a imitaÇÃo no ensino do piano

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  • 8/7/2019 A IMITAO NO ENSINO DO PIANO

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROCENTRO DE LETRAS E ARTES

    INSTITUTO VILLA-LOBOSLICENCIATURA EM MSICA

    A IMITAO NO ENSINO DO PIANO

    ANA PAULA TEIXEIRA REINOSO

    Rio de Janeiro, 2008

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    A IMITAO NO ENSINO DO PIANO

    por

    ANA PAULA TEIXEIRA REINOSO

    Monografia apresentada para concluso docurso de Licenciatura Plena em EducaoArtstica com Habilitao em Musica doInstituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artesda UNIRIO, sob a orientao da ProfessoraIngrid Barancoski.

    Rio de Janeiro, 2008

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    ii

    A minha querida me Ana Deolinda Teixeira

    Reinoso (in memorian), professora maior de

    minha vida. Que a alegria que hoje sinto, lhe

    contagie, onde quer que esteja.

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    iii

    AGRADECIMENTOS

    A meus pais, Ana Deolinda e Julio, por todo o amor e confiana em mim depositados.

    Aos meus irmos, Natalie e Jos Enrique, pela fora no ano mais doloroso de minha vida.

    A minha av, pelo carinho, cuidado e preocupao que tem por mim.

    A Eliane e Simone, pela fundamental ajuda em casa.

    minha orientadora, Ingrid Barancoski, pelo material disponibilizado e indicado, pela atentaleitura e observaes feitas a este trabalho.

    Professora Maria Angela Corra, pelos ensinamentos imprescindveis consecuo destetrabalho.

    Professora Mariana Salles, por gentilmente conceder-me uma entrevista.

    Professora Mnica Duarte, pelo auxlio na estruturao do trabalho.

    Ao Professor Jos Nunes Fernandes, pela gentileza de enviar-me alguns artigos.

    Professora Silvia Sobreira, pela troca de idias na faculdade.

    A todos os professores da UNIRIO cujas lies foram essenciais minha formao, emespecial Professora Estela Caldi, pelas valiosas aulas de piano.

    Carlota e ao Paulo, pelo atendimento e ateno s minhas solicitaes.

    Amine, por me dar a oportunidade de colocar em prtica tudo o que aprendi.

    Ao meu grande amigo Humberto Amorim, pelo estmulo, colaborao e amizade durantetodos estes anos de faculdade.

    Aos amigos Larissa de Oliveira, Marilia Machado, Ana Mercedes Figueiredo, DboraLombardi, Carolina Couri, Pedro Henrique Barbosa, Flvia de Castro, Vincius Amaral,Marcia Jaqueline e Guilherme Tomaselli, por dividir boas risadas e por me apoiar emmomentos difceis.

    A Marcelo Thys, pelo amor e experincia compartilhada.

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    REINOSO, Ana Paula Teixeira. A imitao no ensino do piano. 2008. Monografia(Licenciatura Plena em Educao Artstica- Habilitao em Msica) - Instituto Villa-Lobos,Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

    RESUMO

    Este trabalho prope-se a estudar a imitao no ensino do piano. Para tanto, estudamos odesenvolvimento psicomotor e cognitivo da criana, a relao entre aprendizado edesenvolvimento e alguns mtodos de ensino de piano. Os procedimentos metodolgicos

    utilizados foram a reviso bibliogrfica e uma entrevista. Buscamos demonstrar que aimitao no ensino do piano desperta processos de desenvolvimento psicomotor e cognitivonas crianas, que, de outra forma, seriam adiados.

    Palavras-chave: aprendizado, desenvolvimento, imitao e piano.

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    SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................................ 1

    CAPTULO I ............................................................................................................................ 2DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E COGNITIVO DA CRIANA NOS ANOSPR-ESCOLARES................................................................................................................... 2

    1.1 desenvolvimento psicomotor ...................................................................................... 21.2 desenvolvimento cognitivo ......................................................................................... 5

    CAPTULO II ........................................................................................................................... 9APRENDIZADO E DESENVOLVIMENTO: A TEORIA DE VYGOTSKY E OUTRASCONCEPES ........................................................................................................................ 9

    2.1 as diferentes concepes a respeito da relao entre o aprendizado e odesenvolvimento ..................................................................................................................... 92.2 Vygotsky: uma outra perspectiva ............................................................................. 11

    2.2.1 o pensamento scio-interacionista de Vygotsky .............................................. 112.2.2 a relao entre aprendizado e desenvolvimento ............................................... 132.2.3 nvel de desenvolvimento real e potencial ....................................................... 142.2.4 zona de desenvolvimento proximal ................................................................. 162.2.5 A imitao no aprendizado ............................................................................... 19

    CAPTULO 3 .......................................................................................................................... 24A IMITAO NO ENSINO DO PIANO ............................................................................. 24

    3.1 o mtodo Suzuki e suas premissas ............................................................................ 243.2 a memria e a imitao ............................................................................................. 273.3 a posio de outros professores ................................................................................ 31

    CONCLUSO......................................................................................................................... 36

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................. 40

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    INTRODUO

    Uma boa idia pode surgir a qualquer momento. Foi na aula de psicologia da educao

    que decidi sobre o que iria escrever. Estudando a teoria de Vygotsky, chegamos ao conceito

    de zona de desenvolvimento proximal. Imediatamente pensei: ser que estas idias tambm

    poderiam ser aplicadas ao ensino do piano?

