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FACULDADE DE SÃO BENTO
CURSO DE FILOSOFIA - LICENCIATURA
A IMPORTÂNCIA DA VERDADEIRA AMIZADE EM ARISTÓTELES NA ÉTICA À NICÔMACO – LIVROS VIII E IX
MARIA DAS GRAÇAS DO NASCIMENTO
São Paulo
2017
FACULDADE DE SÃO BENTO
CURSO DE FILOSOFIA – LICENCIATURA
A IMPORTÂNCIA DA VERDADEIRA AMIZADE EM ARISTÓTELES NA ÉTICA À NICÔMACO – LIVROS VIII E IX
MARIA DAS GRAÇAS DO NASCIMENTO
Monografia apresentada ao Curso de Filosofia –
Licenciatura, como exigência para a obtenção do
título de Licenciada em Filosofia pela Faculdade de
São Bento.
Orientador:
Professor Doutor Jose Carlos Bruni
São Paulo
2017
FICHA CATALOGRÁFICA1
Nascimento, Maria das Graças do. 1957-
A Importância da verdadeira amizade em Aristóteles na Ética a Nicômaco – Livro VIII
e IX / Maria das Graças do Nascimento. - 2017.- 37 f.
Orientador: Professor Doutor Jose Carlos Bruni.
Trabalho de conclusão de curso Filosofia – Faculdade de São Bento, Curso
Licenciatura em Filosofia. 2017.
1. Amizade. 2. Amor. 3. Aristóteles. 4. Benevolência. 5. Afeição. I. Nascimento, Maria
das Graças do. II. Faculdade de São Bento. Curso de Licenciatura em Filosofia. III.
Título.
Fonte: Maria Helena de Gouveia e Maria Margareta Sell da Mata
1 Código de Catalogação Anglo-Americano (CCAA2).
FACULDADE DE SÃO BENTO
MARIA DAS GRAÇAS DO NASCIMENTO
A IMPORTÂNCIA DA AMIZADE VERDADEIRA EM ARISTÓTELES NA ÉTICA A NICÔMACO – LIVROS VIII E IX
Monografia apresentada à Faculdade de São Bento, como
parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciada em Filosofia.
Aprovada com média______________________.
São Paulo, 29 de novembro de 2017.
Banca Examinadora:
___________________________________________________________
Prof. Orientador: ...........................................................................................
___________________________________________________________
Prof. Orientador: ...........................................................................................
___________________________________________________________
Prof. Orientador: ...........................................................................................
Histórias de amor não tem final feliz,
elas nunca terminam
Sumario
Agradecimentos................................................................................................................7
Resumo...........................................................................................................................10
Introdução.......................................................................................................................11
1. Amizade......................................................................................................................13
1.1 – Conceito.................................................................................................................16
1.2 – Amizade e amor – distinção...................................................................................17
1.3 – Amizade e benevolência – distinção .....................................................................19
2. Amizade na Ética a Nicômaco.....................................................................................20
2.1 – Amizade e suas espécies.......................................................................................21
2.2 – A verdadeira amizade.............................................................................................25
3. A amizade na sociedade aristotélica e na sociedade contemporânea........................28
4. A importância da verdadeira amizade..........................................................................30
5. Conclusão....................................................................................................................33
6. Bibliografia...................................................................................................................36
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Agradecimentos
Eu tive um professor!
Durante uma palestra proferida aqui na Faculdade de São Bento pelo professor
Nuncio Ordine, que versava sobre educação nos seus pensares, tive a oportunidade
de me dirigir ao ilustre mestre. Me foi dada a palavra, então perguntei ao douto
professor qual o seu pensar sobre o moderno modelo de ensino à distância. O mestre
teceu seus brilhantes comentários e emitiu o seu parecer. Em ato conclusivo, olhou
diretamente para os meus olhos e pôs-se a dizer que em que pese o despautério do
moderno modelo de ensino à distância, nada é possível comparar-se a presença
acolhedora do professor em sala de aula. Esse contato, essa proximidade entre o
docente e o discente é o que faz a diferença no ensino e no aprendizado. E que para
uma boa qualidade de ensino é imprescindível a presença de um bom professor. E
expressou seus sentimentos de cunho pessoal dizendo que tivera Professor, e que
graças a esse mestre fora que ele se tornara no que é hoje em dia.
Ouvi-o atentamente. E como num filme me veio à mente as memorias de como
fora a minha iniciação na vida escolar.... Sim! Lá estava ele. O meu grande mestre!
Como envolto em uma penumbra, lá estava a figura do Excelentíssimo Senhor
Professor Odilon Matias de Araújo, a quem, aqui rendo as minhas mais honrosas
homenagens e gratidão pela oportunidade de ter sido sua discípula. No meu período
de ensino básico fora o meu professor Odilon que não se furtou de responder todas
as minhas perguntas sobre tudo, sobre o mundo, sobre a vida, sobre o céu, a terra,
agua, o ar, sobre a natureza das coisas. E pelo idos dos meus 9 ou 10 anos, eu queria
saber sobre a origem de todas as coisas. Ele, pacientemente me explicava. E quando
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já não dispunha mais de tempo, afinal, o dia se passava muito depressa, ele me
emprestava livros para ler. Fez mais! Percebendo o meu interesse em conhecer, me
incumbiu de catalogar os seus livros. Foi ali então, abraçada aqueles livros e cercada
pela generosidade daquele professor que comecei a ver o mundo no seu universal.
E é neste contexto que, além de agradecer aos meus colegas de turma, aos
doutos Mestres professores da casa, aos meus amigos e familiares, em especial
quero aqui prestar honras e homenagem ao meu ilustre e inesquecível mestre, o
Senhor Professor Odilon Matias de Araújo. A ele, in memoriam, todos os meus
agradecimentos. Foi você sim, querido professor, o meu ponto de partida. Foi você
quem me mostrou o lume do bem conhecer. Assim, antes de outros agradecimentos,
- tão importante o quanto - me dou o direito de, publicamente, compactuar da
afirmativa do Professor Nuncio Ordine, pois foi graças ao meu primeiro mestre que,
academicamente, cheguei onde estou, a receber mais este título de Licenciada em
Filosofia.
