a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

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JOSÉ ANTONIO TURNES GOMEZ A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO NO ÂMBITO DA INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA: OS POSICIONAMENTOS DA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU) E DO GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL (GSI) Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Ten Cel/R1 Jaqueline Barradas. Rio de Janeiro 2015

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Page 1: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

JOSÉ ANTONIO TURNES GOMEZ

A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO NO ÂMBITO DA INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA:

OS POSICIONAMENTOS DA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU) E DO GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL (GSI)

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.

Orientador: Ten Cel/R1 Jaqueline Barradas.

Rio de Janeiro 2015

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C2015 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________

Assinatura do autor

Biblioteca General Cordeiro de Farias

GOMEZ, José Antonio Turnes A implementação da Lei de Acesso à Informação no âmbito da

Inteligência Estratégica: os posicionamentos da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) / José Antonio Turnes Gomez. - Rio de Janeiro: ESG, 2015.

127 f.: il.

Orientador: Ten Cel/R1 Jaqueline Santos Barradas. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2015.

1. Lei de Acesso à Informação. 2. Inteligência estratégica. 3. Transparência administrativa. I.Título.

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A Maria del Carmen, pela eterna

presença. A Thereza Christina e Tânia,

pelo apoio e carinho.

Page 4: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

AGRADECIMENTOS

À Tenente-Coronel Jaqueline Santos Barradas, pela paciência, compreensão

e amabilidade, além da orientação segura e competente.

Aos membros do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, pela

disposição em compartilhar conhecimentos e experiências.

À equipe da Biblioteca General Cordeiro de Farias, que sempre me atendeu

com eficiência e cordialidade. Meus especiais agradecimentos à Professora Doutora

Maria Célia, à bibliotecária Andréia, à Sra. Silvana e aos estagiários Fernanda,

Jéssica, Nicole, Tiago e Yasmin.

Ao Comandante Knust, pela gentileza em resolver pendências burocráticas

no decorrer do processo seletivo e pelas preciosas informações sobre transporte.

Ao Coronel Heleno e à Tenente Carolina Kircove pela solidariedade e apoio

que tenho recebido desde o início do curso.

Aos companheiros de viagem no Marola IV, pela alegria e camaradagem ao

longo de todos esses meses.

Aos estagiários da turma “Destinos do Brasil” do Curso de Altos Estudos de

Política e Estratégia, pela troca de experiências e profícua convivência.

Ao Oficial de Inteligência Ariel Macedo de Mendonça, pelo incentivo e pelas

oportunas indicações bibliográficas.

Aos profissionais que na minha ausência tiveram de assumir tarefas que

normalmente me seriam designadas.

Page 5: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

Em casa de caramujo até o sol encarde.

Manoel de Barros

El secreto, por lo demás, no vale lo que valen los caminos que me condujeron a él. Esos caminos hay que andarlos.

Jorge Luis Borges

Page 6: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

RESUMO

A pesquisa aborda as oportunidades e os desafios gerados pela aprovação da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), na esfera da atividade de inteligência estratégica. Inicialmente, efetuamos uma breve recensão dos estudos que tratam dos impactos dos novos mecanismos de transparência sobre a atividade de inteligência. Em seguida, são analisados tanto o processo de elaboração quanto o contexto da aprovação da proposta que deu origem à LAI, com ênfase na dinâmica dos debates institucionais e nos dissensos entre os atores intervenientes. As inovações introduzidas pela Lei nº 12.527/2011 são examinadas sob a perspectiva da atividade de inteligência, de modo a identificar as necessidades de adaptação de seus peculiares fluxos informacionais e de revisão de procedimentos e rotinas. No processo de implementação da LAI, o foco recai sobre as controvérsias entre a Controladoria-Geral da União (CGU), encarregada de monitorar a execução das medidas de transparência no Poder Executivo, e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela coordenação da inteligência federal. O estudo conclui que as divergências entre os dois órgãos da Presidência da República quanto às condições de acesso de documentos elaborados pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) não só se originam de lacunas e ambiguidades da própria LAI, mas também expressam e aprofundam deficiências do processo de institucionalização da atividade de inteligência estratégica no País. As principais fontes de pesquisa são documentos administrativos, em particular pareceres e despachos da CGU, na sua condição de instância recursal em situações de negativa de acesso a informações públicas. Em termos teóricos, a análise recorre a conceitos desenvolvidos no estudo sociológico das relações entre organizações, tais como “autonomia” e “disputa interburocrática” (turf battle), nas acepções empregadas por James Q. Wilson. Palavras chave: Lei de Acesso à Informação. Inteligência Estratégica. Transparência

Administrativa.

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ABSTRACT

This study seeks to analyze the opportunities and challenges created by the Brazilian Access to Information Act (LAI) within the framework of the activity of strategic intelligence. In the first chapter it is performed a brief review of Brazilian studies about the impacts of the new mechanisms of transparency on intelligence activity. The process of approval of the new rules is also considered, with an emphasis on the dynamics of institutional debates and dissents among the actors involved. The innovations introduced by the new rules are examined from the perspective of intelligence activities, in order to identify the needs of adaptation of their peculiar information streams and review procedures. In the implementation process, the focus is placed on controversies arising between the Office of the Comptroller General (CGU), agency that coordinates the measures of transparency in the Executive Branch, and the Cabinet of Institutional Security (GSI), an agency responsible for coordinating federal intelligence. The study concluded that the differences between the two bodies of the Presidency, with regard to conditions for access to documents drawn up by the Brazilian Intelligence Agency (ABIN), not only originate from gaps and ambiguities of the LAI itself, but express the shortcomings of the process of institutionalization of strategic intelligence activity in Brazil as well. Documents drawn up by the Administration itself are the main sources of this research, in particular legal analysis prepared by the CGU, in its condition of appellate instance in situations of denial of access to public information. In theoretical terms, the study uses concepts developed in the sociological study of the relationships between organizations, such as "autonomy" and “turf battle”, as used by James Q. Wilson. Keywords: Access to Information Act. Strategic intelligence. Transparency, Accountability

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RESUMEN

El presente trabajo trata de analizar las oportunidades y desafíos generados por la Ley nº 12.527, de 18 de noviembre de 2011, conocida como Ley de Acceso a la información (LAI), en el marco de la actividad de inteligencia estratégica. Se presenta una revisión de los estudios brasileños que evalúan los impactos de nuevos mecanismos de transparencia sobre la actividad de inteligencia. También es examinado el trámite de la propuesta que dio origen a esa legislación, con énfasis en la dinámica de los debates institucionales y en el disenso entre los actores involucrados. Las innovaciones introducidas por la Ley nº 12.527/2011 son examinadas desde la perspectiva de la actividad de inteligencia, con la finalidad de identificar las necesidades de adaptación de sus peculiares flujos de información a las nuevas reglas. En el proceso de implementación de la LAI, son estudiadas las controversias entre la oficina de la Contraloría General (CGU), encargada de supervisar la aplicación de las medidas de transparencia en el Ejecutivo y el Gabinete de Seguridad Institucional (GSI), organismo responsable de coordinar la inteligencia federal en Brasil. El estudio concluye que las diferencias de interpretación entre los dos órganos de la Presidencia de la República con respecto a las condiciones de acceso a los documentos elaborados por la Agencia Brasileña de inteligencia (ABIN) no sólo proceden de lagunas y ambigüedades de la ley, sino expresan y profundizan las deficiencias del proceso de institucionalización de la actividad de inteligencia estratégica en el país. Las fuentes utilizadas en el estudio son documentos elaborados por la administración pública federal, especialmente opiniones técnicas y dictámenes emitidos por la CGU, en su condición de instancia de apelación en casos de denegación de acceso a la información pública. En términos teóricos, el análisis utiliza los conceptos de "autonomía" y "contienda entre burocracias” (turf battle), desarrollados por James Q. Wilson en el estudio sociológico de las relaciones interorganizacionales.

Palabras clave: Ley de Acceso a la Información. Inteligencia Estratégica. Transparencia administrativa.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 Cronologia das ações de incentivo à transparência pública ............ 37

QUADRO 1 Graus de sigilo e prazos de classificação de informações ................. 65

QUADRO 2 Graus de classificação e respectivas autoridades classificadoras... 66

FIGURA 2 Instâncias recursais contra indeferimento de pedido de informações.... 69

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIN Agência Brasileira de Inteligência

ABONG Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais

ABRAJI Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo

AJUFE Associação dos Juízes Federais do Brasil

ANJ Associação Nacional de Jornais

BID Base Industrial de Defesa

CAEPE Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia

CEPESC Centro de Pesquisas e Desenvolvimento para Segurança das Comunicações

CC Casa Civil da Presidência da República

CCAI Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência

CGU Controladoria-Geral da União

CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

CMRI Comissão Mista de Reavaliação de Informações

CNV Comissão Nacional da Verdade

CPEAEx Curso de Política, Estratégia e Alta Administração Militar

CPGF Cartão de Pagamento do Governo Federal

CSIE Curso Superior de Inteligência Estratégica

DBTA Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística

DNISP Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública

DPF Departamento de Polícia Federal

DSIC Departamento de Segurança da Informação e Comunicações

EMCFA Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas

END Estratégia Nacional de Defesa

ESG Escola Superior de Guerra

e-SIC Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão

FAPERJ Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

FENAJ Federação Nacional dos Jornalistas

FOIA Freedom of Information Act

GSI Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República

INAI Instituto Nacional de Transparencia, Acceso a la Información y Protección de Datos Personales

IFAI Instituto Federal de Acceso a la Información Pública

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LAI Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527/2011)

LRF Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000)

MD Ministério da Defesa

MRE Ministério de Relações Exteriores

NSC Núcleo de Segurança e Credenciamento

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

OEA Organização dos Estados Americanos

OGP Open Government Partnership

PNI Política Nacional de Inteligência

PNPC Programa Nacional de Proteção do Conhecimento Sensível

RDI Relatório de Difusão Interna

RSAS Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos

SEDH Secretaria Especial de Direitos Humanos

SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública

SIC Serviço de Informações ao Cidadão

SIEx Sistema de Inteligência do Exército

SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência

SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNI Serviço Nacional de Informações

STPC Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção

TCI Termo de Classificação de Informação

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..............................................................................................11

2 MARCO TEÓRICO E REVISÃO DA LITERATURA....................................18

2.1 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS ................................................................. 18

2.2 REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................22

3 LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LAI) ...................................................33

3.1 ANTECEDENTES E CONTEXTO DE APROVAÇÃO ................................. 35

3.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES E INOVAÇÕES.......................................... 50

4 CONTROVÉRSIAS ACERCA DO ACESSO A INFORMAÇÕES RELACIONADAS À ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA .....73

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................108

REFERÊNCIAS...........................................................................................116

APÊNDICE A – Glossário .........................................................................125

ANEXO B – Parecer CGU n° 695/2014..................................................... 127

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11

1 INTRODUÇÃO

A Lei n° 12.527/2011, que ficou conhecida como Lei de Acesso à Informação

(LAI), e seus decretos de regulamentação introduziram procedimentos inovadores na

gestão informacional dos conhecimentos produzidos e custodiados pelos órgãos

responsáveis pela inteligência estratégica do País. A implementação dos

mecanismos de transparência preconizados nesse arcabouço jurídico constitui, em

princípio, um desafio significativo para uma atividade na qual tanto o sigilo quanto o

acesso condicionado à “necessidade de conhecer” são aspectos essenciais.

Em função do relativo desconhecimento, até mesmo na esfera do Poder

Executivo Federal, das peculiaridades dos fluxos informacionais adotados pelos

órgãos de inteligência estratégica, os quais se refletem em culturas organizacionais

relativamente fechadas, consideramos provável o surgimento de tensões no

processo de aplicação de mecanismos de acesso a informações a esse segmento

da Administração Pública brasileira. O histórico da introdução de normas

semelhantes em outros países onde o Estado Democrático de Direito foi restaurado

nas últimas décadas conferia, de acordo com a nossa avaliação, base suficiente

para a proposição desta hipótese.

Na esfera institucional, as tensões se expressariam em “disputas

interburocráticas” (turf battles), nas quais os principais órgãos e unidades

responsáveis pela produção e custódia de informações sigilosas procuram garantir,

frente às instituições de monitoramento e supervisão, um espaço mínimo de

autonomia diante dos novos procedimentos de acesso.

Entre as estratégias adotadas em outros contextos, é possível citar a defesa

de interpretações do ordenamento jurídico tidas como mais favoráveis à execução

segura e oportuna de suas missões, em geral desenvolvidas em ambientes

complexos e antagônicos. Ao mesmo tempo, os órgãos de inteligência esforçam-se

por adaptar as rotinas e processos tradicionais ao novo ordenamento, de forma a

obedecer ao princípio administrativo da legalidade e, portanto, dispor de níveis

adequados de legitimidade política. Recorrendo aqui aos conceitos empregados por

Marco Cepik (2003), os órgãos de inteligência buscariam reequilibrar as dinâmicas

de agilidade e transparência, por meio da reorganização de fluxos internos e do

reforço das políticas de afirmação de suas singularidades junto às demais estruturas

do aparelho de Estado.

Page 14: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

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No plano subjetivo, a tradicional aversão ao risco de expor dados sensíveis

que integra a cultura do profissional de inteligência, independentemente do vínculo

funcional e área de atuação, seria outro fator que poderia dificultar a implementação

de políticas que visem à ampliação da transparência administrativa.

Propusemo-nos assim, numa primeira etapa, a mapear a percepção do

impacto dos novos mecanismos de transparência entre os profissionais que atuam,

ou pelo menos atuaram até recentemente, na área de inteligência e se dispuseram a

escrever artigos, monografias ou livros sobre questões relacionadas à execução das

regras previstas na LAI. Assim, no segundo capítulo da monografia, após breve

exposição do marco teórico da investigação, efetuamos uma revisão da literatura

disponível sobre o assunto no Brasil.

O material coletado apresenta níveis de análise e condições de

aprofundamento bastante diferenciados, uma vez que consultamos tanto uma

dissertação de mestrado em direito quanto um pequeno artigo publicado em revista

especializada. Predominam no universo de autores os que lidam com a inteligência

em sua vertente policial, seja na dimensão investigativa ou no patamar propriamente

estratégico. No segmento de defesa, foi localizada apenas uma monografia

elaborada por um oficial do Exército.

Assim, não contamos com instrumentos que nos permitam avaliar em que

medida os posicionamentos expressos na literatura são de fato representativos das

concepções mais difundidas nas instituições de origem. Ante esta limitação

incontornável, o que nos interessou particularmente na análise dos textos foi, de um

lado, confirmar se a garantia do direito de acesso era valorizada enquanto elemento

de consolidação do regime democrático e de exercício da cidadania.

A partir de outra perspectiva, também tentamos verificar se os aspectos

peculiares da atividade de inteligência eram considerados relevantes para a

implementação dos novos mecanismos de transparência incluídos na Lei nº

12.527/2011, gerando desafios e oportunidades a serem levados em conta pelos

gestores das políticas públicas envolvidas.

Em seguida, no terceiro capítulo, empreendemos um estudo, tão abrangente

quanto possível, tendo em vista os limites impostos a este trabalho, da Lei nº

12.527/2011. Começamos pela análise de seus antecedentes normativos no campo

da transparência administrativa, tais como a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio

de 2005, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Deste modo,

Page 15: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

13

pretendemos inserir o estudo da LAI em uma trajetória mais ampla, demonstrando

que a preocupação em reduzir a opacidade das atividades do Estado já havia

propiciado o surgimento de diversas iniciativas semelhantes no nível federal, embora

todas de menor amplitude e grau de inovação.

Posteriormente, nos ocupamos dos debates que deram origem à proposta

de regulamentar, de forma unitária e sistemática, o direito de acesso à informação

no âmbito da Administração Pública brasileira, permitindo assim o pleno exercício

desse direito fundamental, previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição

Federal. Procuramos analisar as discussões que acompanharam a elaboração do

projeto de lei no Executivo, bem como caracterizar o ambiente político de sua

tramitação no Congresso Nacional, sem esquecer a relevante mobilização de

organizações da sociedade civil que criaram o Fórum de Direito de Acesso a

Informações Públicas e tentaram conferir a maior abrangência possível ao texto

legal. Ademais, foram abordados os impactos do contexto internacional na

formulação das concepções de transparência dos atores sociais envolvidos e no

próprio ritmo de tramitação da proposta no Legislativo.

Neste percurso, também nos propusemos a averiguar se representantes da

atividade de inteligência chegaram a participar ativamente do debate e, em caso

positivo, identificar suas eventuais contribuições para o diálogo que então se

desenvolvia. Para tanto, consultamos as atas das reuniões do Conselho de

Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), órgão colegiado de caráter

consultivo vinculado à CGU e buscamos referências nas dissertações de Karina

Furtado Rodrigues (2013) e Fabiano Angélico (2012).

Após a apreciação dos antecedentes, dedicamo-nos, no mesmo capítulo, a

um estudo dos dispositivos da LAI. Uma vez que não era possível tratar de todos os

aspectos da lei, tentamos nos concentrar em suas cinco diretrizes, que

consideramos funcionarem como verdadeiros princípios norteadores, e nas

inovações de maiores desdobramentos para a atividade de inteligência. Sempre que

necessário, fizemos menção às regulamentações introduzidas pelo Decreto nº

7.724, de 16 de maio de 2012, e o Decreto nº 7.845, de 14 de novembro de 2012.

Mesmo porque existem ambiguidades e divergências pontuais entre a lei e suas

normas regulamentadoras.

No quarto capítulo, que constitui o núcleo da monografia, examinamos as

controvérsias relativas à implementação das novas regras de acesso no âmbito da

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inteligência estratégica, em especial a divergência existente entre as interpretações

legais sustentadas, na esfera administrativa, por dois órgãos da Presidência da

República, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Gabinete de Segurança

Institucional (GSI).

Nessa seção, tentamos perseguir o objetivo principal da investigação, que é

o de analisar as concepções e os argumentos concorrentes utilizados pelas duas

instituições sobre a abrangência do acesso à informação pública e relacioná-los a

fatores e contextos que ultrapassam a mera discordância circunstancial, tais como

diferentes culturas organizacionais e regimes informacionais distintos. Esses

aspectos de maior amplitude foram tratados com base em referencial teórico que

será explicitado no segundo capítulo.

Na presente análise, partimos da premissa de que as manifestações da

CGU, que atua na condição de instância recursal e de órgão responsável por

centralizar o monitoramento das ações previstas na Lei nº 12.527/2011, são, em

grande medida, representativas das concepções de transparência atualmente

vigentes no Poder Executivo Federal. Nesse segmento, o protagonismo exercido

pela Controladoria se expressaria tanto na amplitude de suas competências na

execução das políticas públicas de acesso à informação, quanto na influência de

suas interpretações nas decisões tomadas por outros órgãos, em questões relativas

à transparência administrativa.

O GSI, por sua vez, é encarado aqui como o órgão de maior vulto quanto à

atividade de inteligência estratégica no âmbito do Executivo1. Afinal, tem a seu cargo

a coordenação da inteligência federal e em sua estrutura organizacional encontra-se

a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o órgão central do Sistema Brasileiro de

Inteligência (SISBIN), que foi instituído pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.

Assim, efetuamos uma pesquisa na base de dados que abriga as decisões

de recursos contra o indeferimento de pedidos de informação, com o intuito de

identificar, a partir da leitura dos pareceres, quais eram as deliberações que se

1 Em 5 de outubro de 2015, data posterior à entrega da versão final desta monografia para avaliação, foi publicada a Medida Provisória nº 696, de 2 de outubro de 2015, que reorganiza a Presidência da República e diversos ministérios. Esse ato extinguiu o Gabinete de Segurança Institucional, redistribuindo suas competências originais para duas novas estruturas, a Casa Militar e a Secretaria de Governo, ambas vinculadas diretamente à Presidência. A coordenação das atividades de inteligência federal e de segurança da informação ficou a cargo da Secretaria de Governo, órgão ao qual a ABIN ficou subordinada. A Medida Provisória está disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Mpv/mpv696.htm>. Acesso em: 15 out. 2015.

Page 17: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

15

originavam de posicionamentos divergentes sobre as condições de restrição de

acesso.

Ao final da consulta aos documentos em que a Controladoria apreciava as

decisões de indeferimento de acesso tomadas pelo GSI, optamos por centralizar a

análise num determinado parecer, que foi escolhido de acordo com a amplitude dos

argumentos em disputa, e tendo em conta as potenciais implicações da decisão para

o desenvolvimento da atividade de inteligência estratégica.

Desta forma, examinamos em detalhes as interpretações sustentadas ao

longo do Parecer CGU nº 695, de 14 de março de 2014, no qual a Controladoria

aprecia recurso administrativo interposto por uma cidadã cujo pedido de acesso a

gastos efetuados com cartões de pagamento do governo federal em poder da ABIN

havia sido indeferido pelo GSI em duas instâncias anteriores. Nossa análise procurou

enfocar o debate sobre os fundamentos legais de um sigilo autônomo que

resguardaria as atividades da ABIN das normas gerais de acesso.

O estudo da controvérsia não se restringe ao parecer citado. Efetuamos

também um levantamento acerca de sua repercussão entre os principais

doutrinadores. Nosso objetivo, ao proceder dessa forma, era verificar se havia

consenso entre os especialistas quanto ao rol de situações de sigilo que não se

encontram subordinadas às regras previstas na LAI.

A divergência de interpretação entre os dois órgãos da Presidência da

República foi estudada de modo a verificar se está relacionada a eventuais falhas no

processo de integração no âmbito do SISBIN, do qual tanto a Controladoria quanto a

ABIN e o GSI são membros. Assim, nos aventuramos a propor iniciativas que

pudessem gerar melhorias na interação sistêmica e no relacionamento com a

sociedade civil, dentro do mesmo espírito de estímulo à visibilidade e de

fortalecimento dos mecanismos de prestação de contas que norteia a LAI.

Nas considerações finais, que constituem o quinto capítulo, efetuamos uma

revisão de alguns dos aspectos mais relevantes tratados ao longo do trabalho, os

quais adquirem nova luz em virtude dos instrumentos analíticos aplicados. Em

particular, tentamos verificar se os desafios e oportunidades elencados pelos

pesquisadores que examinaram o impacto da Lei nº 12.527/2011 na atividade de

inteligência já podem ser confirmados com base no material ostensivo disponível,

decorridos pouco mais de três anos após a entrada em vigor da norma.

Page 18: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

16

Como apêndice da monografia, incluímos um glossário contendo termos de

interesse para a compreensão dos procedimentos de acesso à informação. Nossa

intenção foi a de que o leitor pudesse esclarecer questões conceituais de forma

cômoda ao longo da leitura. Elaborado com base em definições normativas, o

glossário reproduz também verbetes do Dicionário Brasileiro de Terminologia

Arquivística (DBTA), organizado por uma equipe de pesquisadores do Arquivo

Nacional.

Deixamos de incorporar ao vocabulário termos que não encontrassem

definição específica na LAI, em seus decretos de regulamentação ou no DBTA,

mesmo que fossem de especial relevo. É o caso do conceito de “informação

pública”, por exemplo, cuja abrangência ainda é objeto de discussão entre os

doutrinadores.

Incluímos ainda como anexo desta monografia o Parecer CGU n° 695/2014,

no qual a Controladoria se pronuncia de forma contrária à hipótese de sigilo

autônomo para as atividades da ABIN. Dada a relevância dos argumentos

esgrimidos pelo GSI e pela CGU, julgamos de bom alvitre reproduzir o documento

na íntegra.

É importante ressaltar que ao longo da pesquisa recorremos tão somente a

documentos de caráter ostensivo, boa parte deles de caráter oficial. As principais

fontes da investigação foram pareceres e relatórios elaborados por órgãos do Poder

Executivo, tais como a CGU e o Ministério da Defesa. Infelizmente não pudemos

localizar relatórios ou outros documentos do GSI sobre o processo de

implementação da LAI. As atas do Conselho de Transparência Pública e Combate à

Corrupção (CTPCC) mostraram-se particularmente úteis para a identificação dos

pontos polêmicos sobre a formulação de políticas de acesso à informação pública na

esfera do Poder Executivo.

Ao analisarmos a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional,

consultamos os registros disponíveis no sítio oficial da internet, os pareceres

apresentados pelos relatores nas comissões da Câmara e do Senado e as principais

matérias veiculadas na imprensa. Uma ata da Comissão Mista de Controle das

Atividades de Inteligência (CCAI) serviu para que pudéssemos obter elementos

valiosos sobre o posicionamento do titular do GSI quanto aos critérios de

classificação dos documentos da ABIN.

Page 19: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

17

Em razão dos prazos estabelecidos para a conclusão do trabalho, houve um

esforço especial para que a pesquisa bibliográfica fosse o mais abrangente possível.

A disponibilidade de um grande número de publicações sobre a Lei nº 12.527/2011

facilitou sobremaneira a compreensão dos aspectos mais complexos do texto legal.

Apesar de nosso interesse na leitura da doutrina que trata do direito de

acesso à informação, não tivemos a intenção de aprofundar a análise das questões

jurídicas abordadas na controvérsia entre a CGU e o GSI, até em razão de não

dispormos da formação necessária para abordar o tema de maneira minimamente

adequada e responsável.

Tampouco nos dispusemos a acompanhar os eventuais desdobramentos

das controvérsias sobre o acesso a informações de inteligência na esfera do Poder

Judiciário. Assim, neste trabalho serão tratados apenas os contenciosos no âmbito

administrativo, sem que haja menção à jurisprudência sobre o assunto.

Em função do enfoque qualitativo adotado na pesquisa, não tentamos

elaborar um panorama estatístico das solicitações de acesso a documentos

relacionados à atividade de inteligência produzidos ou custodiados pelo GSI ou por

outros órgãos do Poder Executivo. Entretanto, os dados de interesse estão

disponíveis no Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão (e-SIC), que é

gerenciado pela CGU. Mariana Calderon (2015, p. 103-118), por exemplo, já efetuou

levantamento das solicitações endereçadas ao Departamento de Polícia Federal

(DPF) nos três primeiros anos de vigência da LAI, embora sem discriminar aqueles

diretamente vinculados à área de inteligência.

Mesmo diante das sérias limitações desta pesquisa, esperamos que nossa

contribuição possa, de algum modo, favorecer o desenvolvimento do debate sobre

as condições de acesso à informação no âmbito da inteligência estratégica

brasileira. Se assim for, entendemos que nosso esforço terá sido plenamente

justificado.

Page 20: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

18

2 MARCO TEÓRICO E REVISÃO DA LITERATURA

Na primeira seção deste capítulo procuramos explicitar as referências

conceituais que foram utilizadas como instrumento para orientar e direcionar a

pesquisa. Tendo em vista os objetivos propostos no programa de investigação,

consideramos relevantes elucidar questões teóricas relacionadas aos seguintes

aspectos: inteligência estratégica, disputas entre burocracias, insulamento

burocrático, cultura organizacional e fluxo informacional.

Na segunda parte do capítulo, elaboramos uma análise sucinta da literatura

disponível sobre os impactos da nova legislação sobre o acesso à informação no

âmbito da atividade de inteligência brasileira. Trata-se de uma tentativa de mapear a

percepção dos estudiosos, particularmente daqueles que também exercem a

atividade de inteligência, em relação aos novos mecanismos de transparência

introduzidos pela LAI.

2.1 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS

A expressão “inteligência estratégica”, ao contrário dos termos “inteligência”

e “contrainteligência”, não está definida em leis ou normas regulamentares, embora

seja amplamente utilizada tanto no ambiente da administração privada quanto na

esfera pública. Portanto, acreditamos que possa ser tratada como um conceito, no

sentido próprio.

A Escola Superior de Guerra (ESG), no segundo volume de seu Manual

Doutrinário, refere-se à “atividade de inteligência estratégica” como um “instrumento

de Estado para defesa das instituições e interesses nacionais” (ESG, 2014, p.95). A

atividade visa à obtenção de dados e à interpretação de situações relacionadas a

óbices “que venham impedir ou dificultar a conquista ou a manutenção dos Objetivos

Nacionais” (ESG, 2014, p.96). Neste sentido, está diretamente vinculada à

elaboração do planejamento governamental em todas as suas etapas e fases.

De fato, é típica da atividade de inteligência estratégica a produção de

conhecimentos de largo horizonte temporal, tais como estimativas, cenários

prospectivos, etc.

Page 21: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

19

O produto elaborado pelas unidades de inteligência estratégica, que servirá

para assessorar o processo decisório em seu mais alto nível, é denominado

“conhecimento de inteligência estratégica”, e é conceituado da seguinte forma:

[...] é a resultante da obtenção, análise, interpretação e disseminação de conhecimentos sobre as situações nacional e internacional, no que se refere ao Poder Nacional, aos Óbices, às suas Vulnerabilidades, às Possibilidades e outros aspectos correlatos, com possível projeção para o futuro (ESG, 2014, p. 96).

Para os fins desta monografia o conceito de inteligência estratégica

restringe-se à inteligência de Estado, não se confundindo, portanto, com os

conceitos utilizados no âmbito da inteligência competitiva, que lida basicamente com

empresas e outras instituições de caráter privado.

O conceito de “disputas entre burocracias”, por sua vez, tem origem nos

estudos de teoria organizacional norte-americanos e não é amplamente utilizado nas

ciências sociais brasileiras2. Com efeito, embora sejam relativamente numerosos os

trabalhos que reconhecem a existência de padrões diversificados de interação entre

Estado e sociedade3, as tensões e os eventuais conflitos que se desenvolvem no

interior do próprio aparelho estatal nem sempre são identificados e submetidos a

análise. Muitas vezes prevalece, ainda que de forma implícita, a concepção de que o

Estado pode ser considerado um ator unitário, apesar de seu elevado nível de

complexidade (FIGUEIREDO, 2010, p. 205).

Há no Brasil pesquisas que reconhecem a eclosão de divergências de

interesses, bem como a formulação de estratégias concorrentes por parte das

agências estatais. Entretanto, tais fenômenos são em larga medida explicados em

função da divisão constitucional dos Poderes e dos respectivos níveis e regimes de

representatividade frente à sociedade civil. As tensões apontadas com maior

frequência opõem o Poder Executivo ao Legislativo e, em outro patamar, os órgãos

de controle às demais estruturas burocráticas.

Para analisar o desenvolvimento de tensões entre órgãos que compõem a

Presidência da República e, portanto, integram o mesmo Poder do Estado, julgamos

adequado recorrer ao conceito de turf battle (disputa entre as burocracias por

2 Uma exceção é a pesquisa comparativa sobre os debates vinculados a iniciativas de reformulação dos sistemas de inteligência no Brasil e nos Estados Unidos elaborada por Ariel Mendonça (2010). Ver especialmente p. 28-40.

3 Nesse sentido, o modelo clássico é o elaborado por NUNES (1997), que apresenta quatro padrões ou “gramáticas” estruturantes das relações entre Estado e sociedade no Brasil: clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos.

Page 22: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

20

espaço administrativo e político), que foi criado, na década de 1980, pelo cientista

social James Quinn Wilson.

Wilson critica correntes sociológicas, em geral inspiradas na teoria da

escolha racional, que atribuem às estruturas burocráticas um comportamento

“imperialista”, que se expressa em tentativas permanentes de ampliação de

orçamento, pessoal, prestígio e melhorias de remuneração. Esse comportamento

“natural” seria o principal responsável pela eclosão de rivalidades e tensões entre as

burocracias de Estado.

Para Wilson, ao contrário, o principal motor das tensões entre as burocracias

é o alcance e a manutenção de níveis desejáveis de “autonomia”, que é entendida

na acepção utilizada pelo sociólogo Philip Selznick: “condição de independência

suficiente para permitir a um grupo elaborar e manter uma identidade diferenciada”4.

O autor cita diversos exemplos de fricções entre instituições estatais em que o fator

em disputa era o grau de autonomia de cada um dos atores frente aos demais

(WILSON, 1989, p. 180-195).

Elevados graus de autonomia se traduziriam em apoio social, coesão

interna, competências institucionais coerentes e um sentido de missão amplamente

partilhado pelos funcionários. Assegurada a autonomia, a instituição estatal

procuraria melhorar suas condições de acesso a recursos ou ampliar sua área de

atuação (WILSON, 1989, p. 195).

De acordo com essa perspectiva, a cooperação entre burocracias, mesmo

quando não está em questão a distribuição de recursos ou de responsabilidades,

está sujeita a situações de tensão, pois existe a tendência de que as agências

governamentais percebam os acordos e compromissos como ameaças a sua

autonomia e atuem no sentido de preservá-la. Este quadro gera dificuldades

especiais quando cabe a uma agência o papel de regulamentar ou controlar outra

unidade integrante do aparelho de Estado (WILSON, 1989, p. 192).

Na concepção do autor, as disputas entre as burocracias são inevitáveis e,

em grande medida, insolúveis. A evolução no sentido da ampliação do número de

unidades administrativas do Estado, nem sempre acompanhada de atribuição

precisa de competências específicas, contribui para tornar o fenômeno ainda mais

complexo e disseminado (WILSON, 1989, p. 195).

