a importÂncia da leitura na formaÇÃo social do indivÍduo

Peridico de Divulgao Cientfica da FALS

Ano IV - N VIII- JUN / 2010 - ISSN 1982-646X

A IMPORTNCIA DA LEITURA NA FORMAO SOCIAL DO

INDIVDUO

Danielle Santos de Brito1

RESUMO Este trabalho tem como objetivo expor qual a importncia

da leitura na formao social de um indivduo, ressaltando que por

meio da leitura que podemos formar cidados crticos, uma condio

indispensvel para o exerccio da cidadania, na medida em que torna o

indivduo capaz de compreender o significado das inmeras vozes que

se manifestam no debate social e de pronunciar-se com sua prpria voz,

tomando conscincia de todos os seus direitos e sabendo lutar por eles.

Far parte deste estudo, tambm, o mundo da leitura, sua trajetria,

como se desenvolveu dentro das grandes sociedades e quais as barreiras

que encontramos como professores e alunos ao ler. Por fim, falaremos

sobre como os contos de fadas, pequenos contos e mitos infantis cheios

de magia e fantasia, podem ajudar no desenvolvimento da criana.

PALAVRAS CHAVE: Leitura, desenvolvimento infantil, literatura infantil.

ABSTRACT: This paper aims to expose what is the importance of

reading in the social formation of an individual, noting that it is

through reading that we can form critical citizens, a prerequisite for

citizenship, as it makes the individual able to understand the meaning of

many voices that are manifested in social web and decide, with your

own voice, becoming aware of all their rights. We will study here, also,

the reading world, its history, how it has been developed within the

history of social life and what barriers they encounter as teachers and

students to read. Finally, we will talk about fairy tales, short stories and

myths for children full of magic and fantasy, and how it can help in

children's development.

Keywords: Reading, Children Development, Children Literature.

INTRODUO

No seguinte trabalho iremos expor qual a importncia da leitura na formao social de um

indivduo, e ressaltar que por meio da leitura que podemos formar cidados crticos, uma

condio indispensvel para o exerccio da cidadania, na medida em que torna o indivduo capaz

1 Graduada em Letras (Faculdade Don Domnico Guaruj)

2



de compreender o significado das inmeras vozes que se manifestam no debate social e de

pronunciar-se com sua prpria voz, tomando conscincia de todos os seus direitos e sabendo lutar

por eles. Ao lermos um texto estabelecemos um dilogo entre tudo o que sabemos e aquilo que o

texto nos traz de novo, atribuindo significado ao que lemos, utilizando assim apropriadamente os

recursos argumentativos para sustentarmos nossos pontos de vista. Ler no adivinhar e nem

decifrar os significados. Ler reformular esses significados tantas vezes quantas forem

necessrias a partir do encontro entre novas idias e opinies, da decorre a concluso de que

nos textos e pelos textos que podemos adquirir a competncia de operar criativamente, um tipo de

saber cada vez mais singular na contemporaneidade, ressaltando que na Literatura, o homem

por meio da palavra e de sua capacidade criadora, recorta parte da realidade, cria o texto por meio

do qual manifesta seu discurso, que est presente na obra de arte, portanto a Literatura arte, e

como tal manifestao da alma e inteligncia humana.

Num primeiro momento, explanaremos um pouco o mundo da leitura, sua trajetria, como

se desenvolveu dentro das grandes sociedades e quais as barreiras que encontramos como

professores e alunos ao ler. Em seguida falaremos da criana, como ela se desenvolve o que

necessrio para que ela aprenda e busque o conhecimento, ressaltando que o interesse da leitura

pode vir da prpria criana, sendo, porm necessrio que o estmulo de manter este constante

aprendizado deve ser mantido pelos pais.

Por fim, como os contos de fadas, pequenos contos e mitos infantis cheios de magia e

fantasia, podem ajudar no desenvolvimento da criana. Verificaremos tambm como tais textos

auxiliaro o professor a trabalhar temas polmicos, como discriminao, abandono e at mesmo

como lidar com a separao de seus pais.

1. O MUNDO DA LEITURA

A leitura um conhecimento construdo de experincias nicas? Um desejo de viver?

3



Na verdade, a leitura est relacionada no s a estes questionamentos, mas a inmeros

outros. O ato de ler representado por meio da escrita, do som, da arte, dos cheiros.

Cada leitor possui uma experincia prpria, cotidiana e pessoal, tornando a leitura nica,

incapaz de se repetir, e este o seu grande encanto.

Atravs deste recurso fabuloso, conseguimos o total domnio da palavra, traando idias e

conhecimentos, sendo possvel entender o mundo que nos cerca, nos transformamos e, ao nos

transformar, abrimos nossas mentes para o desconhecido, passando assim a construir um mundo

melhor para cada um de ns.

Por meio da leitura resgatamos nossas lembranas mais especiais, que fazem parte da nossa

cultura. Essa cultura que nos foi dada tem como finalidade a formao de cidados crticos e

conscientes de seus atos, porm essa cultura se dilui e se perde diariamente, e este saber, esta

cultura que precisa ser recuperada.

Podemos ressaltar que a leitura no se constitui em um ato solitrio, nem em atividades

individuais, o leitor sempre parte de um grupo social, certamente carregar para esse grupo

elementos de sua leitura, do mesmo modo que a leitura trar vivncias oriundas do social, de sua

experincia prvia e individual do mundo e da vida.

Ao ler um texto ou um livro, interagimos no propriamente com o texto, mas com os

leitores virtuais, que so constitudos no prprio ato da escrita. O autor os cria em seus textos e o

leitor real, l o texto e dele se apropria. O texto passa assim a exercer uma mediao entre sujeitos,

tendo a influncia de estabelecer relaes entre os leitores reais ou virtuais.

O conceito de leitura na maior parte das vezes est relacionado com a decifrao dos

cdigos lingsticos e sua aprendizagem. No entanto, no podemos deixar de levar em

considerao o processo de formao social deste indivduo, suas capacidades, sua cultura poltica

e social.

Martins2 define de uma forma bem simples e objetiva o que ler, mostrando que este ato

no simplesmente um aprendizado qualquer, e sim uma conquista de autonomia, que permite a

ampliao dos nossos horizontes. O leitor passa a entender melhor o seu universo, rompendo assim

as barreiras, deixando a passividade de lado, encarando melhor a face da realidade.

2 MARTINS, Maria Helena. O que leitura?/ Maria Helena Martins, 1994.

4



Saber ler e escrever, j entre os gregos e romanos, significava possuir as bases de uma

educao adequada para a vida, educao essa que visava no s ao desenvolvimento das

capacidades intelectuais e espirituais, como das aptides fsicas, possibilitando ao cidado

integrar-se efetivamente a sociedade, no caso classe dos senhores, dos homens livres3.

Dentro de toda uma sociedade, de uma cultura, no podemos nos esquecer, que a pea

fundamental de todo este processo, primeiramente, somos ns. Ler tambm faz parte de um

contexto pessoal. Temos que valoriz-lo para podermos ir alm. Alm de tudo o que se pode

simplesmente ler, ir at onde nossa imaginao possa ser capaz de nos levar.

Sartre, em seu relato autobiogrfico, mostra uma perspectiva mais realista, porm no

menos interessante sobre a inicializao da leitura, em que nos mostra que ler est alm das letras

impressas no papel. Em sua obra nos fala como foram suas primeiras experincias com a leitura,

sendo o seu primeiro livro intitulado: Tribulaes de um chins na China.

[...] transportei-me para um quarto de despejo; a, empoleirado sobre uma cama de armar, fiz

de conta que estava lendo: seguia com os olhos as linhas negras sem saltar uma nica e me

contava a histria em voz alta, tomando o cuidado de pronunciar todas as slabas (...) fiz com

que me surpreendessem _, gritaram admirados e decidiram que era tempo de me ensinar o

alfabeto. Fui zeloso como catecmeno; ia a ponto de dar a mim mesmo aulas particulares; eu

montava na minha cama de armar com o Sem famlia de Hector Malot, que conhecia de cor e,

em parte recitando, em parte decifrando, percorri-lhe todas as pginas, uma aps outra:

quando a ltima foi virada, eu sabia ler.4 (p.15)

O simples ato de ler passou a ser uma fantstica aventura, onde as barreiras do mundo

no passavam de meras casualidades para ele. Sartre passou a enxergar os livros, o ato de ler, com

outros olhos, mostrando-nos que a leitura vai alm de todas as nossas perspectivas, se nos

deixarmos envolver por ela. A curiosidade passa a ser a necessidade de alimentar o imaginrio,

desvendar os segredos do mundo e dar ao leitor o conhecimento de si mesmo atravs da maneira

que l e encara o mundo. D-nos a impresso de o mundo estar ao nosso alcance, no s o

compreenderemos, aprenderemos a conviver melhor, mas at modific-lo medida que

incorporamos as experincias vividas em uma leitura.

