 17).

Nesta época, a obra e o espectador têm uma nova aproximação com a

evolução da museologia e as obras passam a ter um diálogo aberto com

espectador respeitando a vontade das obras. Não se refere o conceito de ciência

museológica até ao séc. XX, quando se expande a necessidade de confrontar o

público dos museus, sendo que a museografia sofreu constantes alterações

consoante as épocas e modas de cada momento histórico.

Uma componente essencial na Museologia para a compreensão das

diferentes épocas e diferentes culturas, é a iconografia. Esta, é uma linguagem

visual que estuda a origem e a formação das imagens. Através dos registos

iconográficos é possível conhecer a história e saber o conhecimento de

determinada época, possibilitando a recriação de um espaço de acordo com os

diversos períodos bem como entender a função dos objetos. A iconografia

permite, através de registos visuais, apurar a história dos diferentes povos, o seu

modo de vida e a sua evolução, como é o caso das as pinturas rupestres ou da

tipografia. É também a partir desta linguagem que é possível saber as diferentes

interpretações e apreciações sobre a arte. Como explica Benjamin:

Uma estátua antiga da Vénus, por exemplo, situava-se num contexto tradicional diferente,

para os Gregos, que a consideravam um objecto de culto, e para os clérigos medievais

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que viam nela um ídolo nefasto. Mas o que ambos enfrentavam da mesma forma era a

sua singularidade. Por outras palavras a sua aura (Benjamin, 1992, p. 81).

Assim, a iconografia distingue de forma visual as temáticas e

conhecimentos existentes.

Ao querer expressar a ausência, Yves Klein em 1958 criou a exposição La

spécialisation de la sensibilité à l'état matière première en sensibilité picturale

stabilisée: Le Vide ( A especialização da sensibilidade ao estado da matéria-

prima na sensibilidade pictórica estabilizada: o vazio) na qual esvaziou toda a

sala da exposição, e pintou todas as superfícies de branco, colocando nesta

apenas a sua presença (Figura 15). Com esta intervenção Klein propunha que

ao ter um espaço vazio apenas com a sua presença, a aura do seu corpo se

destacasse, bastando como obra de arte.

2.5 Aberto na Museologia

A abertura apresentada por um objeto musealizado em relação ao seu

observador está dependente da liberdade concedida ao seu Kunstwollen. Se isto

ocorrer, o objeto apresenta recetividade ao ambiente em que é colocado,

transcendendo o limite do espaço em que se encontra. Para isto, o espaço

habitável diante do objeto musealizado deve ser superior ao campo de visão total

do visitante, considerando não só o volume da sala, mas também do seu acervo

para evitar falhas na perspetiva bem como interrupções no campo aurático das

Figura15

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68

obras. O campo aurático pode ser considerado todo o espaço ocupado não

apenas pela matéria do objeto, mas também pela sua essência. Para que este

campo exista, o objeto deve ser capaz de respirar não sendo sobreposta por

outras obras, tanto física como auráticamente. Este vazio protege as peças das

demais, tal como António Guerreiro refere, “destruída a distância que protege as

imagens e os objectos de culto, estes oferecem-se sem pudor à concupiscência

alheia” (Guerreiro, 1990, p. 60).

Assim sendo, é proposto que o espaço expositivo deva admitir não só a

dimensão física das obras que o habitam como a dimensão da sua essência,

considerando também o espaçamento imprescindível entre as várias peças. A

descomedida repetição de curtas pausas entre peças pode causar uma

monotonia no percurso tornando-se cansativa para o espectador. Se não existir

este vazio essencial, a atenção do visitante não se prende na obra que pretendia

contemplar. Como refere Dondis:

Todo padrão visual tem uma qualidade dinâmica que não pode ser definida intelectual,

emocional ou mecanicamente, através de tamanho, direção, forma ou distância. Esses

estímulos são apenas as medições estáticas, mas as forças psicofísicas que

desencadeiam, como as de quaisquer outros estímulos, modificam o espaço e ordenam

ou perturbam o equilíbrio45 (Dondis, 1976, p. 36).

Apesar da relação poética entre objetos na mesma sala estes não devem

perder o seu valor e singularidade perante a essência dos objetos mais próximos.

Cada objeto deve ser valorizado isoladamente dentro do discurso expositivo.