4 SELZNICK, Philip. Leadership in administration. Evanston: Row, Peterson & CO, 1957, p. 121

(apud WILSON, 2000, p. 182).

Page 23: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

21

Outro conceito desenvolvido pela teoria organizacional contemporânea, o de

“insulamento burocrático”, será empregado para elucidar as questões propostas em

nossa pesquisa. Nas palavras de Edson Nunes, trata-se do “processo de proteção

do núcleo técnico do Estado contra a interferência oriunda do público ou de outras

organizações intermediárias” (1997, p. 34). Esse movimento origina a redução da

influência das demandas da sociedade civil sobre as práticas das instituições

insuladas. Essas unidades procuram também se resguardar de pressões oriundas

de outros segmentos da burocracia estatal e dos procedimentos de controle externo.

Na visão de Nunes, existem variados graus de insulamento e os diferentes níveis

exercem influência “na estrutura, eficiência, capacidade de respostas e

responsabilidade das organizações” (ibidem). Admite-se que o movimento é

reversível, isto é, agências insuladas podem retomar ou estreitar seus vínculos com

o ambiente público em que estão inseridas.

O autor cita como exemplo de burocracia altamente insulada o Serviço

Nacional de Informações (SNI), órgão extinto em 1990. As atividades do SNI não

estavam sujeitas a controles sistemáticos por parte de outras unidades de governo.

O insulamento normalmente reforça e consolida os valores que compõem a cultura

organizacional de um determinado órgão.

O conceito de cultura organizacional difundiu-se a partir da década de 1980,

em virtude da aceitação internacional dos estudos desenvolvidos pelo psicólogo

social Edgard Schein. Essa modalidade de cultura consiste em um conjunto de

valores, crenças, pressupostos, normas e rituais, que é compartilhado por seus

membros e expresso em linguagem e formas de comunicação com características

particulares (CARVALHO, 2005, p. 17-32).

Representa também uma referência simbólica que modela as ações e as

estruturas de pensamento daqueles que a integram, conferindo-lhes uma identidade.

Mas nem todas as organizações, públicas ou privadas, desenvolvem uma cultura

singular. Há aquelas que simplesmente reproduzem os padrões culturais

predominantes em sua região ou no país (SROUR, 2005, p. 212-213).

Aspectos que caracterizam determinadas culturas organizacionais podem

sofrer alterações ou redirecionamentos como resultado de intervenções sistemáticas

levadas a cabo por dirigentes após a elaboração de diagnósticos específicos. Parte-

se da premissa de que as culturas são dinâmicas e reagem a estímulos do ambiente

com o qual interagem.

Page 24: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

22

Entre as medidas utilizadas para reconfigurar a cultura organizacional de

uma determinada instituição podemos citar as interferências nos fluxos

informacionais (GARCIA; FADEL, 2010). Esses fluxos são canais constituídos “pela

circulação de informações que fluem de uma determinada origem, geralmente um

suporte/indivíduo, em sentido a um destino de armazenamento/processamento”

(GARCIA; FADEL, 2010, p. 219).

Aplicando o conceito ao caso concreto de nossa pesquisa, podemos dizer

que a promulgação da LAI representou uma ampla interferência nos fluxos

informacionais dos organismos de Estado, de forma a ampliar as condições de

acesso à informação pública, estabelecendo mecanismos padronizados de

transparência no âmbito federal.

O ritmo e a efetividade dessa reorganização dos fluxos informacionais

sofrem a influência de fatores que compõem a cultura organizacional das unidades

onde é aplicada, além das naturais limitações de ordem material.

Nesse sentido, consideramos pertinente a observação do antropólogo

Roberto DaMatta, ao se referir ao processo de implementação da gestão da ética

por parte do governo federal:

As novidades institucionais e políticas (sejam elas novas regras, agências administrativas ou planos governamentais) não caem num vazio institucional, mas em cadinhos sociais repletos de normas, princípios, mandamentos e relações (DAMATTA, 2002, p. 42-43).

2.2 REVISÃO DA LITERATURA

Nesta seção apresentamos os resultados de um levantamento dos textos

científicos que procuraram dimensionar o impacto da LAI na atividade de

inteligência. Nossa intenção consiste em estabelecer um referencial de pesquisa

com a máxima amplitude possível, por meio do mapeamento dos principais

interesses e preocupações daqueles que atualmente investigam o tema.

Ao final do levantamento foram identificados cinco estudos, dos quais dois

estão publicados em versão impressa e os demais encontram-se disponíveis em

repositórios institucionais na Internet. Observou-se que os autores, policiais federais

e um militar do Exército, desenvolveram as investigações com base em suas

respectivas experiências profissionais, o que confere especial relevância às

conclusões obtidas.

Page 25: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

23

Levando-se em conta o período relativamente curto desde que a LAI entrou

em vigor, pouco mais de três anos, consideramos o número de trabalhos produzidos

bastante significativo, especialmente tendo em vista o reduzido interesse no meio

acadêmico brasileiro pelos temas de inteligência. Apresentaremos a seguir breves

recensões críticas de cada um dos estudos. Sempre que possível serão

estabelecidas comparações entre as perspectivas de análise, de modo a configurar

os interesses comuns aos investigadores.

O primeiro estudo é o artigo intitulado “A promulgação da Lei de Acesso à

Informação (LAI) e seus reflexos para a Atividade de Inteligência no âmbito do

Exército Brasileiro”, que foi apresentado em 2013 à Escola de Comando e Estado-

Maior do Exército (ECEME) como um dos requisitos para a conclusão do Curso de

Política, Estratégia e Alta Administração Militar (CPEAEx).

O autor do texto, Coronel Ely de Souza Marques Júnior, se propõe a verificar

se as inovações introduzidas pela LAI geram impactos negativos nos processos e

rotinas de tramitação dos documentos classificados e na condução da atividade de

inteligência no âmbito do Exército (MARQUES JÚNIOR, 2013, p.3).

O Coronel avalia que a concentração da competência para a classificação

de documentos nos graus “secreto” e “ultrassecreto” nos mais elevados níveis

hierárquicos, uma das regras introduzidas pela nova legislação, tende a

comprometer os princípios doutrinários da oportunidade e da segurança. A

observância de tais princípios é indispensável para a adequada execução da

atividade de inteligência em suas diferentes modalidades.

Para o autor, as inovações da LAI implicam a adoção de ciclos de tramitação

documental mais lentos, devido à quantidade adicional de etapas a serem seguidas

até a atribuição do grau de sigilo por parte do Comandante do Exército (MARQUES

JÚNIOR, 2013, p. 3). A maior complexidade das rotinas de tramitação criaria

condições favoráveis para a ocorrência de eventuais acessos não autorizados a

conteúdos sigilosos, além de afetar a fluidez do processo decisório, em detrimento

da eficácia e eficiência do assessoramento prestado.

O artigo menciona a necessidade da imediata revisão das normas que

regulam a atividade de inteligência no âmbito do Exército, com o seguinte objetivo:

[...] para que possam ser alinhadas com os novos conceitos estabelecidos, como mudanças dos graus de sigilo, tipos de credenciais de segurança e adequação dos modelos de documentos utilizados que os manuais contemplavam (MARQUES JÚNIOR, 2013, p. 11).

Page 26: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

24

Essas normas revistas e atualizadas, já com o devido amparo no

ordenamento jurídico vigente, seriam aplicadas ao conjunto de órgãos que integram

o Sistema de Inteligência do Exército (SiEx)5. O autor julga, portanto, que a LAI gera

amplos desdobramentos para inteligência da força terrestre, trazendo novos desafios

para a manutenção e ampliação dos níveis de excelência já alcançados. A

perspectiva escolhida visa minimizar os efeitos negativos sobre a sistemática de

produção existente. Não há a preocupação de identificar oportunidades de melhoria

eventualmente proporcionadas pela lei e seus regulamentos.

Outro artigo de interesse identificado em nossa pesquisa foi originalmente

elaborado em 2012 pelo Delegado da Polícia Federal Jorvel Eduardo Veronese, de

forma a atender às exigências do Curso Superior de Inteligência Estratégica (CSIE)

da Escola Superior de Guerra (ESG). O texto foi publicado no ano seguinte na

Revista Brasileira de Inteligência, periódico editado pela Agência Brasileira de

Inteligência (ABIN).

A análise trata dos impactos da LAI para a atividade de inteligência policial

no nível federal.6 Já no início de sua exposição, o autor ressalta a importância dos

valores e tradições presentes na cultura organizacional como fator de influência nas

condições de recepção das novas condições de acesso à informação:

O primeiro impacto, ao se tomar contato com a Lei de Acesso à Informação Pública e seu respectivo Regulamento, é fortemente negativo. Um órgão que possui a missão precípua de combater a criminalidade, e que no cumprimento desse múnus público utiliza-se do sigilo como elemento crucial na obtenção do resultado almejado, não fica confortável ao ser confrontado com uma legislação considerada exageradamente permissiva (VERONESE, 2013, p. 52-53).

O delegado afirma que as resistências e inquietudes reveladas pelos

profissionais que se dedicam à atividade de inteligência nas unidades do

Departamento de Polícia Federal (DPF) são naturais e esperados, dada a missão do

órgão. Entretanto, ele não compartilha do ceticismo inicial em relação aos benefícios

introduzidos pela LAI.

A ampliação do direito de acesso representaria uma oportunidade para a

revisão dos métodos de trabalho das unidades de inteligência, com reflexos positivos

na qualidade do produto final. Outro aspecto positivo apontado por Veronese é o

5 Para uma descrição sucinta da estrutura do Sistema de Inteligência do Exército, ver MENDONÇA, 2010, p. 67-69. 6 O título do artigo é “Lei de Acesso à Informação e os reflexos sobre a produção de inteligência na

Polícia Federal”.

Page 27: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

25

estímulo que as informações obtidas por meio da LAI podem representar para o

aperfeiçoamento da “produção teórica e científica” sobre a atividade de inteligência

policial. Essa produção científica qualificada favoreceria, por sua vez, a tomada de

decisões equilibradas e conscienciosas quanto à autorização de acesso a

documentos sensíveis (VERONESE, 2013, p. 55).

Segundo o delegado, uma vez que a Diretoria de Inteligência Policial (DIP),

unidade responsável por “dirigir, planejar, coordenar, controlar, avaliar e orientar as

atividades de inteligência no âmbito da Polícia Federal”7, segue integralmente os

preceitos doutrinários e legais no que refere a gestão da produção de

conhecimentos, as eventuais restrições de acesso seriam plenamente justificáveis e

adequadas. No âmbito da DIP, as classificações de sigilo são efetuadas de forma

criteriosa e se aplicam somente a informações que de fato merecem ser

preservadas.

Na conclusão do artigo, Veronese adota perspectiva de análise mais ampla,

destacando que a LAI presta diversos serviços relevantes à Nação e ao Estado. Ao

tornar a transparência “algo tangível”, cria condições para a participação mais efetiva

dos cidadãos nas atividades políticas. Amplia também os instrumentos de controle

do Estado por parte da sociedade, dificultando o emprego indevido de meios e

recursos por parte dos agentes públicos.

Para a atividade de Inteligência, haveria resultados positivos não só para o

segmento de segurança pública, mas para o conjunto do Sistema de Inteligência8,

“protegendo órgãos e instituições que possuem o domínio e exercem o processo em

sua plenitude acadêmica e profissional” (VERONESE, 2013, p. 56). O impacto

negativo estaria restrito àquelas unidades que não produzem inteligência “autêntica”

recorrendo ao termo apenas em função de um “certo modismo”.

Ainda no campo das investigações sobre os impactos da LAI no ambiente

da inteligência, podemos citar um texto coletivo de dois agentes e um papiloscopista

da Polícia Federal: Rodrigo Gesteira, Vladimir de Paula Brito e Rodrigo Maciel. O

artigo, que integra livro dedicado ao processo de construção social do acesso à

informação no Brasil, foi publicado em 2014.

7 De acordo com o artigo 15 do Regimento Interno do Departamento de Polícia Federal, aprovado por

meio da Portaria nº 2.877, de 30 de dezembro de 2011.

8 Não há clareza se o autor faz menção aqui ao Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), cuja

composição encontra-se definida no Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002, ou se a referência é mais geral e inclui ainda os órgãos de inteligência estaduais.

Page 28: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

26

No texto, intitulado “Inteligência policial e acesso à informação”, os autores

revelam especial preocupação quanto às condições de armazenamento das

informações coletadas em decorrência de ações policiais. Assinalam que inexiste

regulação sobre a guarda desse material, lacuna que dificultaria a recuperação e

acesso dos registros. Afirmam ainda que “a prática mostra que no âmbito das

unidades policiais não ocorre um armazenamento sistemático dos dados referentes

às operações policiais já realizadas” (GESTEIRA; BRITO; MACIEL, 2014, p. 230).

Essa deficiência normativa e o consequente arquivamento assistemático da

documentação contribuiriam para restringir as condições de exercício do direito de

acesso por parte dos cidadãos, quando devidamente autorizados; e, ainda, para

dificultar ou inviabilizar o compartilhamento dessas informações com outros órgãos

que atuam no segmento de inteligência. Assim, a ausência de regras sobre a

custódia e o compartilhamento do material coletado nas operações policiais impede

que suas frações significativas venham a ser integradas em conhecimentos

estratégicos de relevo para o País.

De fato, a correção da omissão é encarada como prioritária para os

interesses nacionais:

O debate sobre o tema precisa ser iniciado, a rápida mudança na condição do Brasil no contexto internacional o coloca em posição que aumenta sua vulnerabilidade. Novas ameaças se tornam plausíveis de ocorrer em tempos de grandes eventos e de um maior peso da diplomacia brasileira em situações de conflito global (GESTEIRA; BRITO, MACIEL, 2014, 231).

Para os autores, a sociedade brasileira deveria rever os preconceitos ainda

bastante difundidos quanto ao desenvolvimento da atividade de inteligência,

admitindo a possibilidade de apoiar a aprovação de leis criteriosas que a tornem

mais efetiva. A ampliação do campo de atuação da inteligência implicaria a

relativização de certos direitos do cidadão, fato que seria compensado por melhorias

compatíveis nas condições de segurança pública.

Diante do vácuo legislativo, a opção de simplesmente não enfrentar o

problema deixaria a cargo dos profissionais de inteligência toda a responsabilidade

de decidir sobre as condições de troca de informações relativas a organizações

criminosas, dando origem a situações de informalidade e à insegurança dos

indivíduos quanto ao respeito aos direitos de privacidade.

Gesteira, Brito e Maciel (2014) ponderam que a LAI apresenta elementos

que contribuem para fomentar a difusão de uma cultura de respeito ao direito de

Page 29: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

27

informação entre os profissionais de inteligência e demais servidores públicos.

Ressaltam, porém, que é necessário avançar no sentido de preencher lacunas na

esfera normativa que prejudicam o exercício desse direito. Suprir as falhas

identificadas no ordenamento jurídico permitiriam conferir à inteligência policial uma

dimensão estratégica, da qual ela carece atualmente.

O resumo do artigo, apesar de seu caráter breve e esquemático, permite

verificar que os autores atribuem ao debate sobre os efeitos da LAI a capacidade de

colocar novamente em pauta outras questões de caráter estratégico. Entre as quais

o dimensionamento mais adequado para a atividade de inteligência policial e as

formas que deve assumir a interação entre os órgãos que compõem o Sistema

Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

Trataremos a seguir da dissertação de Mestrado em Direito do Delegado de

Polícia Federal Disney Rosseti, que foi apresentada ao Centro Universitário de

Brasília em 2012, no mesmo ano, portanto, em que a LAI entrou em vigor.9

Comparada aos trabalhos anteriormente citados, o escopo da investigação é bem

mais amplo, pois abrange tanto a inteligência de Estado quanto a inteligência

policial.

Disney Rosseti (2012) afirma que, independentemente do segmento de

atuação, o sigilo é crucial para a inteligência, uma vez que seu comprometimento

impede que sejam alcançados os resultados esperados. A reserva adotada deriva

dos próprios temas e ambientes em que a atividade é praticada, bem como dos

meios e expedientes utilizados para a busca dos dados de interesse.

Consequentemente, o sigilo não decorre de uma escolha dos profissionais

envolvidos, ele na verdade é essencial para a segurança e eficácia das ações

empreendidas. Pode-se afirmar que, na atividade de inteligência, o sigilo não se

coloca como uma opção, pois constitui um “pressuposto essencial desta atividade,

sendo assim indispensável e próprio aos seus atos” (ROSSETI, 2012, p. 7). Em

outras palavras, no âmbito da inteligência o sigilo é a regra, enquanto a publicidade

é a exceção, ao contrário do que ocorre nas demais burocracias do Estado.

Esta constatação introduz um aparente conflito entre os princípios e valores

expressos na LAI e as premissas que orientam a atividade de inteligência. Para

Rosseti (2012), essa tensão é natural e inescapável no Estado Democrático de

9 O título da dissertação é “As atividades de inteligência de Estado e de polícia e a Lei de Acesso à

Informação”.

Page 30: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

28

Direito. Se desejarmos equacioná-la, é preciso recorrer, tanto quanto possível, a

regras procedimentais que levem em consideração a razoabilidade e a

proporcionalidade dos interesses públicos e individuais em confronto. O autor

reconhece que essa ponderação não é simples. Com efeito, na prática nem sempre

é possível eliminar as divergências de interpretação na esfera administrativa, o que

gera recursos ao Poder Judiciário (ROSSETI, 2012, p. 120).

A tensão assinalada por Rosseti, comum aos Estados democráticos,

reveste-se de contornos especiais no Brasil, onde a legislação relativa à atividade de

inteligência carece de aperfeiçoamentos que eliminem a excessiva generalidade de

competências e a insuficiência dos mecanismos de controle. Nessas condições, ele

propõe que as normas que regem a atividade sejam “redesenhadas”, de forma a

torná-las mais compatíveis com o Estado de Direito.

O autor reconhece os avanços trazidos pela LAI para a consolidação da

democracia no País, mas também a considera imperfeita e merecedora de revisões.

Entre outros motivos, por não diferenciar suficientemente as “questões corriqueiras e

diárias da máquina estatal” dos problemas de vulto tratados pela inteligência de

Estado e policial (ROSSETI, 2012, p. 8). O autor advoga que o acesso às

informações produzidas ou custodiadas pelos órgãos de inteligência deveriam ser

tratadas em legislação específica, na qual suas características peculiares seriam

adequadamente levadas em consideração.

Rosseti (2012) assevera que a LAI, apesar de suas limitações e

impropriedades, poderia desempenhar o papel de “importante ferramenta” de

controle da atividade de inteligência por parte dos cidadãos. Nesta avaliação, o autor

mostra-se um tanto otimista, particularmente se observarmos as situações

verificadas em países democráticos, com longo histórico de reconhecimento do

direito de acesso à informação, e onde as normas que regem a atividade de

inteligência são mais precisas e discriminadas que as brasileiras.

A última obra a compor este pequeno “estado da arte” é o livro da Delegada

de Polícia Federal Mariana Paranhos Calderon, editado em 2015 com prefácio de

Disney Rosseti. Intitulado “Lei de Acesso à Informação e seu impacto na atividade

de inteligência”, trata-se da publicação que discute a temática de forma bastante

abrangente, por aliar um estudo jurídico aprofundado da LAI e de seus decretos de

regulamentação à análise dos processos de implementação dessas normas no

espaço da inteligência da Polícia Federal.

Page 31: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

29

A exemplo de Veronese, a autora reconhece que a aprovação da lei suscitou

um sentimento de “inquietude” entre os profissionais de inteligência, inclusive os

policiais federais (CALDERON, 2015, p. XI). Essa preocupação foi acrescida pelo

reduzido prazo definido para a entrada em vigor da norma após sua publicação:

exíguos 180 dias10.

Para Calderon (2015), esta situação, um tanto inusitada, será compreendida

se relacionarmos a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei

de Acesso à Informação, a outra norma publicada na mesma data: a Lei nº 12.528,

que cria a Comissão Nacional da Verdade (CNV) no âmbito da Casa Civil da

Presidência da República. Seguindo os passos de Márcio Tadeu Guimarães Nunes

(2013), a autora professa a ideia de que o objetivo precípuo da aprovação da LAI foi

o de afiançar o sucesso dos trabalhos da Comissão.

De fato, conforme preceituam os artigos 21 e 22 da LAI, é garantido o

acesso aos registros sobre violações de direitos humanos, o qual também se aplica

aos documentos classificados ou protegidos por sigilos legais (segredo de justiça,

segredo industrial, etc.).

Calderon (2015) afirma que o esclarecimento e a reparação de crimes contra

a humanidade praticados durante o período militar constituem o principal escopo da

LAI. Para reforçar seu argumento, cita o discurso proferido pela Presidente da

República na cerimônia de sanção dos projetos das duas leis11:

O sigilo não oferecerá, nunca mais, guarida ao desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Esta é uma importante conexão, uma conexão decisiva com a lei que cria a Comissão da Verdade. Uma não existe sem a outra, uma é pré-requisito para a outra, e isso lançará luzes sobre períodos da nossa história que a sociedade precisa e deve conhecer (ROUSSEF, 2011).

Observa-se, portanto, que a Lei nº 12.527/11 surge para, entre outras

funções, subsidiar a recuperação da memória de um período conflitivo da história

brasileira. Um período de exceção no qual os órgãos de inteligência, a exemplo de

outras instituições estatais, foram utilizados como instrumentos de repressão de

opositores e de sustentação do regime, fato que contribuiu para sua posterior

estigmatização.

10 Robert Gregory Michener, cientista canadense que estudou a implementação do acesso à

informação na América Latina, denominou o processo no Brasil de “tratamento de choque” (MICHENER, 2012). 11 No livro de Calderon a citação é bem mais extensa (p. 15-16). Reproduziu-se aqui apenas o trecho

considerado suficiente para aquilatar a fundamentação do argumento da autora.

Page 32: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

30

Independentemente do escopo pretendido para a LAI, a autora avalia que a

norma exerce também funções que a credenciam como instrumento de

concretização de valores democráticos, ao favorecer a participação dos cidadãos na

vida política e a prestação de contas das instituições públicas. No presente contexto

de valorização social da transparência, a defesa do sigilo em atividades estatais

necessita do respaldo de princípios sólidos e compatíveis com a democracia

(CALDERON, 2015, p. XII).

Nessas condições, é necessário deixar claro que a divulgação, ainda que

involuntária, de segredos de Estado, um dos possíveis efeitos de falhas na aplicação

do direito de acesso à informação, pode comprometer o exercício de outros direitos

fundamentais, assim como a paz social. A autora ressalta que todas as legislações

dos países que admitem acesso amplo à informação pública também resguardam os

segredos governamentais, especialmente em atividades relacionadas à diplomacia,

decisões de planejamento estratégico e atividade de inteligência. Desse modo, o

dever de tornar acessível a informação de caráter público não exime o Estado do

dever, igualmente meritório, de salvaguardar a informação cuja divulgação indevida

represente ameaça ao próprio Estado ou à sociedade.

Mas os órgãos de inteligência, ao mesmo tempo que salvaguardam

conhecimentos sensíveis, também os compartilham com seus congêneres no âmbito

de sistemas regulados, em que a necessidade de conhecer, a confiança mútua e as

restrições normativas determinam a amplitude e as condições a serem cumpridas

por ocasião da troca de informações. Calderon prevê que esse intercâmbio sofrerá o

impacto negativo das prescrições da LAI, gerando precauções adicionais ou mesmo

negativas de acesso a órgãos parceiros. As operações de inteligência também

seriam afetadas, em função do risco de que sejam tornadas públicas as técnicas e

os meios de obtenção dos dados negados (CALDERON, 2015, p. 17).

Um rápido balanço da literatura submetida a exame neste capítulo permite

apontar alguns aspectos de interesse para o presente estudo. Em primeiro lugar,

observa-se que há autores, como Ely Marques Júnior e Mariana Calderon, que

atentam para os impactos reais ou potenciais da LAI sobre os fluxos de informação

dos órgãos de inteligência, mesmo tomando como referência horizontes profissionais

bastante diferenciados. Se o militar do Exército circunscreve o seu enfoque à

tramitação na esfera do SIEx, a policial federal segue os desdobramentos até o

plano sistêmico, chamando a atenção para o possível déficit de intercâmbio no nível

Page 33: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

31

das instituições parceiras em função do comprometimento dos níveis de confiança

mútua.

Entretanto, há os que não vislumbram impactos significativos em sua área

de atuação. É aparentemente o caso do delegado Jorvel Veronese. Ele acredita que

tanto o sistema quanto os processos e produtos de inteligência da Polícia Federal

são compatíveis com os preceitos de restrição de acesso previstos na LAI. Portanto,

não estariam sujeitos, em princípio, a situações de exposição indevida. O autor não

faz distinção entre os documentos de valor probatório e investigativo, oriundos da

atividade policial, e os demais documentos produzidos no âmbito das unidades de

inteligência. O acesso aos primeiros não é regido pela Lei nº 12.527/11 e sim pelo

Código de Processo Penal, uma vez que são incorporados a inquéritos policiais.

A eclosão de controvérsias entre órgãos de Estado provocadas por

entendimentos diferenciados quanto ao campo de aplicação da LAI é abordada por

Calderon. Segundo a autora, a Controladoria-Geral da União (CGU), na sua

condição de instância recursal, tem procurado ampliar os casos de aplicação da

norma, por meio de interpretações que reduzem o alcance das exceções previstas.

Esta situação dispõe de capacidade para gerar tensões entre o órgão de controle e

outras unidades governamentais que, apoiadas em dispositivos da LAI, procuram

preservar o sigilo de suas informações. Calderon relaciona o posicionamento da

CGU ao contexto político e ideológico em que a norma de direito de acesso foi

gestada (CALDERON, 2015, p. 93).

As críticas à legislação sobre a atividade de inteligência no País são

frequentes entre os estudiosos e, pelo menos no caso de Rosseti, de caráter

contundente. Para o autor, a Lei nº 9.883/1999, que institui o SISBIN e cria a ABIN, é

uma regulamentação “pífia” da atividade de inteligência de Estado, praticamente

comprometendo sua eficácia e identidade (ROSSETI, 2012, p. 24-25). São

apresentadas “lacunas graves” na definição das competências da ABIN. Entretanto,

não é mencionado o papel atribuído ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI),

órgão responsável pela coordenação das atividades de inteligência federal12.

Gesteira, Brito e Maciel também identificam falhas e omissões na legislação

de inteligência que favoreceriam a incidência de informalidade no intercâmbio e

armazenamento de documentos sigilosos. Chegam a propor “certa relativização de

12 Verificar texto da nota de rodapé da página 14 desta monografia.

Page 34: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

32

direitos dos cidadãos”, que seria compensada por “um maior direito à segurança e

de participação política através do acesso às informações” (GESTEIRA; BRITO;

MACIEL, 2014, p. 231).

Os textos coletados parecem indicar que há uma boa aceitação entre os

estudiosos quanto aos avanços introduzidos pela LAI no ordenamento jurídico

nacional. De uma forma geral, os autores reconhecem que garantir o direito de

acesso à informação é fundamental para o fortalecimento dos regimes democráticos.

Apenas o texto de Ely Marques Júnior deixa de lado o debate sobre os impactos da

norma para o exercício da cidadania. Esta opção deve ser entendida com base no

escopo do artigo, que se concentra em propor medidas para garantir a segurança e

a fluidez na tramitação dos documentos classificados no âmbito do Exército.

No próximo capítulo, será efetuado um estudo da Lei nº 12.527/11 e, sempre

que necessário, de seus decretos de regulamentação, com o intuito de dimensionar

a amplitude das alterações efetuadas nas condições de acesso à informação pública

e na salvaguarda de conhecimentos sensíveis.

Page 35: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

33

3 A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO

O direito de acesso a informações públicas está expressamente referido em

diversos dispositivos da Constituição Federal (CF) de 1988, dos quais o de caráter

mais específico é o inciso XXXIII do artigo 5º:

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Nessa mesma direção, o caput do artigo 37 da Constituição inclui a

publicidade entre os princípios que regem a administração pública. A Emenda

Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que foi aprovada no contexto de ampla

reforma administrativa do Estado, introduziu alterações no parágrafo 3º do artigo

citado, conferindo-lhe a seguinte redação:

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (grifo nosso)

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

Por fim, pode-se mencionar o parágrafo segundo do artigo 216 da Carta Magna:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

[...]

§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem (grifo nosso).

Apesar da abrangência desses preceitos constitucionais, que configuram o

dever administrativo do Estado de proporcionar mecanismos de transparência, era

comum que os interessados enfrentassem dificuldades para obter acesso a

informações públicas. Tal situação decorria, em grande medida, da ausência de

disciplina sobre as rotinas e os procedimentos a serem adotados pelos usuários e

pela própria administração. Assim, sem o concurso de legislação ordinária, não era

possível exercer o direito de forma adequada e, consequentemente, os dispositivos

Page 36: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

34

da Constituição permaneciam ineficazes e pouco efetivos (CUNHA FILHO; XAVIER,

2014, p. 51).

A regulamentação dos dispositivos constitucionais permitiria restringir o grau

de discricionariedade da Administração Pública ao interpretar a abrangência e as

condições de aplicação desse direito fundamental. Ademais, estabeleceria

condições mínimas de previsibilidade processual, além de prazos para a análise dos

requerimentos de acesso, por meio da definição das rotinas administrativas a serem

observadas em sua tramitação (BENTO, 2015, p. 131).

A promulgação da Lei nº 12.527/2011, que regula de forma detalhada os

procedimentos a serem observados pelo poder público na gestão da informação e

na promoção da transparência, representa, portanto, uma tentativa de corrigir essa

lacuna do ordenamento jurídico.

A Lei de Acesso à Informação (LAI), denominação pela qual ficou conhecido

o diploma legal, é encarada como inovadora em vários aspectos, embora tenha sido

precedida por normas que também contribuíram significativamente para ampliar a

visibilidade de dados públicos de interesse coletivo.

Com efeito, Mariana Calderon entende que a LAI não representa

propriamente uma ruptura e sim o reforço do paradigma vigente no ordenamento

brasileiro, “haja vista que o direito de acesso à informação faz parte do corolário

axiológico de nossa democracia” (CALDERON, 2015, p. 73). Juliano Heinen adota

posição semelhante, interpretando que a norma reafirma os valores instituídos pela

Constituição Federal, porém de forma mais “detalhada, potencializada e abrangente”

(HEINEN, 2014, p. 41). Eneida Paes, por sua vez, avalia que entre os principais

méritos da Lei nº 12.527/2011 está o de impor coerência e coesão a dispositivos

dispersos, que antes tratavam o direito de acesso apenas de forma parcial ou

indireta (PAES, 2011, p. 411). Vânia Lúcia Vieira, ao mesmo tempo que reconhece a

inflexão que a lei representa frente às normas infraconstitucionais que a

antecederam, afirma que a Lei nº 12.527/2011 “vem coroar e consolidar” políticas de

reforço e ampliação da transparência conduzidas no âmbito do governo federal no

período recente (VIEIRA, 2012, p. 148). A posição em favor de uma ruptura em

relação ao ordenamento jurídico é aparentemente minoritária entre os

doutrinadores13.

13 Embora não desenvolvam seus argumentos, a posição em favor de uma ruptura paradigmática aparentemente é esposada por Joelson Dias e Sarah Campos (2015, p. 47). No âmbito dos planos e

Page 37: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

35

Assim, no próximo item faremos um breve histórico dos instrumentos legais

em vigor antes da edição da LAI que são de interesse para o estudo da evolução

das normas de acesso à informação pública. Esse histórico permitirá também uma

melhor compreensão dos debates relativos ao processo legislativo que culminou

com a aprovação da Lei nº 12.527/2011.

3.1 ANTECEDENTES E CONTEXTO DE APROVAÇÃO DA LEI DE ACESSO À

INFORMAÇÃO

Entre as normas que promoveram a publicidade das informações detidas por

órgãos da Administração Pública destaca-se, tanto pelo pioneirismo quanto pelo

alcance de sua implementação, a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000,

conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

No capítulo intitulado “Da Transparência da Gestão Fiscal”, a LRF prevê a

ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos, dos instrumentos de gestão fiscal,

tais como planos, orçamentos e prestações de contas de recursos públicos. Com o

objetivo de garantir o acompanhamento e a avaliação das ações fiscais e

orçamentárias por parte da sociedade, são criados dois documentos de divulgação

periódica e obrigatória, o Relatório de Gestão Fiscal, divulgado quadrimestralmente,

e o Relatório Resumido de Execução Orçamentária, de caráter bimestral14. Além do

acesso a esses documentos, a participação e o controle popular são estimulados por

meio da realização de audiências públicas regulares durante o processo de

elaboração dos planos.