Eu iria escut-las, encher-me-ia de discursos cerimoniosos e saberia tudo. Deixavam-me

vagabundear pela biblioteca e eu dava assalto sabedoria humana. Foi ela quem me fez...

nunca esgaravatei a terra nem farejei ninhos, no herborizei nem joguei pedras nos

passarinhos. Mas os livros foram meus passarinhos e meus ninhos, meus animais domsticos,

meu estbulo e meu campo; a biblioteca era um mundo colhido no espelho; tinha a espessura

3 Id. A aplicao noo da leitura, 1994, p. 23.

4 Id. Como e quando comeamos a ler, 1994, p. 15.

5



infinita, a sua variedade e a sua imprevisibilidade. Eu me lanava s incrveis aventuras: era

preciso escalar cadeiras, as mesas, com o risco de provocar avalanches que me teria

sepultado.5

Paulo Freire afirma que ningum educa ningum, como tampouco ningum se educa a

si mesmo; os homens se educam em comunho, mediatizados pelo mundo.

Sartre e Burroughts nos indicam que o conhecimento da lngua no suficiente para se

efetivar a leitura, necessrio algo mais. Precisamos adquiri-la, a partir de situaes comuns que

se interpem em nosso dia-a-dia, ou seja, devemos nos abrir para compreender no s o mundo da

leitura, mas tambm a sociedade em que vivemos, pois sem o encontro destes dois ingredientes

nosso processo de leitura nunca estar completo, pois o verdadeiro leitor nunca passivo diante do

texto; ao contrrio, ele o responsvel direto dos sentidos que imprime a esse texto.

1.1A trajetria da leitura.

O livro tem aproximadamente seis mil anos de histria para ser contada. H 40.000 anos o

homem expressava-se atravs de pinturas nas paredes de cavernas (pictografia6). Durante seu

desenvolvimento o homem foi substituindo a representao visual, pela sonora, assim, a linguagem

foi adquirindo sua verdadeira natureza, que a oral. A humanidade possuidora da razo,

possibilitando a comunicao e o relacionamento com os outros homens.

Os sumrios7 guardavam suas informaes em tijolo de barro. Os indianos faziam seus

livros em folhas de palmeiras. Os maias e os astecas, antes do descobrimento das Amricas,

escreviam os livros em um material macio existente entre a casca das rvores e a madeira. Os

romanos escreviam em tbuas de madeira cobertas com cera, os egpcios desenvolveram a

tecnologia do papiro, uma planta encontrada s margens do rio Nilo, suas fibras unidas em tiras

serviam como superfcie resistente para a escrita hieroglfica.

5 Id. Como e quando comeamos a ler, 1994, p.16.

6 Escritura primitiva ideogrfica, em que as idias so expressas por meio de cenas ou objetos desenhados.

7 Os sumrios desenvolveram se na regio sul da Mesopotmia, entre os rios Eufrates e Tigre (rea integrante do

Crescente Frtil) entre os anos 4000 e 1950 a.C.

6



Segundo dados da revista Espao Aberto da USP, o papel como conhecemos surgiu na

China no incio do sculo II, atravs de um oficial da corte chinesa, a partir do crtex de plantas,

tecidos velhos e fragmentos de rede de pesca. A tcnica baseava-se no cozimento de fibras do lber

- casca interior de certas rvores e arbustos - estendidos por martelos de madeira at se formar uma

fina camada de fibras. Posteriormente, as fibras eram misturadas com gua em uma caixa de

madeira at se transformar numa pasta.

No final da Idade Mdia, a importncia do papel cresceu com a expanso do comrcio

europeu e tornou-se produto essencial para a administrao pblica e para a divulgao literria.

Aps Johann Gutenberg8 inventar o processo de impresso com caracteres mveis - a tipografia, o

papel passou por um processo de adaptao. Diversas fbricas foram criadas, como por exemplo, a

Fbrica de livros, a partir da o papel deixa de ser artigo de luxo e torna-se mais barato.

Durante sculos, a arte da oratria era base dos ensinamentos, sendo atravs do dilogo

que os mestres ensinavam seus aprendizes, fazendo dos leitores apenas ouvintes.

A leitura e a escrita eram restritas somente aos nobres, que eram intitulados como seres

privilegiados, por exemplo, na Grcia restringia-se aos filsofos e aristocratas, enquanto que em

Roma a escrita tornou-se uma forma de garantir os direitos dos patrcios s propriedades. Na Idade

Mdia uma minoria da populao era alfabetizada, somente nos mosteiros e nas abadias9 que se

encontravam as nicas escolas e bibliotecas da poca, e era l que se preservavam e restauravam

textos antigos da herana greco-romana.

A educao formal entrou em crise durante a Alta Idade Mdia, ficando restrita somente ao

clrigo. Neste perodo a igreja manteve total domnio sob qualquer forma de comunicao que

pudesse se expressar alm dos seus interesses. As escolas episcopais garantiram a formao do

clero, enquanto nos mosteiros, como acabamos de citar eram realizadas as leituras e a cpia de

todos os textos da era greco-romana.

A partir deste momento a leitura, passa a ter carter religioso, restringindo o ensino

somente para queles que seguiriam a vocao religiosa. Milhares de obras foram censuradas, pois

8 Johannes Gensfleisch, conhecido como Johannes Gutenberg, nasceu provavelmente em 1397 e considerado o

criador do processo de impresso com tipos mveis, a tipografia. 9 Propriedade destinada residncia de monges, com igreja, granja e vrias outras dependncias, no somente

agrcolas, mas tambm de administrao senhoril.

7



suas idias no se adequavam s normas da igreja. A escrita passou a ser um smbolo sagrado,

vinculando-se a opinio de que os demais indivduos s poderiam, em sinal de respeito, escutar e

memorizar tais ensinamentos sagrados, sem o direito de contest-los ou interpret-los. Podemos

tomar como exemplo o filme de Humberto Eco10

, O nome da Rosa, que ir retratar exatamente este

perodo em nossa histria, mostrando exatamente como era a vida nos mosteiros, a tamanha

carncia da populao devido falta de estmulos, viviam como animais, no sabiam se comunicar

com os demais, agiam por instinto e comiam restos dos alimentos rejeitados pelos monges. O

difcil acesso aos livros, mesmo para os que tinham o privilgio de ler, ainda era grande, havia uma

busca imensa pelo saber tais como e onde surgiram todas as coisas do nosso universo.

A literatura ficou restrita durante sculos, livros especficos da cultura portuguesa e

brasileira viram-se amordaados durante o perodo de atuao da Santa Inquisio. Podemos

considerar Portugal pioneiro na censura literria e defesa da f e dos bons costumes. Mesmo antes

da Inquisio em Portugal em 1536, havia uma imensa preocupao quanto ao Estado em sanar as

idias revolucionrias que eram consideradas perigosas ao regime. Em meados do sculo XV foi

instituda a censura real atravs de um alvar de Afonso V, de 18 de agosto de 1451, que manda

"queimar livros falsos e herticos".

Somente por meados do sculo XI, a igreja foi perdendo pouco a pouco sua influncia sob

o ensino, devido ao crescimento das atividades comerciais e manufatureiras, propiciando assim, o

aumento das zonas urbanas. Devido a tal desenvolvimento social e econmico, a necessidade de

instruo da populao foi cada vez maior. Com isso, surgiram as primeiras escolas pblicas.

A figura do leitor como conhecemos hoje, _ dos textos impressos_ recente e surge na

Europa, aproximadamente, no sculo XVIII, quando a impresso dos livros passa do modo

artesanal para o modo empresarial, possibilitando assim um maior acesso e um nmero de

livros maior do que no perodo anterior, com a inveno da imprensa.11

Mas desenvolver o hbito da leitura um desafio a ser enfrentado. A Cmara Brasileira

do Livro fundada em 1946, teve como misso desenvolver a leitura no pas e difundir a produo

editorial brasileira. A entidade sem fins lucrativos que rene editores, livreiros e distribuidores,

realizou em 2000 uma pesquisa em todo o pas para avaliar a indstria do livro nacional.

10

Escritor, crtico e professor de semitica italiano (1932-). considerado um dos expoentes da nova narrativa

italiana, iniciada por talo Calvino (1923-1985).

11 SILVA, Klyvia Larissa de Andrade. Formar Leitores: um desafio da escola. Revista ABC Educatio, p. 42-46.

8



Infelizmente os dados no so muito satisfatrios12

, cerca de 26 milhes de leitores, e 12

milhes de compradores so das classes B e C. Sendo que 60% tm mais de 30 anos, e 53% so

moradores da Regio Sudeste. Da populao alfabetizada com mais de 14 anos, 30% leu pelo

menos um livro nos ltimos trs meses.

