a implementação da lei de acesso à informação no âmbito da
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JOSÉ ANTONIO TURNES GOMEZ
A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO NO ÂMBITO DA INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA:
OS POSICIONAMENTOS DA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU) E DO GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL (GSI)
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.
Orientador: Ten Cel/R1 Jaqueline Barradas.
Rio de Janeiro 2015
C2015 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
GOMEZ, José Antonio Turnes A implementação da Lei de Acesso à Informação no âmbito da
Inteligência Estratégica: os posicionamentos da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) / José Antonio Turnes Gomez. - Rio de Janeiro: ESG, 2015.
127 f.: il.
Orientador: Ten Cel/R1 Jaqueline Santos Barradas. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2015.
1. Lei de Acesso à Informação. 2. Inteligência estratégica. 3. Transparência administrativa. I.Título.
A Maria del Carmen, pela eterna
presença. A Thereza Christina e Tânia,
pelo apoio e carinho.
AGRADECIMENTOS
À Tenente-Coronel Jaqueline Santos Barradas, pela paciência, compreensão
e amabilidade, além da orientação segura e competente.
Aos membros do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, pela
disposição em compartilhar conhecimentos e experiências.
À equipe da Biblioteca General Cordeiro de Farias, que sempre me atendeu
com eficiência e cordialidade. Meus especiais agradecimentos à Professora Doutora
Maria Célia, à bibliotecária Andréia, à Sra. Silvana e aos estagiários Fernanda,
Jéssica, Nicole, Tiago e Yasmin.
Ao Comandante Knust, pela gentileza em resolver pendências burocráticas
no decorrer do processo seletivo e pelas preciosas informações sobre transporte.
Ao Coronel Heleno e à Tenente Carolina Kircove pela solidariedade e apoio
que tenho recebido desde o início do curso.
Aos companheiros de viagem no Marola IV, pela alegria e camaradagem ao
longo de todos esses meses.
Aos estagiários da turma “Destinos do Brasil” do Curso de Altos Estudos de
Política e Estratégia, pela troca de experiências e profícua convivência.
Ao Oficial de Inteligência Ariel Macedo de Mendonça, pelo incentivo e pelas
oportunas indicações bibliográficas.
Aos profissionais que na minha ausência tiveram de assumir tarefas que
normalmente me seriam designadas.
Em casa de caramujo até o sol encarde.
Manoel de Barros
El secreto, por lo demás, no vale lo que valen los caminos que me condujeron a él. Esos caminos hay que andarlos.
Jorge Luis Borges
RESUMO
A pesquisa aborda as oportunidades e os desafios gerados pela aprovação da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), na esfera da atividade de inteligência estratégica. Inicialmente, efetuamos uma breve recensão dos estudos que tratam dos impactos dos novos mecanismos de transparência sobre a atividade de inteligência. Em seguida, são analisados tanto o processo de elaboração quanto o contexto da aprovação da proposta que deu origem à LAI, com ênfase na dinâmica dos debates institucionais e nos dissensos entre os atores intervenientes. As inovações introduzidas pela Lei nº 12.527/2011 são examinadas sob a perspectiva da atividade de inteligência, de modo a identificar as necessidades de adaptação de seus peculiares fluxos informacionais e de revisão de procedimentos e rotinas. No processo de implementação da LAI, o foco recai sobre as controvérsias entre a Controladoria-Geral da União (CGU), encarregada de monitorar a execução das medidas de transparência no Poder Executivo, e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela coordenação da inteligência federal. O estudo conclui que as divergências entre os dois órgãos da Presidência da República quanto às condições de acesso de documentos elaborados pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) não só se originam de lacunas e ambiguidades da própria LAI, mas também expressam e aprofundam deficiências do processo de institucionalização da atividade de inteligência estratégica no País. As principais fontes de pesquisa são documentos administrativos, em particular pareceres e despachos da CGU, na sua condição de instância recursal em situações de negativa de acesso a informações públicas. Em termos teóricos, a análise recorre a conceitos desenvolvidos no estudo sociológico das relações entre organizações, tais como “autonomia” e “disputa interburocrática” (turf battle), nas acepções empregadas por James Q. Wilson. Palavras chave: Lei de Acesso à Informação. Inteligência Estratégica. Transparência
Administrativa.
ABSTRACT
This study seeks to analyze the opportunities and challenges created by the Brazilian Access to Information Act (LAI) within the framework of the activity of strategic intelligence. In the first chapter it is performed a brief review of Brazilian studies about the impacts of the new mechanisms of transparency on intelligence activity. The process of approval of the new rules is also considered, with an emphasis on the dynamics of institutional debates and dissents among the actors involved. The innovations introduced by the new rules are examined from the perspective of intelligence activities, in order to identify the needs of adaptation of their peculiar information streams and review procedures. In the implementation process, the focus is placed on controversies arising between the Office of the Comptroller General (CGU), agency that coordinates the measures of transparency in the Executive Branch, and the Cabinet of Institutional Security (GSI), an agency responsible for coordinating federal intelligence. The study concluded that the differences between the two bodies of the Presidency, with regard to conditions for access to documents drawn up by the Brazilian Intelligence Agency (ABIN), not only originate from gaps and ambiguities of the LAI itself, but express the shortcomings of the process of institutionalization of strategic intelligence activity in Brazil as well. Documents drawn up by the Administration itself are the main sources of this research, in particular legal analysis prepared by the CGU, in its condition of appellate instance in situations of denial of access to public information. In theoretical terms, the study uses concepts developed in the sociological study of the relationships between organizations, such as "autonomy" and “turf battle”, as used by James Q. Wilson. Keywords: Access to Information Act. Strategic intelligence. Transparency, Accountability
RESUMEN
El presente trabajo trata de analizar las oportunidades y desafíos generados por la Ley nº 12.527, de 18 de noviembre de 2011, conocida como Ley de Acceso a la información (LAI), en el marco de la actividad de inteligencia estratégica. Se presenta una revisión de los estudios brasileños que evalúan los impactos de nuevos mecanismos de transparencia sobre la actividad de inteligencia. También es examinado el trámite de la propuesta que dio origen a esa legislación, con énfasis en la dinámica de los debates institucionales y en el disenso entre los actores involucrados. Las innovaciones introducidas por la Ley nº 12.527/2011 son examinadas desde la perspectiva de la actividad de inteligencia, con la finalidad de identificar las necesidades de adaptación de sus peculiares flujos de información a las nuevas reglas. En el proceso de implementación de la LAI, son estudiadas las controversias entre la oficina de la Contraloría General (CGU), encargada de supervisar la aplicación de las medidas de transparencia en el Ejecutivo y el Gabinete de Seguridad Institucional (GSI), organismo responsable de coordinar la inteligencia federal en Brasil. El estudio concluye que las diferencias de interpretación entre los dos órganos de la Presidencia de la República con respecto a las condiciones de acceso a los documentos elaborados por la Agencia Brasileña de inteligencia (ABIN) no sólo proceden de lagunas y ambigüedades de la ley, sino expresan y profundizan las deficiencias del proceso de institucionalización de la actividad de inteligencia estratégica en el país. Las fuentes utilizadas en el estudio son documentos elaborados por la administración pública federal, especialmente opiniones técnicas y dictámenes emitidos por la CGU, en su condición de instancia de apelación en casos de denegación de acceso a la información pública. En términos teóricos, el análisis utiliza los conceptos de "autonomía" y "contienda entre burocracias” (turf battle), desarrollados por James Q. Wilson en el estudio sociológico de las relaciones interorganizacionales.
Palabras clave: Ley de Acceso a la Información. Inteligencia Estratégica. Transparencia administrativa.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Cronologia das ações de incentivo à transparência pública ............ 37
QUADRO 1 Graus de sigilo e prazos de classificação de informações ................. 65
QUADRO 2 Graus de classificação e respectivas autoridades classificadoras... 66
FIGURA 2 Instâncias recursais contra indeferimento de pedido de informações.... 69
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABIN Agência Brasileira de Inteligência
ABONG Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
ABRAJI Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
AJUFE Associação dos Juízes Federais do Brasil
ANJ Associação Nacional de Jornais
BID Base Industrial de Defesa
CAEPE Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia
CEPESC Centro de Pesquisas e Desenvolvimento para Segurança das Comunicações
CC Casa Civil da Presidência da República
CCAI Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência
CGU Controladoria-Geral da União
CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos
CMRI Comissão Mista de Reavaliação de Informações
CNV Comissão Nacional da Verdade
CPEAEx Curso de Política, Estratégia e Alta Administração Militar
CPGF Cartão de Pagamento do Governo Federal
CSIE Curso Superior de Inteligência Estratégica
DBTA Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística
DNISP Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública
DPF Departamento de Polícia Federal
DSIC Departamento de Segurança da Informação e Comunicações
EMCFA Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas
END Estratégia Nacional de Defesa
ESG Escola Superior de Guerra
e-SIC Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão
FAPERJ Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
FENAJ Federação Nacional dos Jornalistas
FOIA Freedom of Information Act
GSI Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República
INAI Instituto Nacional de Transparencia, Acceso a la Información y Protección de Datos Personales
IFAI Instituto Federal de Acceso a la Información Pública
LAI Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527/2011)
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000)
MD Ministério da Defesa
MRE Ministério de Relações Exteriores
NSC Núcleo de Segurança e Credenciamento
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OEA Organização dos Estados Americanos
OGP Open Government Partnership
PNI Política Nacional de Inteligência
PNPC Programa Nacional de Proteção do Conhecimento Sensível
RDI Relatório de Difusão Interna
RSAS Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos
SEDH Secretaria Especial de Direitos Humanos
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SIC Serviço de Informações ao Cidadão
SIEx Sistema de Inteligência do Exército
SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNI Serviço Nacional de Informações
STPC Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção
TCI Termo de Classificação de Informação
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................11
2 MARCO TEÓRICO E REVISÃO DA LITERATURA....................................18
2.1 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS ................................................................. 18
2.2 REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................22
3 LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LAI) ...................................................33
3.1 ANTECEDENTES E CONTEXTO DE APROVAÇÃO ................................. 35
3.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES E INOVAÇÕES.......................................... 50
4 CONTROVÉRSIAS ACERCA DO ACESSO A INFORMAÇÕES RELACIONADAS À ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA .....73
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................108
REFERÊNCIAS...........................................................................................116
APÊNDICE A – Glossário .........................................................................125
ANEXO B – Parecer CGU n° 695/2014..................................................... 127
11
1 INTRODUÇÃO
A Lei n° 12.527/2011, que ficou conhecida como Lei de Acesso à Informação
(LAI), e seus decretos de regulamentação introduziram procedimentos inovadores na
gestão informacional dos conhecimentos produzidos e custodiados pelos órgãos
responsáveis pela inteligência estratégica do País. A implementação dos
mecanismos de transparência preconizados nesse arcabouço jurídico constitui, em
princípio, um desafio significativo para uma atividade na qual tanto o sigilo quanto o
acesso condicionado à “necessidade de conhecer” são aspectos essenciais.
Em função do relativo desconhecimento, até mesmo na esfera do Poder
Executivo Federal, das peculiaridades dos fluxos informacionais adotados pelos
órgãos de inteligência estratégica, os quais se refletem em culturas organizacionais
relativamente fechadas, consideramos provável o surgimento de tensões no
processo de aplicação de mecanismos de acesso a informações a esse segmento
da Administração Pública brasileira. O histórico da introdução de normas
semelhantes em outros países onde o Estado Democrático de Direito foi restaurado
nas últimas décadas conferia, de acordo com a nossa avaliação, base suficiente
para a proposição desta hipótese.
Na esfera institucional, as tensões se expressariam em “disputas
interburocráticas” (turf battles), nas quais os principais órgãos e unidades
responsáveis pela produção e custódia de informações sigilosas procuram garantir,
frente às instituições de monitoramento e supervisão, um espaço mínimo de
autonomia diante dos novos procedimentos de acesso.
Entre as estratégias adotadas em outros contextos, é possível citar a defesa
de interpretações do ordenamento jurídico tidas como mais favoráveis à execução
segura e oportuna de suas missões, em geral desenvolvidas em ambientes
complexos e antagônicos. Ao mesmo tempo, os órgãos de inteligência esforçam-se
por adaptar as rotinas e processos tradicionais ao novo ordenamento, de forma a
obedecer ao princípio administrativo da legalidade e, portanto, dispor de níveis
adequados de legitimidade política. Recorrendo aqui aos conceitos empregados por
Marco Cepik (2003), os órgãos de inteligência buscariam reequilibrar as dinâmicas
de agilidade e transparência, por meio da reorganização de fluxos internos e do
reforço das políticas de afirmação de suas singularidades junto às demais estruturas
do aparelho de Estado.
12
No plano subjetivo, a tradicional aversão ao risco de expor dados sensíveis
que integra a cultura do profissional de inteligência, independentemente do vínculo
funcional e área de atuação, seria outro fator que poderia dificultar a implementação
de políticas que visem à ampliação da transparência administrativa.
Propusemo-nos assim, numa primeira etapa, a mapear a percepção do
impacto dos novos mecanismos de transparência entre os profissionais que atuam,
ou pelo menos atuaram até recentemente, na área de inteligência e se dispuseram a
escrever artigos, monografias ou livros sobre questões relacionadas à execução das
regras previstas na LAI. Assim, no segundo capítulo da monografia, após breve
exposição do marco teórico da investigação, efetuamos uma revisão da literatura
disponível sobre o assunto no Brasil.
O material coletado apresenta níveis de análise e condições de
aprofundamento bastante diferenciados, uma vez que consultamos tanto uma
dissertação de mestrado em direito quanto um pequeno artigo publicado em revista
especializada. Predominam no universo de autores os que lidam com a inteligência
em sua vertente policial, seja na dimensão investigativa ou no patamar propriamente
estratégico. No segmento de defesa, foi localizada apenas uma monografia
elaborada por um oficial do Exército.
Assim, não contamos com instrumentos que nos permitam avaliar em que
medida os posicionamentos expressos na literatura são de fato representativos das
concepções mais difundidas nas instituições de origem. Ante esta limitação
incontornável, o que nos interessou particularmente na análise dos textos foi, de um
lado, confirmar se a garantia do direito de acesso era valorizada enquanto elemento
de consolidação do regime democrático e de exercício da cidadania.
A partir de outra perspectiva, também tentamos verificar se os aspectos
peculiares da atividade de inteligência eram considerados relevantes para a
implementação dos novos mecanismos de transparência incluídos na Lei nº
12.527/2011, gerando desafios e oportunidades a serem levados em conta pelos
gestores das políticas públicas envolvidas.
Em seguida, no terceiro capítulo, empreendemos um estudo, tão abrangente
quanto possível, tendo em vista os limites impostos a este trabalho, da Lei nº
12.527/2011. Começamos pela análise de seus antecedentes normativos no campo
da transparência administrativa, tais como a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio
de 2005, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Deste modo,
13
pretendemos inserir o estudo da LAI em uma trajetória mais ampla, demonstrando
que a preocupação em reduzir a opacidade das atividades do Estado já havia
propiciado o surgimento de diversas iniciativas semelhantes no nível federal, embora
todas de menor amplitude e grau de inovação.
Posteriormente, nos ocupamos dos debates que deram origem à proposta
de regulamentar, de forma unitária e sistemática, o direito de acesso à informação
no âmbito da Administração Pública brasileira, permitindo assim o pleno exercício
desse direito fundamental, previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição
Federal. Procuramos analisar as discussões que acompanharam a elaboração do
projeto de lei no Executivo, bem como caracterizar o ambiente político de sua
tramitação no Congresso Nacional, sem esquecer a relevante mobilização de
organizações da sociedade civil que criaram o Fórum de Direito de Acesso a
Informações Públicas e tentaram conferir a maior abrangência possível ao texto
legal. Ademais, foram abordados os impactos do contexto internacional na
formulação das concepções de transparência dos atores sociais envolvidos e no
próprio ritmo de tramitação da proposta no Legislativo.
Neste percurso, também nos propusemos a averiguar se representantes da
atividade de inteligência chegaram a participar ativamente do debate e, em caso
positivo, identificar suas eventuais contribuições para o diálogo que então se
desenvolvia. Para tanto, consultamos as atas das reuniões do Conselho de
Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), órgão colegiado de caráter
consultivo vinculado à CGU e buscamos referências nas dissertações de Karina
Furtado Rodrigues (2013) e Fabiano Angélico (2012).
Após a apreciação dos antecedentes, dedicamo-nos, no mesmo capítulo, a
um estudo dos dispositivos da LAI. Uma vez que não era possível tratar de todos os
aspectos da lei, tentamos nos concentrar em suas cinco diretrizes, que
consideramos funcionarem como verdadeiros princípios norteadores, e nas
inovações de maiores desdobramentos para a atividade de inteligência. Sempre que
necessário, fizemos menção às regulamentações introduzidas pelo Decreto nº
7.724, de 16 de maio de 2012, e o Decreto nº 7.845, de 14 de novembro de 2012.
Mesmo porque existem ambiguidades e divergências pontuais entre a lei e suas
normas regulamentadoras.
No quarto capítulo, que constitui o núcleo da monografia, examinamos as
controvérsias relativas à implementação das novas regras de acesso no âmbito da
14
inteligência estratégica, em especial a divergência existente entre as interpretações
legais sustentadas, na esfera administrativa, por dois órgãos da Presidência da
República, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Gabinete de Segurança
Institucional (GSI).
Nessa seção, tentamos perseguir o objetivo principal da investigação, que é
o de analisar as concepções e os argumentos concorrentes utilizados pelas duas
instituições sobre a abrangência do acesso à informação pública e relacioná-los a
fatores e contextos que ultrapassam a mera discordância circunstancial, tais como
diferentes culturas organizacionais e regimes informacionais distintos. Esses
aspectos de maior amplitude foram tratados com base em referencial teórico que
será explicitado no segundo capítulo.
Na presente análise, partimos da premissa de que as manifestações da
CGU, que atua na condição de instância recursal e de órgão responsável por
centralizar o monitoramento das ações previstas na Lei nº 12.527/2011, são, em
grande medida, representativas das concepções de transparência atualmente
vigentes no Poder Executivo Federal. Nesse segmento, o protagonismo exercido
pela Controladoria se expressaria tanto na amplitude de suas competências na
execução das políticas públicas de acesso à informação, quanto na influência de
suas interpretações nas decisões tomadas por outros órgãos, em questões relativas
à transparência administrativa.
O GSI, por sua vez, é encarado aqui como o órgão de maior vulto quanto à
atividade de inteligência estratégica no âmbito do Executivo1. Afinal, tem a seu cargo
a coordenação da inteligência federal e em sua estrutura organizacional encontra-se
a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o órgão central do Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN), que foi instituído pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.
Assim, efetuamos uma pesquisa na base de dados que abriga as decisões
de recursos contra o indeferimento de pedidos de informação, com o intuito de
identificar, a partir da leitura dos pareceres, quais eram as deliberações que se
1 Em 5 de outubro de 2015, data posterior à entrega da versão final desta monografia para avaliação, foi publicada a Medida Provisória nº 696, de 2 de outubro de 2015, que reorganiza a Presidência da República e diversos ministérios. Esse ato extinguiu o Gabinete de Segurança Institucional, redistribuindo suas competências originais para duas novas estruturas, a Casa Militar e a Secretaria de Governo, ambas vinculadas diretamente à Presidência. A coordenação das atividades de inteligência federal e de segurança da informação ficou a cargo da Secretaria de Governo, órgão ao qual a ABIN ficou subordinada. A Medida Provisória está disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Mpv/mpv696.htm>. Acesso em: 15 out. 2015.
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originavam de posicionamentos divergentes sobre as condições de restrição de
acesso.
Ao final da consulta aos documentos em que a Controladoria apreciava as
decisões de indeferimento de acesso tomadas pelo GSI, optamos por centralizar a
análise num determinado parecer, que foi escolhido de acordo com a amplitude dos
argumentos em disputa, e tendo em conta as potenciais implicações da decisão para
o desenvolvimento da atividade de inteligência estratégica.
Desta forma, examinamos em detalhes as interpretações sustentadas ao
longo do Parecer CGU nº 695, de 14 de março de 2014, no qual a Controladoria
aprecia recurso administrativo interposto por uma cidadã cujo pedido de acesso a
gastos efetuados com cartões de pagamento do governo federal em poder da ABIN
havia sido indeferido pelo GSI em duas instâncias anteriores. Nossa análise procurou
enfocar o debate sobre os fundamentos legais de um sigilo autônomo que
resguardaria as atividades da ABIN das normas gerais de acesso.
O estudo da controvérsia não se restringe ao parecer citado. Efetuamos
também um levantamento acerca de sua repercussão entre os principais
doutrinadores. Nosso objetivo, ao proceder dessa forma, era verificar se havia
consenso entre os especialistas quanto ao rol de situações de sigilo que não se
encontram subordinadas às regras previstas na LAI.
A divergência de interpretação entre os dois órgãos da Presidência da
República foi estudada de modo a verificar se está relacionada a eventuais falhas no
processo de integração no âmbito do SISBIN, do qual tanto a Controladoria quanto a
ABIN e o GSI são membros. Assim, nos aventuramos a propor iniciativas que
pudessem gerar melhorias na interação sistêmica e no relacionamento com a
sociedade civil, dentro do mesmo espírito de estímulo à visibilidade e de
fortalecimento dos mecanismos de prestação de contas que norteia a LAI.
Nas considerações finais, que constituem o quinto capítulo, efetuamos uma
revisão de alguns dos aspectos mais relevantes tratados ao longo do trabalho, os
quais adquirem nova luz em virtude dos instrumentos analíticos aplicados. Em
particular, tentamos verificar se os desafios e oportunidades elencados pelos
pesquisadores que examinaram o impacto da Lei nº 12.527/2011 na atividade de
inteligência já podem ser confirmados com base no material ostensivo disponível,
decorridos pouco mais de três anos após a entrada em vigor da norma.
16
Como apêndice da monografia, incluímos um glossário contendo termos de
interesse para a compreensão dos procedimentos de acesso à informação. Nossa
intenção foi a de que o leitor pudesse esclarecer questões conceituais de forma
cômoda ao longo da leitura. Elaborado com base em definições normativas, o
glossário reproduz também verbetes do Dicionário Brasileiro de Terminologia
Arquivística (DBTA), organizado por uma equipe de pesquisadores do Arquivo
Nacional.
Deixamos de incorporar ao vocabulário termos que não encontrassem
definição específica na LAI, em seus decretos de regulamentação ou no DBTA,
mesmo que fossem de especial relevo. É o caso do conceito de “informação
pública”, por exemplo, cuja abrangência ainda é objeto de discussão entre os
doutrinadores.
Incluímos ainda como anexo desta monografia o Parecer CGU n° 695/2014,
no qual a Controladoria se pronuncia de forma contrária à hipótese de sigilo
autônomo para as atividades da ABIN. Dada a relevância dos argumentos
esgrimidos pelo GSI e pela CGU, julgamos de bom alvitre reproduzir o documento
na íntegra.
É importante ressaltar que ao longo da pesquisa recorremos tão somente a
documentos de caráter ostensivo, boa parte deles de caráter oficial. As principais
fontes da investigação foram pareceres e relatórios elaborados por órgãos do Poder
Executivo, tais como a CGU e o Ministério da Defesa. Infelizmente não pudemos
localizar relatórios ou outros documentos do GSI sobre o processo de
implementação da LAI. As atas do Conselho de Transparência Pública e Combate à
Corrupção (CTPCC) mostraram-se particularmente úteis para a identificação dos
pontos polêmicos sobre a formulação de políticas de acesso à informação pública na
esfera do Poder Executivo.
Ao analisarmos a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional,
consultamos os registros disponíveis no sítio oficial da internet, os pareceres
apresentados pelos relatores nas comissões da Câmara e do Senado e as principais
matérias veiculadas na imprensa. Uma ata da Comissão Mista de Controle das
Atividades de Inteligência (CCAI) serviu para que pudéssemos obter elementos
valiosos sobre o posicionamento do titular do GSI quanto aos critérios de
classificação dos documentos da ABIN.
17
Em razão dos prazos estabelecidos para a conclusão do trabalho, houve um
esforço especial para que a pesquisa bibliográfica fosse o mais abrangente possível.
A disponibilidade de um grande número de publicações sobre a Lei nº 12.527/2011
facilitou sobremaneira a compreensão dos aspectos mais complexos do texto legal.
Apesar de nosso interesse na leitura da doutrina que trata do direito de
acesso à informação, não tivemos a intenção de aprofundar a análise das questões
jurídicas abordadas na controvérsia entre a CGU e o GSI, até em razão de não
dispormos da formação necessária para abordar o tema de maneira minimamente
adequada e responsável.
Tampouco nos dispusemos a acompanhar os eventuais desdobramentos
das controvérsias sobre o acesso a informações de inteligência na esfera do Poder
Judiciário. Assim, neste trabalho serão tratados apenas os contenciosos no âmbito
administrativo, sem que haja menção à jurisprudência sobre o assunto.
Em função do enfoque qualitativo adotado na pesquisa, não tentamos
elaborar um panorama estatístico das solicitações de acesso a documentos
relacionados à atividade de inteligência produzidos ou custodiados pelo GSI ou por
outros órgãos do Poder Executivo. Entretanto, os dados de interesse estão
disponíveis no Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão (e-SIC), que é
gerenciado pela CGU. Mariana Calderon (2015, p. 103-118), por exemplo, já efetuou
levantamento das solicitações endereçadas ao Departamento de Polícia Federal
(DPF) nos três primeiros anos de vigência da LAI, embora sem discriminar aqueles
diretamente vinculados à área de inteligência.
Mesmo diante das sérias limitações desta pesquisa, esperamos que nossa
contribuição possa, de algum modo, favorecer o desenvolvimento do debate sobre
as condições de acesso à informação no âmbito da inteligência estratégica
brasileira. Se assim for, entendemos que nosso esforço terá sido plenamente
justificado.
18
2 MARCO TEÓRICO E REVISÃO DA LITERATURA
Na primeira seção deste capítulo procuramos explicitar as referências
conceituais que foram utilizadas como instrumento para orientar e direcionar a
pesquisa. Tendo em vista os objetivos propostos no programa de investigação,
consideramos relevantes elucidar questões teóricas relacionadas aos seguintes
aspectos: inteligência estratégica, disputas entre burocracias, insulamento
burocrático, cultura organizacional e fluxo informacional.
Na segunda parte do capítulo, elaboramos uma análise sucinta da literatura
disponível sobre os impactos da nova legislação sobre o acesso à informação no
âmbito da atividade de inteligência brasileira. Trata-se de uma tentativa de mapear a
percepção dos estudiosos, particularmente daqueles que também exercem a
atividade de inteligência, em relação aos novos mecanismos de transparência
introduzidos pela LAI.
2.1 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS
A expressão “inteligência estratégica”, ao contrário dos termos “inteligência”
e “contrainteligência”, não está definida em leis ou normas regulamentares, embora
seja amplamente utilizada tanto no ambiente da administração privada quanto na
esfera pública. Portanto, acreditamos que possa ser tratada como um conceito, no
sentido próprio.
A Escola Superior de Guerra (ESG), no segundo volume de seu Manual
Doutrinário, refere-se à “atividade de inteligência estratégica” como um “instrumento
de Estado para defesa das instituições e interesses nacionais” (ESG, 2014, p.95). A
atividade visa à obtenção de dados e à interpretação de situações relacionadas a
óbices “que venham impedir ou dificultar a conquista ou a manutenção dos Objetivos
Nacionais” (ESG, 2014, p.96). Neste sentido, está diretamente vinculada à
elaboração do planejamento governamental em todas as suas etapas e fases.
De fato, é típica da atividade de inteligência estratégica a produção de
conhecimentos de largo horizonte temporal, tais como estimativas, cenários
prospectivos, etc.
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O produto elaborado pelas unidades de inteligência estratégica, que servirá
para assessorar o processo decisório em seu mais alto nível, é denominado
“conhecimento de inteligência estratégica”, e é conceituado da seguinte forma:
[...] é a resultante da obtenção, análise, interpretação e disseminação de conhecimentos sobre as situações nacional e internacional, no que se refere ao Poder Nacional, aos Óbices, às suas Vulnerabilidades, às Possibilidades e outros aspectos correlatos, com possível projeção para o futuro (ESG, 2014, p. 96).
Para os fins desta monografia o conceito de inteligência estratégica
restringe-se à inteligência de Estado, não se confundindo, portanto, com os
conceitos utilizados no âmbito da inteligência competitiva, que lida basicamente com
empresas e outras instituições de caráter privado.
O conceito de “disputas entre burocracias”, por sua vez, tem origem nos
estudos de teoria organizacional norte-americanos e não é amplamente utilizado nas
ciências sociais brasileiras2. Com efeito, embora sejam relativamente numerosos os
trabalhos que reconhecem a existência de padrões diversificados de interação entre
Estado e sociedade3, as tensões e os eventuais conflitos que se desenvolvem no
interior do próprio aparelho estatal nem sempre são identificados e submetidos a
análise. Muitas vezes prevalece, ainda que de forma implícita, a concepção de que o
Estado pode ser considerado um ator unitário, apesar de seu elevado nível de
complexidade (FIGUEIREDO, 2010, p. 205).
Há no Brasil pesquisas que reconhecem a eclosão de divergências de
interesses, bem como a formulação de estratégias concorrentes por parte das
agências estatais. Entretanto, tais fenômenos são em larga medida explicados em
função da divisão constitucional dos Poderes e dos respectivos níveis e regimes de
representatividade frente à sociedade civil. As tensões apontadas com maior
frequência opõem o Poder Executivo ao Legislativo e, em outro patamar, os órgãos
de controle às demais estruturas burocráticas.
Para analisar o desenvolvimento de tensões entre órgãos que compõem a
Presidência da República e, portanto, integram o mesmo Poder do Estado, julgamos
adequado recorrer ao conceito de turf battle (disputa entre as burocracias por
2 Uma exceção é a pesquisa comparativa sobre os debates vinculados a iniciativas de reformulação dos sistemas de inteligência no Brasil e nos Estados Unidos elaborada por Ariel Mendonça (2010). Ver especialmente p. 28-40.
3 Nesse sentido, o modelo clássico é o elaborado por NUNES (1997), que apresenta quatro padrões ou “gramáticas” estruturantes das relações entre Estado e sociedade no Brasil: clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos.
20
espaço administrativo e político), que foi criado, na década de 1980, pelo cientista
social James Quinn Wilson.
Wilson critica correntes sociológicas, em geral inspiradas na teoria da
escolha racional, que atribuem às estruturas burocráticas um comportamento
“imperialista”, que se expressa em tentativas permanentes de ampliação de
orçamento, pessoal, prestígio e melhorias de remuneração. Esse comportamento
“natural” seria o principal responsável pela eclosão de rivalidades e tensões entre as
burocracias de Estado.
Para Wilson, ao contrário, o principal motor das tensões entre as burocracias
é o alcance e a manutenção de níveis desejáveis de “autonomia”, que é entendida
na acepção utilizada pelo sociólogo Philip Selznick: “condição de independência
suficiente para permitir a um grupo elaborar e manter uma identidade diferenciada”4.
O autor cita diversos exemplos de fricções entre instituições estatais em que o fator
em disputa era o grau de autonomia de cada um dos atores frente aos demais
(WILSON, 1989, p. 180-195).
Elevados graus de autonomia se traduziriam em apoio social, coesão
interna, competências institucionais coerentes e um sentido de missão amplamente
partilhado pelos funcionários. Assegurada a autonomia, a instituição estatal
procuraria melhorar suas condições de acesso a recursos ou ampliar sua área de
atuação (WILSON, 1989, p. 195).
De acordo com essa perspectiva, a cooperação entre burocracias, mesmo
quando não está em questão a distribuição de recursos ou de responsabilidades,
está sujeita a situações de tensão, pois existe a tendência de que as agências
governamentais percebam os acordos e compromissos como ameaças a sua
autonomia e atuem no sentido de preservá-la. Este quadro gera dificuldades
especiais quando cabe a uma agência o papel de regulamentar ou controlar outra
unidade integrante do aparelho de Estado (WILSON, 1989, p. 192).
Na concepção do autor, as disputas entre as burocracias são inevitáveis e,
em grande medida, insolúveis. A evolução no sentido da ampliação do número de
unidades administrativas do Estado, nem sempre acompanhada de atribuição
precisa de competências específicas, contribui para tornar o fenômeno ainda mais
complexo e disseminado (WILSON, 1989, p. 195).
4 SELZNICK, Philip. Leadership in administration. Evanston: Row, Peterson & CO, 1957, p. 121
(apud WILSON, 2000, p. 182).