Sim, senhores! Eu tive um professor!
Do mesmo modo e com a mesma ênfase, explicito os meus agradecimentos
especiais a minha irmã Anita, que diária e pacientemente me conduzia, como um
pedagogo, ao encontro da sabedoria. Também de modo particular, agradeço
imensamente a Ana Paula Arosio Plombon Pinheiro, que basicamente fez este curso
junto comigo; a Dra. Isabel Maria Freitas Valente, professora no CES20- Universidade
de Coimbra-PT, que em visita turística me conduziu ao Mosteiro de São Bento; aos
demais amigos, minha gratidão e meu pedido de desculpas pela a minha ausência
neste período; de modo singular agradeço aos meus filhos, Laisa Mariana e Felipe
Augusto a quem carinhosamente chamo de meus heróis e fiéis escudeiros;
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humildemente agradeço aos colegas de curso e aos excelentíssimos senhores
doutores professores da casa, que no uso das atribuições da sabedoria divina lhes
outorgada pela Providencia, nos conduziram ao pódio deste grau de conhecimento.
Por fim, um agradecimento especial à Sidnei Ferrari dos Santos, um amigo
mais que especial em minha vida, a quem posso classificar como verdadeira
expressão do que se pode chamar de amizade. E parafraseando D. Pedro I de
Portugal, posso dize-la:
“Amizade ao fim do mundo”
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Resumo
Nesse trabalho, nosso objetivo é dissertar sobre uma das espécies da amizade,
segundo Aristóteles, na obra Ética à Nicômaco. Faremos considerações sobre as três
espécies de amizade teorizadas pelo autor, todavia, optamos por discorrer,
destacadamente, sobre a terceira espécie de amizade, nominada por Aristóteles de
amizade suprema. Considerando a amizade suprema como a verdadeira amizade,
como escreve o filosofo, nos debruçamos sobre sua teoria sobre a amizade, em
especial a abordagem que faz em Ética a Nicômaco, perpassando por outros autores
que também trazem seus entendimentos sobre o tema ora abordado, e ao final em
conclusão, restar corroborada a importância da verdadeira amizade na existência do
homem.
Palavras-chaves – Amizade – Amor – Aristóteles – Benevolência - Afeição
Abstract
In this work, our objective is to discuss one of the species of friendship, according to Aristotle, in the work Ethics to Nicomachus. We will make considerations about the three species of friendship theorized by the author, however, we chose to discuss, especially, the third kind of friendship, nominated by Aristotle of supreme friendship. Considering the supreme friendship as true friendship, as the philosopher writes, we focus on his theory about friendship, especially the approach he makes in Nicomachean Ethics, passing through other authors who also bring their understandings on the subject addressed here, and At the end, in conclusion, corroborated the importance of true friendship in the existence of man. Keywords - Friendship - Love - Aristotle - Benevolence - Affection
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Introdução
Que dos nossos plantios resultem
boas colheitas
Muito já se escreveu e se escreve sobre o tema amizade. Neste passo, para
discorrer sobre amizade, entendemos ser necessário descrever esse sentimento já
tão bem apresentado por Aristóteles na sua obra Ética a Nicômaco, precisamente nos
livros VIII e IX. Também, relacionar esse sentimento ao que foi escrito por outros
autores, mormente Michel Montaigne na sua obra Ensaios, Livro XVIII, onde descreve
minunciosamente o sentido da amizade.
Na sociedade Aristotélica, (Ética à Nicômaco, livros VIII e IX), a amizade existia
em níveis diferenciados. Subdividida em espécies a amizade entre pessoas
demonstrava o seu grau de importância dentro das sociedades e como atingia a vida
das pessoas. Na sociedade moderna, a amizade permanece existindo, também em
suas espécies e seus graus de importância e sua forma de atingir a vida das pessoas.
A proposta deste trabalho é destacar a verdadeira amizade das demais espécies e
sua importância na a qualidade da vida para todas as pessoas em seus meios sociais.
Como base de pesquisa, recorremos a bibliografias e obras literárias,
objetivando concluir pugnando pelo valor e importância de uma amizade verdadeira,
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como sendo aquela que sobe na alma e vive no olimpo dos sentimentos da espécie,
dentro de uma nobreza imanente a alma humana, no seu lado melhor.
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1. Amizade
A discorrer sobre a amizade, (φιλία) encontramos diversos entendimentos para
o vocábulo. Entre tantos, anotamos que em sua maior parte o entendimento é que se
trata de um sentimento de grande afeição, simpatia, apreço entre pessoas ou
entidades. Etimologicamente, é apresentado como originário do Latim amicitĭa1
Das interpretações que obtivemos a partir das leituras dos escritos sobre
amizade, depreendemos ser esta um sentimento de afeto que nutrimos pelo outro,
trazendo consigo laços de confiança ou a segurança interior que faz com que nos
entreguemos a este, sem reservas e sem que essa dedicação resulte em abdicação,
mas em desenvolvimento.
No decorrer das pesquisas, podemos observar que as relações de amizade
nascem a partir de uma disponibilidade pessoal para doar-se ao outro, onde o objetivo
é tão somente proporcionar o bem-estar das partes. Restando por exposto, o
entendimento que a amizade vem como um sentimento primeiro, ladeada pela a
admiração e a vontade do bem-fazer.