Plnio Martins Filho, presidente da Editora da USP e professor no curso de Editorao da

Escola de Comunicaes e Artes (ECA), diz que o consumo de livros no Brasil s no maior por

uma questo de hbito. "Uma das causas da falta de hbito que a leitura tem que disputar espao

com outras formas de entretenimento. As grandes editoras do Brasil surgiram junto com o rdio e a

televiso que, de alguma forma, so meios de lazer baratos e de fcil acesso.13

Diante destes diversos fatores lutamos para manter acesa a chama da leitura nas crianas e

nos adolescentes, que crescem sem estmulos, sem poderem com isso desvendar um universo

desconhecido e maravilhoso que ganha alma, transforma-se em caleidoscpios multifacetados,

polivalentes, graas s leituras plurais que constroem.

A escola, porm, no prepara esse leitor. Por que se vai, aos poucos, insinuando, em

nossos jovens, o desgosto da leitura? Eis o que nos diz Daniel Pennac:

Ele [o jovem] um pblico implacvel e excelente. Ele , desde o comeo, o bom leitor que

continuar a ser se os adultos que o circundam alimentarem seu entusiasmo em lugar de pr

prova sua competncia; estimularem seu desejo de aprender, antes de lhe impor o dever de

recitar; acompanharem seus esforos, sem se contentarem de peg-lo na curva; consentirem

em perder noites em lugar de ganhar tempo; fizerem vibrar o presente sem brandir a ameaa

do futuro; se recusarem em transformar em obrigao aquilo que era prazer, entretanto esse

prazer at que ele se transforme em dever, fundindo esse dever na gratuidade de todo

aprendizado cultural, fazendo com que encontrem assim, eles prprios, o prazer nessa

gratuidade14

.

O que fazer para mudarmos esta realidade? Depois de tantas lutas para que finalmente,

ganhssemos o direito de ler, no sabemos usufruir deste grande direito que conquistamos,

12

LINARDI, Fred. O X da questo_ Num pas castigado pelo analfabetistmo, projetos de incentivo leitura so

muito mais do que bem-vindos: so fundamentais. Nova Escola edio especial, So Paulo: Abril, n. 18, 7-9, 2008.

13

Revista on-line da USP, Espao Aberto, edio n 24, outubro de 2000.

14

PENNAC, D. Como um romance. Trad. Leny Werneck. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. p.55.

9



ressaltando que saber l-los com proficincia implica ser capaz de apreender os significados

inscritos no seu interior, e de correlacionar tais significados com o conhecimento de mundo que

circula no meio social em que ele produzido.

As formas de apresentao de um texto interferem no seu sentido. As novas tecnologias

lhe do razo, pois a leitura feita na Internet costuma ser descontnua e fragmentada, em um

universo confuso e sem forma, contrapondo-se sobrevivncia do cdice, o formato de livro que

surgiu em torno do sculo III com pginas que so viradas, e no desenroladas, como nos rolos

de pergaminho que at ento conservavam a palavra escrita e alcanou um pblico leitor cada

vez maior a partir da inveno da imprensa, na dcada de 1950.

A internet, com sua capacidade inaudita de divulgar textos e imagens, tem sem dvida o

potencial de expandir essa repblica virtual.

O leitor raramente percebe o sentido do todo, do prazer visual e ttil que se extrai do

contato com o simples manuseio de um jornal lhe proporciona. Essa diferena fundamental, pois

torna a leitura de um livro mais profunda e duradoura, faz como que ele preveja a sobrevivncia do

formato impresso, pois seramos simplistas ao imaginar que uma nova tecnologia vai substituir

completamente e de imediato formas mais antigas, apesar da disseminao dos meios tecnolgicos.

1.2 A importncia da leitura dentro da sociedade e como ela formada.

A leitura algo muito amplo, no pode apenas ser considerada como uma interpretao

dos signos do alfabeto. Produz sentido, ou seja, surge da vivncia de cada um, posta como prtica

na compreenso do mundo na qual o sujeito est inserido.

Tal aprendizagem est ligada ao processo de formao geral de um indivduo e sua

capacitao dentro da sociedade, como por exemplo: a atuao poltica, econmica e cultural, o

convvio com a sociedade, seja dentro da famlia ou no trabalho.

Para os gregos, a leitura a idia simples, baseada na decifrao dos cdigos lingsticos,

sendo o bastante para modificar a estrutura de uma sociedade, o que no corresponde com a

realidade. O indivduo modifica sua viso de mundo atravs da leitura, no pela sua forma.

10



Iremos nos basear em duas diferentes formas e nveis de leitura: a leitura sendo apenas

uma decodificao mecnica dos signos lingsticos, abordada pela pedagogia, onde a prtica

formal e est apenas ligada s atividades geralmente desenvolvida pelas escolas; e a leitura como

um processo de compreenso, que abrange os componentes sociolgicos, estudando os aspectos

sociais da vida humana, que ter seu foco na transmisso do gosto pela leitura no ambiente

familiar.

H trs nveis de leitura: o sensorial emocional e o racional, que esto inter-relacionados,

trazendo uma enorme riqueza ao texto.

O nvel sensorial diretamente ligado aos sentidos; o emocional lida com as emoes de

cada indivduo e o racional concentra-se na parte intelectual, dinmica e questionadora.

Segundo Vieira15

, o nvel sensorial muito rico podendo ser amplamente explorado no

mbito familiar. Desde a gestao do beb, a me ao embalar a criana com a cano de ninar, j

estimula o interesse de ler. Sendo assim, a leitura no somente o impresso, mas a msica, os

desenhos, enfim, todos so modos de leitura que podem ser trabalhados em famlia no aconchego

do lar.

O ato da leitura muito mais do que simplesmente ler um artigo de revista, um livro, um

jornal. Ler se tornou uma necessidade, participar ativamente de uma sociedade, desenvolver a

capacidade verbal, descobrir o universo atravs das palavras, alm do fato que ao final de cada

leitura nos enriquecemos com novas idias, experincias.

Atravs de um livro, milhares de crianas podem descobrir um universo de aventuras, um

mundo s seu, repleto de magia que concedido nas pginas de um livro.

A leitura uma atividade prazerosa e poderosa, pois desenvolve uma enorme capacidade

de criar, traz conhecimentos, promovendo uma nova viso do mundo. O leitor estabelece uma

relao dinmica entre a fantasia, encontrada nos universos dos livros e a realidade encontrada em

seu meio social. A criatividade, a imaginao o raciocnio se sobrepem diante deste magnfico

cenrio, criando um palco de possibilidades.

Cada leitor ao fazer uma leitura, trava um contato direto com o texto, trazendo para o seu

objeto de leitura as suas experincias pessoais, suas ideologias, seus conceitos, isto que faz o ato

de ler to importante. O leitor se tornar um co-autor do texto, deixando suas caractersticas e

15

Letcia Alves Vieira, graduada no curso de biblioteconomia da UFMG.

11



impresses, segundo Josef Soares 16

, cada leitura uma nova escritura de um texto. O ato de

criao no estaria, assim, na escrita, mas na leitura, o verdadeiro produtor no seria o autor, mas o

leitor. Ler no descobrir o que o autor quis nos dizer, [...] ao ler, o leitor trabalha produzindo

significaes e nesse trabalho que ele se constri leitor. Suas leituras prvias, suas histrias como

leitor, esto presentes como condio de seu trabalho de leitura e esse trabalho o constitui como

leitor e assim sucessivamente17.

Passamos a reconstruir, por exemplo, quadros complexos, envolvendo personagens,

aes, fatos, criamos situaes, mundos diversos e particulares, onde cada indivduo passa ser o

mentor da sua prpria imaginao.

So vrias as qualidades despertadas pelo hbito da leitura nas crianas, como por

exemplo, a criatividade medida que lhe proporciona oportunidades de conhecer alternativas para

questes reais e cotidianas. A viso de mundo, o conhecimento de culturas, situaes, pessoas e

idias diferentes, tais conceitos nos auxiliariam, por exemplo, no combate ao preconceito, abrindo

assim a mente para o diferente.

O vocabulrio de uma pessoa que tem o hbito de ler amplo, pois a aptido para ler com

proficincia o mais significativo indicador de bom desempenho lingstico, permitindo ao leitor

ter uma quantidade de informaes sobre quase todos os domnios do conhecimento, sabendo

hierarquiz-las, estabelecendo as devidas correlaes entre elas e discernindo as que se implicam

das que se excluem, utilizando-as apropriadamente como recursos argumentativos para sustentar

suas idias.

A capacidade de compreenso adquirida pela interpretao fundamental. No Brasil, o

nmero de analfabetos funcional alarmante, trata-se daquelas pessoas que sabem ler e escrever,

mas que no compreendem o que esto lendo.