A LRF foi a primeira norma brasileira a criar uma “obrigação positiva de

produzir e dar ampla divulgação a informações de interesse público” (BENTO, 2015,

p. 132). O fato de seus dispositivos se aplicarem a todos os níveis de governo -

estratégias públicas, a posição em favor da LAI como quebra de paradigma é encontrada no documento “Estratégia de segurança da informação e comunicações e de segurança cibernética da administração pública federal 2015-2018”, elaborado pelo Departamento de Segurança da Informação e Comunicações (DSIC) do Gabinete de Segurança Institucional. Nesse sentido, o texto é bastante claro: “a publicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) marcou uma mudança no paradigma de publicidade dos ativos de informação criados e geridos pelo Estado, em todos os níveis e esferas, em prol da transparência” (p. 17).

14 Porém é preciso reconhecer que a linguagem técnica normalmente utilizada nesses relatórios tende a dificultar a sua compreensão por boa parte dos cidadãos. Nesse sentido, a publicidade dos dados, embora indispensável, não deve ser considerada suficiente para garantir maior participação na gestão administrativa (CULAU; FORTIS, 2006, p. 15).

Page 38: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

36

União, Estados, Distrito Federal e Municípios - e a todos os poderes, abrangendo

inclusive os Tribunais de Contas e o Ministério Público, favoreceu seu impacto em

termos de controle social sobre os gastos públicos.

De fato, a organização do “Portal da Transparência”, ferramenta de consulta

criada em 2004 pela Controladoria-Geral da União (CGU), representa um dos

desdobramentos do modelo de gestão fiscal e orçamentária introduzido pela LRF15.

Embora a criação desse instrumento eletrônico não conste das determinações da Lei

Complementar nº 101/2000, o mecanismo dificilmente poderia ter sido concebido e

estruturado na ausência das regras de abertura das contas públicas nela previstas.

A iniciativa passou a ser exigida somente com a edição da Lei Complementar nº

131, de 27 de maio de 2009, que acrescentou novos dispositivos à LRF. De acordo

com Leonardo Valles Bento (2015, p. 136), até a entrada em vigor da Lei nº

12.527/2011, a LRF era a principal norma brasileira a tratar do acesso a informações

públicas.

Além dela, o autor cita apenas a Lei nº 10.650, de 16 de abril de 2003, que

dispõe sobre o acesso a dados e informações ambientais existentes nos órgãos e

entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Entre

seus preceitos, é relevante destacar a garantia do acesso a informações ao

interessado “independentemente da comprovação de interesse específico”,

mediante apresentação de requerimento escrito e compromisso de que os dados

não serão utilizados para “fins comerciais” (artigo 2º, § 1º). As respostas às

consultas ou pedidos devem ser apresentadas pelos integrantes do SISNAMA no

prazo de trinta dias (artigo 2º, § 5º).

Não obstante a atuação de órgãos públicos e a colaboração de

organizações não-governamentais na disseminação das regras de acesso, por meio

da publicação de folhetos e cartilhas e outras medidas semelhantes, a norma

aparentemente não alcançou a repercussão pretendida16. A CGU sequer assinala a

Lei nº 10.650/2003 na linha de tempo que representa a evolução das normas e

15 O Portal está acessível em <www.portaldatransparencia.gov.br>. Atualmente o sítio permite consultas a registros que extrapolam amplamente o escopo inicial da LRF e disponibiliza informações sobre gastos em tempo real. O processo de ampliação das bases que compõem o banco de dados pode ser visualizado por meio de tabela cronológica elaborada por VIEIRA, 2012, p. 144-145.

16 A organização “Artigo 19”, dedicada à promoção de direitos humanos, em particular da liberdade e expressão, elaborou uma cartilha que se encontra disponível em <http://artigo19.org/doc/CARTILHAAMBIENTALARTIGO19.pdf>. Não foram localizadas estatísticas sobre pedidos de acesso a dados sob custódia dos órgãos do SISNAMA.

Page 39: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

37

iniciativas governamentais em favor do avanço da transparência pública, como se

pode ver abaixo:

Figura 1: Cronologia das ações de incentivo à transparência pública no Brasil - CGU

Fonte: <http://www.acessoainformacao.gov.br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/balanco1ano.pdf>

Independentemente de qualquer avaliação sobre o grau de sucesso das

normas citadas, o certo é que ambas estão circunscritas a funções ou segmentos

específicos da Administração Pública. O acesso à informação previsto na LRF, por

exemplo, apesar de sua relevância específica e do interesse para o controle da

sociedade sobre a arrecadação e os gastos públicos em geral, restringe-se a um

determinado tipo de dados, cuja leitura e interpretação por leigos é bastante difícil.

Nesse sentido, Calderon recorreu a uma metáfora expressiva para caracterizar a

situação da transparência pública brasileira no período anterior à edição da LAI: “o

direito de acesso à informação, antes da Lei nº 12.527/2011, era uma alma sem

corpo, uma canção sem voz” (CALDERON, 2015, p. 73).

De fato, os autores consultados são unânimes na avaliação de que os

mecanismos de transparência criados pelo Executivo federal ao longo da década de

2000 eram insuficientes para garantir o direito constitucional de acesso à

informação.

Page 40: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

38

Na verdade, a primeira proposta para a universalização desse direito no

âmbito da Administração Pública, incluindo os três poderes e todos os níveis de

governo, teve origem no Legislativo federal e não no Executivo. Em 26 de fevereiro

de 2003, o deputado Reginaldo Lopes apresentou o Projeto de Lei nº 219/2003, que

dispunha sobre “a prestação de informações detidas pelos órgãos da Administração

Pública”17.

Na justificativa que acompanha o projeto, seu autor argumenta que a

iniciativa se vincula a um movimento internacional das democracias, que intentam

fortalecer, de forma crescente, as relações de representatividade política, mediante a

disponibilidade de informações que subsidiem a avaliação do desempenho das

ações do Estado:

Um dos pontos de honra da moderna democracia é o compromisso de transparência da Administração Pública. Verifica-se, por isso, uma tendência crescente para que os estados modernos busquem o estabelecimento de leis que garantam ao cidadão o pleno conhecimento das ações do governo, da estrutura, missão e objetivos de seus órgãos, e sobre qual é o resultado final da equação representativa da aplicação de recursos públicos em confronto com os benefícios reais advindos à comunidade (grifo nosso).

O deputado cita, entre as referências para a elaboração da proposta, as

experiências legislativas da Espanha, Estados Unidos da América, França, Portugal

e México. Ele ressalta que que as normas deste último país inspiraram a inclusão no

PL 219/2003 de dispositivo que veda a classificação sigilosa de documentos que

possam fornecer informações sobre crimes contra a humanidade ou sobre graves

violações de direitos fundamentais18.

De início, o projeto teve tramitação rápida na Câmara. Contudo, após a

aprovação de parecer favorável em votação da Comissão de Constituição e Justiça,

em dezembro de 2004, seu andamento foi interrompido por quase cinco anos.

Nesse período, o Executivo procurava construir, mediante articulação interna

e colaboração da sociedade civil, uma proposta alternativa ao PL 219/200319. Num

17 Os textos do Projeto de Lei e de sua justificativa estão disponíveis em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=115054&filename=PL+219/2003>.

18 Trata-se da Ley Federal de Transparencia y Acceso a la Información Pública Gubernamental, que foi publicada em 11 de junho de 2002. A questão está tratada da seguinte forma, no inciso VI do art. 4º: “No podrá invocarse el carácter de reservado cuando se trate de la investigación de violaciones graves de derechos fundamentales o delitos de lesa humanidade”. O diploma legal completo pode ser consultado em: <http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/ref/lftaipg/LFTAIPG_orig_11jun02.pdf>.

19 Segundo PAES (2011, p. 412), foi o próprio deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) quem recorreu à CGU, solicitando o apoio do órgão no sentido de viabilizar a aprovação do PL nº 219/2013. O pedido

Page 41: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

39

primeiro momento, as discussões se desenvolveram no âmbito da Presidência da

República, sob a coordenação da Controladoria-Geral da União20. O núcleo dos

debates era o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção

(CTPCC), órgão colegiado de caráter consultivo vinculado à CGU. Composto por

vinte membros, com representação paritária do Poder Executivo e de representantes

convidados de organizações da sociedade, o Conselho foi criado pelo Decreto nº

4.923, de 18 de dezembro de 2003. O órgão consultivo tem como finalidade sugerir

estratégias de aperfeiçoamento da transparência na gestão da administração pública

e de combate à corrupção e à impunidade.

Em setembro de 2005, a CGU submeteu à análise do CTPCC minuta de

anteprojeto de lei que visava regular o acesso a informações públicas. Após a

incorporação das contribuições dos conselheiros, o documento foi encaminhado à

Casa Civil, onde foram desenvolvidas novas negociações, envolvendo órgãos da

Presidência e ministérios interessados no tema.

Não houve a formalização de um grupo de trabalho específico, apenas foram

convidados técnicos para colaborar no aperfeiçoamento da proposta do Executivo,

sob a coordenação e supervisão da Casa Civil (CC), cuja dirigente na época era

Dilma Rousseff. Cabia, portanto, a esse órgão da Presidência as tarefas de arbitrar

os eventuais dissensos entre os órgãos convidados e consolidar a versão final da

proposta de regulamentação.

Aparentemente não foram elaboradas atas das reuniões na Casa Civil, ao

contrário do que ocorria inicialmente, quando os debates eram realizados na esfera

do CTPCC. De qualquer modo, sabe-se que as negociações envolveram

representantes da CGU, Casa Civil, Ministério da Justiça, Ministério das Relações

Exteriores (MRE) e Ministério da Defesa (PAES, 2011, p. 412-413).

De acordo com pesquisa empreendida por Karina Furtado Rodrigues (2013),

durante a qual foram entrevistados civis e militares que participaram das discussões

governamentais, a participação mais intensa no grupo informal foi a de

representantes do Ministério da Defesa (MD) e do Itamaraty. Segundo depoimentos

colhidos pela autora, os dois órgãos eram, em geral, favoráveis a soluções de

teria dado início a discussões no Executivo federal que deram origem à elaboração de um anteprojeto de lei.

20 O processo de elaboração do projeto que deu origem à LAI foi descrito de forma detalhada por ANGÉLICO (2012), RODRIGUES (2013) e PAES (2011; 2012). Esta última autora participou diretamente dos debates, na condição de membro da Assessoria Jurídica da CGU.

Page 42: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

40

caráter mais restritivo, que garantissem a salvaguarda de documentos

especialmente sensíveis, mas, segundo os entrevistados, não chegaram a atuar de

forma coordenada em favor de suas concepções.

Os aspectos que encontravam maior resistência eram aqueles relacionados

aos prazos de sigilo e à possibilidade de prorrogações ilimitadas no caso dos

documentos ultrassecretos. A falta de consenso entre os órgãos da estrutura do

governo sobre o teor e a amplitude das restrições que seriam incluídas na nova

proposta provocaram demora no envio do projeto de lei para a apreciação do

Congresso Nacional.

De acordo com as entrevistas efetuadas por Karina Rodrigues (2013),

questões político-ideológicas permearam as discussões e influenciaram seu

resultado final. Das sete autoridades21 ouvidas pela autora, cinco asseveraram que a

promulgação da LAI representou um ato de “revanchismo motivado pelo ‘cadáver’ da

ditadura” (2013, p. 93).

Por outro lado, observou-se que pelo menos um dos militares ouvidos

mostrava-se pouco disposto a seguir de forma estrita as regras que viessem a entrar

em vigor, optando por decisões fundamentadas em avaliações de caráter puramente

individual, ainda que supostamente orientadas pela preocupação em resguardar o

interesse público:

Se eu tiver um documento classificado como ultrassecreto, em vias de extinguir o prazo, sob risco de acontecer uma lesão, eu talvez, profissionalmente, optasse pela destruição do documento, e é um direito meu de destruição de documentos sigilosos, por salvaguarda do

conteúdo (RODRIGUES, 2013, p. 90, grifo nosso)22.

A partir da leitura dos depoimentos de militares e civis colhidos por Karina

Rodrigues, é possível concluir que a CGU e a Casa Civil assumiram, em geral,

posicionamentos favoráveis à máxima extensão do direito de acesso à informação

pública, enquanto o Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores

assumiram o outro polo do debate, mostrando preocupação com os possíveis danos

21 A pesquisadora realizou entrevistas com o então Ministro da Defesa, Nelson Jobim, com o Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, além de quatro oficiais das Forças Armadas e um diplomata que atuava no Ministério da Defesa na época da elaboração do anteprojeto. Ironicamente, houve depoentes que se recusaram a ter suas falas gravadas. Assim, não é possível individualizar as opiniões formuladas pelos entrevistados.

22 O posicionamento do militar entrevistado confronta dispositivo do Decreto nº 7.724/2012, que reproduzimos: “Art. 39. As informações classificadas no grau ultrassecreto ou secreto serão definitivamente preservadas, nos termos da Lei no 8.159, de 1991, observados os procedimentos de

restrição de acesso enquanto vigorar o prazo da classificação”. Inexiste na LAI ou em suas regulamentações qualquer menção a direito de “destruição por salvaguarda de conteúdo”.

Page 43: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

41

ocasionados por uma liberalidade excessiva na desclassificação de documentos

sigilosos. A possibilidade de acesso por parte de outros países a conhecimentos

sensíveis detidos pelas Forças Armadas foi uma das questões que provocaram

inquietação entre os militares. Nessa perspectiva, as tecnologias desenvolvidas no

âmbito do Programa Nuclear da Marinha foram especialmente citadas

(RODRIGUES, 2013, p. 91).

Diante da aparente polarização dos debates, não foi possível identificar com

clareza a visão predominante no Ministério da Justiça. Eneida Paes cita a

elaboração de uma proposta de consolidação das normas existentes sobre o acesso

à informação por parte do órgão, iniciativa que resultou em texto bastante extenso,

com 102 artigos. Mas essa sugestão de cunho mais conservador, ao que tudo

indica, não teve boa acolhida desde o início, optando-se por ampla reestruturação

dos dispositivos vigentes (PAES, 2012, p. 251).

Infelizmente não foram obtidos dados sobre eventuais sugestões

apresentadas pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pela Secretaria

Especial de Direitos Humanos (SEDH) ou pela Advocacia-Geral da União (AGU),

instituições que também participaram do grupo que formalizou o projeto do Executivo

federal.

Se, mesmo com essas lacunas, é perceptível a existência de posições

diferenciadas no governo sobre o modelo de acesso a ser adotado, há indicações de

que os organismos da sociedade civil atuaram de forma relativamente coesa em

defesa de seus interesses (ANGÉLICO, 2012, p. 94). Em setembro de 2003, por

iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), foi

anunciada a criação do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas,

agregando entidades interessadas em acompanhar os debates e influenciar o

Estado no sentido do livre acesso à informação pública23.

As entidades congregadas no Fórum pressionaram o Executivo para que

concluísse rapidamente o anteprojeto de lei que estava sendo ultimado na Casa

Civil. Foi inclusive apresentada proposta para submeter o documento a processo de

23 Entre as entidades que compõem o Fórum, é possível citar: Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Transparência Brasil. O Fórum, sob a coordenação da ABRAJI, permanece atuante mesmo após a sanção da LAI, divulgando suas ações por meio do sítio <http://www.informacaopublica.org.br>.

Page 44: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

42

consulta pública antes da remessa ao Congresso Nacional, mas a Casa Civil não

teria se mostrado favorável a essa linha de ação, julgando que já houvera um amplo

debate com a participação de diversos atores sociais. De acordo com o extrato da

ata da 7ª reunião do CTPCC, realizada em 26 de junho de 2007, previa-se que a

questão geraria polêmica no Legislativo, favorecendo a convocação de audiências

públicas e a disponibilidade de outras formas de participação popular24.

Na Casa Civil, porém, as negociações sobre o texto final do projeto se

estenderam até 2009. Assim, somente em maio daquele ano o presidente Luís

Inácio Lula da Silva pôde encaminhar a proposta ao Congresso Nacional, onde foi

autuada como Projeto de Lei nº 5.228/2009.

A Exposição de Motivos Interministerial que acompanhou o projeto menciona

que o texto era resultado de “aprofundada discussão” na esfera do Executivo,

assinalando expressamente a lacuna legislativa que a proposta pretendia sanar:

[...] o direito de acesso garantido aos cidadãos nos termos da Constituição da República carece de regulamentação unitária e sistemática, que assegure, efetivamente, o acesso amplo a informações e documentos produzidos pela Administração Pública25.

Os benefícios que a aprovação do projeto traria para o aprofundamento da

democracia participativa e o fortalecimento do combate à corrupção são ressaltados

no documento citado, que recorre ao exemplo de outros países que haviam

reconhecido o direito à informação como um direito fundamental. As legislações

estadunidense, finlandesa, mexicana e sueca são referidas como fontes inspiradoras

de dispositivos incorporados ao Projeto de Lei nº 5.228/2009.

De fato, percebe-se a preocupação de que a norma atendesse, tanto quanto

possível, a critérios e requisitos elaborados por organismos internacionais e por

estudiosos do assunto. Eneida Paes avalia que tal influência não configura um “mero

transplante de outra legislação”, devendo ser entendida como o recurso a “modelos

de referência”. A autora avalia que a perspectiva comparativa é positiva, desde que

24 A ata está disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/conselho-da-transparencia/documentos-de-reunioes/atas/ata-da-7a-reuniao-jun-2007.pdf>. A visão de que os debates no Congresso provavelmente seriam acirrados é apresentada na reunião pelo então Secretário-Executivo da CGU, Luiz Navarro. É ele também quem relata o andamento dos trabalhos de elaboração do anteprojeto no âmbito da Casa Civil.

25 O documento completo pode ser lido em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=656533&filename=Tramitacao-PL+5228/2009>. Assinam a Exposição de Motivos os titulares dos seguintes órgãos: Casa Civil, Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Defesa, Advocacia-Geral da União, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Comunicação Social e Controladoria-Geral da União.

Page 45: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

43

esteja focada em ideias, soluções e argumentos amplamente utilizados no plano

internacional e não na leitura isolada dos textos legais (PAES, 2011, p. 253-254).

O contexto internacional certamente exerceu influência sobre as concepções

de transparência adotadas pelo governo brasileiro e também sobre os argumentos

que orientaram a atuação de organismos da sociedade civil no país. Ademais,

ocorreram pelo menos duas situações no campo externo que exerceram impacto

sobre a tramitação do projeto que deu origem à LAI.

A primeira e mais conhecida foi a decisão da Corte Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) de

condenar o Brasil pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas entre 1972 e 1974,

durante a guerrilha do Araguaia. A sentença da Corte no “Caso Gomes Lund e

outros versus Brasil”, que foi divulgada em novembro de 2010, trata expressamente

da necessidade de aperfeiçoamento do ordenamento jurídico brasileiro, de modo a

garantir o exercício do direito à informação, que é entendido como integrante do rol

de direitos humanos:

[...] quanto à adequação do marco normativo do acesso à informação, o Tribunal toma nota de que o Estado informou que se encontra em tramitação um projeto de lei que, entre outras reformas, propõe uma redução dos prazos previstos para a reserva de documentos e dispõe a proibição da mesma a respeito daqueles que tenham relação com violações de direitos humanos, e que os representantes manifestaram sua aprovação ao projeto mencionado. Com base no anterior, o Tribunal exorta ao Estado que, em prazo razoável, de acordo com o artigo 2 da Convenção Americana, adote as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza que sejam necessárias para fortalecer o marco normativo de acesso à informação, em conformidade com os parâmetros interamericanos de proteção dos direitos humanos, como os citados na presente Sentença (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 106, grifo nosso).

Na época da publicação da sentença, o PL nº 5.228/2009, que havia sido

apensado ao projeto original do Deputado Reginaldo Lopes, já concluíra sua

tramitação inicial na Câmara. Após sua aprovação em plenário, ocorrida em abril, o

projeto fora remetido para a apreciação do Senado no mês seguinte. No Senado, a

proposição recebeu a denominação de Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 41/2010.

Quando da divulgação da decisão da CIDH, a matéria aguardava parecer do relator

da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática.

A repercussão da sentença fez com que a pressão de organizações e

movimentos sociais em favor da aprovação do projeto da LAI no Congresso

ganhasse novo vulto. Ao mesmo tempo, as conexões entre a ampliação do acesso a

Page 46: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

44

documentos públicos e o processo de implantação de medidas que caracterizam a

justiça de transição foram reafirmadas, traduzindo-se em demandas pelo exercício

pleno e imediato do direito à memória e à verdade.

Longe de ser novidade no cenário político brasileiro, a questão já vinha

sendo tratada por meio de políticas públicas específicas. O Decreto nº 7.037, de 21

de dezembro de 2009, que aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos –

PNDH-3, possui um eixo norteador que inclui como diretrizes “o reconhecimento da

memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado” e a

modernização da legislação relacionada com a promoção desse direito.

Nesse sentido, são mencionadas, no citado decreto, ações de transferência

para o Arquivo Nacional de documentos públicos relacionados à repressão política

no período de 1964 a 1985 (Projeto Memórias Reveladas). A necessidade de

sensibilizar o Legislativo para a aprovação do Projeto de Lei no 5.228/2009 também

é citada no contexto desse eixo norteador do PNDH-3.

Portanto, a condenação do Brasil pela CIDH contribuiu para conferir maior

visibilidade e apoio social a demandas que o Estado reconhecia como legítimas,

mas para as quais não conseguia formular respostas adequadas e oportunas.

Embora nem todas as recomendações da Corte tenham sido atendidas pelo Brasil, é

inegável que a sentença significou um impulso crucial para a aprovação da LAI e a

criação da Comissão Nacional da Verdade, que também estava prevista no PNDH-3.

Com efeito, tanto o Brasil quanto a CIDH avaliaram que o marco jurídico que então

regia o acesso à informação no país era falho e deveria, por conseguinte, ser objeto

de reforma (SALES, 2014, p. 158-161).

A segunda situação internacional que teve impacto direto sobre o

andamento do projeto da LAI foi a proposta feita ao Brasil pelos Estados Unidos, em

setembro de 2011, para que participasse, na qualidade de co-líder e membro

fundador, da iniciativa denominada “Parceria para Governo Aberto” (Open

Government Partnership – OGP)26. O objetivo declarado da iniciativa é dar origem a

ações concertadas internacionalmente que permitam obter avanços globais nos

26 Os primeiros países a aderirem à OGP foram: África do Sul, Brasil, Estados Unidos, Filipinas, Indonésia, México, Noruega e Reino Unido. De todos eles, o único que não dispunha de lei geral de acesso à informação em vigor no momento da fundação da Parceria era o Brasil (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 73).

Page 47: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

45

níveis de transparência, na qualidade da prestação de contas e no processo de

implementação da boa governança.

A adesão à OGP implica a aceitação dos termos da “Declaração de Governo

Aberto”, de acordo com a qual os integrantes se comprometem com os seguintes

objetivos, que deverão ser perseguidos de forma conjunta: ampliar a disponibilidade

de informações sobre as atividades governamentais, apoiar a participação cívica e

ampliar o acesso a novas tecnologias que contribuam para o incremento da

transparência27. De forma a garantir a consecução desses objetivos, cada país deve

elaborar, de forma independente, um plano de ação específico.

Para ingressar na Parceria, os países interessados são ainda submetidos a

uma avaliação por parte de um grupo independente de especialistas que leva em

consideração o nível de desenvolvimento das políticas públicas nas seguintes áreas:

transparência fiscal, acesso à informação, publicação de declarações de

mandatários de cargos eletivos ou de funcionários públicos de alto escalão e

participação cidadã. Entre os itens examinados nessa verificação está a existência

ou não de lei de acesso à informação em vigor, instrumento considerado essencial

para a prática do governo aberto.

Ora, surgia então um obstáculo para que o Brasil pudesse exercer o papel

de co-liderança nesse movimento sem se expor a críticas de outros países, ou

mesmo de organizações da sociedade civil, uma vez que o projeto da LAI

permanecia sob análise no Senado, mais precisamente na Comissão de Relações

Exteriores e Defesa Nacional. Assim, foram redobrados os esforços do governo

federal no sentido da aprovação final da matéria no Congresso, fato que ocorreu em

outubro de 2011, cerca de um mês após o lançamento da OGP.

Fabiano Angélico (2012, p. 96) e Otávio Moreira de Castro Neves (2013, p.

15) entendem que a adesão do Brasil à “Parceria para Governo Aberto” representou

um incentivo fundamental para o envio do projeto da LAI ao plenário para a votação

final. Ana Maria Malin, por sua vez, adota perspectiva mais abrangente sobre a

questão do impacto de iniciativas multilaterais, ao afirmar que o ambiente externo foi

determinante para configurar a dinâmica e o caráter das políticas de transparência

pública do país nas últimas décadas:

27 O texto completo da Declaração de Governo Aberto está disponível em: <http://www.governoaberto.cgu.gov.br/central-de-conteudo/documentos/arquivos/declaracao-governo-aberto.pdf>. Acesso em: 14 set. 2015.

Page 48: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

46

[...] para além de pressões da nossa sociedade civil e políticas de Estado, noticiadas por fontes oficiais e imprensa na web brasileira, considera-se que a construção do regime de acesso à informação no Brasil responda às pressões externas, entre elas exigências feitas a partir de 1990 por convenções, tratados, bancos multilaterais e instituições financeiras internacionais, representando, portanto, uma adesão do país ao novo regime global de informação (MALIN, 2013, p. 5).

Independentemente do peso relativo que se atribua aos fatores externos no

direcionamento desse processo, é indispensável, se desejamos elaborar um quadro

analítico que corresponda minimamente à complexidade dos fenômenos estudados,

avaliar as resistências apresentadas por indivíduos ou grupos sociais no decorrer da

tramitação da LAI.

Tendo em vista que as diferenças de posicionamento entre os órgãos de

governo durante de formalização do projeto não se tornaram públicas na época das

discussões na Casa Civil, as primeiras críticas de repercussão ao modelo de acesso

à informação proposto pelo Executivo surgem apenas durante a tramitação do PLC

nº 41/2010 no Senado. O ex-presidente Fernando Collor, que então presidia a

Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), foi o primeiro agente

político a apresentar críticas sistemáticas às regras de acesso estabelecidas pelo

Executivo ou às emendas aprovadas pela Câmara Federal28.

O Senador Fernando Collor, ao receber o PLC nº 41/2010 em abril de 2011,

avocou para si a relatoria do projeto e, identificando a conveniência de revisar

amplamente o texto, deu início à preparação de um substitutivo. Antes da

apresentação da matéria para votação na CRE, Collor externou suas discordâncias

frente ao modelo de acesso a informações à Presidenta e a outras autoridades do

Executivo, além de emitir declarações sobre o assunto a organismos da imprensa

(GUERREIRO, 2011, sem paginação).

O ex-presidente alegava que suas restrições ao projeto diziam respeito a

“questões de Estado” as quais não se confundiam com os aspectos, igualmente

relevantes, de proteção a direitos e garantias fundamentais. O senador demonstrava

especial preocupação com a impossibilidade da renovação dos prazos de sigilo das

informações classificadas como ultrassecretas. De acordo com a redação do PLC nº

41/2010, essas informações seriam mantidas sob restrição de acesso por até 25

28 O projeto de lei elaborado pelo Executivo sofreu um número relativamente pequeno número de modificações ao longo de sua tramitação na Câmara Federal. A sua estrutura original, em termos de denominação de capítulos e seções, foi integralmente mantida, por exemplo (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 74). No entanto, determinadas mudanças, ainda que pontuais, tiveram repercussão significativa no processo de implementação do diploma legal.

Page 49: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

47

anos, podendo o prazo ser prorrogado, por meio de decisão específica, uma só vez

e pelo mesmo período.

No projeto enviado originalmente pelo Executivo, o período de classificação

era também de 25 anos, entretanto seria possível prorrogá-lo indefinidas vezes, de

modo a evitar ameaças externas à soberania ou “à integridade do território nacional

ou grave risco às relações internacionais do País” (PL nº 5.228/2009, art. 30, § 1º,

inciso III). A mudança havia sido efetuada por meio de emenda aprovada durante a

tramitação na Câmara. Na oportunidade, a alteração não provocou manifestações

contrárias por parte do Executivo.

O posicionamento de Collor, em favor de uma legislação que permitisse

maior discricionariedade ao Estado quanto à salvaguarda de documentos

ultrassecretos, foi apoiado pelo então presidente do Senado, José Sarney.

Ocorreram imediatamente reações de órgãos da sociedade civil que criticavam os

parlamentares, acusando-os de defensores da manutenção do “sigilo eterno” e

pleiteando que o texto do PLC nº 41/2010 fosse aprovado de forma rápida e sem

quaisquer alterações29.

Nesse sentido, também foi alvo de censuras a decisão de Collor de enviar

pedido de informações ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da

República, solicitando dados sobre o número de documentos sigilosos produzidos

anualmente pelo órgão e a quantidade total dos documentos classificados mantidos

sob custódia, além de esclarecimentos sobre os procedimentos adotados em

acordos internacionais que preveem a salvaguarda de assuntos sigilosos. O

requerimento foi encarado por lideranças políticas e órgãos da sociedade civil como

uma medida meramente protelatória, que visava adiar o envio do PLC nº 41/2010

para votação no plenário, onde já tinha sido aprovada a tramitação em regime de

urgência30.

Nesse ambiente, marcado por acesa polêmica, o presidente da CRE

apresentou um substitutivo que propunha ampla reforma no projeto encaminhado

pela Câmara Federal. Em muitos casos, não havia propriamente inovação no texto,

29 Ver, por exemplo, a nota divulgada, em 14 de junho de 2011, pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI): <http://www.abraji.org.br/?id=90&id_noticia=1566>. Também se manifestaram contrariamente ao “sigilo eterno” a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

30 Ver, por exemplo, matéria publicada no jornal “Estado de São Paulo”: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,collor-e-sarney-atrasam-a-lei-da-informacao,772679>.

Page 50: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

48

pois pretendia-se apenas eliminar as alterações efetuadas ao longo do processo

legislativo, retomando assim o conteúdo original da matéria tal como fora enviada

pelo Executivo.

No relatório, Fernando Collor argumenta que, mesmo nos países onde foram

aprovadas amplas leis de regulamentação, permanecem em vigor restrições que

impedem ou dificultam o acesso a informações que possam “afetar interesses vitais”.

A seguir, elenca os possíveis efeitos negativos que seriam ocasionados pela adoção

do sistema de desclassificação automática de documentos e da vedação a

prorrogações ilimitadas de prazos de sigilo.

Segundo o relator, caso esses dispositivos fossem aprovados, pelo menos

no formato previsto no PLC nº 41/2010, os riscos da divulgação indevida de

informações sensíveis seriam potencializados, em razão da insuficiente organização

das atividades de inteligência no país:

Acrescente-se a isso, o fato de o Brasil ainda carecer de legislação mais profunda, controle mais efetivo e definição mais clara de atribuições relacionadas às atividades de inteligência, hoje exercidas desarticuladamente por diversos órgãos federais e estaduais, sem uma autêntica e bem definida política nacional. O produto dessas atividades – em conjunto com o conhecimento tecnológico, de defesa e o produzido pela diplomacia – constitui a fonte principal das informações e dos documentos sigilosos do Estado (COLLOR, 2011, p. 4).

O Senador refere-se novamente à atividade de inteligência um pouco mais

adiante no relatório, ao tratar do conceito de “informação” empregado no projeto de

lei. Collor alega que sua amplitude é excessiva, optando, no substitutivo, por

restringi-lo a dados processados, tal como ocorre na “literatura das atividades de

Inteligência” (COLLOR, 2011, p. 5).

São propostas também alterações quanto aos critérios de atribuição de grau

de sigilo, as quais demonstram a intenção de garantir a competência dos titulares

dos órgãos de inteligência para classificar informações no grau ultrassecreto e

garantir a possibilidade de seu credenciamento para acesso a documentos nesse

nível de restrição (COLLOR, 2011, p. 10)

Esse interesse em estabelecer um diálogo com a doutrina de inteligência e a

preocupação em dimensionar o impacto da nova regulamentação do direito de

acesso à informação sobre a atividade contrastam com a atitude predominante entre

os parlamentares durante a tramitação do projeto na Câmara. De fato, os integrantes

da Comissão Especial instituída para apreciar a proposição em tela não convidaram

representantes dos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência

Page 51: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

49

(SISBIN) para debater o tema em audiências públicas ou para fornecer dados sobre

as rotinas e os procedimentos adotados no tratamento de informações sigilosas.

Portanto, pode-se afirmar que, durante o período de discussão do projeto na

Câmara, os órgãos governamentais que lidam diretamente com a atividade de

inteligência não foram convocados para apresentar elementos de caráter técnico-

profissional que enriquecessem a análise da matéria. Aparentemente os deputados

atribuíram pouca relevância ao potencial impacto das novas regras de acesso sobre

a produção e a salvaguarda de conhecimentos de inteligência (CALDERON, 2015,

p. 14-15).