Aristóteles, na sua obra Ética a Nicômaco, Livro VIII, discorre sobre amizade e
a divide em três espécies, sobre as quais teceremos comentários no decorrer do
nosso trabalho. O autor classifica como utilitária aquela que existe nas relações onde
se mantem o vínculo de amizade com o outro buscando usufruir de resultados uteis
que podem daí advir, e diz ser comum naqueles que são mais jovens; a outra espécie
de amizade trata daquela que resulta em algum lucro para a parte mais interessada,
1 ETIM lat. vulg. amicĭtas,ātis, por,ae 'id.' Aprendendo Latin (2012) pág. 619
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e outra espécie como aquela que surge entre as partes, trazendo em si um sentimento
puro que em seu fim último, um se coloca no lugar do outro formando um laço único
de união, fidelidade e lealdade, sendo esta a dita amizade suprema, que entendemos
ser a verdadeira amizade. Por assim termos dito, muito enfatizamos a importância da
verdadeira amizade, a amizade suprema. E assim depreendemos que a amizade
desta espécie pode ser o sustentáculo da vida em sociedade quando se põe como
coluna de apoio entre as partes, se fazendo essencial para a convivência harmoniosa
numa comunidade de pessoas.
Nesse sentido, convém ressaltar a importância das amizades em suas
espécies, todavia, é a amizade suprema, no dizer de Aristóteles, que faz com que
esse sentimento seja oferecido voluntariamente ao outro como se o outro fosse nós
mesmos.
Ora bem, é desta espécie de amizade que trata esse nosso trabalho. É esta
espécie de amizade que transmite paz, amor e segurança emocional uma vez que o
que queremos para nós, queremos também para o outro, por fim, podemos encerrar
nosso discurso afirmando que é esta a amizade verdadeira, a amizade suprema, e
por que não dizer, é o efetivo cumprimento do mandamento da lei deus, onde se lê no
dispositivo divino: amai-vos uns aos outros como eu assim vos amei. De tal modo que,
partindo desse pressuposto, no nosso entender, o que aqui chamamos de amizade
suprema, representa ou muito se assemelha as palavras trazidas pelas sagradas
escrituras, pois sentir ou ter uma amizade suprema pelo outro, outra coisa não é senão
amar o outro tal e qual recomenda o sagrado mandamento. É dizer, amar muito além
de olhar a quem uma vez que o objetivo reside no bem do outro que por sua vez reside
em nós.
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Objetivando transcrever o sentimento da amizade a que nos referimos se faz
necessário relatos analógicos que entendemos melhor esclarecer e demonstrar o seu
significado. As narrativas de Aristóteles ora se nos apresentam incontestes, todavia
cabe dizer que as espécies que o autor apresenta, a primeira visa interesses e
prazeres pessoais comuns ou corriqueiros, pois uma vez perdido tal interesse ou
prazer, lá se vai também a correspondente amizade; a segunda espécie dá-se do
mesmo modo ao visar fins lucrativos, advindo o lucro, segue-se a amizade; cessando
o lucro, cessará também a amizade. É a terceira espécie, diz o autor, em que de fato,
reside a amizade verdadeira, aquela que nasce somente pelo amor ao próximo. É o
querer bem, é o bem-fazer. Independe de interesses materiais, vive por esse amor ao
próximo e por seu valor moral.
Esta espécie de amizade, a amizade suprema, de certo pode ser dita um
condutor da paz interior e por que não dizer, da alegria, da felicidade, do triunfo moral.
Afinal, é esta amizade que equilibra, que apoia e sedimenta uma sociedade amiga. É
confortante, prazeroso e alentador nos abandonarmos nos braços de um amigo e
sentir o encaixe perfeito do côncavo e o convexo. Esse acolhimento que somente
encontramos em braços amigos é o que nos leva a concordar ser possível afirmar que
ao lado de amigos nos sentimos melhores e mais fortes. E somente uma amizade
verdadeira é capaz de fazer com que assim seja.
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1.1 – Conceito
Do alemão Freundschaft, do inglês Friendship, do francês Amitié, do italiano
Amicizia, conforme escreve André Lalande, amizade se põe como uma inclinação
eletiva reciproca entre duas pessoas morais, opondo-se ao amor B2 devido à
ausência de característica sexual; e opondo-se ao amor C3, devido a característica
de reciprocidade4. Ao par desse conceito, G. Belauvon põe em dúvida que a amizade
seja mais necessariamente reciproca do que o amor. Rousseau, em Emilio, IV,
corrobora essa assertiva dizendo que “o apego pode dispensar a reciprocidade, a
amizade, nunca”. Aristóteles, que reconhece três espécies de amizade, subdivide-as
em aquela que tem por objeto o prazer; a que tem por objeto o lucro e a que tem por
objeto o bem moral. E diz ser esta, a terceira espécie de amizade que pode ser a
amizade perfeita. “”5
Em seu dicionário de filosofia Nicola Abagnano conceitua amizade como a
comunhão entre duas ou mais pessoas ligadas por atitudes concordantes e por afetos
positivos. No entanto, frisa que os antigos tiveram da amizade, um conceito muito mais
2 Amor B, segundo André Lalande, diz-se da inclinação sexual sob todas a suas formas e em todos os seus graus.
Quando a palavra se utiliza sozinha é em geral nesta acepção. LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico de filosofia.
Tradução de Fatima Sá Correia...São Paulo. Martins Fontes. 1993. Pagina 53 3 Amor C, diz André Lalande, ser uma tendência essencialmente oposta ao egoísmo: primeiro, seja porque ele
tenha por objeto o bem de uma outra pessoa moral: amor aos desgraçados, amor ao próximo; segundo, seja porque
tenha por objeto uma ideia em face da qual se faz mais ou menos completa abnegação do interesse próprio e até
da própria individualidade: amor à ciência, à arte, à justiça. LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. Tradução
de Fatima Sá Correia...São Paulo. Martins Fontes. 1993. Pagina 54 4 LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. Tradução de Fatima Sá Correia...São Paulo. Martins Fontes. 1993. Pag. 52.
5 LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. Tradução de Fatima Sá Correia...São Paulo. Martins Fontes. 1993. Pag. 52.