O hbito de leitura neste ponto primordial, pois quanto mais se l, mais aumenta a

capacidade de compreenso do mundo de cada indivduo, lembrando que isso vale para qualquer

tipo de leitura, desde os clebres e clssicos romances como a leitura diria de uma crnica num

jornal.

16

SILVA, Klyvia Larissa de Andrade. Formar Leitores: um desafio da escola. Revista ABC Educatio, p. 42-46.

17

Ibidem.

12



Segundo dados da revista ABC do Educatio, a escola tida hoje como ponto central na

divulgao da leitura/ literatura, no entanto ainda deixam a leitura deriva, ensinado apenas os

comportamentos alfabticos, ou seja, alfabetiza, mas no desenvolve as condutas necessrias para

constituir um leitor.

Outro dos pontos principais que no podemos deixar de citar a famlia, pois atravs

dela que normalmente surge o primeiro contato com a leitura.

Porm, em uma sociedade em que a maioria dos pais trabalha fora, ou no tiveram

acesso a leitura, o tempo para dedicar-se formao de seus filhos como leitores cada vez menor.

Ento, resta escola a responsabilidade de desenvolver esta habilidade em seus alunos, ressaltando

que no mbito escolar, o seu carter interdisciplinar o trao de maior relevo, j que interfere

decisivamente no aprendizado de todas as demais matrias do currculo.

A escola, dessa forma, toma como prioridade a aprendizagem da leitura, aprender a ler

para, ento ler para aprender, quer dizer, apropriar-se de uma competncia para compreender os

diferentes tipos de textos, existentes no seu contexto social, e tambm fora dele.18

Devemos motivar os alunos para que vislumbrem as diversas e diferentes razes para

lermos. Lemos para obter informaes, para receber instrues, para obter e aprofundar

conhecimentos, para passatempo, por prazer, por gosto, para estabelecer comunicao com outrem,

para melhor compreender o meio em que vivemos, para encontrar, distncia, com quem trocar

idias sobre tudo aquilo que pensamos do mundo exterior e interior. Nesse sentido, a leitura tem

uma funo ao mesmo tempo social e individual. E neste universo que a criana dever ser

convidada a se integrar.

1.3 Quais as barreiras que encontramos ao ler?

A maior parte das pessoas hoje no tem por hbito a leitura diria de um jornal, uma

revista, como fim de manter-se atualizado e integrado com as diversas notcias que surgem a cada

instante. Tais pessoas mantm suas vidas restritas apenas a comunicao oral e dificilmente

ampliam seus horizontes. Por terem opinies parecidas com as suas, como uma conversa informal

18

SILVA, Klyvia Larissa de Andrade. Formar Leitores: um desafio da escola. Revista ABC Educatio, p. 42-46.

13



entre amigos, forma-se um grande crculo vicioso, onde as informaes ficam restritas, no

havendo uma opinio focada crtica e concreta, somente dados expostos de formas simples e sem

julgamentos.

Segundo Scarpa19, nos livros que temos a chance de entrar em contato com o

desconhecido. primordial em meio globalizao incentivar a formao dos leitores,

garantindo assim uma convivncia pacfica com as diversidades que nos cerca.

Quando lemos um bom livro e nos deixamos ser transportados para uma realidade paralela,

onde medida que cada pgina virada, o leitor submetido a universo nico, repleto de

descobertas, encantamento e diverso.

No nos limitamos a um s tipo de leitor, ou o que cada leitor est lendo e sim o prazer que

ele mantm ao ler tal livro ou tal poesia.

O papel da escola fundamental nesse processo, e o professor seu o maior mediador.

Nem sempre ele se disponibiliza, alm de no dispor, s vezes, de recursos adequados para realizar

tais atividades, ou simplesmente no sabem como implement-las.

Em um pas que ainda sofre com a deficincia no ensino pblico e com o alto ndice de

analfabetismo funcional, todas as tentativas que incentivem e transformem nossos brasileiros em

leitores so extremamente bem-vindas.

Segundo as estatsticas apresentadas pela Revista Nova Escola, o ltimo Indicador

Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), divulgado no incio de 2008 pelo Instituto Paulo

Montenegro e pela ONG Ao Educativa, revela que apenas 28% dos brasileiros com idade entre

15 e 64 anos tm domnio pleno da leitura e da escrita, conseguem ler textos longos, relacionar os

assuntos abordados, ou menos comparar os dados apresentados e os 72% possuem habilidades

bsicas e rudimentares limitando-se compreenso de ttulos, frases e textos curtos.20

Uma das maiores dificuldades encontradas pelos adolescentes est na forma de ler. O livro

oferece uma mensagem elaborada a ser decifrada e compreendida, porm para obter este saber

necessrio decifrar os signos escritos e compreend-los. Acontece que maioria dos casos os alunos

somente passam os olhos sobre o texto e no compreendem o que est sendo proposto pelo autor.

19

Regina Scarpa, consultora pedaggica da revista Nova Escola.

18 LINARDI, Fred. O X da questo_ Num pas castigado pelo analfabetistmo, projetos de incentivo leitura so

muito mais do que bem-vindos: so fundamentais. Nova Escola edio especial, So Paulo: Abril, n. 18, 7-9, 2008.

14



Muitos estudantes lem sem compreender, decifram o texto sem compreender o que o texto

realmente traz de informatividade. importante salientar que, para um leitor capacitado, a

principal proposta da leitura compreender qual a mensagem, com o objetivo de buscar analisar

todos os pontos abordados pelo autor de uma forma coerente e gil. J para um leitor inexperiente,

como por exemplo, uma criana, quando aprende a ler, cuja principal tarefa decifra as letras, sua

leitura ser, provavelmente, mais lenta, antes da compreenso da mensagem, ela dever

discriminar e identificar as letras, combinando-as entre si, reconhecer o seu significado, relacion-

las e por fim compreender a mensagem daquele texto.

Podemos estimular estas crianas, fazendo uma leitura em voz alta dos textos trabalhados,

mostrando a elas modelos de leitura, pois o professor o modelo de leitor. Desta forma elas

podem se orientar melhor, inclusive guiando-se com o dedo, e aos poucos as frases sero

entendidas. Logicamente, devemos relacionar a leitura com bons hbitos, o estmulo deve comear

cedo, pois so importantes para o desenvolvimento de relaes produtivas como o saber garantindo

assim um melhor aprendizado.

O fracasso na leitura pode ocasionar diversos problemas na vida social e escolar do

indivduo, e neste contexto, de modo geral, a leitura ainda entendida como uma simples

compreenso do sentido literal das palavras, ou seja, do sentido contido no dicionrio e atribudo

aos signos do texto. E como toda palavra referncia lingstica ao mundo, o educador acaba se

contentando com a leitura da mensagem literal do texto e com os efeitos empricos desta

mensagem, podendo gerar como conseqncia o mau rendimento escolar. Mesmo na vida social,

a criana ou adolescente no possuir um senso crtico, no compreender o mundo em que vive,

ser o que se entende por analfabeto funcional.

Ler, de fato, no tarefa simples, pois exige do leitor o trabalho sensvel e inteligente de

desconstruo do texto, ou seja, de reconhecimento do jogo complexo dos signos, tornando aquilo

que parece trivial aos olhos de um leitor pouco crtico num modo simblico e profundo de

revelao particular da realidade humana.

No entanto, o leitor ideal existe; e este no pode restringir o ato da leitura ao movimento

nico de decifrao lingstica da mensagem do texto, mas deve completar este movimento

15



receptivo pelo reconhecimento do uso social e ideolgico dos signos, ativado pelo autor, na

construo desta mensagem.

Assim, autor e leitor, sujeitos histricos inseridos num determinado contexto, momento e

espao sociais, so elementos igualmente determinantes dos efeitos de sentido de um texto. Em

outros termos, relacionar os signos de um texto com os sujeitos interlocutores implica competncia

intelectual do leitor para ler no s o contedo literal da mensagem, mas, sobretudo para descobrir

as estratgias e mecanismos sociais de construo do sentido final da mensagem.

Diversos fatores nos levam a concluir que vrios sujeitos possuem hbitos inadequados de

leitura.

1.4 O que a literatura pode resgatar e nos ensinar?

A leitura por si s nos traz um universo todo especial, e por este tato que tentamos

reconhecer o mundo que nos cerca e a nossa prpria essncia dentro de um simples texto. A

experincia da leitura a nossa aventura, a histria romntica que vivemos pelo simples ato de

abrir um livro, algo do encanto da descoberta da infncia permanece em cada livro, em cada troca

de pgina. Para muitos a leitura sinal de felicidade.

Quanto h de ldico em uma breve leitura? Basta observar os desacertos das crianas no

emprego correto das palavras. Quando a criana, ao comear a ler, ela seleciona cada palavra, cada

som, e brinca com eles, ela se arrisca reordenando as frases e os sons de acordo com sua realidade,

conforme o seu desejo.