Nesse contexto, pode ser considerado atípico o interesse do Senador

Fernando Collor em trazer para o debate questões relativas aos conceitos e às

práticas de inteligência, considerando-as, em alguma medida, relevantes para o

adequado dimensionamento das normas de transparência pública. Entretanto, a

abordagem inovadora surgiu num momento em que as pressões políticas para a

rápida aprovação do projeto, associada à polêmica instaurada pela questão do

“sigilo eteno”, praticamente inviabilizavam a revisão da matéria sob esse prisma.

Assim, em 25 de outubro de 2011, o substitutivo de Collor foi submetido ao

plenário do Senado, onde foi rejeitado por ampla margem (43 votos a 9). O PLC nº

41/2010, mantido integralmente, foi então encaminhado para a sanção presidencial,

o que ocorreu em 18 de novembro daquele ano. Na oportunidade, foram aplicados

vetos a dois dispositivos do projeto, com a justificativa de que feriam o princípio

constitucional de separação dos poderes ou geravam contradições com outras

prescrições incluídas no diploma legal31.

No próximo item, efetuaremos um breve estudo da Lei nº 12.527/2011, o

qual se limitará a identificar seus princípios norteadores, assinalar suas inovações

frente à legislação antecedente e a analisar outros elementos de interesse para os

objetivos desta pesquisa, em particular os desdobramentos que a lei gera para o

desenvolvimento da atividade de inteligência estratégica.

Nesse sentido, nosso foco incidirá primordialmente sobre as políticas

públicas de nível federal que foram criadas ou redirecionadas pelas novas regras de

acesso às informações públicas. As ambiguidades do texto legal ou eventuais

inconsistências entre a LAI e seus decretos de regulamentação também merecerão

31 Os vetos constam da Mensagem nº 253, de 18 de novembro de 2011, a qual está disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Msg/VEP-523.htm>.

Page 52: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

50

destaque, pois contribuem para interpretações e ações divergentes na esfera de sua

implementação.

Ressaltamos que apesar de ter entrado em vigor há relativamente pouco

tempo, a LAI já dispõe de ampla e consistente doutrina, que aborda também as

normas de sua regulamentação, tais como o Decreto nº 7.724, de 16 de maio de

2012, de caráter genérico; e o Decreto nº 7.845, de 14 de novembro de 2012, que

trata especificamente dos procedimentos para credenciamento de segurança e

tratamento de informação classificada32.

3.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES E INOVAÇÕES

Entendemos, tal como Juliano Heinen (2014, p. 111), que as diretrizes

relacionadas no artigo 3º da Lei nº 12.527/2011 representam padrões axiológicos

que balizam a interpretação do conjunto das regras inseridas no diploma legal e em

suas regulamentações. Em consequência, as ações que integram os procedimentos

previstos na lei deverão ser executadas de acordo com esses princípios

norteadores. Evidentemente, tais diretrizes serão aplicadas em conformidade com os

princípios básicos da administração pública, de caráter mais amplo, que estão

expressos no artigo 37 da Constituição Federal.

A primeira diretriz, enunciada no inciso I do artigo 3º, ressalta a “observância

da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”. Estabelece-se,

portanto, que em caso de falta de convicção sobre o caráter sigiloso ou não de uma

determinada informação, deve prevalecer a interpretação em prol do acesso

(HEINEN, 2014, p. 112). Para ser mantido, o sigilo necessita sempre de

fundamentação legal, cabendo ao Estado comprovar que o material solicitado não

pode ser revelado, pois os prejuízos causados pela divulgação seriam “mais

relevantes do que o interesse público na transparência” (BENTO, 2015, p. 93).

Assim, a justificativa do sigilo não pode se sustentar em temores hipotéticos

e genéricos, ou ainda em interesses de caráter meramente particular ou

organizacional. A autoridade pública demandada deve demonstrar, de forma

concreta e inequívoca, que o atendimento do pedido de acesso produzirá “dano

32 Os principais doutrinadores são BENTO (2015), CALDERON (2015), CUNHA FILHO; XAVIER (2014), HEINEN (2014), NUNES (2013) e SALES (2014). A monografia de CARVALHO (2013) e a coletânea de artigos organizada por VALIM (2015) também merecem destaque.

Page 53: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

51

substancial a um direito constitucional ou legalmente protegido” (CUNHA FILHO;

XAVIER, 2014, p. 114).

Essa primeira diretriz não implica que o acesso à informação deva ser

interpretado como um direito absoluto. Na verdade, o princípio administrativo adverte

que as limitações impostas ao exercício desse direito devem constar expressamente

em lei e terão de ser aplicadas de forma proporcional, de forma a garantir o máximo

de publicidade possível.

A segunda diretriz determina a “divulgação de informações de interesse

público, independentemente de solicitações” (art. 3º, inciso II). Trata-se aqui da

denominada “transparência ativa”, que já estava contemplada no ordenamento

jurídico brasileiro pelo menos desde a edição da Lei Complementar nº 131/2009, a

qual previa a liberação de informações pormenorizadas sobre a execução

orçamentária e financeira, em tempo real, nos meios eletrônicos de acesso público.

Um exemplo bem-sucedido de aplicação desse princípio norteador é a criação de

“portais da transparência” em diferentes níveis de governo.

O princípio citado gera a obrigação estatal de prestar informações de

maneira proativa, independentemente de solicitações apresentadas pelos

interessados. As condições mínimas a serem observadas para o cumprimento desse

dever estão definidas no artigo 8º da LAI.

A divulgação institucional precisa conter ao menos os seguintes dados:

competências, estrutura organizacional, endereços e telefones das unidades e

respectivos horários de funcionamento; repasses, transferência de recursos e

despesas; procedimentos licitatórios e contratos firmados; andamento de programas,

ações, projetos e obras; e respostas a perguntas frequentemente formuladas pela

sociedade.

Além de estabelecer um rol mínimo de dados, que constitui núcleo comum

aos diferentes órgãos e entidades, independentemente de suas competências e

área de atuação, a norma determina também os atributos a serem atendidos pelos

meios de divulgação.

Nesse sentido, é obrigatória a disponibilização de sítios oficiais na internet,

que deverão cumprir os seguintes requisitos: conter ferramentas de pesquisa de

conteúdo eficientes; possibilitar a gravação de relatórios em vários formatos; permitir

o acesso automatizado por sistemas externos; divulgar detalhadamente os formatos

utilizados para estruturar a informação; garantir autenticidade, integridade e

Page 54: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

52

atualização das informações tornadas públicas; indicar formas de comunicação entre

o interessado e o órgão ou entidade detentora do sítio; e garantir a acessibilidade de

conteúdo para pessoas com deficiência (art. 8º, § 3º, incisos I a VIII). O Decreto nº

7.724/2012, que regulamenta a LAI, incluiu ainda a exigência de que o sítio da

internet contenha formulário eletrônico para o requerimento de informações (art. 8º,

inciso I).

Embora a Lei nº 12.527/2011 não tenha sido a primeira norma brasileira a

prever a divulgação sistemática de informações de interesse público, ela foi

responsável por estender essa obrigação ao conjunto de órgãos e entidades da

Administração e por definir, de forma pormenorizada, os critérios e procedimentos

mínimos a serem obedecidos nesse processo.

Persistem, porém, dificuldades quanto à exata delimitação do campo das

“informações de interesse público”. Como salienta Juliano Heiden (2014, p. 113), a

expressão “interesse público” é polissêmica, prestando-se às mais variadas

interpretações e usos, mesmo se considerarmos apenas o seu emprego no âmbito

do direito administrativo.

A fluidez do conceito incide sobre a formulação de públicas de

transparência. Afinal, o interesse público não justifica apenas o fornecimento

sistemático e padronizado de informações. Ele também legitima as eventuais

restrições de acesso, desde que tais decisões estejam devidamente amparadas no

ordenamento jurídico e cumpram os requisitos de adequação, necessidade e

proporcionalidade (BENTO, 2015, 95-96).

A questão mostra-se especialmente relevante para a concepção de políticas

de transparência ativa por parte dos órgãos de inteligência, os quais desenvolvem

atividades peculiares, nas quais o sigilo é a regra e a publicidade constitui a

exceção. Esta condição, que também pode ser identificada em democracias há

muito consolidadas, não pode ser simplesmente associada à prevalência de valores

antidemocráticos, supostamente herdados de um passado autoritário, ou a

características próprias de burocracias que procuram se manter insuladas. Na

atividade de inteligência, o sigilo representa um fator essencial para a consecução

dos objetivos de Estado, pois a eficácia das ações empreendidas depende de sua

preservação, ainda que temporária.

Sobre o entrelaçamento desses dois aspectos do interesse público, que

tanto serve de fundamentação para o emprego sistemático de mecanismos de

Page 55: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

53

transparência quanto, em caráter excepcional, para a restrição de acesso, cabe citar

Calderon:

Se, por um lado, a exigência de um governo aberto, transparente, com a possibilidade de participação popular, transforma o direito de acesso à informação em importante instrumento da democracia, por outro, a divulgação de segredos de Estado, os quais colocam o país em posição privilegiada justamente por ser detentor da informação, comprometeriam a própria sociedade a que se quer dar poder (2015, p. 8).

A terceira diretriz da Lei nº 12.527/2011 diz respeito às possibilidades que o

desenvolvimento tecnológico recente proporcionou em termos de ampliação da

transparência pública. O inciso III do artigo 3º preceitua a “utilização de meios de

comunicação viabilizados pela tecnologia da informação”. De fato, as novas

ferramentas permitem acesso mais oportuno e eficaz a informações públicas por

parte dos interessados. Houve alterações significativas no relacionamento entre o

Estado e os cidadãos, as quais se manifestam, entre outros aspectos, em espaços

de interatividade complexos, tais como as redes sociais, e na implantação de novos

padrões de qualidade para o material informativo, que deve ser estruturado de forma

clara e acessível.

Contudo, esse movimento de aproximação entre cidadãos e estruturas de

Estado não é suficiente para promover a democratização da função administrativa.

Embora as novas tecnologias tenham contribuído para o surgimento de um novo

ator, o “cidadão-fiscal” (CULAU; FORTIS, 2006, p. 9), elas não superaram as agudas

assimetrias e desigualdades sociais do País, que também se expressam nas

condições de acesso à internet e a aparelhos e equipamentos eletrônicos. Com

efeito, os excluídos dos ambientes virtuais são também aqueles que, em geral,

apresentam maiores dificuldades em transitar pelos espaços físicos das repartições

e deslindar suas emaranhadas estruturas burocráticas.

Ademais, os dados veiculados por meio das tecnologias de informação e

comunicação estão sujeitos a diversas formas de comprometimento, decorrentes de

ataques coordenados de hackers ou de outras formas de interferência, deliberadas

ou não. Incumbe, portanto, à Administração o dever de proteger os conteúdos que

veicula, de modo a garantir a disponibilidade, autenticidade e integridade da

informação pública (Lei nº 12.527/2011, art. 6º, inciso II).

Observe-se, entretanto, que o sucesso das medidas voltadas para assegurar

a incolumidade dos dados oficiais depende largamente da preservação do sigilo. No

Brasil, as soluções de segurança cibernética incluem recursos criptográficos

Page 56: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

54

baseados em algoritmos de Estado desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas e

Desenvolvimento para Segurança das Comunicações (CEPESC), unidade vinculada

à Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Esses recursos criptográficos, assim

como a configuração dos sistemas governamentais de segurança cibernética, são

considerados sensíveis e, portanto, estão resguardados por sigilo. Mais uma vez

verifica-se que os mecanismos de promoção da transparência dependem, em

alguma medida, da salvaguarda de informações críticas.

A quarta diretriz a nortear a execução dos procedimentos previstos na LAI

estabelece “o fomento ao desenvolvimento da cultura da transparência na

administração pública”. Trata-se de princípio aparentemente direcionado para a

elaboração de políticas de capacitação e conscientização dos servidores, de forma a

garantir que o direito de acesso à informação seja plenamente assegurado, nos

diferentes órgãos e entidades. Juliano Heinen (2014, p. 115), por exemplo, vislumbra

a realização de diversas atividades para esse fim, tais como oficinas, cursos,

publicação de materiais didáticos e outras iniciativas de treinamento.

Adotando um nível de análise mais abrangente, Emília Barroso Cruz

considera que, no Brasil, a positivação do direito de acesso à informação ocorreu

antes de seu reconhecimento ético como um direito fundamental por parte da

sociedade. Para viabilizar esse reconhecimento, é indispensável empreender uma

“discussão racional sobre o assunto” (CRUZ, 2013, p. 376). De acordo com o

diagnóstico da autora, não é só a burocracia governamental que tende a ser pouco

sensível ao valor da transparência pública, mas o conjunto do corpo social:

O reconhecimento ético quanto à importância do direito à informação no Brasil pode ser considerado um dos fatores que retardam e dificultam o exercício pleno deste direito. A ausência de debates públicos, de divulgação nos meios de informação e da educação impede que informações relevantes cheguem aos atingidos e agentes/atores/falantes para que estes, compartilhando as mesmas tradições e valores, estabeleçam uma discussão racional do problema e cheguem ao entendimento satisfatório (CRUZ, 2013, p. 379).

A abordagem de Emília Cruz, apoiada teoricamente na ética do discurso de

Jürgen Habermas, aduz aspectos que enriquecem sobremaneira a análise do

princípio norteador em pauta. Em primeiro lugar, por colocar em questão os limites

do poder transformador das normas, vinculando sua eficácia ao ambiente social e

ético em que são geradas e aplicadas. De fato, a ampliação da transparência é

também um processo de internalização de valores, de sensibilização ética dos

Page 57: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

55

sujeitos. Há interesse, portanto, em articular as políticas de promoção do acesso à

informação com políticas de fortalecimento da ética pública33.

Outro ponto que merece atenção é a conveniência de se conceber o

desenvolvimento da “cultura de transparência” de forma abrangente, tendo como

público-alvo das iniciativas de sensibilização não só os agentes públicos enquanto

tais, mas o conjunto da sociedade. É óbvio que os empregados e os servidores da

Administração Pública são também potenciais interessados em obter acesso a

informações detidas pelo Estado, sejam eles cidadãos brasileiros ou não.

Entretanto, algumas vezes percebe-se a adoção de uma visão dicotômica,

que toma como premissa a ideia de que os agentes públicos demandados e os

solicitantes de informações têm, a priori, objetivos divergentes ou mesmo

contraditórios. Entendemos, ao contrário, que a eficácia das ações de fomento da

“cultura da transparência” depende, em larga medida, da incorporação de uma visão

pluralista dos agentes públicos. Em outras palavras, “os burocratas” não devem ser

encarados como seres unidimensionais, que somente impõem resistências a

iniciativas que visam reduzir a opacidade do Estado. Valorizar as trajetórias pessoais

dos servidores públicos e compreendê-los em sua dimensão de cidadãos, que

cotidianamente também procuram fazer valer seus direitos frente ao Estado, são

ações que, de acordo com a concepção que orienta este trabalho, tendem a

favorecer o sucesso de atividades de treinamento e sensibilização para a

implementação da LAI.

Também é de suma importância mapear os valores e outros fatores

condicionantes do comportamento dos servidores diante de cidadãos interessados

em obter informações públicas, de forma a que esses fatores sejam levados em

consideração nos projetos de capacitação.

Em dezembro de 2011, a CGU divulgou o sumário-executivo de uma

pesquisa coordenada pelo antropólogo Roberto DaMatta, cujo título é “Diagnóstico

sobre valores, conhecimento e cultura de acesso à informação pública no Poder

Executivo Federal Brasileiro”. O documento, elaborado com base em ampla consulta

a servidores e dirigentes, agrupou os desafios à implementação da LAI em três

grupos: os de caráter cultural, os organizacionais e os operacionais.

33 Sobre a evolução das políticas de gestão da ética no âmbito do Poder Executivo Federal, ver: MENDES (2010) e GOMEZ (2007, p. 27-53).

Page 58: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

56

Para avaliar as condições de exequibilidade de políticas de fomento da

“cultura de transparência” interessam-nos mais de perto os desafios culturais

identificados no levantamento, que são os seguintes:

• definição clara do que é/não é informação pública, reduzindo drasticamente a margem de arbítrio pessoal para as decisões de denegação das solicitações/não-disponibilização proativa de dados e informações da administração federal;

• enfrentamento de atitudes sedimentadas na forma da complexa cultura do papel – da gaveta e do pendrive, o que refletiria uma difusa sensação de que os funcionários públicos são proprietários da informação, podendo disponibilizá-la ou não ao seu critério; e

• incentivo a uma nova cultura de produção e compartilhamento de bancos de dados (DAMATTA, 2011, sem paginação, grifo nosso).

Assim, embora os servidores consultados tenham se mostrado, em sua larga

maioria, receptivos às mudanças que viriam a ser introduzidas pela LAI34, eles

também perceberam certa indefinição quanto à amplitude do objeto sobre o qual os

novos mecanismos de transparência iriam incidir.

Infelizmente, essa falta de clareza persiste, passados já três anos desde a

entrada em vigor da Lei nº 12.527/2011. Tanto ela quanto os decretos que a regulam

não conceituam propriamente o que são as “informações públicas”, apenas

fornecem alguns critérios que auxiliam no processo de definir o termo35.

Deve-se esclarecer que a definição quanto ao caráter público ou não de uma

determinada informação não se prende necessariamente à qualidade do sujeito

responsável por sua produção ou custódia. O fato de um determinado suporte de

informação estar tramitando por um órgão estatal não confere caráter público a seu

conteúdo (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 137).

Nas situações em que o Estado, por meio de empresas públicas ou de

sociedades de economia mista, pratica ações análogas a de um particular, num

regime de concorrência por exemplo, as informações produzidas estarão

devidamente sob proteção, nos termos do artigo 5º do Decreto nº 7.724/2011. Nesse

34 Entre os pesquisados, 79,9% concordaram, parcial ou totalmente, com a assertiva “o benefício de uma política de amplo acesso à informação pública seria superior a qualquer ônus envolvido na sua implementação (tempo, trabalho, recursos, riscos) ”. No período em que o levantamento foi conduzido o projeto de lei que deu origem à Lei nº 12.527/2011 ainda tramitava no Congresso. O relatório foi divulgado logo após a sanção da norma, que somente entrou em vigor em maio do ano seguinte.

35 A informação sigilosa, ao contrário, é definida como “aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado” (Lei nº 7.527/2011, artigo 4º, inciso III). Atente-se para o fato de que a informação sigilosa é uma das formas assumidas pela informação pública. Ocorre apenas que seu acesso é submetido a restrições, sempre motivadas e amparadas em dispositivo legal, por um determinado prazo.

Page 59: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

57

mesmo artigo é vedada a possibilidade de aplicação dos mecanismos regulares de

acesso às informações sobre atividades empresariais que estão sob guarda do

Banco Central, de agências reguladoras ou de outros órgãos de controle e

fiscalização.

Marcio Cunha Filho e Vitor César Xavier creem que o critério mais adequado

para determinar a natureza de uma informação é a dimensão pública ou privada do

interesse preponderante no pedido de acesso. Nas palavras dos autores:

Sintetizando o raciocínio, em todo pedido de acesso à informação ao Estado, é fundamental primeiro avaliar se o interesse em torno da informação é público ou privado, a fim de determinar a natureza da informação solicitada – e caso a informação tenha natureza pública, ainda é necessário avaliar se existe norma que estabeleça exceção de publicidade (2014, p. 142).

Há de se convir que nem sempre é tarefa simples e objetiva avaliar esses

interesses de modo a verificar qual deles deve preponderar. Ironicamente, os dois

autores, quando atuavam como Analistas de Finanças e Controle da CGU, já

emitiram pareceres divergentes num mesmo recurso de acesso à informação,

tomando como referência avaliações distintas dos interesses em disputa (CUNHA

FILHO; XAVIER, 2014, p. 138-139).

As políticas de fomento da “cultura da transparência” devem lidar com essas

dificuldades de forma direta e expor os critérios e procedimentos a serem adotados

pelos agentes públicos, com vistas a definir a natureza de uma determinada

informação e as condições para seu acesso.

Talvez seja pertinente lembrar que a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de

1990, estabelece, entre os deveres do servidor público federal, o de “guardar sigilo

sobre assunto da repartição” (artigo 116, inciso VIII). Este dispositivo não foi

revogado pela LAI, conquanto a norma tenha introduzido duas mudanças no

Estatuto do servidor, entre elas a inclusão de um novo dever funcional36.

A promoção de atividades que favoreçam a “cultura de transparência” na

Administração Pública está a cargo da CGU, por intermédio da Secretaria de

Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC). Entre as iniciativas

36 O inciso VI do artigo 116, que trata dos deveres funcionais, passou a vigorar com a seguinte

redação: “levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração”. Também foi acrescido à Lei nº 8.112/1990 o artigo 126-A: “Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública. ”

Page 60: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

58

desenvolvidas, cabe destacar o Programa Brasil Transparente e o Programa Olho

Vivo no Dinheiro Público37. Este último foi criado antes da aprovação da Lei nº

12.527/2011.

Por fim, a última das diretrizes prescreve o “desenvolvimento do controle

social da administração pública” (artigo 3º, inciso V). Das cinco, é a única diretriz

cuja inclusão foi questionada durante a tramitação do projeto de lei. O substitutivo

apresentado pelo Senador Fernando Collor previa a supressão do inciso, devido à

falta de clareza terminológica sobre o que é “controle social” e à indefinição das

formas de seu exercício (COLLOR, 2011, p. 6).

Para Juliano Heinen, o termo deve ser associado ao processo de

accountability. Segundo o autor, os instrumentos proporcionados pelas novas regras

de transparência contribuem para aperfeiçoar e tornar mais efetivo o controle social

da esfera pública. Os procedimentos detalhados para o desenvolvimento tanto da

transparência ativa quanto da transparência passiva tornam a prestação de contas

mais célere, abrangente e precisa, o que se refletiria no exercício das ações de

controle por parte dos indivíduos e organizações da sociedade civil (2014, p. 116).

Mariana Calderon (2015) também aponta o vínculo entre o aperfeiçoamento

dos mecanismos de accountability criados pela LAI e a prática do controle social.

Para a autora, embora o termo em inglês ainda careça de tradução adequada na

língua portuguesa, é possível afirmar que o conceito

[...] evidencia não somente a obrigação do governo em prestar contas de seus atos à sociedade, mas também a necessidade de fomentar a participação popular nas decisões de governo, tendo a “inclusão” como palavra-chave (CALDERON, 2015, p. 32).

De acordo com essa perspectiva, o controle social, ainda que disperso e

multifacetado, representa um complemento essencial aos órgãos de fiscalização

institucional. O papel do regramento detalhado introduzido pela LAI é,

consequentemente, o de atribuir instrumentos adicionais de controle para os

indivíduos e as organizações da sociedade, ampliando e aprimorando seus

conhecimentos sobre a lógica e as eventuais irracionalidades da gestão pública.

Evidentemente, é possível que as informações colhidas por meio dos

mecanismos recém-criados possam servir como subsídios para que grupos de

interesse tentem difundir pautas e objetivos particularistas, ou mesmo apresentar 37 O programa Brasil Transparente visa apoiar estados e municípios no processo de implementação das medidas previstas na LAI. O Programa Olho Vivo no Dinheiro Público tem como objetivo incentivar o controle social sobre a aplicação dos recursos públicos.

Page 61: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

59

propostas supostamente questionáveis a partir do horizonte de um fugidio “bem

comum”. Tal preocupação é encontrada em estudos sobre transparência pública

redigidos nos primeiros anos do processo de redemocratização38. Esse temor ainda

não se desvaneceu inteiramente. Em pesquisa coordenada por Roberto DaMatta, a

mesma que citamos anteriormente, verificou-se, entre os servidores federais

consultados,

[...] um receio generalizado sobre como as informações acessadas serão utilizadas e divulgadas, se descontextualizadas, truncadas, tendenciosas ou pura e simplesmente distorcidas (DA MATTA, 2011, s. pag.).

De acordo com a perspectiva de análise adotada neste trabalho, a

preocupação quanto ao possível uso indevido de informações públicas não é

aceitável como argumento para restringir ou dificultar o acesso por parte dos

cidadãos, ao menos no âmbito dos Estados democráticos.

Do contrário, não seria possível garantir ou preservar o direito fundamental

diante de práticas e interpretações estatais que viessem estabelecer formas sutis de

tutela ou de controle extralegal da sociedade. Em tese, há de prevalecer o princípio

de universalidade. O Estado deve verificar se as informações estão disponíveis de

imediato, independentemente de qualquer esforço adicional de processamento, se

são de natureza pública e se estão isentas das categorias de restrição previstas em

lei. Caso a resposta às três indagações for positiva, o acesso terá de ser

assegurado, independentemente do juízo de valor que se faça sobre a conduta ou

as intenções do indivíduo ou organização responsável pela apresentação do

requerimento. Afinal, como afirma Leonardo Valles Bento, a visibilidade do poder é

também um imperativo de moralidade pública (2015, p. 77).

Diante das preocupações citadas anteriormente, cabe inquirir sobre a

titularidade das informações públicas detidas pelo Estado. Quanto a isso, estamos

de acordo com a resposta dada pelo já citado Leonardo Valles Bento (2015, p. 154-

155). Para o autor, toda informação produzida ou custodiada pelo Estado pertence à

sociedade em seu conjunto e a cada um dos indivíduos em particular. Aceita essa

38 Um dos exemplos nesse sentido é o trabalho de Noaldo Alves Silva, no qual se lê: “A transparência não pode configurar-se como um objetivo de governo, porque pode ensejar pressões em que a vontade contestatória se manifeste com capacidade para se contrapor à conquista e manutenção dos objetivos nacionais permanentes. Não desejamos apontar exemplos em que a transparência concorreu para configurar a vontade contestatória de uma minoria, mas lembramos que é necessário reconhecer que certas minorias não respeitam o direito da maioria da sociedade e lutam para impor os seus anseios de forma distorcida, contando com o apoio de órgãos de comunicação social que lhes proporcionam a mídia necessária para modificar o comportamento da sociedade”. (1992, p. 4-5). Entendemos que tal postura não se coaduna com a presente conjuntura político-institucional do país.

Page 62: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

60

premissa, não é justificável que as autoridades estatais estabeleçam critérios

relativos à motivação ou às qualificações do requerente para deferir ou não o pedido

de acesso que lhes é apresentado.

A LAI reafirma e reforça o direito de acesso à informação como direito

fundamental. De fato, não caberia à legislação ordinária estabelecer restrições a

esse direito que inexistem no texto da própria Constituição Federal.

Após essa análise sucinta das diretrizes da LAI, entendidas aqui como

princípios que deverão nortear os responsáveis por sua execução, passaremos à

enumeração das principais inovações introduzidas pela norma.

Em primeiro lugar, destacamos a sua abrangência, que é extremamente

ampla. A Lei nº 12.527/2011 é uma lei nacional, pois boa parte de seus dispositivos

se aplicam aos três poderes e a todos os entes da federação (União, estados,

Distrito Federal e municípios)39. Porém, ela também inclui determinações que

somente se dirigem à Administração Pública Federal.

Nesse sentido, Bento (2015, p. 137) a caracteriza como uma “lei mista”, em

parte lei nacional e em parte lei federal. Segundo Marcio Cunha Filho e Vítor César

Xavier (2014, p. 83), para que a abrangência das regras se restrinja ao nível federal

é necessário que tal destinação esteja expressamente disposta na lei em pauta.

Nesse caso, os demais entes federativos poderiam disciplinar os procedimentos a

serem seguidos livremente, em normas próprias, desde que observadas as diretrizes

gerais que já mencionadas. Foram identificados, porém, problemas técnicos de

redação legislativa que podem gerar dificuldades para a interpretação da

abrangência de determinados dispositivos40.

Quanto à titularidade do direito de acesso à informação, ela compreende não

só os cidadãos, mas qualquer interessado. Não são admitidas distinções quanto ao

fato de serem pessoas físicas ou jurídicas, inclusive de origem estrangeira. Em

razão deste caráter, considera-se que a LAI aderiu ao princípio da universalidade de

acesso, tal como recomendado pela Organização dos Estados Americanos (CUNHA

FILHO; XAVIER, 2014, p. 124-125).

39 O Projeto de Lei nº 5.228/2009, que foi encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, não previa inicialmente tal abrangência, a qual foi ampliada durante sua tramitação na Câmara.

40 Ver os casos citados em CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 85.

Page 63: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

61

Ao tratar das instituições submetidas às regras de acesso previstas na Lei nº

12.527/2011, Juliano Heinen (2014, p. 86), elabora uma classificação sistematizada

que nos pareceu bastante útil e, por isso, a reproduziremos abaixo, com adaptações:

1. Sujeitos passivos próprios

Administração Pública direta

- órgãos do Poder Executivo;

- órgãos do Poder Legislativo;

- órgãos do Poder Judiciário;

- Cortes de Contas; e

- Ministério Público.

Administração Pública Indireta

- autarquias;

- fundações públicas;

- empresas públicas;

- sociedades de economia mista; e

- as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, pelos

estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.

2. Sujeitos passivos impróprios

Entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de

ações de interesse público:

- recursos públicos diretamente do orçamento;

- por meio de subvenções sociais;

- por meio de contrato de gestão;

- por meio de termo de parceria;

- por meio de convênios;

- por meio de acordo;

- por meio de ajustes; ou

- por meio de outros instrumentos congêneres.

Observa-se, portanto, sob vários aspectos, a larga abrangência de aplicação

da Lei nº 12.527/2011, fato que evidencia o seu potencial como instrumento de

promoção da transparência pública. Ressalte-se que as normas que a antecederam

não dispunham da semelhante amplitude. A Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005,

Page 64: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

62

que regulamentava o inciso XXXIII do caput do artigo 5º da Constituição Federal, e

que foi integralmente revogada pela LAI, deixava de lado, por exemplo, os

documentos de interesse público mantidos sob custódia de entidades privadas sem

fins lucrativos.

Por outro lado, há restrições expressas ao campo de aplicação da LAI. As

hipóteses de sigilo previamente existentes na legislação são mantidas, conforme

prescreve o artigo 22:

Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.

Consequentemente, a Lei nº 12.527/2011 não pode ser utilizada para a

obtenção de informações originárias de inquérito policial em curso, as quais

permanecem protegidas, nos termos do artigo 20 do Código de Processo Penal.

Tampouco abrange, por exemplo, os processos administrativos disciplinares, que

continuam submetidos às regras de sigilo elencadas no artigo 150 da Lei nº

8.112/1990. O artigo 6º do Decreto nº 7.724/2012 explicita que os sigilos fiscais,

bancário, de operações e serviços no mercado de capitais, comercial, profissional,

industrial e o segredo de justiça não são regulados pela LAI. Uma relação exaustiva

dos casos remanescentes de restrição de acesso foi elaborada por Heinen (2014, p.

201-202).

O segundo aspecto da LAI que merece especial atenção é o fato de a norma

regular tanto os procedimentos de acesso à informação aos documentos ostensivos

quanto as medidas relativas à classificação dos documentos sigilosos. Calderon, ao

mencionar os dois segmentos, afirma que eles constituem “dois pilares que se

relacionam entre si” (2015, p. 44).

Esta forma de tratar a matéria não corresponde à tradição do ordenamento

jurídico brasileiro. Conforme se pode concluir da leitura do minucioso histórico

apresentado por Alberto Nogueira Júnior (2003, p. 328-368), as restrições de caráter

geral à transparência pública eram estabelecidas por intermédio de regulamentos e

não por projetos de lei submetidos à aprovação do Legislativo. É o caso, por

exemplo, do Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS), que foi

Page 65: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

63

criado por meio do Decreto nº 60.417, de 11 de março de 1967, e posteriormente

alterado em várias oportunidades, a última delas em 199041.

No campo das restrições de acesso, a LAI inova ao vedar a possibilidade de

prorrogação indefinida dos prazos de restrição, o assim denominado “sigilo eterno”.

Extremamente polêmica, esta prerrogativa do Estado havia sido introduzida por meio

do Decreto nº 4.553, de 27 de dezembro de 200242. A LAI estabelece que somente

haverá prorrogação no caso das informações classificadas como ultrassecretas, cujo

prazo de resguardo é de até 25 anos. Mesmo nesse caso caberá apenas uma

prorrogação, por igual período.

Dessa forma, a documentação ultrassecreta pode ficar resguardada de

acesso público pelo prazo máximo de 50 anos. A classificação das informações

ultrassecretas deverá ser revista de ofício periodicamente, para que as autoridades

verifiquem se ainda se mantêm presentes os motivos que deram origem à reserva

inicial. Cabe à Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), composta

por titulares de órgãos do Executivo federal, efetuar tal revisão e se, for o caso,

prorrogar o sigilo de matérias ultrassecretas43.

Ainda no segmento das condições de restrição de acesso, a Lei nº

12.527/2011 adotou diversas medidas que, em conjunto, contribuem para a

definição de contornos mais amplos para a transparência pública: a supressão do

grau de sigilo confidencial, reduzindo para três os níveis de classificação das

informações (ultrassecreto, secreto e reservado); abreviação dos prazos máximos de

classificação (de 5 a 25 anos); instituição da desclassificação automática das

informações após o transcurso do período de reserva; e redução do número de

potenciais autoridades classificadoras, nos diferentes níveis de sigilo.