21
Outro conceito desenvolvido pela teoria organizacional contemporânea, o de
“insulamento burocrático”, será empregado para elucidar as questões propostas em
nossa pesquisa. Nas palavras de Edson Nunes, trata-se do “processo de proteção
do núcleo técnico do Estado contra a interferência oriunda do público ou de outras
organizações intermediárias” (1997, p. 34). Esse movimento origina a redução da
influência das demandas da sociedade civil sobre as práticas das instituições
insuladas. Essas unidades procuram também se resguardar de pressões oriundas
de outros segmentos da burocracia estatal e dos procedimentos de controle externo.
Na visão de Nunes, existem variados graus de insulamento e os diferentes níveis
exercem influência “na estrutura, eficiência, capacidade de respostas e
responsabilidade das organizações” (ibidem). Admite-se que o movimento é
reversível, isto é, agências insuladas podem retomar ou estreitar seus vínculos com
o ambiente público em que estão inseridas.
O autor cita como exemplo de burocracia altamente insulada o Serviço
Nacional de Informações (SNI), órgão extinto em 1990. As atividades do SNI não
estavam sujeitas a controles sistemáticos por parte de outras unidades de governo.
O insulamento normalmente reforça e consolida os valores que compõem a cultura
organizacional de um determinado órgão.
O conceito de cultura organizacional difundiu-se a partir da década de 1980,
em virtude da aceitação internacional dos estudos desenvolvidos pelo psicólogo
social Edgard Schein. Essa modalidade de cultura consiste em um conjunto de
valores, crenças, pressupostos, normas e rituais, que é compartilhado por seus
membros e expresso em linguagem e formas de comunicação com características
particulares (CARVALHO, 2005, p. 17-32).
Representa também uma referência simbólica que modela as ações e as
estruturas de pensamento daqueles que a integram, conferindo-lhes uma identidade.
Mas nem todas as organizações, públicas ou privadas, desenvolvem uma cultura
singular. Há aquelas que simplesmente reproduzem os padrões culturais
predominantes em sua região ou no país (SROUR, 2005, p. 212-213).
Aspectos que caracterizam determinadas culturas organizacionais podem
sofrer alterações ou redirecionamentos como resultado de intervenções sistemáticas
levadas a cabo por dirigentes após a elaboração de diagnósticos específicos. Parte-
se da premissa de que as culturas são dinâmicas e reagem a estímulos do ambiente
com o qual interagem.
22
Entre as medidas utilizadas para reconfigurar a cultura organizacional de
uma determinada instituição podemos citar as interferências nos fluxos
informacionais (GARCIA; FADEL, 2010). Esses fluxos são canais constituídos “pela
circulação de informações que fluem de uma determinada origem, geralmente um
suporte/indivíduo, em sentido a um destino de armazenamento/processamento”
(GARCIA; FADEL, 2010, p. 219).
Aplicando o conceito ao caso concreto de nossa pesquisa, podemos dizer
que a promulgação da LAI representou uma ampla interferência nos fluxos
informacionais dos organismos de Estado, de forma a ampliar as condições de
acesso à informação pública, estabelecendo mecanismos padronizados de
transparência no âmbito federal.
O ritmo e a efetividade dessa reorganização dos fluxos informacionais
sofrem a influência de fatores que compõem a cultura organizacional das unidades
onde é aplicada, além das naturais limitações de ordem material.
Nesse sentido, consideramos pertinente a observação do antropólogo
Roberto DaMatta, ao se referir ao processo de implementação da gestão da ética
por parte do governo federal:
As novidades institucionais e políticas (sejam elas novas regras, agências administrativas ou planos governamentais) não caem num vazio institucional, mas em cadinhos sociais repletos de normas, princípios, mandamentos e relações (DAMATTA, 2002, p. 42-43).
2.2 REVISÃO DA LITERATURA
Nesta seção apresentamos os resultados de um levantamento dos textos
científicos que procuraram dimensionar o impacto da LAI na atividade de
inteligência. Nossa intenção consiste em estabelecer um referencial de pesquisa
com a máxima amplitude possível, por meio do mapeamento dos principais
interesses e preocupações daqueles que atualmente investigam o tema.
Ao final do levantamento foram identificados cinco estudos, dos quais dois
estão publicados em versão impressa e os demais encontram-se disponíveis em
repositórios institucionais na Internet. Observou-se que os autores, policiais federais
e um militar do Exército, desenvolveram as investigações com base em suas
respectivas experiências profissionais, o que confere especial relevância às
conclusões obtidas.
23
Levando-se em conta o período relativamente curto desde que a LAI entrou
em vigor, pouco mais de três anos, consideramos o número de trabalhos produzidos
bastante significativo, especialmente tendo em vista o reduzido interesse no meio
acadêmico brasileiro pelos temas de inteligência. Apresentaremos a seguir breves
recensões críticas de cada um dos estudos. Sempre que possível serão
estabelecidas comparações entre as perspectivas de análise, de modo a configurar
os interesses comuns aos investigadores.
O primeiro estudo é o artigo intitulado “A promulgação da Lei de Acesso à
Informação (LAI) e seus reflexos para a Atividade de Inteligência no âmbito do
Exército Brasileiro”, que foi apresentado em 2013 à Escola de Comando e Estado-
Maior do Exército (ECEME) como um dos requisitos para a conclusão do Curso de
Política, Estratégia e Alta Administração Militar (CPEAEx).
O autor do texto, Coronel Ely de Souza Marques Júnior, se propõe a verificar
se as inovações introduzidas pela LAI geram impactos negativos nos processos e
rotinas de tramitação dos documentos classificados e na condução da atividade de
inteligência no âmbito do Exército (MARQUES JÚNIOR, 2013, p.3).
O Coronel avalia que a concentração da competência para a classificação
de documentos nos graus “secreto” e “ultrassecreto” nos mais elevados níveis
hierárquicos, uma das regras introduzidas pela nova legislação, tende a
comprometer os princípios doutrinários da oportunidade e da segurança. A
observância de tais princípios é indispensável para a adequada execução da
atividade de inteligência em suas diferentes modalidades.
Para o autor, as inovações da LAI implicam a adoção de ciclos de tramitação
documental mais lentos, devido à quantidade adicional de etapas a serem seguidas
até a atribuição do grau de sigilo por parte do Comandante do Exército (MARQUES
JÚNIOR, 2013, p. 3). A maior complexidade das rotinas de tramitação criaria
condições favoráveis para a ocorrência de eventuais acessos não autorizados a
conteúdos sigilosos, além de afetar a fluidez do processo decisório, em detrimento
da eficácia e eficiência do assessoramento prestado.
O artigo menciona a necessidade da imediata revisão das normas que
regulam a atividade de inteligência no âmbito do Exército, com o seguinte objetivo:
[...] para que possam ser alinhadas com os novos conceitos estabelecidos, como mudanças dos graus de sigilo, tipos de credenciais de segurança e adequação dos modelos de documentos utilizados que os manuais contemplavam (MARQUES JÚNIOR, 2013, p. 11).
24
Essas normas revistas e atualizadas, já com o devido amparo no
ordenamento jurídico vigente, seriam aplicadas ao conjunto de órgãos que integram
o Sistema de Inteligência do Exército (SiEx)5. O autor julga, portanto, que a LAI gera
amplos desdobramentos para inteligência da força terrestre, trazendo novos desafios
para a manutenção e ampliação dos níveis de excelência já alcançados. A
perspectiva escolhida visa minimizar os efeitos negativos sobre a sistemática de
produção existente. Não há a preocupação de identificar oportunidades de melhoria
eventualmente proporcionadas pela lei e seus regulamentos.
Outro artigo de interesse identificado em nossa pesquisa foi originalmente
elaborado em 2012 pelo Delegado da Polícia Federal Jorvel Eduardo Veronese, de
forma a atender às exigências do Curso Superior de Inteligência Estratégica (CSIE)
da Escola Superior de Guerra (ESG). O texto foi publicado no ano seguinte na
Revista Brasileira de Inteligência, periódico editado pela Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN).
A análise trata dos impactos da LAI para a atividade de inteligência policial
no nível federal.6 Já no início de sua exposição, o autor ressalta a importância dos
valores e tradições presentes na cultura organizacional como fator de influência nas
condições de recepção das novas condições de acesso à informação:
O primeiro impacto, ao se tomar contato com a Lei de Acesso à Informação Pública e seu respectivo Regulamento, é fortemente negativo. Um órgão que possui a missão precípua de combater a criminalidade, e que no cumprimento desse múnus público utiliza-se do sigilo como elemento crucial na obtenção do resultado almejado, não fica confortável ao ser confrontado com uma legislação considerada exageradamente permissiva (VERONESE, 2013, p. 52-53).
O delegado afirma que as resistências e inquietudes reveladas pelos
profissionais que se dedicam à atividade de inteligência nas unidades do
Departamento de Polícia Federal (DPF) são naturais e esperados, dada a missão do
órgão. Entretanto, ele não compartilha do ceticismo inicial em relação aos benefícios
introduzidos pela LAI.
A ampliação do direito de acesso representaria uma oportunidade para a
revisão dos métodos de trabalho das unidades de inteligência, com reflexos positivos
na qualidade do produto final. Outro aspecto positivo apontado por Veronese é o
5 Para uma descrição sucinta da estrutura do Sistema de Inteligência do Exército, ver MENDONÇA, 2010, p. 67-69. 6 O título do artigo é “Lei de Acesso à Informação e os reflexos sobre a produção de inteligência na
Polícia Federal”.
25
estímulo que as informações obtidas por meio da LAI podem representar para o
aperfeiçoamento da “produção teórica e científica” sobre a atividade de inteligência
policial. Essa produção científica qualificada favoreceria, por sua vez, a tomada de
decisões equilibradas e conscienciosas quanto à autorização de acesso a
documentos sensíveis (VERONESE, 2013, p. 55).
Segundo o delegado, uma vez que a Diretoria de Inteligência Policial (DIP),
unidade responsável por “dirigir, planejar, coordenar, controlar, avaliar e orientar as
atividades de inteligência no âmbito da Polícia Federal”7, segue integralmente os
preceitos doutrinários e legais no que refere a gestão da produção de
conhecimentos, as eventuais restrições de acesso seriam plenamente justificáveis e
adequadas. No âmbito da DIP, as classificações de sigilo são efetuadas de forma
criteriosa e se aplicam somente a informações que de fato merecem ser
preservadas.
Na conclusão do artigo, Veronese adota perspectiva de análise mais ampla,
destacando que a LAI presta diversos serviços relevantes à Nação e ao Estado. Ao
tornar a transparência “algo tangível”, cria condições para a participação mais efetiva
dos cidadãos nas atividades políticas. Amplia também os instrumentos de controle
do Estado por parte da sociedade, dificultando o emprego indevido de meios e
recursos por parte dos agentes públicos.
Para a atividade de Inteligência, haveria resultados positivos não só para o
segmento de segurança pública, mas para o conjunto do Sistema de Inteligência8,
“protegendo órgãos e instituições que possuem o domínio e exercem o processo em
sua plenitude acadêmica e profissional” (VERONESE, 2013, p. 56). O impacto
negativo estaria restrito àquelas unidades que não produzem inteligência “autêntica”
recorrendo ao termo apenas em função de um “certo modismo”.
Ainda no campo das investigações sobre os impactos da LAI no ambiente
da inteligência, podemos citar um texto coletivo de dois agentes e um papiloscopista
da Polícia Federal: Rodrigo Gesteira, Vladimir de Paula Brito e Rodrigo Maciel. O
artigo, que integra livro dedicado ao processo de construção social do acesso à
informação no Brasil, foi publicado em 2014.
7 De acordo com o artigo 15 do Regimento Interno do Departamento de Polícia Federal, aprovado por
meio da Portaria nº 2.877, de 30 de dezembro de 2011.
8 Não há clareza se o autor faz menção aqui ao Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), cuja
composição encontra-se definida no Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002, ou se a referência é mais geral e inclui ainda os órgãos de inteligência estaduais.
26
No texto, intitulado “Inteligência policial e acesso à informação”, os autores
revelam especial preocupação quanto às condições de armazenamento das
informações coletadas em decorrência de ações policiais. Assinalam que inexiste
regulação sobre a guarda desse material, lacuna que dificultaria a recuperação e
acesso dos registros. Afirmam ainda que “a prática mostra que no âmbito das
unidades policiais não ocorre um armazenamento sistemático dos dados referentes
às operações policiais já realizadas” (GESTEIRA; BRITO; MACIEL, 2014, p. 230).
Essa deficiência normativa e o consequente arquivamento assistemático da
documentação contribuiriam para restringir as condições de exercício do direito de
acesso por parte dos cidadãos, quando devidamente autorizados; e, ainda, para
dificultar ou inviabilizar o compartilhamento dessas informações com outros órgãos
que atuam no segmento de inteligência. Assim, a ausência de regras sobre a
custódia e o compartilhamento do material coletado nas operações policiais impede
que suas frações significativas venham a ser integradas em conhecimentos
estratégicos de relevo para o País.
De fato, a correção da omissão é encarada como prioritária para os
interesses nacionais:
O debate sobre o tema precisa ser iniciado, a rápida mudança na condição do Brasil no contexto internacional o coloca em posição que aumenta sua vulnerabilidade. Novas ameaças se tornam plausíveis de ocorrer em tempos de grandes eventos e de um maior peso da diplomacia brasileira em situações de conflito global (GESTEIRA; BRITO, MACIEL, 2014, 231).
Para os autores, a sociedade brasileira deveria rever os preconceitos ainda
bastante difundidos quanto ao desenvolvimento da atividade de inteligência,
admitindo a possibilidade de apoiar a aprovação de leis criteriosas que a tornem
mais efetiva. A ampliação do campo de atuação da inteligência implicaria a
relativização de certos direitos do cidadão, fato que seria compensado por melhorias
compatíveis nas condições de segurança pública.
Diante do vácuo legislativo, a opção de simplesmente não enfrentar o
problema deixaria a cargo dos profissionais de inteligência toda a responsabilidade
de decidir sobre as condições de troca de informações relativas a organizações
criminosas, dando origem a situações de informalidade e à insegurança dos
indivíduos quanto ao respeito aos direitos de privacidade.
Gesteira, Brito e Maciel (2014) ponderam que a LAI apresenta elementos
que contribuem para fomentar a difusão de uma cultura de respeito ao direito de
27
informação entre os profissionais de inteligência e demais servidores públicos.
Ressaltam, porém, que é necessário avançar no sentido de preencher lacunas na
esfera normativa que prejudicam o exercício desse direito. Suprir as falhas
identificadas no ordenamento jurídico permitiriam conferir à inteligência policial uma
dimensão estratégica, da qual ela carece atualmente.
O resumo do artigo, apesar de seu caráter breve e esquemático, permite
verificar que os autores atribuem ao debate sobre os efeitos da LAI a capacidade de
colocar novamente em pauta outras questões de caráter estratégico. Entre as quais
o dimensionamento mais adequado para a atividade de inteligência policial e as
formas que deve assumir a interação entre os órgãos que compõem o Sistema
Brasileiro de Inteligência (SISBIN).
Trataremos a seguir da dissertação de Mestrado em Direito do Delegado de
Polícia Federal Disney Rosseti, que foi apresentada ao Centro Universitário de
Brasília em 2012, no mesmo ano, portanto, em que a LAI entrou em vigor.9
Comparada aos trabalhos anteriormente citados, o escopo da investigação é bem
mais amplo, pois abrange tanto a inteligência de Estado quanto a inteligência
policial.
Disney Rosseti (2012) afirma que, independentemente do segmento de
atuação, o sigilo é crucial para a inteligência, uma vez que seu comprometimento
impede que sejam alcançados os resultados esperados. A reserva adotada deriva
dos próprios temas e ambientes em que a atividade é praticada, bem como dos
meios e expedientes utilizados para a busca dos dados de interesse.
Consequentemente, o sigilo não decorre de uma escolha dos profissionais
envolvidos, ele na verdade é essencial para a segurança e eficácia das ações
empreendidas. Pode-se afirmar que, na atividade de inteligência, o sigilo não se
coloca como uma opção, pois constitui um “pressuposto essencial desta atividade,
sendo assim indispensável e próprio aos seus atos” (ROSSETI, 2012, p. 7). Em
outras palavras, no âmbito da inteligência o sigilo é a regra, enquanto a publicidade
é a exceção, ao contrário do que ocorre nas demais burocracias do Estado.
Esta constatação introduz um aparente conflito entre os princípios e valores
expressos na LAI e as premissas que orientam a atividade de inteligência. Para
Rosseti (2012), essa tensão é natural e inescapável no Estado Democrático de
9 O título da dissertação é “As atividades de inteligência de Estado e de polícia e a Lei de Acesso à
Informação”.
28
Direito. Se desejarmos equacioná-la, é preciso recorrer, tanto quanto possível, a
regras procedimentais que levem em consideração a razoabilidade e a
proporcionalidade dos interesses públicos e individuais em confronto. O autor
reconhece que essa ponderação não é simples. Com efeito, na prática nem sempre
é possível eliminar as divergências de interpretação na esfera administrativa, o que
gera recursos ao Poder Judiciário (ROSSETI, 2012, p. 120).
A tensão assinalada por Rosseti, comum aos Estados democráticos,
reveste-se de contornos especiais no Brasil, onde a legislação relativa à atividade de
inteligência carece de aperfeiçoamentos que eliminem a excessiva generalidade de
competências e a insuficiência dos mecanismos de controle. Nessas condições, ele
propõe que as normas que regem a atividade sejam “redesenhadas”, de forma a
torná-las mais compatíveis com o Estado de Direito.
O autor reconhece os avanços trazidos pela LAI para a consolidação da
democracia no País, mas também a considera imperfeita e merecedora de revisões.
Entre outros motivos, por não diferenciar suficientemente as “questões corriqueiras e
diárias da máquina estatal” dos problemas de vulto tratados pela inteligência de
Estado e policial (ROSSETI, 2012, p. 8). O autor advoga que o acesso às
informações produzidas ou custodiadas pelos órgãos de inteligência deveriam ser
tratadas em legislação específica, na qual suas características peculiares seriam
adequadamente levadas em consideração.
Rosseti (2012) assevera que a LAI, apesar de suas limitações e
impropriedades, poderia desempenhar o papel de “importante ferramenta” de
controle da atividade de inteligência por parte dos cidadãos. Nesta avaliação, o autor
mostra-se um tanto otimista, particularmente se observarmos as situações
verificadas em países democráticos, com longo histórico de reconhecimento do
direito de acesso à informação, e onde as normas que regem a atividade de
inteligência são mais precisas e discriminadas que as brasileiras.
A última obra a compor este pequeno “estado da arte” é o livro da Delegada
de Polícia Federal Mariana Paranhos Calderon, editado em 2015 com prefácio de
Disney Rosseti. Intitulado “Lei de Acesso à Informação e seu impacto na atividade
de inteligência”, trata-se da publicação que discute a temática de forma bastante
abrangente, por aliar um estudo jurídico aprofundado da LAI e de seus decretos de
regulamentação à análise dos processos de implementação dessas normas no
espaço da inteligência da Polícia Federal.
29
A exemplo de Veronese, a autora reconhece que a aprovação da lei suscitou
um sentimento de “inquietude” entre os profissionais de inteligência, inclusive os
policiais federais (CALDERON, 2015, p. XI). Essa preocupação foi acrescida pelo
reduzido prazo definido para a entrada em vigor da norma após sua publicação:
exíguos 180 dias10.
Para Calderon (2015), esta situação, um tanto inusitada, será compreendida
se relacionarmos a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei
de Acesso à Informação, a outra norma publicada na mesma data: a Lei nº 12.528,
que cria a Comissão Nacional da Verdade (CNV) no âmbito da Casa Civil da
Presidência da República. Seguindo os passos de Márcio Tadeu Guimarães Nunes
(2013), a autora professa a ideia de que o objetivo precípuo da aprovação da LAI foi
o de afiançar o sucesso dos trabalhos da Comissão.
De fato, conforme preceituam os artigos 21 e 22 da LAI, é garantido o
acesso aos registros sobre violações de direitos humanos, o qual também se aplica
aos documentos classificados ou protegidos por sigilos legais (segredo de justiça,
segredo industrial, etc.).
Calderon (2015) afirma que o esclarecimento e a reparação de crimes contra
a humanidade praticados durante o período militar constituem o principal escopo da
LAI. Para reforçar seu argumento, cita o discurso proferido pela Presidente da
República na cerimônia de sanção dos projetos das duas leis11:
O sigilo não oferecerá, nunca mais, guarida ao desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Esta é uma importante conexão, uma conexão decisiva com a lei que cria a Comissão da Verdade. Uma não existe sem a outra, uma é pré-requisito para a outra, e isso lançará luzes sobre períodos da nossa história que a sociedade precisa e deve conhecer (ROUSSEF, 2011).
Observa-se, portanto, que a Lei nº 12.527/11 surge para, entre outras
funções, subsidiar a recuperação da memória de um período conflitivo da história
brasileira. Um período de exceção no qual os órgãos de inteligência, a exemplo de
outras instituições estatais, foram utilizados como instrumentos de repressão de
opositores e de sustentação do regime, fato que contribuiu para sua posterior
estigmatização.
10 Robert Gregory Michener, cientista canadense que estudou a implementação do acesso à
informação na América Latina, denominou o processo no Brasil de “tratamento de choque” (MICHENER, 2012). 11 No livro de Calderon a citação é bem mais extensa (p. 15-16). Reproduziu-se aqui apenas o trecho
considerado suficiente para aquilatar a fundamentação do argumento da autora.
30
Independentemente do escopo pretendido para a LAI, a autora avalia que a
norma exerce também funções que a credenciam como instrumento de
concretização de valores democráticos, ao favorecer a participação dos cidadãos na
vida política e a prestação de contas das instituições públicas. No presente contexto
de valorização social da transparência, a defesa do sigilo em atividades estatais
necessita do respaldo de princípios sólidos e compatíveis com a democracia
(CALDERON, 2015, p. XII).
Nessas condições, é necessário deixar claro que a divulgação, ainda que
involuntária, de segredos de Estado, um dos possíveis efeitos de falhas na aplicação
do direito de acesso à informação, pode comprometer o exercício de outros direitos
fundamentais, assim como a paz social. A autora ressalta que todas as legislações
dos países que admitem acesso amplo à informação pública também resguardam os
segredos governamentais, especialmente em atividades relacionadas à diplomacia,
decisões de planejamento estratégico e atividade de inteligência. Desse modo, o
dever de tornar acessível a informação de caráter público não exime o Estado do
dever, igualmente meritório, de salvaguardar a informação cuja divulgação indevida
represente ameaça ao próprio Estado ou à sociedade.
Mas os órgãos de inteligência, ao mesmo tempo que salvaguardam
conhecimentos sensíveis, também os compartilham com seus congêneres no âmbito
de sistemas regulados, em que a necessidade de conhecer, a confiança mútua e as
restrições normativas determinam a amplitude e as condições a serem cumpridas
por ocasião da troca de informações. Calderon prevê que esse intercâmbio sofrerá o
impacto negativo das prescrições da LAI, gerando precauções adicionais ou mesmo
negativas de acesso a órgãos parceiros. As operações de inteligência também
seriam afetadas, em função do risco de que sejam tornadas públicas as técnicas e
os meios de obtenção dos dados negados (CALDERON, 2015, p. 17).
Um rápido balanço da literatura submetida a exame neste capítulo permite
apontar alguns aspectos de interesse para o presente estudo. Em primeiro lugar,
observa-se que há autores, como Ely Marques Júnior e Mariana Calderon, que
atentam para os impactos reais ou potenciais da LAI sobre os fluxos de informação
dos órgãos de inteligência, mesmo tomando como referência horizontes profissionais
bastante diferenciados. Se o militar do Exército circunscreve o seu enfoque à
tramitação na esfera do SIEx, a policial federal segue os desdobramentos até o
plano sistêmico, chamando a atenção para o possível déficit de intercâmbio no nível
31
das instituições parceiras em função do comprometimento dos níveis de confiança
mútua.
Entretanto, há os que não vislumbram impactos significativos em sua área
de atuação. É aparentemente o caso do delegado Jorvel Veronese. Ele acredita que
tanto o sistema quanto os processos e produtos de inteligência da Polícia Federal
são compatíveis com os preceitos de restrição de acesso previstos na LAI. Portanto,
não estariam sujeitos, em princípio, a situações de exposição indevida. O autor não
faz distinção entre os documentos de valor probatório e investigativo, oriundos da
atividade policial, e os demais documentos produzidos no âmbito das unidades de
inteligência. O acesso aos primeiros não é regido pela Lei nº 12.527/11 e sim pelo
Código de Processo Penal, uma vez que são incorporados a inquéritos policiais.
A eclosão de controvérsias entre órgãos de Estado provocadas por
entendimentos diferenciados quanto ao campo de aplicação da LAI é abordada por
Calderon. Segundo a autora, a Controladoria-Geral da União (CGU), na sua
condição de instância recursal, tem procurado ampliar os casos de aplicação da
norma, por meio de interpretações que reduzem o alcance das exceções previstas.
Esta situação dispõe de capacidade para gerar tensões entre o órgão de controle e
outras unidades governamentais que, apoiadas em dispositivos da LAI, procuram
preservar o sigilo de suas informações. Calderon relaciona o posicionamento da
CGU ao contexto político e ideológico em que a norma de direito de acesso foi
gestada (CALDERON, 2015, p. 93).
As críticas à legislação sobre a atividade de inteligência no País são
frequentes entre os estudiosos e, pelo menos no caso de Rosseti, de caráter
contundente. Para o autor, a Lei nº 9.883/1999, que institui o SISBIN e cria a ABIN, é
uma regulamentação “pífia” da atividade de inteligência de Estado, praticamente
comprometendo sua eficácia e identidade (ROSSETI, 2012, p. 24-25). São
apresentadas “lacunas graves” na definição das competências da ABIN. Entretanto,
não é mencionado o papel atribuído ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI),
órgão responsável pela coordenação das atividades de inteligência federal12.
Gesteira, Brito e Maciel também identificam falhas e omissões na legislação
de inteligência que favoreceriam a incidência de informalidade no intercâmbio e
armazenamento de documentos sigilosos. Chegam a propor “certa relativização de
12 Verificar texto da nota de rodapé da página 14 desta monografia.
32
direitos dos cidadãos”, que seria compensada por “um maior direito à segurança e
de participação política através do acesso às informações” (GESTEIRA; BRITO;
MACIEL, 2014, p. 231).
Os textos coletados parecem indicar que há uma boa aceitação entre os
estudiosos quanto aos avanços introduzidos pela LAI no ordenamento jurídico
nacional. De uma forma geral, os autores reconhecem que garantir o direito de
acesso à informação é fundamental para o fortalecimento dos regimes democráticos.
Apenas o texto de Ely Marques Júnior deixa de lado o debate sobre os impactos da
norma para o exercício da cidadania. Esta opção deve ser entendida com base no
escopo do artigo, que se concentra em propor medidas para garantir a segurança e
a fluidez na tramitação dos documentos classificados no âmbito do Exército.
No próximo capítulo, será efetuado um estudo da Lei nº 12.527/11 e, sempre
que necessário, de seus decretos de regulamentação, com o intuito de dimensionar
a amplitude das alterações efetuadas nas condições de acesso à informação pública
e na salvaguarda de conhecimentos sensíveis.
33
3 A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO
O direito de acesso a informações públicas está expressamente referido em
diversos dispositivos da Constituição Federal (CF) de 1988, dos quais o de caráter
mais específico é o inciso XXXIII do artigo 5º:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Nessa mesma direção, o caput do artigo 37 da Constituição inclui a
publicidade entre os princípios que regem a administração pública. A Emenda
Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que foi aprovada no contexto de ampla
reforma administrativa do Estado, introduziu alterações no parágrafo 3º do artigo
citado, conferindo-lhe a seguinte redação:
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (grifo nosso)
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.
Por fim, pode-se mencionar o parágrafo segundo do artigo 216 da Carta Magna:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
[...]
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem (grifo nosso).
Apesar da abrangência desses preceitos constitucionais, que configuram o
dever administrativo do Estado de proporcionar mecanismos de transparência, era
comum que os interessados enfrentassem dificuldades para obter acesso a
informações públicas. Tal situação decorria, em grande medida, da ausência de
disciplina sobre as rotinas e os procedimentos a serem adotados pelos usuários e
pela própria administração. Assim, sem o concurso de legislação ordinária, não era
possível exercer o direito de forma adequada e, consequentemente, os dispositivos
34
da Constituição permaneciam ineficazes e pouco efetivos (CUNHA FILHO; XAVIER,
2014, p. 51).
A regulamentação dos dispositivos constitucionais permitiria restringir o grau
de discricionariedade da Administração Pública ao interpretar a abrangência e as
condições de aplicação desse direito fundamental. Ademais, estabeleceria
condições mínimas de previsibilidade processual, além de prazos para a análise dos
requerimentos de acesso, por meio da definição das rotinas administrativas a serem
observadas em sua tramitação (BENTO, 2015, p. 131).
A promulgação da Lei nº 12.527/2011, que regula de forma detalhada os
procedimentos a serem observados pelo poder público na gestão da informação e
na promoção da transparência, representa, portanto, uma tentativa de corrigir essa
lacuna do ordenamento jurídico.
A Lei de Acesso à Informação (LAI), denominação pela qual ficou conhecido
o diploma legal, é encarada como inovadora em vários aspectos, embora tenha sido
precedida por normas que também contribuíram significativamente para ampliar a
visibilidade de dados públicos de interesse coletivo.
Com efeito, Mariana Calderon entende que a LAI não representa
propriamente uma ruptura e sim o reforço do paradigma vigente no ordenamento
brasileiro, “haja vista que o direito de acesso à informação faz parte do corolário
axiológico de nossa democracia” (CALDERON, 2015, p. 73). Juliano Heinen adota
posição semelhante, interpretando que a norma reafirma os valores instituídos pela
Constituição Federal, porém de forma mais “detalhada, potencializada e abrangente”
(HEINEN, 2014, p. 41). Eneida Paes, por sua vez, avalia que entre os principais
méritos da Lei nº 12.527/2011 está o de impor coerência e coesão a dispositivos
dispersos, que antes tratavam o direito de acesso apenas de forma parcial ou
indireta (PAES, 2011, p. 411). Vânia Lúcia Vieira, ao mesmo tempo que reconhece a
inflexão que a lei representa frente às normas infraconstitucionais que a
antecederam, afirma que a Lei nº 12.527/2011 “vem coroar e consolidar” políticas de
reforço e ampliação da transparência conduzidas no âmbito do governo federal no
período recente (VIEIRA, 2012, p. 148). A posição em favor de uma ruptura em
relação ao ordenamento jurídico é aparentemente minoritária entre os
doutrinadores13.
13 Embora não desenvolvam seus argumentos, a posição em favor de uma ruptura paradigmática aparentemente é esposada por Joelson Dias e Sarah Campos (2015, p. 47). No âmbito dos planos e
35
Assim, no próximo item faremos um breve histórico dos instrumentos legais
em vigor antes da edição da LAI que são de interesse para o estudo da evolução
das normas de acesso à informação pública. Esse histórico permitirá também uma
melhor compreensão dos debates relativos ao processo legislativo que culminou
com a aprovação da Lei nº 12.527/2011.
3.1 ANTECEDENTES E CONTEXTO DE APROVAÇÃO DA LEI DE ACESSO À
INFORMAÇÃO
Entre as normas que promoveram a publicidade das informações detidas por
órgãos da Administração Pública destaca-se, tanto pelo pioneirismo quanto pelo
alcance de sua implementação, a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000,
conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
No capítulo intitulado “Da Transparência da Gestão Fiscal”, a LRF prevê a
ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos, dos instrumentos de gestão fiscal,
tais como planos, orçamentos e prestações de contas de recursos públicos. Com o
objetivo de garantir o acompanhamento e a avaliação das ações fiscais e
orçamentárias por parte da sociedade, são criados dois documentos de divulgação
periódica e obrigatória, o Relatório de Gestão Fiscal, divulgado quadrimestralmente,
e o Relatório Resumido de Execução Orçamentária, de caráter bimestral14. Além do
acesso a esses documentos, a participação e o controle popular são estimulados por
meio da realização de audiências públicas regulares durante o processo de
elaboração dos planos.
A LRF foi a primeira norma brasileira a criar uma “obrigação positiva de
produzir e dar ampla divulgação a informações de interesse público” (BENTO, 2015,
p. 132). O fato de seus dispositivos se aplicarem a todos os níveis de governo -
estratégias públicas, a posição em favor da LAI como quebra de paradigma é encontrada no documento “Estratégia de segurança da informação e comunicações e de segurança cibernética da administração pública federal 2015-2018”, elaborado pelo Departamento de Segurança da Informação e Comunicações (DSIC) do Gabinete de Segurança Institucional. Nesse sentido, o texto é bastante claro: “a publicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) marcou uma mudança no paradigma de publicidade dos ativos de informação criados e geridos pelo Estado, em todos os níveis e esferas, em prol da transparência” (p. 17).