A experincia da leitura tem um poder estranho, uma energia nica que cerca cada leitor,

acende a imaginao, despertando em cada um a capacidade de imaginar o como seria e o que

poderia ser.

Dentre muitos poetas e pensadores, podemos nos reportar ao primeiro autor que referiu-se

leitura como sinnimo de alegria e felicidade.

16



No sculo XVI, Miguel de Montaigne21

mostra seus estudos e se torna um dos precursores

dos estudos do mundo da leitura, o homem como leitor. Suas idias notveis so bem ilustradas em

seus famosos livros e em seus ensaios, que colocaram o homem na tela do juzo, fazendo da

compreenso pela leitura o principal foco de conhecimento. Montaigne influenciou diretamente

grandes pensadores como Nietzsche, Freud e at Marx. Todos eles nos ajudam at hoje a montar e

a figura do homem no sculo XX. Marx desvenda a face do interesse, o homem e a sua base

material e social, Freud apresentou o homem e o seu inconsciente, sua personalidade. Mas

atravs de Nietzsche, que somaremos as questes dos valores em primeiro plano.

Nas diversas discusses sobre leitura, tambm podemos citar Gautier e Proust, que

concordaram totalmente com as idias de Montaigne: eles nos mostraram que a leitura algo

necessrio, porm com limites.

Segundo Proust, a leitura capaz de nos dar algo que acende o desejo, mas no pode

preench-lo. Ao acender este desejo, ela desperta a vida do esprito, mas no pode substitu-la. A

leitura algo que nos leva limitar a vida e o esprito, mas no a constitui. Quem deve constituir a

vida o leitor, o mesmo deve de algum modo descobrir por si s o seu universo. Ir alm das

palavras e da imaginao, compreender o que realmente o autor quer transmitir com suas palavras,

pois texto se apresenta como uma operao cuidadosamente planejada, executada pelo autor, para

provocar, no leitor, potenciais reaes.

2. QUEM A CRIANA?

2.1 O desenvolvimento da linguagem

Os estudos da Psicolingstica nos levaram a diversos caminhos de pesquisa. ela que

analisa qualquer processo que diz respeito comunicao humana, mediante o uso da linguagem,

seja ela de forma oral, escrita, gestual etc. Essa cincia tambm estuda os fatores que afetam a

21

ZILBERMAN, Regina. Leitura: histria e sociedade.Srie Idias n.5. So Paulo: FDE, 1988. p.13-17. [http://www.crmariocovas.sp.gov.br/lei_l.php?t=001 acessado em 15/11/2009].

17



decodificao, ou seja, as estruturas psicolgicas que nos capacitam a entender expresses,

palavras, oraes, textos.

Pontos de pesquisas que durante anos levaram autores como Skinner, Chomsky, dentre

outros, a procurar entender como o ser humano desenvolve sua linguagem, seu pensamento e

adquire capacidade de raciocinar dentro de uma sociedade e como indivduo.

O Behaviorismo argumenta que a aquisio da linguagem atingida por meio da

experincia. A criana, segundo Skinner, inicia sua aprendizagem como uma tabula rasa22,

totalmente em branco, e seus conhecimentos lingsticos so constitudos por meio de estmulos e

respostas, imitaes e reforos.

Chomsky, grande seguidor das pesquisas de Skinner, aprimorou seus estudos e criou a

questo de Plato 23, o inatismo e a questo de Descartes, que defendia a criatividade. A base de

sua teoria est no entendimento de que linguagem humana inata, fazendo parte da herana

gentica do homem. A criana nasce pr-programada para adquirir a linguagem e capaz de, a

partir da exposio fala, construir suas hipteses sobre a lngua a que est imersa.

Para Chomsky, a lngua um sistema representado na mente/ crebro do indivduo.

Quando uma criana exposta, na idade correta, a um determinado conjunto de dados

lingsticos produz naturalmente uma lngua dados bastantes limitados so suficientes para

desenvolver uma lngua rica e complexa24. Segundo a teoria inatista, o ser humano vem

equipado com uma Gramtica Universal (GU). H um dispositivo inato de aquisio que

permite que a criana, exposta ao INPUT, construa hipteses sobre sua lngua, escolhendo os

parmetros que devero ser marcados ou fixados, gerando a gramtica de sua lngua nativa.

A viso cognitivista construtivista de Piaget do desenvolvimento mental normalmente

considerada como se situa entre os dois extremos tradicionais o racionalismo de Chomsky e do

empirismo de Skinner. A teoria de conhecimento nos prope que o conhecimento resulta de

22

MELO, Llia Erbolato. Tpicos de psicolingstica aplicada. 2 edio, So Paulo: Humanista/ FFLCH/ USP,

1999. 23

Ibidem p. 17 24

Ibidem p.17

18



uma atividade estruturada por parte do sujeito, que decorrem de seu prprio comportamento, que

gerar aes, por meio da interao do sujeito com o objeto da aprendizagem, ou seja, o

pesquisador entende a aquisio da linguagem como dependente do desenvolvimento da

inteligncia da criana, e sob esse ponto de vista, a linguagem surge quando a criana desenvolve

a funo simblica. necessria a mediao do outro entre a criana e o mundo, porm

interessante ressaltar que a criana no espera passivamente o conhecimento, mas o constri a

partir das relaes estabelecidas atravs dessa mediao.

A fonte da inteligncia, segundo Piaget, no est no grupo social, mas sim nas prprias

aes do indivduo sobre seu meio, e afirma tambm que o desenvolvimento da linguagem

limitado pelo desenvolvimento cognitivo, no sentido de que h aspectos de linguagem que a

criana s poder executar depois de ter atingido um nvel correspondente de controle cognitivo.

Diante de diversos questionamentos, tais como: Por que as crianas falam? Quais so

seus objetivos ao usar a linguagem? Que funo a linguagem infantil exerce?25, ele tenta

classificar cada sentena emitida pelas crianas, e conclui que existem duas amplas categorias de

linguagem: Linguagem no comunicativa ou egocntrica, que se mediar nas repeties

(ecolalia), quando a criana faz do uso de repeties de uma ou mais palavras, nos monlogos, a

criana fala para si mesma, como se pensasse em voz alta e a linguagem comunicativa ou

socializada, em que a criana ir se comunicar socialmente com os outros interlocutores, por

meio de perguntas e respostas.

Hoje vemos que h muitas discusses com base nos pensamentos de Vygotsky na rea da

educao e da psicologia, o que nos remeter a uma reflexo sobre as suas relaes com Piaget.

No Brasil, Piaget tem sido a base terica para todos estes estudos, e a semelhana entre os dois

tericos grande. Mas seus pontos de vista, com a mesma facilidade com que se encontram, se

separam, criando um denso e complexo ponto de reflexo. Vygotsky, nos falar que a criana

desenvolve sua aprendizagem, o seu desenvolvimento psicossocial, dentro de uma sociedade, ou

seja, atravs de estmulos. A criana, alm de seus conhecimentos prvios, necessita interagir

com o outro para aprender, podemos ento concluir que a comunicao humana pode ser

25

Ibidem p.17

19



considerada como uma contnua perceo-compreenso-produo; e a riqueza da linguagem faz

com que esse contnuo se processe de vrias maneiras.

2.2 O aprender

Cada ser humano tem a possibilidade de pensar em objetos ausentes, imaginar coisas

nunca vistas, e nem presenciadas, planejar aes a serem realizadas em momentos posteriores.

Esse tipo de ao psicolgica considerado superior. Temos as aes elementares, reflexivas ou

automticas, como por exemplo, a suco do seio materno pelo beb, ou quando escutamos um

barulho alto e projetamos a cabea para um sentindo oposto, ou ainda quando fazemos

associao de eventos, como o ato de no colocar a mo em uma chama de uma vela.

Um ponto chave para compreendermos as concepes de Vygotsky sobre o

funcionamento psicolgico o conceito da mediao. A mediao o processo de interveno de

um indivduo em sua ao, ou seja, toda ao tem uma conseqncia.

Kohl26

utiliza um simples exemplo, que nos possibilitar entender o que Vygotsky nos

prope: quando um indivduo aproxima sua mo da chama de uma vela e a retira rapidamente ao

sentir dor, cria-se um crculo, uma relao direta entre o calor da chama e a mo retirada. Porm,

quando o indivduo, sente o calor da chama em suas mos e antes mesmo de sentir a dor, ela a

retira, estar fazendo uma mediao com a lembrana da experincia anterior, criando-se um

processo simples de estmulo e resposta.

H dois tipos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos. O uso dos

instrumentos na atividade humana possui uma forte ligao com os marxistas, pois nosso terico

sempre buscou compreender as caractersticas do homem atravs do estudo da origem e

desenvolvimento da espcie humana, como o surgimento do trabalho e a formao das

sociedades com base no trabalho, sendo tal processo o que far distino entre a humanidade das

26

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: Um processo scio-histrico. So Paulo,

Scipione: 1997.