Como recurso para suscitar a atenção do público, o isolamento das peças é

justificado, em determinados casos. Neste caso, como deveria ser feita com uma

exposição em que estão reunidas na mesma sala duas obras icónicas, por

exemplo, As Meninas de Velázquez e Ronda de Noche de Rembrandt? Ambas

são motivo de atração de multidões, o que pode dificultar a leitura não apenas

destas peças, mas também das restantes que, provavelmente, nem seriam

observadas por grande parte dos visitantes. Um exemplo real deste fenómeno

45 Traduzido de: “Cada pattern visual tiene un carácter dinâmico que no puede definirse intelectual, emocional o meccánicamente por el tamaño, la dirección, el contorno o la distancia. Estos estímulos son solamente la mediciones estáticas, pero las fuerzas psicofísicas que ponen en marcha, como las de cualquier estímulo, modifican, disponen o deshacen el equilíbrio” (Dondis, 1976, p. 36).

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pode ser observado no Museu do Louvre onde se encontra a Gioconda, de

Leonardo da Vinci. Este pode ser considerado talvez o quadro mais icónico e

conhecido do mundo. Na mesma sala onde se encontra esta obra, estão

presentes outras de grandes mestres que por vezes acabam por não ser

observadas com a mesma atenção por parte dos visitantes.

A escultura, arte do volume, requer um espaço tridimensional para ser vista

na totalidade sendo que neste tipo de obras não faz sentido retirar a visibilidade

de nenhum ângulo em seu redor, pois é uma peça concebida para ser vista de

todos as perspetivas. É importante que a relação obra-espaço e obra-obra

respeite a proporção das peças com os respetivos suportes, quando existentes.

Esta relação mantém os diversos espaços planos e vazios e zonas côncavo-

convexos com um ritmo estético ou com a centralização da imagem no espaço

detentor de uma multiplicidade de pontos de vista que contribui para que a

escultura ofereça todas as características que psicossomatizam o espectador. A

este propósito citemos Dondis:

Quando as soluções estratégicas não são boas, o efeito visual final será ambíguo. Os

juízos estéticos que se valem de termos como "beleza" não precisam estar presentes

nesse nível de interpretação, mas devem ficar restritos ao âmbito dos pontos de vista mais

subjetivos. A interação entre propósito e composição, e entre estrutura sintática e

substância visual, deve ser mutuamente reforçada para que se atinja uma maior eficácia

em termos visuais. Constituem, em conjunto, a força mais importante de toda comunicação

visual, a anatomia da mensagem visual.46 (Dondis, 1976, p. 100)

A interpretação do discurso expositivo procura uma organização lógica no

espaço, e assim a anatomia da mensagem visual pode refletir-se em qualquer

tipo de transcendência visto que:

Tanto a abstração quanto a realidade, no entanto, estão envolvidas naquela dimensão

sagrada do século XX, espaço. (...) Se a arte possui uma referencia cultural (além de ser

“cultura”), esta certamente se encontra na definição do nosso espaço e tempo. (…) O

46 Traduzido de: “Com malas decisiones estratégicas, el efecto visual último es ambíguo. Los juicios estéticos que usan palabras como “beleza” no tienen por qué verse envueltos en este nivel de interpretación. La interacción entre prop´sito y composición, entre estrutura sintática y sustância visual, debe ser mutuamente fortalecedora para resultar visualmente efectiva. En conjunto, estos factores constituyen la fuerza más importante de toda la comunicación visual, la anatomia del mensaje visual” (Dondis, 1976, p. 100).

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espaço moderno redefine a condição do observador, mexe com sua autoimagem. (…) O

espaço é hoje apenas o lugar onde as coisas acontecem; as coisas fazem o espaço existir.

(…). Quando nos encontramos no recinto da galeria, será que, numa inversão peculiar,

nós não acabamos dentro do quadro, olhando para um plano opaco exterior que nos

protege de um vazio? (O´Doherty, 2002, pp. 36,37)

Compreende-se assim que o espaço existente tem uma energia importante

para a leitura de uma exposição. Os objetos e o meio envolvente influenciam-se

simultaneamente, sendo que o olhar do público sobre as peças irá variar

conforme o ambiente em que se encontra, ou seja, a transcendência das obras

é diferente em função do espaço onde se encontram. Desta forma, é possível

observar que o meio tem a capacidade de definir a condição do observador.

