a imperatividade da preponderância do critério etário no configurar da violência presumida
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
A imperatividade da preponderância do critério etário no configurar da violência presumida
http://jornalpequeno.com.br/edicao/2006/08/27/a-imperatividade-da-
preponderancia-do-criterio-etario-no-configurar-da-violencia-presumida/
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
SESSÃO DO DIA 13 DE JUNHO DE 2006
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 016531-2004 �TIMBIRAS-MA
APELANTE: J. M. F.
ADVOGADO:N. A. J.
APELADO: M. P. E.
PROMOTOR:B. S. S. R.
RELATOR: DESEMBARGADOR ANTONIO
FERNANDO BAYMA ARAUJO
ACÓRDÃO Nº
EMENTA: Penal. Processual. Apelação.
Estupro. Menor de 14 (quatorze) anos.
Violência. Ausência. Consentimento da
ofendida. Inocuidade. Violência presumida.
Prevalência.
I Se, de natureza sexual, o delito, e em detrimento de �menor de 14 (quatorze) anos, inócuo o questionar do
real emprego da violência, haja vista preponderante
aquela legalmente presumida (art. 224, a, do CP), � �ainda que aceitável o relativizar excepcional
dessa presunção, como que, em casos em
que a vítima, embora em idade a não se
lhe permitir consentir, já precocemente
amadurecida e despertada para a vida
sexual.
II Recurso a que se nega provimento, contudo, de �ofício, ao réu, se lhe confere direito à
progressão de regime de cumprimento de
pena. Unanimidade.
Vistos, relatados e discutidos estes autos
de Apelação Criminal, sob o nº 016531-
2004, originários da Comarca desta
Capital, em que figuram como apelante e
apelado os acima enunciados, ACORDAM
os Senhores Desembargadores da Primeira
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado do Maranhão, à unanimidade de
votos e de acordo com o parecer da
Procuradoria Geral de Justiça, em negar
provimento ao interposto recurso,
contudo, de ofício, ao réu, se lhe assegurar
a progressão de regime de cumprimento
de pena, nos termos do voto do relator.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Criminal interposta
por J. M. F., de decisão do Juízo de Direito
da Comarca de Timbiras, neste Estado, em
face do constante nos autos do Processo
n° 331-01, que, em julgando procedente a
denúncia, com base no art. 213 c/c o art.
224, alínea a, do Código Penal, se lhe condenou à � �pena de 06 (seis) anos de reclusão, a ser cumprida em
regime fechado, na Penitenciária Agrícola de
Pedrinhas, em razão de, contra si,
imputado o fato de, em março de 2001,
mantido relações sexuais com a menor R.
S. A. R., à época do primeiro ato, com
apenas 12 (doze) anos.
Irresignado com o placitado, insurge-se o
aqui apelante, alegando merecedor de
reforma o atacado decisum, ao arrimo de
insubsistentes no acervo, elementos
suficientes a supedanear edito
condenatório pela prática do delito do art.
213 c/c 224, a, do Código Penal, ante o denotar de � �que ausente violência ou grave ameaça,
pressupostos esses, essenciais à
caracterização do crime de estupro, daí
porque incomprovada a materialidade,
notadamente por se tratar de pessoa
idônea, primária, de bons antecedentes,
pai de família e de comportamento
exemplar.
Nesse aduzir, face ao depoimento, pela
ofendida, prestado em juízo, em que
noticiado suposto namoro com o ora
apelante iniciado em julho de 2001,
sustenta, a mais, carente de credibilidade
qualquer, o Laudo de Conjunção Carnal de
fls. 11, eis que elaborado em 02 de maio
de 2001, a aclarar, a seu ver, não, consigo,
perdido a virgindade, mas, sim, com um
primo, com quem namorado cerca de 01
(um) ano, conforme a se extrair das
próprias declarações da mãe da menor.