41 Antes da aprovação do RSAS já existia o Regulamento para a Salvaguarda das Informações que interessam à Segurança Nacional, criado pelo Decreto nº 27.583, de 14 de dezembro de 1949.

42 A norma foi aprovada no final do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Quando da tramitação do projeto que daria origem à LAI, o ex-presidente afirmou não ser a favor do “sigilo eterno”, alegando ter assinado o decreto inadvertidamente, entre outros documentos que lhe foram apresentados em seus últimos de gestão (MARQUES, 2011). Para um breve contexto das condições de aprovação do “sigilo eterno”, ver: FICO (2012, p. 55).

43 A Comissão Mista de Reavaliação de Informações é composta pelos titulares da Casa Civil, dos ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Defesa, Fazenda, Planejamento, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Advocacia-Geral da União e Controladoria Geral da União. Cabe à Casa Civil exercer a presidência da Comissão. As competências e as regras gerais de funcionamento da CMRI foram disciplinadas nos artigos 47 a 54 do Decreto nº 7.724/2012.

Page 66: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

64

Foram estas mudanças que, juntamente com a proibição de prorrogações

ilimitadas do sigilo de matérias ultrassecretas, geraram acerba polêmica quando da

tramitação do projeto no Senado. De fato, nem todos os preceitos citados constavam

da proposição encaminhada pelo Executivo ao Congresso. O fim do “sigilo eterno”,

por exemplo, foi estabelecido por meio de substitutivo de autoria do relator da

Comissão Especial criada na Câmara para apreciar o projeto44. Nesse sentido, não é

correto afirmar que as inovações eram, em sua totalidade, fruto de um sedimentado

consenso entre os órgãos governamentais. Sua introdução na Lei nº 12.527/2011

decorreu, em grande medida, da mobilização de organismos da sociedade civil que

defendem a redução da opacidade do Estado. Tais organismos foram ouvidos em

audiências públicas convocadas pela Câmara e alguns de seus argumentos

sensibilizaram os congressistas, que também levaram em consideração os exemplos

proporcionados pela legislação de outros países.

Apresentamos abaixo um quadro com os graus de sigilo, prazos de

classificação e condições de prorrogação que constam do texto da LAI:

Quadro 1 – Graus de sigilo e prazos de classificação de informações

Graus de sigilo Prazos Prorrogação

Ultrassecreto 25 anos Única prorrogação, por período não superior a 25 anos, desde que o

acesso ou divulgação possa ocasionar ameaça externa à soberania

nacional ou à integridade do território nacional ou grave risco às

relações internacionais do País, condicionada a decisão da

Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI).

Secreto 15 anos Vedada

Reservado 5 anos Autorizada

Até o final dos mandatos do Presidente e Vice-Presidente da

República (no máximo 8 anos, em caso de reeleição), no caso de

situações que possam colocar em risco essas autoridades ou

respectivos cônjuges e filhos (as).

Fontes: Lei 12.527/2011, artigos 24 e 35; Decreto nº 7.724/2012, artigo 47; e CALDERON (2015, p. 52, com adaptações)

44 O relatório, que foi elaborado pelo Deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=736307&filename=Tramitacao-PL+219/2003>. Acesso em: 21 jul. 2015.

Page 67: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

65

Os dispositivos da LAI que relacionam as autoridades competentes para

atribuição dos graus de sigilo e as condições de delegação dessas competências

tiveram impacto direto sobre o funcionamento da atividade de inteligência estatal. A

extrema concentração do poder de classificação nos níveis mais elevados da

hierarquia aparentemente gera dificuldades para o intercâmbio de conhecimentos no

âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, uma vez que o Diretor-Geral de seu

órgão central, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), não foi incluído entre as

autoridades com capacidade de classificar informações no grau ultrassecreto45.

Observe-se ainda que o Decreto nº 7.724/2012 introduziu novas vedações para a

delegação de competências, tornando o número de autoridades mais restrito.

O quadro abaixo sintetiza essas condições de classificação, as quais

assumem o princípio de que quanto mais elevado for o grau de sigilo, menor será o

número de autoridades autorizadas a estabelecer a classificação.

Quadro 2 – Graus de classificação e respectivas autoridades classificadoras

Graus de

sigilo

Autoridade classificadora Lei nº 12.527/2011

Delegação

Decreto nº 7.724/2012

Delegação

Ultrassecreto

(25 anos)

Presidente e Vice-Presidente da

República, ministros de Estado e

autoridades com as mesmas

prerrogativas, Comandantes das

Forças Armadas, Chefes de Missões

Diplomáticas e Consulares

permanentes

A agente público, inclusive em

missão no exterior, vedada a

subdelegação (art. 27, § 2º)

Vedada (art. 20, § 1º)

Secreto

(15 anos)

Todas as autoridades acima e

dirigentes das entidades da

Administração Pública Indireta

A agente público, inclusive em

missão no exterior, vedada a

subdelegação (art. 27, § 2º)

Vedada (art. 20, § 1º)

Reservado

(5 anos)

Todas as autoridades acima e

titulares de cargos DAS 101.5 ou

equivalente e superior

Omissão A agente público que exerça

função de direção, comando

ou chefia (art. 30, § 2º)

Fontes: BENTO (2015, p. 215) e CALDERON (2015, p. 48).

Outra inovação introduzida pela LAI é a exigência de que os titulares de

órgãos e entidades publiquem anualmente na internet o rol das informações

45 A situação sui generis foi criticada em parecer elaborado durante a tramitação do projeto de lei no Senado Federal (COLLOR, 2011, p. 10).

Page 68: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

66

desclassificadas e o número de documentos mantidos sob restrição de acesso, com

a discriminação dos respectivos graus de sigilo. O dispositivo visa possibilitar a

ampliação do controle e da fiscalização da sociedade, além de permitir ao Poder

Público avaliar a aplicação da norma, com o intuito de ajustar seus procedimentos. A

determinação é inspirada no ordenamento jurídico estadunidense46.

Com efeito, a LAI também inova ao estabelecer um complexo sistema de

monitoramento de sua implementação. Foi atribuído a cada órgão ou entidade o

papel de acompanhar a execução das medidas previstas em suas respectivas

esferas de competência e de apresentar relatórios periódicos sobre o seu

cumprimento (artigo 40). O Decreto nº 7.724/2012, em seu artigo 68, atribuiu à CGU

a função de coordenar e integrar essas atividades setoriais de monitoramento no

âmbito da Administração Pública Federal.

Pode-se afirmar que a CGU exerce inequívoco protagonismo no processo de

implementação das políticas públicas de acesso à informação no país, dada a

amplitude de suas competências e responsabilidades no desenvolvimento das ações

de promoção da transparência47.

De fato, o órgão ficou encarregado de tarefas de fundamental relevância:

promover campanhas de divulgação da LAI e de conscientização sobre os direitos

assegurados por essa norma e seus regulamentos; centralizar o monitoramento da

aplicação da lei, concentrando e consolidando a publicação de informações

estatísticas; preparar relatório anual sobre a implementação para encaminhamento

ao Congresso Nacional; estabelecer, em conjunto com o Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão, padrões de divulgação de informações (transparência ativa),

fixando prazo máximo de atualização; verificar o cumprimento dos prazos e

procedimentos estabelecidos; atuar na condição de instância recursal em situações

de indeferimento de acesso a informações ou de falta de manifestação adequada

46 Ver, nesse sentido, o item 20 da Exposição de Motivos Interministerial que acompanha o Projeto de Lei nº 5.228/2009, a qual está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=656530&filename=PL+5228/2009>.

47 Apesar de reconhecermos esse protagonismo, consideramos exagerado o entendimento de CARVALHO, que atribui à CGU “o controle geral da informação e do sigilo”. Tampouco vemos nesse protagonismo uma demonstração de que, na nova legislação, “o sigilo se vincula muito mais a questões de governo que de Estado” (2013, p. 53). A própria composição da Comissão Mista de Reavaliação de Informações e seu caráter colegiado indicam uma situação mais complexa. Deve ainda ser observado que a Controladoria não representa instância recursal própria na tramitação de pedidos de desclassificação de informações.

Page 69: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

67

por parte do órgão ou entidade demandada; definir, em conjunto com a Casa Civil da

Presidência da República, diretrizes e procedimentos complementares necessários à

implantação da LAI; e integrar a Comissão Mista de Reavaliação de Informações48.

Para bem desempenhar essas tarefas, a CGU depende, em larga medida,

de uma estrutura informacional unificada e ágil, que inclui o Sistema Eletrônico de

Informação ao Cidadão (e-SIC), o canal obrigatório para o registro de pedidos de

acesso em toda a Administração Pública Federal49. O e-SIC centraliza, portanto,

dados relevantes sobre as ações de transparência passiva, “registrando formalmente

cada etapa processual, simplificando e qualificando a relação do Estado com o

administrado” (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 170). O sistema também serve

como fonte para a geração e o processamento de dados estatísticos, que são

utilizados ao longo do processo de monitoramento e, especificamente, para a

consolidação dos relatórios anuais a serem enviados ao Poder Legislativo.

Em termos de instalações físicas, os pedidos dos interessados são

processados nos Serviços de Informações ao Cidadão (SIC), instalados

obrigatoriamente nos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal submetidos às

regras de acesso instituídas pela LAI50. Essas unidades têm os seguintes objetivos:

atender e orientar o público sobre as questões de acesso; fornecer dados sobre a

tramitação de documentos nas unidades; e receber e registrar requerimentos de

acesso. A existência do SIC, sua localização e os meios disponíveis para contato

devem ser amplamente divulgados aos cidadãos51.

Permanecendo na esfera da transparência passiva, uma novidade

introduzida pela 12.527/2011 que suscitou controvérsias ainda no período de

tramitação do projeto de lei é o complexo sistema de recursos administrativos, que

48 As competências estão especialmente definidas nos artigos 22, 46, 47, 68 e 69 do Decreto nº 7.724/2012. Uma análise pormenorizada das atividades de monitoramento pode ser encontrada em CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 359-373.

49 Sobre o e-SIC, a melhor descrição é a de CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 170-173. O acesso ao e-SIC é de caráter público, mediante cadastro: <http://www.acessoainformacao.gov.br>. A iniciativa integra o Programa Brasil Transparente, coordenado pela CGU.

50 O funcionamento dos SIC, essencial para a execução das medidas de transparência passiva, está disciplinado nos artigos 9º e 10º do Decreto nº 7.724/2012. No caso de órgãos ou entidades que possuam unidades descentralizadas, a obrigatoriedade de instalação de SIC se restringe à sede. Essa situação é severamente criticada por CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 166.

51 A qualidade do funcionamento de um SIC já foi objeto de avaliação em estudo acadêmico, ver SHALMERS (2013).

Page 70: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

68

envolve várias instâncias, as quais nem sempre se revestem de caráter

propriamente hierárquico52.

Existem dois sistemas independentes de recursos contra decisões que

envolvam indeferimento de acesso. O primeiro, de caráter genérico, é destinado a

eventualmente rever decisão de indeferimento de pedido de acesso a informações

que o interessado supõe serem ostensivas; o segundo, bem menos frequente, é

acionado quando da negativa de solicitações de desclassificação ou de redução de

prazo de classificação de documentos sabidamente submetidos a regras de restrição

previstas na LAI53.

É cabível a apresentação de recursos contra negativas de acesso a

informações públicas em duas situações: em caso de indeferimento total ou parcial

da solicitação; ou quando ocorre indeferimento sem motivação. O sistema de

instâncias recursais do Poder Executivo Federal possui quatro níveis, que se

encontram graficamente representados na figura abaixo.

Figura 2 – Instâncias recursais contra indeferimento de pedido de informações no Poder Executivo Federal

Fonte: CGU (Manual da Lei de Acesso à Informação para estados e municípios – 2013).

52 Ver, por exemplo, COLLOR (2011, p. 7) e CARVALHO (2013, p. 53-54). O primeiro aborda supostas impropriedades nas atribuições recursais em matérias afetas à Defesa Nacional. Já o segundo autor se insurge particularmente contra o excessivo “peso” representado pela abundância de níveis de recursos. Para ele, essa complexidade é inútil, pois não afasta a possibilidade de acionamento judicial. Leonardo Valles Bento adota uma linha bastante diversa, criticando a ausência de autoridades independentes, isto é, externas ao Executivo Federal, no sistema de recursos, ao contrário do que ocorre na legislação mexicana, por exemplo (2015, p. 198-201).

53 Na literatura consultada sobre os recursos administrativos vinculados à LAI, a primazia em termos de clareza expositiva e precisão de análise cabe a Bento (2015, p. 187-201). Na Lei nº 12.527/2012, os artigos de 15 a 20 são especificamente pertinentes aos recursos administrativos. No Decreto nº 7.724/2012, são de interesse para o tema os artigos 21 a 24.

Page 71: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

69

Os estados e municípios podem estabelecer sistemas recursais próprios,

mas deverão seguir as normas gerais estabelecidas pela Lei nº 12.527/2011, tal

como estabelecido em seu artigo 45. O Legislativo e o Judiciário federais, bem como

o Ministério Público, dispõem de poderes para regulamentar, nos seus respectivos

âmbitos, os procedimentos para revisão de decisões denegatórias, conforme prevê o

artigo 18 da LAI.

As duas primeiras instâncias do sistema adotado pelo Executivo Federal

situam-se ainda na esfera dos órgãos ou entidades recorridos, e guardam

necessariamente entre si um vínculo hierárquico54. Entretanto, a terceira instância,

no caso em tela a CGU, não exerce qualquer poder hierárquico sobre as unidades

demandadas. Esse tipo de recurso, denominado “recurso impróprio”, é atípico e

somente é cabível quando há previsão legal expressa, situação provocada pelo

artigo 16 da LAI.

Ao revisar as decisões anteriores, a CGU poderá determinar ao órgão

demandado que conceda o acesso requerido ou, se necessário, que efetue ajustes

em seus procedimentos e classifique a informação em pauta, se a considerar

enquadrada nas restrições legalmente previstas. No caso de a CGU decidir

simplesmente pela manutenção da negativa de acesso, caberá ao interessado

dirigir-se, no prazo de dez dias, à Comissão Mista de Reavaliação de Informações55.

Os recursos contra indeferimento de pedidos de desclassificação seguem

um fluxo distinto, que prevê três instâncias em vez de quatro. Os níveis de recurso

são semelhantes aos da Figura 2, porém há a supressão da instância da CGU, entre

outras modificações56. Nesse sentido, fica evidenciada a impossibilidade de a

Controladoria apreciar o mérito de decisão classificatória tomada por outro órgão ou

entidade. Caso um requerimento seja negado sob a alegação de que a informação é

sigilosa, caberá à Controladoria rever a decisão somente se identificar vícios formais

(inexistência de Termo de Classificação de Informações, por exemplo), ou se tiver

54 O conceito de “autoridade máxima”, utilizado para identificar a segunda instância recursal na LAI, tem sido identificado com os ministros de Estado, no caso da Administração Direta; e com os dirigentes máximos das entidades da Administração Indireta (BENTO, 2015, p. 190).

55 Para um quadro bastante completo sobre os prazos e instâncias recursais: CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 207.

56 No caso de pedido de desclassificação de informações detidas pelas Forças Armadas, por exemplo, a primeira instância será representada pelo respectivo Comandante e, em caso de subsistir a negativa, caberá recurso ao Ministro de Estado da Defesa (§ 2º do art. 37 do Decreto nº 7.724/2012)

Page 72: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

70

ocorrido um erro material, tal como a classificação de informação que a legislação

define como de acesso público (BENTO, 2015, p. 196).

A Lei nº 12.527/2011, em outro de seus aspectos inovadores, prevê

hipóteses de responsabilização de agentes públicos que atentem contra o direito

fundamental de acesso à informação. No caso de servidores regidos pela Lei nº

8.112/1990, a punição mínima para a conduta ilícita é a suspensão. Na hipótese de

serem militares, determina-se, no inciso I do parágrafo 1º do artigo 32, que essas

condutas sejam consideradas

I - para fins dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas, transgressões militares médias ou graves, segundo os critérios neles estabelecidos, desde que não tipificadas em lei como crime ou contravenção penal.

Por fim, identificamos na LAI uma inovação que merece especial atenção no

contexto deste trabalho, em função de suas consequências para a atividade de

inteligência estratégica. Refere-se à aparente prevalência da proteção das

informações pessoais frente ao resguardo dos “segredos de Estado”.

As restrições de acesso previstas na Lei nº 12.527/2011 estão assentadas

em duas grandes categorias de justificação: as informações consideradas

imprescindíveis para a segurança da sociedade e do Estado, as quais são

submetidas a classificação mediante ato administrativo devidamente fundamentado,

adotando-se critérios de menor restrição possível57; e as denominadas “informações

pessoais”, que podem ser definidas como aquelas relacionadas à pessoa natural

identificada ou identificável, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem (LAI,

artigo 31).

Em ambos os casos, a exceção ao princípio de transparência é considerada

incontornável, em virtude da necessidade de preservar interesses plenamente

legítimos: os de caráter coletivo, na primeira categoria de restrição; e os de dimensão

eminentemente individual, na segunda categoria.

Ao contrário do que se poderia esperar, verifica-se um tratamento bastante

desigual quanto aos prazos máximos de sigilo determinados pela legislação em cada

caso. Como se sabe, as informações classificadas como ultrassecretas são as de

sensibilidade mais elevada, aquelas que, divulgadas de forma não autorizada ou

utilizadas indevidamente, provocam riscos ou danos de maior gravidade à segurança

57 Os procedimentos especiais para o tratamento da documentação ultrassecreta estão relacionados no Decreto nº 7.845/2012 (artigos 22, 27 e 30).

Page 73: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

71

da sociedade e do Estado (LAI, artigo 27, inciso I). Para estas informações, que

exigem medidas especiais de salvaguarda nos procedimentos de registro, expedição,

tramitação e comunicação, foi atribuído prazo de reserva de no máximo 25 anos, com

a possibilidade de uma só prorrogação por igual período, perfazendo, assim, restrição

total não superior a 50 anos.

As informações pessoais, em contrapartida, estão sujeitas a proteção que

pode se estender por até 100 anos (LAI, artigo 31, § 1º). Sua divulgação antes desse

prazo depende de consentimento expresso das pessoas a que se referem os dados

ou de previsão legal que especificamente autorize o acesso por terceiros. Deve ser

ressalvado que essa proteção não se aplica em situações de apuração de

irregularidades por parte do Poder Público, caso o titular das informações seja parte

ou interessado.

Segundo Bento (2015, p. 236-237), o conceito de informações pessoais

englobaria tanto as informações relativas a indivíduos (pessoas físicas) quanto as

relacionadas a atividades empresariais (pessoas jurídicas), mas essa interpretação

não é partilhada por outros doutrinadores58. De qualquer modo, a restrição de acesso

a informações pessoais independe de ato classificatório, ao contrário do que ocorre

com as informações sigilosas.

Seja qual for a amplitude que se atribua ao conceito de informações pessoais,

observa-se que a legislação destinou regras mais robustas para a preservação da

privacidade dos indivíduos do que para a proteção da segurança do Estado e da

sociedade em que vivem. Para uma compreensão exata do que essa escolha

representa, cabe citar aqui a relação de informações consideradas imprescindíveis

para a segurança da sociedade e do Estado conforme o artigo 23 da Lei nº

12.527/2012. São todas as informações que possam:

I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;

II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;

III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;

IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;

V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;

58 É o caso, por exemplo, de CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 316-317. O autor defende a posição de que somente pessoas naturais podem ser titulares de informações pessoais.

Page 74: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

72

VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;

VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou

VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. (grifos nossos)

Ocorre aqui uma ponderação equivocada de valores, como diz Bento (2015,

p.236). A preservação da soberania e da integridade do território nacional, bem como

da incolumidade física dos cidadãos, são valores aparentemente colocados em

segundo plano, frente à necessidade de preservar a privacidade dos indivíduos. A

discrepância entre os prazos máximos de reserva para as duas categorias de

restrição de acesso induz, portanto, a uma visão um tanto distorcida do interesse

público. Evidentemente, tais regras e os valores que as fundamentam trazem

impactos significativos para a condução das atividades de inteligência estratégica.

No próximo capítulo, desenvolveremos uma análise de algumas das

controvérsias geradas pela aplicação da LAI no âmbito da inteligência estratégica.

Para tanto, utilizaremos como fontes os posicionamentos formais da CGU e do

Gabinete de Segurança Institucional, órgão encarregado de coordenar as atividades

de inteligência federal e de segurança da informação, entre outras competências.

Page 75: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

73

4 CONTROVÉRSIAS ACERCA DO ACESSO A INFORMAÇÕES RELACIONADAS

À ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA

Antes de iniciarmos a análise das dissensões relativas à implementação da

LAI no âmbito da inteligência estratégica federal, julgamos adequado discutir alguns

aspectos que consideramos pertinentes e úteis para o entendimento de processos de

implementação de políticas públicas em contextos interorganizacionais, como é o

caso dos mecanismos e procedimentos de transparência pública introduzidos pela Lei

nº 12.527/2011.

De acordo com a análise de Laurence O’Toole (2010, p. 230-232), os

governos, em virtude do progressivo crescimento de suas pautas de atuação, vêm

sendo obrigados a delinear políticas que obrigam à contínua cooperação entre

estruturas organizacionais que apresentam características diferenciadas em termos

de “maneiras de ver o mundo”. Tais concepções organizacionais muitas vezes

tornam-se claramente perceptíveis por meio de rotinas e linguagens especializadas,

entre outros atributos particulares, os quais tendem a dificultar a fluidez do intercâmbio

de informações com as demais estruturas do Estado e com a sociedade em geral.

Esse ambiente, que extrapola as estruturas hierárquicas tradicionais sem

propriamente superá-las, impõe novos desafios para os administradores públicos,

especialmente no sentido de estimular e fortalecer o esforço cooperativo entre as

unidades envolvidas. Garantir níveis mínimos de confiança interorganizacional e, ao

mesmo tempo, favorecer a identificação de interesses comuns, além de aperfeiçoar o

alinhamento e a integração de uma miríade de ações setoriais passaram a ser

condições fundamentais para o sucesso de boa parte das políticas contemporâneas.

Assim, no processo de coordenação das ações previstas por uma

determinada política pública, é natural que surjam discordâncias quanto à

interpretação das normas que regem sua implementação, e até mesmo conflitos de

competências entre os órgãos estatais, independentemente do interesse comum nos

resultados a serem obtidos.

De fato, as controvérsias institucionais são relativamente frequentes nos

cenários em que a autoridade formal, advinda do posicionamento hierárquico, é

insuficiente para a tomada de decisões, uma vez que estas também envolvem a

atuação de segmentos do aparelho estatal zelosos pela manutenção de seus

respectivos espaços na esfera pública.

Page 76: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

74

Os novos vínculos de interdependência criados no âmbito das políticas

públicas nem sempre são capazes de inibir os confrontos entre culturas

organizacionais discrepantes, os quais precisam, portanto, ser compensados e, em

alguma medida, superados por condutas e instrumentos específicos, que induzam à

formação de arranjos estáveis de cooperação sistêmica.

Na expressão precisa de O’Toole, “a cooperação deve ser desenvolvida; não

pode ser assumida” (2010, p. 245). O Estado é aqui encarado como um locus

heterogêneo, tanto do ponto de vista político quanto administrativo. A harmonia na

atuação de suas estruturas organizacionais, especialmente no processo de

implementação de políticas públicas complexas, não é simplesmente garantida pelo

arcabouço jurídico em vigor. São necessárias também iniciativas que fomentem a

integração entre os atores institucionais, em particular após a identificação de

concepções diferenciadas sobre os procedimentos de execução mais adequados

tendo em vista as prescrições legais ou mesmo o interesse público.

Com base em tais premissas, neste capítulo será abordado o caso da

controvérsia surgida entre o GSI e a CGU quanto às condições de restrição de acesso

a informações produzidas e custodiadas pela Agência Brasileira de Inteligência

(ABIN), unidade subordinada ao citado Gabinete59. Ao se pronunciar sobre o assunto,

a CGU atuou na qualidade de instância recursal frente a pedido de informações

formulado em 20 de novembro de 2012, no qual uma cidadã solicitava ao GSI, “a

cópia dos gastos detalhados com cartão corporativo em poder da ABIN na gestão do

ex-presidente Lula”. O recurso foi encaminhado à CGU após exauridas as instâncias

no próprio Gabinete, com a negativa de acesso por parte de sua autoridade máxima.

Em suas diferentes etapas, a tramitação seguiu integralmente as disposições

previstas nos artigos 15 e 16 da Lei nº 12.527/2011. Ao apreciar o recurso em tela, a

Controladoria emitiu o Parecer nº 695, de 14 de março de 2014, o qual servirá de

principal fonte para o nosso estudo.

A escolha do Parecer nº 695/2014 deve-se, em particular, ao caráter

abrangente da interpretação proposta pela CGU, a qual, como veremos, se aplica não

só aos documentos produzidos ou arquivados pela ABIN, mas ao sigilo inerente à

atividade de inteligência de uma forma geral. A visão que atribui tal amplitude à

59 Ver nota de atualização na página 14 desta monografia.

Page 77: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

75

interpretação expressa no parecer é corroborada por doutrinadores que já atuaram

como Analistas de Finanças e Controle da CGU.60

Trata-se de uma questão que, numa visão superficial, estaria circunscrita a

interpretações divergentes de textos legais e regulamentares por parte de dois órgãos

da Presidência da República. No entanto, como pretendemos demonstrar, suas

origens e implicações são bastante extensas e significativas, atingindo o conjunto da

atividade de inteligência estratégica no país. Nesse sentido, o relevo das

interpretações em disputa transcende em larga medida as circunstâncias que

suscitaram a manifestação por parte da CGU. Cabe, portanto, empreender uma

análise detalhada da controvérsia.

Antes de adentrar nos aspectos da polêmica em si, julgamos pertinente

abordar o papel atribuído ao GSI na implementação da LAI, o que, em nosso

entendimento, confere maior profundidade ao contexto em que se desenvolve a

questão em debate.

O artigo 37 da Lei nº 12/527/2011, institui, no âmbito do GSI, o Núcleo de

Segurança e Credenciamento (NSC), órgão central de credenciamento de segurança

do Poder Executivo federal. Embora a LAI tenha deixado as disposições sobre

composição, organização e funcionamento do Núcleo para serem definidas em norma

regulamentadora, já enuncia seus objetivos no artigo citado:

I - promover e propor a regulamentação do credenciamento de segurança de pessoas físicas, empresas, órgãos e entidades para tratamento de informações sigilosas; e

II - garantir a segurança de informações sigilosas, inclusive aquelas provenientes de países ou organizações internacionais com os quais a República Federativa do Brasil tenha firmado tratado, acordo, contrato ou qualquer outro ato internacional, sem prejuízo das atribuições do Ministério das Relações Exteriores e dos demais órgãos competentes.

Em seu artigo 3º, o Decreto nº 7.845/2012 estabelece as competências do

NSC e, no artigo subsequente, cria o Comitê Gestor de Credenciamento de

Segurança, cuja coordenação é atribuída ao GSI61. Ademais, no artigo 6º são

atribuídas ao GSI outras competências, cujo teor reproduzimos abaixo:

60 Ver, por exemplo, CUNHA FILHO; XAVIER (2014, p. 226-232) e BENTO (2015, p. 226-228). Para uma análise do parecer a partir de outra perspectiva, que leva em especial consideração a questão da preservação da identidade de fontes utilizadas pela inteligência policial: CALDERON (2015, p. 88-94).

61 Entre os órgãos integrantes do Comitê Gestor está incluída a CGU. Os demais membros são os seguintes: Casa Civil; Ministério da Justiça; Ministério das Relações Exteriores; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Defesa; e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Page 78: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

76

I - expedir atos complementares e estabelecer procedimentos para o credenciamento de segurança e para o tratamento de informação classificada;

II - participar de negociações de tratados, acordos ou atos internacionais relacionados com o tratamento de informação classificada, em articulação com o Ministério das Relações Exteriores;

III - acompanhar averiguações e processos de avaliação e recuperação dos danos decorrentes de quebra de segurança;

IV - informar sobre eventuais danos referidos no inciso III do caput ao país ou à organização internacional de origem, sempre que necessário, pela via diplomática; e

V - assessorar o Presidente da República nos assuntos relacionados com credenciamento de segurança para o tratamento de informação classificada, inclusive no que se refere a tratados, acordos ou atos internacionais, observadas as competências do Ministério das Relações Exteriores.

Apesar de não ser possível neste trabalho efetuar sequer uma breve análise

da dimensão e dos desdobramentos das competências citadas, é possível perceber,

apenas com o apoio dos textos normativos reproduzidos, que ao Gabinete de

Segurança Institucional cabe coordenar as medidas e os procedimentos relacionados

ao tratamento das informações classificadas no âmbito do Executivo, inclusive das

decorrentes de atos executados na esfera diplomática.

Portanto, é possível asseverar que o GSI exerce papel fundamental para a

implementação da Lei nº 12.527/2011, dadas suas funções em termos da salvaguarda

das informações sigilosas, isto é, aquelas que são temporariamente sujeitas a

restrições de acesso, em virtude de sua reserva ser imprescindível para a segurança

da sociedade e do Estado. Também deve ser destacado o fato de o titular do

Gabinete ter sido designado como membro da Comissão Mista de Reavaliação de

Informações (CMRI), que é presidida pela Casa Civil da Presidência da República,

conforme prevê o artigo 46 do Decreto nº 7.724/2012.

Assim, a controvérsia de que nos ocupamos opõe, de um lado a CGU, órgão

que supervisiona as ações setoriais de implementação da LAI e é responsável pela

difusão da “cultura de transparência” ao conjunto do Executivo e, de outro o GSI, que

coordena as medidas de salvaguarda da informação sigilosa nessa mesma esfera de

atuação.

Além de atuarem na implementação de políticas públicas relacionadas à

promoção do direito de acesso à informação pública, os dois órgãos possuem, ainda

que em diferentes níveis, responsabilidades no campo da atividade de inteligência,

pois ambos integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), cujo

funcionamento se caracteriza pela articulação coordenada de seus membros,

Page 79: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

77

conforme dispõe o artigo 5º do Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 200262. Há,

neste caso, porém, uma assimetria significativa, pois ao GSI compete coordenar o

conjunto das atividades de inteligência federais; a CGU, entretanto, não está incluída

no núcleo central do SISBIN, que é constituído pelos membros de seu Conselho

Consultivo63.

Observe-se que a Controladoria desenvolve ou participa de atividades que

exigem a manutenção de sigilo para o seu sucesso. Um exemplo nesse sentido são

as operações especiais executadas em conjunto com o Departamento de Polícia

Federal e o Ministério Público, com o objetivo de desarticular organizações criminosas

que desviam recursos públicos por meio de fraudes, corrupção e irregularidades em

licitações e contratos, entre outros ilícitos64. Essa atuação decorre das competências

atribuídas à CGU por meio da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, em especial

aquelas relacionadas ao controle interno do Poder Executivo Federal65.

Por consequência, não seria correto afirmar que a cultura organizacional da

CGU é infensa à aplicação de medidas de restrição de acesso a informações

sensíveis, valorizando apenas as iniciativas de promoção da transparência pública.

Trata-se, na verdade, de rotinas e procedimentos regularmente adotados no órgão,

especialmente na Coordenação-Geral de Operações Especiais da Secretaria Federal

de Controle Interno, onde o emprego de medidas de salvaguarda é indispensável.

(PINTO, 2009).

De fato, os fluxos informacionais vinculados às ações de controle interno,

auditoria pública e correição, em virtude da natureza peculiar dos temas tratados,

62 A CGU faz parte do Sistema desde 2005. Incialmente esse vínculo abrangia o conjunto da Controladoria. Porém, na redação dada pelo Decreto nº 6.540/2008, que altera dispositivos relativos à composição do SISBIN, esse laço é estabelecido por meio da Secretaria-Executiva da CGU.

63 A composição do Conselho Consultivo, que sofreu algumas alterações desde a criação do Sistema, é apresentada no artigo 8º do Decreto nº 4.376/202. A última modificação data de 2012.

64 No período de janeiro a julho de 2015 a CGU participou de 14 operações especiais dessa natureza. A relação dessas operações e um resumo de seus resultados estão disponíveis em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/auditoria-e-fiscalizacao/acoes-investigativas/operacoes-especiais>. Acesso em: 12 ago. 2015. Cabe referir que uma das investigações realizadas no período ainda é mantida sob sigilo por ordem judicial. Sobre os riscos envolvidos nas operações especiais e o caráter necessariamente sigiloso dessas atividades, ver PINTO (2009, p. 49-63).