Em relação aos efeitos das peças sobre o público, no final dos anos 60 e

70, O’Doherty afirma que, “os objectos, por mais diminutos, sempre provocaram

percepções não só visuais. Embora o que estivesse lá se revelasse

instantaneamente para o olho, era preciso verificar melhor” (O´Doherty, 2002, p.

52).

Isto pode ser observado, por exemplo, na abertura sentida numa sala de

exposição sem percurso definido. Aqui, há uma sensação de leveza sobrenatural

que leva o visitante para diante de cada peça, sendo comandado pelo que o

atrai. Cada diálogo expositivo manipula o observador de forma diferente, sendo

que cada um fará o seu próprio percurso, sendo atraído e tocado por questões

diferentes. Pode ainda ocorrer uma inquietação no sentido de orientação do

observador em que este perde a perceção do que o rodeia e o seu olhar dirige-

se para a obra, focando-se apenas nela.

As seguintes reflexões de O’Doherty complementam o estudo da essência

e transcendência humana podendo ser considerados para aplicação

museológica:

A parede imaculada da galeria, embora um produto evolutivo delicado de natureza

bastante específica, é impura. Ela subsume comércio e estética, artista e público, ética e

oportunismo. Ela está na imagem da sociedade que a mantém, então é uma superfície

perfeita para repelir as nossas paranoias. Não se deve cair nessa tentação. O cubo branco

não deixou o prosaísmo passar porta adentro e permitiu ao modernismo pôr um ponto-

final em sua mania inabalável de se autodefinir. (…). O cubo branco é geralmente visto

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como um emblema do afastamento do artista de uma sociedade à qual a galeria também

dá acesso. É um gueto, um recinto remanescente, um proto museu com passagem directa

para o atemporal, um conjunto de situações, uma postura, um lugar sem local, um reflexo

de uma parede nua, uma câmara mágica, uma concentração mental, talvez um equívoco

(O´Doherty, 2002, pp. 90,91).

Este lugar sem local, que nos remete para o conceito de não-lugar de Marc

Augé, dá-nos a perceção de um local onde tudo acontece, mas ninguém vive.

Locais estes que o autor descreve como espaços públicos, como por exemplo,

estações de metro ou aeroportos, onde o visitante apenas está de passagem.

Augé descreve estes não-lugares como lugares onde “um viajante estrangeiro

se pode sentir em casa, mesmo estando num país desconhecido” (Augé, 1995,

p. 120), visto que estes espaços são todos idênticos. O que aqui acontece

poderá ter uma interpretação, dependendo da consciência de quem observa.

Arnheim refere também que a mente funciona sempre como um todo,

absorvendo todas as pluralidades do meio em que se insere sendo que tudo

influencia a forma que se imagina ou que se raciocina em determinado espaço

e tempo. Arnheim prossegue afirmando que “toda a percepção é também

pensamento, todo o raciocínio é também intuição, toda a observação é também

invenção” (Arnheim, 2005, p. 13). A observação do mundo exige uma interação

entre o sujeito observador, a sua natureza e as propriedades daquilo que é o

objeto observado. “O ato de olhar o mundo provou exigir uma interação entre

propriedades supridas pelo objeto e a natureza do sujeito que observa”

(Arnheim, 2005, p. 13).

Esta perceção requer uma abertura total entre a obra e o observador, um

modo de viver a peça, fazendo da mesma um local. Esta abertura pode ser

sentida na “Turbin Hall”, no Tate Modern, um local aberto que se transforma em

obra. Este espaço recebe obras de site-specific que o tornam outro lugar,

conseguindo ser um vazio monumental pronto a receber obras que transcendem

os limites do seu volume. Obras como “Shibboleth” (2007), de Doris Salcedo,

(Figura 16) em que o artista abre uma fenda no amplo chão de cimento, levam o

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visitante a percecionar que há mais para além daquele espaço, um abismo que

amplia a ideia de abertura do local.

Esta abertura pode ser vista não apenas com esta obra, mas pelo local em

si. Este é um espaço que existe com o propósito de ser aberto a receber todo o

tipo de instalações, e a sua dimensão monumental dispõe de um comprimento

de 155m, 23m de largura e 35m de altura. Neste espaço hibrido já figuraram

instalações dignas de transportar o visitante para outra realidade. Tais como

“The Weather Project” de Olafur Eliasson (2003) onde o artista simulou o sol e

um ambiente sublime dentro da infraestrutura (Figura 17).