14 Porém é preciso reconhecer que a linguagem técnica normalmente utilizada nesses relatórios tende a dificultar a sua compreensão por boa parte dos cidadãos. Nesse sentido, a publicidade dos dados, embora indispensável, não deve ser considerada suficiente para garantir maior participação na gestão administrativa (CULAU; FORTIS, 2006, p. 15).
36
União, Estados, Distrito Federal e Municípios - e a todos os poderes, abrangendo
inclusive os Tribunais de Contas e o Ministério Público, favoreceu seu impacto em
termos de controle social sobre os gastos públicos.
De fato, a organização do “Portal da Transparência”, ferramenta de consulta
criada em 2004 pela Controladoria-Geral da União (CGU), representa um dos
desdobramentos do modelo de gestão fiscal e orçamentária introduzido pela LRF15.
Embora a criação desse instrumento eletrônico não conste das determinações da Lei
Complementar nº 101/2000, o mecanismo dificilmente poderia ter sido concebido e
estruturado na ausência das regras de abertura das contas públicas nela previstas.
A iniciativa passou a ser exigida somente com a edição da Lei Complementar nº
131, de 27 de maio de 2009, que acrescentou novos dispositivos à LRF. De acordo
com Leonardo Valles Bento (2015, p. 136), até a entrada em vigor da Lei nº
12.527/2011, a LRF era a principal norma brasileira a tratar do acesso a informações
públicas.
Além dela, o autor cita apenas a Lei nº 10.650, de 16 de abril de 2003, que
dispõe sobre o acesso a dados e informações ambientais existentes nos órgãos e
entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Entre
seus preceitos, é relevante destacar a garantia do acesso a informações ao
interessado “independentemente da comprovação de interesse específico”,
mediante apresentação de requerimento escrito e compromisso de que os dados
não serão utilizados para “fins comerciais” (artigo 2º, § 1º). As respostas às
consultas ou pedidos devem ser apresentadas pelos integrantes do SISNAMA no
prazo de trinta dias (artigo 2º, § 5º).
Não obstante a atuação de órgãos públicos e a colaboração de
organizações não-governamentais na disseminação das regras de acesso, por meio
da publicação de folhetos e cartilhas e outras medidas semelhantes, a norma
aparentemente não alcançou a repercussão pretendida16. A CGU sequer assinala a
Lei nº 10.650/2003 na linha de tempo que representa a evolução das normas e
15 O Portal está acessível em <www.portaldatransparencia.gov.br>. Atualmente o sítio permite consultas a registros que extrapolam amplamente o escopo inicial da LRF e disponibiliza informações sobre gastos em tempo real. O processo de ampliação das bases que compõem o banco de dados pode ser visualizado por meio de tabela cronológica elaborada por VIEIRA, 2012, p. 144-145.
16 A organização “Artigo 19”, dedicada à promoção de direitos humanos, em particular da liberdade e expressão, elaborou uma cartilha que se encontra disponível em <http://artigo19.org/doc/CARTILHAAMBIENTALARTIGO19.pdf>. Não foram localizadas estatísticas sobre pedidos de acesso a dados sob custódia dos órgãos do SISNAMA.
37
iniciativas governamentais em favor do avanço da transparência pública, como se
pode ver abaixo:
Figura 1: Cronologia das ações de incentivo à transparência pública no Brasil - CGU
Fonte: <http://www.acessoainformacao.gov.br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/balanco1ano.pdf>
Independentemente de qualquer avaliação sobre o grau de sucesso das
normas citadas, o certo é que ambas estão circunscritas a funções ou segmentos
específicos da Administração Pública. O acesso à informação previsto na LRF, por
exemplo, apesar de sua relevância específica e do interesse para o controle da
sociedade sobre a arrecadação e os gastos públicos em geral, restringe-se a um
determinado tipo de dados, cuja leitura e interpretação por leigos é bastante difícil.
Nesse sentido, Calderon recorreu a uma metáfora expressiva para caracterizar a
situação da transparência pública brasileira no período anterior à edição da LAI: “o
direito de acesso à informação, antes da Lei nº 12.527/2011, era uma alma sem
corpo, uma canção sem voz” (CALDERON, 2015, p. 73).
De fato, os autores consultados são unânimes na avaliação de que os
mecanismos de transparência criados pelo Executivo federal ao longo da década de
2000 eram insuficientes para garantir o direito constitucional de acesso à
informação.
38
Na verdade, a primeira proposta para a universalização desse direito no
âmbito da Administração Pública, incluindo os três poderes e todos os níveis de
governo, teve origem no Legislativo federal e não no Executivo. Em 26 de fevereiro
de 2003, o deputado Reginaldo Lopes apresentou o Projeto de Lei nº 219/2003, que
dispunha sobre “a prestação de informações detidas pelos órgãos da Administração
Pública”17.
Na justificativa que acompanha o projeto, seu autor argumenta que a
iniciativa se vincula a um movimento internacional das democracias, que intentam
fortalecer, de forma crescente, as relações de representatividade política, mediante a
disponibilidade de informações que subsidiem a avaliação do desempenho das
ações do Estado:
Um dos pontos de honra da moderna democracia é o compromisso de transparência da Administração Pública. Verifica-se, por isso, uma tendência crescente para que os estados modernos busquem o estabelecimento de leis que garantam ao cidadão o pleno conhecimento das ações do governo, da estrutura, missão e objetivos de seus órgãos, e sobre qual é o resultado final da equação representativa da aplicação de recursos públicos em confronto com os benefícios reais advindos à comunidade (grifo nosso).
O deputado cita, entre as referências para a elaboração da proposta, as
experiências legislativas da Espanha, Estados Unidos da América, França, Portugal
e México. Ele ressalta que que as normas deste último país inspiraram a inclusão no
PL 219/2003 de dispositivo que veda a classificação sigilosa de documentos que
possam fornecer informações sobre crimes contra a humanidade ou sobre graves
violações de direitos fundamentais18.
De início, o projeto teve tramitação rápida na Câmara. Contudo, após a
aprovação de parecer favorável em votação da Comissão de Constituição e Justiça,
em dezembro de 2004, seu andamento foi interrompido por quase cinco anos.
Nesse período, o Executivo procurava construir, mediante articulação interna
e colaboração da sociedade civil, uma proposta alternativa ao PL 219/200319. Num
17 Os textos do Projeto de Lei e de sua justificativa estão disponíveis em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=115054&filename=PL+219/2003>.
18 Trata-se da Ley Federal de Transparencia y Acceso a la Información Pública Gubernamental, que foi publicada em 11 de junho de 2002. A questão está tratada da seguinte forma, no inciso VI do art. 4º: “No podrá invocarse el carácter de reservado cuando se trate de la investigación de violaciones graves de derechos fundamentales o delitos de lesa humanidade”. O diploma legal completo pode ser consultado em: <http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/ref/lftaipg/LFTAIPG_orig_11jun02.pdf>.
19 Segundo PAES (2011, p. 412), foi o próprio deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) quem recorreu à CGU, solicitando o apoio do órgão no sentido de viabilizar a aprovação do PL nº 219/2013. O pedido
39
primeiro momento, as discussões se desenvolveram no âmbito da Presidência da
República, sob a coordenação da Controladoria-Geral da União20. O núcleo dos
debates era o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção
(CTPCC), órgão colegiado de caráter consultivo vinculado à CGU. Composto por
vinte membros, com representação paritária do Poder Executivo e de representantes
convidados de organizações da sociedade, o Conselho foi criado pelo Decreto nº
4.923, de 18 de dezembro de 2003. O órgão consultivo tem como finalidade sugerir
estratégias de aperfeiçoamento da transparência na gestão da administração pública
e de combate à corrupção e à impunidade.
Em setembro de 2005, a CGU submeteu à análise do CTPCC minuta de
anteprojeto de lei que visava regular o acesso a informações públicas. Após a
incorporação das contribuições dos conselheiros, o documento foi encaminhado à
Casa Civil, onde foram desenvolvidas novas negociações, envolvendo órgãos da
Presidência e ministérios interessados no tema.
Não houve a formalização de um grupo de trabalho específico, apenas foram
convidados técnicos para colaborar no aperfeiçoamento da proposta do Executivo,
sob a coordenação e supervisão da Casa Civil (CC), cuja dirigente na época era
Dilma Rousseff. Cabia, portanto, a esse órgão da Presidência as tarefas de arbitrar
os eventuais dissensos entre os órgãos convidados e consolidar a versão final da
proposta de regulamentação.
Aparentemente não foram elaboradas atas das reuniões na Casa Civil, ao
contrário do que ocorria inicialmente, quando os debates eram realizados na esfera
do CTPCC. De qualquer modo, sabe-se que as negociações envolveram
representantes da CGU, Casa Civil, Ministério da Justiça, Ministério das Relações
Exteriores (MRE) e Ministério da Defesa (PAES, 2011, p. 412-413).
De acordo com pesquisa empreendida por Karina Furtado Rodrigues (2013),
durante a qual foram entrevistados civis e militares que participaram das discussões
governamentais, a participação mais intensa no grupo informal foi a de
representantes do Ministério da Defesa (MD) e do Itamaraty. Segundo depoimentos
colhidos pela autora, os dois órgãos eram, em geral, favoráveis a soluções de
teria dado início a discussões no Executivo federal que deram origem à elaboração de um anteprojeto de lei.
20 O processo de elaboração do projeto que deu origem à LAI foi descrito de forma detalhada por ANGÉLICO (2012), RODRIGUES (2013) e PAES (2011; 2012). Esta última autora participou diretamente dos debates, na condição de membro da Assessoria Jurídica da CGU.
40
caráter mais restritivo, que garantissem a salvaguarda de documentos
especialmente sensíveis, mas, segundo os entrevistados, não chegaram a atuar de
forma coordenada em favor de suas concepções.
Os aspectos que encontravam maior resistência eram aqueles relacionados
aos prazos de sigilo e à possibilidade de prorrogações ilimitadas no caso dos
documentos ultrassecretos. A falta de consenso entre os órgãos da estrutura do
governo sobre o teor e a amplitude das restrições que seriam incluídas na nova
proposta provocaram demora no envio do projeto de lei para a apreciação do
Congresso Nacional.
De acordo com as entrevistas efetuadas por Karina Rodrigues (2013),
questões político-ideológicas permearam as discussões e influenciaram seu
resultado final. Das sete autoridades21 ouvidas pela autora, cinco asseveraram que a
promulgação da LAI representou um ato de “revanchismo motivado pelo ‘cadáver’ da
ditadura” (2013, p. 93).
Por outro lado, observou-se que pelo menos um dos militares ouvidos
mostrava-se pouco disposto a seguir de forma estrita as regras que viessem a entrar
em vigor, optando por decisões fundamentadas em avaliações de caráter puramente
individual, ainda que supostamente orientadas pela preocupação em resguardar o
interesse público:
Se eu tiver um documento classificado como ultrassecreto, em vias de extinguir o prazo, sob risco de acontecer uma lesão, eu talvez, profissionalmente, optasse pela destruição do documento, e é um direito meu de destruição de documentos sigilosos, por salvaguarda do
conteúdo (RODRIGUES, 2013, p. 90, grifo nosso)22.
A partir da leitura dos depoimentos de militares e civis colhidos por Karina
Rodrigues, é possível concluir que a CGU e a Casa Civil assumiram, em geral,
posicionamentos favoráveis à máxima extensão do direito de acesso à informação
pública, enquanto o Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores
assumiram o outro polo do debate, mostrando preocupação com os possíveis danos
21 A pesquisadora realizou entrevistas com o então Ministro da Defesa, Nelson Jobim, com o Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, além de quatro oficiais das Forças Armadas e um diplomata que atuava no Ministério da Defesa na época da elaboração do anteprojeto. Ironicamente, houve depoentes que se recusaram a ter suas falas gravadas. Assim, não é possível individualizar as opiniões formuladas pelos entrevistados.
22 O posicionamento do militar entrevistado confronta dispositivo do Decreto nº 7.724/2012, que reproduzimos: “Art. 39. As informações classificadas no grau ultrassecreto ou secreto serão definitivamente preservadas, nos termos da Lei no 8.159, de 1991, observados os procedimentos de
restrição de acesso enquanto vigorar o prazo da classificação”. Inexiste na LAI ou em suas regulamentações qualquer menção a direito de “destruição por salvaguarda de conteúdo”.
41
ocasionados por uma liberalidade excessiva na desclassificação de documentos
sigilosos. A possibilidade de acesso por parte de outros países a conhecimentos
sensíveis detidos pelas Forças Armadas foi uma das questões que provocaram
inquietação entre os militares. Nessa perspectiva, as tecnologias desenvolvidas no
âmbito do Programa Nuclear da Marinha foram especialmente citadas
(RODRIGUES, 2013, p. 91).
Diante da aparente polarização dos debates, não foi possível identificar com
clareza a visão predominante no Ministério da Justiça. Eneida Paes cita a
elaboração de uma proposta de consolidação das normas existentes sobre o acesso
à informação por parte do órgão, iniciativa que resultou em texto bastante extenso,
com 102 artigos. Mas essa sugestão de cunho mais conservador, ao que tudo
indica, não teve boa acolhida desde o início, optando-se por ampla reestruturação
dos dispositivos vigentes (PAES, 2012, p. 251).
Infelizmente não foram obtidos dados sobre eventuais sugestões
apresentadas pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pela Secretaria
Especial de Direitos Humanos (SEDH) ou pela Advocacia-Geral da União (AGU),
instituições que também participaram do grupo que formalizou o projeto do Executivo
federal.
Se, mesmo com essas lacunas, é perceptível a existência de posições
diferenciadas no governo sobre o modelo de acesso a ser adotado, há indicações de
que os organismos da sociedade civil atuaram de forma relativamente coesa em
defesa de seus interesses (ANGÉLICO, 2012, p. 94). Em setembro de 2003, por
iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), foi
anunciada a criação do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas,
agregando entidades interessadas em acompanhar os debates e influenciar o
Estado no sentido do livre acesso à informação pública23.
As entidades congregadas no Fórum pressionaram o Executivo para que
concluísse rapidamente o anteprojeto de lei que estava sendo ultimado na Casa
Civil. Foi inclusive apresentada proposta para submeter o documento a processo de
23 Entre as entidades que compõem o Fórum, é possível citar: Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Transparência Brasil. O Fórum, sob a coordenação da ABRAJI, permanece atuante mesmo após a sanção da LAI, divulgando suas ações por meio do sítio <http://www.informacaopublica.org.br>.
42
consulta pública antes da remessa ao Congresso Nacional, mas a Casa Civil não
teria se mostrado favorável a essa linha de ação, julgando que já houvera um amplo
debate com a participação de diversos atores sociais. De acordo com o extrato da
ata da 7ª reunião do CTPCC, realizada em 26 de junho de 2007, previa-se que a
questão geraria polêmica no Legislativo, favorecendo a convocação de audiências
públicas e a disponibilidade de outras formas de participação popular24.
Na Casa Civil, porém, as negociações sobre o texto final do projeto se
estenderam até 2009. Assim, somente em maio daquele ano o presidente Luís
Inácio Lula da Silva pôde encaminhar a proposta ao Congresso Nacional, onde foi
autuada como Projeto de Lei nº 5.228/2009.
A Exposição de Motivos Interministerial que acompanhou o projeto menciona
que o texto era resultado de “aprofundada discussão” na esfera do Executivo,
assinalando expressamente a lacuna legislativa que a proposta pretendia sanar:
[...] o direito de acesso garantido aos cidadãos nos termos da Constituição da República carece de regulamentação unitária e sistemática, que assegure, efetivamente, o acesso amplo a informações e documentos produzidos pela Administração Pública25.
Os benefícios que a aprovação do projeto traria para o aprofundamento da
democracia participativa e o fortalecimento do combate à corrupção são ressaltados
no documento citado, que recorre ao exemplo de outros países que haviam
reconhecido o direito à informação como um direito fundamental. As legislações
estadunidense, finlandesa, mexicana e sueca são referidas como fontes inspiradoras
de dispositivos incorporados ao Projeto de Lei nº 5.228/2009.
De fato, percebe-se a preocupação de que a norma atendesse, tanto quanto
possível, a critérios e requisitos elaborados por organismos internacionais e por
estudiosos do assunto. Eneida Paes avalia que tal influência não configura um “mero
transplante de outra legislação”, devendo ser entendida como o recurso a “modelos
de referência”. A autora avalia que a perspectiva comparativa é positiva, desde que
24 A ata está disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/conselho-da-transparencia/documentos-de-reunioes/atas/ata-da-7a-reuniao-jun-2007.pdf>. A visão de que os debates no Congresso provavelmente seriam acirrados é apresentada na reunião pelo então Secretário-Executivo da CGU, Luiz Navarro. É ele também quem relata o andamento dos trabalhos de elaboração do anteprojeto no âmbito da Casa Civil.
25 O documento completo pode ser lido em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=656533&filename=Tramitacao-PL+5228/2009>. Assinam a Exposição de Motivos os titulares dos seguintes órgãos: Casa Civil, Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Defesa, Advocacia-Geral da União, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Comunicação Social e Controladoria-Geral da União.
43
esteja focada em ideias, soluções e argumentos amplamente utilizados no plano
internacional e não na leitura isolada dos textos legais (PAES, 2011, p. 253-254).
O contexto internacional certamente exerceu influência sobre as concepções
de transparência adotadas pelo governo brasileiro e também sobre os argumentos
que orientaram a atuação de organismos da sociedade civil no país. Ademais,
ocorreram pelo menos duas situações no campo externo que exerceram impacto
sobre a tramitação do projeto que deu origem à LAI.
A primeira e mais conhecida foi a decisão da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) de
condenar o Brasil pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas entre 1972 e 1974,
durante a guerrilha do Araguaia. A sentença da Corte no “Caso Gomes Lund e
outros versus Brasil”, que foi divulgada em novembro de 2010, trata expressamente
da necessidade de aperfeiçoamento do ordenamento jurídico brasileiro, de modo a
garantir o exercício do direito à informação, que é entendido como integrante do rol
de direitos humanos:
[...] quanto à adequação do marco normativo do acesso à informação, o Tribunal toma nota de que o Estado informou que se encontra em tramitação um projeto de lei que, entre outras reformas, propõe uma redução dos prazos previstos para a reserva de documentos e dispõe a proibição da mesma a respeito daqueles que tenham relação com violações de direitos humanos, e que os representantes manifestaram sua aprovação ao projeto mencionado. Com base no anterior, o Tribunal exorta ao Estado que, em prazo razoável, de acordo com o artigo 2 da Convenção Americana, adote as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza que sejam necessárias para fortalecer o marco normativo de acesso à informação, em conformidade com os parâmetros interamericanos de proteção dos direitos humanos, como os citados na presente Sentença (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 106, grifo nosso).
Na época da publicação da sentença, o PL nº 5.228/2009, que havia sido
apensado ao projeto original do Deputado Reginaldo Lopes, já concluíra sua
tramitação inicial na Câmara. Após sua aprovação em plenário, ocorrida em abril, o
projeto fora remetido para a apreciação do Senado no mês seguinte. No Senado, a
proposição recebeu a denominação de Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 41/2010.
Quando da divulgação da decisão da CIDH, a matéria aguardava parecer do relator
da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática.
A repercussão da sentença fez com que a pressão de organizações e
movimentos sociais em favor da aprovação do projeto da LAI no Congresso
ganhasse novo vulto. Ao mesmo tempo, as conexões entre a ampliação do acesso a
44
documentos públicos e o processo de implantação de medidas que caracterizam a
justiça de transição foram reafirmadas, traduzindo-se em demandas pelo exercício
pleno e imediato do direito à memória e à verdade.
Longe de ser novidade no cenário político brasileiro, a questão já vinha
sendo tratada por meio de políticas públicas específicas. O Decreto nº 7.037, de 21
de dezembro de 2009, que aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos –
PNDH-3, possui um eixo norteador que inclui como diretrizes “o reconhecimento da
memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado” e a
modernização da legislação relacionada com a promoção desse direito.
Nesse sentido, são mencionadas, no citado decreto, ações de transferência
para o Arquivo Nacional de documentos públicos relacionados à repressão política
no período de 1964 a 1985 (Projeto Memórias Reveladas). A necessidade de
sensibilizar o Legislativo para a aprovação do Projeto de Lei no 5.228/2009 também
é citada no contexto desse eixo norteador do PNDH-3.
Portanto, a condenação do Brasil pela CIDH contribuiu para conferir maior
visibilidade e apoio social a demandas que o Estado reconhecia como legítimas,
mas para as quais não conseguia formular respostas adequadas e oportunas.
Embora nem todas as recomendações da Corte tenham sido atendidas pelo Brasil, é
inegável que a sentença significou um impulso crucial para a aprovação da LAI e a
criação da Comissão Nacional da Verdade, que também estava prevista no PNDH-3.
Com efeito, tanto o Brasil quanto a CIDH avaliaram que o marco jurídico que então
regia o acesso à informação no país era falho e deveria, por conseguinte, ser objeto
de reforma (SALES, 2014, p. 158-161).
A segunda situação internacional que teve impacto direto sobre o
andamento do projeto da LAI foi a proposta feita ao Brasil pelos Estados Unidos, em
setembro de 2011, para que participasse, na qualidade de co-líder e membro
fundador, da iniciativa denominada “Parceria para Governo Aberto” (Open
Government Partnership – OGP)26. O objetivo declarado da iniciativa é dar origem a
ações concertadas internacionalmente que permitam obter avanços globais nos
26 Os primeiros países a aderirem à OGP foram: África do Sul, Brasil, Estados Unidos, Filipinas, Indonésia, México, Noruega e Reino Unido. De todos eles, o único que não dispunha de lei geral de acesso à informação em vigor no momento da fundação da Parceria era o Brasil (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 73).
45
níveis de transparência, na qualidade da prestação de contas e no processo de
implementação da boa governança.
A adesão à OGP implica a aceitação dos termos da “Declaração de Governo
Aberto”, de acordo com a qual os integrantes se comprometem com os seguintes
objetivos, que deverão ser perseguidos de forma conjunta: ampliar a disponibilidade
de informações sobre as atividades governamentais, apoiar a participação cívica e
ampliar o acesso a novas tecnologias que contribuam para o incremento da
transparência27. De forma a garantir a consecução desses objetivos, cada país deve
elaborar, de forma independente, um plano de ação específico.
Para ingressar na Parceria, os países interessados são ainda submetidos a
uma avaliação por parte de um grupo independente de especialistas que leva em
consideração o nível de desenvolvimento das políticas públicas nas seguintes áreas:
transparência fiscal, acesso à informação, publicação de declarações de
mandatários de cargos eletivos ou de funcionários públicos de alto escalão e
participação cidadã. Entre os itens examinados nessa verificação está a existência
ou não de lei de acesso à informação em vigor, instrumento considerado essencial
para a prática do governo aberto.
Ora, surgia então um obstáculo para que o Brasil pudesse exercer o papel
de co-liderança nesse movimento sem se expor a críticas de outros países, ou
mesmo de organizações da sociedade civil, uma vez que o projeto da LAI
permanecia sob análise no Senado, mais precisamente na Comissão de Relações
Exteriores e Defesa Nacional. Assim, foram redobrados os esforços do governo
federal no sentido da aprovação final da matéria no Congresso, fato que ocorreu em
outubro de 2011, cerca de um mês após o lançamento da OGP.
Fabiano Angélico (2012, p. 96) e Otávio Moreira de Castro Neves (2013, p.
15) entendem que a adesão do Brasil à “Parceria para Governo Aberto” representou
um incentivo fundamental para o envio do projeto da LAI ao plenário para a votação
final. Ana Maria Malin, por sua vez, adota perspectiva mais abrangente sobre a
questão do impacto de iniciativas multilaterais, ao afirmar que o ambiente externo foi
determinante para configurar a dinâmica e o caráter das políticas de transparência
pública do país nas últimas décadas:
27 O texto completo da Declaração de Governo Aberto está disponível em: <http://www.governoaberto.cgu.gov.br/central-de-conteudo/documentos/arquivos/declaracao-governo-aberto.pdf>. Acesso em: 14 set. 2015.
46
[...] para além de pressões da nossa sociedade civil e políticas de Estado, noticiadas por fontes oficiais e imprensa na web brasileira, considera-se que a construção do regime de acesso à informação no Brasil responda às pressões externas, entre elas exigências feitas a partir de 1990 por convenções, tratados, bancos multilaterais e instituições financeiras internacionais, representando, portanto, uma adesão do país ao novo regime global de informação (MALIN, 2013, p. 5).
Independentemente do peso relativo que se atribua aos fatores externos no
direcionamento desse processo, é indispensável, se desejamos elaborar um quadro
analítico que corresponda minimamente à complexidade dos fenômenos estudados,
avaliar as resistências apresentadas por indivíduos ou grupos sociais no decorrer da
tramitação da LAI.
Tendo em vista que as diferenças de posicionamento entre os órgãos de
governo durante de formalização do projeto não se tornaram públicas na época das
discussões na Casa Civil, as primeiras críticas de repercussão ao modelo de acesso
à informação proposto pelo Executivo surgem apenas durante a tramitação do PLC
nº 41/2010 no Senado. O ex-presidente Fernando Collor, que então presidia a
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), foi o primeiro agente
político a apresentar críticas sistemáticas às regras de acesso estabelecidas pelo
Executivo ou às emendas aprovadas pela Câmara Federal28.
O Senador Fernando Collor, ao receber o PLC nº 41/2010 em abril de 2011,
avocou para si a relatoria do projeto e, identificando a conveniência de revisar
amplamente o texto, deu início à preparação de um substitutivo. Antes da
apresentação da matéria para votação na CRE, Collor externou suas discordâncias
frente ao modelo de acesso a informações à Presidenta e a outras autoridades do
Executivo, além de emitir declarações sobre o assunto a organismos da imprensa
(GUERREIRO, 2011, sem paginação).
O ex-presidente alegava que suas restrições ao projeto diziam respeito a
“questões de Estado” as quais não se confundiam com os aspectos, igualmente
relevantes, de proteção a direitos e garantias fundamentais. O senador demonstrava
especial preocupação com a impossibilidade da renovação dos prazos de sigilo das
informações classificadas como ultrassecretas. De acordo com a redação do PLC nº
41/2010, essas informações seriam mantidas sob restrição de acesso por até 25
28 O projeto de lei elaborado pelo Executivo sofreu um número relativamente pequeno número de modificações ao longo de sua tramitação na Câmara Federal. A sua estrutura original, em termos de denominação de capítulos e seções, foi integralmente mantida, por exemplo (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 74). No entanto, determinadas mudanças, ainda que pontuais, tiveram repercussão significativa no processo de implementação do diploma legal.
47
anos, podendo o prazo ser prorrogado, por meio de decisão específica, uma só vez
e pelo mesmo período.
No projeto enviado originalmente pelo Executivo, o período de classificação
era também de 25 anos, entretanto seria possível prorrogá-lo indefinidas vezes, de
modo a evitar ameaças externas à soberania ou “à integridade do território nacional
ou grave risco às relações internacionais do País” (PL nº 5.228/2009, art. 30, § 1º,
inciso III). A mudança havia sido efetuada por meio de emenda aprovada durante a
tramitação na Câmara. Na oportunidade, a alteração não provocou manifestações
contrárias por parte do Executivo.
O posicionamento de Collor, em favor de uma legislação que permitisse
maior discricionariedade ao Estado quanto à salvaguarda de documentos
ultrassecretos, foi apoiado pelo então presidente do Senado, José Sarney.
Ocorreram imediatamente reações de órgãos da sociedade civil que criticavam os
parlamentares, acusando-os de defensores da manutenção do “sigilo eterno” e
pleiteando que o texto do PLC nº 41/2010 fosse aprovado de forma rápida e sem
quaisquer alterações29.
Nesse sentido, também foi alvo de censuras a decisão de Collor de enviar
pedido de informações ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República, solicitando dados sobre o número de documentos sigilosos produzidos
anualmente pelo órgão e a quantidade total dos documentos classificados mantidos
sob custódia, além de esclarecimentos sobre os procedimentos adotados em
acordos internacionais que preveem a salvaguarda de assuntos sigilosos. O
requerimento foi encarado por lideranças políticas e órgãos da sociedade civil como
uma medida meramente protelatória, que visava adiar o envio do PLC nº 41/2010
para votação no plenário, onde já tinha sido aprovada a tramitação em regime de
urgência30.
Nesse ambiente, marcado por acesa polêmica, o presidente da CRE
apresentou um substitutivo que propunha ampla reforma no projeto encaminhado
pela Câmara Federal. Em muitos casos, não havia propriamente inovação no texto,
29 Ver, por exemplo, a nota divulgada, em 14 de junho de 2011, pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI): <http://www.abraji.org.br/?id=90&id_noticia=1566>. Também se manifestaram contrariamente ao “sigilo eterno” a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
30 Ver, por exemplo, matéria publicada no jornal “Estado de São Paulo”: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,collor-e-sarney-atrasam-a-lei-da-informacao,772679>.
48
pois pretendia-se apenas eliminar as alterações efetuadas ao longo do processo
legislativo, retomando assim o conteúdo original da matéria tal como fora enviada
pelo Executivo.
No relatório, Fernando Collor argumenta que, mesmo nos países onde foram
aprovadas amplas leis de regulamentação, permanecem em vigor restrições que
impedem ou dificultam o acesso a informações que possam “afetar interesses vitais”.
A seguir, elenca os possíveis efeitos negativos que seriam ocasionados pela adoção
do sistema de desclassificação automática de documentos e da vedação a
prorrogações ilimitadas de prazos de sigilo.
Segundo o relator, caso esses dispositivos fossem aprovados, pelo menos
no formato previsto no PLC nº 41/2010, os riscos da divulgação indevida de
informações sensíveis seriam potencializados, em razão da insuficiente organização
das atividades de inteligência no país:
Acrescente-se a isso, o fato de o Brasil ainda carecer de legislação mais profunda, controle mais efetivo e definição mais clara de atribuições relacionadas às atividades de inteligência, hoje exercidas desarticuladamente por diversos órgãos federais e estaduais, sem uma autêntica e bem definida política nacional. O produto dessas atividades – em conjunto com o conhecimento tecnológico, de defesa e o produzido pela diplomacia – constitui a fonte principal das informações e dos documentos sigilosos do Estado (COLLOR, 2011, p. 4).
O Senador refere-se novamente à atividade de inteligência um pouco mais
adiante no relatório, ao tratar do conceito de “informação” empregado no projeto de
lei. Collor alega que sua amplitude é excessiva, optando, no substitutivo, por
restringi-lo a dados processados, tal como ocorre na “literatura das atividades de
Inteligência” (COLLOR, 2011, p. 5).
São propostas também alterações quanto aos critérios de atribuição de grau
de sigilo, as quais demonstram a intenção de garantir a competência dos titulares
dos órgãos de inteligência para classificar informações no grau ultrassecreto e
garantir a possibilidade de seu credenciamento para acesso a documentos nesse
nível de restrição (COLLOR, 2011, p. 10)
Esse interesse em estabelecer um diálogo com a doutrina de inteligência e a
preocupação em dimensionar o impacto da nova regulamentação do direito de
acesso à informação sobre a atividade contrastam com a atitude predominante entre
os parlamentares durante a tramitação do projeto na Câmara. De fato, os integrantes
da Comissão Especial instituída para apreciar a proposição em tela não convidaram
representantes dos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência
49
(SISBIN) para debater o tema em audiências públicas ou para fornecer dados sobre
as rotinas e os procedimentos adotados no tratamento de informações sigilosas.
Portanto, pode-se afirmar que, durante o período de discussão do projeto na
Câmara, os órgãos governamentais que lidam diretamente com a atividade de
inteligência não foram convocados para apresentar elementos de caráter técnico-
profissional que enriquecessem a análise da matéria. Aparentemente os deputados
atribuíram pouca relevância ao potencial impacto das novas regras de acesso sobre
a produção e a salvaguarda de conhecimentos de inteligência (CALDERON, 2015,
p. 14-15).
Nesse contexto, pode ser considerado atípico o interesse do Senador
Fernando Collor em trazer para o debate questões relativas aos conceitos e às
práticas de inteligência, considerando-as, em alguma medida, relevantes para o
adequado dimensionamento das normas de transparência pública. Entretanto, a
abordagem inovadora surgiu num momento em que as pressões políticas para a
rápida aprovação do projeto, associada à polêmica instaurada pela questão do
“sigilo eteno”, praticamente inviabilizavam a revisão da matéria sob esse prisma.