    Foi esta a pergunta que me estimulou a realizar este trabalho que tem o objetivo de

    estudar a imitao no ensino do piano, suas implicaes no desenvolvimento psicomotor e

    cognitivo da criana. Dividimos o presente trabalho em trs captulos. Dedicamos o primeiro

    captulo ao estudo das principais caractersticas do desenvolvimento psicomotor e cognitivo

    das crianas em idade pr-escolar. Em seguida, estudamos a relao entre os processos de

    aprendizado e desenvolvimento, selecionando a teoria de Vygotsky como a mais adequada

    para explic-la. A partir do conceito de zona de desenvolvimento proximal, destacamos o

    papel da imitao no desenvolvimento da criana. No ltimo captulo, procuramos

    demonstrar, atravs das idias do mtodo Suzuki, do mtodo das Professoras Maria de

    Lourdes Junqueira Gonalves e Cacilda Barbosa, e do depoimento da Professora Mariana

    Salles, quais processos de desenvolvimento psicomotor e cognitivo so despertados nas

    crianas, atravs da imitao no ensino do piano. Acreditamos que este trabalho pode

    contribuir para o ensino do piano para crianas, trazendo novos horizontes para esta prtica.

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    CAPTULO I

    DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E COGNITIVO DA CRIANA NOS ANOS

    PR-ESCOLARES

    Este captulo dedica-se a uma exposio sobre o desenvolvimento psicomotor e

    cognitivo da criana, ressaltando os principais aspectos evolutivos de ambos os processos ao

    longo do perodo pr-escolar (2 aos 7 anos). Jean Piaget (1896-1980) denomina este perodo

    de pr-operacional, que representa o segundo dos quatro perodos em que classifica o

    desenvolvimento da criana. O primeiro perodo o sensrio-motor, que vai do nascimento

    aos dois anos de idade; o terceiro perodo o perodo das operaes concretas, que vai de

    sete aos onze anos; e o ltimo o das operaes formais, que comea na adolescncia.

    Devemos explicar que o crescimento fsico no foi por ns abordado, porque sobre

    este o ensino do piano atravs da imitao no tem muito a estimular.

    1.1 Desenvolvimento psicomotor

    A psicomotricidade est relacionada s implicaes psicolgicas do movimento na

    relao estabelecida entre o organismo e o ambiente em que se desenvolve. Na

    psicomotricidade relacionam-se elementos maturacionais, relativos ao crebro e ao sistema

    nervoso, e elementos relacionais, ou seja, a experincia social da criana. Estes elementos

    esto presentes no mbito prxico (da ao) do desenvolvimento psicomotor e no mbito

    simblico (da representao do corpo e de suas possibilidades).

    Importantes mudanas no mbito prxico ocorrem no perodo pr-escolar. Na medida

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    em que os progressos maturativos se desencadeiam no crebro, adquire-se um maior controle

    sobre o prprio corpo. E, seguindo a lei prximo-distal1, este controle vai alcanando as partes

    mais afastadas do eixo corporal, permitindo o manuseio dos msculos que controlam os

    movimentos dos punhos e dedos. Graas a este maior controle, pouco a pouco a motricidade

    fina vai se aperfeioando, as crianas vo adquirindo habilidade para pintar com os dedos,

    traar linhas verticais, desenhar figuras circulares e recortar com tesouras.

    O aumento do domnio sobre o corpo tambm fundamental para a construo de uma

    organizao psicomotora independente e coordenada. Independente no sentido da capacidade

    de controlar cada segmento motor. Ao longo do perodo pr-escolar, a criana vai adquirindo

    esta independncia, eliminando alteraes em partes do corpo que no se deseja mover.

    Assim, a criana torna-se capaz de fazer um movimento complexo com uma das mos, sem

    mover a outra e sem mexer qualquer outro segmento do corpo. E coordenada no sentido de

    que diversos segmentos associam-se e encadeiam-se. O mais interessante desta coordenao

    a automatizao dos movimentos, de modo que a criana deixa de se preocupar com quais

    movimentos executar e como realiz-los. Um nico estmulo suficiente para desencadear

    uma seqncia de movimentos automatizados, sem que o dispositivo cognitivo que processa

    os estmulos fique sobrecarregado. Desta forma, a ateno da criana pode estar voltada para

    o processamento de outros aspectos.

    Ademais, no incio dos anos escolares, j estar concluda a maior parte da

    mielinizao dos neurnios (a mielina uma bainha que reveste os neurnios, aumentando a

    velocidade de conduo dos impulsos em seu interior2), o que permite a realizao de

    1 O domnio do controle corporal ocorre segundo duas grandes leis do desenvolvimento: a lei cefalo-caudal e alei prximo-distal. A primeira lei diz que o controle das partes prximas cabea ocorre antes, e o controleestende-se para baixo. A lei prximo-distal impe que o controle das partes mais prximas do eixo corporal(uma linha vertical imaginaria que divide o corpo em duas partes simtricas) anterior ao controle das partesmais afastadas deste.2 A definio de mielina encontrada na wikipedia a mielina est presente na chamada bainha de mielina

    (formada pelas clulas de Schwann), que rodeia algumas fibras nervosas, fazendo com que tenham umaconduo de impulsos nervosos mais rpida (conduo saltatria).

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    atividades motoras e sensoriais com muito mais rapidez e preciso. Por volta dos 5-6 anos de

    idade, o lbulo frontal do crebro ter maturado consideravelmente, viabilizando as funes

    de regulao e planejamento da conduta. Com isso, vrias funes psicolgicas que antes

    eram involuntrias, passam a ser controladas. Como exemplo, podemos citar o controle sobre

    a ateno que, ao longo deste perodo pr-escolar, vai tornando-se maior e mais consciente.

    Outro importante avano que ocorre entre trs e seis anos de idade, a lateralizao. A

    preferncia lateral da criana ocorre espontaneamente, porque nosso prprio crebro nos faz

    ser destro ou canhoto. Assim, se uma definio ainda no tiver ocorrido por parte da criana,

    convm lateraliz-la por volta dos cinco anos de idade.