Também Marsyas (2002) de Anish Kapoor, confunde a noção do espaço

envolvente ao criar esta instalação monocromática em pvc a uma escala onde a

perceção do visitante se perde, deixando de ter noção dos limites da sala e da

peça (Figura 18).

É possível, então, compreender que este espaço, para além de ser aberto

para intervenções, faz com que a sua função nos transponha para outra

realidade mesmo estando vazio, e a sua dimensão tenha um peso sobre o

visitante pela sua imponente arquitetura.

Figura17 Figura16 Figura18

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2.6 Leveza na Museologia

A leveza é aqui referida como a algo que, no seu estado físico, possui uma

energia que supera o seu corpo. No contexto museológico, o peso de uma peça

vai para além da força gravitacional que exerce, estando associada ao valor que

ostenta.

As qualidades da observação humana são instáveis e todos os fatores que

rodeiam o observador influenciam a sua visão já que um objeto nunca é passível

de ser observado de forma totalmente isolada, o que pode afetar a perceção do

peso de uma peça. Existem fatores que participam ou influenciam a visualização

de uma peça tais como a escala, cor, material, iluminação, distância. Arnheim

refere que a experiência visual é dinâmica, visto que:

O que uma pessoa ou animal percebe não é apenas um arranjo de objetos, cores e formas,

movimentos e tamanhos. É, talvez, antes de tudo, uma interação de tensões dirigidas.

Estas tensões não constituem algo que o observador acrescente, por razões próprias, a

imagens estáticas. Antes, estas tensões são inerentes a qualquer percepção como

tamanho, configuração, localização ou cor. Uma vez que as tensões possuem magnitude

e direção pode-se descrevê-las como "forças" psicológicas (Arnheim, 2005, p. 21).

Puffer descobriu que o interesse pessoal influencia o peso de uma

composição. Este irá depender do valor que cada representação ou objeto tem

para o observador. “Um fragmento de pintura pode prender a atenção do

observador ou devido ao assunto — por exemplo, o lugar ao redor do Menino

Jesus numa Adoração — ou devido à sua complexidade formal, complicação ou

outras peculiaridades” (Arnheim, 2005, p. 16).

Nestes casos em que o interesse por uma peça ou fragmento afeta o peso

compositivo, por exemplo, é necessário um vazio maior para que outras em seu

redor não sejam obstruídas pelo seu peso. Este peso assemelha-se ao punctum

de Roland Barthes, referido anteriormente, considerado um interesse de caráter

pessoal que varia de pessoa para pessoa, associado a detalhes que tocam o

observador de forma emocional, estimulando-o. Arnheim propõe a possibilidade

de o volume de espaço vazio na frente de uma parte distante do cenário ter peso,

afirmando que isto pode ser notado mesmo em objetos tridimensionais. Arnheim

prossegue, referindo que o isolamento favorece o peso. “O sol ou a lua num céu

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vazio pesa mais do que um objeto de aparência semelhante rodeado por outras

coisas. No teatro, o isolamento é uma técnica já estabelecida para se conseguir

ênfase” (Arnheim, 2005, p. 17). Por esta razão os restantes elementos do elenco

mantêm uma distância coerente durante as cenas importantes. Distância esta

muitas vezes sublinhada pela manipulação da luz em palco, que por vezes incide

apenas no foco de atenção do momento. Também na escultura, em toda a sua

história

Há uma distinção clara entre o bloco sólido e o espaço vazio circundante. A figura está

limitada por superfícies planas ou convexas, e os vazios que separam os braços do corpo

ou uma perna da outra não prejudicam a compacidade do volume principal (Arnheim,

2005, p. 217).

O vazio pode ser fisicamente definido pelos obstáculos que o modelam,

sendo este, pela mesma lógica, a razão da existência da forma. A forma apenas

existe na ausência do vazio, pois a matéria ocupa o seu espaço.