Assim, em 25 de outubro de 2011, o substitutivo de Collor foi submetido ao
plenário do Senado, onde foi rejeitado por ampla margem (43 votos a 9). O PLC nº
41/2010, mantido integralmente, foi então encaminhado para a sanção presidencial,
o que ocorreu em 18 de novembro daquele ano. Na oportunidade, foram aplicados
vetos a dois dispositivos do projeto, com a justificativa de que feriam o princípio
constitucional de separação dos poderes ou geravam contradições com outras
prescrições incluídas no diploma legal31.
No próximo item, efetuaremos um breve estudo da Lei nº 12.527/2011, o
qual se limitará a identificar seus princípios norteadores, assinalar suas inovações
frente à legislação antecedente e a analisar outros elementos de interesse para os
objetivos desta pesquisa, em particular os desdobramentos que a lei gera para o
desenvolvimento da atividade de inteligência estratégica.
Nesse sentido, nosso foco incidirá primordialmente sobre as políticas
públicas de nível federal que foram criadas ou redirecionadas pelas novas regras de
acesso às informações públicas. As ambiguidades do texto legal ou eventuais
inconsistências entre a LAI e seus decretos de regulamentação também merecerão
31 Os vetos constam da Mensagem nº 253, de 18 de novembro de 2011, a qual está disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Msg/VEP-523.htm>.
50
destaque, pois contribuem para interpretações e ações divergentes na esfera de sua
implementação.
Ressaltamos que apesar de ter entrado em vigor há relativamente pouco
tempo, a LAI já dispõe de ampla e consistente doutrina, que aborda também as
normas de sua regulamentação, tais como o Decreto nº 7.724, de 16 de maio de
2012, de caráter genérico; e o Decreto nº 7.845, de 14 de novembro de 2012, que
trata especificamente dos procedimentos para credenciamento de segurança e
tratamento de informação classificada32.
3.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES E INOVAÇÕES
Entendemos, tal como Juliano Heinen (2014, p. 111), que as diretrizes
relacionadas no artigo 3º da Lei nº 12.527/2011 representam padrões axiológicos
que balizam a interpretação do conjunto das regras inseridas no diploma legal e em
suas regulamentações. Em consequência, as ações que integram os procedimentos
previstos na lei deverão ser executadas de acordo com esses princípios
norteadores. Evidentemente, tais diretrizes serão aplicadas em conformidade com os
princípios básicos da administração pública, de caráter mais amplo, que estão
expressos no artigo 37 da Constituição Federal.
A primeira diretriz, enunciada no inciso I do artigo 3º, ressalta a “observância
da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”. Estabelece-se,
portanto, que em caso de falta de convicção sobre o caráter sigiloso ou não de uma
determinada informação, deve prevalecer a interpretação em prol do acesso
(HEINEN, 2014, p. 112). Para ser mantido, o sigilo necessita sempre de
fundamentação legal, cabendo ao Estado comprovar que o material solicitado não
pode ser revelado, pois os prejuízos causados pela divulgação seriam “mais
relevantes do que o interesse público na transparência” (BENTO, 2015, p. 93).
Assim, a justificativa do sigilo não pode se sustentar em temores hipotéticos
e genéricos, ou ainda em interesses de caráter meramente particular ou
organizacional. A autoridade pública demandada deve demonstrar, de forma
concreta e inequívoca, que o atendimento do pedido de acesso produzirá “dano
32 Os principais doutrinadores são BENTO (2015), CALDERON (2015), CUNHA FILHO; XAVIER (2014), HEINEN (2014), NUNES (2013) e SALES (2014). A monografia de CARVALHO (2013) e a coletânea de artigos organizada por VALIM (2015) também merecem destaque.
51
substancial a um direito constitucional ou legalmente protegido” (CUNHA FILHO;
XAVIER, 2014, p. 114).
Essa primeira diretriz não implica que o acesso à informação deva ser
interpretado como um direito absoluto. Na verdade, o princípio administrativo adverte
que as limitações impostas ao exercício desse direito devem constar expressamente
em lei e terão de ser aplicadas de forma proporcional, de forma a garantir o máximo
de publicidade possível.
A segunda diretriz determina a “divulgação de informações de interesse
público, independentemente de solicitações” (art. 3º, inciso II). Trata-se aqui da
denominada “transparência ativa”, que já estava contemplada no ordenamento
jurídico brasileiro pelo menos desde a edição da Lei Complementar nº 131/2009, a
qual previa a liberação de informações pormenorizadas sobre a execução
orçamentária e financeira, em tempo real, nos meios eletrônicos de acesso público.
Um exemplo bem-sucedido de aplicação desse princípio norteador é a criação de
“portais da transparência” em diferentes níveis de governo.
O princípio citado gera a obrigação estatal de prestar informações de
maneira proativa, independentemente de solicitações apresentadas pelos
interessados. As condições mínimas a serem observadas para o cumprimento desse
dever estão definidas no artigo 8º da LAI.
A divulgação institucional precisa conter ao menos os seguintes dados:
competências, estrutura organizacional, endereços e telefones das unidades e
respectivos horários de funcionamento; repasses, transferência de recursos e
despesas; procedimentos licitatórios e contratos firmados; andamento de programas,
ações, projetos e obras; e respostas a perguntas frequentemente formuladas pela
sociedade.
Além de estabelecer um rol mínimo de dados, que constitui núcleo comum
aos diferentes órgãos e entidades, independentemente de suas competências e
área de atuação, a norma determina também os atributos a serem atendidos pelos
meios de divulgação.
Nesse sentido, é obrigatória a disponibilização de sítios oficiais na internet,
que deverão cumprir os seguintes requisitos: conter ferramentas de pesquisa de
conteúdo eficientes; possibilitar a gravação de relatórios em vários formatos; permitir
o acesso automatizado por sistemas externos; divulgar detalhadamente os formatos
utilizados para estruturar a informação; garantir autenticidade, integridade e
52
atualização das informações tornadas públicas; indicar formas de comunicação entre
o interessado e o órgão ou entidade detentora do sítio; e garantir a acessibilidade de
conteúdo para pessoas com deficiência (art. 8º, § 3º, incisos I a VIII). O Decreto nº
7.724/2012, que regulamenta a LAI, incluiu ainda a exigência de que o sítio da
internet contenha formulário eletrônico para o requerimento de informações (art. 8º,
inciso I).
Embora a Lei nº 12.527/2011 não tenha sido a primeira norma brasileira a
prever a divulgação sistemática de informações de interesse público, ela foi
responsável por estender essa obrigação ao conjunto de órgãos e entidades da
Administração e por definir, de forma pormenorizada, os critérios e procedimentos
mínimos a serem obedecidos nesse processo.
Persistem, porém, dificuldades quanto à exata delimitação do campo das
“informações de interesse público”. Como salienta Juliano Heiden (2014, p. 113), a
expressão “interesse público” é polissêmica, prestando-se às mais variadas
interpretações e usos, mesmo se considerarmos apenas o seu emprego no âmbito
do direito administrativo.
A fluidez do conceito incide sobre a formulação de públicas de
transparência. Afinal, o interesse público não justifica apenas o fornecimento
sistemático e padronizado de informações. Ele também legitima as eventuais
restrições de acesso, desde que tais decisões estejam devidamente amparadas no
ordenamento jurídico e cumpram os requisitos de adequação, necessidade e
proporcionalidade (BENTO, 2015, 95-96).
A questão mostra-se especialmente relevante para a concepção de políticas
de transparência ativa por parte dos órgãos de inteligência, os quais desenvolvem
atividades peculiares, nas quais o sigilo é a regra e a publicidade constitui a
exceção. Esta condição, que também pode ser identificada em democracias há
muito consolidadas, não pode ser simplesmente associada à prevalência de valores
antidemocráticos, supostamente herdados de um passado autoritário, ou a
características próprias de burocracias que procuram se manter insuladas. Na
atividade de inteligência, o sigilo representa um fator essencial para a consecução
dos objetivos de Estado, pois a eficácia das ações empreendidas depende de sua
preservação, ainda que temporária.
Sobre o entrelaçamento desses dois aspectos do interesse público, que
tanto serve de fundamentação para o emprego sistemático de mecanismos de
53
transparência quanto, em caráter excepcional, para a restrição de acesso, cabe citar
Calderon:
Se, por um lado, a exigência de um governo aberto, transparente, com a possibilidade de participação popular, transforma o direito de acesso à informação em importante instrumento da democracia, por outro, a divulgação de segredos de Estado, os quais colocam o país em posição privilegiada justamente por ser detentor da informação, comprometeriam a própria sociedade a que se quer dar poder (2015, p. 8).
A terceira diretriz da Lei nº 12.527/2011 diz respeito às possibilidades que o
desenvolvimento tecnológico recente proporcionou em termos de ampliação da
transparência pública. O inciso III do artigo 3º preceitua a “utilização de meios de
comunicação viabilizados pela tecnologia da informação”. De fato, as novas
ferramentas permitem acesso mais oportuno e eficaz a informações públicas por
parte dos interessados. Houve alterações significativas no relacionamento entre o
Estado e os cidadãos, as quais se manifestam, entre outros aspectos, em espaços
de interatividade complexos, tais como as redes sociais, e na implantação de novos
padrões de qualidade para o material informativo, que deve ser estruturado de forma
clara e acessível.
Contudo, esse movimento de aproximação entre cidadãos e estruturas de
Estado não é suficiente para promover a democratização da função administrativa.
Embora as novas tecnologias tenham contribuído para o surgimento de um novo
ator, o “cidadão-fiscal” (CULAU; FORTIS, 2006, p. 9), elas não superaram as agudas
assimetrias e desigualdades sociais do País, que também se expressam nas
condições de acesso à internet e a aparelhos e equipamentos eletrônicos. Com
efeito, os excluídos dos ambientes virtuais são também aqueles que, em geral,
apresentam maiores dificuldades em transitar pelos espaços físicos das repartições
e deslindar suas emaranhadas estruturas burocráticas.
Ademais, os dados veiculados por meio das tecnologias de informação e
comunicação estão sujeitos a diversas formas de comprometimento, decorrentes de
ataques coordenados de hackers ou de outras formas de interferência, deliberadas
ou não. Incumbe, portanto, à Administração o dever de proteger os conteúdos que
veicula, de modo a garantir a disponibilidade, autenticidade e integridade da
informação pública (Lei nº 12.527/2011, art. 6º, inciso II).
Observe-se, entretanto, que o sucesso das medidas voltadas para assegurar
a incolumidade dos dados oficiais depende largamente da preservação do sigilo. No
Brasil, as soluções de segurança cibernética incluem recursos criptográficos
54
baseados em algoritmos de Estado desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas e
Desenvolvimento para Segurança das Comunicações (CEPESC), unidade vinculada
à Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Esses recursos criptográficos, assim
como a configuração dos sistemas governamentais de segurança cibernética, são
considerados sensíveis e, portanto, estão resguardados por sigilo. Mais uma vez
verifica-se que os mecanismos de promoção da transparência dependem, em
alguma medida, da salvaguarda de informações críticas.
A quarta diretriz a nortear a execução dos procedimentos previstos na LAI
estabelece “o fomento ao desenvolvimento da cultura da transparência na
administração pública”. Trata-se de princípio aparentemente direcionado para a
elaboração de políticas de capacitação e conscientização dos servidores, de forma a
garantir que o direito de acesso à informação seja plenamente assegurado, nos
diferentes órgãos e entidades. Juliano Heinen (2014, p. 115), por exemplo, vislumbra
a realização de diversas atividades para esse fim, tais como oficinas, cursos,
publicação de materiais didáticos e outras iniciativas de treinamento.
Adotando um nível de análise mais abrangente, Emília Barroso Cruz
considera que, no Brasil, a positivação do direito de acesso à informação ocorreu
antes de seu reconhecimento ético como um direito fundamental por parte da
sociedade. Para viabilizar esse reconhecimento, é indispensável empreender uma
“discussão racional sobre o assunto” (CRUZ, 2013, p. 376). De acordo com o
diagnóstico da autora, não é só a burocracia governamental que tende a ser pouco
sensível ao valor da transparência pública, mas o conjunto do corpo social:
O reconhecimento ético quanto à importância do direito à informação no Brasil pode ser considerado um dos fatores que retardam e dificultam o exercício pleno deste direito. A ausência de debates públicos, de divulgação nos meios de informação e da educação impede que informações relevantes cheguem aos atingidos e agentes/atores/falantes para que estes, compartilhando as mesmas tradições e valores, estabeleçam uma discussão racional do problema e cheguem ao entendimento satisfatório (CRUZ, 2013, p. 379).
A abordagem de Emília Cruz, apoiada teoricamente na ética do discurso de
Jürgen Habermas, aduz aspectos que enriquecem sobremaneira a análise do
princípio norteador em pauta. Em primeiro lugar, por colocar em questão os limites
do poder transformador das normas, vinculando sua eficácia ao ambiente social e
ético em que são geradas e aplicadas. De fato, a ampliação da transparência é
também um processo de internalização de valores, de sensibilização ética dos
55
sujeitos. Há interesse, portanto, em articular as políticas de promoção do acesso à
informação com políticas de fortalecimento da ética pública33.
Outro ponto que merece atenção é a conveniência de se conceber o
desenvolvimento da “cultura de transparência” de forma abrangente, tendo como
público-alvo das iniciativas de sensibilização não só os agentes públicos enquanto
tais, mas o conjunto da sociedade. É óbvio que os empregados e os servidores da
Administração Pública são também potenciais interessados em obter acesso a
informações detidas pelo Estado, sejam eles cidadãos brasileiros ou não.
Entretanto, algumas vezes percebe-se a adoção de uma visão dicotômica,
que toma como premissa a ideia de que os agentes públicos demandados e os
solicitantes de informações têm, a priori, objetivos divergentes ou mesmo
contraditórios. Entendemos, ao contrário, que a eficácia das ações de fomento da
“cultura da transparência” depende, em larga medida, da incorporação de uma visão
pluralista dos agentes públicos. Em outras palavras, “os burocratas” não devem ser
encarados como seres unidimensionais, que somente impõem resistências a
iniciativas que visam reduzir a opacidade do Estado. Valorizar as trajetórias pessoais
dos servidores públicos e compreendê-los em sua dimensão de cidadãos, que
cotidianamente também procuram fazer valer seus direitos frente ao Estado, são
ações que, de acordo com a concepção que orienta este trabalho, tendem a
favorecer o sucesso de atividades de treinamento e sensibilização para a
implementação da LAI.
Também é de suma importância mapear os valores e outros fatores
condicionantes do comportamento dos servidores diante de cidadãos interessados
em obter informações públicas, de forma a que esses fatores sejam levados em
consideração nos projetos de capacitação.
Em dezembro de 2011, a CGU divulgou o sumário-executivo de uma
pesquisa coordenada pelo antropólogo Roberto DaMatta, cujo título é “Diagnóstico
sobre valores, conhecimento e cultura de acesso à informação pública no Poder
Executivo Federal Brasileiro”. O documento, elaborado com base em ampla consulta
a servidores e dirigentes, agrupou os desafios à implementação da LAI em três
grupos: os de caráter cultural, os organizacionais e os operacionais.
33 Sobre a evolução das políticas de gestão da ética no âmbito do Poder Executivo Federal, ver: MENDES (2010) e GOMEZ (2007, p. 27-53).
56
Para avaliar as condições de exequibilidade de políticas de fomento da
“cultura de transparência” interessam-nos mais de perto os desafios culturais
identificados no levantamento, que são os seguintes:
• definição clara do que é/não é informação pública, reduzindo drasticamente a margem de arbítrio pessoal para as decisões de denegação das solicitações/não-disponibilização proativa de dados e informações da administração federal;
• enfrentamento de atitudes sedimentadas na forma da complexa cultura do papel – da gaveta e do pendrive, o que refletiria uma difusa sensação de que os funcionários públicos são proprietários da informação, podendo disponibilizá-la ou não ao seu critério; e
• incentivo a uma nova cultura de produção e compartilhamento de bancos de dados (DAMATTA, 2011, sem paginação, grifo nosso).
Assim, embora os servidores consultados tenham se mostrado, em sua larga
maioria, receptivos às mudanças que viriam a ser introduzidas pela LAI34, eles
também perceberam certa indefinição quanto à amplitude do objeto sobre o qual os
novos mecanismos de transparência iriam incidir.
Infelizmente, essa falta de clareza persiste, passados já três anos desde a
entrada em vigor da Lei nº 12.527/2011. Tanto ela quanto os decretos que a regulam
não conceituam propriamente o que são as “informações públicas”, apenas
fornecem alguns critérios que auxiliam no processo de definir o termo35.
Deve-se esclarecer que a definição quanto ao caráter público ou não de uma
determinada informação não se prende necessariamente à qualidade do sujeito
responsável por sua produção ou custódia. O fato de um determinado suporte de
informação estar tramitando por um órgão estatal não confere caráter público a seu
conteúdo (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 137).
Nas situações em que o Estado, por meio de empresas públicas ou de
sociedades de economia mista, pratica ações análogas a de um particular, num
regime de concorrência por exemplo, as informações produzidas estarão
devidamente sob proteção, nos termos do artigo 5º do Decreto nº 7.724/2011. Nesse
34 Entre os pesquisados, 79,9% concordaram, parcial ou totalmente, com a assertiva “o benefício de uma política de amplo acesso à informação pública seria superior a qualquer ônus envolvido na sua implementação (tempo, trabalho, recursos, riscos) ”. No período em que o levantamento foi conduzido o projeto de lei que deu origem à Lei nº 12.527/2011 ainda tramitava no Congresso. O relatório foi divulgado logo após a sanção da norma, que somente entrou em vigor em maio do ano seguinte.
35 A informação sigilosa, ao contrário, é definida como “aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado” (Lei nº 7.527/2011, artigo 4º, inciso III). Atente-se para o fato de que a informação sigilosa é uma das formas assumidas pela informação pública. Ocorre apenas que seu acesso é submetido a restrições, sempre motivadas e amparadas em dispositivo legal, por um determinado prazo.
57
mesmo artigo é vedada a possibilidade de aplicação dos mecanismos regulares de
acesso às informações sobre atividades empresariais que estão sob guarda do
Banco Central, de agências reguladoras ou de outros órgãos de controle e
fiscalização.
Marcio Cunha Filho e Vitor César Xavier creem que o critério mais adequado
para determinar a natureza de uma informação é a dimensão pública ou privada do
interesse preponderante no pedido de acesso. Nas palavras dos autores:
Sintetizando o raciocínio, em todo pedido de acesso à informação ao Estado, é fundamental primeiro avaliar se o interesse em torno da informação é público ou privado, a fim de determinar a natureza da informação solicitada – e caso a informação tenha natureza pública, ainda é necessário avaliar se existe norma que estabeleça exceção de publicidade (2014, p. 142).
Há de se convir que nem sempre é tarefa simples e objetiva avaliar esses
interesses de modo a verificar qual deles deve preponderar. Ironicamente, os dois
autores, quando atuavam como Analistas de Finanças e Controle da CGU, já
emitiram pareceres divergentes num mesmo recurso de acesso à informação,
tomando como referência avaliações distintas dos interesses em disputa (CUNHA
FILHO; XAVIER, 2014, p. 138-139).
As políticas de fomento da “cultura da transparência” devem lidar com essas
dificuldades de forma direta e expor os critérios e procedimentos a serem adotados
pelos agentes públicos, com vistas a definir a natureza de uma determinada
informação e as condições para seu acesso.
Talvez seja pertinente lembrar que a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
1990, estabelece, entre os deveres do servidor público federal, o de “guardar sigilo
sobre assunto da repartição” (artigo 116, inciso VIII). Este dispositivo não foi
revogado pela LAI, conquanto a norma tenha introduzido duas mudanças no
Estatuto do servidor, entre elas a inclusão de um novo dever funcional36.
A promoção de atividades que favoreçam a “cultura de transparência” na
Administração Pública está a cargo da CGU, por intermédio da Secretaria de
Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC). Entre as iniciativas
36 O inciso VI do artigo 116, que trata dos deveres funcionais, passou a vigorar com a seguinte
redação: “levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração”. Também foi acrescido à Lei nº 8.112/1990 o artigo 126-A: “Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública. ”
58
desenvolvidas, cabe destacar o Programa Brasil Transparente e o Programa Olho
Vivo no Dinheiro Público37. Este último foi criado antes da aprovação da Lei nº
12.527/2011.
Por fim, a última das diretrizes prescreve o “desenvolvimento do controle
social da administração pública” (artigo 3º, inciso V). Das cinco, é a única diretriz
cuja inclusão foi questionada durante a tramitação do projeto de lei. O substitutivo
apresentado pelo Senador Fernando Collor previa a supressão do inciso, devido à
falta de clareza terminológica sobre o que é “controle social” e à indefinição das
formas de seu exercício (COLLOR, 2011, p. 6).
Para Juliano Heinen, o termo deve ser associado ao processo de
accountability. Segundo o autor, os instrumentos proporcionados pelas novas regras
de transparência contribuem para aperfeiçoar e tornar mais efetivo o controle social
da esfera pública. Os procedimentos detalhados para o desenvolvimento tanto da
transparência ativa quanto da transparência passiva tornam a prestação de contas
mais célere, abrangente e precisa, o que se refletiria no exercício das ações de
controle por parte dos indivíduos e organizações da sociedade civil (2014, p. 116).
Mariana Calderon (2015) também aponta o vínculo entre o aperfeiçoamento
dos mecanismos de accountability criados pela LAI e a prática do controle social.
Para a autora, embora o termo em inglês ainda careça de tradução adequada na
língua portuguesa, é possível afirmar que o conceito
[...] evidencia não somente a obrigação do governo em prestar contas de seus atos à sociedade, mas também a necessidade de fomentar a participação popular nas decisões de governo, tendo a “inclusão” como palavra-chave (CALDERON, 2015, p. 32).
De acordo com essa perspectiva, o controle social, ainda que disperso e
multifacetado, representa um complemento essencial aos órgãos de fiscalização
institucional. O papel do regramento detalhado introduzido pela LAI é,
consequentemente, o de atribuir instrumentos adicionais de controle para os
indivíduos e as organizações da sociedade, ampliando e aprimorando seus
conhecimentos sobre a lógica e as eventuais irracionalidades da gestão pública.
Evidentemente, é possível que as informações colhidas por meio dos
mecanismos recém-criados possam servir como subsídios para que grupos de
interesse tentem difundir pautas e objetivos particularistas, ou mesmo apresentar 37 O programa Brasil Transparente visa apoiar estados e municípios no processo de implementação das medidas previstas na LAI. O Programa Olho Vivo no Dinheiro Público tem como objetivo incentivar o controle social sobre a aplicação dos recursos públicos.
59
propostas supostamente questionáveis a partir do horizonte de um fugidio “bem
comum”. Tal preocupação é encontrada em estudos sobre transparência pública
redigidos nos primeiros anos do processo de redemocratização38. Esse temor ainda
não se desvaneceu inteiramente. Em pesquisa coordenada por Roberto DaMatta, a
mesma que citamos anteriormente, verificou-se, entre os servidores federais
consultados,
[...] um receio generalizado sobre como as informações acessadas serão utilizadas e divulgadas, se descontextualizadas, truncadas, tendenciosas ou pura e simplesmente distorcidas (DA MATTA, 2011, s. pag.).
De acordo com a perspectiva de análise adotada neste trabalho, a
preocupação quanto ao possível uso indevido de informações públicas não é
aceitável como argumento para restringir ou dificultar o acesso por parte dos
cidadãos, ao menos no âmbito dos Estados democráticos.
Do contrário, não seria possível garantir ou preservar o direito fundamental
diante de práticas e interpretações estatais que viessem estabelecer formas sutis de
tutela ou de controle extralegal da sociedade. Em tese, há de prevalecer o princípio
de universalidade. O Estado deve verificar se as informações estão disponíveis de
imediato, independentemente de qualquer esforço adicional de processamento, se
são de natureza pública e se estão isentas das categorias de restrição previstas em
lei. Caso a resposta às três indagações for positiva, o acesso terá de ser
assegurado, independentemente do juízo de valor que se faça sobre a conduta ou
as intenções do indivíduo ou organização responsável pela apresentação do
requerimento. Afinal, como afirma Leonardo Valles Bento, a visibilidade do poder é
também um imperativo de moralidade pública (2015, p. 77).
Diante das preocupações citadas anteriormente, cabe inquirir sobre a
titularidade das informações públicas detidas pelo Estado. Quanto a isso, estamos
de acordo com a resposta dada pelo já citado Leonardo Valles Bento (2015, p. 154-
155). Para o autor, toda informação produzida ou custodiada pelo Estado pertence à
sociedade em seu conjunto e a cada um dos indivíduos em particular. Aceita essa
38 Um dos exemplos nesse sentido é o trabalho de Noaldo Alves Silva, no qual se lê: “A transparência não pode configurar-se como um objetivo de governo, porque pode ensejar pressões em que a vontade contestatória se manifeste com capacidade para se contrapor à conquista e manutenção dos objetivos nacionais permanentes. Não desejamos apontar exemplos em que a transparência concorreu para configurar a vontade contestatória de uma minoria, mas lembramos que é necessário reconhecer que certas minorias não respeitam o direito da maioria da sociedade e lutam para impor os seus anseios de forma distorcida, contando com o apoio de órgãos de comunicação social que lhes proporcionam a mídia necessária para modificar o comportamento da sociedade”. (1992, p. 4-5). Entendemos que tal postura não se coaduna com a presente conjuntura político-institucional do país.
60
premissa, não é justificável que as autoridades estatais estabeleçam critérios
relativos à motivação ou às qualificações do requerente para deferir ou não o pedido
de acesso que lhes é apresentado.
A LAI reafirma e reforça o direito de acesso à informação como direito
fundamental. De fato, não caberia à legislação ordinária estabelecer restrições a
esse direito que inexistem no texto da própria Constituição Federal.
Após essa análise sucinta das diretrizes da LAI, entendidas aqui como
princípios que deverão nortear os responsáveis por sua execução, passaremos à
enumeração das principais inovações introduzidas pela norma.
Em primeiro lugar, destacamos a sua abrangência, que é extremamente
ampla. A Lei nº 12.527/2011 é uma lei nacional, pois boa parte de seus dispositivos
se aplicam aos três poderes e a todos os entes da federação (União, estados,
Distrito Federal e municípios)39. Porém, ela também inclui determinações que
somente se dirigem à Administração Pública Federal.
Nesse sentido, Bento (2015, p. 137) a caracteriza como uma “lei mista”, em
parte lei nacional e em parte lei federal. Segundo Marcio Cunha Filho e Vítor César
Xavier (2014, p. 83), para que a abrangência das regras se restrinja ao nível federal
é necessário que tal destinação esteja expressamente disposta na lei em pauta.
Nesse caso, os demais entes federativos poderiam disciplinar os procedimentos a
serem seguidos livremente, em normas próprias, desde que observadas as diretrizes
gerais que já mencionadas. Foram identificados, porém, problemas técnicos de
redação legislativa que podem gerar dificuldades para a interpretação da
abrangência de determinados dispositivos40.
Quanto à titularidade do direito de acesso à informação, ela compreende não
só os cidadãos, mas qualquer interessado. Não são admitidas distinções quanto ao
fato de serem pessoas físicas ou jurídicas, inclusive de origem estrangeira. Em
razão deste caráter, considera-se que a LAI aderiu ao princípio da universalidade de
acesso, tal como recomendado pela Organização dos Estados Americanos (CUNHA
FILHO; XAVIER, 2014, p. 124-125).
39 O Projeto de Lei nº 5.228/2009, que foi encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, não previa inicialmente tal abrangência, a qual foi ampliada durante sua tramitação na Câmara.
40 Ver os casos citados em CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 85.
61
Ao tratar das instituições submetidas às regras de acesso previstas na Lei nº
12.527/2011, Juliano Heinen (2014, p. 86), elabora uma classificação sistematizada
que nos pareceu bastante útil e, por isso, a reproduziremos abaixo, com adaptações:
1. Sujeitos passivos próprios
Administração Pública direta
- órgãos do Poder Executivo;
- órgãos do Poder Legislativo;
- órgãos do Poder Judiciário;
- Cortes de Contas; e
- Ministério Público.
Administração Pública Indireta
- autarquias;
- fundações públicas;
- empresas públicas;
- sociedades de economia mista; e
- as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, pelos
estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.
2. Sujeitos passivos impróprios
Entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de
ações de interesse público:
- recursos públicos diretamente do orçamento;
- por meio de subvenções sociais;
- por meio de contrato de gestão;
- por meio de termo de parceria;
- por meio de convênios;
- por meio de acordo;
- por meio de ajustes; ou
- por meio de outros instrumentos congêneres.
Observa-se, portanto, sob vários aspectos, a larga abrangência de aplicação
da Lei nº 12.527/2011, fato que evidencia o seu potencial como instrumento de
promoção da transparência pública. Ressalte-se que as normas que a antecederam
não dispunham da semelhante amplitude. A Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005,
62
que regulamentava o inciso XXXIII do caput do artigo 5º da Constituição Federal, e
que foi integralmente revogada pela LAI, deixava de lado, por exemplo, os
documentos de interesse público mantidos sob custódia de entidades privadas sem
fins lucrativos.
Por outro lado, há restrições expressas ao campo de aplicação da LAI. As
hipóteses de sigilo previamente existentes na legislação são mantidas, conforme
prescreve o artigo 22:
Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
Consequentemente, a Lei nº 12.527/2011 não pode ser utilizada para a
obtenção de informações originárias de inquérito policial em curso, as quais
permanecem protegidas, nos termos do artigo 20 do Código de Processo Penal.
Tampouco abrange, por exemplo, os processos administrativos disciplinares, que
continuam submetidos às regras de sigilo elencadas no artigo 150 da Lei nº
8.112/1990. O artigo 6º do Decreto nº 7.724/2012 explicita que os sigilos fiscais,
bancário, de operações e serviços no mercado de capitais, comercial, profissional,
industrial e o segredo de justiça não são regulados pela LAI. Uma relação exaustiva
dos casos remanescentes de restrição de acesso foi elaborada por Heinen (2014, p.
201-202).
O segundo aspecto da LAI que merece especial atenção é o fato de a norma
regular tanto os procedimentos de acesso à informação aos documentos ostensivos
quanto as medidas relativas à classificação dos documentos sigilosos. Calderon, ao
mencionar os dois segmentos, afirma que eles constituem “dois pilares que se
relacionam entre si” (2015, p. 44).
Esta forma de tratar a matéria não corresponde à tradição do ordenamento
jurídico brasileiro. Conforme se pode concluir da leitura do minucioso histórico
apresentado por Alberto Nogueira Júnior (2003, p. 328-368), as restrições de caráter
geral à transparência pública eram estabelecidas por intermédio de regulamentos e
não por projetos de lei submetidos à aprovação do Legislativo. É o caso, por
exemplo, do Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS), que foi
63
criado por meio do Decreto nº 60.417, de 11 de março de 1967, e posteriormente
alterado em várias oportunidades, a última delas em 199041.
No campo das restrições de acesso, a LAI inova ao vedar a possibilidade de
prorrogação indefinida dos prazos de restrição, o assim denominado “sigilo eterno”.
Extremamente polêmica, esta prerrogativa do Estado havia sido introduzida por meio
do Decreto nº 4.553, de 27 de dezembro de 200242. A LAI estabelece que somente
haverá prorrogação no caso das informações classificadas como ultrassecretas, cujo
prazo de resguardo é de até 25 anos. Mesmo nesse caso caberá apenas uma
prorrogação, por igual período.
Dessa forma, a documentação ultrassecreta pode ficar resguardada de
acesso público pelo prazo máximo de 50 anos. A classificação das informações
ultrassecretas deverá ser revista de ofício periodicamente, para que as autoridades
verifiquem se ainda se mantêm presentes os motivos que deram origem à reserva
inicial. Cabe à Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), composta
por titulares de órgãos do Executivo federal, efetuar tal revisão e se, for o caso,
prorrogar o sigilo de matérias ultrassecretas43.
Ainda no segmento das condições de restrição de acesso, a Lei nº
12.527/2011 adotou diversas medidas que, em conjunto, contribuem para a
definição de contornos mais amplos para a transparência pública: a supressão do
grau de sigilo confidencial, reduzindo para três os níveis de classificação das
informações (ultrassecreto, secreto e reservado); abreviação dos prazos máximos de
classificação (de 5 a 25 anos); instituição da desclassificação automática das
informações após o transcurso do período de reserva; e redução do número de
potenciais autoridades classificadoras, nos diferentes níveis de sigilo.