    O tnus, um outro componente da psicomotricidade que merece ser considerado, o

    grau de contrao de um msculo a cada momento, podendo estar em estado de hipertonia

    (tenso) ou hipotonia (relaxamento). O estado do tnus pode se modificar involuntariamente

    por parte do prprio sistema nervoso, mas passvel de controle voluntrio, tanto que

    podemos contrair ou relaxar conscientemente nossa musculatura. As crianas aprendem a

    ajustar seu tnus muscular s especificidades de cada situao atravs de suas experincias

    pessoais. O desenvolvimento desta capacidade de controlar a fora a ser implementada por

    um msculo traduz um maior controle voluntrio do prprio corpo.

    Este controle da tonicidade muscular ainda importante porque o tnus tem relao

    com a manuteno da ateno. Enquanto a hipertonia muscular um fator que dificulta a

    manuteno da ateno, a hipotonia tende a facilit-la. Portanto, aprender a dominar a

    tonicidade muscular facilitar a aprendizagem do controle da ateno.

    Alm destes aspectos prxicos da motricidade, convm falar dos aspectos simblicos.

    A partir de suas vivncias e experincias, a criana comea a formar um esquema corporal,

    isto , ela conhece melhor seu prprio corpo e torna-se capaz de ajustar suas aes de acordo

    com seus propsitos. A construo deste esquema , pois, progressiva, na medida em que a

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    maturao e as experimentaes vo acrescentando novos elementos. Ressalte-se que, para a

    construo desta representao corporal, decisiva a experincia social. De fato, antes de

    conhecermos o nosso prprio corpo, exploramos o corpo do outro. Assim, acontece com o

    beb. A criana obtm informaes sobre elementos do corpo percebendo-os nos demais e

    combinando com as experincias do prprio corpo. Desta forma, como afirmam Mora e

    Palcios (1995), a percepo do corpo do outro importante para elaborar um esquema

    corporal correto (p.117-118).

    Portanto, o desenvolvimento da psicomotricidade tem por objetivo o controle integral

    do prprio corpo, de forma a ser capaz de extrair dele todas as possibilidades de movimento

    possveis para a consecuo de um determinado propsito.

    1.2 Desenvolvimento cognitivo

    Em primeiro lugar, devemos dizer que at os anos 80 o desenvolvimento cognitivo das

    crianas de dois a sete anos era praticamente desconhecido. Um dos motivos que contribuiu

    para esta situao foi o fato de que as teorias que trabalhavam com a idia de estgios do

    desenvolvimento, dentre estas a teoria de Piaget, consideravam limitada a capacidade das

    crianas nesta faixa etria, esperando que transformaes ocorressem no perodo posterior.

    Na teoria de Piaget esta fase marcada pelo aparecimento da linguagem oral, que

    confere criana capacidade para construir esquemas simblicos, ou seja, representaes que

    envolvem a idia preexistente de algo. Neste momento a criana desenvolve apenas pr-

    conceitos, isto , primeiras noes a respeito dos objetos. Como neste perodo ainda no

    existe um pensamento conceitual, e tampouco noes de conservao, premissas bsicas para

    a realizao de operaes, Piaget denominou este perodo de pr-operatrio. Mas, graas s

    pesquisas realizadas na dcada de 90, demonstrou-se que as crianas em idade pr-escolar

    apresentam habilidades cognitivas peculiares a este perodo, no havendo motivo, portanto,

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    para o seu menosprezo.

    A categorizao da realidade uma capacidade que permite criana fazer

    associaes entre objetos mediante relaes de semelhana, discriminando, assim, diversas

    categorias. Eleanor Rosch e Katherine Nelson (1976) citados no texto de Maria Jos Rodrigo

    (1995) fizeram uma pesquisa e comprovaram que, a partir dos dois anos e meio, a criana j

    capaz de categorizar coisas a um nvel bsico. Por exemplo, crianas com idade maior que

    dois anos e meio agrupam ces com ces, flores com flores etc. O que se observa que, nesta

    faixa etria, a capacidade de categorizar depende tanto do contedo quanto do contexto em

    que se realiza. O conhecimento categorial , pois, uma forma de a criana aumentar seu

    conhecimento.

    Duas outras valiosas pesquisas so mencionadas por Rodrigo (1995) foram realizadas:

    uma no campo da aquisio de noes aritmticas, outra no mbito da evoluo do raciocnio

    lgico. A primeira foi efetuada por Gelman e Gallistel (1978). Estes investigadores

    concluram que a criana entre dois e cinco anos j tem uma noo implcita de alguns

    princpios que regem a quantificao. Um destes princpios, por exemplo, o princpio da

    correspondncia um a um, que significa conhecer que a cada objeto de uma coleo deve ser

    atribudo apenas um nmero. Segundo Gelmam e Gallistel, crianas de dois anos so

    plenamente capazes de atribuir somente um nmero para cada coisa, o que indica que ela tem

    noo daquele princpio.

    A segunda pesquisa, realizada por Siegler (1978), comprovou que as bases de um

    raciocnio cientifico, cuja caracterstica fundamental ser regido por regras, comeam a se

    estabelecer aos trs anos de idade. Siegler chega a esta concluso a partir de um experimento

    realizado com pesos colocados sobre uma balana. Dentre outras observaes, ele constata

    que crianas de trs anos, treinadas para codificar o peso, so capazes de aprender que apenas

    pesos iguais mantm a balana em equilbrio. Desta forma, conclui-se que, desde os trs anos

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    de idade, a criana emprega regras no seu raciocnio.

    Neste perodo, as estratgias de memorizao da criana comeam a se desenvolver.