Numa exposição, dificilmente é observada a mesma perspetiva exata mais

do que uma vez, de onde se pode deduzir que existe um olhar para cada

momento. Isto é possível, no entanto, com o auxílio de um instrumento de

precisão, assinalando uma coordenada ou um ponto de referência para que se

possa observar exatamente da mesma perspetiva. Assim, cada espectador

observa pela sua perspetiva do momento, nunca sendo afetado de forma igual à

anterior ou à dos demais. Como Hegel menciona, cada indivíduo é o espelho do

momento presente, do seu tempo sendo que em cada momento as suas

perceções serão diferentes. Mas o destaque de um ponto importante pode ser

evidenciado, como no teatro, ou na escultura, pois cada mostra que cada peça

procura ser o alcance do espectador a partir da sua forma, segundo Arnheim:

O volume vazio como um elemento legítimo da escultura levou a trabalhos nos quais o

bloco de material é reduzido a uma concha circundando um corpo central de ar. A obra

“Helmet” de Moore, uma cabeça vazia, ofereceria a um visitante do tamanho de um

camundongo a experiência de estar dentro de uma escultura. Mais recentemente, os

escultores tentaram proporcionar tais experiências aos observadores adultos. A

arquitetura, naturalmente, sempre se relacionou com interiores vazios. A concavidade das

abóbadas e arcos faz o espaço interno assumir a função de figura positiva como se fosse

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uma poderosa extensão do visitante humano, que então se sente capaz de ocupar a sala

com uma presença que se eleva e se expande (Arnheim, 2005, p. 248).

Isto leva a crer que o contraste de texturas entre cada elemento da

exposição transmite profundidade e esta remete-nos para o material, sendo que

cada um possui uma luz própria.

Ao ser referida a obra de Henry Moore, observamos a peça Helmet I (1950),

(Figura 19) o primeiro de 33 capacetes que escultor realizou, baseando-se em

antigos capacetes ingleses e gregos e nas armaduras que o autor estudou. A

sua abordagem varia entre o “retrato do capacete como uma carapaça que

protege uma forma interior ou como uma mão que transporta o filho no útero, e

o capacete como protecção da cabeça” (Lewison, 2008, p. 69) evocando

também memórias de vítimas da Primeira Guerra Mundial. Esta peça guarda o

peso da intenção do autor, bem como o seu peso histórico que pode ser também

reforçado pelo peso do seu material. No caso de Helmet I, Moore preferiu que

esta fosse em chumbo, talvez não apenas por ser um material utilizado desde a

antiguidade, mas também talvez para se apropriar da densidade e peso físico do

mesmo. Assim, conseguiu que nesta obra se destaque a forma através do vazio

que a completa física e emocionalmente, de modo a quem observa esta

escultura consiga alcançar a leveza que supera o seu material.

Figura19

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2.7 Branco na Museologia

Para que o branco exista ou prevaleça sobre as restantes cores, é

necessário criar sombra ou escuridão (pois uma não existe sem a outra), bem

como criar reflexos para que a profundidade seja percecionada. Esta modelação

é a razão da perceção visual mesmo sem a invocação de qualquer cor, sendo

que esta surge da luz e que encontra o seu contraste através da escuridão ou

da sombra. A musealização de um acervo deve, assim, esculpir o seu percurso

considerando a importância destes contrastes.

Ao analisar estas circunstâncias, Arnheim questiona o grau de claridade

das coisas, explicando como tem sido frequentemente observado que “um lenço

à meia-noite parece branco como um lenço ao meio-dia, embora talvez ele envie

menos luz aos olhos do que um pedaço de carvão sob o sol de meio-dia”

(Arnheim, 2005, p. 295). Nesta situação, não se pode responder às

circunstâncias, referindo que:

A respeito da "constância" de claridade, certamente não no simples sentido de afirmar que

os objetos são vistos "tão claros quanto realmente são". A claridade que vemos depende,

de um modo complexo, da distribuição de luz na situação total, dos processos ótico e

fisiológico nos olhos e sistema nervoso do observador, e da capacidade física de um objeto

em absorver e refletir a luz que recebe. Esta capacidade física é chamada luminância ou

qualidade refletiva. É uma propriedade constante de qualquer superfície. Dependendo da

força da iluminação, um objeto refletirá mais ou menos luz, mas sua luminância, isto é, a

percentagem de luz que ele reflete, permanece a mesma (Arnheim, 2005, p. 295).

O autor dá como exemplo o pedaço de veludo preto que absorve muito da

luz que recebe pode, sob intensa iluminação, emitir tanta luz quanto um pedaço

de seda branca pouco iluminado, que reflete a maior parte da energia. De um

ponto de vista cognoscível, a possibilidade direta de distinção entre o poder

refletivo e a iluminação é inexistente, visto que “o olho recebe apenas a

intensidade resultante da luz, mas nenhuma informação sobre a proporção na

qual os dois componentes contribuem para este resultado” (Arnheim, 2005, p.