20



demais espcies. Os instrumentos so elementos externos ao indivduo, voltados para fora dele,

com a funo de provocar mudanas nos objetos e controlar os processos da natureza.

O uso do signo so as interpretaes como representao de uma realidade e podem

referir-se a elementos ausentes do espao e do tempo presente. Podemos utiliz-los de diversas

formas, como auxlio no desempenho de nossas atividades psicolgicas, por exemplo, fazendo

uma lista de compras por escrito, utilizar um mapa, diagramas para a construo de objetos e at

mesmo casas ou um pequeno n em uma fita, para lembrarmos alguma atividade, entre muitos

outros.

Este sistema de representao da realidade nos mostra uma das principais colocaes de

Vygotsky, segundo a qual toda linguagem um sistema bsico de todos os grupos humanos,

portanto socialmente dados por ela. Sendo assim, o grupo cultural ao qual este indivduo

pertence, onde se desenvolve e fornece as formas reais para construo e organizao de seu

psicolgico. Criando-se uma mediao entre o indivduo e o mundo.

O grupo cultural o qual a criana pertence, nasce e se desenvolve, funcionar como base

para a formao de adultos politicamente condicionados a viver de acordo com os modos

culturalmente estabelecidos por seu grupo cultural.

O ser humano um animal cultural, social e histrico. Dotado de inteligncia e

sensibilidade, , a um tempo, racional e afetivo. Exerce, permanentemente, uma atividade

cognitiva. Para a compreenso das coisas que o cercam e para a sua atividade, utiliza como

instrumentos de intermediao entre ele mesmo e os outros, entre ele mesmo, os outros e o

mundo envolvente, sistemas simblicos. Atravs desses processos, o ser humano constri,

conhece e interpreta. As coisas do mundo so transformadas em recortes culturais.

importante ressaltar que quando falamos de cultura, no estamos nos referindo somente

a um determinado pas, ou grupo social e sim ao conjunto, como a classe socioeconmica, os

costumes de seus pases e principalmente influncia que os pais exercem sobre elas, em seus

modos de ver a vida e solucionar os problemas nelas encontrados ou at mesmo em suas prticas

profissionais, lembrando que o ser humano tambm um animal social, pois desde os tempos

21



mais remotos, no vive sozinho, mas rene-se em grupos, em comunidades, e todos os grupos

humanos tm um ordenamento social.

A relao interpessoal, portanto, a chave para o desenvolvimento psicolgico e

individual de cada pessoa. A cultura, para Vygotsky no apenas um sistema esttico ao qual o

indivduo se submete, mas sim um palco de negociaes, em que seus membros esto em um

constante movimento, criando e recriando aes e informaes, conceitos e significados.

A vida social de cada um um processo dinmico, onde cada sujeito ativo e interage

diretamente com o mundo real e o mundo subjetivo de cada um. O processo de interiorizao da

matria-prima fornecida pela sociedade no uma absoro passiva, cada um sofre uma grande

transformao ao passar por ele. Tal processo para Vygotsky um dos principais e mais

importante mecanismos a serem compreendidos pelo ser humano. Como ao longo de sua vida e

de seu desenvolvimento o homem consegue tomar posse das formas de comportamento

fornecidas pela cultura, na qual as atividades passam de externa para funes interpessoais

transformando-se em aes internas, intrapsicolgica.

O termo cultura origina-se do latim cultura, atravs do alemo kultur. No se deve

entend-lo como verniz, enfeite ou adorno das pessoas. Trata-se, ao contrrio, de um patrimnio

coletivo. Universo complexo compreende um sistema de valores, uma ideologia, uma axiologia;

compreende tambm, um sistema de crenas; compreende, ainda, hbitos, costumes e ritos.

Assim, o universo cultural de uma comunidade humana confere-lhe a identidade cultural

e, simultaneamente, a conscincia histrica de sua continuidade e permanncia.

2.3 Desenvolvimento e aprendizagem

O desenvolvimento, segundo Vigotsky, acontece de fora para dentro. Primeiramente,

realizamos as aes externas, que sero interpretadas pelos demais do grupo, de acordo com os

significados pr-estabelecidos; a partir dessa interpretao ser possvel atribuirmos significados

22



s nossas aes e desenvolver os processos psicolgicos internos que podem ser interpretados por

cada um de ns de acordo com os mecanismos estabelecidos e compreendidos pelos diferentes

grupos culturais, como ocorre quando um beb tenta, por exemplo, pegar um objeto que est fora

de seu alcance e aponta, a fim de mostrar o que deseja atravs de seu gesto.

O pensamento e a linguagem se desenvolvem de formas totalmente diferentes. Antes que

a linguagem e o pensamento se associem, a criana pequena passa por alguns processos os quais

denominamos de fase pr-verbal e pr-intelectual.

Quando a criana ainda pequena, ela criar uma capacidade bsica para resolver

problemas prticos, e utilizar instrumentos e meios indiretos para conseguir objetos, ou at

mesmos saciar uma vontade, como tomar gua e mostrar que est com fome, por exemplo.

Nesta fase, por mais que a criana no se utilize da forma verbal para se comunicar, ou

seja, no utilize a linguagem enquanto sistema de fala usar outros mtodos de comunicao

muito eficazes, como por exemplo, o choro, o riso, o balbucio e os gestos.

Quando os processos de desenvolvimento do pensamento e da linguagem esto totalmente

formados e se unem, surgindo assim, a linguagem verbal e racional, o ser humano passa a ter um

funcionamento psicolgico mais sofisticado. Contudo, faz-se necessrio ressaltar que, para

Vygotsky, o surgimento desse funcionamento no elimina a presena da linguagem irrefletida, ou

seja, a linguagem emocional ou repeties automticas de frases decoradas.

A funo principal da linguagem a comunicao social. A criana primeiramente utiliza

a fala socializada, com a funo de comunicar, de manter um contato social e com seu

desenvolvimento, ela passa a ser capaz de se utilizar da sua prpria linguagem. Neste processo de

pesquisa e estudos sobre o discurso socializado e o discurso interior, recorremos a uma fase

primordial, que completar este ciclo e permitir uma compreenso do tema, a fala egocntrica.

O beb considerado o membro mais imaturo de seu grupo social, passando por um

processo de aquisio de linguagem que j existe no meio em que vive. Em suas primeiras fases a

23



criana utilizar diversas formas para se comunicar com o seu grupo, usando uma linguagem

prpria.

Num certo momento de seu desenvolvimento, a criana passa a utilizar uma linguagem

egocntrica, falando alto para si mesma, independentemente das pessoas que a cerca no

momento. Tal atitude se explica ao fato de a criana projetar seus pensamentos e suas

interpretaes em voz alta; somente ela saber, porm, o que est sendo relacionado no momento.

Podemos considerar esta fase como transitria, em que a criana j possui a funo que ter como

base em seu discurso interior, mas a associao da fala socializada, externa, ainda no est

formada.

importante mencionar que esta questo o ponto de maior divergncia entre Piaget e

Vygotsky. Piaget postula uma trajetria de dentro para fora, enquanto Vygotsky considera o

percurso contrrio de fora para dentro do indivduo, ainda que considere tambm construes

internas individualizadas, mas sempre a partir de um referencial externo. O discurso egocntrico

considerado, portanto, como um processo transitrio que seguem caminhos totalmente opostos

por nossos tericos. Mesmo nunca tendo se conhecido ambos discutiram seus pontos em comum

em suas obras.

O desenvolvimento da linguagem um dos pontos centrais dos estudos de Vygotsky que

define tal discusso com as seguintes palavras:

[...] a relao entre pensamento e a palavra no uma coisa, mas um processo, um movimento contnuo de vaivm do pensamento para a palavra e vice-versa. Nesse processo,

a relao entre o pensamento para a palavra passa por transformaes que, em si mesmas,

podem ser consideradas em desenvolvimento no sentido funcional. O pensamento no um

simples expresso em palavras; por meio delas que ele passa existir. Cada pensamento

tende a relacionar alguma coisa com outra, a estabelecer uma relao entre as coisas. Cada

pensamento se move, amadurece e se desenvolve, desempenha uma funo, soluciona um

problema. Esse fluxo de pensamento corre como um movimento interior atravs de uma

srie de planos. Uma anlise da interao do pensamento e da palavra deve comear com

uma investigao das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de ser

expresso em palavras. [...] A primeira coisa que esse estudo revela a necessidade de se

fazer uma distino entre os dois planos da fala. Tanto o aspecto interior da fala_ semntico

24



e significativo _ quanto ao exterior_ fontico, embora formem uma unidade. A unidade da

fala uma unidade complexa, e no homognea.27

Ao lado de suas preocupaes constantes com as questes do desenvolvimento, Vygotsky

enfatiza a importncia dos processos de aprendizagem. Desde o nascimento da criana, seu

aprendizado esta ligado ao seu desenvolvimento e um aspecto necessrio e universal do

processo de desenvolvimento das funes psicolgicas culturalmente organizadas e

especificamente humanas28.