    Pesquisadores afirmam que ao longo do desenvolvimento da criana h uma progresso

    gradual no uso destas estratgias. Rodrigo (1995) cita algumas pesquisas que abordam o uso

    de estratgias no perodo pr-escolar. O estudo de Istomina (1975), por exemplo, verificou

    que, nos anos pr-escolares, as crianas utilizam estratgias de memorizao na medida de

    suas motivaes e interesses pelo objeto a ser memorizado. Investigaes realizadas por

    Wellman (1977) e Deloache e Brown (1981) demonstram que crianas de trs anos de idade

    desenvolvem uma srie de estratgias para recordar a localizao de um objeto escondido, tais

    como: olhar fixamente para o local em que se supe estar o objeto; tocar com a mo o local;

    fazer sinal afirmativo com a cabea quando apontam para o local etc. Portanto, crianas

    menores de sete anos j contam com um repertrio de estratgias eficiente para a realizao

    de certas tarefas.

    Conclui-se, assim, que nos anos pr-escolares diversos fatores influenciam a criana a

    adotar estratgias de memorizao, dentre eles: o seu grau de envolvimento pessoal; o seu

    estado motivacional em relao atividade e a familiaridade com o material da aprendizagem.

    Portanto, o raciocnio de uma criana nos anos pr-escolares no meramente

    intuitivo, ela capaz de solucionar problemas, partindo das estratgias de memorizao que

    elaborou, dos princpios e regras que conhece implicitamente e dos esquemas simblicos que

    construiu. preciso apenas que o educador no subestime as possibilidades educacionais da

    criana em idade pr-escolar, e proporcione-lhe um meio cultural e de experincias

    enriquecido, no qual possa desenvolver plenamente suas capacidades (Rodrigo, 1995, p.133).

    Entendido os avanos no desenvolvimento psicomotor e cognitivo que ocorrem

    durante os anos pr-escolares, passemos, ento, ao estudo da relao entre aprendizado e

    desenvolvimento, buscando entender a natureza desta relao, e, pois, como o aprendizado

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    atravs da imitao pode ajudar no processo de desenvolvimento.

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    CAPTULO II

    APRENDIZADO E DESENVOLVIMENTO: A TEORIA DE VYGOTSKY E OUTRAS

    CONCEPES

    2.1 As diferentes concepes a respeito da relao entre o aprendizado e o

    desenvolvimento

    De acordo com um breve panorama terico elaborado por Vygotsky3 (2003) as

    inmeras concepes acerca da relao entre desenvolvimento e aprendizado podem ser

    reduzidas a trs posies tericas.

    A primeira posio sustenta que desenvolvimento e aprendizado o desenvolvimento

    pr-requisito para o aprendizado. O desenvolvimento compreendido como um processo de

    maturao sujeito s leis naturais; e o aprendizado, como o proveito que se d s

    ferramentas criadas pelo desenvolvimento. Desta forma, se as funes mentais da criana

    ainda no esto maduras o suficiente para que ela possa compreender determinado assunto,

    intil tentar ensin-la. O aprendizado no altera o caminho, nem a velocidade do

    desenvolvimento, ele apenas beneficia-se do desenvolvimento.

    Podemos enumerar dois tericos que so adeptos desta primeira posio terica:

    3Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896 em Orsha, cidade da Bielo-Rssia; faleceu detuberculose em 11 de novembro de 1934 em Moscou. Formou-se em Direito em 1918 pela Universidade deMoscou. Alm de Direito, Vygotsky tambm estudou filosofia, histria e fez cursos na faculdade de medicinaem Moscou. Seu interesse pela psicologia acadmica partiu de um trabalho de formao de professores em queteve contato com crianas com defeitos congnitos. Esta experincia estimulou Vygotsky a buscar alternativaspara ajudar o desenvolvimento destas crianas e, ao mesmo tempo, era uma oportunidade para compreender osprocessos mentais humanos. A partir de 1924, Vygotsky dedicou-se sistematicamente psicologia. Suas idias,portanto, foram desenvolvidas na Unio Sovitica ps-revolucionaria, e refletiram todo o desejo de construir

    uma teoria psicolgica voltada para a nova realidade social. Seus maiores colaboradores foram AlexanderRomanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979).

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    Piaget (1896-1980) e Binet. Estes tericos buscam estabelecer a idade mnima para que uma

    certa habilidade possa ser aprendida pela primeira vez. Eles buscam afastar as instrues

    prematuras, isto , o ensino de assuntos antes que a criana esteja preparada para aprender. Ao

    sustentar que o aprendizado segue os avanos do desenvolvimento, estes tericos repudiam a

    idia de que o aprendizado pode ter alguma influncia no processo de desenvolvimento. H,

    portanto, uma relao unilateral na qual o aprendizado depende do desenvolvimento.

    A segunda posio terica entende que aprendizado desenvolvimento. Os dois

    processos ocorrem simultaneamente. Este a idia comum a vrias teorias que tm origens

    diferentes. Uma destas teorias tomou como base o conceito de reflexo. O desenvolvimento

    entendido como o domnio de reflexos condicionados. Segundo Vygotsky (2003), para esta

    teoria o desenvolvimento resume-se, primariamente, acumulao de todas as respostas

    possveis (p.105). Willian James (1958) um dos autoresque defende esta teoria, e afirma

    que no existe melhor maneira de descrever a educao do que consider-la como a

    organizao dos hbitos de conduta e tendncias comportamentais adquiridos (apud

    Vygotsky, 2003, p.105). O desenvolvimento concebido como substituio s respostas

    inatas.

    Outro terico que tambm se encontra neste segundo grupo Thorndike que entende

    que o desenvolvimento se limita a um processo de aquisio de habilidades e hbitos.

    Segundo Thorndike (1914),

    O aprendizado mais do que a aquisio de capacidade para pensar; aquisio de muitascapacidades especializadas para pensar sobre vrias coisas. (...) o desenvolvimento daconscincia o desenvolvimento de um conjunto de determinadas capacidades independentesou de um conjunto de hbitos especficos (apud Vygotsky, 2003, p.108).

    Assim, a grande diferena entre estas duas posies tericas est na relao temporal

    entre o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizado.