295).

Podemos, deste modo, aferir que uma incorreta manipulação da luz poderá

por em causa a leitura do material do objeto e levar a uma perceção errada da

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distância entre objetos, fazendo com que as luzes próprias de cada um se

encandeiem. O objeto vizinho corre o risco de absorver o reflexo de outro

material. É necessário ter também em consideração que determinadas obras

foram produzidas para serem observadas com determinada iluminação, como é

o caso das pinturas reproduzidas à luz das velas pertencentes a uma época

anterior à eletricidade, que devem ser olhadas à luz das velas, e ao alterar esta

condição na sua musealização, a intenção do autor e da sua obra podem ser

alteradas. A criação de um diálogo expositivo é como tecer uma trama de

texturas de forma harmoniosa. Assim, em cada textura surge um novo ciclo.

Citemos Arnheim a este propósito:

Não só a forma dos objetos, mas também a dos intervalos entre eles, é dinâmica. O espaço

vazio que separa os objetos ou partes deles entre si na escultura, pintura e arquitetura é

comprimido pelos objetos e por sua vez os comprime. Segundo leis ainda inteiramente

inexploradas, esta dinâmica depende não apenas do tamanho, forma e proporção dos

próprios intervalos, mas também daqueles dos objetos vizinhos. Dado um conjunto de

janelas de uma dimensão e forma especiais, os espaços das paredes entre elas parecerão

demasiadamente grandes e portanto opressivos, excessivamente pequenos e portanto

comprimidos, ou de tamanho adequado (Arnheim, 2005, p. 404).

Quanto mais profundo é o vazio, mais destaque terá aquilo que se salienta.

A criação de um relevo implica afastar a matéria para que o ponto mais alto seja

o principal e quanto menor for o excesso, mais evidente será a forma procurada,

pois esta também vive do vazio que a rodeia. Tal como afirma Fernando Pessoa,

“o ambiente é a alma das coisas. Cada coisa tem uma expressão própria, e essa

expressão vem-lhe de fora. Cada coisa é a intersecção de três linhas, e essas

três linhas formam essa coisa: uma quantidade de matéria, o modo como

interpretamos, e o ambiente em que está” (Pessoa, 2014, p. 72).

Não existindo um cuidado com o ambiente em que as peças se inserem e

o espaço essencial para que as suas formas sejam evidenciadas, a aura dos

objetos é facilmente quebrada, pois não será observada de forma uniforme,

podendo mesmo ser invisível. Tal como Merleau-Ponty refere em relação à

pintura, “essência e existência, imaginário e real, visível e invisível, a pintura

confunde todas as nossas categorias carnais, de semelhanças eficazes entre

significações mudas” (Merleau-Ponty, 2015, p. 32) Também um discurso

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expositivo deve deixar transpassar estes aspetos, devendo ser aberto a diversas

reflexões, ao mostrar e explicar de forma clara o seu diálogo expositivo, deixando

uma tela em branco para qualquer visitante ir pintando para casa, ou seja, para

que saia desta exposição, mas a sua mente nela continue. Pois a arte tal como

a beleza da natureza, por exemplo, é impossível de ser expressada na sua

totalidade como uma representação pictórica, escultórica ou mesmo verbalizada,

falhando sempre na transmissão da essência na sua realidade. Tal como

Fernando Pessoa afirma, “tudo o que fazem na arte ou na vida, é cópia imperfeita

do que pensamos em fazer” (Pessoa, 2014, p. 244) pois “nada pode traduzir

exactamente o que alguém sente” (Pessoa, 2014, p. 223). Sobre a capacidade

e perceção visual, Merleau-Ponty refere:

É necessário compreender o olho como «a janela da alma». «O olho...pelo qual a beleza

do universo é revelada à nossa contemplação, é de uma tal excelência que quem se

resignasse à sua perda privar-se-ia de conhecer todas as obras da natureza com as quais

a vista faz permanecer a alma contente na prisão do corpo, graças aos olhos que lhe

apresentam a infinita variedade da Criação: que os perde abandona esta alma numa

obscura prisão, onde cessa toda a esperança de rever o sol, luz do universo.» (Merleau-

Ponty, 2015, p. 65)

A arquitetura do Panteão em Roma (Figura 20), por exemplo, apresenta-se

como uma comparação entre interior do templo e um globo ocular que olha o

céu, deixando penetrar a luz que ilumina o seu interior pelo seu óculo, a abertura

em círculo perfeito no centro da cúpula. Esta obra arquitetónica foi criada de

Figura20

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forma a que a luz domine o espaço interior onde, consoante a hora do dia, um

freixo de luz aponta um local da sala circular.