Podemos pensar em um indivduo que vive em um meio cultural isolado da sociedade,

que no dispe de um meio de escrita. Se esse indivduo jamais sair, ou seja, se continuar neste

meio sem nenhum estmulo, poder jamais ser alfabetizado. o processo de leitura e escrita que

desperta e desenvolve este processo em um indivduo.

Se pensarmos de uma forma mais concreta e observarmos, por exemplo, uma criana

normal que eventualmente crescesse num ambiente formado exclusivamente por surdos-mudos,

no desenvolveria nenhuma linguagem oral, mesmo que tivesse requisitos prprios para isso.

Esse fenmeno ocorre devido falta de estmulos que esta criana ter em seu ambiente de

aprendizado. Toda criana desenvolve seu aprendizado por meio da prtica e da observao. O

ser humano cresce num ambiente social e a interao com outras pessoas essencial para o seu

desenvolvimento.29

Nas sociedades letradas, as escolas tm como papel principal o desenvolvimento do

aprendizado dos indivduos. Para Vygotsky se o aprendizado impulsiona o desenvolvimento,

ento a escola tem um papel fundamental na construo do ser psicolgico adulto dos indivduos.

Esta, porm, deve direcionar este ensino para pontos ainda no explorados, incorporados pelos

alunos, funcionando como um propulsor de conhecimentos.

27


Scipione: 1997- p 53-54.

28


Scipione: 1997- p 56. 29

Idem p. 57.

25



A interao entre os alunos tambm mostra um papel importante no desenvolvimento

infantil. As crianas desenvolvem diversos estgios de conhecimento, variando de criana a

criana, de modo que a interao pode favorecer uma troca de saberes, que se tornam mais

simples de se compreender, partindo do ponto de que ela se utiliza de linguagem prpria, e de

fcil compreenso, muitas vezes no percebidas pelos adultos.

Podemos relacionar o uso do brinquedo para a referenciao da aprendizagem, a

brincadeira e o faz-de-conta; brincar de casinha, escolinha, para citar alguns exemplos. A

criana levada a um mundo imaginrio, onde as situaes so definidas pelo significado

estabelecido pela brincadeira e no pelos elementos reais que os envolvem. Elas criaram

associaes com os objetos imaginrios (um pequeno pedao de madeira que se transforma num

magnfico carrinho de corrida) ajudando a criana a separar objeto dos significados. O brinquedo,

a fantasia prov, assim, uma situao de transio entre ao da criana com objetos concretos e

suas aes com significados.

Quando estabelecemos as regras das brincadeiras, fazemos com que a criana se comporte

de forma mais avanada daquela habitual para a sua idade. As mesmas se espelharam no real para

desenvolver a sua fantasia, como no caso de um menino que, dirigindo o seu pequeno carrinho, se

espelha no pai; os pais so os espelhos de seus filhos. O que na vida real natural e passa

despercebida, na brincadeira passa a ser uma regra e contribui para que a criana entenda o

universo particular dos diversos papis que desempenhar em sua vida.

As escolas devem se utilizar deste precioso recurso e de situaes imitativas para atuar no

processo de desenvolvimento das crianas. A leitura tambm pode ser um recurso extremamente

til, pois far com que a criana utilize mais ainda o todo o seu intelectual aumentando o seu

campo de conhecimento e aprendizagem.

26



3. LEITURA E SOCIEDADE

A histria da leitura da cultura e dos livros tem uma longa tradio, mas somente h

pouco tempo ela se ampliou para compreender plenamente a trajetria da leitura e da escrita

como prticas sociais.

Roger Chartier30

fez uma enorme inovao com seus estudos, ao demonstrar que

possvel estudar a humanidade pela evoluo de seus escritos. Em seus estudos, o pesquisador

traz grandes contribuies, na medida em que os diferentes interesses e usos se aproximam dos

leitores. Suas pesquisas serviram de base para os estudos de outras grandes pesquisadoras como

as argentinas Emilia Ferreiro e Delia Lerner, em particular noo de que a leitura no implica

uma elaborao de significados que no esto apenas nas palavras escritas, mas precisam ser

construdos pelo leitor e estimulados pelo seu meio.

Chartier compreendeu que um texto no apenas uma abstrao e que ele s existe graas

maneira como ele transmitido, e que as novas tecnologias lhe do razo. A leitura da internet,

por exemplo, costuma ser destituda e fragmentada, e o leitor raramente percebe o sentido do que

est lendo e da continuidade, diferentemente o manuseio de um jornal, em que o leitor tem total

domnio e ateno sobre o que est fazendo.

Esta a diferena fundamental, que faz da leitura dos livros totalmente mais profunda e

duradoura, a sobrevivncia deste formato impresso, apesar da disseminao dos meios

eletrnicos, ser sempre preservada.

Podemos dizer que o que temos hoje como leitura, o resultado das diferentes

temporalidades, que fazem do presente o que ele , ou seja, a herana e a captura, inveno e

inrcia ao mesmo tempo, so frutos de diversos trabalhos, diversas interpretaes, os leitores

fazem de cada leitura uma histria diferente.

O trabalho que fazemos como historiadores do livro mostrar que o sentido de um texto

depende tambm da forma material como ele se apresenta a seus leitores originais e por seus

autores. [...] Por meio dela, podemos compreender como e por que foi editado, a maneira

como foi manuseado, lido e interpretado por aqueles de seu tempo.31

30

Especialista francs em histria da leitura, professor- titular de Escrita e Cultura da Europa Moderna do Collge de

France. 31

FERRARI, Mrcio. Pesquisador francs estuda os significados sociais dados aos textos pelo autor e pelo leitor. Nova Escola, So Paulo: Abril, n. 220, mar. 2009.

27



Os benefcios que a leitura promove em sua sociedade so inmeros, o resgate da

cidadania, desenvolvimento de um olhar crtico e competncias, a integrao social, a ampliao

de seus horizontes e de seu vocabulrio alm de profissionais capacitados e competentes. A

leitura deve complementar o domnio da escrita e cabe ao professor e aos pais a estimular o

pensar, o refletir, o participar e o agir destes indivduos.

A leitura um dos meios mais importantes para as novas aprendizagens, possibilitando a

construo e o fortalecimento de idias e aes, ningum se torna um leitor por obrigao,

ningum nasce gostando de leitura. A influncia dos adultos, ou seja, os pais, so muito

importantes medida em que eles so vistos lendo ou escrevendo perto dos pequenos.

3.1 Os contos de fadas e o papel dos pais no desenvolvimento social da criana.

Para haver o interesse da criana pelo livro, a mesma deve criar um vnculo de

afetividade, compreender o livro como um brinquedo, para no se contaminar com a idia de que

ler chato. Se for necessrio ler mais de uma vez o mesmo livro para a criana, porque fazendo

assim, ela pode estar ativando alguma rea de sua inteligncia para compreenso, e no devemos

perder de vista que a princpio, somos ns adultos que devemos despertar o seu interesse. O

contato com a leitura desde cedo rende frutos na vida adulta.

Quando se conta uma histria para uma criana, a linguagem oral se mistura com a

escrita. Mas quando se l, h o contato com a linguagem oral e escrita bem maior que

fundamental no processo de formao de um leitor. O trabalho com as crianas no alfabetizadas

de extrema importncia, pois a partir deles que constituiremos a base de nossa sociedade.

Ao ler devemos envolver a criana, criar uma ambientao propcia, quase um suspense...

pois as crianas gostam a leitura torna-se mais atraente e divertida, verificando-se que as

preferncias de nossos pequenos leitores so pelos livros-brinquedos e pelos contos de fadas.

Os contos de fadas apresentam sempre conflitos universais. A apario de bruxas ms e

provaes ajudam a criana a interpretar melhor a vida real e identificar seus prprios medos,

criam uma base para a formao de sua personalidade. A criana interpreta a simbologia contida

nessas histrias de acordo com suas vivncias.

28



O Era uma vez... O mundo dos Contos de Fadas so oportunidades mpares de poder para

a formao de excelentes e permanentes leitores. O grande escritor infantil Hans Christian

Andersen uma boa oportunidade para explorar a fantasia das crianas com histrias clssicas

que serem encantaram e encantam geraes, como O Patinho Feio e O Soldadinho de

Chumbo, dentre muitos outros.

No h como referir-se aos contos de fadas e deixar de mencionar Hans Christian

Andersen. A vida deste dinamarqus daria um verdadeiro conto de fadas. E de certo modo em

suas narrativas esto contidas muito de suas tristezas e alegrias. Ele o autor de cerca de 160

contos e seis romances, alm de poesias, tendo sua obra traduzida para mais de 100 lnguas.