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amplo do que o admitido e usado nos dias de hoje, apontando a inferência analítica
de Aristóteles, que segundo este, a amizade é uma virtude ou está estreitamente unida
à virtude.6
Numa linguagem mais moderna, o Dicionário Houaiss da língua portuguesa,
Antonio Houaiss desenha alguns conceitos de amizade de forma contextualizada. A
priori, define a amizade como um sentimento de grande afeição, simpatia, apreço
entre pessoas ou entidades; é amizade ser amigo, companheiro, camarada em um
relacionamento social; é ainda, a concordância de sentimentos ou posição a respeito
de algum fato; acordo, pacto, aliança – tratado de amizade. Cita como sinonímia de
condescendência e familiaridade, e como antonímia de desinteligência, desprezo e
repulsão.7
1.2 – Amizade e amor – Distinção
Distinguindo amizade de amor, encontramos no texto de Aristóteles a distinção
que o autor demonstra entre os sentimentos de amizade, de amor e de benevolência.
Neste sentido, Aristóteles distingue o sentimento de amizade do sentimento de amor
(porque no amor pode ser vista certa semelhança com a afeição porquanto
há nessa espécie de sentimento um aspecto que denota interesse pontual sobre
6 ABAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Rossi. 5ª edição. São Paulo. Martins Fontes. 2007Pags 37 e segs. 7 HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª edição. Rio de janeiro, objetiva. 2009.. Pag. 59
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aquilo a que nos afeiçoamos; enquanto na amizade pode ser vista certa semelhança
a um hábito porquanto há nessa espécie de sentimento um aspecto que denota
harmonia relativa àquele pelo qual nutrimos o sentimento de amizade. Também,
relativo ao sentimento de amor, cabe dizer que o amor também pode ocorrer
relativamente a coisas inanimadas e animais irracionais, o que também se assemelha
à afeição, ao passo que corresponder ao amor que é próprio da amizade, implica
numa escolha proveniente de um habito. Ainda, sobre o amor, segundo descreve o
autor, este vem sempre imbuído de excitação e desejo, sentimentos estes que são
estranhos ao sentimento próprio da amizade, pois são provocados, num primeiro
entendimento, pelo prazer proveniente da captação visual da beleza exterior. E assim,
Aristóteles expressa tal distinção:
“Eis, portanto, menino, o que é necessário por em mente, assim como
saber que amizade de amante não se origina com boa intenção, mas a modo
de alimento em vista da repleção”89
Nesse sentido, o autor deixa patente essa distinção ao inserir o elemento
“intenção” relativa ao sentimento de amor no amante que é impelido pelo desejo, onde
se vê com clareza, que esse desejo não existe no sentimento de amizade.
8 Repleção: no sentido de encher-se, inundar-se, abundancia. Dicionário Português-Latin; Porto Editora. 2006 –
Pag. 820 e 1046 9 PLATÃO. Fedro/Platão; edição bilingue, tradução e apresentação de Jose Cavalcante de Souza; São Paulo:
Editora 34, 2016 (1ª Edição) pg. 65
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1.3 – Amizade e benevolência – Distinção
Observamos também a distinção que faz Aristóteles, da amizade da
benevolência, onde, interpretando o seu dizer, entendemos que agir com
benevolência necessariamente não requer amizade, pois podemos ser benevolentes,
isto é, agir com benevolência com qualquer pessoa sem que a conheçamos, portanto,
assim agiremos apenas instigado pelo desejo de praticar o bem, no espirito da
caridade, ou seja, praticar o bem sem olhar à quem , mas tão somente pelo bem em
si mesmo, e ainda, do que compreendemos, é que a benevolência pode apresentar
característica própria que não cabe à amizade, que é a condição de se agir com
benevolência de forma oculta, isto acaba por tornar-se a razão precípua para que se
possa apontar que tal distinção dá-se, fundamentalmente, pelo motivo de que o
agente benevolente admite a condição de não ser revelado perante seu alvo que por
sua vez, seu alvo, também poderá ser oculto ou permanecer no anonimato, o que não
se assemelha a amizade já que a amizade traz explicitado, em seu bojo, sua
condição que também é revelada e explicitada para com seu alvo. Para ilustrar tal
distinção, Aristóteles escreve:
A benevolência parece-se com uma disposição amigável, mas não
será certamente uma amizade. Pois, pode haver benevolência
relativamente a desconhecidos e ela pode passar-nos desapercebida
mesmo sendo nós mesmos o seu objeto (IX, 5, 1166b30)10
10 ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Livro IX,5, 1166b30. Tradução de Antonio de Castro Caiero. 4ª edição. Lisboa. Quetzal
Editores. 2015. Pag. 234
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Segundo o autor, a benevolência pode ocorrer relativamente a desconhecidos
e nos pode passar desapercebida ainda que sejamos nós mesmo o objeto, o que não
ocorre quando se trata de amizade
2. Amizade na Ética a Nicômaco, livros VIII e IX
Na sociedade Aristotélica, (Ética à Nicômaco, livros VIII e IX), a amizade existia
em níveis diferenciados. Sendo subdividida em espécies, a amizade entre pessoas
demonstrava o seu grau de importância dentro das sociedades e como atingia a vida
das pessoas. Nesse contexto Aristóteles dava a entender que em verdade parecia
ser um sentimento de amizade que mantinha unidas as comunidades dentro dos
Estados, e esta talvez fosse a razão pela qual os membros governantes muito mais
se preocupavam em manter tais laços de amizade do que com a própria justiça,
partindo-se do pressuposto de que entre os justos a amizade é necessária enquanto
entre amigos não se faz necessária a justiça. Para Aristóteles, uma amizade baseada
na excelência tem bom fundamento e é duradora, porque combina em si todas as
qualidades que os amigos devem ter.
Avaliava-se, portanto, dar primazia ao alcance da concórdia ou uma calmaria
unanime, que era tida como semelhante à amizade ao mesmo tempo procurava-se
não permitir a presença da discórdia tida como motivo gerador de ódios. Mantendo o
brocardo de que semelhante atrai semelhante, logo os amigos juntar-se-iam à amigos
e os discordes, aos discordes, e assim sendo, lhes parecia prudente preocupar-se
mais com a amizade o que renderia ao Estado a paz e o progresso.