No seu interior existiam esculturas de deuses e de imperadores

santificados que eram iluminados por este foco apenas em determinadas alturas

do dia, destacando-se de tudo o resto, tal como um holofote no teatro para

destacar uma personagem.

Na Dark Box referida anteriormente, é criado um contraste em que apenas

o objeto é iluminado, o que permite que um vazio essencial surja, captando a

atenção do observador. Um fenómeno semelhante pode ser observado na

pintura de Caravaggio onde os seus retratos são destacados por fundos

tenebrosos, sendo que Velásquez herda deste mestre “o tratamento da luz por

sombras cortantes, mas acrescentou-lhe o senso do espaço, a magia da

atmosfera e a firmeza da própria carne.” (Yacubian, 1984, p. 5) Deste modo,

consegue-se um contraste luminoso em que o objeto é o principal ponto de

destaque no seu ambiente, onde o vazio é essencial para atrair toda a atenção

do observador para o objeto exposto.

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Conclusão

A presente dissertação foi desenvolvida com intuito de investigar e abordar

a importância do vazio na valorização de um diálogo expositivo. Para isto foi

realizada uma análise cuidada de alguns conceitos que suportam este estudo,

consolidando não só a ideia do vazio, mas também a perceção humana e a

evolução da museologia. Neste contexto, é significativo salientar que a

Museologia enquanto disciplina tem como propósito recolher, investigar, divulgar

e gerir um acervo, considerando que um diálogo expositivo deve respeitar estas

funções de modo a ser bem conseguido e a assegurar o valor das peças a

vigorar na mostra. É ainda necessário, desenvolver estudos para a compreensão

da perceção humana vista pelas diferentes culturas, de modo a respeitar a

origem de cada objeto e ajudar na sua interpretação. Para que esta ampla

compreensão seja conseguida é apresentada a ideia do vazio de forma a criar

um discurso coerente.

A partir do levantamento de dados socioculturais foi possível aferir que o

vazio está implícito em culturas milenares que foram influenciando o ser humano

até à atualidade, sendo este conceito essencial para a multiculturalidade do

contexto museológico, cujo objetivo é captar a atenção e compreensão dos

visitantes.

Assim, este trabalho foi organizado em duas partes, sendo que na primeira

foram analisados a Desmaterialização, a Pureza, o Silêncio, a Ausência, o

Aberto, a Leveza e o Branco. Na segunda parte, os mesmos conceitos foram

analisados em relação ao contexto museológico. Ao longo desta investigação é

apresentada a evolução da história da Museologia e a forma como estes

conceitos foram determinantes para o seu desenvolvimento, apresentando a

progressão dos valores estéticos das obras e a forma como estas são

apresentadas. São ainda referidos alguns benefícios que contribuíram para a

evolução desta disciplina como a apropriação de investigações científicas e o

apoio das novas tecnologias, considerando a evolução da arquitetura, o domínio

da luz, a insonorização de espaços e o domínio do som.

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Durante esta investigação, a procura de uma ligação entre o observador e

o objeto conduz-nos ao conceito de Aura, de Walter Benjamin, e o milenar MA,

que influenciou o Ocidente na Bauhaus, onde foram desenvolvidos importantes

estudos e teorias na área da perceção visual. Neste sentido, esta investigação

analisou ainda os conceitos de Zeitgeist e Kunstwollen, bem como o

desenvolvimento da iconografia, evidenciando a importância do vazio e a sua

relevância para o desenvolvimento da Museologia. Os estudos de Kandinsky

foram igualmente significativos para esta tese, associando-se ao pensamento

sobre a transcendência de Heidegger e Sartre, considerando ainda o papel

essencial de Rudolf Arnheim para o desenvolvimento da compreensão da

perceção humana. Ao abordar o comportamento dos paradigmas do vazio na

museologia foi também referida a musicalidade do discurso expositivo que

permite sentir o ritmo e harmonia pelas variações do espaço. Isto leva-nos à

proposição de John Cage de que haverá sempre som enquanto existir vida,

considerando que o silêncio apenas se encontra após a morte.