41 Antes da aprovação do RSAS já existia o Regulamento para a Salvaguarda das Informações que interessam à Segurança Nacional, criado pelo Decreto nº 27.583, de 14 de dezembro de 1949.
42 A norma foi aprovada no final do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Quando da tramitação do projeto que daria origem à LAI, o ex-presidente afirmou não ser a favor do “sigilo eterno”, alegando ter assinado o decreto inadvertidamente, entre outros documentos que lhe foram apresentados em seus últimos de gestão (MARQUES, 2011). Para um breve contexto das condições de aprovação do “sigilo eterno”, ver: FICO (2012, p. 55).
43 A Comissão Mista de Reavaliação de Informações é composta pelos titulares da Casa Civil, dos ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Defesa, Fazenda, Planejamento, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Advocacia-Geral da União e Controladoria Geral da União. Cabe à Casa Civil exercer a presidência da Comissão. As competências e as regras gerais de funcionamento da CMRI foram disciplinadas nos artigos 47 a 54 do Decreto nº 7.724/2012.
64
Foram estas mudanças que, juntamente com a proibição de prorrogações
ilimitadas do sigilo de matérias ultrassecretas, geraram acerba polêmica quando da
tramitação do projeto no Senado. De fato, nem todos os preceitos citados constavam
da proposição encaminhada pelo Executivo ao Congresso. O fim do “sigilo eterno”,
por exemplo, foi estabelecido por meio de substitutivo de autoria do relator da
Comissão Especial criada na Câmara para apreciar o projeto44. Nesse sentido, não é
correto afirmar que as inovações eram, em sua totalidade, fruto de um sedimentado
consenso entre os órgãos governamentais. Sua introdução na Lei nº 12.527/2011
decorreu, em grande medida, da mobilização de organismos da sociedade civil que
defendem a redução da opacidade do Estado. Tais organismos foram ouvidos em
audiências públicas convocadas pela Câmara e alguns de seus argumentos
sensibilizaram os congressistas, que também levaram em consideração os exemplos
proporcionados pela legislação de outros países.
Apresentamos abaixo um quadro com os graus de sigilo, prazos de
classificação e condições de prorrogação que constam do texto da LAI:
Quadro 1 – Graus de sigilo e prazos de classificação de informações
Graus de sigilo Prazos Prorrogação
Ultrassecreto 25 anos Única prorrogação, por período não superior a 25 anos, desde que o
acesso ou divulgação possa ocasionar ameaça externa à soberania
nacional ou à integridade do território nacional ou grave risco às
relações internacionais do País, condicionada a decisão da
Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI).
Secreto 15 anos Vedada
Reservado 5 anos Autorizada
Até o final dos mandatos do Presidente e Vice-Presidente da
República (no máximo 8 anos, em caso de reeleição), no caso de
situações que possam colocar em risco essas autoridades ou
respectivos cônjuges e filhos (as).
Fontes: Lei 12.527/2011, artigos 24 e 35; Decreto nº 7.724/2012, artigo 47; e CALDERON (2015, p. 52, com adaptações)
44 O relatório, que foi elaborado pelo Deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=736307&filename=Tramitacao-PL+219/2003>. Acesso em: 21 jul. 2015.
65
Os dispositivos da LAI que relacionam as autoridades competentes para
atribuição dos graus de sigilo e as condições de delegação dessas competências
tiveram impacto direto sobre o funcionamento da atividade de inteligência estatal. A
extrema concentração do poder de classificação nos níveis mais elevados da
hierarquia aparentemente gera dificuldades para o intercâmbio de conhecimentos no
âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, uma vez que o Diretor-Geral de seu
órgão central, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), não foi incluído entre as
autoridades com capacidade de classificar informações no grau ultrassecreto45.
Observe-se ainda que o Decreto nº 7.724/2012 introduziu novas vedações para a
delegação de competências, tornando o número de autoridades mais restrito.
O quadro abaixo sintetiza essas condições de classificação, as quais
assumem o princípio de que quanto mais elevado for o grau de sigilo, menor será o
número de autoridades autorizadas a estabelecer a classificação.
Quadro 2 – Graus de classificação e respectivas autoridades classificadoras
Graus de
sigilo
Autoridade classificadora Lei nº 12.527/2011
Delegação
Decreto nº 7.724/2012
Delegação
Ultrassecreto
(25 anos)
Presidente e Vice-Presidente da
República, ministros de Estado e
autoridades com as mesmas
prerrogativas, Comandantes das
Forças Armadas, Chefes de Missões
Diplomáticas e Consulares
permanentes
A agente público, inclusive em
missão no exterior, vedada a
subdelegação (art. 27, § 2º)
Vedada (art. 20, § 1º)
Secreto
(15 anos)
Todas as autoridades acima e
dirigentes das entidades da
Administração Pública Indireta
A agente público, inclusive em
missão no exterior, vedada a
subdelegação (art. 27, § 2º)
Vedada (art. 20, § 1º)
Reservado
(5 anos)
Todas as autoridades acima e
titulares de cargos DAS 101.5 ou
equivalente e superior
Omissão A agente público que exerça
função de direção, comando
ou chefia (art. 30, § 2º)
Fontes: BENTO (2015, p. 215) e CALDERON (2015, p. 48).
Outra inovação introduzida pela LAI é a exigência de que os titulares de
órgãos e entidades publiquem anualmente na internet o rol das informações
45 A situação sui generis foi criticada em parecer elaborado durante a tramitação do projeto de lei no Senado Federal (COLLOR, 2011, p. 10).
66
desclassificadas e o número de documentos mantidos sob restrição de acesso, com
a discriminação dos respectivos graus de sigilo. O dispositivo visa possibilitar a
ampliação do controle e da fiscalização da sociedade, além de permitir ao Poder
Público avaliar a aplicação da norma, com o intuito de ajustar seus procedimentos. A
determinação é inspirada no ordenamento jurídico estadunidense46.
Com efeito, a LAI também inova ao estabelecer um complexo sistema de
monitoramento de sua implementação. Foi atribuído a cada órgão ou entidade o
papel de acompanhar a execução das medidas previstas em suas respectivas
esferas de competência e de apresentar relatórios periódicos sobre o seu
cumprimento (artigo 40). O Decreto nº 7.724/2012, em seu artigo 68, atribuiu à CGU
a função de coordenar e integrar essas atividades setoriais de monitoramento no
âmbito da Administração Pública Federal.
Pode-se afirmar que a CGU exerce inequívoco protagonismo no processo de
implementação das políticas públicas de acesso à informação no país, dada a
amplitude de suas competências e responsabilidades no desenvolvimento das ações
de promoção da transparência47.
De fato, o órgão ficou encarregado de tarefas de fundamental relevância:
promover campanhas de divulgação da LAI e de conscientização sobre os direitos
assegurados por essa norma e seus regulamentos; centralizar o monitoramento da
aplicação da lei, concentrando e consolidando a publicação de informações
estatísticas; preparar relatório anual sobre a implementação para encaminhamento
ao Congresso Nacional; estabelecer, em conjunto com o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, padrões de divulgação de informações (transparência ativa),
fixando prazo máximo de atualização; verificar o cumprimento dos prazos e
procedimentos estabelecidos; atuar na condição de instância recursal em situações
de indeferimento de acesso a informações ou de falta de manifestação adequada
46 Ver, nesse sentido, o item 20 da Exposição de Motivos Interministerial que acompanha o Projeto de Lei nº 5.228/2009, a qual está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=656530&filename=PL+5228/2009>.
47 Apesar de reconhecermos esse protagonismo, consideramos exagerado o entendimento de CARVALHO, que atribui à CGU “o controle geral da informação e do sigilo”. Tampouco vemos nesse protagonismo uma demonstração de que, na nova legislação, “o sigilo se vincula muito mais a questões de governo que de Estado” (2013, p. 53). A própria composição da Comissão Mista de Reavaliação de Informações e seu caráter colegiado indicam uma situação mais complexa. Deve ainda ser observado que a Controladoria não representa instância recursal própria na tramitação de pedidos de desclassificação de informações.
67
por parte do órgão ou entidade demandada; definir, em conjunto com a Casa Civil da
Presidência da República, diretrizes e procedimentos complementares necessários à
implantação da LAI; e integrar a Comissão Mista de Reavaliação de Informações48.
Para bem desempenhar essas tarefas, a CGU depende, em larga medida,
de uma estrutura informacional unificada e ágil, que inclui o Sistema Eletrônico de
Informação ao Cidadão (e-SIC), o canal obrigatório para o registro de pedidos de
acesso em toda a Administração Pública Federal49. O e-SIC centraliza, portanto,
dados relevantes sobre as ações de transparência passiva, “registrando formalmente
cada etapa processual, simplificando e qualificando a relação do Estado com o
administrado” (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 170). O sistema também serve
como fonte para a geração e o processamento de dados estatísticos, que são
utilizados ao longo do processo de monitoramento e, especificamente, para a
consolidação dos relatórios anuais a serem enviados ao Poder Legislativo.
Em termos de instalações físicas, os pedidos dos interessados são
processados nos Serviços de Informações ao Cidadão (SIC), instalados
obrigatoriamente nos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal submetidos às
regras de acesso instituídas pela LAI50. Essas unidades têm os seguintes objetivos:
atender e orientar o público sobre as questões de acesso; fornecer dados sobre a
tramitação de documentos nas unidades; e receber e registrar requerimentos de
acesso. A existência do SIC, sua localização e os meios disponíveis para contato
devem ser amplamente divulgados aos cidadãos51.
Permanecendo na esfera da transparência passiva, uma novidade
introduzida pela 12.527/2011 que suscitou controvérsias ainda no período de
tramitação do projeto de lei é o complexo sistema de recursos administrativos, que
48 As competências estão especialmente definidas nos artigos 22, 46, 47, 68 e 69 do Decreto nº 7.724/2012. Uma análise pormenorizada das atividades de monitoramento pode ser encontrada em CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 359-373.
49 Sobre o e-SIC, a melhor descrição é a de CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 170-173. O acesso ao e-SIC é de caráter público, mediante cadastro: <http://www.acessoainformacao.gov.br>. A iniciativa integra o Programa Brasil Transparente, coordenado pela CGU.
50 O funcionamento dos SIC, essencial para a execução das medidas de transparência passiva, está disciplinado nos artigos 9º e 10º do Decreto nº 7.724/2012. No caso de órgãos ou entidades que possuam unidades descentralizadas, a obrigatoriedade de instalação de SIC se restringe à sede. Essa situação é severamente criticada por CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 166.
51 A qualidade do funcionamento de um SIC já foi objeto de avaliação em estudo acadêmico, ver SHALMERS (2013).
68
envolve várias instâncias, as quais nem sempre se revestem de caráter
propriamente hierárquico52.
Existem dois sistemas independentes de recursos contra decisões que
envolvam indeferimento de acesso. O primeiro, de caráter genérico, é destinado a
eventualmente rever decisão de indeferimento de pedido de acesso a informações
que o interessado supõe serem ostensivas; o segundo, bem menos frequente, é
acionado quando da negativa de solicitações de desclassificação ou de redução de
prazo de classificação de documentos sabidamente submetidos a regras de restrição
previstas na LAI53.
É cabível a apresentação de recursos contra negativas de acesso a
informações públicas em duas situações: em caso de indeferimento total ou parcial
da solicitação; ou quando ocorre indeferimento sem motivação. O sistema de
instâncias recursais do Poder Executivo Federal possui quatro níveis, que se
encontram graficamente representados na figura abaixo.
Figura 2 – Instâncias recursais contra indeferimento de pedido de informações no Poder Executivo Federal
Fonte: CGU (Manual da Lei de Acesso à Informação para estados e municípios – 2013).
52 Ver, por exemplo, COLLOR (2011, p. 7) e CARVALHO (2013, p. 53-54). O primeiro aborda supostas impropriedades nas atribuições recursais em matérias afetas à Defesa Nacional. Já o segundo autor se insurge particularmente contra o excessivo “peso” representado pela abundância de níveis de recursos. Para ele, essa complexidade é inútil, pois não afasta a possibilidade de acionamento judicial. Leonardo Valles Bento adota uma linha bastante diversa, criticando a ausência de autoridades independentes, isto é, externas ao Executivo Federal, no sistema de recursos, ao contrário do que ocorre na legislação mexicana, por exemplo (2015, p. 198-201).
53 Na literatura consultada sobre os recursos administrativos vinculados à LAI, a primazia em termos de clareza expositiva e precisão de análise cabe a Bento (2015, p. 187-201). Na Lei nº 12.527/2012, os artigos de 15 a 20 são especificamente pertinentes aos recursos administrativos. No Decreto nº 7.724/2012, são de interesse para o tema os artigos 21 a 24.
69
Os estados e municípios podem estabelecer sistemas recursais próprios,
mas deverão seguir as normas gerais estabelecidas pela Lei nº 12.527/2011, tal
como estabelecido em seu artigo 45. O Legislativo e o Judiciário federais, bem como
o Ministério Público, dispõem de poderes para regulamentar, nos seus respectivos
âmbitos, os procedimentos para revisão de decisões denegatórias, conforme prevê o
artigo 18 da LAI.
As duas primeiras instâncias do sistema adotado pelo Executivo Federal
situam-se ainda na esfera dos órgãos ou entidades recorridos, e guardam
necessariamente entre si um vínculo hierárquico54. Entretanto, a terceira instância,
no caso em tela a CGU, não exerce qualquer poder hierárquico sobre as unidades
demandadas. Esse tipo de recurso, denominado “recurso impróprio”, é atípico e
somente é cabível quando há previsão legal expressa, situação provocada pelo
artigo 16 da LAI.
Ao revisar as decisões anteriores, a CGU poderá determinar ao órgão
demandado que conceda o acesso requerido ou, se necessário, que efetue ajustes
em seus procedimentos e classifique a informação em pauta, se a considerar
enquadrada nas restrições legalmente previstas. No caso de a CGU decidir
simplesmente pela manutenção da negativa de acesso, caberá ao interessado
dirigir-se, no prazo de dez dias, à Comissão Mista de Reavaliação de Informações55.
Os recursos contra indeferimento de pedidos de desclassificação seguem
um fluxo distinto, que prevê três instâncias em vez de quatro. Os níveis de recurso
são semelhantes aos da Figura 2, porém há a supressão da instância da CGU, entre
outras modificações56. Nesse sentido, fica evidenciada a impossibilidade de a
Controladoria apreciar o mérito de decisão classificatória tomada por outro órgão ou
entidade. Caso um requerimento seja negado sob a alegação de que a informação é
sigilosa, caberá à Controladoria rever a decisão somente se identificar vícios formais
(inexistência de Termo de Classificação de Informações, por exemplo), ou se tiver
54 O conceito de “autoridade máxima”, utilizado para identificar a segunda instância recursal na LAI, tem sido identificado com os ministros de Estado, no caso da Administração Direta; e com os dirigentes máximos das entidades da Administração Indireta (BENTO, 2015, p. 190).
55 Para um quadro bastante completo sobre os prazos e instâncias recursais: CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 207.
56 No caso de pedido de desclassificação de informações detidas pelas Forças Armadas, por exemplo, a primeira instância será representada pelo respectivo Comandante e, em caso de subsistir a negativa, caberá recurso ao Ministro de Estado da Defesa (§ 2º do art. 37 do Decreto nº 7.724/2012)
70
ocorrido um erro material, tal como a classificação de informação que a legislação
define como de acesso público (BENTO, 2015, p. 196).
A Lei nº 12.527/2011, em outro de seus aspectos inovadores, prevê
hipóteses de responsabilização de agentes públicos que atentem contra o direito
fundamental de acesso à informação. No caso de servidores regidos pela Lei nº
8.112/1990, a punição mínima para a conduta ilícita é a suspensão. Na hipótese de
serem militares, determina-se, no inciso I do parágrafo 1º do artigo 32, que essas
condutas sejam consideradas
I - para fins dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas, transgressões militares médias ou graves, segundo os critérios neles estabelecidos, desde que não tipificadas em lei como crime ou contravenção penal.
Por fim, identificamos na LAI uma inovação que merece especial atenção no
contexto deste trabalho, em função de suas consequências para a atividade de
inteligência estratégica. Refere-se à aparente prevalência da proteção das
informações pessoais frente ao resguardo dos “segredos de Estado”.
As restrições de acesso previstas na Lei nº 12.527/2011 estão assentadas
em duas grandes categorias de justificação: as informações consideradas
imprescindíveis para a segurança da sociedade e do Estado, as quais são
submetidas a classificação mediante ato administrativo devidamente fundamentado,
adotando-se critérios de menor restrição possível57; e as denominadas “informações
pessoais”, que podem ser definidas como aquelas relacionadas à pessoa natural
identificada ou identificável, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem (LAI,
artigo 31).
Em ambos os casos, a exceção ao princípio de transparência é considerada
incontornável, em virtude da necessidade de preservar interesses plenamente
legítimos: os de caráter coletivo, na primeira categoria de restrição; e os de dimensão
eminentemente individual, na segunda categoria.
Ao contrário do que se poderia esperar, verifica-se um tratamento bastante
desigual quanto aos prazos máximos de sigilo determinados pela legislação em cada
caso. Como se sabe, as informações classificadas como ultrassecretas são as de
sensibilidade mais elevada, aquelas que, divulgadas de forma não autorizada ou
utilizadas indevidamente, provocam riscos ou danos de maior gravidade à segurança
57 Os procedimentos especiais para o tratamento da documentação ultrassecreta estão relacionados no Decreto nº 7.845/2012 (artigos 22, 27 e 30).
71
da sociedade e do Estado (LAI, artigo 27, inciso I). Para estas informações, que
exigem medidas especiais de salvaguarda nos procedimentos de registro, expedição,
tramitação e comunicação, foi atribuído prazo de reserva de no máximo 25 anos, com
a possibilidade de uma só prorrogação por igual período, perfazendo, assim, restrição
total não superior a 50 anos.
As informações pessoais, em contrapartida, estão sujeitas a proteção que
pode se estender por até 100 anos (LAI, artigo 31, § 1º). Sua divulgação antes desse
prazo depende de consentimento expresso das pessoas a que se referem os dados
ou de previsão legal que especificamente autorize o acesso por terceiros. Deve ser
ressalvado que essa proteção não se aplica em situações de apuração de
irregularidades por parte do Poder Público, caso o titular das informações seja parte
ou interessado.
Segundo Bento (2015, p. 236-237), o conceito de informações pessoais
englobaria tanto as informações relativas a indivíduos (pessoas físicas) quanto as
relacionadas a atividades empresariais (pessoas jurídicas), mas essa interpretação
não é partilhada por outros doutrinadores58. De qualquer modo, a restrição de acesso
a informações pessoais independe de ato classificatório, ao contrário do que ocorre
com as informações sigilosas.
Seja qual for a amplitude que se atribua ao conceito de informações pessoais,
observa-se que a legislação destinou regras mais robustas para a preservação da
privacidade dos indivíduos do que para a proteção da segurança do Estado e da
sociedade em que vivem. Para uma compreensão exata do que essa escolha
representa, cabe citar aqui a relação de informações consideradas imprescindíveis
para a segurança da sociedade e do Estado conforme o artigo 23 da Lei nº
12.527/2012. São todas as informações que possam:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
58 É o caso, por exemplo, de CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 316-317. O autor defende a posição de que somente pessoas naturais podem ser titulares de informações pessoais.
72
VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. (grifos nossos)
Ocorre aqui uma ponderação equivocada de valores, como diz Bento (2015,
p.236). A preservação da soberania e da integridade do território nacional, bem como
da incolumidade física dos cidadãos, são valores aparentemente colocados em
segundo plano, frente à necessidade de preservar a privacidade dos indivíduos. A
discrepância entre os prazos máximos de reserva para as duas categorias de
restrição de acesso induz, portanto, a uma visão um tanto distorcida do interesse
público. Evidentemente, tais regras e os valores que as fundamentam trazem
impactos significativos para a condução das atividades de inteligência estratégica.
No próximo capítulo, desenvolveremos uma análise de algumas das
controvérsias geradas pela aplicação da LAI no âmbito da inteligência estratégica.
Para tanto, utilizaremos como fontes os posicionamentos formais da CGU e do
Gabinete de Segurança Institucional, órgão encarregado de coordenar as atividades
de inteligência federal e de segurança da informação, entre outras competências.
73
4 CONTROVÉRSIAS ACERCA DO ACESSO A INFORMAÇÕES RELACIONADAS
À ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA
Antes de iniciarmos a análise das dissensões relativas à implementação da
LAI no âmbito da inteligência estratégica federal, julgamos adequado discutir alguns
aspectos que consideramos pertinentes e úteis para o entendimento de processos de
implementação de políticas públicas em contextos interorganizacionais, como é o
caso dos mecanismos e procedimentos de transparência pública introduzidos pela Lei
nº 12.527/2011.
De acordo com a análise de Laurence O’Toole (2010, p. 230-232), os
governos, em virtude do progressivo crescimento de suas pautas de atuação, vêm
sendo obrigados a delinear políticas que obrigam à contínua cooperação entre
estruturas organizacionais que apresentam características diferenciadas em termos
de “maneiras de ver o mundo”. Tais concepções organizacionais muitas vezes
tornam-se claramente perceptíveis por meio de rotinas e linguagens especializadas,
entre outros atributos particulares, os quais tendem a dificultar a fluidez do intercâmbio
de informações com as demais estruturas do Estado e com a sociedade em geral.
Esse ambiente, que extrapola as estruturas hierárquicas tradicionais sem
propriamente superá-las, impõe novos desafios para os administradores públicos,
especialmente no sentido de estimular e fortalecer o esforço cooperativo entre as
unidades envolvidas. Garantir níveis mínimos de confiança interorganizacional e, ao
mesmo tempo, favorecer a identificação de interesses comuns, além de aperfeiçoar o
alinhamento e a integração de uma miríade de ações setoriais passaram a ser
condições fundamentais para o sucesso de boa parte das políticas contemporâneas.
Assim, no processo de coordenação das ações previstas por uma
determinada política pública, é natural que surjam discordâncias quanto à
interpretação das normas que regem sua implementação, e até mesmo conflitos de
competências entre os órgãos estatais, independentemente do interesse comum nos
resultados a serem obtidos.
De fato, as controvérsias institucionais são relativamente frequentes nos
cenários em que a autoridade formal, advinda do posicionamento hierárquico, é
insuficiente para a tomada de decisões, uma vez que estas também envolvem a
atuação de segmentos do aparelho estatal zelosos pela manutenção de seus
respectivos espaços na esfera pública.
74
Os novos vínculos de interdependência criados no âmbito das políticas
públicas nem sempre são capazes de inibir os confrontos entre culturas
organizacionais discrepantes, os quais precisam, portanto, ser compensados e, em
alguma medida, superados por condutas e instrumentos específicos, que induzam à
formação de arranjos estáveis de cooperação sistêmica.
Na expressão precisa de O’Toole, “a cooperação deve ser desenvolvida; não
pode ser assumida” (2010, p. 245). O Estado é aqui encarado como um locus
heterogêneo, tanto do ponto de vista político quanto administrativo. A harmonia na
atuação de suas estruturas organizacionais, especialmente no processo de
implementação de políticas públicas complexas, não é simplesmente garantida pelo
arcabouço jurídico em vigor. São necessárias também iniciativas que fomentem a
integração entre os atores institucionais, em particular após a identificação de
concepções diferenciadas sobre os procedimentos de execução mais adequados
tendo em vista as prescrições legais ou mesmo o interesse público.
Com base em tais premissas, neste capítulo será abordado o caso da
controvérsia surgida entre o GSI e a CGU quanto às condições de restrição de acesso
a informações produzidas e custodiadas pela Agência Brasileira de Inteligência
(ABIN), unidade subordinada ao citado Gabinete59. Ao se pronunciar sobre o assunto,
a CGU atuou na qualidade de instância recursal frente a pedido de informações
formulado em 20 de novembro de 2012, no qual uma cidadã solicitava ao GSI, “a
cópia dos gastos detalhados com cartão corporativo em poder da ABIN na gestão do
ex-presidente Lula”. O recurso foi encaminhado à CGU após exauridas as instâncias
no próprio Gabinete, com a negativa de acesso por parte de sua autoridade máxima.
Em suas diferentes etapas, a tramitação seguiu integralmente as disposições
previstas nos artigos 15 e 16 da Lei nº 12.527/2011. Ao apreciar o recurso em tela, a
Controladoria emitiu o Parecer nº 695, de 14 de março de 2014, o qual servirá de
principal fonte para o nosso estudo.
A escolha do Parecer nº 695/2014 deve-se, em particular, ao caráter
abrangente da interpretação proposta pela CGU, a qual, como veremos, se aplica não
só aos documentos produzidos ou arquivados pela ABIN, mas ao sigilo inerente à
atividade de inteligência de uma forma geral. A visão que atribui tal amplitude à
59 Ver nota de atualização na página 14 desta monografia.
75
interpretação expressa no parecer é corroborada por doutrinadores que já atuaram
como Analistas de Finanças e Controle da CGU.60
Trata-se de uma questão que, numa visão superficial, estaria circunscrita a
interpretações divergentes de textos legais e regulamentares por parte de dois órgãos
da Presidência da República. No entanto, como pretendemos demonstrar, suas
origens e implicações são bastante extensas e significativas, atingindo o conjunto da
atividade de inteligência estratégica no país. Nesse sentido, o relevo das
interpretações em disputa transcende em larga medida as circunstâncias que
suscitaram a manifestação por parte da CGU. Cabe, portanto, empreender uma
análise detalhada da controvérsia.
Antes de adentrar nos aspectos da polêmica em si, julgamos pertinente
abordar o papel atribuído ao GSI na implementação da LAI, o que, em nosso
entendimento, confere maior profundidade ao contexto em que se desenvolve a
questão em debate.
O artigo 37 da Lei nº 12/527/2011, institui, no âmbito do GSI, o Núcleo de
Segurança e Credenciamento (NSC), órgão central de credenciamento de segurança
do Poder Executivo federal. Embora a LAI tenha deixado as disposições sobre
composição, organização e funcionamento do Núcleo para serem definidas em norma
regulamentadora, já enuncia seus objetivos no artigo citado:
I - promover e propor a regulamentação do credenciamento de segurança de pessoas físicas, empresas, órgãos e entidades para tratamento de informações sigilosas; e
II - garantir a segurança de informações sigilosas, inclusive aquelas provenientes de países ou organizações internacionais com os quais a República Federativa do Brasil tenha firmado tratado, acordo, contrato ou qualquer outro ato internacional, sem prejuízo das atribuições do Ministério das Relações Exteriores e dos demais órgãos competentes.
Em seu artigo 3º, o Decreto nº 7.845/2012 estabelece as competências do
NSC e, no artigo subsequente, cria o Comitê Gestor de Credenciamento de
Segurança, cuja coordenação é atribuída ao GSI61. Ademais, no artigo 6º são
atribuídas ao GSI outras competências, cujo teor reproduzimos abaixo:
60 Ver, por exemplo, CUNHA FILHO; XAVIER (2014, p. 226-232) e BENTO (2015, p. 226-228). Para uma análise do parecer a partir de outra perspectiva, que leva em especial consideração a questão da preservação da identidade de fontes utilizadas pela inteligência policial: CALDERON (2015, p. 88-94).
61 Entre os órgãos integrantes do Comitê Gestor está incluída a CGU. Os demais membros são os seguintes: Casa Civil; Ministério da Justiça; Ministério das Relações Exteriores; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Defesa; e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
76
I - expedir atos complementares e estabelecer procedimentos para o credenciamento de segurança e para o tratamento de informação classificada;
II - participar de negociações de tratados, acordos ou atos internacionais relacionados com o tratamento de informação classificada, em articulação com o Ministério das Relações Exteriores;
III - acompanhar averiguações e processos de avaliação e recuperação dos danos decorrentes de quebra de segurança;
IV - informar sobre eventuais danos referidos no inciso III do caput ao país ou à organização internacional de origem, sempre que necessário, pela via diplomática; e
V - assessorar o Presidente da República nos assuntos relacionados com credenciamento de segurança para o tratamento de informação classificada, inclusive no que se refere a tratados, acordos ou atos internacionais, observadas as competências do Ministério das Relações Exteriores.
Apesar de não ser possível neste trabalho efetuar sequer uma breve análise
da dimensão e dos desdobramentos das competências citadas, é possível perceber,
apenas com o apoio dos textos normativos reproduzidos, que ao Gabinete de
Segurança Institucional cabe coordenar as medidas e os procedimentos relacionados
ao tratamento das informações classificadas no âmbito do Executivo, inclusive das
decorrentes de atos executados na esfera diplomática.
Portanto, é possível asseverar que o GSI exerce papel fundamental para a
implementação da Lei nº 12.527/2011, dadas suas funções em termos da salvaguarda
das informações sigilosas, isto é, aquelas que são temporariamente sujeitas a
restrições de acesso, em virtude de sua reserva ser imprescindível para a segurança
da sociedade e do Estado. Também deve ser destacado o fato de o titular do
Gabinete ter sido designado como membro da Comissão Mista de Reavaliação de
Informações (CMRI), que é presidida pela Casa Civil da Presidência da República,
conforme prevê o artigo 46 do Decreto nº 7.724/2012.
Assim, a controvérsia de que nos ocupamos opõe, de um lado a CGU, órgão
que supervisiona as ações setoriais de implementação da LAI e é responsável pela
difusão da “cultura de transparência” ao conjunto do Executivo e, de outro o GSI, que
coordena as medidas de salvaguarda da informação sigilosa nessa mesma esfera de
atuação.
Além de atuarem na implementação de políticas públicas relacionadas à
promoção do direito de acesso à informação pública, os dois órgãos possuem, ainda
que em diferentes níveis, responsabilidades no campo da atividade de inteligência,
pois ambos integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), cujo
funcionamento se caracteriza pela articulação coordenada de seus membros,
77
conforme dispõe o artigo 5º do Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 200262. Há,
neste caso, porém, uma assimetria significativa, pois ao GSI compete coordenar o
conjunto das atividades de inteligência federais; a CGU, entretanto, não está incluída
no núcleo central do SISBIN, que é constituído pelos membros de seu Conselho
Consultivo63.
Observe-se que a Controladoria desenvolve ou participa de atividades que
exigem a manutenção de sigilo para o seu sucesso. Um exemplo nesse sentido são
as operações especiais executadas em conjunto com o Departamento de Polícia
Federal e o Ministério Público, com o objetivo de desarticular organizações criminosas
que desviam recursos públicos por meio de fraudes, corrupção e irregularidades em
licitações e contratos, entre outros ilícitos64. Essa atuação decorre das competências
atribuídas à CGU por meio da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, em especial
aquelas relacionadas ao controle interno do Poder Executivo Federal65.
Por consequência, não seria correto afirmar que a cultura organizacional da
CGU é infensa à aplicação de medidas de restrição de acesso a informações
sensíveis, valorizando apenas as iniciativas de promoção da transparência pública.
Trata-se, na verdade, de rotinas e procedimentos regularmente adotados no órgão,
especialmente na Coordenação-Geral de Operações Especiais da Secretaria Federal
de Controle Interno, onde o emprego de medidas de salvaguarda é indispensável.
(PINTO, 2009).
De fato, os fluxos informacionais vinculados às ações de controle interno,
auditoria pública e correição, em virtude da natureza peculiar dos temas tratados,
62 A CGU faz parte do Sistema desde 2005. Incialmente esse vínculo abrangia o conjunto da Controladoria. Porém, na redação dada pelo Decreto nº 6.540/2008, que altera dispositivos relativos à composição do SISBIN, esse laço é estabelecido por meio da Secretaria-Executiva da CGU.
63 A composição do Conselho Consultivo, que sofreu algumas alterações desde a criação do Sistema, é apresentada no artigo 8º do Decreto nº 4.376/202. A última modificação data de 2012.
64 No período de janeiro a julho de 2015 a CGU participou de 14 operações especiais dessa natureza. A relação dessas operações e um resumo de seus resultados estão disponíveis em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/auditoria-e-fiscalizacao/acoes-investigativas/operacoes-especiais>. Acesso em: 12 ago. 2015. Cabe referir que uma das investigações realizadas no período ainda é mantida sob sigilo por ordem judicial. Sobre os riscos envolvidos nas operações especiais e o caráter necessariamente sigiloso dessas atividades, ver PINTO (2009, p. 49-63).
65 As competências são apresentadas nos artigos 17 e 18 da Lei nº 10.683/2003. De acordo com a norma citada, cabe à CGU “assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal (art.17)”. A estrutura e o funcionamento da CGU constam do Decreto nº 8.109, de 17 de dezembro de 2013.