    A terceira posio, representada pelo gestaltismo, uma combinao entre as duas

    primeiras. Vygotsky (2003) cita a teoria de Koffka para representar esta posio. Na teoria de

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    Koffka, o desenvolvimento tem como base dois processos diferentes, que, no entanto, so

    mutuamente dependentes e interagem entre si: a maturao que depende diretamente do

    desenvolvimento do sistema nervoso, e o aprendizado que , em si mesmo, tambm um

    processo de desenvolvimento (apud Vygotsky, 2003, p.106). Para Koffka, entre o processo

    de desenvolvimento e o de aprendizagem no h identidade, mas uma relao bastante

    complexa. De um lado o processo de maturao prepara o processo de aprendizado, de outro o

    processo de aprendizado impulsiona o processo de desenvolvimento.

    Segundo Vygotsky (2003), os tericos que defendem a terceira posio atribuem ao

    aprendizado um papel de grande importncia para o desenvolvimento da criana. Contrrio

    posio de Thorndike, estes tericos postulam que o aprendizado no pode ser reduzido

    formao de hbitos ou habilidades especficas. Afirma Vygotsky que, para estes tericos, o

    processo de aprendizado leva a mente a incorporar uma ordem intelectual que permite a

    transposio dos princpios gerais assimilados durante a soluo de uma operao para vrias

    outras operaes (p.109). O aprendizado permite, pois, a transferncia do conhecimento.

    Ademais, segundo Koffka, o desenvolvimento de uma capacidade mental, como ateno,

    memria, observao, concentrao, etc., tambm promove o desenvolvimento das

    demais. Desta forma, para Koffka, a influncia do aprendizado no desenvolvimento da mente

    nunca especfica. Conseqentemente, se a criana evolui um grau em seu aprendizado, seu

    desenvolvimento , no mnimo, duas vezes maior.

    2.2 Vygotsky: uma outra perspectiva

    Para compreendermos como Vygotsky entende a relao entre aprendizado e

    desenvolvimento, preciso, primeiro, esclarecer as caractersticas de seu pensamento.

    2.2.1 O pensamento scio-interacionista de Vygotsky

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    Vygotsky (1896-1934) buscou no pensamento marxista a base para construir sua teoria

    histrico-social, tambm conhecida como scio-interacionista. Os mtodos e princpios do

    materialismo dialtico, sua concepo de sociedade, de trabalho humano, de uso de

    instrumentos, e a interao dialtica entre homem e a natureza serviram como fundamento

    para Vygotsky elaborar sua teoria, segundo a qual o desenvolvimento humano

    profundamente enraizado na sociedade e na cultura. Vygotsky acreditava que s por meio

    desta abordagem abrangente seria possvel explicar o aspecto intelectual humano.

    De acordo com a teoria scio-interacionista de Vygotsky, as funes psicolgicas

    humanas no nascem prontas, nascem da relao que se estabelece entre os homens e

    desenvolvem-se na medida em que internalizam os modos culturais de comportamento.

    Teresa Cristina Rego (1995), em seu livro sobre Vygotsky, explica que pra ele o

    desenvolvimento mental humano no dado a priori, no imutvel e universal, no

    passivo, nem tampouco independente do desenvolvimento histrico e das formas sociais da

    vida humana. (pp.41-42). Tais funes amadurecem ao longo da vida de cada um, na medida

    em que o indivduo interage com o meio histrico e cultural. A cultura , pois, parte integrante

    da natureza de cada pessoa.

    Para Vygotsky (2003), o processo geral de desenvolvimento composto por duas

    linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto origem, mas que

    se entrelaam: as funes elementares, de origem biolgica, e as superiores, de origem scio-

    cultural (p.61). As funes elementares caracterizam-se por ser total e diretamente

    determinadas pela estimulao ambiental. As funes superiores tm como caracterstica

    fundamental a estimulao auto-gerada, isto , a criao e a utilizao de estmulos artificiais

    que se tornam a causa imediata do comportamento" (p.53). Estes estmulos artificiais, tambm

    chamado de signos, permitem ao ser humano controlar o seu prprio comportamento, agindo

    independentemente dos estmulos externos. Afirma Vygotsky que os seres humanos foram

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    alm dos limites das funes psicolgicas impostas pela natureza, evoluindo para uma

    organizao nova, culturalmente elaborada, de seu comportamento (p.52).

    Funes psicolgicas superiores tm, como caractersticas principais, a conscincia

    reflexiva e o controle deliberado (Vygotsky, 1998, p.112). Podemos citar, como exemplo,

    a memria voluntria, a capacidade de planejamento, a imaginao que, segundo Vygotsky,

    so caractersticas tipicamente humanas. Estas no so inatas, nem so apenas reflexos das

    presses do meio exterior; elas resultam da interao dialtica do homem com o seu contexto

    histrico e cultural. Segundo Luria4 (apud Rego, 1995),

    As funes psicolgicas superiores do ser humano surgem da interao dos fatores biolgicos,que so parte da constituio fsica do Homo sapiens, com os fatores culturais, que evoluramatravs de dezenas de milhares de anos de histria humana. (p.41).

    Assim, conclui Vygotsky (2003) que,

    (...) a caracterstica bsica do comportamento humano em geral que os prprios homensinfluenciam sua relao com o ambiente e, atravs deste ambiente, pessoalmente modificamseu comportamento, colocando-o sob seu controle (p.68).

    2.2.2 A relao entre aprendizado e desenvolvimento

    Ao afirmar que aprendizado e desenvolvimento esto inter-relacionados desde o

    primeiro dia de vida da criana (Vygotsky, 2003, p.110), Vygotsky descarta, de imediato, a

    tese de que o desenvolvimento anterior ao aprendizado. Mas, segundo Vygotsky,

    aprendizado tampouco sinnimo de desenvolvimento. No h relao de identidade entre

    eles. O que Vygotsky (1998) entende que

    (...) uma correta organizao da aprendizagem da criana conduz ao desenvolvimento mental,ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativao no poderia produzir-sesem a aprendizagem. Por isso a aprendizagem um momento intrinsecamente necessrio euniversal para que se desenvolvam na criana essas caractersticas humanas no-naturais, masformadas historicamente. (p.115).