65 As competências são apresentadas nos artigos 17 e 18 da Lei nº 10.683/2003. De acordo com a norma citada, cabe à CGU “assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal (art.17)”. A estrutura e o funcionamento da CGU constam do Decreto nº 8.109, de 17 de dezembro de 2013.

Page 80: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

78

estão mais sujeitos à execução de medidas de segurança, aqui entendidas como

aquelas “destinadas a garantir sigilo, inviolabilidade, integridade, autenticidade e

disponibilidade da informação classificada em qualquer grau de sigilo” (inciso XII, art.

2º do Decreto nº 7.845/2012).

Está, portanto, totalmente afastada a possibilidade de se abordar a

controvérsia entre a CGU e o GSI a partir de um viés esquemático ou maniqueísta,

no qual, por exemplo, procurar-se-ia visualizar um debate envolvendo órgãos

caracterizados respectivamente por uma “cultura de transparência” e uma “cultura de

sigilo”. Tal simplificação analítica, se adotada, originaria graves distorções do

problema, comprometendo em boa medida a objetividade da pesquisa.

Especialmente porque tal perspectiva tende a ignorar, ou pelo menos subestimar, a

complexidade dos fluxos informacionais em cada um dos órgãos estudados,

tratando-os como meros reflexos homogêneos de uma determinada “cultura”

administrativa estabelecida a priori pelo investigador.

Esclarecidos esses aspectos contextuais, que julgamos relevantes, uma vez

que submetem à crítica preconceitos e estereótipos difundidos nas esferas

institucional e acadêmica, passaremos agora a examinar nossa principal fonte para a

controvérsia em tela, o Parecer nº 695/2014 da CGU.

No documento, cujo texto integral é incluído como anexo desta monografia,

a principal questão em debate diz respeito às regras legais que são aplicáveis ao

sigilo das atividades de inteligência, em termos gerais, e às atividades da ABIN, em

âmbito mais específico66.

O GSI argumenta que a Lei nº 12.527/2011 não deve ser entendida como a

única referência para determinar os procedimentos a serem seguidos na avaliação

do direito de acesso a informações de inteligência. O Gabinete cita, para

fundamentar a sua posição, o texto do artigo 22 da LAI, que prevê a manutenção de

situações especiais de sigilo estabelecidas na legislação em vigor:

Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.

Segundo a interpretação do GSI, entre as hipóteses de restrição que

continuariam em vigor, independentemente das inovações introduzidas pela LAI,

66 O Parecer nº 695/2014 da CGU também pode ser consultado em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/precedentes/PR/GSI-PR/pa6952014.pdf>. Acesso em: 4 maio 2015.

Page 81: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

79

estaria o sigilo especial atribuído à ABIN por intermédio dos artigos 9º e 9º-A da Lei

nº 9.883/1999, que institui o Sistema Brasileiro de Inteligência e cria a citada

Agência para exercer o papel de seu órgão central.

Com efeito, o artigo 9º da lei que reorganizou a inteligência federal do país

estabelece condicionante para a publicidade dos atos praticados pela ABIN, em

função da natureza de suas atividades:

Art. 9º Os atos da ABIN, cuja publicidade possa comprometer o êxito de suas atividades sigilosas, deverão ser publicados em extrato.

§ 1º Incluem-se entre os atos objeto deste artigo os referentes ao seu peculiar funcionamento, como às atribuições, à atuação e às especificações dos respectivos cargos, e à movimentação dos seus titulares.

§ 2º A obrigatoriedade de publicação dos atos em extrato independe de serem de caráter ostensivo ou sigiloso os recursos utilizados, em cada caso (grifo nosso).

Posteriormente, com a edição da Medida Provisória nº 2.123-30, de 27 de

março de 2001, foi acrescentado o artigo 9º-A à Lei nº 9.883/1999. Esse artigo, entre

outras disposições, atribui ao titular do GSI a exclusividade na divulgação de

informações ou documentos de inteligência vinculados à ABIN:

Art. 9º A - Quaisquer informações ou documentos sobre as atividades e assuntos de inteligência produzidos, em curso ou sob a custódia da ABIN somente poderão ser fornecidos, às autoridades que tenham competência legal para solicitá-los, pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, observado o respectivo grau de sigilo conferido com base na legislação em vigor, excluídos aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

§ 1º O fornecimento de documentos ou informações, não abrangidos pelas hipóteses previstas no caput deste artigo, será regulado em ato próprio do Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

§ 2º A autoridade ou qualquer outra pessoa que tiver conhecimento ou acesso aos documentos ou informações referidos no caput deste artigo obriga-se a manter o respectivo sigilo, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal, e, em se tratando de procedimento judicial, fica configurado o interesse público de que trata o art. 155, inciso I, do Código de Processo Civil, devendo qualquer investigação correr, igualmente, sob sigilo (grifos nossos).

O Gabinete de Segurança Institucional avalia que o artigo 22 da LAI

recepcionou integralmente essa situação específica de sigilo. Os dispositivos da Lei

nº 9.883/1999, em razão de seu caráter especial, prevaleceriam sobre as regras

gerais da Lei nº 12.527/201167. Em termos práticos, não seria obrigatória a

classificação dos documentos da ABIN de acordo com as prescrições contidas na

LAI. Se as informações pudessem vir a comprometer suas atividades de inteligência,

67 Sobre os critérios para a solução de antinomias jurídicas: BOBBIO (2006, p. 81-114)

Page 82: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

80

elas seriam consideradas sigilosas, independentemente de ato formal de

classificação, que exige o preenchimento do Termo de Classificação de Informação

(TCI), conforme previsto no artigo 31 do Decreto nº 7.724/2012.

Quando a divulgação das informações deixasse de exercer influência sobre

o êxito das atividades da ABIN, a informação tornar-se-ia acessível aos eventuais

interessados. Antes dessa condição ser cumprida, haveria somente uma publicidade

“moderada”, por meio de divulgação de extrato. A restrição atenderia ao interesse

público em termos gerais e, simultaneamente, protegeria a identidade de fontes

utilizadas nas operações, de acordo com o entendimento esposado pelo GSI e

expresso em resposta à consulta efetuada pela Controladoria na instrução de

recurso administrativo (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2014, p. 8):

Para a execução das ações especializadas de Inteligência, especialmente das operações de Inteligência, é fundamental a manutenção do sigilo das despesas incorridas durante e após o curso das ações. A publicidade do detalhamento das despesas operacionais expõe as fontes e o modus operandi da organização, razão pela qual a publicidade é mitigada nos termos do art. 9º da Lei nº 9.883/1999.

Considerando-se respaldado por esses argumentos jurídicos68, o GSI

negou-se a fornecer o detalhamento de despesas efetuadas com os Cartões de

Pagamento do Governo Federal em posse da ABIN referentes ao primeiro mandato

de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006). A solicitante, por

outro lado, entendia que os gastos não poderiam ser mantidos sob sigilo naquela

oportunidade, pois já havia decorrido o prazo máximo de classificação previsto pela

LAI para as informações reservadas.

Ao se manifestar como instância recursal, a CGU analisou o mérito da

demanda tomando como ponto de partida a distinção entre segredo de Estado e as

demais espécies de sigilo. Conforme o parecer elaborado pelo órgão, o segredo de

Estado decorre necessariamente de “ato administrativo motivado formal” que será

aplicado apenas e tão somente nas situações previstas no artigo 23 e § 2 do artigo

24 da LAI. Em outras palavras, o segredo de Estado só seria legítimo mediante a

classificação da informação a ser protegida, e seu registro formal em documento

próprio, o TCI, cujo modelo é apresentado no anexo do Decreto nº 7.724/2012. O

68 No caso específico do pedido que deu origem ao Parecer nº 695/2014, foram também utilizados, como fundamento legal para o indeferimento de acesso, o artigo 86 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, no qual se lê: “a movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita sigilosamente e nesse caráter serão tomadas as contas dos responsáveis” e os artigos 45 e 47 do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986.

Page 83: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

81

artigo 22 da LAI, que prevê a manutenção de sigilos especiais autônomos, não se

aplicaria ao segredo de Estado, resguardando apenas as informações pessoais,

com vistas à preservação da intimidade e vida privada.

O responsável pelo parecer aponta inconsistências conceituais na redação

do artigo 9º-A, quando confrontada com a terminologia empregada na LAI. Tais

discrepâncias são relacionadas ao contexto da época de publicação da Lei nº

9.883/1999. De acordo com a CGU, então se interpretava a classificação como um

ato de gestão documental simples, sem considerar seu impacto sobre o exercício de

direitos fundamentais por parte de terceiros.

Em seguida, o parecer analisa se a Lei nº 9.883/1999, que fundamentaria o

sigilo especial defendido pelo GSI, dispõe efetivamente sobre informações sigilosas.

A conclusão é negativa, pois a norma menciona apenas técnicas e meios sigilosos

(artigo 3º, § único) e atividades sigilosas (artigo 9º). Assim, a CGU entende que as

informações elaboradas pela ABIN e pelos demais órgãos federais de inteligência,

estão sujeitas, sem exceção, aos procedimentos previstos na LAI e no Decreto nº

7.845/2012.

A despeito de considerar insubsistentes os argumentos jurídicos

apresentados pelo GSI em sua fundamentação da negativa de acesso, a CGU

decidiu não interferir na acessibilidade das informações requeridas, alegando

obediência ao princípio da legalidade. Para a Controladoria, o que estava em causa

não era o acesso imediato aos documentos relativos às despesas com os cartões

corporativos de posse da ABIN, mas a garantia da aplicação de procedimentos que

permitirão que esses gastos venham a ser divulgados, uma vez decorrido o prazo

legal de reserva.

A CGU não se propõe a tornar ostensivos documentos que deveriam ser

classificados, pois esta iniciativa extrapola a esfera de suas competências. A

omissão do GSI em efetuar a devida classificação não autoriza a CGU a

disponibilizar a informação requerida que, por sinal, tem restrição de acesso prevista

em lei. Assim, o Analista de Finanças e Controle que assina o parecer opina pelo

desprovimento do recurso recebido, embora recomende que o GSI proceda

“[...] à classificação das informações sigilosas relativas às atividades de inteligência, observado o disposto na Lei 12.527/2011, no Decreto 7.724/2012 e no Decreto 7.845/2012, dentre as quais aquelas referidas no objeto deste processo” (grifo do responsável pelo parecer).

Page 84: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

82

O Parecer nº 695/2014 serviu para fundamentar a decisão do Ouvidor-Geral

da União, autoridade a quem foi atribuída, por meio da Portaria CGU nº 1567, de 22

de agosto de 2013, a competência para apreciar e decidir os recursos dirigidos à

Controladoria69.

Embora a decisão seja relativamente recente, com data de 17 de março de

2014, já gerou repercussão entre os doutrinadores. Para Marcio Cunha Filho e Vitor

César Xavier, por exemplo, o entendimento sobre a necessidade de classificação é

correto, mas sob outros fundamentos, considerados mais simples que os defendidos

pela CGU (2014, p. 231-232). Os autores ressaltam que a LAI, no inciso VIII do

artigo 23, trata especificamente da restrição de acesso a informações que possam

comprometer atividades de inteligência. Portanto, teríamos aqui uma regra especial

da LAI voltada para essas atividades e não apenas regramentos de caráter genérico.

Assim, os dispositivos da Lei nº 9.883/1999 que preveem a publicidade mitigada dos

atos da ABIN, independentemente de classificação, não teriam sido recepcionados

pela Lei nº 12.527/2011. Mesmo que a argumentação siga outro direcionamento, a

conclusão é semelhante à da CGU:

Dessa forma, por regra, as atividades de inteligência da ABIN têm natureza pública, devendo ser disponibilizadas quando concluídas, exigindo-se o Termo de Classificação da Informação caso seja necessário garantir a restrição de acesso (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 232).

Ao apreciar o assunto, tomando como referência outro parecer com temática

semelhante, Leonardo Bento também opina que o artigo 22 da LAI não é suscetível

de aplicação a situações de segredos de Estado70. Para ele, as hipóteses de sigilo

de Estado existentes em outras normas, relacionados com segurança, teriam sido

tacitamente revogadas pela Lei nº 12.527/2011 (BENTO, 2015, p. 227).

Mariana Calderon, por sua vez, é uma crítica severa do posicionamento da

CGU sobre a abrangência dos sigilos especiais. A delegada mostra-se

particularmente preocupada com as implicações para a segurança de fontes

humanas que prestam serviço aos órgãos de inteligência policial (CALDERON,

2015, p. 88-94).

69 Há determinadas casos, previstos no artigo 2º da Portaria, em que as decisões são submetidas à confirmação do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União. Entretanto, no caso do pedido de informação analisado esse procedimento não foi necessário.

70 O documento em questão é o Parecer nº 2.408, de 23 de setembro de 2013, que responde a um recurso dirigido contra decisão de negativa de acesso tomada pela Secretaria Geral da Presidência da República.

Page 85: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

83

Lembrando que a Constituição Federal resguarda o sigilo da fonte quando

necessário ao exercício profissional (artigo 5º, inciso XIV), a autora menciona

circunstâncias que permitiriam a identificação indireta de informantes recrutados pela

Polícia Federal, caso os documentos que registram os dados repassados fossem

tornados públicos em cinco anos, período máximo de reserva no âmbito do órgão

policial no qual atua. Obviamente, a eventual identificação, que independe da

menção a dados de qualificação pessoal no relatório de Inteligência, gera risco de

vida para a fonte. De fato, se o alvo da operação policial tiver acesso ao conteúdo

repassado pelo informante, o criminoso poderá, por meio de raciocínio dedutivo,

saber quem é o colaborador e, se julgar conveniente, adotar medidas de represália

que lhe permitam salvaguardar o sigilo das ações ilícitas.

Para evitar que isso ocorra, a autora propõe que em tais situações o

conceito de informação pessoal seja aplicado em sentido lato, de modo a abranger

toda a informação que possa expor a identidade do informante, ainda que

indiretamente. Prevalecendo tal interpretação, os órgãos de inteligência estariam

dispensados de classificar relatórios que contenham informações provenientes de

fonte humana. Para esses documentos, portanto, não seria elaborado o Termo de

Classificação de Informação (TCI) e tampouco haveria registro no rol de informações

classificadas, que é divulgado anualmente na página oficial do órgão na Internet71.

Entretanto, para garantir a obediência ao princípio da motivação, caberia à

autoridade responsável cumprir os seguintes procedimentos:

[...] consignar o caráter de pessoalidade do relatório de inteligência, a sua consequente qualidade de documento sigiloso e a justificativa legal para a restrição de acesso público, devendo o documento ser arquivado no mesmo local destinado à guarda de documentos sigilosos (CALDERON, 2015, p. 91).

Mariana Calderon sugere ainda outra interpretação das normas vigentes que

permite preservar a incolumidade dos informantes recrutados pelos órgãos de

inteligência. A autora introduz a hipótese de que o sigilo da fonte é uma espécie de

sigilo autônomo, devidamente protegido pela Constituição Federal, o qual estaria

excluído do universo de aplicação das regras da LAI, por força de seu já citado

artigo 22.

Se, a partir do primeiro entendimento, as informações relativas a fontes

deveriam ser resguardadas do acesso público por até cem anos, prazo máximo de

71 O dispositivo que versa sobre publicação do rol anual de informações classificadas está no inciso II do artigo 45 do Decreto nº 7.724/2012.

Page 86: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

84

restrição previsto para as informações pessoais, nesta segunda interpretação, que

prevê a existência de sigilo autônomo de fonte, não há como definir um prazo para a

divulgação.

Como se pode observar, a definição precisa e objetiva dos sigilos especiais

que foram legitimados por meio desse artigo é fundamental para a conformação dos

fluxos informacionais dos órgãos de inteligência. Uma vez que o legislador optou por

não relacionar de maneira exaustiva os sigilos autônomos a serem mantidos fora do

alcance da Lei nº 12.527/2012, o surgimento de controvérsias com base em

interpretações divergentes sobre a amplitude das hipóteses de sigilo era de se

esperar. Nesse sentido, o debate entre a CGU e o GSI sobre o reconhecimento da

validade ou não dos dispositivos especiais de sigilo previstos na legislação que rege

a atuação da inteligência provavelmente será acompanhado por polêmicas

semelhantes, envolvendo a Controladoria e outros órgãos públicos federais.

Ao analisar tais controvérsias, Calderon constata uma tendência da CGU a

ampliar tanto quanto possível o campo de aplicação da LAI, com o recurso inclusive

a intepretações um tanto forçadas das normas em vigor, configurando o que a

autora denomina de “ginástica jurídica” e “salto triplo carpado hermenêutico”72. Para

a delegada, o peculiar posicionamento exegético da Controladoria deriva das

motivações político-ideológicas que influenciaram a aprovação da LAI e a

transformaram em bandeira política (CALDERON, 2015, p. 93).

Juliano Heinen é outro doutrinador cujas interpretações revestem-se de

interesse para nossa análise do debate sobre as condições de acesso às

informações relacionadas à atividade de inteligência estratégica. Em seus

comentários a respeito do artigo 22 da Lei nº 12.527/2011, Heinen procura identificar

os casos de sigilo autônomo, isto é, aqueles que não estão submetidos aos

procedimentos de acesso instituídos pela LAI. Em sua extensa relação, Heinen inclui

o sigilo dos atos praticados pela ABIN, conforme disposto no artigo 9º da Lei nº

9.883/1999, já reproduzido neste trabalho.

Portanto, ao contrário da interpretação esposada pela CGU, o autor avalia

que as exceções de acesso previstas no artigo 22 da LAI abrangem tanto as

informações de caráter pessoal quanto os segredos de Estado. Heinen ressalta,

porém, que toda e qualquer recusa de disponibilização deve ser justificada por meio

72 Como informa a própria autora, expressões foram utilizadas originalmente, em contexto diverso,

pelo então ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (CALDERON, 2015, p. 93).

Page 87: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

85

de argumentos que apontem o interesse da coletividade, “seja da sociedade em si

ou do Estado, para haver a preservação da incolumidade de cada qual” (HEINEN,

2014, p. 203). Aduz ainda que as restrições somente seriam admitidas quando

indispensáveis e plenamente compatíveis com critérios de razoabilidade e

oportunidade.

Neste breve panorama da doutrina relacionada à controvérsia em tela, cabe

mencionar o artigo publicado em abril de 2012 por Fábio Condeixa, que além de

advogado é Oficial de Inteligência, tendo atuado como representante do GSI em

Grupo de Trabalho encarregado de regulamentar a LAI no âmbito do Poder

Executivo federal73.

De acordo com o autor, embora a citada lei determine a classificação das

informações passíveis de comprometer as atividades de inteligência, tal disposição

deve ver lida com especial parcimônia, “pois o sigilo de certas informações não pode

ficar sujeito aos prazos do art. 24” (CONDEIXA, 2012, sem paginação). Ele invoca

então o princípio da especialidade, recorrendo ao § 2º do artigo 9º da Lei nº

9.883/1999, para sustentar que o sigilo dos atos da ABIN independe de

classificação, in verbis: “a obrigatoriedade de publicação dos atos em extrato

independe de serem de caráter ostensivo ou sigiloso os recursos utilizados, em cada

caso”.

Segundo Condeixa, o fato de inexistir a obrigatoriedade de classificação não

implica subtrair a informação elaborada pela ABIN ao controle democrático, pois tal

papel é regularmente exercido pela Comissão Mista de Controle das Atividades de

Inteligência (CCAI), conforme preceitua o artigo 6º da Lei nº 9.883/1999. Em

seguida, o autor afirma existirem na ABIN muitas informações passíveis de

classificação, mas não chega a assinalar os critérios que devem ser utilizados para

distingui-las daquelas não suscetíveis a esse procedimento.

Após cotejar as disposições da Lei nº 12.527/2011 com as da norma que

instituiu o SISBIN e criou a ABIN, Condeixa conclui que, quanto à esfera da

inteligência, as regras da LAI se endereçam a investigações específicas, enquanto

as da Lei nº 9.883/1999 referem-se ao funcionamento da atividade em termos mais

gerais. Os desdobramentos práticos dessa concepção para os fluxos informacionais

do órgão são expressos de maneira sintética no seguinte trecho:

73 É relevante observar que o artigo de Fábio Condeixa foi elaborado antes da publicação dos decretos 7.724/2012 e 7845/2012, ambos regulamentadores de preceitos da LAI.

Page 88: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

86

Desse modo, uma investigação conduzida pela ABIN, no tocante aos seus meios, deverá ser sigilosa independentemente de classificação, isto é, por prazo indefinido; já as informações sobre resultado das investigações – as informações obtidas e as conclusões tiradas – devem ser classificadas nos graus reservado, secreto ou ultrassecreto, devendo ser disponibilizadas ao público após o decurso do respectivo prazo de restrição de acesso (CONDEIXA, 2012, sem paginação).

A questão da preservação do sigilo da fonte também é referida pelo Oficial

de Inteligência. Para o autor, embora o direito tenha sido originalmente introduzido

na Constituição Federal com o intuito de conferir segurança e independência à

atividade jornalística, a proteção que ele confere é aplicável, mutatis mutandis, aos

órgãos e unidades de Inteligência, uma vez que usualmente também empregam

técnicas de recrutamento e controle de fontes. Condeixa avalia que, salvo exceções

relacionadas ao interesse histórico, a preservação de fonte deve ser perene. O sigilo

“se imporá até mesmo pelo esquecimento” (2012, sem paginação).

Com este percurso analítico pelos textos dos doutrinadores, cremos ter

evidenciado que os diferentes entendimentos sobre as condições de acesso as

informações de inteligência, particularmente as de caráter estratégico, não se

restringem à CGU e ao GSI. De fato, as interpretações sobre a natureza e a

amplitude do artigo 22 da LAI, bem como sobre a vigência dos artigos 9º e 9º-A da

Lei nº 9.883/1999 são em alguns casos contraditórias e certamente geram dúvidas e

insegurança aos profissionais que produzem conhecimentos ou custodiam

documentos de inteligência.

Em 2013, a divulgação, sem a autorização oficial, de Ordem de Missão

elaborada pela ABIN trouxe novos elementos ao debate sobre as condições de

acesso às informações oriundas da atividade de inteligência74. O documento,

difundido por uma unidade da Agência sediada em Brasília, determinava a 15

superintendências estaduais que informassem sobre a disposição de trabalhadores

portuários em promover ações grevistas nos próximos dias, em protesto contra os

impactos da Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012, que ficou

74 Trata-se da Ordem de Missão nº 022/82105, de 13 de março de 2013, cujo título é “Mobilização dos Portuários”. A autenticidade do expediente, reproduzido parcialmente na imprensa, foi reconhecida pelo titular do GSI. A segunda e última página do documento não chegou a ser veiculada. As notícias sobre as ações de monitoramento empreendidas pela ABIN foram publicadas inicialmente pelo jornal “O Estado de São Paulo”. A primeira matéria sobre o assunto, que data de 4 de abril de 2013, está disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,abin-monitora-movimento-sindical-no-porto-de-suape-imp-,1016803>. A Ordem de Missão foi mencionada apenas em 8 de abril de 2013, em matéria publicada pelo mesmo periódico: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,documento-da-abin-desmente-ministro-e-confirma-avigilancia-de-sindicalistas-,1018582,0.htm>. Acessos em 15 jul. 2015.

Page 89: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

87

conhecida como MP dos Portos. No cabeçalho e no rodapé da Ordem de Missão

estava consignada a expressão “sigiloso”, que não estava acompanhada do grau de

classificação (reservado, secreto ou ultrassecreto).

Na época, a repercussão do vazamento na mídia foi bastante significativa,

pois o ambiente político encontrava-se conturbado, em face do início da campanha

para as eleições presidenciais de 2014. Com efeito, o governador de Pernambuco,

Eduardo Campos, que era um dos pré-candidatos, vinha se destacando pela

oposição às mudanças no sistema de exploração portuária introduzidas pela MP nº

695/2012.

Assim, o monitoramento da mobilização dos portuários foi atribuído a

motivações políticas, o que ensejou reações contrárias por parte de formadores de

opinião e congressistas. Entre eles o deputado Vanderlei Macris, que solicitou à

Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) a aprovação de

convite ao titular do GSI para o esclarecimento da motivação e dos fundamentos

legais da atuação da ABIN no episódio75. O requerimento foi aprovado e o Ministro

José Elito Carvalho Siqueira compareceu à CCAI em 17 de abril de 2013,

acompanhado do Diretor-Geral da ABIN.

Em sua fala perante a Comissão, o titular do GSI referiu-se à Ordem de

Missão como “um memorando circular de rotina técnica de inteligência” e negou a

existência de qualquer ilegalidade ou interesses político-partidários relacionados ao

expediente:

O objetivo, naquela oportunidade, era alertar essas autoridades [ministros de estado] para tomarem ou não medidas preventivas para evitar um caos maior no País, se acontecesse a greve (BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. CCAI, 2013, p. 11).

No decorrer da reunião, o Ministro foi questionado não só a respeito das

motivações do levantamento sobre a possível interrupção dos serviços portuários,

como também sobre a regularidade da formalização da própria Ordem de Missão,

sob a alegação de que o documento deveria ter sido classificado. O Deputado Paulo

Pereira da Silva abordou o tema de forma um tanto desabrida:

75 Antes mesmo da aprovação do convite para a ida à CCAI, o Gabinete havia emitido duas notas à imprensa com o objetivo de esclarecer a atuação da ABIN. A primeira delas está disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/notas-oficiais/notas-oficiais/nota-a-imprensa-30>. Acesso em: 15 jul. 2015. A segunda é reproduzida parcialmente na página 29 da Ata da 2ª Reunião da CCAI de 2013: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cffc/audiencia-publica/2013/2013-arquivos-originais/ReunioAP17042013AtuaodaAbinAtajuntocomNT.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2015.

Page 90: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

88

Agora, esse boletim (sic) é irregular. O senhor sabe que ele é irregular, porque eu estou aqui com a legislação que criou a Abin, e não existe sigiloso. Sigiloso é um meio de esconder das pessoas que pedirem lá. O que pode haver lá é secreto, ultrassecreto e outras coisas mais, mas sigiloso é que, se qualquer cidadão pedir, não vai ter acesso. Então, era uma ação secreta (BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. CCAI, 2013, p. 27).

Ao responder ao Deputado, os argumentos do titular do GSI inicialmente

seguem a mesma linha adotada diante da solicitação de acesso aos gastos com o

cartão corporativo da ABIN já mencionada neste capítulo. O texto do artigo 22 da

LAI foi apontado como a fundamentação legal para a ausência de classificação.

Mas, em seguida, o Ministro recorre a exemplos que são mais compatíveis com o

conceito de “documento preparatório”, tal como definido no Decreto nº 7.724/2012,

do que propriamente com as exclusões previstas no artigo 22 da Lei nº 12.527/2011,

que atendem a hipóteses de sigilo especial:

É o que eu estava dizendo das licitações. Enquanto as licitações não são abertas, todos os documentos que estão nos processos – está ali o segredo industrial, etc., nenhum deles é reservado, nem é secreto. São documentos que as pessoas podem colocar como pessoais, sigilosos, controlados, porque não são documentos ainda classificados, mas são documentos amparados na lei (BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. CCAI, 2013, p. 27).

Os documentos preparatórios são aqueles utilizados para fundamentar a

tomada de decisão ou de ato administrativo, tais como pareceres, notas técnicas e

despachos intermediários. A condição especial de publicidade das informações

contidas nesses documentos encontra-se regulada no artigo 20 do Decreto nº

7.724/2012, o qual estabelece que o acesso aos interessados “será assegurado a

partir da edição do ato ou decisão”. O dispositivo não veda a divulgação das

informações antes da decisão ser tomada. Na verdade, ele permite à Administração

Pública avaliar os potenciais danos gerados pelo acesso antecipado. Caso haja risco

de que a publicidade reduza ou inviabilize a efetividade do ato, o gestor poderá optar

por negar o acesso, desde que motive sua decisão. Essa restrição não está

vinculada a um prazo determinado, mas à continuidade das circunstâncias capazes

de gerar os prejuízos que se pretende evitar por meio da reserva (CUNHA FILHO;

XAVIER, 2014, p. 338-340).

Aparentemente, o titular do GSI considera que a Ordem de Missão nº

022/82105 é apenas um documento de caráter preparatório. Entretanto, logo em

seguida, refere-se ao expediente como “um documento interno; não é um

documento de inteligência onde se produziu inteligência” (BRASIL. CONGRESSO

NACIONAL. CCAI, 2013, p. 29). Estas observações podem suscitar dúvidas sobre

Page 91: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

89

as condições de acesso a documentos cujo ciclo vital transcorre somente num

mesmo órgão ou entidade.

De fato, a LAI e seus decretos regulamentadores não fazem qualquer

distinção quanto a esse aspecto. A classificação de documentos, sejam eles internos

ou destinados a processamento por parte de outras unidades da Administração,

dependerá sempre de seu conteúdo. Caso as informações possam comprometer a

segurança da sociedade ou do Estado elas serão passíveis de classificação,

procedimento que é efetuado por meio do preenchimento de formulário padronizado

específico, o Termo de Classificação de Informação (TCI).

Ao fim e ao cabo, a exposição do titular do GSI não permite identificar com

clareza os elementos que efetivamente fundamentaram a opção por consignar no

documento veiculado na imprensa a marcação de “sigiloso”. O recurso ao artigo 22

da LAI e a simultânea menção à condição de documento preparatório ou interno

geram dificuldades de interpretação praticamente insanáveis.

Com efeito, os argumentos apresentados pelo GSI para justificar o emprego

do termo “sigiloso” no cabeçalho e rodapé da Ordem de Missão, em vez da

classificação do documento, conforme preceitua a LAI, suscitaram críticas acerbas

por parte do cientista político Roberto Numeriano, na pesquisa de pós-doutoramento

que desenvolveu na Universidade Nova de Lisboa. Em seu estudo comparativo

sobre as dimensões da accountability na ABIN e no Sistema de Informações da

República Portuguesa (SIRP), Numeriano, que também é Oficial de Inteligência,

defende que essa prática não possui amparo legal.

O autor revela que a opção pelo simples registro do termo “sigiloso”, em vez

da atribuição dos graus de sigilo previstos na LAI, é amplamente praticada na ABIN,

especialmente no caso dos Relatórios de Difusão Interna (RDI), documentos de

inteligência que circulam apenas entre unidades da Agência. Para o cientista

político, esse procedimento, de caráter sistemático, deriva de orientação do GSI e

tem como objetivo:

[...] bloquear, ad æternum, o acesso público a dados de Inteligência, pois, de fato e legalmente, os chamados Relatórios de Difusão Interna, tanto quanto as chamadas Ordens de Missão, são documentos de Inteligência produzidos por profissionais da atividade-fim da carreira, inclusive com técnicas e métodos de obtenção de dados típicos de Inteligência, a exemplo de entrevista sob “estória-cobertura” ou contato com fontes e colaboradores (NUMERIANO, 2013, p. 104).

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90

Aparentemente, a controvérsia sobre a legitimidade dos processos e rotinas

adotados no tratamento da informação sigilosa no âmbito da ABIN se manifesta

também entre seus servidores, uma vez que Numeriano atua como Oficial de

Inteligência. De fato, observa-se na análise do autor uma nítida desconfiança, que

se expressa não só em relação à legalidade dos procedimentos, mas também

quanto à boa-fé das autoridades responsáveis pela introdução dessas práticas na

Agência. O fato é significativo, tendo em vista que o próprio Numeriano assevera

que tais práticas constituem “grave violação político-institucional ao Estado

democrático de direito” (NUMERIANO, 2013, p. 102).

Acreditamos ter demonstrado que a controvérsia sobre a aplicabilidade do

regramento da LAI à atividade de inteligência estratégica e, em particular, ao órgão

central do Sistema Brasileiro de Inteligência, a ABIN, desenvolve-se em planos

distintos, embora essas diferentes esferas de debate frequentemente se

comuniquem entre si76. A discussão sobre a legitimidade de se atribuir autonomia ao

sigilo das informações produzidas pela ABIN evidencia, em alguma medida, um

fenômeno típico das relações entre organizações burocráticas em disputa por

espaços administrativos e políticos, conforme exposto por James Q. Wilson (1989).

Assim, quando o GSI, órgão ao qual a Agência está subordinada, defende a

manutenção de fluxos informacionais típicos da atividade de inteligência de Estado,

mediante o recurso a argumentos jurídicos que garantam procedimentos de acesso

mais restritos do que a regra geral, também está se posicionando em favor da

consolidação de identidade própria para a ABIN no conjunto do aparelho de Estado,

o que contribuiria para o aumento da coesão interna e o fortalecimento de seu

sentido de missão, nos termos da concepção teórica de Wilson (1989, p. 183).