78
estão mais sujeitos à execução de medidas de segurança, aqui entendidas como
aquelas “destinadas a garantir sigilo, inviolabilidade, integridade, autenticidade e
disponibilidade da informação classificada em qualquer grau de sigilo” (inciso XII, art.
2º do Decreto nº 7.845/2012).
Está, portanto, totalmente afastada a possibilidade de se abordar a
controvérsia entre a CGU e o GSI a partir de um viés esquemático ou maniqueísta,
no qual, por exemplo, procurar-se-ia visualizar um debate envolvendo órgãos
caracterizados respectivamente por uma “cultura de transparência” e uma “cultura de
sigilo”. Tal simplificação analítica, se adotada, originaria graves distorções do
problema, comprometendo em boa medida a objetividade da pesquisa.
Especialmente porque tal perspectiva tende a ignorar, ou pelo menos subestimar, a
complexidade dos fluxos informacionais em cada um dos órgãos estudados,
tratando-os como meros reflexos homogêneos de uma determinada “cultura”
administrativa estabelecida a priori pelo investigador.
Esclarecidos esses aspectos contextuais, que julgamos relevantes, uma vez
que submetem à crítica preconceitos e estereótipos difundidos nas esferas
institucional e acadêmica, passaremos agora a examinar nossa principal fonte para a
controvérsia em tela, o Parecer nº 695/2014 da CGU.
No documento, cujo texto integral é incluído como anexo desta monografia,
a principal questão em debate diz respeito às regras legais que são aplicáveis ao
sigilo das atividades de inteligência, em termos gerais, e às atividades da ABIN, em
âmbito mais específico66.
O GSI argumenta que a Lei nº 12.527/2011 não deve ser entendida como a
única referência para determinar os procedimentos a serem seguidos na avaliação
do direito de acesso a informações de inteligência. O Gabinete cita, para
fundamentar a sua posição, o texto do artigo 22 da LAI, que prevê a manutenção de
situações especiais de sigilo estabelecidas na legislação em vigor:
Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
Segundo a interpretação do GSI, entre as hipóteses de restrição que
continuariam em vigor, independentemente das inovações introduzidas pela LAI,
66 O Parecer nº 695/2014 da CGU também pode ser consultado em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/precedentes/PR/GSI-PR/pa6952014.pdf>. Acesso em: 4 maio 2015.
79
estaria o sigilo especial atribuído à ABIN por intermédio dos artigos 9º e 9º-A da Lei
nº 9.883/1999, que institui o Sistema Brasileiro de Inteligência e cria a citada
Agência para exercer o papel de seu órgão central.
Com efeito, o artigo 9º da lei que reorganizou a inteligência federal do país
estabelece condicionante para a publicidade dos atos praticados pela ABIN, em
função da natureza de suas atividades:
Art. 9º Os atos da ABIN, cuja publicidade possa comprometer o êxito de suas atividades sigilosas, deverão ser publicados em extrato.
§ 1º Incluem-se entre os atos objeto deste artigo os referentes ao seu peculiar funcionamento, como às atribuições, à atuação e às especificações dos respectivos cargos, e à movimentação dos seus titulares.
§ 2º A obrigatoriedade de publicação dos atos em extrato independe de serem de caráter ostensivo ou sigiloso os recursos utilizados, em cada caso (grifo nosso).
Posteriormente, com a edição da Medida Provisória nº 2.123-30, de 27 de
março de 2001, foi acrescentado o artigo 9º-A à Lei nº 9.883/1999. Esse artigo, entre
outras disposições, atribui ao titular do GSI a exclusividade na divulgação de
informações ou documentos de inteligência vinculados à ABIN:
Art. 9º A - Quaisquer informações ou documentos sobre as atividades e assuntos de inteligência produzidos, em curso ou sob a custódia da ABIN somente poderão ser fornecidos, às autoridades que tenham competência legal para solicitá-los, pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, observado o respectivo grau de sigilo conferido com base na legislação em vigor, excluídos aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
§ 1º O fornecimento de documentos ou informações, não abrangidos pelas hipóteses previstas no caput deste artigo, será regulado em ato próprio do Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
§ 2º A autoridade ou qualquer outra pessoa que tiver conhecimento ou acesso aos documentos ou informações referidos no caput deste artigo obriga-se a manter o respectivo sigilo, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal, e, em se tratando de procedimento judicial, fica configurado o interesse público de que trata o art. 155, inciso I, do Código de Processo Civil, devendo qualquer investigação correr, igualmente, sob sigilo (grifos nossos).
O Gabinete de Segurança Institucional avalia que o artigo 22 da LAI
recepcionou integralmente essa situação específica de sigilo. Os dispositivos da Lei
nº 9.883/1999, em razão de seu caráter especial, prevaleceriam sobre as regras
gerais da Lei nº 12.527/201167. Em termos práticos, não seria obrigatória a
classificação dos documentos da ABIN de acordo com as prescrições contidas na
LAI. Se as informações pudessem vir a comprometer suas atividades de inteligência,
67 Sobre os critérios para a solução de antinomias jurídicas: BOBBIO (2006, p. 81-114)
80
elas seriam consideradas sigilosas, independentemente de ato formal de
classificação, que exige o preenchimento do Termo de Classificação de Informação
(TCI), conforme previsto no artigo 31 do Decreto nº 7.724/2012.
Quando a divulgação das informações deixasse de exercer influência sobre
o êxito das atividades da ABIN, a informação tornar-se-ia acessível aos eventuais
interessados. Antes dessa condição ser cumprida, haveria somente uma publicidade
“moderada”, por meio de divulgação de extrato. A restrição atenderia ao interesse
público em termos gerais e, simultaneamente, protegeria a identidade de fontes
utilizadas nas operações, de acordo com o entendimento esposado pelo GSI e
expresso em resposta à consulta efetuada pela Controladoria na instrução de
recurso administrativo (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2014, p. 8):
Para a execução das ações especializadas de Inteligência, especialmente das operações de Inteligência, é fundamental a manutenção do sigilo das despesas incorridas durante e após o curso das ações. A publicidade do detalhamento das despesas operacionais expõe as fontes e o modus operandi da organização, razão pela qual a publicidade é mitigada nos termos do art. 9º da Lei nº 9.883/1999.
Considerando-se respaldado por esses argumentos jurídicos68, o GSI
negou-se a fornecer o detalhamento de despesas efetuadas com os Cartões de
Pagamento do Governo Federal em posse da ABIN referentes ao primeiro mandato
de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006). A solicitante, por
outro lado, entendia que os gastos não poderiam ser mantidos sob sigilo naquela
oportunidade, pois já havia decorrido o prazo máximo de classificação previsto pela
LAI para as informações reservadas.
Ao se manifestar como instância recursal, a CGU analisou o mérito da
demanda tomando como ponto de partida a distinção entre segredo de Estado e as
demais espécies de sigilo. Conforme o parecer elaborado pelo órgão, o segredo de
Estado decorre necessariamente de “ato administrativo motivado formal” que será
aplicado apenas e tão somente nas situações previstas no artigo 23 e § 2 do artigo
24 da LAI. Em outras palavras, o segredo de Estado só seria legítimo mediante a
classificação da informação a ser protegida, e seu registro formal em documento
próprio, o TCI, cujo modelo é apresentado no anexo do Decreto nº 7.724/2012. O
68 No caso específico do pedido que deu origem ao Parecer nº 695/2014, foram também utilizados, como fundamento legal para o indeferimento de acesso, o artigo 86 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, no qual se lê: “a movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita sigilosamente e nesse caráter serão tomadas as contas dos responsáveis” e os artigos 45 e 47 do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986.
81
artigo 22 da LAI, que prevê a manutenção de sigilos especiais autônomos, não se
aplicaria ao segredo de Estado, resguardando apenas as informações pessoais,
com vistas à preservação da intimidade e vida privada.
O responsável pelo parecer aponta inconsistências conceituais na redação
do artigo 9º-A, quando confrontada com a terminologia empregada na LAI. Tais
discrepâncias são relacionadas ao contexto da época de publicação da Lei nº
9.883/1999. De acordo com a CGU, então se interpretava a classificação como um
ato de gestão documental simples, sem considerar seu impacto sobre o exercício de
direitos fundamentais por parte de terceiros.
Em seguida, o parecer analisa se a Lei nº 9.883/1999, que fundamentaria o
sigilo especial defendido pelo GSI, dispõe efetivamente sobre informações sigilosas.
A conclusão é negativa, pois a norma menciona apenas técnicas e meios sigilosos
(artigo 3º, § único) e atividades sigilosas (artigo 9º). Assim, a CGU entende que as
informações elaboradas pela ABIN e pelos demais órgãos federais de inteligência,
estão sujeitas, sem exceção, aos procedimentos previstos na LAI e no Decreto nº
7.845/2012.
A despeito de considerar insubsistentes os argumentos jurídicos
apresentados pelo GSI em sua fundamentação da negativa de acesso, a CGU
decidiu não interferir na acessibilidade das informações requeridas, alegando
obediência ao princípio da legalidade. Para a Controladoria, o que estava em causa
não era o acesso imediato aos documentos relativos às despesas com os cartões
corporativos de posse da ABIN, mas a garantia da aplicação de procedimentos que
permitirão que esses gastos venham a ser divulgados, uma vez decorrido o prazo
legal de reserva.
A CGU não se propõe a tornar ostensivos documentos que deveriam ser
classificados, pois esta iniciativa extrapola a esfera de suas competências. A
omissão do GSI em efetuar a devida classificação não autoriza a CGU a
disponibilizar a informação requerida que, por sinal, tem restrição de acesso prevista
em lei. Assim, o Analista de Finanças e Controle que assina o parecer opina pelo
desprovimento do recurso recebido, embora recomende que o GSI proceda
“[...] à classificação das informações sigilosas relativas às atividades de inteligência, observado o disposto na Lei 12.527/2011, no Decreto 7.724/2012 e no Decreto 7.845/2012, dentre as quais aquelas referidas no objeto deste processo” (grifo do responsável pelo parecer).
82
O Parecer nº 695/2014 serviu para fundamentar a decisão do Ouvidor-Geral
da União, autoridade a quem foi atribuída, por meio da Portaria CGU nº 1567, de 22
de agosto de 2013, a competência para apreciar e decidir os recursos dirigidos à
Controladoria69.
Embora a decisão seja relativamente recente, com data de 17 de março de
2014, já gerou repercussão entre os doutrinadores. Para Marcio Cunha Filho e Vitor
César Xavier, por exemplo, o entendimento sobre a necessidade de classificação é
correto, mas sob outros fundamentos, considerados mais simples que os defendidos
pela CGU (2014, p. 231-232). Os autores ressaltam que a LAI, no inciso VIII do
artigo 23, trata especificamente da restrição de acesso a informações que possam
comprometer atividades de inteligência. Portanto, teríamos aqui uma regra especial
da LAI voltada para essas atividades e não apenas regramentos de caráter genérico.
Assim, os dispositivos da Lei nº 9.883/1999 que preveem a publicidade mitigada dos
atos da ABIN, independentemente de classificação, não teriam sido recepcionados
pela Lei nº 12.527/2011. Mesmo que a argumentação siga outro direcionamento, a
conclusão é semelhante à da CGU:
Dessa forma, por regra, as atividades de inteligência da ABIN têm natureza pública, devendo ser disponibilizadas quando concluídas, exigindo-se o Termo de Classificação da Informação caso seja necessário garantir a restrição de acesso (CUNHA FILHO; XAVIER, 2014, p. 232).
Ao apreciar o assunto, tomando como referência outro parecer com temática
semelhante, Leonardo Bento também opina que o artigo 22 da LAI não é suscetível
de aplicação a situações de segredos de Estado70. Para ele, as hipóteses de sigilo
de Estado existentes em outras normas, relacionados com segurança, teriam sido
tacitamente revogadas pela Lei nº 12.527/2011 (BENTO, 2015, p. 227).
Mariana Calderon, por sua vez, é uma crítica severa do posicionamento da
CGU sobre a abrangência dos sigilos especiais. A delegada mostra-se
particularmente preocupada com as implicações para a segurança de fontes
humanas que prestam serviço aos órgãos de inteligência policial (CALDERON,
2015, p. 88-94).
69 Há determinadas casos, previstos no artigo 2º da Portaria, em que as decisões são submetidas à confirmação do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União. Entretanto, no caso do pedido de informação analisado esse procedimento não foi necessário.
70 O documento em questão é o Parecer nº 2.408, de 23 de setembro de 2013, que responde a um recurso dirigido contra decisão de negativa de acesso tomada pela Secretaria Geral da Presidência da República.
83
Lembrando que a Constituição Federal resguarda o sigilo da fonte quando
necessário ao exercício profissional (artigo 5º, inciso XIV), a autora menciona
circunstâncias que permitiriam a identificação indireta de informantes recrutados pela
Polícia Federal, caso os documentos que registram os dados repassados fossem
tornados públicos em cinco anos, período máximo de reserva no âmbito do órgão
policial no qual atua. Obviamente, a eventual identificação, que independe da
menção a dados de qualificação pessoal no relatório de Inteligência, gera risco de
vida para a fonte. De fato, se o alvo da operação policial tiver acesso ao conteúdo
repassado pelo informante, o criminoso poderá, por meio de raciocínio dedutivo,
saber quem é o colaborador e, se julgar conveniente, adotar medidas de represália
que lhe permitam salvaguardar o sigilo das ações ilícitas.
Para evitar que isso ocorra, a autora propõe que em tais situações o
conceito de informação pessoal seja aplicado em sentido lato, de modo a abranger
toda a informação que possa expor a identidade do informante, ainda que
indiretamente. Prevalecendo tal interpretação, os órgãos de inteligência estariam
dispensados de classificar relatórios que contenham informações provenientes de
fonte humana. Para esses documentos, portanto, não seria elaborado o Termo de
Classificação de Informação (TCI) e tampouco haveria registro no rol de informações
classificadas, que é divulgado anualmente na página oficial do órgão na Internet71.
Entretanto, para garantir a obediência ao princípio da motivação, caberia à
autoridade responsável cumprir os seguintes procedimentos:
[...] consignar o caráter de pessoalidade do relatório de inteligência, a sua consequente qualidade de documento sigiloso e a justificativa legal para a restrição de acesso público, devendo o documento ser arquivado no mesmo local destinado à guarda de documentos sigilosos (CALDERON, 2015, p. 91).
Mariana Calderon sugere ainda outra interpretação das normas vigentes que
permite preservar a incolumidade dos informantes recrutados pelos órgãos de
inteligência. A autora introduz a hipótese de que o sigilo da fonte é uma espécie de
sigilo autônomo, devidamente protegido pela Constituição Federal, o qual estaria
excluído do universo de aplicação das regras da LAI, por força de seu já citado
artigo 22.
Se, a partir do primeiro entendimento, as informações relativas a fontes
deveriam ser resguardadas do acesso público por até cem anos, prazo máximo de
71 O dispositivo que versa sobre publicação do rol anual de informações classificadas está no inciso II do artigo 45 do Decreto nº 7.724/2012.
84
restrição previsto para as informações pessoais, nesta segunda interpretação, que
prevê a existência de sigilo autônomo de fonte, não há como definir um prazo para a
divulgação.
Como se pode observar, a definição precisa e objetiva dos sigilos especiais
que foram legitimados por meio desse artigo é fundamental para a conformação dos
fluxos informacionais dos órgãos de inteligência. Uma vez que o legislador optou por
não relacionar de maneira exaustiva os sigilos autônomos a serem mantidos fora do
alcance da Lei nº 12.527/2012, o surgimento de controvérsias com base em
interpretações divergentes sobre a amplitude das hipóteses de sigilo era de se
esperar. Nesse sentido, o debate entre a CGU e o GSI sobre o reconhecimento da
validade ou não dos dispositivos especiais de sigilo previstos na legislação que rege
a atuação da inteligência provavelmente será acompanhado por polêmicas
semelhantes, envolvendo a Controladoria e outros órgãos públicos federais.
Ao analisar tais controvérsias, Calderon constata uma tendência da CGU a
ampliar tanto quanto possível o campo de aplicação da LAI, com o recurso inclusive
a intepretações um tanto forçadas das normas em vigor, configurando o que a
autora denomina de “ginástica jurídica” e “salto triplo carpado hermenêutico”72. Para
a delegada, o peculiar posicionamento exegético da Controladoria deriva das
motivações político-ideológicas que influenciaram a aprovação da LAI e a
transformaram em bandeira política (CALDERON, 2015, p. 93).
Juliano Heinen é outro doutrinador cujas interpretações revestem-se de
interesse para nossa análise do debate sobre as condições de acesso às
informações relacionadas à atividade de inteligência estratégica. Em seus
comentários a respeito do artigo 22 da Lei nº 12.527/2011, Heinen procura identificar
os casos de sigilo autônomo, isto é, aqueles que não estão submetidos aos
procedimentos de acesso instituídos pela LAI. Em sua extensa relação, Heinen inclui
o sigilo dos atos praticados pela ABIN, conforme disposto no artigo 9º da Lei nº
9.883/1999, já reproduzido neste trabalho.
Portanto, ao contrário da interpretação esposada pela CGU, o autor avalia
que as exceções de acesso previstas no artigo 22 da LAI abrangem tanto as
informações de caráter pessoal quanto os segredos de Estado. Heinen ressalta,
porém, que toda e qualquer recusa de disponibilização deve ser justificada por meio
72 Como informa a própria autora, expressões foram utilizadas originalmente, em contexto diverso,
pelo então ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (CALDERON, 2015, p. 93).
85
de argumentos que apontem o interesse da coletividade, “seja da sociedade em si
ou do Estado, para haver a preservação da incolumidade de cada qual” (HEINEN,
2014, p. 203). Aduz ainda que as restrições somente seriam admitidas quando
indispensáveis e plenamente compatíveis com critérios de razoabilidade e
oportunidade.
Neste breve panorama da doutrina relacionada à controvérsia em tela, cabe
mencionar o artigo publicado em abril de 2012 por Fábio Condeixa, que além de
advogado é Oficial de Inteligência, tendo atuado como representante do GSI em
Grupo de Trabalho encarregado de regulamentar a LAI no âmbito do Poder
Executivo federal73.
De acordo com o autor, embora a citada lei determine a classificação das
informações passíveis de comprometer as atividades de inteligência, tal disposição
deve ver lida com especial parcimônia, “pois o sigilo de certas informações não pode
ficar sujeito aos prazos do art. 24” (CONDEIXA, 2012, sem paginação). Ele invoca
então o princípio da especialidade, recorrendo ao § 2º do artigo 9º da Lei nº
9.883/1999, para sustentar que o sigilo dos atos da ABIN independe de
classificação, in verbis: “a obrigatoriedade de publicação dos atos em extrato
independe de serem de caráter ostensivo ou sigiloso os recursos utilizados, em cada
caso”.
Segundo Condeixa, o fato de inexistir a obrigatoriedade de classificação não
implica subtrair a informação elaborada pela ABIN ao controle democrático, pois tal
papel é regularmente exercido pela Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência (CCAI), conforme preceitua o artigo 6º da Lei nº 9.883/1999. Em
seguida, o autor afirma existirem na ABIN muitas informações passíveis de
classificação, mas não chega a assinalar os critérios que devem ser utilizados para
distingui-las daquelas não suscetíveis a esse procedimento.
Após cotejar as disposições da Lei nº 12.527/2011 com as da norma que
instituiu o SISBIN e criou a ABIN, Condeixa conclui que, quanto à esfera da
inteligência, as regras da LAI se endereçam a investigações específicas, enquanto
as da Lei nº 9.883/1999 referem-se ao funcionamento da atividade em termos mais
gerais. Os desdobramentos práticos dessa concepção para os fluxos informacionais
do órgão são expressos de maneira sintética no seguinte trecho:
73 É relevante observar que o artigo de Fábio Condeixa foi elaborado antes da publicação dos decretos 7.724/2012 e 7845/2012, ambos regulamentadores de preceitos da LAI.
86
Desse modo, uma investigação conduzida pela ABIN, no tocante aos seus meios, deverá ser sigilosa independentemente de classificação, isto é, por prazo indefinido; já as informações sobre resultado das investigações – as informações obtidas e as conclusões tiradas – devem ser classificadas nos graus reservado, secreto ou ultrassecreto, devendo ser disponibilizadas ao público após o decurso do respectivo prazo de restrição de acesso (CONDEIXA, 2012, sem paginação).
A questão da preservação do sigilo da fonte também é referida pelo Oficial
de Inteligência. Para o autor, embora o direito tenha sido originalmente introduzido
na Constituição Federal com o intuito de conferir segurança e independência à
atividade jornalística, a proteção que ele confere é aplicável, mutatis mutandis, aos
órgãos e unidades de Inteligência, uma vez que usualmente também empregam
técnicas de recrutamento e controle de fontes. Condeixa avalia que, salvo exceções
relacionadas ao interesse histórico, a preservação de fonte deve ser perene. O sigilo
“se imporá até mesmo pelo esquecimento” (2012, sem paginação).
Com este percurso analítico pelos textos dos doutrinadores, cremos ter
evidenciado que os diferentes entendimentos sobre as condições de acesso as
informações de inteligência, particularmente as de caráter estratégico, não se
restringem à CGU e ao GSI. De fato, as interpretações sobre a natureza e a
amplitude do artigo 22 da LAI, bem como sobre a vigência dos artigos 9º e 9º-A da
Lei nº 9.883/1999 são em alguns casos contraditórias e certamente geram dúvidas e
insegurança aos profissionais que produzem conhecimentos ou custodiam
documentos de inteligência.
Em 2013, a divulgação, sem a autorização oficial, de Ordem de Missão
elaborada pela ABIN trouxe novos elementos ao debate sobre as condições de
acesso às informações oriundas da atividade de inteligência74. O documento,
difundido por uma unidade da Agência sediada em Brasília, determinava a 15
superintendências estaduais que informassem sobre a disposição de trabalhadores
portuários em promover ações grevistas nos próximos dias, em protesto contra os
impactos da Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012, que ficou
74 Trata-se da Ordem de Missão nº 022/82105, de 13 de março de 2013, cujo título é “Mobilização dos Portuários”. A autenticidade do expediente, reproduzido parcialmente na imprensa, foi reconhecida pelo titular do GSI. A segunda e última página do documento não chegou a ser veiculada. As notícias sobre as ações de monitoramento empreendidas pela ABIN foram publicadas inicialmente pelo jornal “O Estado de São Paulo”. A primeira matéria sobre o assunto, que data de 4 de abril de 2013, está disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,abin-monitora-movimento-sindical-no-porto-de-suape-imp-,1016803>. A Ordem de Missão foi mencionada apenas em 8 de abril de 2013, em matéria publicada pelo mesmo periódico: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,documento-da-abin-desmente-ministro-e-confirma-avigilancia-de-sindicalistas-,1018582,0.htm>. Acessos em 15 jul. 2015.
87
conhecida como MP dos Portos. No cabeçalho e no rodapé da Ordem de Missão
estava consignada a expressão “sigiloso”, que não estava acompanhada do grau de
classificação (reservado, secreto ou ultrassecreto).
Na época, a repercussão do vazamento na mídia foi bastante significativa,
pois o ambiente político encontrava-se conturbado, em face do início da campanha
para as eleições presidenciais de 2014. Com efeito, o governador de Pernambuco,
Eduardo Campos, que era um dos pré-candidatos, vinha se destacando pela
oposição às mudanças no sistema de exploração portuária introduzidas pela MP nº
695/2012.
Assim, o monitoramento da mobilização dos portuários foi atribuído a
motivações políticas, o que ensejou reações contrárias por parte de formadores de
opinião e congressistas. Entre eles o deputado Vanderlei Macris, que solicitou à
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) a aprovação de
convite ao titular do GSI para o esclarecimento da motivação e dos fundamentos
legais da atuação da ABIN no episódio75. O requerimento foi aprovado e o Ministro
José Elito Carvalho Siqueira compareceu à CCAI em 17 de abril de 2013,
acompanhado do Diretor-Geral da ABIN.
Em sua fala perante a Comissão, o titular do GSI referiu-se à Ordem de
Missão como “um memorando circular de rotina técnica de inteligência” e negou a
existência de qualquer ilegalidade ou interesses político-partidários relacionados ao
expediente:
O objetivo, naquela oportunidade, era alertar essas autoridades [ministros de estado] para tomarem ou não medidas preventivas para evitar um caos maior no País, se acontecesse a greve (BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. CCAI, 2013, p. 11).
No decorrer da reunião, o Ministro foi questionado não só a respeito das
motivações do levantamento sobre a possível interrupção dos serviços portuários,
como também sobre a regularidade da formalização da própria Ordem de Missão,
sob a alegação de que o documento deveria ter sido classificado. O Deputado Paulo
Pereira da Silva abordou o tema de forma um tanto desabrida:
75 Antes mesmo da aprovação do convite para a ida à CCAI, o Gabinete havia emitido duas notas à imprensa com o objetivo de esclarecer a atuação da ABIN. A primeira delas está disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/notas-oficiais/notas-oficiais/nota-a-imprensa-30>. Acesso em: 15 jul. 2015. A segunda é reproduzida parcialmente na página 29 da Ata da 2ª Reunião da CCAI de 2013: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cffc/audiencia-publica/2013/2013-arquivos-originais/ReunioAP17042013AtuaodaAbinAtajuntocomNT.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2015.
88
Agora, esse boletim (sic) é irregular. O senhor sabe que ele é irregular, porque eu estou aqui com a legislação que criou a Abin, e não existe sigiloso. Sigiloso é um meio de esconder das pessoas que pedirem lá. O que pode haver lá é secreto, ultrassecreto e outras coisas mais, mas sigiloso é que, se qualquer cidadão pedir, não vai ter acesso. Então, era uma ação secreta (BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. CCAI, 2013, p. 27).
Ao responder ao Deputado, os argumentos do titular do GSI inicialmente
seguem a mesma linha adotada diante da solicitação de acesso aos gastos com o
cartão corporativo da ABIN já mencionada neste capítulo. O texto do artigo 22 da
LAI foi apontado como a fundamentação legal para a ausência de classificação.
Mas, em seguida, o Ministro recorre a exemplos que são mais compatíveis com o
conceito de “documento preparatório”, tal como definido no Decreto nº 7.724/2012,
do que propriamente com as exclusões previstas no artigo 22 da Lei nº 12.527/2011,
que atendem a hipóteses de sigilo especial:
É o que eu estava dizendo das licitações. Enquanto as licitações não são abertas, todos os documentos que estão nos processos – está ali o segredo industrial, etc., nenhum deles é reservado, nem é secreto. São documentos que as pessoas podem colocar como pessoais, sigilosos, controlados, porque não são documentos ainda classificados, mas são documentos amparados na lei (BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. CCAI, 2013, p. 27).
Os documentos preparatórios são aqueles utilizados para fundamentar a
tomada de decisão ou de ato administrativo, tais como pareceres, notas técnicas e
despachos intermediários. A condição especial de publicidade das informações
contidas nesses documentos encontra-se regulada no artigo 20 do Decreto nº
7.724/2012, o qual estabelece que o acesso aos interessados “será assegurado a
partir da edição do ato ou decisão”. O dispositivo não veda a divulgação das
informações antes da decisão ser tomada. Na verdade, ele permite à Administração
Pública avaliar os potenciais danos gerados pelo acesso antecipado. Caso haja risco
de que a publicidade reduza ou inviabilize a efetividade do ato, o gestor poderá optar
por negar o acesso, desde que motive sua decisão. Essa restrição não está
vinculada a um prazo determinado, mas à continuidade das circunstâncias capazes
de gerar os prejuízos que se pretende evitar por meio da reserva (CUNHA FILHO;
XAVIER, 2014, p. 338-340).
Aparentemente, o titular do GSI considera que a Ordem de Missão nº
022/82105 é apenas um documento de caráter preparatório. Entretanto, logo em
seguida, refere-se ao expediente como “um documento interno; não é um
documento de inteligência onde se produziu inteligência” (BRASIL. CONGRESSO
NACIONAL. CCAI, 2013, p. 29). Estas observações podem suscitar dúvidas sobre
89
as condições de acesso a documentos cujo ciclo vital transcorre somente num
mesmo órgão ou entidade.
De fato, a LAI e seus decretos regulamentadores não fazem qualquer
distinção quanto a esse aspecto. A classificação de documentos, sejam eles internos
ou destinados a processamento por parte de outras unidades da Administração,
dependerá sempre de seu conteúdo. Caso as informações possam comprometer a
segurança da sociedade ou do Estado elas serão passíveis de classificação,
procedimento que é efetuado por meio do preenchimento de formulário padronizado
específico, o Termo de Classificação de Informação (TCI).
Ao fim e ao cabo, a exposição do titular do GSI não permite identificar com
clareza os elementos que efetivamente fundamentaram a opção por consignar no
documento veiculado na imprensa a marcação de “sigiloso”. O recurso ao artigo 22
da LAI e a simultânea menção à condição de documento preparatório ou interno
geram dificuldades de interpretação praticamente insanáveis.
Com efeito, os argumentos apresentados pelo GSI para justificar o emprego
do termo “sigiloso” no cabeçalho e rodapé da Ordem de Missão, em vez da
classificação do documento, conforme preceitua a LAI, suscitaram críticas acerbas
por parte do cientista político Roberto Numeriano, na pesquisa de pós-doutoramento
que desenvolveu na Universidade Nova de Lisboa. Em seu estudo comparativo
sobre as dimensões da accountability na ABIN e no Sistema de Informações da
República Portuguesa (SIRP), Numeriano, que também é Oficial de Inteligência,
defende que essa prática não possui amparo legal.
O autor revela que a opção pelo simples registro do termo “sigiloso”, em vez
da atribuição dos graus de sigilo previstos na LAI, é amplamente praticada na ABIN,
especialmente no caso dos Relatórios de Difusão Interna (RDI), documentos de
inteligência que circulam apenas entre unidades da Agência. Para o cientista
político, esse procedimento, de caráter sistemático, deriva de orientação do GSI e
tem como objetivo:
[...] bloquear, ad æternum, o acesso público a dados de Inteligência, pois, de fato e legalmente, os chamados Relatórios de Difusão Interna, tanto quanto as chamadas Ordens de Missão, são documentos de Inteligência produzidos por profissionais da atividade-fim da carreira, inclusive com técnicas e métodos de obtenção de dados típicos de Inteligência, a exemplo de entrevista sob “estória-cobertura” ou contato com fontes e colaboradores (NUMERIANO, 2013, p. 104).
90
Aparentemente, a controvérsia sobre a legitimidade dos processos e rotinas
adotados no tratamento da informação sigilosa no âmbito da ABIN se manifesta
também entre seus servidores, uma vez que Numeriano atua como Oficial de
Inteligência. De fato, observa-se na análise do autor uma nítida desconfiança, que
se expressa não só em relação à legalidade dos procedimentos, mas também
quanto à boa-fé das autoridades responsáveis pela introdução dessas práticas na
Agência. O fato é significativo, tendo em vista que o próprio Numeriano assevera
que tais práticas constituem “grave violação político-institucional ao Estado
democrático de direito” (NUMERIANO, 2013, p. 102).
Acreditamos ter demonstrado que a controvérsia sobre a aplicabilidade do
regramento da LAI à atividade de inteligência estratégica e, em particular, ao órgão
central do Sistema Brasileiro de Inteligência, a ABIN, desenvolve-se em planos
distintos, embora essas diferentes esferas de debate frequentemente se
comuniquem entre si76. A discussão sobre a legitimidade de se atribuir autonomia ao
sigilo das informações produzidas pela ABIN evidencia, em alguma medida, um
fenômeno típico das relações entre organizações burocráticas em disputa por
espaços administrativos e políticos, conforme exposto por James Q. Wilson (1989).
Assim, quando o GSI, órgão ao qual a Agência está subordinada, defende a
manutenção de fluxos informacionais típicos da atividade de inteligência de Estado,
mediante o recurso a argumentos jurídicos que garantam procedimentos de acesso
mais restritos do que a regra geral, também está se posicionando em favor da
consolidação de identidade própria para a ABIN no conjunto do aparelho de Estado,
o que contribuiria para o aumento da coesão interna e o fortalecimento de seu
sentido de missão, nos termos da concepção teórica de Wilson (1989, p. 183).
Ademais, o histórico de elevado insulamento burocrático que caracteriza o
desenvolvimento da atividade de inteligência brasileira no passado recente tende a
reforçar os valores organizacionais relacionados ao sigilo e, em particular, à
76 De fato, há doutrinadores que atuaram ou continuam atuando na elaboração de pareceres em recursos administrativos encaminhados à CGU, como é o caso de Leonardo Valles Bento, Marcio Camargo Cunha Filho e Vitor César Silva Xavier. De outro lado, também há profissionais de inteligência, como Mariana Calderon e Disney Rosseti, que se ocupam do tema do acesso à informação produzida no âmbito dessa atividade a partir de uma abordagem predominantemente jurídica. Por fim, podemos citar o caso de Roberto Numeriano que, além de exercer o cargo de Oficial de Inteligência, procura analisar as questões relativas à prestação de contas por parte da Administração de uma perspectiva acadêmica, embasada nas contribuições da Ciência Política.