Assevera, ainda, com vistas a desconstituir
o crime de estupro, o inaceitável e
incoerente argumento de que, entre si e a
vítima, existente atração, para,
sucessivamente, de forma inusitada,
reconhecer sua culpabilidade, na medida
em que pugnado pela desclassificação,
desta feita, pelo crime de atentado ao
pudor mediante fraude (art. 216, do CP),
ou, a outro ponto, acaso se lhe recainte
condenação, substituída a pena privativa
de liberdade por uma restritiva de direitos,
na modalidade de prestação de serviços à
comunidade.
Em contra-razões, de fls. 103 a 107, a
requerer o Órgão Ministerial, a
manutenção do questionado julgado, ao
firmo de, à sua ótica, satisfatoriamente
configurados os elementos constitutivos do
crime de estupro decorrente de violência
presumida, enfatizando, a esse mister, o
crucial entender de que improcedentes os
posicionamentos suscitados pela defesa,
haja vista que não só confirmado o
ocorrido pela vítima e seus familiares,
mas, também, por pessoas outras.
Destaca, por derradeiro, completa
insciência da menor R. S. A. R, em relação
aos atos sexuais, de modo que desprovido
o seu consentimento, apesar de livre e
espontâneo, de valor qualquer.
Instada a manifesto, a douta Procuradoria
Geral de Justiça, em parecer de fls. 130
usque 138, da lavra do eminente
Procurador, Doutor SUVAMY VIVEKANANDA
MEIRELES, a opinar pelo improvimento do
apelo, ao fulcro de comprovada a
materialidade e a autoria delitiva, além de
irrelevante o consentimento da vítima,
bem como inexeqüível o pedido
desclassificatório do art. 213 c/c o 224, a, � �para o 216, do Código Penal
É o relatório.
V O T O
Objetiva o recurso, ao que se vê, absolver
o apelante do crime de estupro, à adução
de não demonstrada a violência, tampouco
despontantes elementos probatórios
capazes de autorizar sua condenação, ou,
a outro modo, desclassificar sua conduta
para o tipo descrito no art. 216, do Código
Penal, como que, atentado ao pudor
mediante fraude, e, por fim, acaso
condenado, substituída a pena privativa de
liberdade, se lhe imposta, por uma
restritiva de direito, na modalidade
prestação de serviços à comunidade.
Ao que dos autos se extrai, é que, no mês
de março de 2001, após constantes
assédios, sem o emprego de violência ou
grave ameaça, o aqui apelante, mantido
relações sexuais com a menor R. S. A. R., à
época do primeiro ato, com apenas 12
(doze) anos.
Essas práticas, segundo relato, em juízo,
da vítima, ocorreram após suposto namoro
às escondidas com o ora apelante, por
cerca de 03 (três) meses, sem
conhecimento de seus familiares e demais
pessoas da comunidade e, por conta disso,
mantido apenas uma vez ato sexual, com
seu consentimento, fato esse a ocasionar
sua defloração, conforme revelado pelo
Laudo de Exame de Conjunção Carnal de
fls. 11, assim como por sua gravidez.
Bem verdade, o denotar de que em crimes
perpetrados contra a liberdade sexual,
como que, o estupro, busca o agente e,
como decerto, sempre na intenção de não
observado, lugar escondido ou longe do
contato visual das pessoas, consoante, in
casu, verificado, ou seja, tendencioso o
apelante a satisfazer seus instintos
sexuais, procurava a vítima, por sinal,
amiga de sua filha, menor de 14 (quatorze) anos, em � �situação de tempo e lugar devidamente abrigada de
olhares outros.
De se ressaltar, entretanto, que, mesmo
que nos dias atuais, flexibilizada a
concepção do conceito de violência
presumida prevista na alínea a, do art. 224, do� �
Código Penal, ainda dotada a palavra da vítima, de
alto valor probante, sobretudo se não dissidente das
demais provas coligidas, na proporção em que
efetivadas práticas delitivas dessa natureza, quase
sempre, como já enfatizado, ao resguardo dos
olhos de terceiro. Bem por isso, é que
uníssonas a melhor doutrina e a
jurisprudência dominante, em atribuir às
declarações da ofendida, decisivo grau de
credibilidade.