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Nesse sentido, cabe dizer que a amizade serve como esteio para a manutenção
estrutural das relações pessoais e sociais. Isto é dizer que dos vínculos de amizade,
seguindo o raciocínio aristotélico de que semelhante atrai semelhante, é possível, ao
final, existir amizade perfeita entre os homens, e, por conseguinte entre as
sociedades, entre os Estados. Nesse viés, diz Aristóteles:
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“A amizade perfeita existe entre os homens de bem e os que são
semelhantes a respeito da excelência” (VII, III, 1156b8)11.
Neste passo, entende-se que a amizade perfeita vive entre os amigos de
verdade porquanto existe um sentimento autentico na forma mais excelente do termo.
2.1 – Amizade e suas espécies
No decorrer das pesquisas interpessoais e bibliográficas, entendemos que
nossas relações de amizade derivam dos sentimentos que sentimos
interiormente por nós mesmo, e como amigo conseguimos entender ser aquela
pessoa que deseja e faz o bem ao seu amigo, ou aqueles que possuem os
mesmos gostos ou que se alegra ou entristece com alegria ou com a tristeza do
amigo. Nesse sentido se faz observar que excelência moral é característica do
homem bom, que busca e faz o bem, ele deseja o que é bom, e age de acordo
11 ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Livro VIII. Tradução de Antonio de Castro Caiero. 4ª edição. Lisboa. Quetzal Editores.
2015. Pag. 201 – VIII, 3. 1156b8
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com seu desejo, pois este homem busca fazer o bem, e ele deseja isso para si
mesmo sem deixar de ser o que é, de maneira que um homem possuidor dessas
características, seus sentimentos para consigo e para com seus amigos são os
mesmos.
Seguindo essa esteira de raciocínio, resta cristalina a compreensão do
dizer aristotélico que a amizade somente é possível entre os homens bons.
Ainda, segundo o pensamento do filosofo, ao homem mau isto não seria possível
pois o homem dito mau, busca a amizade como um momento de esquecimento
de seus próprios atos, pois ao contrário do homem bom, o homem mau busca
aquilo que é nocivo a si, mesmo sabendo o que de fato é bom, logo estes homens
sempre estão em discórdia com seus próprios atos, são, por vezes, dominados
pelo remorso, o parece ser impedimento de se tornarem pessoas amigas de
outras pessoas.
Pelo que depreendemos em Aristóteles, uma das espécies de amizade,
distintamente, tem um princípio da proporcionalidade, ou seja, uma
reciprocidade entre o que é ofertado e o que é recebido entre duas pessoas. Tal
como no comercio, onde o que é ofertado tem como medida o dinheiro a ser
pago. Todavia, se as pessoas se queixam de que não recebem aquilo que foi
ofertado pela pessoa amada, está posto que isto ocorre quando a amizade é
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constituída pelo interesse especifico em uma característica do outro, e que por
sua vez é efêmera.
Já amizade é voluntaria quando ofertamos algo a alguém e não nos
queixamos de não recebermos algo de volta por não haver nenhum interesse em
qualquer espécie de troca.
De forma que ao discorrer sobre a amizade, o autor as classifica e as descreve
em suas características peculiares.
“Há três formas essenciais de amizade e igual número de formas que
caracterizam os objetos susceptíveis de amor” (VIII, 3, 1156a, 6)12
É o que escreve Aristóteles.
Para caracterizar as formas de amizades, o autor descreve a primeira espécie
como uma amizade cujo fundamento baseia-se no utilitarismo. Isto é, aqueles que se
definem amigos com base nesta espécie de amizade, em verdade não são amigos de
si próprios, mas são amigos daquilo que pode resultar para ambos. Assim se dizem
amigos porquanto o objeto de união nada mais é o que de útil este vinculo pode lhes
trazer. Acentua o autor, que essa espécie de é mais comum entre os mais jovens por
terem mais interesse em obter lucros. Cita ainda que essa espécie de amizade se
assemelha ao prazer, que é comum nascer entre os de mais idade, pois, uma vez que
já não lhes satisfaz apenas o prazer, de mais valia será o que lhes for útil. Também é
12 ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Livro VIII. Tradução de Antonio de Castro Caiero. 4ª edição. Lisboa. Quetzal Editores.
2015. Pag. 200
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a espécie de amizade de mais facilmente se rompem por ser o utilitarismo, de pouca
duração.
A segunda espécie de amizade, segundo o autor, aparentemente, tem como
fundamento básico o prazer. Nesse aspecto fica patente a vulnerabilidade desta
amizade, já que os fatores que remetem ao prazer são grandemente diversificados e
do mesmo modo que causam o prazer, imediatamente podem deixar de causa-lo,
passando a provocar certa dor ou ira. Ao que se pode constatar, segundo os critérios
aristotélicos é que esta espécie de amizade também é própria dos mais jovens em
razão das paixões que os envolvem, ainda que predomine entre eles o desejo do lucro,
pois apaixonam-se e desapaixonam-se com a mesma intensidade. Todavia isto não
lhes impedem de vivenciar suas amizades. Apenas vão mudando de amigos ao longo
de seus caminhos, já que com o passar da idade os elementos que lhes causam
prazer também vão se modificando e lhes advém novos juízos de valor.
A terceira espécie de amizade, Aristóteles atribui-lhe características bem
peculiares. Esta espécie de amizade a base fundamental é o querer bem ao outro. É
querer para o outro o que se quer a si próprio. É o que chama de amizade suprema,
por ser baseada naquilo que de melhor que se tem ou o que se é. Isto é dizer ser a
excelência de cada um. É um sentimento que parte do eu interior e que exprime sua
própria essência. Afirma o autor que esta espécie de amizade, dita suprema, baseada
na excelência tem bom fundamento, razão pela qual é duradora porque ela combina
em si todas as qualidades que os amigos devem ter.