Ademais, o histórico de elevado insulamento burocrático que caracteriza o

desenvolvimento da atividade de inteligência brasileira no passado recente tende a

reforçar os valores organizacionais relacionados ao sigilo e, em particular, à

76 De fato, há doutrinadores que atuaram ou continuam atuando na elaboração de pareceres em recursos administrativos encaminhados à CGU, como é o caso de Leonardo Valles Bento, Marcio Camargo Cunha Filho e Vitor César Silva Xavier. De outro lado, também há profissionais de inteligência, como Mariana Calderon e Disney Rosseti, que se ocupam do tema do acesso à informação produzida no âmbito dessa atividade a partir de uma abordagem predominantemente jurídica. Por fim, podemos citar o caso de Roberto Numeriano que, além de exercer o cargo de Oficial de Inteligência, procura analisar as questões relativas à prestação de contas por parte da Administração de uma perspectiva acadêmica, embasada nas contribuições da Ciência Política.

Page 93: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

91

imposição de salvaguardas que condicionem o acesso a conhecimentos avaliados

como sensíveis77.

Outro aspecto que deve ser ressaltado é que as controvérsias expressam a

tensão entre concepções distintas sobre o interesse público e seus vínculos e

compatibilidades com a preservação do sigilo estatal, para além das interpretações

esgrimidas no âmbito do direito78. Nesse sentido, revestem-se de conotação política

inequívoca e refletem dilemas inerentes ao processo de institucionalização da

atividade de inteligência em Estados democráticos. No caso brasileiro, a exemplo de

outros países da América Latina, esse quadro é ainda mais complexo e instável, em

razão do papel desempenhado pelos serviços de inteligência em governos

autoritários ou ditatoriais, e da imagem negativa que lhes foi consequentemente

associada por grande parcela da sociedade civil79.

Pois é justamente nesse contexto de desconfiança remanescente, no qual

os órgãos e unidades de inteligência são muitas vezes instados a “provar” o efetivo

abandono de práticas atentatórias aos direitos humanos típicas do período

autoritário, que a disponibilidade de mecanismos de acesso à informação objetivos e

precisos ganha especial relevo e importância, uma vez que são fundamentais para a

ampliação dos instrumentos de controle da sociedade sobre a atividade em geral e

sobre cada uma de suas diversas estruturas organizacionais. Como afirma

Numeriano (2013, p. 107), neste campo a accountability é essencial para garantir a

legitimidade interna e externa das agências e sistemas.

Porém, no Brasil a introdução relativamente tardia de amplos mecanismos

de acesso à informação pública, por intermédio da aprovação da Lei nº 12.527/2011,

não contou com o apoio e o reforço que um histórico de atuação efetiva do controle

77 Sobre o insulamento burocrático do SNI, ver NUNES (1997, p. 35). Os papeis desempenhados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e, posteriormente, pela Escola Nacional de Informações (ESNI) na formulação e consolidação de uma “cultura de inteligência” são destacados, a partir de perspectivas bastante diversas, por BUZANELLI (2004) e FIGUEIREDO (2005).

78 As condições de compatibilidade entre o sigilo típico da atividade de inteligência e o interesse público são analisadas em GONÇALVES (2010, p. 41-65).

79 Para uma discussão pioneira acerca do impacto dessa imagem negativa no processo de reestruturação da atividade de inteligência no Brasil contemporâneo, ver ANTUNES (2002, p. 151-195). Ampliando a análise para a dimensão latino-americana, o artigo de GILL (2012) também aporta contribuições de interesse para o cenário brasileiro. Como um exemplo dos preconceitos que ainda subsistem no meio acadêmico em relação à atividade de inteligência, citamos o artigo de opinião publicado no jornal “Folha de São Paulo” por ROMANO (2000) intitulado “Renascimento fascista”. O texto está disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2211200009.htm>. Acesso em: 11 fev. 2015.

Page 94: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

92

externo sobre a atividade de inteligência poderia ter proporcionado. De fato, no

âmbito parlamentar, uma das esferas desse controle, a Comissão Mista de Controle

das Atividades de Inteligência (CCAI), cujo funcionamento já estava previsto no

artigo 6º da Lei nº 9.883/1999, só foi regulamentada quase 14 anos mais tarde,

quando foi editada a Resolução do Congresso Nacional nº 2, de 22 de novembro de

201380. Ou seja, é possível afirmar que as ações de controle e fiscalização

executadas pela CCAI ainda se encontram em seus primeiros passos.

Antes da publicação da citada norma, a Comissão enfrentava sérias

dificuldades para exercer suas atribuições. Joanisval Gonçalves classifica os

obstáculos em três categorias: institucionais, políticos e culturais. Na dimensão

institucional, destaca a falta de regimento interno e de estrutura física e

administrativa adequada. No plano político, o maior problema apontado é a “falta de

interesse da sociedade e dos dirigentes do País na área de inteligência” (2010, p.

188). Em termos culturais, o autor identifica a ausência de uma “cultura de

inteligência” no Brasil, situação que se manifesta no amplo desconhecimento sobre a

atividade ou na difusão de preconceitos e avaliações sem maior fundamentação.

No conjunto, a atuação desses fatores tendia a inviabilizar o

desenvolvimento de um sistema de controle eficaz. Gonçalves reconhece que a

capacidade de atuação da CCAI era então bastante frágil e cita a seguinte frase, um

tanto jocosa, mas reveladora da total ineficiência dos procedimentos adotados pelo

Legislativo: “[...] o Congresso pensa que fiscaliza e o Executivo finge que é

fiscalizado” (2010, p. 1990). A melhoria desse quadro depende, de acordo com o

autor, de uma mudança na imagem da atividade de inteligência entre os cidadãos e

autoridades dirigentes ou, em outras, palavras, da correção de visões deturpadas

que permanecem largamente difundidas no País.

Portanto, é pertinente asseverar que a ampliação do direito de acesso às

informações produzidas no âmbito da inteligência ensejada pela LAI não resultou

propriamente de uma mobilização social visando aperfeiçoar o controle sobre a

atividade, pelo menos na forma como vem sendo praticada desde a

redemocratização.

80 A resolução, que define as competências da Comissão e os procedimentos a serem adotados no controle, pode ser consultada em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=141450&tp=1>. Acesso em: 25 fev. 2015.

Page 95: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

93

Nesse sentido, as preocupações em resgatar a memória de um período

traumático da história brasileira e em atender às demandas apresentadas pelas

iniciativas de justiça de transição e reparação preponderaram sobre o interesse em

controlar ou fiscalizar as ações de inteligência desenvolvidas no presente81. A

criação de mecanismos de transparência que garantissem o funcionamento

adequado da Comissão Nacional da Verdade (CNV) era a questão que alcançava

maior repercussão junto à opinião pública na época da aprovação da LAI.

Por outro lado, quando as propostas de regulamentação de acesso à

informação pública começaram a ser discutidas em diversos foros, não se observou

a articulação sistêmica dos órgãos de inteligência, ou de quaisquer instituições que

que lidam rotineiramente com segredos de Estado, no sentido de discutir modelos ou

soluções que se adequassem à realidade nacional. Aparentemente, o Conselho

Consultivo do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) sequer chegou a se reunir

para debater o anteprojeto de lei do Executivo que estava sendo elaborado na

Presidência da República, inicialmente na CGU e, em sua última fase, na Casa Civil.

É interessante observar que, de acordo com a ata da 7ª Reunião do

Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), realizada em

29 de julho de 2007, portanto quase dois anos antes do envio do anteprojeto do

Executivo ao Congresso Nacional, a ABIN foi convidada a opinar sobre a minuta de

anteprojeto que posteriormente seria remetida à Casa Civil82.

Em consequência, se é correto afirmar que o órgão central do SISBIN não

teve condições de participar ativamente das discussões sobre o projeto da LAI

quando este tramitava no Legislativo, pois deixou de ser convidado para as

audiências públicas então realizadas, não é possível dizer que a Agência tenha sido

inteiramente excluída dos debates quando a proposta era ultimada pelo Executivo

federal.

81 A reivindicação do acesso a informações registradas nos arquivos do regime militar instaurado em 1964 teve caráter central nos debates sobre a justiça de transição no País (FICO, 2012, p. 53). Os arquivos dos serviços de inteligência foram especialmente visados, devido ao papel desempenhado por esses órgãos na repressão aos grupos que aderiram à luta armada e outras organizações de esquerda. Como assinala o relatório da Comissão Nacional da Verdade, o Brasil se destaca, entre os países que sofreram situações semelhantes, pela quantidade de documentos disponibilizados para consulta em arquivos públicos (BRASIL. Comissão Nacional da Verdade, 2014, v. 1, p. 22). Entretanto, os fundos arquivísticos dos órgãos de informações das Forças Armadas não foram recuperados para acesso público.

82 A referida ata está disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/conselho-da-transparencia/documentos-de-reunioes/atas/ata-da-7a-reuniao-jun-2007.pdf>. Foi o então Secretário-Executivo do Conselho, Luiz Navarro, que mencionou o convite efetuado à Agência.

Page 96: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

94

Porém, ao longo da pesquisa não foram encontrados indícios de que o

SISBIN tenha se manifestado de forma conjunta sobre as questões de acesso à

informação suscitadas pela promulgação da Lei nº 12.527/2011. Aparentemente,

coube a cada integrante do Sistema atualizar suas respectivas doutrinas e

procedimentos de formalização de relatórios de inteligência, em caráter individual83.

Tampouco há notícia de que o Manual de Inteligência – Bases Comuns, documento

que estabelece os fundamentos doutrinários compartilhados por todos os membros

do Sistema, venha a ser revisado, de modo a incorporar os princípios e as regras

introduzidos pela LAI e seus regulamentos, em particular o Decreto nº 7.845/201284.

Acreditamos que as deficiências de integração e cooperação entre os

componentes do Sistema, já apontadas por diversos autores, ainda não foram

inteiramente sanadas, apesar das diversas iniciativas desenvolvidas pelo GSI e pela

ABIN. A superposição de áreas de atuação entre os membros do SISBIN, fator que

certamente contribui para o surgimento de disputas interburocráticas, e a demora na

publicação da Política Nacional de Inteligência, entre outros aspectos, contribuem

para manter a interação sistêmica em níveis relativamente baixos85.

A controvérsia entre a CGU e o GSI, em torno da existência ou não de um

sigilo autônomo que regule o acesso a informações vinculadas às atividades da

Agência Brasileira de Inteligência, independentemente da LAI, expressa, de acordo

com nossa perspectiva, a insuficiente interação entre os órgãos que compõem o

SISBIN. De fato, a questão, de especial relevância, foi suscitada apenas por ocasião

de um recurso administrativo apresentado à CGU por cidadã interessada em

consultar os gastos efetuados pela ABIN por meio do Cartão de Pagamento do

83 Mariana Calderon apresenta um relato das ações de revisão e atualização de procedimentos adotadas no âmbito do Departamento de Polícia Federal, as quais incluíram a organização de dois seminários, em Brasília e Salvador, e a publicação de portarias e instruções normativas (CALDERON, 2015, p. 74).

84 As bases doutrinárias do SISBIN, que se encontram consolidadas no referido Manual, foram aprovadas por meio da Portaria nº 5/GSIPR, de 31 de março de 2005.

85 Para uma descrição pormenorizada da estrutura e do funcionamento do SISBIN, recomenda-se a leitura da monografia de Ariel Mendonça (2010, p. 45-80). Sugestões de melhoria no desenho institucional do Sistema foram apresentadas por Marco Cepik (2009). A edição da Política Nacional de Inteligência está prevista no artigo 5º da Lei nº 9.883, no qual se lê: “A execução da Política Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República, será levada a efeito pela ABIN, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo”. Os laços de cooperação entre os membros do Sistema vêm sendo ampliados recentemente, em função da criação de centros integrados de inteligência em grandes eventos esportivos e em operações conjuntas na faixa de fronteira (CERÁVOLO, 2014). Cabe ainda salientar que a Estratégia Nacional de Defesa (END) alude à relevância da “integração de todos os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)” para o incremento do nível de Segurança Nacional.

Page 97: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

95

Governo Federal (CPGF). Ora, tanto a CGU quanto a ABIN e o GSI integram o

Sistema Brasileiro de Inteligência. Parece-nos que seria mais adequado se o debate

sobre o alcance dos sigilos especiais autorizados pelo artigo 22 da LAI tivesse se

desenvolvido, pelo menos num primeiro momento, também no âmbito do próprio

Sistema.

Nesse diálogo, poderiam intervir o GSI, na qualidade de coordenador da

inteligência federal86; a CGU, na condição de instituição responsável por centralizar

o monitoramento da Lei nº 12.527/2011 e orientar os órgãos e entidades federais no

sentido do cumprimento adequado e oportuno de seus dispositivos; a ABIN, no

papel de órgão central do SISBIN, com o encargo de executar a PNI ainda a ser

aprovada; e os demais membros do Sistema, em particular aqueles que compõem

seu Conselho Consultivo, uma vez que produzem e intercambiam conhecimentos de

inteligência em larga escala87.

Em nossa opinião, a organização desse debate, que também poderia ser

enriquecido com a participação de especialistas acadêmicos na área de inteligência,

seria bastante proveitosa para atenuar ou dissipar eventuais tensões ou disputas

interburocráticas, estreitar os vínculos de cooperação e esclarecer aspectos legais e

doutrinários de interesse. Há notícia de que iniciativas semelhantes renderam bons

frutos, tal como o pioneiro Seminário “Atividades de Inteligência no Brasil:

Contribuições para a Soberania e a Democracia”, que foi promovido, em 2002, pelo

Congresso Nacional, ABIN e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa

do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)88.

Tais eventos, além dos resultados positivos que potencialmente aportam

para o funcionamento do SISBIN, contribuem para divulgar a atividade de

86 Ver nota de atualização na página 14 desta monografia.

87 A composição do Conselho Consultivo do SISBIN, que está definida no artigo 8º do Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002, é a seguinte: GSI; ABIN; Secretaria Nacional de Segurança Pública, Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal e Departamento de Polícia Rodoviária Federal, todos do Ministério da Justiça; Subchefia de Inteligência Estratégica, Assessoria de Inteligência Operacional, Divisão de Inteligência Estratégico-Militar da Subchefia de Estratégia do Estado-Maior da Armada, Centro de Inteligência da Marinha, Centro de Inteligência do Exército, Centro de Inteligência da Aeronáutica, e Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, todos do MD; Coordenação-Geral de Combate aos Ilícitos Transnacionais da Subsecretaria-Geral de Assuntos Políticos, do MRE; e Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda.

88 Os textos apresentados no evento foram coligidos em livro editado pela ABIN em 2003. As intervenções estão também disponíveis na internet: <http://www.senado.gov.br/comissoes/ccai/SemCCAI.htm>. Acesso em: 27 fev. 2015.

Page 98: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

96

inteligência de maneira ampla, junto a uma população que ainda mantém, em

grande medida, uma visão estereotipada da atividade. Nesse sentido, o registro

desse diálogo em meios de comunicação de fácil acesso constituiria mais um

instrumento de transparência ativa, reiterando o compromisso dos órgãos de

inteligência com a prestação de contas frente aos cidadãos brasileiros.

De acordo com a perspectiva adotada neste trabalho, um dos principais

pontos a serem esclarecidos no debate proposto diz respeito à oposição entre a

denominada “cultura do sigilo” e a “cultura da transparência”, ambas expressões

amplamente utilizadas na literatura sobre o direito de acesso à informação pública,

mas nem sempre definidas de forma precisa89. A LAI não faz menção direta à

“cultura do sigilo”, mas entre suas diretrizes há o “fomento ao desenvolvimento da

cultura de transparência na administração pública” (inciso IV do artigo 3º).

Tal princípio norteador, aplicável aos diferentes poderes e níveis de governo,

é utilizado mais adiante para direcionar especificamente as políticas públicas do

Poder Executivo Federal, onde um órgão ficará responsável:

I - pela promoção de campanha de abrangência nacional de fomento à cultura da transparência na administração pública e conscientização do direito fundamental de acesso à informação (inciso I do artigo 41).

Com a publicação do Decreto nº 7.724/2012, a tarefa foi atribuída à CGU,

que deve ainda desenvolver ações de treinamento de agentes públicos, visando ao

aprimoramento das práticas relacionadas à transparência na administração pública

(artigo 68).

Entendemos que o desenvolvimento de tais iniciativas no âmbito da

inteligência estratégica, onde o sigilo é a regra e a transparência constitui a exceção,

são passíveis de gerar controvérsias e tensões, caso os responsáveis por seu

89 A falta de clareza ou mesmo o recurso a argumentos questionáveis ocorrem especialmente no emprego do conceito de “cultura de sigilo” ou “cultura do segredo”. Marília Souza Diniz Alves, por exemplo, define cultura do sigilo como “a forma de manutenção das estruturas sociais pautada no binômio informação-poder por meio de uma relação diretamente proporcional”. A autora, em seguida, acrescenta: “[...] assim, compartilhar informações representa renunciar a uma parcela de poder; logo, o sigilo era a estratégia para manter a influência” (ALVES, 2011, p. 124). Ora, o mínimo que se pode dizer aqui é que tanto as estratégias de retenção estrita quanto as que favorecem a ampla circulação de informações podem servir à conservação das “estruturas sociais” vigentes. Da mesma maneira, a intercâmbio de informações não constitui um jogo de soma zero, isto é, os atores sociais envolvidos podem ser mutuamente beneficiados na relação. Nesse sentido, entendemos que regimes e fluxos informacionais devem sempre ser examinados em conexão com os contextos históricos e políticos que os viabilizam e definem sua dinâmica (ALMINO, 1986, p. 35). De outra forma, os fluxos informacionais no nível das organizações de Estado convertem-se em objetos de estudo ininteligíveis.

Page 99: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

97

planejamento e execução ignorem ou minimizem a importância de tais

peculiaridades.

Em primeiro lugar, é desejável efetuar a crítica de concepções essencialistas

que assimilam o sigilo a um “mal” e a transparência a um “bem” por si mesmos. A

abordagem filosófica de Sissela Bok parece-nos a mais útil para tal finalidade. A

autora estadunidense de origem sueca, ao analisar os segredos governamentais em

seu livro sobre a ética do sigilo, observa que as sociedades diferem largamente

quanto aos níveis de opacidade do Estado que são considerados admissíveis ou

esperados pela população (BOK, 1989, p. 172).

Entretanto, independentemente dos regimes de cada país, há sempre uma

dimensão de ocultamento que é aceita como legítima. Bok avalia que o sigilo nem

sempre representa uma deficiência estatal a ser superada, isto é, não representa um

mal em si mesmo; assim como a transparência tampouco é sempre benéfica. Com

efeito, a filósofa lembra que a publicidade das atividades governamentais pode

também ser utilizada como “instrumento de injustiça”, e manipulada com o intuito

deliberado de distorcer a realidade e exercer influência indevida sobre a opinião

pública (BOK, 1989, p. 174).

Em determinadas situações, por outro lado, o sigilo não é só legítimo como

indispensável. A autora cita como exemplo o ambiente antagônico das ações

militares. Nesse contexto, o recurso ao segredo como elemento de autodefesa seria

plenamente legítimo. De fato, quanto mais fraco é o Estado perante seu oponente,

mais terá de se amparar em estratagemas e em vantagens proporcionadas pela

surpresa.

Em contrapartida, Bok não deixa de mencionar que o sigilo é

frequentemente utilizado como arma pelos agressores e como ferramenta auxiliar

em esquemas de opressão (BOK, 1989, p. 191). Ela também salienta que a

aprovação de normas que reconheçam o direito de acesso à informação é incapaz

de garantir, por si só, níveis mínimos de publicidade. Afinal, mesmo os países mais

autoritários podem dispor de arcabouços jurídicos que admitam o princípio de

abertura das informações estatais à população (BOK, 1989, p. 179).

No Brasil, o historiador e arquivista José Maria Jardim reconhece a

existência de um “limite estrutural” para a transparência administrativa. A partir da

década de 1970, o desenvolvimento nos países democráticos de políticas em prol da

ampliação do acesso à informação pública permitiu circunscrever o espaço ocupado

Page 100: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

98

pelo sigilo nas atividades estatais, mas sem que campos mais opacos tenham sido

totalmente eliminados. Não seriam necessariamente áreas de opacidade residual,

que mereçam tratamento intensivo, visando convertê-las aos valores de

transparência e accountability. Apoiando-se na reflexão teórica de Jacques

Chevallier, Jardim reconhece que

[...] toda sociedade tem efetivamente a necessidade de zonas de sombra, de espaços de confidencialidade, que assegurem a preservação de uma esfera de autonomia individual, além da proteção de interesses públicos maiores (JARDIM, 1999, p. 65).

Assim, embora o autor não endosse os argumentos que recorrem ao

polêmico conceito de “razão de Estado”, admite que certos campos devem ser

mantidos à margem de qualquer publicidade, pois sua exposição indevida possui a

capacidade de gerar graves riscos para a coletividade, até mesmo comprometendo o

seu futuro.

Há, portanto, mesmo em sociedades democráticas consolidadas, em que

prevalece o Estado de Direito, uma “zona irredutível de segredo”.

Consequentemente, os dispositivos legais de ampliação da transparência

administrativa aprovados nas últimas décadas também serviram para demarcar e

oficializar o espaço do segredo, tornando mais precisos os seus contornos. Em

suma, a transparência e o sigilo formam uma “dupla indissociável”, em razão da

amplitude das missões assumidas pelo Estado contemporâneo (JARDIM, 1999, p.

65-66).

De nossa parte, avaliamos que essas contribuições teóricas são essenciais

para a formulação adequada de políticas públicas de fomento à transparência. A

compreensão de que os fluxos informacionais não se desenvolvem de forma

homogênea no aparelho de Estado é indispensável para reduzir ou, no limite,

eliminar a incidência de controvérsias ou disputas interburocráticas. Deve-se ter em

mente que conceitos como “cultura do sigilo” ou “cultura da transparência” somente

se revelarão úteis no sentido de favorecer mudanças de atitudes e comportamentos

quando lhes forem agregadas categorias elaboradas com base nas condições

empíricas de tratamento da informação nas organizações em que a campanha de

fomento à transparência estiver sendo aplicada.

Em outras palavras, a harmonização das inúmeras instâncias burocráticas

que participam da implementação das políticas públicas instituídas pela LAI também

está relacionada ao emprego de conceitos e valores coerentes com as diferentes

Page 101: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

99

culturas organizacionais envolvidas no processo. Afirmar, por exemplo, que tanto no

Reino Unido quanto no Brasil prevalece (ou prevaleceu) na Administração uma

“cultura do sigilo”, sem que outras qualificações sejam aduzidas à análise, permite

deixar à margem, sem maiores preocupações, aspectos históricos de especial

relevância para o sucesso das iniciativas em favor da ampliação de acesso90.

Avaliamos que o incentivo a estudos acadêmicos que possam contribuir para o

esclarecimento das práticas administrativas relativas ao acesso à informação e

subsidiar a formulação ou a atualização de políticas públicas em favor da

transparência seria bastante positivo, ao revelar a complexidade das práticas de

ocultamento e revelação levadas a efeito pelas instituições e pelos agentes públicos

que as integram.

As contribuições de Sissela Bok e José Maria Jardim também nos auxiliam

na justificação de políticas públicas que promovem não a tão falada transparência

administrativa, mas sim a menos conhecida proteção de conhecimentos sensíveis

frente a eventuais acessos indevidos. Os procedimentos de salvaguarda desses

conhecimentos integram as ações de inteligência estratégica, no segmento de

contrainteligência.

Assim, entre as competências legais da ABIN, inclui-se a de “planejar e

executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à

segurança do Estado e da sociedade” (inciso II do artigo 4 da Lei nº 9.883/1999).

Para viabilizar a execução dessa tarefa, o GSI aprovou a Portaria nº 42, de 17 de

agosto de 2009, que institui, no âmbito da ABIN, o Programa Nacional de Proteção

do Conhecimento Sensível (PNPC)91.

Trata-se de programa cuja finalidade consiste em desenvolver, por

intermédio de parcerias entre a ABIN e instituições nacionais públicas e privadas, “a

90 Ao contrário do que ocorre no Brasil, na Grã-Bretanha as questões relativas à história do sigilo na administração pública têm despertado o interesse dos estudiosos, entre os quais David Vincent (1998) e Christopher Moran (2012) merecem destaque na produção recente. Em língua portuguesa, a dissertação de mestrado de Miguel Lopes Romão (2005), que trata da institucionalização do modelo liberal de divulgação do direito no Portugal oitocentista e da consequente retração do secretismo enquanto regra, reveste-se de caráter pioneiro e exemplar.

91 Conhecimentos sensíveis são aqueles que, em caso de acesso não autorizado, possam vir a “comprometer a consecução dos objetivos nacionais e resultar em prejuízos ao País, necessitando de medidas especiais de proteção” (inciso I do artigo 2º da Portaria GSIPR nº 42/2009). A literatura relacionada à proteção do conhecimento antecede a edição da Portaria do GSI é relativamente abundante, embora sua circulação se restrinja em grande medida ao ambiente acadêmico. Ver, por exemplo: MELHADO (2005), BALUÉ; NASCIMENTO (2006), NASCIMENTO (2008) e ANDRADE (2009).

Page 102: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

100

proteção e a salvaguarda de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à

segurança do Estado e da sociedade, em apoio à atividade de contrainteligência”.

Se examinarmos de forma superficial as ações previstas no PNPC, tais como a

“sensibilização para fomentar a cultura de proteção dos conhecimentos sensíveis”,

que visam, em particular, à prevenção da espionagem econômica em áreas

estratégicas para o País, é possível que cheguemos à conclusão de que elas

contradizem os princípios norteadores da Lei nº 12.527/2011.

No entanto, se adotarmos a perspectiva de que os fluxos informacionais

assumem características e funções distintas, de acordo com os objetivos a serem

alcançados pelo Estado, verifica-se que inexiste real incompatibilidade entre a

política de promoção da transparência administrativa e a de proteção do

conhecimento sensível.

A própria Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada por meio do

Decreto Legislativo nº 373, de 25 de setembro de 2013, portanto já após a entrada

em vigor da LAI, expressa a importância atribuída à proteção dos conhecimentos

sensíveis para o desenvolvimento tecnológico independente e o fortalecimento da

Base Industrial de Defesa (BID), ao estabelecer que:

12. Resguardados os interesses de segurança do Estado quanto ao acesso a informações, serão estimuladas iniciativas conjuntas entre organizações de pesquisa das Forças Armadas, instituições acadêmicas nacionais e empresas privadas brasileiras. O objetivo será fomentar o desenvolvimento de um complexo militar universitário-empresarial capaz de atuar na fronteira de tecnologias que terão quase sempre utilidade dual, militar e civil (grifo nosso).

Deste modo, realizado todo este percurso, é possível retomar a análise da

controvérsia entre a CGU e o GSI sob um prisma mais acurado, que leve em conta o

fato de que a transparência administrativa pode estar orientada a diversos objetivos,

todos eles igualmente legítimos; e admitir, portanto, que ela seja passível de

implementação segundo estratégias e condições variadas, desde que preservados

os direitos fundamentais de acesso92.

Se, entretanto, optássemos por uma concepção monolítica do aparelho

Estado, na qual fosse admissível apenas uma cultura informacional, enfrentaríamos

dificuldades extremas para compreender e explicar determinadas políticas nacionais

de acesso à informação.

92 Uma interessante abordagem dos possíveis rumos a serem adotados na promoção da

transparência, e seus respectivos impactos na prestação de contas, é encontrada em FOX (2008), que recorre à experiência mexicana e a uma diversificada literatura internacional.

Page 103: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

101

O caso mexicano parece-nos especialmente útil para o exame do problema.

O modelo legal adotado no país é considerado por Toby Mendel, consultor

internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO), como um dos mais progressistas do mundo, particularmente por

dispor de um mecanismo de supervisão independente do Estado, o Instituto Federal

de Acceso a la Información Pública - IFAI (MENDEL, 2009, p. 86)93. Os cidadãos

mexicanos também são apontados, pelo mesmo autor, em entrevista concedida ao

jornal “Estado de São Paulo”, como particularmente interessados na disponibilização

de informações detidas pelos órgãos e entidades estatais (BRAMATTI; GALLO,

2012).

Contudo, no México a lei permite a prorrogação indefinida do prazo de sigilo,

o que não ocorre no Brasil. No caso do Chile, somente para citar outro exemplo de

país elogiado por seus recentes avanços na legislação de promoção do direito de

acesso, o sigilo das informações relacionadas à segurança nacional também possui

duração indefinida (BENTO, 2015, p. 111). Nos Estados Unidos, país utilizado

frequentemente como referência no assunto, especialmente devido a seu

pioneirismo no hemisfério, o Freedom of Information Act (FOIA), aprovado em 1966,

foi revisto várias vezes desde então e, em alguns casos, observou-se a introdução

de dispositivos de caráter restritivo, com o objetivo de preservar os interesses de

segurança do Estado e da sociedade.

Neste sentido, verifica-se que mesmo nos países mais progressistas no

campo das garantias ao direito de acesso à informação pública são mantidas

condições de sigilo especiais para atender às peculiaridades de segmentos da

atividade estatal particularmente sensíveis, em função do ambiente sobre o qual

atuam, muitas vezes sujeito a relações antagônicas. O reconhecimento de que a

atividade de inteligência estratégica faz parte dos segmentos que devem merecer

especial cuidado em termos de controle do fluxo informacional é bastante difundido.

93 Em maio de 2015, com a publicação da nova lei mexicana sobre transparência e acesso à informação, de caráter mais abrangente, esse organismo teve o seu nome alterado para Instituto Nacional de Transparencia, Acceso a la Información y Protección de Datos Personales (INAI). No Brasil, esse papel de supervisão é desempenhado pela CGU, que está diretamente vinculada à Presidência da República e, portanto, não dispõe de autonomia institucional. Para uma análise dos efeitos dessa situação no desempenho das ações de controle e fiscalização, em âmbito mais genérico, que não se restringe às questões de transparência administrativa, ver TORRES (2012, p. 284-289).

Page 104: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

102

No Brasil, a LAI, como vimos no capítulo anterior, não deixa de assinalar a

relevância da atividade, pois determina que as informações passíveis de

comprometer sua eficácia sejam classificadas. Entretanto, as dificuldades de

interpretação da amplitude do artigo 22, que trata dos sigilos especiais previstos na

legislação pré-existente, gera dificuldades no processo de implementação dos

procedimentos de acesso.

Segundo nossa análise, a controvérsia entre a CGU e o GSI quanto à

validade dos dispositivos da Lei nº 9.883/1999 que tratam da publicidade dos atos

praticados pela ABIN decorre justamente da ausência na LAI de relação exaustiva

do conjunto de normas e dispositivos que foram por ela revogados.

As diferentes interpretações decorrentes da lacuna apontada se traduzem

em tensões interinstitucionais, situação que certamente não contribui para a difusão

de cultura favorável ao acesso em um segmento tradicionalmente avesso a riscos e

onde o sigilo, por dever de ofício, constitui a regra e não a exceção.

Cabe salientar que a situação é inerente à própria natureza da atividade e

não decorre de condições circunstanciais ou transitórias. Como observa Marco

Cepik, a inteligência representa a “dimensão informacional dos conflitos de

vontades” (2009, p. 3), isto é, a atividade se desenvolve em ambientes que obrigam

à reserva, gerando a tensão permanente e irredutível de suas práticas com o

princípio da publicidade típico das democracias.

Nessas condições, não é de surpreender que os órgãos mais afeitos a lidar

com segredos de Estado reagissem com certa preocupação ou desconfiança à

implementação da Lei nº 12.527/2011, ao visualizarem a possibilidade de difusão de

informações sem a cautela e o controle necessários.

O Ministério da Defesa (MD), por exemplo, ao publicar, em 2014, o “2º

Relatório de Implementação da Lei de Acesso à Informação – LAI” reafirmou o seu

empenho em cumprir as novas determinações e assim aperfeiçoar os mecanismos

de transparência, contribuindo para o fortalecimento da democracia brasileira94. O

documento apresenta um balanço estatístico e analítico sobre os resultados que

foram obtidos durante o segundo ano de vigência da norma, mostrando a evolução

94 O Relatório do Ministério da Defesa está disponível em: <http://www.defesa.gov.br/arquivos/lai/servico_de_informacao/relatorio_lai_2014_vf_v3.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2015.

Page 105: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

103

em termos de padronização dos fluxos, de forma a tornar mais ágil o atendimento

aos pedidos de informação recebidos.

Por outro lado, não é omitida a existência de sérios desafios a serem

vencidos. Entre as medidas previstas pelo MD, e que ainda não foram concluídas,

encontramos a seguinte:

Realização de estudo sobre mecanismos de proteção às informações que perderam o grau de sigilo e cuja divulgação poderá acarretar efetivo ou potencial prejuízo à sociedade e ao Estado (BRASIL. Ministério da Defesa, 2014, p. 35)

Conclui-se que a dimensão dos impactos da LAI quanto à divulgação de

informações sensíveis ainda não foi totalmente mensurada pelo Ministério. Ao que

tudo indica ainda há a preocupação em avaliar a situação gerada pelo novo

regramento e, se for o caso, buscar soluções normativas ou procedimentais que

permitam descartar hipóteses de efeitos lesivos aos interesses do País.