A esse propósito, de se colher das
informações, em fase judicial, declinadas
pela vítima, o elucidativo trecho, litteris:
(…) que eram muito amigos, tendo iniciado o namoro�
no mês de julho do ano 2001; que o seu
relacionamento com acusado durou apenas três
meses; que o namoro era escondido de todos, tanto da
família da declarante como das demais
pessoas da comunidade; que mantiveram
relações sexuais apenas uma vez,
oportunidade em que o acusado penetrou
o seu pênis na vagina da declarante, vindo
esta a engravidar; que de tal
relacionamento nasceu uma criança, hoje
com 01 (um) ano de idade; que a
declarante consentiu com o ato sexual,
não tendo o acusado feito qualquer
promessa; (…) que ainda era virgem ao se
relacionar com o acusado, não tendo tido
antes qualquer tipo de experiência sexual;
que o acusado foi o seu primeiro
namorado; que a declarante nunca gostou
de festas, somente saindo de casa a noite
para assistir televisão na casa dos vizinhos
(…). (sic) (fls. 44)�
A esse tom, de se inferir do dizer do
próprio autor do delito, J. M. F., em fase
inquisitorial, eis que não comparecido ao
chamamento para interrogatório, a
seguinte passagem:
Que, desde o mês de dezembro de 2000, que R. S., �começou a freqüentar sua residência, criando assim
amizade com a filha do indiciado e com o próprio
indiciado; (…) sempre que ia deixar os côcos
babaçú para V. no centro da cidade
convidava R. S. para ir junto, que R. S.
sempre aceitava o convite do indiciado,
que o indiciado perguntou a R. S. se ela
teria a coragem de namorar com ele, que
R. S. respondeu ao indiciado que sim, que
no final do mês de dezembro o indiciado e
R. S. começaram a namorar, que no mês
de março de 2001, o indiciado começou a
ter relação sexual com R. S., que R. S. era
virgem (…). (sic) (fls. 16 e17)�
Assim, é que tenho escorreita e
adequadamente amoldado o depoimento
da vítima, ao descrito nas produzidas
provas material e testemunhal, daí porque
induvidoso o configurar dos elementos
constitutivos do crime, como que na forma
ínsita no art. 213 c/c o art. 224, alínea a, do � �Código Penal.
A título de melhor concretizar esse
posicionar, de se trazer à colação,
magistério de Guilherme de Souza Nucci,
firmado em sua obra Código Penal Comentado, � �concebido, verbis:
Cremos que, de regra, a presunção não deve �comportar prova em contrário, sob pena de se
invalidar a regra penal, esvaziando o seu
conteúdo protetor e impingindo à pessoa
ofendida o dever de provar sua
honestidade, que é, em verdade,
presumida pela própria norma penal.
Ocorre que não se pode desconhecer a
realidade dos fatos na aplicação do direito.
Assim, em hipóteses excepcionais,
acreditamos poder o réu demonstrar que a
vítima, ainda que protegida pelo art. 224,
tinha pleno conhecimento e vontade do
que fazia, não se podendo falar em
violência ficta. Uma menor de 14 anos
prostituída, que já tenha tido inúmeros
contatos sexuais, com a ciência geral da
comunidade, inclusive de seus pais, não
poderia ser considerada incapaz de dar o
seu consentimento. Não seria razoável e o �direito, em última análise, busca a justiça punir o �agente por estupro, caso mantenha com a jovem
conjunção carnal.
A presunção não é absoluta, cedendo às
peculiaridades do caso como são as já
apontadas, ou seja, o fato de a vítima
aparentar mais idade, levar vida dissoluta,
saindo altas horas da noite e mantendo
relações sexuais com outros rapazes,
como reconhecido no seu depoimento e
era de conhecimento público. (Op. cit. São �Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 693 e 694)
(Grifos nossos)
Desse modo, ao que se vislumbra de tudo
quanto aos autos colacionado, é que a
vítima não aparentava mais idade, levava
uma vida digna e tranqüila, sem sair à
noite para festas e outras localidades
similares, a não ser para assistir televisão
nas casas dos vizinhos, sendo, ainda,
virgem, quando do ato sexual com o ora
apelante, fatos esses, a plenamente lançar
por terra a relatividade da presunção da
violência, nos moldes como descritos no
art. 224, alínea a, do Código Penal.� �
Ora, como de sabença curial, o crime de
estupro, dentre os demais contra os
costumes, por si só, destaca-se pela
natural violência a se lhe distinguir o tipo
legal, que, nas circunstâncias aqui se nos
mostradas, a só assumir contornos de
requinte e crueldade, em face da própria
condição de hipossuficiência material e
intelectual da ofendida, por se lhe
desfavoráveis tanto o poder de
discernimento, quanto a desenvoltura
física.