Nesse contexto Aristóteles define que a amizade suprema se encontra mais
entre os homens de bem e os que são semelhantes na excelência, uma vez que sendo
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homens de bem são amigos dos outros pelo que os outros são na sua essência. São
amigos de forma suprema. Cada um deles é um bem absoluto para o seu amigo. E
arremata seu entendimento afirmando que amigos navegam juntos, combatem no
mesmo exército e o ponto a que chega a comunidade é o ponto até onde vai a
amizade, uma vez que “bens de amigos é bem comum”.13
2.2 – A verdadeira amizade
Em Espinosa encontramos ponderações sobre afeto direcionado à virtude na
forma de um querer. Tal que aquele que busca essa virtude, também desejará para
os outros homens um bem que apetece a si próprio. Demonstra o autor, que o homem
amará com mais constância o bem que ama e apetece para si próprio se vê que outros
também o amam e se esforçará para que todos dele desfrutem. (SPINOZA, 2009)14,
“Só os homens livres são muitos gratos uns para com os outros e se
unem entre si pelo mais estreito laço de amizade e se esforçam com a
mesma intensidade de amor por fazerem bem uns aos outros (Prop. 71) e
sendo livre, jamais age com dolo, mas sempre com boa fé (Prop.72)15”
.
Levando – pensando de maneira inversa –a supor que esse esforço, na mesma
intensidade de amor por fazerem bem uns aos outros, lhe dá à ideia de liberdade, o
13 ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Livro VIII. Tradução de Antonio de Castro Caiero. 4ª edição. Lisboa. Quetzal Editores.
2015. Pag. 211. VIII, 9. 1159b28/32
14 (SPINOZA, B. Ética, tradução de Tomaz Tadeu, Belo Horizonte, Autentica Editora, 2009, prop 37, p. 179 15 SPINOZA, B. Ética/Spinoza; tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autentica Editora. 2009. Pág. 202
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que permite unirem-se mais entre si pelo mais estreito laço de amizade, como
interpreta Marilena Chaui (CHAUI, 2001) que escreve
“Somente as pessoas livres são gratas umas às outras e procuram ligar-
se pelos fortes laços da amizade”16
E Montaigne busca um contorno de um eu a que aquela amizade conferia
consistência.
..
“Não podemos nos contemplar a partir de nós mesmos. Do mesmo
modo que quando queremos contemplar nosso rosto fazemo-lo olhando-nos
no espelho, assim também quando queremos conhecer-nos a nós mesmos
vendo-nos em um amigo.17
Nesse sentido é possível pensar que o amigo pode dar corpo e consistência à
alma.
“Na amizade a que me refiro, as almas entrosam-se e se confundem em
uma única alma, tão unidas uma à outra que não se distinguem, não se lhes
percebendo sequer a linha de demarcação”18
16 CHAUI, M. Espinosa uma filosofia da liberdade. São Paulo, Moderna, 2001. Apud.Pág. 81) 17 CARDOSO, S. Os sentidos da paixão. São Paulo. Companhia das Letras. 1987. Pág. 161
18 MONTAIGNE, M. Ensaios Tradução de Sergio Milliet. 1ª edição. São Paulo. Editora 34. 2016. Pagina 220 e segs.
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É assim, com esse modo de ser da amizade verdadeira onde um sente-se o
outro. É uma ligação divina, uma união perfeita, sem brechas ou fissuras
()19 é a comunhão de almas.
O entendimento desta união perfeita de almas materializada na amizade
verdadeira, podemos tomar como exemplo a amizade de Caio Blossio com Tibério
Graco, quando Lélio pergunta a Blossio o que ele teria feito por Graco e Blossio, sem
temor a ninguém lhe responde que faria tudo, até mesmo incendiar o templo romano
se assim Graco lhe tivesse mandado20. Isto porque Blossio não se separava da
certeza de que a vontade de Graco também era sua em razão da amizade que os
uniam.
Ainda em Montaigne podemos assimilar a representatividade da amizade
verdadeira quando, em sua obra, faz alusão ao jovem e humilde soldado ao ser
interpelado por Ciro II o rei da Pérsia21, que lhe oferecera dinheiro ao seu magnifico
cavalo que acabara de ganhar uma corrida. Pergunta Ciro ao soldado quanto dinheiro
ele queria pelo cavalo e se o trocaria por um reino. O jovem soldado, de modo
criterioso lhe responde:
“Seguramente, não, senhor! E, no entanto, eu o daria de bom grado se
com isso eu obtivesse a amizade de um homem que eu considerasse digno
de ser meu amigo”22
19 CARDOSO, S. Os sentidos da paixão. São Paulo. Companhia das Letras. 1987. Pág. 165 20 CARDOSO, S. Os sentidos da paixão. São Paulo. Companhia das Letras. 1987. Pág. 165 21 Ciro II, o Grande. Rei da Pérsia aC 559/530 22 MONTAIGNE, M. Ensaios Tradução de Sergio Milliet. 1ª edição. São Paulo. Editora 34. 2016. Pagina 223
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Por este discurso, torna-se fácil compreensão as razões pelas quais
entre os verdadeiros amigos os corpos e almas se fundem no sentido figurativo, uma
vez que ao me sentir o outro, isto é não, por não caber uma linha de demarcação entre
amigos, o pensamento do jovem retrata bem a amizade sobre a qual nos debruçamos
a discorrer.
3. A amizade na sociedade aristotélica e na sociedade contemporânea
As relações amigáveis com o seu semelhante e as características pelas quais
se definem as amizades parecem derivar das relações de um homem para consigo
mesmo. Definimos um amigo como aquele que deseja e faz, ou parece desejar e fazer
o bem no interesse de seu amigo, ou como aquele que deseja que seu amigo exista
e viva por si mesmo, ou também o amigo como aquele que vive na companhia de uma
outra pessoa e tem os mesmos gostos que essa pessoa
De maneira que benevolência é um elemento da relação amigável, mas não é
a amizade. E a conformidade de opinião também parece ser uma relação amigável
porem não é identidade de opinião. Objetivamente quando os homens têm a mesma
opinião sobre o que é de seu interesse, escolhem as mesmas ações e fazem em
comum aquilo que decidiram. Em assim sendo todos os homens aprovam e louvam
os que se dedicam com empenho excepcional em ações nobres o que concorrem para
o bem comum e cada um assegurará para si os maiores bens, uma vez que a virtude
é o bem maior que existe, razão pela qual, a pessoa boa deve ser amiga de si mesma
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no que ela mesma se beneficiará com a prática de atos nobres, ao mesmo tempo em
que beneficiará o seu próximo.