91
imposição de salvaguardas que condicionem o acesso a conhecimentos avaliados
como sensíveis77.
Outro aspecto que deve ser ressaltado é que as controvérsias expressam a
tensão entre concepções distintas sobre o interesse público e seus vínculos e
compatibilidades com a preservação do sigilo estatal, para além das interpretações
esgrimidas no âmbito do direito78. Nesse sentido, revestem-se de conotação política
inequívoca e refletem dilemas inerentes ao processo de institucionalização da
atividade de inteligência em Estados democráticos. No caso brasileiro, a exemplo de
outros países da América Latina, esse quadro é ainda mais complexo e instável, em
razão do papel desempenhado pelos serviços de inteligência em governos
autoritários ou ditatoriais, e da imagem negativa que lhes foi consequentemente
associada por grande parcela da sociedade civil79.
Pois é justamente nesse contexto de desconfiança remanescente, no qual
os órgãos e unidades de inteligência são muitas vezes instados a “provar” o efetivo
abandono de práticas atentatórias aos direitos humanos típicas do período
autoritário, que a disponibilidade de mecanismos de acesso à informação objetivos e
precisos ganha especial relevo e importância, uma vez que são fundamentais para a
ampliação dos instrumentos de controle da sociedade sobre a atividade em geral e
sobre cada uma de suas diversas estruturas organizacionais. Como afirma
Numeriano (2013, p. 107), neste campo a accountability é essencial para garantir a
legitimidade interna e externa das agências e sistemas.
Porém, no Brasil a introdução relativamente tardia de amplos mecanismos
de acesso à informação pública, por intermédio da aprovação da Lei nº 12.527/2011,
não contou com o apoio e o reforço que um histórico de atuação efetiva do controle
77 Sobre o insulamento burocrático do SNI, ver NUNES (1997, p. 35). Os papeis desempenhados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e, posteriormente, pela Escola Nacional de Informações (ESNI) na formulação e consolidação de uma “cultura de inteligência” são destacados, a partir de perspectivas bastante diversas, por BUZANELLI (2004) e FIGUEIREDO (2005).
78 As condições de compatibilidade entre o sigilo típico da atividade de inteligência e o interesse público são analisadas em GONÇALVES (2010, p. 41-65).
79 Para uma discussão pioneira acerca do impacto dessa imagem negativa no processo de reestruturação da atividade de inteligência no Brasil contemporâneo, ver ANTUNES (2002, p. 151-195). Ampliando a análise para a dimensão latino-americana, o artigo de GILL (2012) também aporta contribuições de interesse para o cenário brasileiro. Como um exemplo dos preconceitos que ainda subsistem no meio acadêmico em relação à atividade de inteligência, citamos o artigo de opinião publicado no jornal “Folha de São Paulo” por ROMANO (2000) intitulado “Renascimento fascista”. O texto está disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2211200009.htm>. Acesso em: 11 fev. 2015.
92
externo sobre a atividade de inteligência poderia ter proporcionado. De fato, no
âmbito parlamentar, uma das esferas desse controle, a Comissão Mista de Controle
das Atividades de Inteligência (CCAI), cujo funcionamento já estava previsto no
artigo 6º da Lei nº 9.883/1999, só foi regulamentada quase 14 anos mais tarde,
quando foi editada a Resolução do Congresso Nacional nº 2, de 22 de novembro de
201380. Ou seja, é possível afirmar que as ações de controle e fiscalização
executadas pela CCAI ainda se encontram em seus primeiros passos.
Antes da publicação da citada norma, a Comissão enfrentava sérias
dificuldades para exercer suas atribuições. Joanisval Gonçalves classifica os
obstáculos em três categorias: institucionais, políticos e culturais. Na dimensão
institucional, destaca a falta de regimento interno e de estrutura física e
administrativa adequada. No plano político, o maior problema apontado é a “falta de
interesse da sociedade e dos dirigentes do País na área de inteligência” (2010, p.
188). Em termos culturais, o autor identifica a ausência de uma “cultura de
inteligência” no Brasil, situação que se manifesta no amplo desconhecimento sobre a
atividade ou na difusão de preconceitos e avaliações sem maior fundamentação.
No conjunto, a atuação desses fatores tendia a inviabilizar o
desenvolvimento de um sistema de controle eficaz. Gonçalves reconhece que a
capacidade de atuação da CCAI era então bastante frágil e cita a seguinte frase, um
tanto jocosa, mas reveladora da total ineficiência dos procedimentos adotados pelo
Legislativo: “[...] o Congresso pensa que fiscaliza e o Executivo finge que é
fiscalizado” (2010, p. 1990). A melhoria desse quadro depende, de acordo com o
autor, de uma mudança na imagem da atividade de inteligência entre os cidadãos e
autoridades dirigentes ou, em outras, palavras, da correção de visões deturpadas
que permanecem largamente difundidas no País.
Portanto, é pertinente asseverar que a ampliação do direito de acesso às
informações produzidas no âmbito da inteligência ensejada pela LAI não resultou
propriamente de uma mobilização social visando aperfeiçoar o controle sobre a
atividade, pelo menos na forma como vem sendo praticada desde a
redemocratização.
80 A resolução, que define as competências da Comissão e os procedimentos a serem adotados no controle, pode ser consultada em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=141450&tp=1>. Acesso em: 25 fev. 2015.
93
Nesse sentido, as preocupações em resgatar a memória de um período
traumático da história brasileira e em atender às demandas apresentadas pelas
iniciativas de justiça de transição e reparação preponderaram sobre o interesse em
controlar ou fiscalizar as ações de inteligência desenvolvidas no presente81. A
criação de mecanismos de transparência que garantissem o funcionamento
adequado da Comissão Nacional da Verdade (CNV) era a questão que alcançava
maior repercussão junto à opinião pública na época da aprovação da LAI.
Por outro lado, quando as propostas de regulamentação de acesso à
informação pública começaram a ser discutidas em diversos foros, não se observou
a articulação sistêmica dos órgãos de inteligência, ou de quaisquer instituições que
que lidam rotineiramente com segredos de Estado, no sentido de discutir modelos ou
soluções que se adequassem à realidade nacional. Aparentemente, o Conselho
Consultivo do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) sequer chegou a se reunir
para debater o anteprojeto de lei do Executivo que estava sendo elaborado na
Presidência da República, inicialmente na CGU e, em sua última fase, na Casa Civil.
É interessante observar que, de acordo com a ata da 7ª Reunião do
Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), realizada em
29 de julho de 2007, portanto quase dois anos antes do envio do anteprojeto do
Executivo ao Congresso Nacional, a ABIN foi convidada a opinar sobre a minuta de
anteprojeto que posteriormente seria remetida à Casa Civil82.
Em consequência, se é correto afirmar que o órgão central do SISBIN não
teve condições de participar ativamente das discussões sobre o projeto da LAI
quando este tramitava no Legislativo, pois deixou de ser convidado para as
audiências públicas então realizadas, não é possível dizer que a Agência tenha sido
inteiramente excluída dos debates quando a proposta era ultimada pelo Executivo
federal.
81 A reivindicação do acesso a informações registradas nos arquivos do regime militar instaurado em 1964 teve caráter central nos debates sobre a justiça de transição no País (FICO, 2012, p. 53). Os arquivos dos serviços de inteligência foram especialmente visados, devido ao papel desempenhado por esses órgãos na repressão aos grupos que aderiram à luta armada e outras organizações de esquerda. Como assinala o relatório da Comissão Nacional da Verdade, o Brasil se destaca, entre os países que sofreram situações semelhantes, pela quantidade de documentos disponibilizados para consulta em arquivos públicos (BRASIL. Comissão Nacional da Verdade, 2014, v. 1, p. 22). Entretanto, os fundos arquivísticos dos órgãos de informações das Forças Armadas não foram recuperados para acesso público.
82 A referida ata está disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/conselho-da-transparencia/documentos-de-reunioes/atas/ata-da-7a-reuniao-jun-2007.pdf>. Foi o então Secretário-Executivo do Conselho, Luiz Navarro, que mencionou o convite efetuado à Agência.
94
Porém, ao longo da pesquisa não foram encontrados indícios de que o
SISBIN tenha se manifestado de forma conjunta sobre as questões de acesso à
informação suscitadas pela promulgação da Lei nº 12.527/2011. Aparentemente,
coube a cada integrante do Sistema atualizar suas respectivas doutrinas e
procedimentos de formalização de relatórios de inteligência, em caráter individual83.
Tampouco há notícia de que o Manual de Inteligência – Bases Comuns, documento
que estabelece os fundamentos doutrinários compartilhados por todos os membros
do Sistema, venha a ser revisado, de modo a incorporar os princípios e as regras
introduzidos pela LAI e seus regulamentos, em particular o Decreto nº 7.845/201284.
Acreditamos que as deficiências de integração e cooperação entre os
componentes do Sistema, já apontadas por diversos autores, ainda não foram
inteiramente sanadas, apesar das diversas iniciativas desenvolvidas pelo GSI e pela
ABIN. A superposição de áreas de atuação entre os membros do SISBIN, fator que
certamente contribui para o surgimento de disputas interburocráticas, e a demora na
publicação da Política Nacional de Inteligência, entre outros aspectos, contribuem
para manter a interação sistêmica em níveis relativamente baixos85.
A controvérsia entre a CGU e o GSI, em torno da existência ou não de um
sigilo autônomo que regule o acesso a informações vinculadas às atividades da
Agência Brasileira de Inteligência, independentemente da LAI, expressa, de acordo
com nossa perspectiva, a insuficiente interação entre os órgãos que compõem o
SISBIN. De fato, a questão, de especial relevância, foi suscitada apenas por ocasião
de um recurso administrativo apresentado à CGU por cidadã interessada em
consultar os gastos efetuados pela ABIN por meio do Cartão de Pagamento do
83 Mariana Calderon apresenta um relato das ações de revisão e atualização de procedimentos adotadas no âmbito do Departamento de Polícia Federal, as quais incluíram a organização de dois seminários, em Brasília e Salvador, e a publicação de portarias e instruções normativas (CALDERON, 2015, p. 74).
84 As bases doutrinárias do SISBIN, que se encontram consolidadas no referido Manual, foram aprovadas por meio da Portaria nº 5/GSIPR, de 31 de março de 2005.
85 Para uma descrição pormenorizada da estrutura e do funcionamento do SISBIN, recomenda-se a leitura da monografia de Ariel Mendonça (2010, p. 45-80). Sugestões de melhoria no desenho institucional do Sistema foram apresentadas por Marco Cepik (2009). A edição da Política Nacional de Inteligência está prevista no artigo 5º da Lei nº 9.883, no qual se lê: “A execução da Política Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República, será levada a efeito pela ABIN, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo”. Os laços de cooperação entre os membros do Sistema vêm sendo ampliados recentemente, em função da criação de centros integrados de inteligência em grandes eventos esportivos e em operações conjuntas na faixa de fronteira (CERÁVOLO, 2014). Cabe ainda salientar que a Estratégia Nacional de Defesa (END) alude à relevância da “integração de todos os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)” para o incremento do nível de Segurança Nacional.
95
Governo Federal (CPGF). Ora, tanto a CGU quanto a ABIN e o GSI integram o
Sistema Brasileiro de Inteligência. Parece-nos que seria mais adequado se o debate
sobre o alcance dos sigilos especiais autorizados pelo artigo 22 da LAI tivesse se
desenvolvido, pelo menos num primeiro momento, também no âmbito do próprio
Sistema.
Nesse diálogo, poderiam intervir o GSI, na qualidade de coordenador da
inteligência federal86; a CGU, na condição de instituição responsável por centralizar
o monitoramento da Lei nº 12.527/2011 e orientar os órgãos e entidades federais no
sentido do cumprimento adequado e oportuno de seus dispositivos; a ABIN, no
papel de órgão central do SISBIN, com o encargo de executar a PNI ainda a ser
aprovada; e os demais membros do Sistema, em particular aqueles que compõem
seu Conselho Consultivo, uma vez que produzem e intercambiam conhecimentos de
inteligência em larga escala87.
Em nossa opinião, a organização desse debate, que também poderia ser
enriquecido com a participação de especialistas acadêmicos na área de inteligência,
seria bastante proveitosa para atenuar ou dissipar eventuais tensões ou disputas
interburocráticas, estreitar os vínculos de cooperação e esclarecer aspectos legais e
doutrinários de interesse. Há notícia de que iniciativas semelhantes renderam bons
frutos, tal como o pioneiro Seminário “Atividades de Inteligência no Brasil:
Contribuições para a Soberania e a Democracia”, que foi promovido, em 2002, pelo
Congresso Nacional, ABIN e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)88.
Tais eventos, além dos resultados positivos que potencialmente aportam
para o funcionamento do SISBIN, contribuem para divulgar a atividade de
86 Ver nota de atualização na página 14 desta monografia.
87 A composição do Conselho Consultivo do SISBIN, que está definida no artigo 8º do Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002, é a seguinte: GSI; ABIN; Secretaria Nacional de Segurança Pública, Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal e Departamento de Polícia Rodoviária Federal, todos do Ministério da Justiça; Subchefia de Inteligência Estratégica, Assessoria de Inteligência Operacional, Divisão de Inteligência Estratégico-Militar da Subchefia de Estratégia do Estado-Maior da Armada, Centro de Inteligência da Marinha, Centro de Inteligência do Exército, Centro de Inteligência da Aeronáutica, e Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, todos do MD; Coordenação-Geral de Combate aos Ilícitos Transnacionais da Subsecretaria-Geral de Assuntos Políticos, do MRE; e Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda.
88 Os textos apresentados no evento foram coligidos em livro editado pela ABIN em 2003. As intervenções estão também disponíveis na internet: <http://www.senado.gov.br/comissoes/ccai/SemCCAI.htm>. Acesso em: 27 fev. 2015.
96
inteligência de maneira ampla, junto a uma população que ainda mantém, em
grande medida, uma visão estereotipada da atividade. Nesse sentido, o registro
desse diálogo em meios de comunicação de fácil acesso constituiria mais um
instrumento de transparência ativa, reiterando o compromisso dos órgãos de
inteligência com a prestação de contas frente aos cidadãos brasileiros.
De acordo com a perspectiva adotada neste trabalho, um dos principais
pontos a serem esclarecidos no debate proposto diz respeito à oposição entre a
denominada “cultura do sigilo” e a “cultura da transparência”, ambas expressões
amplamente utilizadas na literatura sobre o direito de acesso à informação pública,
mas nem sempre definidas de forma precisa89. A LAI não faz menção direta à
“cultura do sigilo”, mas entre suas diretrizes há o “fomento ao desenvolvimento da
cultura de transparência na administração pública” (inciso IV do artigo 3º).
Tal princípio norteador, aplicável aos diferentes poderes e níveis de governo,
é utilizado mais adiante para direcionar especificamente as políticas públicas do
Poder Executivo Federal, onde um órgão ficará responsável:
I - pela promoção de campanha de abrangência nacional de fomento à cultura da transparência na administração pública e conscientização do direito fundamental de acesso à informação (inciso I do artigo 41).
Com a publicação do Decreto nº 7.724/2012, a tarefa foi atribuída à CGU,
que deve ainda desenvolver ações de treinamento de agentes públicos, visando ao
aprimoramento das práticas relacionadas à transparência na administração pública
(artigo 68).
Entendemos que o desenvolvimento de tais iniciativas no âmbito da
inteligência estratégica, onde o sigilo é a regra e a transparência constitui a exceção,
são passíveis de gerar controvérsias e tensões, caso os responsáveis por seu
89 A falta de clareza ou mesmo o recurso a argumentos questionáveis ocorrem especialmente no emprego do conceito de “cultura de sigilo” ou “cultura do segredo”. Marília Souza Diniz Alves, por exemplo, define cultura do sigilo como “a forma de manutenção das estruturas sociais pautada no binômio informação-poder por meio de uma relação diretamente proporcional”. A autora, em seguida, acrescenta: “[...] assim, compartilhar informações representa renunciar a uma parcela de poder; logo, o sigilo era a estratégia para manter a influência” (ALVES, 2011, p. 124). Ora, o mínimo que se pode dizer aqui é que tanto as estratégias de retenção estrita quanto as que favorecem a ampla circulação de informações podem servir à conservação das “estruturas sociais” vigentes. Da mesma maneira, a intercâmbio de informações não constitui um jogo de soma zero, isto é, os atores sociais envolvidos podem ser mutuamente beneficiados na relação. Nesse sentido, entendemos que regimes e fluxos informacionais devem sempre ser examinados em conexão com os contextos históricos e políticos que os viabilizam e definem sua dinâmica (ALMINO, 1986, p. 35). De outra forma, os fluxos informacionais no nível das organizações de Estado convertem-se em objetos de estudo ininteligíveis.
97
planejamento e execução ignorem ou minimizem a importância de tais
peculiaridades.
Em primeiro lugar, é desejável efetuar a crítica de concepções essencialistas
que assimilam o sigilo a um “mal” e a transparência a um “bem” por si mesmos. A
abordagem filosófica de Sissela Bok parece-nos a mais útil para tal finalidade. A
autora estadunidense de origem sueca, ao analisar os segredos governamentais em
seu livro sobre a ética do sigilo, observa que as sociedades diferem largamente
quanto aos níveis de opacidade do Estado que são considerados admissíveis ou
esperados pela população (BOK, 1989, p. 172).
Entretanto, independentemente dos regimes de cada país, há sempre uma
dimensão de ocultamento que é aceita como legítima. Bok avalia que o sigilo nem
sempre representa uma deficiência estatal a ser superada, isto é, não representa um
mal em si mesmo; assim como a transparência tampouco é sempre benéfica. Com
efeito, a filósofa lembra que a publicidade das atividades governamentais pode
também ser utilizada como “instrumento de injustiça”, e manipulada com o intuito
deliberado de distorcer a realidade e exercer influência indevida sobre a opinião
pública (BOK, 1989, p. 174).
Em determinadas situações, por outro lado, o sigilo não é só legítimo como
indispensável. A autora cita como exemplo o ambiente antagônico das ações
militares. Nesse contexto, o recurso ao segredo como elemento de autodefesa seria
plenamente legítimo. De fato, quanto mais fraco é o Estado perante seu oponente,
mais terá de se amparar em estratagemas e em vantagens proporcionadas pela
surpresa.
Em contrapartida, Bok não deixa de mencionar que o sigilo é
frequentemente utilizado como arma pelos agressores e como ferramenta auxiliar
em esquemas de opressão (BOK, 1989, p. 191). Ela também salienta que a
aprovação de normas que reconheçam o direito de acesso à informação é incapaz
de garantir, por si só, níveis mínimos de publicidade. Afinal, mesmo os países mais
autoritários podem dispor de arcabouços jurídicos que admitam o princípio de
abertura das informações estatais à população (BOK, 1989, p. 179).
No Brasil, o historiador e arquivista José Maria Jardim reconhece a
existência de um “limite estrutural” para a transparência administrativa. A partir da
década de 1970, o desenvolvimento nos países democráticos de políticas em prol da
ampliação do acesso à informação pública permitiu circunscrever o espaço ocupado
98
pelo sigilo nas atividades estatais, mas sem que campos mais opacos tenham sido
totalmente eliminados. Não seriam necessariamente áreas de opacidade residual,
que mereçam tratamento intensivo, visando convertê-las aos valores de
transparência e accountability. Apoiando-se na reflexão teórica de Jacques
Chevallier, Jardim reconhece que
[...] toda sociedade tem efetivamente a necessidade de zonas de sombra, de espaços de confidencialidade, que assegurem a preservação de uma esfera de autonomia individual, além da proteção de interesses públicos maiores (JARDIM, 1999, p. 65).
Assim, embora o autor não endosse os argumentos que recorrem ao
polêmico conceito de “razão de Estado”, admite que certos campos devem ser
mantidos à margem de qualquer publicidade, pois sua exposição indevida possui a
capacidade de gerar graves riscos para a coletividade, até mesmo comprometendo o
seu futuro.
Há, portanto, mesmo em sociedades democráticas consolidadas, em que
prevalece o Estado de Direito, uma “zona irredutível de segredo”.
Consequentemente, os dispositivos legais de ampliação da transparência
administrativa aprovados nas últimas décadas também serviram para demarcar e
oficializar o espaço do segredo, tornando mais precisos os seus contornos. Em
suma, a transparência e o sigilo formam uma “dupla indissociável”, em razão da
amplitude das missões assumidas pelo Estado contemporâneo (JARDIM, 1999, p.
65-66).
De nossa parte, avaliamos que essas contribuições teóricas são essenciais
para a formulação adequada de políticas públicas de fomento à transparência. A
compreensão de que os fluxos informacionais não se desenvolvem de forma
homogênea no aparelho de Estado é indispensável para reduzir ou, no limite,
eliminar a incidência de controvérsias ou disputas interburocráticas. Deve-se ter em
mente que conceitos como “cultura do sigilo” ou “cultura da transparência” somente
se revelarão úteis no sentido de favorecer mudanças de atitudes e comportamentos
quando lhes forem agregadas categorias elaboradas com base nas condições
empíricas de tratamento da informação nas organizações em que a campanha de
fomento à transparência estiver sendo aplicada.
Em outras palavras, a harmonização das inúmeras instâncias burocráticas
que participam da implementação das políticas públicas instituídas pela LAI também
está relacionada ao emprego de conceitos e valores coerentes com as diferentes
99
culturas organizacionais envolvidas no processo. Afirmar, por exemplo, que tanto no
Reino Unido quanto no Brasil prevalece (ou prevaleceu) na Administração uma
“cultura do sigilo”, sem que outras qualificações sejam aduzidas à análise, permite
deixar à margem, sem maiores preocupações, aspectos históricos de especial
relevância para o sucesso das iniciativas em favor da ampliação de acesso90.
Avaliamos que o incentivo a estudos acadêmicos que possam contribuir para o
esclarecimento das práticas administrativas relativas ao acesso à informação e
subsidiar a formulação ou a atualização de políticas públicas em favor da
transparência seria bastante positivo, ao revelar a complexidade das práticas de
ocultamento e revelação levadas a efeito pelas instituições e pelos agentes públicos
que as integram.
As contribuições de Sissela Bok e José Maria Jardim também nos auxiliam
na justificação de políticas públicas que promovem não a tão falada transparência
administrativa, mas sim a menos conhecida proteção de conhecimentos sensíveis
frente a eventuais acessos indevidos. Os procedimentos de salvaguarda desses
conhecimentos integram as ações de inteligência estratégica, no segmento de
contrainteligência.
Assim, entre as competências legais da ABIN, inclui-se a de “planejar e
executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à
segurança do Estado e da sociedade” (inciso II do artigo 4 da Lei nº 9.883/1999).
Para viabilizar a execução dessa tarefa, o GSI aprovou a Portaria nº 42, de 17 de
agosto de 2009, que institui, no âmbito da ABIN, o Programa Nacional de Proteção
do Conhecimento Sensível (PNPC)91.
Trata-se de programa cuja finalidade consiste em desenvolver, por
intermédio de parcerias entre a ABIN e instituições nacionais públicas e privadas, “a
90 Ao contrário do que ocorre no Brasil, na Grã-Bretanha as questões relativas à história do sigilo na administração pública têm despertado o interesse dos estudiosos, entre os quais David Vincent (1998) e Christopher Moran (2012) merecem destaque na produção recente. Em língua portuguesa, a dissertação de mestrado de Miguel Lopes Romão (2005), que trata da institucionalização do modelo liberal de divulgação do direito no Portugal oitocentista e da consequente retração do secretismo enquanto regra, reveste-se de caráter pioneiro e exemplar.
91 Conhecimentos sensíveis são aqueles que, em caso de acesso não autorizado, possam vir a “comprometer a consecução dos objetivos nacionais e resultar em prejuízos ao País, necessitando de medidas especiais de proteção” (inciso I do artigo 2º da Portaria GSIPR nº 42/2009). A literatura relacionada à proteção do conhecimento antecede a edição da Portaria do GSI é relativamente abundante, embora sua circulação se restrinja em grande medida ao ambiente acadêmico. Ver, por exemplo: MELHADO (2005), BALUÉ; NASCIMENTO (2006), NASCIMENTO (2008) e ANDRADE (2009).
100
proteção e a salvaguarda de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à
segurança do Estado e da sociedade, em apoio à atividade de contrainteligência”.
Se examinarmos de forma superficial as ações previstas no PNPC, tais como a
“sensibilização para fomentar a cultura de proteção dos conhecimentos sensíveis”,
que visam, em particular, à prevenção da espionagem econômica em áreas
estratégicas para o País, é possível que cheguemos à conclusão de que elas
contradizem os princípios norteadores da Lei nº 12.527/2011.
No entanto, se adotarmos a perspectiva de que os fluxos informacionais
assumem características e funções distintas, de acordo com os objetivos a serem
alcançados pelo Estado, verifica-se que inexiste real incompatibilidade entre a
política de promoção da transparência administrativa e a de proteção do
conhecimento sensível.
A própria Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada por meio do
Decreto Legislativo nº 373, de 25 de setembro de 2013, portanto já após a entrada
em vigor da LAI, expressa a importância atribuída à proteção dos conhecimentos
sensíveis para o desenvolvimento tecnológico independente e o fortalecimento da
Base Industrial de Defesa (BID), ao estabelecer que:
12. Resguardados os interesses de segurança do Estado quanto ao acesso a informações, serão estimuladas iniciativas conjuntas entre organizações de pesquisa das Forças Armadas, instituições acadêmicas nacionais e empresas privadas brasileiras. O objetivo será fomentar o desenvolvimento de um complexo militar universitário-empresarial capaz de atuar na fronteira de tecnologias que terão quase sempre utilidade dual, militar e civil (grifo nosso).
Deste modo, realizado todo este percurso, é possível retomar a análise da
controvérsia entre a CGU e o GSI sob um prisma mais acurado, que leve em conta o
fato de que a transparência administrativa pode estar orientada a diversos objetivos,
todos eles igualmente legítimos; e admitir, portanto, que ela seja passível de
implementação segundo estratégias e condições variadas, desde que preservados
os direitos fundamentais de acesso92.
Se, entretanto, optássemos por uma concepção monolítica do aparelho
Estado, na qual fosse admissível apenas uma cultura informacional, enfrentaríamos
dificuldades extremas para compreender e explicar determinadas políticas nacionais
de acesso à informação.
92 Uma interessante abordagem dos possíveis rumos a serem adotados na promoção da
transparência, e seus respectivos impactos na prestação de contas, é encontrada em FOX (2008), que recorre à experiência mexicana e a uma diversificada literatura internacional.
101
O caso mexicano parece-nos especialmente útil para o exame do problema.
O modelo legal adotado no país é considerado por Toby Mendel, consultor
internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), como um dos mais progressistas do mundo, particularmente por
dispor de um mecanismo de supervisão independente do Estado, o Instituto Federal
de Acceso a la Información Pública - IFAI (MENDEL, 2009, p. 86)93. Os cidadãos
mexicanos também são apontados, pelo mesmo autor, em entrevista concedida ao
jornal “Estado de São Paulo”, como particularmente interessados na disponibilização
de informações detidas pelos órgãos e entidades estatais (BRAMATTI; GALLO,
2012).
Contudo, no México a lei permite a prorrogação indefinida do prazo de sigilo,
o que não ocorre no Brasil. No caso do Chile, somente para citar outro exemplo de
país elogiado por seus recentes avanços na legislação de promoção do direito de
acesso, o sigilo das informações relacionadas à segurança nacional também possui
duração indefinida (BENTO, 2015, p. 111). Nos Estados Unidos, país utilizado
frequentemente como referência no assunto, especialmente devido a seu
pioneirismo no hemisfério, o Freedom of Information Act (FOIA), aprovado em 1966,
foi revisto várias vezes desde então e, em alguns casos, observou-se a introdução
de dispositivos de caráter restritivo, com o objetivo de preservar os interesses de
segurança do Estado e da sociedade.
Neste sentido, verifica-se que mesmo nos países mais progressistas no
campo das garantias ao direito de acesso à informação pública são mantidas
condições de sigilo especiais para atender às peculiaridades de segmentos da
atividade estatal particularmente sensíveis, em função do ambiente sobre o qual
atuam, muitas vezes sujeito a relações antagônicas. O reconhecimento de que a
atividade de inteligência estratégica faz parte dos segmentos que devem merecer
especial cuidado em termos de controle do fluxo informacional é bastante difundido.
93 Em maio de 2015, com a publicação da nova lei mexicana sobre transparência e acesso à informação, de caráter mais abrangente, esse organismo teve o seu nome alterado para Instituto Nacional de Transparencia, Acceso a la Información y Protección de Datos Personales (INAI). No Brasil, esse papel de supervisão é desempenhado pela CGU, que está diretamente vinculada à Presidência da República e, portanto, não dispõe de autonomia institucional. Para uma análise dos efeitos dessa situação no desempenho das ações de controle e fiscalização, em âmbito mais genérico, que não se restringe às questões de transparência administrativa, ver TORRES (2012, p. 284-289).
102
No Brasil, a LAI, como vimos no capítulo anterior, não deixa de assinalar a
relevância da atividade, pois determina que as informações passíveis de
comprometer sua eficácia sejam classificadas. Entretanto, as dificuldades de
interpretação da amplitude do artigo 22, que trata dos sigilos especiais previstos na
legislação pré-existente, gera dificuldades no processo de implementação dos
procedimentos de acesso.
Segundo nossa análise, a controvérsia entre a CGU e o GSI quanto à
validade dos dispositivos da Lei nº 9.883/1999 que tratam da publicidade dos atos
praticados pela ABIN decorre justamente da ausência na LAI de relação exaustiva
do conjunto de normas e dispositivos que foram por ela revogados.
As diferentes interpretações decorrentes da lacuna apontada se traduzem
em tensões interinstitucionais, situação que certamente não contribui para a difusão
de cultura favorável ao acesso em um segmento tradicionalmente avesso a riscos e
onde o sigilo, por dever de ofício, constitui a regra e não a exceção.
Cabe salientar que a situação é inerente à própria natureza da atividade e
não decorre de condições circunstanciais ou transitórias. Como observa Marco
Cepik, a inteligência representa a “dimensão informacional dos conflitos de
vontades” (2009, p. 3), isto é, a atividade se desenvolve em ambientes que obrigam
à reserva, gerando a tensão permanente e irredutível de suas práticas com o
princípio da publicidade típico das democracias.
Nessas condições, não é de surpreender que os órgãos mais afeitos a lidar
com segredos de Estado reagissem com certa preocupação ou desconfiança à
implementação da Lei nº 12.527/2011, ao visualizarem a possibilidade de difusão de
informações sem a cautela e o controle necessários.
O Ministério da Defesa (MD), por exemplo, ao publicar, em 2014, o “2º
Relatório de Implementação da Lei de Acesso à Informação – LAI” reafirmou o seu
empenho em cumprir as novas determinações e assim aperfeiçoar os mecanismos
de transparência, contribuindo para o fortalecimento da democracia brasileira94. O
documento apresenta um balanço estatístico e analítico sobre os resultados que
foram obtidos durante o segundo ano de vigência da norma, mostrando a evolução
94 O Relatório do Ministério da Defesa está disponível em: <http://www.defesa.gov.br/arquivos/lai/servico_de_informacao/relatorio_lai_2014_vf_v3.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2015.
103
em termos de padronização dos fluxos, de forma a tornar mais ágil o atendimento
aos pedidos de informação recebidos.
Por outro lado, não é omitida a existência de sérios desafios a serem
vencidos. Entre as medidas previstas pelo MD, e que ainda não foram concluídas,
encontramos a seguinte:
Realização de estudo sobre mecanismos de proteção às informações que perderam o grau de sigilo e cuja divulgação poderá acarretar efetivo ou potencial prejuízo à sociedade e ao Estado (BRASIL. Ministério da Defesa, 2014, p. 35)
Conclui-se que a dimensão dos impactos da LAI quanto à divulgação de
informações sensíveis ainda não foi totalmente mensurada pelo Ministério. Ao que
tudo indica ainda há a preocupação em avaliar a situação gerada pelo novo
regramento e, se for o caso, buscar soluções normativas ou procedimentais que
permitam descartar hipóteses de efeitos lesivos aos interesses do País.