Assim, cremos ser fundamental, para propiciar o pleno engajamento de

instituições que lidam com segredos de Estado no esforço de implementação das

políticas públicas de fomento à transparência administrativa, que as interpretações

sobre as condições de aplicação das regras de acesso se consolidem no prazo mais

breve possível.

Em particular, o bom desempenho da atividade de inteligência estratégica

nas sociedades democráticas depende, em grande medida, da coerência e

previsibilidade dos fluxos informacionais que lhe são atinentes, tal como definidos no

arcabouço jurídico em vigor. Afinal, como ressalta com argúcia o sociólogo francês

Claude Giraud:

O sigilo em uma organização não é propriamente um estado e sim um processo. Este não é linear. Seria circular. Com efeito, a debilitação ou a revelação de um segredo não significa o fim da prática do sigilo, mas, com maior frequência, o seu reforço ou sua continuidade, mediante a mudança de orientação ou de objeto (GIRAUD, 2007, p. 105).

Perceber e levar em consideração essas dinâmicas, em termos de suas

manifestações nas diferentes culturas organizacionais do segmento de inteligência,

tanto em suas vertentes militares quanto civis, parece-nos indispensável para que os

meritórios objetivos previstos na Lei nº 12.527/2011 alcancem sua integral

efetivação, criando as condições adequadas para o fortalecimento das instituições

democráticas, a ampliação do espaço da participação popular e a promoção da ética

pública.

Page 106: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

104

Ademais, entendemos ser desejável o investimento de esforços, por parte

das autoridades públicas, em dois campos nos quais aparentemente há grandes

oportunidades de melhoria e potenciais efeitos multiplicadores que favorecem a

aplicação dos princípios que norteiam a LAI.

O primeiro diz respeito à continuidade do processo de institucionalização do

Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), por intermédio da aprovação da Política

Nacional de Inteligência (PNI) e da consequente dinamização das atividades de seu

Conselho Consultivo e do intercâmbio de dados e conhecimentos entre os órgãos

integrantes. Decorridos quase 16 anos da publicação da norma que instituiu o

Sistema, a Lei nº 9.883/1999, o Poder Executivo Federal não definiu, pelo menos de

forma ostensiva, as principais ameaças, objetivos e diretrizes que devem orientar a

atuação coordenada dos órgãos de inteligência federal.

Uma proposta de PNI já foi encaminhada ao Congresso Nacional para

apreciação, por meio da Mensagem nº 198, de 2009-CN (nº 997/2009 na origem),

tendo sido aprovado parecer específico no âmbito da CCAI em agosto de 2010, o

qual foi posteriormente enviado à Casa Civil da Presidência da República95. Como a

PNI ainda não foi fixada, tampouco houve a aprovação de documentos dela

decorrentes, tais como o Plano Nacional de Inteligência e a Doutrina Nacional de

Inteligência, considerados instrumentos essenciais para o desenvolvimento da

atividade de forma integrada e coesa96.

Nessas condições, o exercício do controle por parte da sociedade fica

prejudicado, tanto em sua vertente institucional, de caráter representativo, quanto na

sua dimensão direta, por intermédio dos mecanismos de acesso à informação

previstos na LAI. Os prejuízos ocasionados pela aparente inércia do Executivo já

foram assinalados por parlamentares. Em 2012, o Senador Jayme Campos, em

95 A proposta de PNI elaborada pelo Poder Executivo e enviada ao Congresso para exame e sugestões, em conformidade com o parágrafo único do artigo 5º da Lei nº 9.883/1999, pode ser encontrada em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=74151&tp=1>. Acesso em: 6 abr. 2015.

96 Por enquanto, existem apenas sucedâneos desses instrumentos. No plano doutrinário, existe o já citado Manual de Inteligência – Bases Comuns, que é bastante genérico, e a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), cuja aprovação foi efetuada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), por meio da Portaria nº 22, de 22 de julho de 2009. Em termos de planejamento, foi criado pelo GSI em 2011 o Mosaico de Segurança Institucional, que prevê o acompanhamento de centenas de cenários relativos a cinco áreas distintas de segurança (internacional, pública, da sociedade, das infraestruturas estratégicas e ambiental). O rol de cenários sob monitoramento é revisado a cada trimestre. Os integrantes do SISBIN contribuem, mediante a difusão de dados e conhecimentos, para a permanente atualização dos cenários.

Page 107: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

105

relatório sobre os textos da Política Nacional de Defesa, da Estratégia Nacional de

Defesa e do Livro Branco da Defesa Nacional, criticou a demora na aprovação da

PNI, argumentando que a atividade de inteligência fica “bastante fragilizada” com a

situação97.

O outro campo que consideramos merecedor de esforços de aprimoramento

é o do controle externo por parte do Legislativo, cuja regulamentação, como já

mencionamos anteriormente, ocorreu apenas em novembro de 2013. Nesse caso,

contudo, a inércia foi de responsabilidade do Congresso Nacional. O funcionamento

da CCAI ainda deixa a desejar em termos de efetividade, apesar de algumas

relevantes iniciativas isoladas. De acordo com Joanisval Gonçalves, Consultor

Legislativo designado para a Comissão, as ações de fiscalização e controle ainda

enfrentam dificuldades e obstáculos, mesmo após a edição da Resolução nº 2/2013

do Congresso Nacional, recomendando-se a adoção de “mecanismos mais efetivos

de controle” (GONÇALVES, 2015, p. 1).

Acreditamos que, no âmbito da atividade de inteligência, a implementação

de políticas públicas de fomento à cultura de transparência e de valorização do

acesso à informação devem estar, na medida do possível, articuladas com o

desenvolvimento dos demais instrumentos de controle, também previstos em leis e

regulamentos. As políticas de ampliação da esfera de publicidade precisam ser

amplamente percebidas como compatíveis com a obtenção de plena eficácia da

condução da atividade de inteligência, de modo a atenuar a frequência e o impacto

de eventuais controvérsias, tensões ou resistências.

Em outras palavras, seria apropriado não apenas levar em conta as

peculiaridades relativas à natureza da atividade, especialmente no que se refere ao

caráter essencial da discrição e do sigilo para sua execução, mas também as

condições bastante específicas do contexto brasileiro. De fato, a fragilidade do

arcabouço jurídico que rege a atuação dos órgãos de inteligência no País é

apontada por inúmeros estudiosos, especialmente em termos do suporte ao

emprego de meios e técnicas operacionais (GONÇALVES, 2010, p. 199). A correção

dessas e de outras vulnerabilidades certamente contribuirão para que os dispositivos

97 O relatório do Senador está disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getDocumento.asp?t=129827>. Acesso em: 25 abr. 2015.

Page 108: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

106

previstos na LAI encontrem a devida receptividade entre os profissionais de

inteligência.

Assim, a controvérsia entre a CGU e o GSI, relativa à existência de sigilo

autônomo para as atividades da ABIN, principal órgão da inteligência estratégica

brasileira, reveste-se de interesse mais amplo. Independentemente de seus

aspectos relevantes quanto à interpretação do ordenamento legal, ela também

expressa um anseio pelo reconhecimento de uma identidade própria para a

atividade de inteligência, o que é algo natural em seu processo de

institucionalização. Disputas interburocráticas sobre a correta interpretação das leis

em vigor não são insanáveis e tampouco impedem o desenvolvimento da

cooperação sistêmica.

Nesse sentido, entendemos que o debate público sobre os critérios de

legitimidade do segredo estatal e, em particular, o diálogo sobre a extensão dos

limites impostos à visibilidade dos fluxos informacionais dos órgãos de inteligência é

positivo para a consolidação da ordem democrática.

Em tal discussão, não é viável o mero recurso a conceitos abstratos e

atemporais de segurança nacional, os quais têm sido alvo de diversas críticas nas

últimas décadas (CEPIK, 2003, p. 139-140). A justificação dos segredos

governamentais deve sempre ser “pautada em razões sólidas”, como argumenta

Mariana Calderon (2014, p. 121). Tais motivações, para adquirirem legitimidade no

ambiente democrático, devem ser expostas ao escrutínio dos cidadãos, por meio de

mecanismos de controle e supervisão específicos. Ademais, os profissionais de

inteligência precisam estar conscientes de que exercem funções públicas e,

portanto, estão também sujeitos a mecanismos de prestação de contas e de

responsabilização típicos do Estado Democrático de Direito.

Simultaneamente, é primordial que os responsáveis pela aplicação das

políticas públicas de transparência sejam sensíveis às demandas especiais de

agilidade e segurança a que a atividade de inteligência está submetida. A opacidade

natural e inescapável dos serviços de inteligência não pode ser encarada como uma

espécie de “defeito moral” ou “mal necessário”, a ser eventualmente revertido ou

superado pela progressiva disseminação da cultura de acesso à informação pública.

De fato, os preconceitos que ainda persistem devem ser combatidos, tanto

no âmbito da sociedade como um todo quanto no contexto mais restrito do próprio

aparelho estatal. Para tanto, uma das iniciativas de maior potencial de sucesso

Page 109: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

107

consiste em trazer “os temas de segurança, defesa, inteligência e policiamento para

a agenda dos debates políticos sobre políticas públicas” (CEPIK, 2003, p. 140).

Nesse contexto, cabe reafirmar que o funcionamento eficaz e estável dos

serviços de inteligência depende da manutenção do sigilo sobre seus alvos

prioritários, modus operandi, identidade de fontes e conhecimentos disponíveis,

entre outros aspectos de relevância. Ao mesmo tempo, nas sociedades

democráticas, a obtenção da legitimidade social e do consequente fluxo regular de

recursos e meios para o desempenho das missões depende de mecanismos de

visibilidade, que tampouco podem ser descurados. Tal situação já estava

configurada antes mesmo da publicação da Lei nº 12.527/2011, a qual aportou

novos desafios e oportunidades para a institucionalização da atividade de

inteligência em nível nacional.

Page 110: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

108

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inegável que a Lei de Acesso à Informação provocou impactos

significativos sobre a condução das atividades de inteligência no País, em seus

diferentes segmentos. Os órgãos e unidades de inteligência do Poder Executivo

Federal, sobre os quais dispomos de maior quantidade de dados, enfrentaram

dificuldades administrativas, devido, entre outros fatores, ao curto período de

adaptação (CALDERON, 2015). No decorrer do processo, tiveram que superar

incertezas e preocupações as mais variadas para adequar seus procedimentos às

novas regras.

A partir da revisão da literatura que empreendemos no capítulo 2, pudemos

verificar que os profissionais de inteligência logo expressaram a sua preocupação

quanto aos possíveis efeitos negativos da LAI em termos dos níveis de observância

dos princípios de segurança e oportunidade.

Na esfera da segurança, não conseguimos assinalar indícios da liberação

inadvertida de documentos que pudessem causar danos à segurança do Estado e

da sociedade. A instituição da desclassificação automática após o decurso do prazo

legal, a redução dos períodos máximos de classificação e a extinção do grau

“confidencial”, por obrigarem a uma reavaliação de grande massa documental nos

órgãos de inteligência, de fato podem ensejar falhas, com efeitos nefastos sobre as

condições de segurança do País.

Entretanto, ao efetuarmos o levantamento dos recursos apresentados contra

a negativa de acesso a informações sob custódia do GSI, observou-se o cuidado da

Controladoria-Geral da União em evitar a divulgação de documentos potencialmente

danosos, mesmo que seu prazo de classificação já tenha transcorrido integralmente.

Um exemplo é o Parecer nº 1008, de 17 de abril de 2015, no qual se

examina o caso de um pedido de acesso a documento classificado no grau

“reservado” aquando de sua produção em 2009, e que, passados mais de 5 anos, já

poderia estar disponível ao público.

O GSI, na condição de recorrido, argumentou que o deferimento da

solicitação colocaria em risco a segurança de autoridade e traria prejuízos às

relações diplomáticas do Brasil. Em sua apreciação do recurso, a CGU asseverou

que a desclassificação automática não pode ocorrer às expensas do interesse

público. De acordo com o parecer, se a divulgação for contraindicada, em razão de

Page 111: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

109

prejuízos à sociedade ou ao Estado, cabe ao órgão responsável pelas informações

efetuar a reclassificação em grau mais elevado (secreto ou ultrassecreto), mediante

a formalização de termo específico. A legitimidade da manutenção das informações

em reserva é, portanto, reconhecida pela instância recursal, porém determina-se ao

GSI que providencie a imediata reclassificação do documento, sob pena de

ocorrência de ilícito98.

No recurso citado, também estava em jogo a proteção do direito à vida, tal

como observado no próprio parecer. Nesse sentido, entendemos que a decisão

poderá servir de referência para situações nas quais haja a possibilidade de

identificação indireta de fontes humanas utilizadas por órgãos e unidades de

inteligência, um dos principais focos de preocupação de Mariana Calderon (2015, p.

88-94). Entretanto, seria necessário que as informações fossem submetidas à

classificação ou reclassificação nos níveis hierárquicos mais elevados da

Administração. Tal procedimento gera dificuldades em termos de gestão dos fluxos

informacionais, uma vez que o recurso a dados provenientes dessas fontes é

bastante frequente, tanto na inteligência policial quanto em outros segmentos da

atividade.

Está em causa aqui outro dos desafios colocados para a implementação da

LAI no âmbito da inteligência: a garantia da obediência ao princípio da

oportunidade99. Entre os autores consultados, aquele que se mostra mais

apreensivo quanto a eventuais retenções ou atrasos na tramitação de documentos é

Ely Marques Júnior (2013), ao analisar especificamente os fluxos do Sistema de

Inteligência do Exército (SIEx).

Como a presente monografia tem caráter ostensivo, é praticamente inviável

averiguar o nível de impacto das novas regras de acesso em termos do tempo

dispendido no processo de difusão de conhecimentos de inteligência. Pode-se

afirmar apenas que o Ministério da Defesa, em seus relatórios sobre a

implementação da LAI, não relacionou a questão da observância da oportunidade

entre os principais desafios enfrentados em 2012 e 2013. Há, porém, menção direta 98 O Parecer nº 1008/2015, que foi aprovado pelo Ouvidor-Geral da União, está disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/precedentes/PR/GSI-PR/00077000819201497.pdf>. Acesso em 22 jul. 2015.

99 Um dos mais importantes entre os que norteiam a atividade, este princípio estabelece que os conhecimentos devem ser produzidos e difundidos atendendo a prazos que permitam o seu pleno aproveitamento pelos decisores. Sobre os princípios que orientam a atividade de inteligência: GONÇALVES (2009, p. 95-100).

Page 112: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

110

a procedimentos de revisão de fluxos, visando à obtenção de padronização e maior

agilidade na gestão documental100.

Tampouco foi possível verificar se as regras introduzidas pela Lei nº

12.527/2011 ocasionam dificuldades adicionais para o intercâmbio de

conhecimentos entre os órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência

(SISBIN), ou mesmo se provocaram a retração de atividades operacionais. As duas

hipóteses haviam sido levantadas por Mariana Calderon, com base na premissa de

que a ampliação das condições de acesso tenderia a gerar insegurança entre os

profissionais de inteligência e o declínio da confiança interorganizacional

(CALDERON, 2015, p. 17).

Em termos institucionais, verificou-se que os principais porta-vozes do

SISBIN, o GSI e a ABIN, não trataram especificamente do tema em reuniões da

Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), um dos fóruns

mais adequados para a avaliação dos impactos da LAI no funcionamento do

Sistema.

Em audiência pública organizada pela CCAI em 14 de julho de 2015, com a

finalidade de avaliar as perspectivas de reforma da legislação brasileira de

inteligência, o representante da ABIN, Assessor Jurídico Edmar Furquim

Vasconcellos Junior, não incluiu as regras de acesso à informação produzida pelos

órgãos de inteligência entre as que deveriam ser aperfeiçoadas em eventual

reforma. Na verdade, na audiência a necessidade de revisão normativa em tal

âmbito foi tratada por Joanisval Gonçalves, Consultor Legislativo do Senado Federal

vinculado à CCAI, que sugeriu a aprovação de “legislação específica sobre acesso à

informação para a área de inteligência”101.

Parece-nos óbvio que a ausência de menção explícita à LAI por parte do

representante do ABIN não implica que o órgão considere as novas regras pouco

100 Embora trate-se de referência a iniciativas do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) para aperfeiçoar o funcionamento do Serviço de Informações ao Cidadão no âmbito do MD, é provável que medidas semelhantes tenham sido adotadas em outros segmentos, inclusive o de inteligência (BRASIL. Ministério da Defesa, 2014, p. 22).

101 As atas da audiência pública ainda não foram publicadas. A apresentação em Powerpoint utilizada por Edmar Furquim Vasconcellos Junior e as notas que serviram de suporte à explanação de Joanisval Gonçalves estão ambas disponíveis em: <http://legis.senado.leg.br/comissoes/reuniao?reuniao=3632&codcol=449>. Não há, entretanto, o material relativo à intervenção do terceiro participante da audiência, o presidente da Associação Internacional para Estudos de Segurança e Inteligência, procurador de Justiça Denílson Feitoza Pacheco.

Page 113: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

111

significativas ou mesmo irrelevantes para a atividade de inteligência estratégica. O

mais provável, em nossa opinião, é que apenas se tenha preferido subordinar a

questão a outras de maior abrangência, evitando-se, desta forma, desgastes

desnecessários junto à opinião pública.

Identificamos, como elementos que corroboram essa interpretação, duas

propostas apresentadas durante a audiência pública citada: a sugestão de que seja

definida como crime a “divulgação da identidade de profissional de inteligência”; e a

defesa da aprovação de norma que “assegure o sigilo de procedimentos em âmbito

processual”. Tais proposições, designadas como “ações necessárias” pelo

representante da ABIN, estão articuladas com uma Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) relativa à atividade de inteligência de Estado e com um projeto

de Lei Orgânica da Atividade de Inteligência, que estabeleceria as prerrogativas dos

profissionais da carreira e os limites para sua atuação102.

Observa-se, portanto, que a ABIN considera insuficiente ou pelo menos não

totalmente adequado o arcabouço jurídico que rege a atividade. Consequentemente,

propõe a sua reconfiguração, com os objetivos de delimitar de forma mais precisa as

áreas de atuação e de conferir maior segurança e respaldo a seus profissionais. A

reestruturação proposta pela Agência toma como premissa a ideia de que a

publicidade de seus atos e procedimentos deve ser mitigada, sob bases que não

correspondem inteiramente aos princípios e regras gerais introduzidos pela Lei nº

12.527/2011. Advoga-se, por exemplo, a revisão de dispositivos da Lei nº

8.666/1993, que estabelece normas sobre licitações e contratos públicos, visando à

ampliação do sigilo e à obtenção de maior agilidade nos processos de aquisição de

materiais e serviços de interesse para a atividade de inteligência (VASCONCELLOS

JUNIOR, 2015, sem paginação).

Na apresentação perante a CCAI, o representante da ABIN não se refere

diretamente ao impacto provocado pela Lei nº 12.527/2011 na execução da das

atividades do órgão, embora mencione a necessidade de ampla revisão de suas

102 Na exposição de VASCONCELLOS JUNIOR (2015), além das propostas de reforma no arcabouço jurídico, é apresentada uma tabela comparativa das prerrogativas legais de serviços de inteligência em doze países, entre os quais o Brasil. Entre os quatro critérios avaliados, encontramos um denominado “excludente de ilicitude/publicidade para ações de inteligência”. Embora este quesito não tenha sido definido no documento, parece evidente que também está em causa a admissão de regras mais restritivas de publicidade para os serviços de inteligência. Na comparação efetuada, apenas o Brasil e a Argentina não disporiam dessa prerrogativa. Os países citados na tabela são os seguintes, na ordem de sua apresentação: Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Canadá, Argentina, Rússia, Reino Unido, Chile, México, Peru e Brasil.

Page 114: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

112

prerrogativas legais. Ressalte-se que a apresentação foi efetuada em data posterior

à decisão da CGU de não reconhecer o sigilo autônomo para a ABIN.

Passando agora a tratar das oportunidades potencialmente geradas pela

publicação da LAI para o desenvolvimento da atividade de inteligência, nos

deparamos com um ambiente de maior clareza, pois as fontes ostensivas permitem

um balizamento mínimo para a análise, o que praticamente não ocorre quando o

foco são apenas os desafios a serem enfrentados.

Desde que compatível com as exigências de eficácia e com os

procedimentos de salvaguarda legalmente previstos, a ampliação das condições de

acesso à informação produzida no âmbito dos órgãos de inteligência certamente

favorecerá o reforço da legitimidade política da atividade. De fato, essa legitimidade

encontra-se sempre suscetível ao questionamento de setores da sociedade

especialmente preocupados com a possibilidade da retomada de práticas lesivas a

direitos fundamentais, tais como o emprego de técnicas operacionais intrusivas sem

o devido amparo legal.

A visibilidade obtida deverá redundar em menor receptividade a diagnósticos

que apontam para o “descontrole das atividades de inteligência e a progressiva

construção de um estado policial no Brasil”103. Também representa uma resposta

adequada, talvez a única possível, aos críticos que associam os serviços de

inteligência nacionais a uma “caixa-preta inviolável e invencível”, que persistiria em

seu desafio aos princípios constitucionais vigentes (SOARES, 2015, p. 376).

A implementação de um sistema eficaz de controle da sociedade sobre a

atuação dos órgãos de inteligência poderá, a exemplo do que ocorre em outros

países, nos quais tais procedimentos se encontram institucionalizados há mais

tempo, revelar eventuais erros, desvios ou deficiências, que tanto podem ser

originários do ambiente peculiar no qual se desenvolve a atividade, quanto

consequências de falhas de conduta ou de omissões de seus dirigentes e

servidores.

De qualquer modo, independentemente da prática ou não de

impropriedades, os mecanismos de visibilidade e responsabilização são

103 As palavras reproduzidas são de Marco Cepik, que considera tal concepção equivocada, argumentando que “mesmo com limites à plena institucionalização, pode-se dizer o Brasil encontra-se mais próximo de uma situação de ‘controle democrático’ do que de ‘estado policial’” (CEPIK, 2009, p. 6-7). Nesse sentido, a reestruturação da atividade de inteligência, a partir da edição da Lei nº 9.883/1999, teria sido relativamente bem-sucedida, apesar da ocorrência de escândalos e violações das regras democráticas (Ibidem, p. 14).

Page 115: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

113

indispensáveis para o estabelecimento e a consolidação de relações mínimas de

confiança entre os cidadãos e os órgãos criados para a sua proteção e a do Estado.

De fato, como afirmou com propriedade o cientista político Marco Cepik,

[...] se for verdade que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, então o poder secreto corrompe secretamente, e deve por isso ser cuidadosamente limitado e supervisionado (CEPIK, 2003, p. 186).

As características próprias dos órgãos de inteligência impõem limitações

expressivas e exigem esforços adicionais aos responsáveis pelas ações de controle

e supervisão. No entanto, a necessidade de adaptação dos mecanismos de

accountability aos diferentes ambientes organizacionais já é amplamente

reconhecida pelos estudiosos da administração pública. A socióloga chilena Nuria

Cunill Grau resume bem o problema, apoiando-se nos resultados das pesquisas de

Linda DeLeon e Robert Gregory:

Por fim, outra questão surge da consciência de que nem todas as agências desenvolvem tarefas que correspondem estritamente às de organizações de produção, cujos insumos e resultados podem ser – relativamente – observáveis. Existem, além disso, organizações nas quais a pressão exercida de fora por uma maior responsabilização pode afetar sua responsabilidade, no sentido de obrigação. O tipo de estrutura organizacional constituiria, portanto, uma variável a ser considerada ao se examinar que mecanismos de responsabilização é possível aplicar [...] e, portanto, como o controle social pode ser exercido (CUNILL GRAU, 2006, p. 277).

Entretanto, a adoção de soluções “contextuais” de accountability para os

órgãos de inteligência depende em grande medida da propensão dos interessados,

em especial das autoridades envolvidas, e de um número cada vez maior de

pesquisadores da área, para discutir tais tópicos de forma ampla e acessível na

esfera pública.

Afinal, a ausência de uma “cultura de Inteligência” no País não deve ser

simplesmente imputada a uma visão distorcida da atividade que ainda se mantém no

presente, ou aceita como fato inexorável, uma espécie de fruto amargo de um

“passado que não quer passar”. Em outras palavras, a ausência de uma “cultura de

inteligência” impõe responsabilidades ingentes e exige iniciativas imediatas. Não

pode servir como desculpa para a manutenção de estruturas e práticas obsoletas,

que não correspondem às necessidades de segurança do Estado e da sociedade.

Nesse sentido, a aprovação da Lei de Acesso à Informação gera uma

excepcional oportunidade para que o problema do dimensionamento adequado do

“poder invisível”, como o denomina Norberto Bobbio (1986), se torne mais frequente

nas discussões políticas brasileiras. De fato, tanto é preciso refletir sobre a

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114

capacidade de resposta dos serviços de inteligência às velhas e novas ameaças

quanto se faz necessária a discussão sobre as regras e fatores condicionantes que

irão garantir o respeito às liberdades dos cidadãos, bem como a oportuna

responsabilização dos agentes públicos que executam atividades protegidas pelo

segredo de Estado. Como afirma François Heisbourg (2012, p. 138), ao analisar o

contexto francês, diante das complexas demandas atuais por segurança e pela

manutenção e fortalecimento das instituições democráticas “há [...] uma verdadeira

urgência para desenvolver a interface do mundo do segredo com a sociedade e

seus dirigentes políticos”.

As controvérsias entre a Controladoria-Geral da União e o GSI sobre a

interpretação das leis que tratam da restrição de acesso às informações produzidas

no âmbito da inteligência adquirem, portanto, sentidos adicionais a partir deste

referencial. De um lado, a argumentação exposta nos pareceres dá aos cidadãos

maior conhecimento sobre os limites à publicidade estatal reconhecidos como

legítimos e aceitáveis em nosso ordenamento jurídico. Desse modo, os argumentos

aduzidos pelas partes, ainda que concorrentes, certamente contribuem para um

debate mais informado sobre os fundamentos legais do segredo de Estado. De outro

lado, o nível de divergência entre dois órgãos que integram a Presidência da

República e são também membros do Sistema Brasileiro de Inteligência pode

também ser percebido como indício de dificuldades de comunicação e integração

institucionais, com potenciais reflexos na coordenação de atividades conjuntas.

Seja qual fora perspectiva adotada, parece-nos apropriado e desejável que

as questões específicas sobre a aplicação dos novos mecanismos de transparência

à atividade de inteligência sejam discutidas de forma conjugada com iniciativas de

estreitamento das relações de cooperação e integração sistêmicas. Trata-se aqui de

evitar, na medida do possível, eventuais disputas interburocráticas e, ademais, de

favorecer a confiança mútua entre os órgãos de inteligência, que é essencial para o

desenvolvimento da atividade. Afinal, como lembra o especialista mexicano em

Direito Administrativo John Ackerman (2008, p. 12), “o acesso à informação

desarticulado de estratégias complementares pode ter o paradoxal resultado de criar

maior opacidade governamental”.

Embora boa parte dos fatos e situações abordados nesta pesquisa esteja

ainda em evolução, cremos ser possível apresentar algumas respostas provisórias

aos problemas propostos, as quais, evidentemente, estão sujeitas a amplas

Page 117: a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da

115

revisões, em virtude, por exemplo, do surgimento de novos dados, oriundos de

investigações de caráter mais abrangente. O trabalho que empreendemos nos levou

a conclusões que relacionamos abaixo, de forma um tanto esquemática, acreditando

que assim ampliaremos a clareza expositiva:

a) O processo de implementação da Lei de Acesso à Informação (LAI) no

segmento da Inteligência estratégica suscitou tensões e inquietudes, as quais

tiveram origem, entre outros fatores, em culturas organizacionais típicas de

órgãos que lidam cotidianamente com segredos de Estado e atuam em

ambientes antagônicos. Ademais, no caso brasileiro, o insulamento

burocrático dos órgãos de inteligência, especialmente intenso no recente

período autoritário, tende a potencializar as resistências quanto à aplicação

de novas regras de acesso que, em alguma medida, deixem de considerar as

peculiaridades de instituições onde o sigilo é a regra e não a exceção.

b) Ao se examinar a documentação relativa aos recursos apresentados por

cidadãos contra o indeferimento de solicitações de acesso, observou-se a

surgimento de divergências entre o Gabinete de Segurança Institucional (GSI)

e a Controladoria-Geral da União (CGU) quanto à interpretação das normas

jurídicas aplicáveis aos documentos produzidos pela Agência Brasileira de

Inteligência (ABIN). As controvérsias giraram em torno do reconhecimento da

existência de um sigilo autônomo, isto é, não submetido aos dispositivos da

LAI, para as atividades desempenhadas pela Agência.

c) Na esfera administrativa, a decisão da CGU de não atribuir à Lei nº

9.883/1999, norma que regula a atividade de inteligência no Poder Executivo

Federal, a capacidade de estabelecer condições especiais de acesso foi

considerada insatisfatória pela ABIN, uma vez que a Agência continua

envidando esforços junto ao Congresso Nacional no sentido de ampliar suas

prerrogativas legais, inclusive quanto ao sigilo da aquisição de materiais e

serviços.

d) As divergências entre os citados órgãos da Presidência da República tendem

a se refletir negativamente nos fluxos de dados e conhecimentos entre os

membros do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), uma vez que as

ambiguidades e lacunas da legislação sobre o sigilo governamental não

contribuem para o desenvolvimento dos vínculos de cooperação e integração.

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116

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APÊNDICE A

GLOSSÁRIO

ALGORITMO DE ESTADO – função matemática utilizada na cifração e na decifração, desenvolvido pelo Estado, para uso exclusivo em interesse do serviço de órgãos ou entidades do Poder Executivo federal (Decreto n° 7.845/12). CICLO VITAL DOS DOCUMENTOS – sucessivas fases por que passam os documentos de um arquivo, da sua produção à guarda permanente ou eliminação (DBTA). CIFRAÇÃO – ato de cifrar mediante uso de algoritmo simétrico ou assimétrico, com recurso criptográfico, para substituir sinais de linguagem clara por outros ininteligíveis por pessoas não autorizadas a conhecê-la (Decreto n° 7.845/12). COMPROMETIMENTO – perda de segurança resultante do acesso não autorizado (Decreto n° 7.845/12). CONHECIMENTO SENSÍVEL – todo conhecimento, sigiloso ou estratégico, cujo acesso não autorizado pode comprometer a consecução dos objetivos nacionais e resultar em prejuízos ao País, necessitando de medidas especiais de proteção (Portaria GSIPR nº 42/2009). CREDENCIAL DE SEGURANÇA – certificado que autoriza pessoa para o tratamento de informação classificada (Decreto n° 7.845/12). CREDENCIAMENTO DE SEGURANÇA – processo utilizado para habilitar órgão ou entidade pública ou privada, e para credenciar pessoa para o tratamento de informação classificada (Decreto n° 7.845/12). DECIFRAÇÃO – ato de decifrar mediante uso de algoritmo simétrico ou assimétrico, com recurso criptográfico, para reverter processo de cifração original (Decreto n° 7.845/12). DOCUMENTO – unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato (LAI). DOCUMENTO CONTROLADO – documento com informação classificada em qualquer grau de sigilo ou prevista na legislação como sigilosa que requer procedimentos adicionais de controle (Decreto n° 7.845/12). DOCUMENTO OSTENSIVO – documento sem qualquer restrição de acesso (DBTA). DOCUMENTO PREPARATÓRIO – documento formal utilizado como fundamento da tomada de decisão ou de ato administrativo, a exemplo de pareceres e notas técnicas (Decreto n° 7.724/12).

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GESTÃO DE DOCUMENTOS – conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente (Lei nº 8.159/91) GRAU DE SIGILO – gradação de sigilo atribuída a um documento em razão da natureza de seu conteúdo e com o objetivo de limitar sua divulgação a quem tenha necessidade de conhecê-lo (DBTA). INFORMAÇÃO – dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato (LAI). INFORMAÇÃO PESSOAL – informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável, relativa à intimidade, vida privada, honra e imagem (LAI). INFORMAÇÃO SIGILOSA – aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado (LAI). MARCAÇÃO – aposição de marca que indica o grau de sigilo da informação classificada (Decreto n° 7.845/12). RECURSO CRIPTOGRÁFICO – sistema, programa, processo, equipamento isolado ou em rede que utiliza algoritmo simétrico ou assimétrico para realizar cifração ou decifração (Decreto n° 7.845/12). TRANSPARÊNCIA ATIVA – divulgação por parte dos órgãos e entidades públicas, em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas (LAI e Decreto n° 7.724/12). TRANSPARÊNCIA PASSIVA – disponibilização de informações públicas em atendimento a demandas específicas de uma pessoa física ou jurídica (Perguntas Frequentes – CGU). TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO – conjunto de ações referentes à produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação ou controle da informação (LAI). TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO CLASSIFICADA – conjunto de ações referentes a produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação ou controle de informação classificada em qualquer grau de sigilo (Decreto n° 7.845/12).