Sua genialidade est expressa em sua leveza ao escrever, nas suas poesias e na melancolia

com que trata o sofrimento infantil, tal caracterstica o consagra como o primeiro escritor infantil.

Era uma vez... um garoto pobre e feio que queria ser ator. Uma de suas poucas alegrias era

assistir histrias populares encenadas pelo pai, que era sapateiro, em um teatrinho feito de

papelo. Quando o pai morreu, o sonho do menino ficou mais distante, j que ele teria que

sustentar a famlia. Um dia, o garoto partiu para bem longe e passou fome e frio at

conhecer um homem que pagou seus estudos e viagens pelo mundo. O menino no se tornou

ator, mas ficou rico e famoso escrevendo histrias infantis. 32

fcil reconhecer um conto de fadas. Animais que falam e ganham vida, fadas madrinhas

que guiam nossos sonhos, reis e rainhas tambm no podem faltar, assim como prncipes e

princesas e a famosa introduo "Era uma vez ...".

As narrativas sempre se passam em lugares distantes, muito longe daqui... Seus personagens

possuem nomes comuns ou apelidos, como Joo e Chapeuzinho Vermelho. Esses elementos

facilitam a memorizao, aguam a imaginao dos nossos pequenos leitores e tornam a narrativa

apropriada oralidade. No conto maravilhoso, o leitor transportado para um mundo onde tudo

possvel: tapetes voam e galinhas que pem ovos de ouro, bruxas com mas envenenadas, anes

e gigantes. Essa a magia da fantasia.

32 BENCINI, Roberta. Era uma vez... O maravilhoso mundo dos contos de fadas e seu poder de formar leitores, Nova

Escola, So Paulo: ABRIL, n185 set/2005.

29



As histrias infantis e os contos populares existem desde que o ser humano adquiriu fala.

H histrias oriundas de diversos pontos do mundo como frica, ndia, China, Japo e no Oriente

Mdio. Na coleo de contos rabes, temos, por exemplo, uma das mais famosas: As mil e uma

noites, obra esta que se compe de diversos contos, todos ligados entre si, despertando assim

maior interesse do leitor para desvendar os intricados ns de discursividade. A maior parte destes

escritos foi composta entre os sculos XIII e XVI, porm at hoje despertam a curiosidade e o

interesse de todos. "A fantasia um mecanismo inventado pelo homem na era medieval para

superar as dificuldades da vida real", conta Katia Canton, especialista em contos e contos de

fadas da Universidade de Nova York.

A fantasia e a sutileza dos contos de fadas auxiliam nossos pequenos leitores a lidar com

problemas dirios como a morte, a separao de seus pais e as brigas com seus irmos, ajudando-

os superar e reconhecer os seus medos. As crianas se identificam com os heris e experimentam

diversas sensaes e emoes.

Os contos mais famosos e tradicionais como O pequeno polegar, que representa o

desejo de vingana do mais fraco contra o mais forte, servir de embasamento para que na vida

adulta, a criana saiba distinguir o bem do mal, e ter a noo que no mundo h fortes e fracos.

Que criana no fica com medo ao imaginar o Lobo Mau devorando a Vovozinha? Ou odeia a

bruxa quando ela prende Rapunzel na torre, e faz com que Branca de Neve e Bela Adormecida

aguardem a chegada de seu prncipe na penumbra?

A agressividade e o descontentamento com irmos, mes e pais so vivenciados na

fantasia dos contos na maior parte das histrias: o medo da rejeio retratado em Joo e

Maria; a rivalidade entre irmos em Cinderela, e a separao entre as crianas e os pais em

Rapunzel e O Patinho Feio.

Para a escritora Machado33

, os contos de fadas pertencem ao gnero da fantasia. Muitos

estudiosos afirmam que as crianas gostam de violncia, que um dos prazeres, tanto para crianas

33

Ana Maria Machado, jornalista, professora, pintora e escritora brasileira.

30



como at para adultos pegar emprestado grandes aventuras, amores impossveis e tambm o

poder da vingana. Cabe a ns sabermos canalizar estes pensamentos de forma natural e positiva,

para que a criana cresa e se desenvolva sabendo o que certo e o que errado.

A leitura destes pequenos textos feitas com a devida ateno, nos proporcionar o

conhecimento de nossos alunos de forma muito mais ampla. A partir desse conhecimento

podemos trabalhar o potencial de cada um com mais prioridade, formando assim alunos com

capacidades mltiplas, para que saibam atuar na resoluo e identificao de problemas,

interpretando o mundo real de forma mais clara.

3.2 O papel da Escola

As escolas comearam a surgir a partir de 1600. Antes, como j mencionamos, existiam

somente alguns estabelecimentos, especialmente religiosos, onde os meninos eram instrudos, para

assim trabalhar e ter uma profisso, as meninas, porm, ficavam nas residncias para o

aprendizado das prendas do lar, espera de um bom casamento.

Com o passar dos anos, o conhecimento humano foi se tornando algo preciso e comeou a

expandir-se. As escolas multiplicaram-se para atender a grande demanda, mas tais oportunidades

s eram concedidas s classes mais afortunadas, pois tais conhecimentos deveriam ser transmitidos

de gerao a gerao. Grande parte da populao desta poca continuava analfabeta devido falta

de recursos e os demais preconceitos que cercavam o perodo.

A industrializao dos sculos XVIII e XIX ajudou a mudar este quadro, aumentando a

necessidade de se escolarizar a populao a fim de aumentar a mo de obra qualificada. A cincia

continuou avanando a cada dia trazendo mais benefcios a toda sociedade, e ento a educao,

no poderia ser restrita apenas s classes dominantes, estvamos quebrando uma das enormes

barreiras impostas pela nossa sociedade, enfim as portas do conhecimento se abriram.

No sculo XIX, a idia de uma escola gratuita que atendesse a todos, comeou a se tornar

realidade e a ser estudada como uma boa oportunidade e uma enorme necessidade. Era o incio de

uma revoluo, que perdurou no sculo XX, marcado pela implantao dos grandes sistemas

31



educacionais. A escola elementar tornou-se pblica, gratuita e leiga, ou seja, no religiosa, na qual

o aluno aprenderia no primeiro momento a ler, escrever e contar.

Todavia, apesar desses progressos, o Brasil entre outros pases latino-americanos, ainda

hoje no oferece acesso pleno nem mesmo escola, devido marginalizao e as desigualdades

sociais como um todo, e a falta de interesse de alguns alunos para desenvolver suas

potencialidades e o conhecimento.

No Brasil ainda no temos um sistema educacional exemplar e nico, tampouco nossos

profissionais so preparados, avaliados e capacitados. Esses profissionais recebem, muitas das

vezes, uma remunerao que quase no chega a suprir suas necessidades bsicas. Um profissional

que trabalha desmotivado, no consegue transmitir entusiasmo no que faz principalmente u

professor, que uma das molas propulsoras para que o aluno queira permanecer na escola, sendo

ele, que com suas palavras seduz o seu aluno para que possa vislumbrar um mundo diferente em

que as afirmaes como posso, sou capaz e consigo possam ser traduzidas como verdades.

CONSIDERAES FINAIS

A arte representa uma atividade fundamentalmente humana, assim, uma obra de arte

provoca efeitos psicolgicos, o sentimento do belo, difcil de precisar. A arte a manifestao da

alma e da inteligncia humana, a partir de um recorte da realidade.

Na Literatura, o homem, por meio da palavra e de sua capacidade criadora, recorta parte

da realidade, cria o texto por meio do qual se manifesta o seu discurso, que est presente na obra

de arte. A Literatura a arte da palavra, ou melhor, dizendo, a palavra a matria-prima da

Literatura. Na Literatura, a obra, por meio da palavra, traz um olhar do belo. Assim, os diversos

textos passam a ter vrias atribuies no seio da vida social. So vistos como ficcionais,

despertam emoes, suscitam o prazer do texto e constituem, geralmente, no imitaes da vida,

mas metforas da vida, que conduzem a uma melhor compreenso desta.

32



A tarefa prazerosa de um leitor, no pode sustentar-se no simples reconhecimento da

histria lida ou contada, mas deve expandir-se e concentrar-se na apreenso da complexidade e

seduo da leitura, que aguarda o leitor, como um observador capaz de dividir com o autor um

nvel profundo de comunicao intelectual, filosfica e emocional, em que a cada lambida de

dedo para virar uma pgina se constitua num espetculo de descobertas e emoes.

Conclumos que a leitura, desde sempre formou seus pilares dentro da sociedade, e

sem sombra de dvida, fonte de inspirao, sabedoria e conhecimento. assim que queremos e

acreditamos que sejam os leitores que pretendemos formar.

33



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