Nessa esteira de raciocinio convém citar o homem como um ser político e está
em sua natureza viver em sociedade. De modo que, certamente é melhor passar os
dias com amigos e pessoas boas do que com estranhos ou companheiros casuais.
Com efeito, nesse cenário, o homem feliz necessita de amigos, que precisam ser
virtuosos, entendendo que a felicidade é uma atividade que nos pertence e que para
ser feliz, há que se considerar que deve-se ter uma vida agradável.
Nesse contexto, observa-se importância dos vínculos de amizade entre as
pessoas na situação da sociedade atual, destaca algumas características que levam
à fragmentação dos valores relativos a vida das pessoas e da natureza desta
sociedade. Tais vínculos guardaram as mesmas linhas de conduta existente na
sociedade aristotélica, quando falamos das espécies de amizade descritas por
Aristóteles na Ética a Nicômaco. Especialmente, quando o vínculo de amizade tem
como consequência interesse unilateral lucrativo. Já não se vê um interesse no
coletivo, mas um interesse apenas no universo pessoal. As reflexões sobre esse tema
consistem em ressaltar a importância da verdadeira amizade e como esta pode
influenciar na qualidade de vida do povo na sociedade, considerando ainda, que na
sociedade antiga as relações de amizade tinham como objetivo proporcionar e manter
o sucesso do coletivo-social, já na sociedade moderna observa-se que esse objetivo
é proporcionar e manter o sucesso do pessoal-particular. Na sociedade
contemporânea, a amizade permanece existindo, também em suas espécies e seus
graus de importância e sua forma de atingir a vida das pessoas
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Também, foi possível observar que nas relações de amizade e durante o
convívio entre amigos as vezes podem ocorrer desentendimentos. E é precisamente
nesses momentos fica claro de qual espécie de amizade se trata. Ora bem, se tal
desentendimento ocorre por razões de interesses pessoais e tem cunho lucrativos, aí
está aparente as duas primeiras espécies de amizade classificadas por Aristóteles. A
prova disto é que não se chegando a um denominador comum, lá se vai a dita
amizade, isto é dizer ou reiterar o que diz o filosofo: cessou o lucro, cessa também a
amizade existente até então. De outro modo, se o desentendimento ocorre por razões
de desencontro de opiniões diversas sobre assuntos ou situações adversas, mas que
entre os envolvidos existe a amizade suprema, logo tal desentendimento é acolhido
como fator contributivo para melhor desenvolvimento dos laços que os unem. Eis a
diferença marcante da amizade em suas espécies.
4. A importância da verdadeira amizade
Dentro de pensamentos apologéticos à amizade, convém contemplar o
sentimento de Raissa Maritain. Que diante a perseguição dos judeus, se mudam para
Estados Unidos e em Nova York, em 1940 que vai se tornar sua nova residência. É
uma separação dolorosa vivida com a consciência profética e clara do drama sombrio
que o mundo havia mergulhado em razão das guerras, em especial a França onde
havia deixado seus amigos. É neste período sombrio e triste que a autora escreve
seus relatos na obra As grandes amizades, demonstrado a importância de amizades
verdadeiras quando, remete seus próprios pensamentos em direção ao passado pelas
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suas lembranças, ao futuro por julgar estar escondido em Deus e para os seus amigos.
E corroborando a importância da amizade, lê-se no que afirma a autora
Nossos amigos fazem parte de nossa vida, e nossa vida explica nossas
amizades. ”23
Ao dizer sobre a importância da verdadeira amizade, é alentador ler o que
disse Montaigne sobre La Boetie, por quem nutria uma amizade a que chamava de
amizade cabal e perfeita, cujo texto transcreveu Casemiro Linarth24. No nosso
entender, é a declaração mais que perfeita, própria de quem sabe a importância da
verdadeira amizade, ou seja, a espécie mais primorosa das amizades suscitadas por
Aristóteles, e que reiteramos ser o tema nuclear deste nosso trabalho. E são esses o
sentido e a intenção pura de alma que vemos na declaração de Montaigne ao dizer
sobre amizade referindo-se ao amigo La Boetie, assim transcrito:25
“Tenho muita estima pelo livro da Servidão, porque foi a causa do nosso
relacionamento. Foi mostrado a mim muito tempo antes que visse o seu
autor, e me fez conhecer seu nome, preparando assim a amizade que
mantivemos, tão cabal e perfeita que não é fácil encontrar semelhante no
passado, nem entre nossos contemporâneos”
23 MARITAIN, R. As grandes amizades. Trad. de Josélia Marques de Oliveira. Rio de Janeiro. Livraria Agir. 7ª edição. 1970. Pag. 14
24 Casemiro Linarth é jornalista, escritor, formado em filosofia. Tradutor da obra Discurso da
Servidão Voluntaria, de Ètienne de La Boétie, pela Editora Martin Claret. 2009 25 BOETIE, E. de La. Discurso da servidão voluntaria. Tradução: Casemiro Linarth. I. ed. bilingue.