Assim, cremos ser fundamental, para propiciar o pleno engajamento de
instituições que lidam com segredos de Estado no esforço de implementação das
políticas públicas de fomento à transparência administrativa, que as interpretações
sobre as condições de aplicação das regras de acesso se consolidem no prazo mais
breve possível.
Em particular, o bom desempenho da atividade de inteligência estratégica
nas sociedades democráticas depende, em grande medida, da coerência e
previsibilidade dos fluxos informacionais que lhe são atinentes, tal como definidos no
arcabouço jurídico em vigor. Afinal, como ressalta com argúcia o sociólogo francês
Claude Giraud:
O sigilo em uma organização não é propriamente um estado e sim um processo. Este não é linear. Seria circular. Com efeito, a debilitação ou a revelação de um segredo não significa o fim da prática do sigilo, mas, com maior frequência, o seu reforço ou sua continuidade, mediante a mudança de orientação ou de objeto (GIRAUD, 2007, p. 105).
Perceber e levar em consideração essas dinâmicas, em termos de suas
manifestações nas diferentes culturas organizacionais do segmento de inteligência,
tanto em suas vertentes militares quanto civis, parece-nos indispensável para que os
meritórios objetivos previstos na Lei nº 12.527/2011 alcancem sua integral
efetivação, criando as condições adequadas para o fortalecimento das instituições
democráticas, a ampliação do espaço da participação popular e a promoção da ética
pública.
104
Ademais, entendemos ser desejável o investimento de esforços, por parte
das autoridades públicas, em dois campos nos quais aparentemente há grandes
oportunidades de melhoria e potenciais efeitos multiplicadores que favorecem a
aplicação dos princípios que norteiam a LAI.
O primeiro diz respeito à continuidade do processo de institucionalização do
Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), por intermédio da aprovação da Política
Nacional de Inteligência (PNI) e da consequente dinamização das atividades de seu
Conselho Consultivo e do intercâmbio de dados e conhecimentos entre os órgãos
integrantes. Decorridos quase 16 anos da publicação da norma que instituiu o
Sistema, a Lei nº 9.883/1999, o Poder Executivo Federal não definiu, pelo menos de
forma ostensiva, as principais ameaças, objetivos e diretrizes que devem orientar a
atuação coordenada dos órgãos de inteligência federal.
Uma proposta de PNI já foi encaminhada ao Congresso Nacional para
apreciação, por meio da Mensagem nº 198, de 2009-CN (nº 997/2009 na origem),
tendo sido aprovado parecer específico no âmbito da CCAI em agosto de 2010, o
qual foi posteriormente enviado à Casa Civil da Presidência da República95. Como a
PNI ainda não foi fixada, tampouco houve a aprovação de documentos dela
decorrentes, tais como o Plano Nacional de Inteligência e a Doutrina Nacional de
Inteligência, considerados instrumentos essenciais para o desenvolvimento da
atividade de forma integrada e coesa96.
Nessas condições, o exercício do controle por parte da sociedade fica
prejudicado, tanto em sua vertente institucional, de caráter representativo, quanto na
sua dimensão direta, por intermédio dos mecanismos de acesso à informação
previstos na LAI. Os prejuízos ocasionados pela aparente inércia do Executivo já
foram assinalados por parlamentares. Em 2012, o Senador Jayme Campos, em
95 A proposta de PNI elaborada pelo Poder Executivo e enviada ao Congresso para exame e sugestões, em conformidade com o parágrafo único do artigo 5º da Lei nº 9.883/1999, pode ser encontrada em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=74151&tp=1>. Acesso em: 6 abr. 2015.
96 Por enquanto, existem apenas sucedâneos desses instrumentos. No plano doutrinário, existe o já citado Manual de Inteligência – Bases Comuns, que é bastante genérico, e a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), cuja aprovação foi efetuada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), por meio da Portaria nº 22, de 22 de julho de 2009. Em termos de planejamento, foi criado pelo GSI em 2011 o Mosaico de Segurança Institucional, que prevê o acompanhamento de centenas de cenários relativos a cinco áreas distintas de segurança (internacional, pública, da sociedade, das infraestruturas estratégicas e ambiental). O rol de cenários sob monitoramento é revisado a cada trimestre. Os integrantes do SISBIN contribuem, mediante a difusão de dados e conhecimentos, para a permanente atualização dos cenários.
105
relatório sobre os textos da Política Nacional de Defesa, da Estratégia Nacional de
Defesa e do Livro Branco da Defesa Nacional, criticou a demora na aprovação da
PNI, argumentando que a atividade de inteligência fica “bastante fragilizada” com a
situação97.
O outro campo que consideramos merecedor de esforços de aprimoramento
é o do controle externo por parte do Legislativo, cuja regulamentação, como já
mencionamos anteriormente, ocorreu apenas em novembro de 2013. Nesse caso,
contudo, a inércia foi de responsabilidade do Congresso Nacional. O funcionamento
da CCAI ainda deixa a desejar em termos de efetividade, apesar de algumas
relevantes iniciativas isoladas. De acordo com Joanisval Gonçalves, Consultor
Legislativo designado para a Comissão, as ações de fiscalização e controle ainda
enfrentam dificuldades e obstáculos, mesmo após a edição da Resolução nº 2/2013
do Congresso Nacional, recomendando-se a adoção de “mecanismos mais efetivos
de controle” (GONÇALVES, 2015, p. 1).
Acreditamos que, no âmbito da atividade de inteligência, a implementação
de políticas públicas de fomento à cultura de transparência e de valorização do
acesso à informação devem estar, na medida do possível, articuladas com o
desenvolvimento dos demais instrumentos de controle, também previstos em leis e
regulamentos. As políticas de ampliação da esfera de publicidade precisam ser
amplamente percebidas como compatíveis com a obtenção de plena eficácia da
condução da atividade de inteligência, de modo a atenuar a frequência e o impacto
de eventuais controvérsias, tensões ou resistências.
Em outras palavras, seria apropriado não apenas levar em conta as
peculiaridades relativas à natureza da atividade, especialmente no que se refere ao
caráter essencial da discrição e do sigilo para sua execução, mas também as
condições bastante específicas do contexto brasileiro. De fato, a fragilidade do
arcabouço jurídico que rege a atuação dos órgãos de inteligência no País é
apontada por inúmeros estudiosos, especialmente em termos do suporte ao
emprego de meios e técnicas operacionais (GONÇALVES, 2010, p. 199). A correção
dessas e de outras vulnerabilidades certamente contribuirão para que os dispositivos
97 O relatório do Senador está disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getDocumento.asp?t=129827>. Acesso em: 25 abr. 2015.
106
previstos na LAI encontrem a devida receptividade entre os profissionais de
inteligência.
Assim, a controvérsia entre a CGU e o GSI, relativa à existência de sigilo
autônomo para as atividades da ABIN, principal órgão da inteligência estratégica
brasileira, reveste-se de interesse mais amplo. Independentemente de seus
aspectos relevantes quanto à interpretação do ordenamento legal, ela também
expressa um anseio pelo reconhecimento de uma identidade própria para a
atividade de inteligência, o que é algo natural em seu processo de
institucionalização. Disputas interburocráticas sobre a correta interpretação das leis
em vigor não são insanáveis e tampouco impedem o desenvolvimento da
cooperação sistêmica.
Nesse sentido, entendemos que o debate público sobre os critérios de
legitimidade do segredo estatal e, em particular, o diálogo sobre a extensão dos
limites impostos à visibilidade dos fluxos informacionais dos órgãos de inteligência é
positivo para a consolidação da ordem democrática.
Em tal discussão, não é viável o mero recurso a conceitos abstratos e
atemporais de segurança nacional, os quais têm sido alvo de diversas críticas nas
últimas décadas (CEPIK, 2003, p. 139-140). A justificação dos segredos
governamentais deve sempre ser “pautada em razões sólidas”, como argumenta
Mariana Calderon (2014, p. 121). Tais motivações, para adquirirem legitimidade no
ambiente democrático, devem ser expostas ao escrutínio dos cidadãos, por meio de
mecanismos de controle e supervisão específicos. Ademais, os profissionais de
inteligência precisam estar conscientes de que exercem funções públicas e,
portanto, estão também sujeitos a mecanismos de prestação de contas e de
responsabilização típicos do Estado Democrático de Direito.
Simultaneamente, é primordial que os responsáveis pela aplicação das
políticas públicas de transparência sejam sensíveis às demandas especiais de
agilidade e segurança a que a atividade de inteligência está submetida. A opacidade
natural e inescapável dos serviços de inteligência não pode ser encarada como uma
espécie de “defeito moral” ou “mal necessário”, a ser eventualmente revertido ou
superado pela progressiva disseminação da cultura de acesso à informação pública.
De fato, os preconceitos que ainda persistem devem ser combatidos, tanto
no âmbito da sociedade como um todo quanto no contexto mais restrito do próprio
aparelho estatal. Para tanto, uma das iniciativas de maior potencial de sucesso
107
consiste em trazer “os temas de segurança, defesa, inteligência e policiamento para
a agenda dos debates políticos sobre políticas públicas” (CEPIK, 2003, p. 140).
Nesse contexto, cabe reafirmar que o funcionamento eficaz e estável dos
serviços de inteligência depende da manutenção do sigilo sobre seus alvos
prioritários, modus operandi, identidade de fontes e conhecimentos disponíveis,
entre outros aspectos de relevância. Ao mesmo tempo, nas sociedades
democráticas, a obtenção da legitimidade social e do consequente fluxo regular de
recursos e meios para o desempenho das missões depende de mecanismos de
visibilidade, que tampouco podem ser descurados. Tal situação já estava
configurada antes mesmo da publicação da Lei nº 12.527/2011, a qual aportou
novos desafios e oportunidades para a institucionalização da atividade de
inteligência em nível nacional.
108
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável que a Lei de Acesso à Informação provocou impactos
significativos sobre a condução das atividades de inteligência no País, em seus
diferentes segmentos. Os órgãos e unidades de inteligência do Poder Executivo
Federal, sobre os quais dispomos de maior quantidade de dados, enfrentaram
dificuldades administrativas, devido, entre outros fatores, ao curto período de
adaptação (CALDERON, 2015). No decorrer do processo, tiveram que superar
incertezas e preocupações as mais variadas para adequar seus procedimentos às
novas regras.
A partir da revisão da literatura que empreendemos no capítulo 2, pudemos
verificar que os profissionais de inteligência logo expressaram a sua preocupação
quanto aos possíveis efeitos negativos da LAI em termos dos níveis de observância
dos princípios de segurança e oportunidade.
Na esfera da segurança, não conseguimos assinalar indícios da liberação
inadvertida de documentos que pudessem causar danos à segurança do Estado e
da sociedade. A instituição da desclassificação automática após o decurso do prazo
legal, a redução dos períodos máximos de classificação e a extinção do grau
“confidencial”, por obrigarem a uma reavaliação de grande massa documental nos
órgãos de inteligência, de fato podem ensejar falhas, com efeitos nefastos sobre as
condições de segurança do País.
Entretanto, ao efetuarmos o levantamento dos recursos apresentados contra
a negativa de acesso a informações sob custódia do GSI, observou-se o cuidado da
Controladoria-Geral da União em evitar a divulgação de documentos potencialmente
danosos, mesmo que seu prazo de classificação já tenha transcorrido integralmente.
Um exemplo é o Parecer nº 1008, de 17 de abril de 2015, no qual se
examina o caso de um pedido de acesso a documento classificado no grau
“reservado” aquando de sua produção em 2009, e que, passados mais de 5 anos, já
poderia estar disponível ao público.
O GSI, na condição de recorrido, argumentou que o deferimento da
solicitação colocaria em risco a segurança de autoridade e traria prejuízos às
relações diplomáticas do Brasil. Em sua apreciação do recurso, a CGU asseverou
que a desclassificação automática não pode ocorrer às expensas do interesse
público. De acordo com o parecer, se a divulgação for contraindicada, em razão de
109
prejuízos à sociedade ou ao Estado, cabe ao órgão responsável pelas informações
efetuar a reclassificação em grau mais elevado (secreto ou ultrassecreto), mediante
a formalização de termo específico. A legitimidade da manutenção das informações
em reserva é, portanto, reconhecida pela instância recursal, porém determina-se ao
GSI que providencie a imediata reclassificação do documento, sob pena de
ocorrência de ilícito98.
No recurso citado, também estava em jogo a proteção do direito à vida, tal
como observado no próprio parecer. Nesse sentido, entendemos que a decisão
poderá servir de referência para situações nas quais haja a possibilidade de
identificação indireta de fontes humanas utilizadas por órgãos e unidades de
inteligência, um dos principais focos de preocupação de Mariana Calderon (2015, p.
88-94). Entretanto, seria necessário que as informações fossem submetidas à
classificação ou reclassificação nos níveis hierárquicos mais elevados da
Administração. Tal procedimento gera dificuldades em termos de gestão dos fluxos
informacionais, uma vez que o recurso a dados provenientes dessas fontes é
bastante frequente, tanto na inteligência policial quanto em outros segmentos da
atividade.
Está em causa aqui outro dos desafios colocados para a implementação da
LAI no âmbito da inteligência: a garantia da obediência ao princípio da
oportunidade99. Entre os autores consultados, aquele que se mostra mais
apreensivo quanto a eventuais retenções ou atrasos na tramitação de documentos é
Ely Marques Júnior (2013), ao analisar especificamente os fluxos do Sistema de
Inteligência do Exército (SIEx).
Como a presente monografia tem caráter ostensivo, é praticamente inviável
averiguar o nível de impacto das novas regras de acesso em termos do tempo
dispendido no processo de difusão de conhecimentos de inteligência. Pode-se
afirmar apenas que o Ministério da Defesa, em seus relatórios sobre a
implementação da LAI, não relacionou a questão da observância da oportunidade
entre os principais desafios enfrentados em 2012 e 2013. Há, porém, menção direta 98 O Parecer nº 1008/2015, que foi aprovado pelo Ouvidor-Geral da União, está disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/precedentes/PR/GSI-PR/00077000819201497.pdf>. Acesso em 22 jul. 2015.
99 Um dos mais importantes entre os que norteiam a atividade, este princípio estabelece que os conhecimentos devem ser produzidos e difundidos atendendo a prazos que permitam o seu pleno aproveitamento pelos decisores. Sobre os princípios que orientam a atividade de inteligência: GONÇALVES (2009, p. 95-100).
110
a procedimentos de revisão de fluxos, visando à obtenção de padronização e maior
agilidade na gestão documental100.
Tampouco foi possível verificar se as regras introduzidas pela Lei nº
12.527/2011 ocasionam dificuldades adicionais para o intercâmbio de
conhecimentos entre os órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência
(SISBIN), ou mesmo se provocaram a retração de atividades operacionais. As duas
hipóteses haviam sido levantadas por Mariana Calderon, com base na premissa de
que a ampliação das condições de acesso tenderia a gerar insegurança entre os
profissionais de inteligência e o declínio da confiança interorganizacional
(CALDERON, 2015, p. 17).
Em termos institucionais, verificou-se que os principais porta-vozes do
SISBIN, o GSI e a ABIN, não trataram especificamente do tema em reuniões da
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), um dos fóruns
mais adequados para a avaliação dos impactos da LAI no funcionamento do
Sistema.
Em audiência pública organizada pela CCAI em 14 de julho de 2015, com a
finalidade de avaliar as perspectivas de reforma da legislação brasileira de
inteligência, o representante da ABIN, Assessor Jurídico Edmar Furquim
Vasconcellos Junior, não incluiu as regras de acesso à informação produzida pelos
órgãos de inteligência entre as que deveriam ser aperfeiçoadas em eventual
reforma. Na verdade, na audiência a necessidade de revisão normativa em tal
âmbito foi tratada por Joanisval Gonçalves, Consultor Legislativo do Senado Federal
vinculado à CCAI, que sugeriu a aprovação de “legislação específica sobre acesso à
informação para a área de inteligência”101.
Parece-nos óbvio que a ausência de menção explícita à LAI por parte do
representante do ABIN não implica que o órgão considere as novas regras pouco
100 Embora trate-se de referência a iniciativas do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) para aperfeiçoar o funcionamento do Serviço de Informações ao Cidadão no âmbito do MD, é provável que medidas semelhantes tenham sido adotadas em outros segmentos, inclusive o de inteligência (BRASIL. Ministério da Defesa, 2014, p. 22).
101 As atas da audiência pública ainda não foram publicadas. A apresentação em Powerpoint utilizada por Edmar Furquim Vasconcellos Junior e as notas que serviram de suporte à explanação de Joanisval Gonçalves estão ambas disponíveis em: <http://legis.senado.leg.br/comissoes/reuniao?reuniao=3632&codcol=449>. Não há, entretanto, o material relativo à intervenção do terceiro participante da audiência, o presidente da Associação Internacional para Estudos de Segurança e Inteligência, procurador de Justiça Denílson Feitoza Pacheco.
111
significativas ou mesmo irrelevantes para a atividade de inteligência estratégica. O
mais provável, em nossa opinião, é que apenas se tenha preferido subordinar a
questão a outras de maior abrangência, evitando-se, desta forma, desgastes
desnecessários junto à opinião pública.
Identificamos, como elementos que corroboram essa interpretação, duas
propostas apresentadas durante a audiência pública citada: a sugestão de que seja
definida como crime a “divulgação da identidade de profissional de inteligência”; e a
defesa da aprovação de norma que “assegure o sigilo de procedimentos em âmbito
processual”. Tais proposições, designadas como “ações necessárias” pelo
representante da ABIN, estão articuladas com uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) relativa à atividade de inteligência de Estado e com um projeto
de Lei Orgânica da Atividade de Inteligência, que estabeleceria as prerrogativas dos
profissionais da carreira e os limites para sua atuação102.
Observa-se, portanto, que a ABIN considera insuficiente ou pelo menos não
totalmente adequado o arcabouço jurídico que rege a atividade. Consequentemente,
propõe a sua reconfiguração, com os objetivos de delimitar de forma mais precisa as
áreas de atuação e de conferir maior segurança e respaldo a seus profissionais. A
reestruturação proposta pela Agência toma como premissa a ideia de que a
publicidade de seus atos e procedimentos deve ser mitigada, sob bases que não
correspondem inteiramente aos princípios e regras gerais introduzidos pela Lei nº
12.527/2011. Advoga-se, por exemplo, a revisão de dispositivos da Lei nº
8.666/1993, que estabelece normas sobre licitações e contratos públicos, visando à
ampliação do sigilo e à obtenção de maior agilidade nos processos de aquisição de
materiais e serviços de interesse para a atividade de inteligência (VASCONCELLOS
JUNIOR, 2015, sem paginação).
Na apresentação perante a CCAI, o representante da ABIN não se refere
diretamente ao impacto provocado pela Lei nº 12.527/2011 na execução da das
atividades do órgão, embora mencione a necessidade de ampla revisão de suas
102 Na exposição de VASCONCELLOS JUNIOR (2015), além das propostas de reforma no arcabouço jurídico, é apresentada uma tabela comparativa das prerrogativas legais de serviços de inteligência em doze países, entre os quais o Brasil. Entre os quatro critérios avaliados, encontramos um denominado “excludente de ilicitude/publicidade para ações de inteligência”. Embora este quesito não tenha sido definido no documento, parece evidente que também está em causa a admissão de regras mais restritivas de publicidade para os serviços de inteligência. Na comparação efetuada, apenas o Brasil e a Argentina não disporiam dessa prerrogativa. Os países citados na tabela são os seguintes, na ordem de sua apresentação: Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Canadá, Argentina, Rússia, Reino Unido, Chile, México, Peru e Brasil.
112
prerrogativas legais. Ressalte-se que a apresentação foi efetuada em data posterior
à decisão da CGU de não reconhecer o sigilo autônomo para a ABIN.
Passando agora a tratar das oportunidades potencialmente geradas pela
publicação da LAI para o desenvolvimento da atividade de inteligência, nos
deparamos com um ambiente de maior clareza, pois as fontes ostensivas permitem
um balizamento mínimo para a análise, o que praticamente não ocorre quando o
foco são apenas os desafios a serem enfrentados.
Desde que compatível com as exigências de eficácia e com os
procedimentos de salvaguarda legalmente previstos, a ampliação das condições de
acesso à informação produzida no âmbito dos órgãos de inteligência certamente
favorecerá o reforço da legitimidade política da atividade. De fato, essa legitimidade
encontra-se sempre suscetível ao questionamento de setores da sociedade
especialmente preocupados com a possibilidade da retomada de práticas lesivas a
direitos fundamentais, tais como o emprego de técnicas operacionais intrusivas sem
o devido amparo legal.
A visibilidade obtida deverá redundar em menor receptividade a diagnósticos
que apontam para o “descontrole das atividades de inteligência e a progressiva
construção de um estado policial no Brasil”103. Também representa uma resposta
adequada, talvez a única possível, aos críticos que associam os serviços de
inteligência nacionais a uma “caixa-preta inviolável e invencível”, que persistiria em
seu desafio aos princípios constitucionais vigentes (SOARES, 2015, p. 376).
A implementação de um sistema eficaz de controle da sociedade sobre a
atuação dos órgãos de inteligência poderá, a exemplo do que ocorre em outros
países, nos quais tais procedimentos se encontram institucionalizados há mais
tempo, revelar eventuais erros, desvios ou deficiências, que tanto podem ser
originários do ambiente peculiar no qual se desenvolve a atividade, quanto
consequências de falhas de conduta ou de omissões de seus dirigentes e
servidores.
De qualquer modo, independentemente da prática ou não de
impropriedades, os mecanismos de visibilidade e responsabilização são
103 As palavras reproduzidas são de Marco Cepik, que considera tal concepção equivocada, argumentando que “mesmo com limites à plena institucionalização, pode-se dizer o Brasil encontra-se mais próximo de uma situação de ‘controle democrático’ do que de ‘estado policial’” (CEPIK, 2009, p. 6-7). Nesse sentido, a reestruturação da atividade de inteligência, a partir da edição da Lei nº 9.883/1999, teria sido relativamente bem-sucedida, apesar da ocorrência de escândalos e violações das regras democráticas (Ibidem, p. 14).
113
indispensáveis para o estabelecimento e a consolidação de relações mínimas de
confiança entre os cidadãos e os órgãos criados para a sua proteção e a do Estado.
De fato, como afirmou com propriedade o cientista político Marco Cepik,
[...] se for verdade que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, então o poder secreto corrompe secretamente, e deve por isso ser cuidadosamente limitado e supervisionado (CEPIK, 2003, p. 186).
As características próprias dos órgãos de inteligência impõem limitações
expressivas e exigem esforços adicionais aos responsáveis pelas ações de controle
e supervisão. No entanto, a necessidade de adaptação dos mecanismos de
accountability aos diferentes ambientes organizacionais já é amplamente
reconhecida pelos estudiosos da administração pública. A socióloga chilena Nuria
Cunill Grau resume bem o problema, apoiando-se nos resultados das pesquisas de
Linda DeLeon e Robert Gregory:
Por fim, outra questão surge da consciência de que nem todas as agências desenvolvem tarefas que correspondem estritamente às de organizações de produção, cujos insumos e resultados podem ser – relativamente – observáveis. Existem, além disso, organizações nas quais a pressão exercida de fora por uma maior responsabilização pode afetar sua responsabilidade, no sentido de obrigação. O tipo de estrutura organizacional constituiria, portanto, uma variável a ser considerada ao se examinar que mecanismos de responsabilização é possível aplicar [...] e, portanto, como o controle social pode ser exercido (CUNILL GRAU, 2006, p. 277).
Entretanto, a adoção de soluções “contextuais” de accountability para os
órgãos de inteligência depende em grande medida da propensão dos interessados,
em especial das autoridades envolvidas, e de um número cada vez maior de
pesquisadores da área, para discutir tais tópicos de forma ampla e acessível na
esfera pública.
Afinal, a ausência de uma “cultura de Inteligência” no País não deve ser
simplesmente imputada a uma visão distorcida da atividade que ainda se mantém no
presente, ou aceita como fato inexorável, uma espécie de fruto amargo de um
“passado que não quer passar”. Em outras palavras, a ausência de uma “cultura de
inteligência” impõe responsabilidades ingentes e exige iniciativas imediatas. Não
pode servir como desculpa para a manutenção de estruturas e práticas obsoletas,
que não correspondem às necessidades de segurança do Estado e da sociedade.
Nesse sentido, a aprovação da Lei de Acesso à Informação gera uma
excepcional oportunidade para que o problema do dimensionamento adequado do
“poder invisível”, como o denomina Norberto Bobbio (1986), se torne mais frequente
nas discussões políticas brasileiras. De fato, tanto é preciso refletir sobre a
114
capacidade de resposta dos serviços de inteligência às velhas e novas ameaças
quanto se faz necessária a discussão sobre as regras e fatores condicionantes que
irão garantir o respeito às liberdades dos cidadãos, bem como a oportuna
responsabilização dos agentes públicos que executam atividades protegidas pelo
segredo de Estado. Como afirma François Heisbourg (2012, p. 138), ao analisar o
contexto francês, diante das complexas demandas atuais por segurança e pela
manutenção e fortalecimento das instituições democráticas “há [...] uma verdadeira
urgência para desenvolver a interface do mundo do segredo com a sociedade e
seus dirigentes políticos”.
As controvérsias entre a Controladoria-Geral da União e o GSI sobre a
interpretação das leis que tratam da restrição de acesso às informações produzidas
no âmbito da inteligência adquirem, portanto, sentidos adicionais a partir deste
referencial. De um lado, a argumentação exposta nos pareceres dá aos cidadãos
maior conhecimento sobre os limites à publicidade estatal reconhecidos como
legítimos e aceitáveis em nosso ordenamento jurídico. Desse modo, os argumentos
aduzidos pelas partes, ainda que concorrentes, certamente contribuem para um
debate mais informado sobre os fundamentos legais do segredo de Estado. De outro
lado, o nível de divergência entre dois órgãos que integram a Presidência da
República e são também membros do Sistema Brasileiro de Inteligência pode
também ser percebido como indício de dificuldades de comunicação e integração
institucionais, com potenciais reflexos na coordenação de atividades conjuntas.
Seja qual fora perspectiva adotada, parece-nos apropriado e desejável que
as questões específicas sobre a aplicação dos novos mecanismos de transparência
à atividade de inteligência sejam discutidas de forma conjugada com iniciativas de
estreitamento das relações de cooperação e integração sistêmicas. Trata-se aqui de
evitar, na medida do possível, eventuais disputas interburocráticas e, ademais, de
favorecer a confiança mútua entre os órgãos de inteligência, que é essencial para o
desenvolvimento da atividade. Afinal, como lembra o especialista mexicano em
Direito Administrativo John Ackerman (2008, p. 12), “o acesso à informação
desarticulado de estratégias complementares pode ter o paradoxal resultado de criar
maior opacidade governamental”.
Embora boa parte dos fatos e situações abordados nesta pesquisa esteja
ainda em evolução, cremos ser possível apresentar algumas respostas provisórias
aos problemas propostos, as quais, evidentemente, estão sujeitas a amplas
115
revisões, em virtude, por exemplo, do surgimento de novos dados, oriundos de
investigações de caráter mais abrangente. O trabalho que empreendemos nos levou
a conclusões que relacionamos abaixo, de forma um tanto esquemática, acreditando
que assim ampliaremos a clareza expositiva:
a) O processo de implementação da Lei de Acesso à Informação (LAI) no
segmento da Inteligência estratégica suscitou tensões e inquietudes, as quais
tiveram origem, entre outros fatores, em culturas organizacionais típicas de
órgãos que lidam cotidianamente com segredos de Estado e atuam em
ambientes antagônicos. Ademais, no caso brasileiro, o insulamento
burocrático dos órgãos de inteligência, especialmente intenso no recente
período autoritário, tende a potencializar as resistências quanto à aplicação
de novas regras de acesso que, em alguma medida, deixem de considerar as
peculiaridades de instituições onde o sigilo é a regra e não a exceção.
b) Ao se examinar a documentação relativa aos recursos apresentados por
cidadãos contra o indeferimento de solicitações de acesso, observou-se a
surgimento de divergências entre o Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
e a Controladoria-Geral da União (CGU) quanto à interpretação das normas
jurídicas aplicáveis aos documentos produzidos pela Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN). As controvérsias giraram em torno do reconhecimento da
existência de um sigilo autônomo, isto é, não submetido aos dispositivos da
LAI, para as atividades desempenhadas pela Agência.
c) Na esfera administrativa, a decisão da CGU de não atribuir à Lei nº
9.883/1999, norma que regula a atividade de inteligência no Poder Executivo
Federal, a capacidade de estabelecer condições especiais de acesso foi
considerada insatisfatória pela ABIN, uma vez que a Agência continua
envidando esforços junto ao Congresso Nacional no sentido de ampliar suas
prerrogativas legais, inclusive quanto ao sigilo da aquisição de materiais e
serviços.
d) As divergências entre os citados órgãos da Presidência da República tendem
a se refletir negativamente nos fluxos de dados e conhecimentos entre os
membros do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), uma vez que as
ambiguidades e lacunas da legislação sobre o sigilo governamental não
contribuem para o desenvolvimento dos vínculos de cooperação e integração.
116
REFERÊNCIAS
Legislação, despachos, relatórios, pareceres e outros documentos oficiais
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APÊNDICE A
GLOSSÁRIO
ALGORITMO DE ESTADO – função matemática utilizada na cifração e na decifração, desenvolvido pelo Estado, para uso exclusivo em interesse do serviço de órgãos ou entidades do Poder Executivo federal (Decreto n° 7.845/12). CICLO VITAL DOS DOCUMENTOS – sucessivas fases por que passam os documentos de um arquivo, da sua produção à guarda permanente ou eliminação (DBTA). CIFRAÇÃO – ato de cifrar mediante uso de algoritmo simétrico ou assimétrico, com recurso criptográfico, para substituir sinais de linguagem clara por outros ininteligíveis por pessoas não autorizadas a conhecê-la (Decreto n° 7.845/12). COMPROMETIMENTO – perda de segurança resultante do acesso não autorizado (Decreto n° 7.845/12). CONHECIMENTO SENSÍVEL – todo conhecimento, sigiloso ou estratégico, cujo acesso não autorizado pode comprometer a consecução dos objetivos nacionais e resultar em prejuízos ao País, necessitando de medidas especiais de proteção (Portaria GSIPR nº 42/2009). CREDENCIAL DE SEGURANÇA – certificado que autoriza pessoa para o tratamento de informação classificada (Decreto n° 7.845/12). CREDENCIAMENTO DE SEGURANÇA – processo utilizado para habilitar órgão ou entidade pública ou privada, e para credenciar pessoa para o tratamento de informação classificada (Decreto n° 7.845/12). DECIFRAÇÃO – ato de decifrar mediante uso de algoritmo simétrico ou assimétrico, com recurso criptográfico, para reverter processo de cifração original (Decreto n° 7.845/12). DOCUMENTO – unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato (LAI). DOCUMENTO CONTROLADO – documento com informação classificada em qualquer grau de sigilo ou prevista na legislação como sigilosa que requer procedimentos adicionais de controle (Decreto n° 7.845/12). DOCUMENTO OSTENSIVO – documento sem qualquer restrição de acesso (DBTA). DOCUMENTO PREPARATÓRIO – documento formal utilizado como fundamento da tomada de decisão ou de ato administrativo, a exemplo de pareceres e notas técnicas (Decreto n° 7.724/12).
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GESTÃO DE DOCUMENTOS – conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente (Lei nº 8.159/91) GRAU DE SIGILO – gradação de sigilo atribuída a um documento em razão da natureza de seu conteúdo e com o objetivo de limitar sua divulgação a quem tenha necessidade de conhecê-lo (DBTA). INFORMAÇÃO – dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato (LAI). INFORMAÇÃO PESSOAL – informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável, relativa à intimidade, vida privada, honra e imagem (LAI). INFORMAÇÃO SIGILOSA – aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado (LAI). MARCAÇÃO – aposição de marca que indica o grau de sigilo da informação classificada (Decreto n° 7.845/12). RECURSO CRIPTOGRÁFICO – sistema, programa, processo, equipamento isolado ou em rede que utiliza algoritmo simétrico ou assimétrico para realizar cifração ou decifração (Decreto n° 7.845/12). TRANSPARÊNCIA ATIVA – divulgação por parte dos órgãos e entidades públicas, em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas (LAI e Decreto n° 7.724/12). TRANSPARÊNCIA PASSIVA – disponibilização de informações públicas em atendimento a demandas específicas de uma pessoa física ou jurídica (Perguntas Frequentes – CGU). TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO – conjunto de ações referentes à produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação ou controle da informação (LAI). TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO CLASSIFICADA – conjunto de ações referentes a produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação ou controle de informação classificada em qualquer grau de sigilo (Decreto n° 7.845/12).