    Vygotsky defende a unidade entre os dois processos. A unidade pressupe que um

    seja convertido no outro (Vygotsky, 2003, p.118). Como, ento, revelar as relaes reais

    4

    Alexander Romanovich Luria (1902-1977) foi um dos principais colaboradores de Vygotsky e lhe acompanhouat o fim de sua vida. Luria, Vygotsky e Leontiev (1904-1979) constituram a chamada troika, uma associao

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    entre a capacidade de aprendizado e o processo de desenvolvimento da criana?

    2.2.3 Nvel de desenvolvimento real e potencial ...

    Segundo Vygotsky (1998), devemos considerar a interao da criana com o ambiente,

    no podemos limitar-nos meramente determinao de nveis de desenvolvimento (p.111).

    Assim, para Vygotsky, preciso determinar pelo menos dois nveis de desenvolvimento: o

    nvel de desenvolvimento real e o nvel de desenvolvimento potencial. O desenvolvimento da

    criana s pode ser determinado a partir da conjugao destes dois nveis.

    Nvel de desenvolvimento real compreende as capacidades ou funes que a criana

    aprendeu e domina completamente, uma vez que j pode utiliz-las sozinha, sem a

    colaborao de outras pessoas do seu grupo social (pai, me, irmos mais velhos, professores,

    colegas mais experientes, etc.). Por exemplo, a criana que anda sem ajuda de outrem, ou que

    amarra seu sapato sem pedir a ningum, ou que anda de bicicleta sozinha, etc.

    Segundo Vygotsky (2003), o nvel de desenvolvimento real refere-se ao nvel de

    desenvolvimento das funes mentais da criana que se estabeleceram como resultado de

    certos ciclos de desenvolvimento j completados (p.111, itlico no original). Assim, se uma

    criana tem domnio de determinada funo ou capacidade, significa que ela j preencheu

    todo o ciclo de desenvolvimento necessrio para tanto, habilitando-a a valer-se daquela

    capacidade de forma independente. Tal funo ou capacidade, portanto, encontra-se dentro do

    nvel de desenvolvimento real da criana.

    Desta forma, Vygotsky diz que o desenvolvimento real da criana caracteriza o

    desenvolvimento mental de forma retrospectiva (Vygotsky, 2003, p.113). As funes

    psicolgicas que integram o nvel de desenvolvimento real de uma criana so aquelas que

    esto bem amadurecidas naquele momento de sua vida, isto , resultam de processos de

    que traduzia o idealismo e as aspiraes da sociedade (Russia) ps-revolucionria.

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    desenvolvimento slidos; so produtos finais do desenvolvimento.

    No entanto, muitas tarefas que a criana ainda no capaz de realizar de forma

    independente, podem ser cumpridas se algum orient-la, seja qual for o meio utilizado,

    simples instrues, demonstraes, ou mesmo dando-lhe assistncia propriamente dita. esta

    capacidade de desempenhar atividades sob a orientao de algum mais experiente da cultura

    que Vygotsky denomina nvel de desenvolvimento potencial. Como exemplo, podemos pensar

    numa criana de cinco anos de idade, sem necessidades especiais, que, mesmo no sabendo

    ler uma nota na partitura, poder, atravs da observao da execuo de seu professor, imit-

    lo, e, aps algumas repeties, a criana estar tocando a msica. Esta idia de nvel de

    desenvolvimento potencial fundamental na teoria de Vygotsky uma vez que ele atribui

    interao social extrema importncia no processo de construo das funes psicolgicas. A

    relao com o outro essencial no seu processo de desenvolvimento.

    Desta forma, duas crianas que tenham a mesma idade cronolgica, capazes de

    realizar as mesmas atividades de forma autnoma, podem apresentar nveis diferentes de

    desenvolvimento potencial. Se uma destas crianas capaz de, com a orientao de um

    professor, solucionar problemas muito mais difceis, seu nvel de desenvolvimento potencial

    maior que o da outra, e, por conseqncia, seu nvel de desenvolvimento mental tambm

    maior. No entanto, pensadores mais sagazes nunca atentaram para o fato de que a

    capacidade da criana de realizar atividades com a ajuda dos outros pode ser, de alguma

    maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue

    fazer sozinha (Vygotsky, 2003, p.111).

    Entretanto, no se quer dizer que a todo instante uma criana pode, com o auxilio de

    outrem, realizar qualquer tarefa. Isto porque, a capacidade que a criana tem de tirar proveito

    da colaborao de outrem, ocorre a partir do momento em que a criana dispe de um grau

    mnimo de desenvolvimento fsico, psicomotor e cognitivo. Uma criana que, por exemplo,

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    ainda no sabe andar, s conseguir andar com a ajuda de um adulto quando seu corpo

    apresentar uma mnima maturao. Certamente, aos quatro meses de vida, ela ainda no se

    encontra em nvel de desenvolvimento fsico, nem psicomotor para tanto .

    Por fim, afirma Vygotsky (2003) que o processo de desenvolvimento progride de

    forma mais lenta e atrs do processo de aprendizado; desta sequenciao resultam, ento, as

    zonas de desenvolvimento proximal (p.118).

    2.2.4 Zona de desenvolvimento proximal 5

    Entre as funes mentais j consolidadas na criana e aquelas que ainda esto em

    processo de amadurecimento, existe um caminho ao qual Vygotsky denominou zona de

    desenvolvimento proximal cuja definio

    A distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs dasoluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento potencial, determinadoatravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em colaborao comcompanheiros mais capazes (Vygotsky, 2003. p.112).