São Paulo. Martin Claret. 2017. Págs. 10 e 11
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A continuar reiterando esse sentimento mesmo depois da morte de seu amigo
lhe prestando homenagem em seus Ensaios, Montaigne escreve:
“Compartilhávamos metade de tudo, parece-me que eu furtava parte
dele. E se me forçarem a dizer por que o amava, sinto que isso não pode
ser expresso senão respondendo: porque era ele, porque era eu”26
Em face de tal depoimento, oriundo de tão respeitável figura, até podemos nos
apropriar de um misero naco de licenciosidade e chama-lo de “argumento de
autoridade”. Bem como, diante do sentimento exposto em simples palavras, mas que
pela tamanha intensidade quem si apresenta, se acuramos só um pouquinho os
nossos sentidos/ intelecto/sensível, seremos capazes, talvez, de até sentir emoção
similar à que sentiu Montaigne ao escrever referindo-se ao seu amigo La Boetie. Pois
bem, é desta espécie de amizade que aqui tratamos. É nesse contexto que se faz
necessário ilustrar a importância da verdadeira amizade, como sendo esta que
mantem a lealdade entre pessoas. Que sustenta o sucesso daqueles que assim se
relacionam, sejam em grupos sociais, seja em retiro particular. Seguindo este
raciocínio, entendemos ser esse sentido que cingiu Aristóteles quando, sabiamente,
fez pertinente distinção e subdividiu a amizade em três espécies. Subdivisão mais que
cabida e justas, pois uma amizade verdadeira jamais será circundada de utilitarismo
ou outro interesse diverso do desejo de ver o amigo usufruir plenamente do que lhe
faz bem, lhe faz feliz, lhe faz se sentir acolhido em refúgio seguro. Assevere-se,
26 MONTAIGNE, M. Ensaios Tradução de Sergio Milliet. 1ª edição. São Paulo. Editora 34. 2016. Pagina 220
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portanto, que tais condições somente se encontram em braços de verdadeiros
amigos.
5. Conclusão
A partir do posicionamento dos doutrinadores, neste trabalho podemos
apresentar um singelo discurso sobre laços, vínculos e relações de amizade. Nesse
contexto, com a devida vênia, cabe citar o sábio Bispo de Hipona Santo Agostinho:
"Ama-se de tal modo os amigos que a consciência se julga
culpada se não é capaz de amar aquele que ama, ou se não procura
retribuir o amor com amor, e apenas procura na pessoa do amigo o
sinal exterior da sua benevolência."27
Ainda, nesta mesma linha de conduta, julgamos imprescindível trazer os
dizeres considerados divinos nas palavras dos santos apóstolos. E não são poucas
as recomendações para que tenhamos amor ao próximo sem que deste sentimento
nada esperemos em troca, isto é dizer e até mesmo reiterar que estes dizeres
mandamentais nos mostra certa similaridade com a amizade pura e verdadeira sobre
a qual nos referimos, ou seja, como pregam os santos apóstolos, livre de qualquer
interesse particular, onde apenas desejamos bem ao outro como se esse outro fosse
27 Santo Agostinho, in Confissões - A Verdadeira Amizade Capitulo IV
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nós mesmos. Destarte, aqui pedimos permissão para citar seus versículos
contidos nas sagradas escrituras.28
Vejamos em Romanos sobre o amor ao próximo
“Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-
vos em honra uns aos outros...” (Rom. 12:10)
“A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis
uns aos outros: porque quem ama aos outros, cumpriu a lei”. (Rom. 13:8)
“Que o amor não faz mail ao próximo. De sorte o cumprimento da lei
é o amor”. (Rom. 13:10).
E ainda, vejamos nos Evangelhos de Joao:
“Meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como
eu vos amei”. (João, 15:12)
“Ninguém tem maior amor que este: de dar alguém a sua vida pelos
seus amigos”. (Joao, 15:13)
28 BIBLIA SAGRADA. A Bíblia de Promessas. Tradução de Joao Ferreira de Almeida. Imprensa Bíblica Brasileira. Rio de janeiro.
2006. Novo Testamento. Págs. 83 e pág. 120.
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Neste passo nos parece aceitável o pensamento conclusivo que a amizade
pode ser traduzida como “uma relação de proximidade, de afeto desinteressado, em
sintonia e confiabilidade, ou ainda, permitam-me a ousadia, porque não dizer que
também é respaldada por uma sincronicidade holística e cumplicidade cósmica entre
pessoas, motivadas por um sentimento puro que por assim ser, leva-as ao mesmo
plano de igualdade”. Conclui-se ainda que a amizade é uma relação dotada de
benevolência, por almejar sempre o melhor para o outro de modo incondicional; que
por ser livre e solidaria; nada espera como recompensa. Ainda, revestida de paz e
segurança; ajuda o outro a superar-se em busca de equilíbrio em suas virtudes e
defeitos. Concluímos, pois, que a amizade vivendo uma comunhão de interesses,
aspirações e sentimentos, é uma relação construída com afeto e com liberdade, onde
podemos encerrar o presente discurso afagados pelo sentimento de que a amizade
retrata a vida de pessoas com caminhos paralelos e destinos distintos.
Gratia dio.
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6. Bibliografia
ABAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Rossi. 5ª edição. São
Paulo. Martins Fontes. 2007
ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Livro VIII. Tradução de Antonio de Castro Caiero.
4ª edição. Lisboa. Quetzal Editores. 2015.
BIBLIA SAGRADA. A Bíblia de Promessas. Tradução de Joao Ferreira de Almeida.
Imprensa Bíblica Brasileira. Rio de janeiro. 2006. Novo Testamento. Págs. 83 e pág.
120.
BOETIE, E. de La. Discurso da servidão voluntaria. Tradução: Casemiro Linarth. I. ed.
bilingue. São Paulo. Martin Claret. 2017.
CARDOSO, S. Os sentidos da paixão. São Paulo. Companhia das Letras. 1987
HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª edição. Rio de janeiro,
objetiva. 2009.
LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. Tradução de Fatima Sá
Correia...São Paulo. Martins Fontes. 1993.
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MARITAIN, R. As grandes amizades. Tradução de Josélia Marques de Oliveira. Rio
de Janeiro. Livraria Agir. 7ª edição. 1970.
MONTAIGNE, M. Ensaios Tradução de Sergio Milliet. 1ª edição. São Paulo. Editora
34. 2016.
PLATÃO. Fedro/Platão; edição bilingue, tradução e apresentação de Jose
Cavalcante de Souza; São Paulo: Editora 34, 2016 (1ª Edição)