Aliado a essas explanações, de se
dessumir, indubitavelmente materializado
o delito, ante Laudo de fls. 11, e
comprovada a autoria, ante a unicidade da
prova testemunhal, a ponto de autorizar
ratificado o edito condenatório.
De outra parte, no concernente à alegação
de descaracterizada a presunção de
violência, de igual forma, ao apelante,
tenho eu, melhor sorte não se lhe assistir,
eis que, além de contundentes os
testemunhos, no convergir de uma única
certeza, qual seja, a de que iniciada a
prática sexual antes que atingido a vítima,
14 (quatorze) anos, e, em nenhum
momento apresentado, à época do fato,
conhecimento a respeito dos apetites
sexuais, condição essa, que, acaso
ocorrente, apta a afastar a incidência da
violência ficta.
A essa feita, no pertinente ao aduzir de
que carecedor de credibilidade o Laudo de
Conjunção Carnal de fls. 11, haja vista
elaborado em 02 de maio de 2001, e,
porquanto isso, a seu ver, a só aclarar que
a vítima perdeu a virgindade não com o
acusado, mas, sim, com um suposto
primo, com quem namorado cerca de 01
(um) ano, conforme a se dessumir do
depoimento prestado pela mãe da menor,
por certo e inarredável, destituído de
plausibilidade, vez que residente o
equívoco apenas na confusão de datas
causada pela menor, na medida em que se
dado o ato sexual, em março de 2001,
além do que, confessado, o próprio
apelante, se lha deflorado.
No tocante ao pretenso de ver
desclassificado o delito de estupro para
um outro de menor gravidade, como que,
atentado ao pudor mediante fraude, sem
maiores considerações e na mesma linha
de raciocínio, imperativo o afirmar de
imerecedor de êxito qualquer, conquanto
irrefutável levar-se em conta os
fundamentos acima declinados,
principalmente a efetividade de conjunção
carnal, requisito essencial e específico ao
delinear do tipo do art. 213, do Código
Penal.
Por derradeiro, de se me cumprir o
consignar de que constante, por cláusula
expressa, da atacada sentença, o regime
fechado para cumprimento da se lhe
aplicada sanção penal, sem que
especificado se integralmente ou não,
como prescrito no § 1°, do art. 2°, da Lei
n° 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos).
Dentro dessa ótica, preponderante o
reconhecer de que congruente o
interpretar do conteúdo imposto no
decisum, da forma menos gravosa ao réu,
pelo que correto e prudente o se lhe
assegurar a progressividade do regime de
pena.
Isto posto e de acordo com o parecer da
douta Procuradoria Geral de Justiça,
somente de se me restar, ao recurso, se
lhe negar provimento, para manter a
questionada e bem motivada sentença,
contudo, de ofício, ao réu, se lhe garantir a
progressão de regime de cumprimento de
pena, o que assim o faço, com as
cominações e repercussões de direito.
É como voto.
SALA DAS SESSÕES DA PRIMEIRA CÂMARA
CRIMINAL DO PALÁCIO DA JUSTIÇA CLÓVIS
BEVILÁCQUA, em São Luís, Capital do
Estado do Maranhão, aos treze dias do
mês de junho do ano de dois mil e seis.
Desembargador ANTONIO FERNANDO
BAYMA ARAUJO
PRESIDENTE e RELATOR
Participaram do julgamento, além do que
assina, os Senhores Desembargadores:
BENEDITO DE JESUS GUIMARÃES BELO e
MÁRIO LIMA REIS.
Funcionou como representante do
Ministério Público, o Senhor Procurador,
Doutor KRISHNAMURTI LOPES MENDES
FRANÇA.