    A zona de desenvolvimento proximal como se fosse uma trilha que ainda precisa ser

    percorrida para que se alcance o cume de uma montanha. A caminhada j comeou, mas ainda

    preciso dar muitos passos, aumentar a resistncia fsica e psquica, acostumar-se com bolhas

    nos ps, agentar chuva, etc. Afirma Marta Kohl de Oliveira que a zona de desenvolvimento

    proximal , pois, um domnio psicolgico em constante transformao (Oliveira, 1995, p.60).

    A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funes que ainda no amadureceram,

    mas que esto em processo de maturao, funes que amadurecero, mas que esto presentesem estado embrionrio. Essas funes poderiam ser chamadas de brotos ou flores dodesenvolvimento, ao invs de frutos do desenvolvimento (Vygotsky, 2003, p.113).

    Assim, habilidades que ainda esto em fase inicial do desenvolvimento, aquilo que

    a zona de desenvolvimento proximal hoje, ser o nvel de desenvolvimento real amanh

    5 Marta Kohl de Oliveira coloca que a expresso zona de desenvolvimento proximal quando traduzida para alngua portuguesa pode aparecer como zona de desenvolvimento potencial. OLIVEIRA, Marta Kohl de.Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento um processo sciohistrico. So Paulo: Editora Scipione, 1995, p 58.

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    (Vygotsky, 2003, p.113). Tais funes e capacidades internalizam-se e tornam-se novas

    conquistas da criana, consolidando-se no seu nvel de desenvolvimento real.

    Se o nvel de desenvolvimento real define funes que j amadureceram, isto ,

    produtos finais do desenvolvimento, a zona de desenvolvimento proximal define os brotos

    do desenvolvimento. P isso, Vygotsky (2003) afirma que o nvel de desenvolvimento real

    caracteriza o desenvolvimento mental de forma retrospectiva, enquanto a zona de

    desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento de forma prospectiva (p.113).

    Interferindo nesta zona de desenvolvimento proximal, adultos e crianas mais experientes

    esto potencializando o processo de desenvolvimento das crianas.

    Zona de desenvolvimento proximal (ZDP) Zona BlizhaishegoRazvitiya, em que

    blizhaishego significa imediato, ou mais prximo (Coll, Palcios e Marchesi, 1996, p.98).

    Segundo Coll, Palcios e Marchesipara compreender a Zona de Desenvolvimento Proximal

    (ZDP), preciso conceb-la como uma rea que , ao mesmo tempo, interna e externa, fsica

    e mental. (p.98). De acordo com estes autores,

    (...) o termo potencial, empregado na definio da ZDP, tem conotaes de carter individuale interno e parece indicaruma tica centrada no sujeito psicolgico e nos processos mentais. Otermo prximo, utilizado no conceito definido, tem conotaes de carter social e externo eparece convidar a uma interpretao centrada na atividade social e nos processos de instruo(Coll, Palcios e Marchesi, 1996, p.99).

    Para Vygotsky, h uma interao dialtica entre a dimenso biolgica e a social do ser

    humano. Na viso de Coll, Palcios e Marchesi (1996), o que Vygotsky pretendia era

    construir um instrumento conceitual que permitisse a compreenso e a interveno emambos os nveis simultaneamente, devolvendo assim a unidade perdida (...) aos processos de

    desenvolvimento-educao (p.99).

    Ademais, segundo Vygotsky (2003), um aspecto essencial do aprendizado que ele

    cria esta zona de desenvolvimento proximal. O aprendizado desperta vrios processos

    internos de desenvolvimento, que so capazes de operar somente quando a criana interage

    com pessoas de seu ambiente e quando em cooperao com seus companheiros (Vygotsky,

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    2003, pp.117-118). Neste sentido, o aprendizado que desencadeia o processo de

    desenvolvimento. Segundo Coll, Palcios e Marchesi (1996), este processo, pelo qual a

    atividade e funes sincrticas passam a ser convertidas em capacidades e conscincia

    individual, o longo processo de desenvolvimento humano, que se produz na ZDP(p.97).

    Vygotsky (2003) tambm considera a brincadeira das crianas como um agente

    promotor da ampliao da zona de desenvolvimento proximal. Na maioria das vezes, no ato

    de brincar, especialmente a brincadeira do faz-de-conta, a criana cria uma situao

    ilusria; uma situao que, na vida real, ela ainda no capaz de fazer, ou no pode

    concretizar. Desta forma, ao brincar a criana estar realizando atividades que esto acima do

    seu nvel de desenvolvimento real. Como diz Vygotsky (2003), no brinquedo, a criana

    sempre se comporta alm do comportamento habitual de sua idade, alm de seu

    comportamento dirio; no brinquedo como se ela fosse maior do que na realidade

    (p.134). Portanto, a brincadeira impulsiona o processo de desenvolvimento da criana.

    Ademais, qualquer situao imaginria contem regras de comportamento a serem

    cumpridas. Tais regras aproximam-se daquilo que a criana observou na situao real. Desta

    forma, ao tentar reconstruir fielmente a situao imaginada, a criana estar agindo como se

    fosse algum que, na realidade, no . O vocabulrio usado, a maneira de falar e de agir, tudo

    o que a criana lembrar, servir de instrumento para ela representar. Seu comportamento,

    portanto, depender das idias que possuir. Com isso, a criana aprende a agir numa esfera

    cognitiva que depende de motivaes internas, o que estimular seu processo de

    desenvolvimento.

    Deve-se ressaltar que a imaginao uma forma tipicamente humana de atividade

    consciente; no est presente nos animais, nem nas crianas muito pequenas. Portanto, para

    uma criana um processo psicolgico novo. Ao criar uma situao imaginria, a criana

    manifesta pela primeira vez sua emancipao em relao s restries situacionais. Ao eleger

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    um objeto para representar um outro, a criana estar usando sua capacidade de separar o

    significado do objeto, sem saber que o est fazendo. Este j um passo para o

    desenvolvimento do pensamento totalmente desvinculado de situaes reais.