Na Parte II foi feita a vinculação dos paradigmas do vazio na Museologia

onde, pela mesma ordem, cada paradigma se associa diretamente à sua

vinculação. Aqui, foi explicada a forma como cada paradigma se comporta e é

influente na Museologia, a partir dos exemplos que foram apresentados. Estas

vinculações acompanhadas de exemplos vêm salientar a relevância dos

paradigmas referidos na importância do vazio no diálogo expositivo e forma

como estes podem contribuir para a compreensão total do observador.

Após uma investigação cuidada destes conceitos é possível propor que

compete à museografia deixar respirar o acervo da exposição com a correta

disposição de objetos no espaço, deixando que o vazio faça fluir a sua

musicalidade. Partindo do pressuposto que o som nunca é nulo, é proposta a

conceção de uma Dark Box que, associada à utilização de white noise, irá

absorver o ruído sonoro e visual do espaço expositivo prendendo a atenção do

visitante para os objetos expostos, conseguindo assim uma valorização

exponencial da exposição.

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Este trabalho poderá ser o ponto de partida para futuras investigações

relacionadas não só com a Museologia e Museografia, mas também com a

Filosofia e as Artes visto que estas se relacionam ou têm uma forte ligação com

os 7 paradigmas mencionados na dissertação. A partir deste estudo é possível

desenvolver novas técnicas expositivas, através da exploração do silêncio no

diálogo expositivo, do estudo da cor e forma associados aos diferentes campos

temáticos da Museologia, e até mesmo dar continuidade a novos avanços

tecnológicos no campo expositivo, como disciplinas de luz e arquitetura. Com

base nesta investigação podem ser realizadas exposições que colocam em

prática a teoria aqui analisada através da convergência dos 7 paradigmas. Cada

paradigma enaltece o caráter do espaço e do seu acervo beneficiando a

perceção e transcendência do ser. O desenvolvimento destes estudos da

perceção e transcendência humana na área da museologia é essencial para

ajudar a resolução de alguns problemas de comunicação que possam surgir num

diálogo expositivo, podendo esta investigação ser tomada como base para esse

efeito. Desta forma, a presente dissertação pretende contribuir para a evolução

das disciplinas de Museologia e Museografia, destacando a importância do vazio

para as mesmas.

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Iconografia

Figura 5

Arnheim, R. (2005). Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora.

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Figura 6

Arnheim, R. (2005). Arte e percepção visual: uma psicologia da visão

criadora. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.

Figura 7

Arnheim, R. (2005). Arte e percepção visual: uma psicologia da visão

criadora. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.

Figura 8

Arnheim, R. (2005). Arte e percepção visual: uma psicologia da visão

criadora. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.

Figura 9

http://benesse-artsite.jp/en/art/chichu.html/recuperado a 15 de Outubro de

2016

Figura 10

http://benesse-artsite.jp/en/art/chichu.html/ recuperado a 15 de Outubro de

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Figura 11

Leon, A. (2000). El Museo, Teoría, praxis y utopia. Madrid: Ediciones

Cátedra (Grupo Anaya, S. A.).

Figura 12

Leon, A. (2000). El Museo, Teoría, praxis y utopia. Madrid: Ediciones

Cátedra (Grupo Anaya, S. A.).

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Figura 13

https://www.lisbonlux.com/lisbon-museums/museu-do-teatro-romano.html/

recuperado a 15 de Outubro de 2016

Figura 14

https://nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/742-ecos-

de-outra-escrita-na-cidade/ recuperado a 15 de Outubro de 2016

Figura 15

https://mindmarrow.files.wordpress.com/2013/07/void_yklein.jpg/

recuperado a 15 de Outubro de 2016

Figura 16

http://www.tate.org.uk/art/artworks/salcedo-shibboleth-ii-p20335/

recuperado a 15 de Outubro de 2016

Figura 17

http://www.tate.org.uk/context-comment/articles/the-weather-project/

recuperado a 15 de Outubro de 2016

Figura 18

https://www.pinterest.pt/pin/482307441326026425/visual-

search/?x=7&y=7&w=219&h=278/ recuperado a 15 de Outubro de 2016

Figura 19

http://www.tate.org.uk/art/artworks/moore-helmet-head-no-1-t00388/

recuperado a 15 de Outubro de 2016

Figura 20

http://www.radionz.co.nz/news/national/274449/astronomers-show-

ancient-rome%27s-sun/ recuperado a 15 de Outubro de 2016