    Portanto, agir na zona de desenvolvimento proximal da criana extremamente

    importante para o seu desenvolvimento mental. Segundo Coll, Palcios e Marchesi (1996), o

    conceito de ZDP no supe, pois, somente um desejo de um melhor prognstico psicolgico

    do desenvolvimento, mas implica um mtodo concreto para converter este prognstico em

    desenvolvimento real, atravs da educao (p.100). E Vygotsky (2003) ainda ressalta que a

    compreenso plena do conceito de zona de desenvolvimento proximal deve levar

    reavaliao do papel da imitao no aprendizado (p.114).

    2.2.5 A imitao no aprendizado

    A psicologia animal j tratou da questo da imitao no processo de aprendizado.

    Estudos concluram que alguns animais podem aprender por imitao, mas s aprendem

    aquilo que poderiam descobrir de forma independente. Isto porque os animais no aprendem

    no sentido humano do termo. Os animais no podem ser ensinados a resolver, de forma

    autnoma, problemas muito avanados. Como coloca Vygotsky (2003), o aprendizado

    humano pressupe uma natureza social especfica e um processo atravs do qual as crianas

    penetram na vida intelectual daquelas que as cercam (p.115).

    Ento, os homens aprendem por imitao? A imitao leva ao desenvolvimento? A

    psicologia clssica tem por princpio que a atividade imitativa no indicativa do nvel de

    desenvolvimento da criana (Vygotsky, 2003, p.114). Este o motivo que justifica a forma

    como os testes tradicionais avaliam o desenvolvimento mental, os quais consideram apenas a

    soluo dos problemas que a criana consegue realizar sem assistncia de outra pessoa.

    Vygotsky (1998), no entanto, d especial destaque ao papel da imitao no

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    aprendizado. Vejamos:

    No desenvolvimento da criana, (...) a imitao e o aprendizado desempenham um papelimportante. Trazem tona as qualidades especificamente humanas da mente e levam a crianaa novos nveis de desenvolvimento. Na aprendizagem da fala, assim como na aprendizagemdas matrias escolares, a imitao indispensvel. (p.129).

    Para o autor, a imitao no se resume a uma simples cpia de um modelo. A imitao

    , para a criana, a reconstruo do que ela observou no outro. , pois, uma atividade criativa,

    na medida em que cada criana vai criar a sua prpria maneira de realizar tal atividade. Ao

    mesmo tempo, algo novo, j que foi a partir da observao que ela aprendeu aquela tarefa.

    Como explica Moyss (1997) em seu livro Aplicaes de Vygotsky educao matemtica,

    a imitao envolve uma experimentao construtiva, ou seja, a criana realiza aes

    semelhantes do modelo de uma forma construtiva, imprimindo-lhe modificaes. Disso

    resulta uma nova forma (...) (p.34).

    Ao reconstruir o modelo, a criana estar internalizando o conhecimento externo.

    Como muito bem coloca Rego (1995), a imitao pode ser entendida como um dos possveis

    caminhos para o aprendizado, um instrumento de compreenso do sujeito (p.111). Portanto,

    a imitao no uma atividade meramente mecnica.

    Mas, a criana pode imitar tudo o que a ela ensinarmos? Segundo Vygotsky (1998),

    para imitar necessrio possuir os meios para se passar de algo que j se conhece para algo

    novo (p. 129). No possvel ensinar a andar de bicicleta a uma criana de um ano de idade.

    Ela ainda no possui o equilbrio, nem a coordenao de movimentos mnimos necessrios

    para desempenhar tal atividade. Da a importncia do reconhecimento da zona de

    desenvolvimento proximal. Nesta zona encontram-se as funes que esto amadurecendo, e

    que, portanto, a criana pode comear a desenvolver atravs da imitao. Assim, s podero

    ser imitadas aes que se encontrem dentro da zona de desenvolvimento proximal daquela

    criana. Tudo o que for broto poder amadurecer atravs da imitao.

    Coll, Palcios e Marchesi (1996), afirmam que a imitao da criana lhe permite

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    situar-se em um universo de atividade de um nvel organizativo superior, e que, ali aonde a

    criana no chega, o adulto completa a atividade proposta com seus recursos e estabelece

    distines (p.97). Estes autores vem na imitao uma construo a dois, a criana utiliza

    sua capacidade imitativa e o adulto faz uso inteligente e educativo desta capacidade na zona

    de desenvolvimento proximal. O adulto empresta criana, atravs desse processo imitativo,

    autnticas funes psicolgicas superiores externas (p.96).

    Com o auxilio de uma outra pessoa, toda criana pode fazer mais do que faria

    sozinha, ainda que se restringindo aos limites estabelecidos pelo seu grau de

    desenvolvimento (Vygotsky, 1998, p.129). Oliveira (1995), que escreve sobre a teoria de

    Vygotsky, traz o exemplo de uma criana que imita a escrita de um adulto. Afirma a autora

    que, ao fazer isto, a criana est promovendo o amadurecimento de processos de

    desenvolvimento que a levaro ao aprendizado da escrita (p.63). Neste sentido tambm se

    posicionam Coll, Palcios e Marchesi (1996):

    A criana capaz de imitar muitas aes que caem dentro de sua atual potncia fsica de ao,

    mas que, graas ao carter representacional destas aes -no acessvel conscientemente criana, porm acessvel funcionalmente- e, graas ao fato de que a criana est inserida emuma atividade coletiva guiada pelos adultos, vo alm deste potencial (p.97).

    Desta forma, se, segundo Vygotsky, o bom aprendizado aquele que se adianta ao

    desenvolvimento (Vygotsky, 2003, p.117)6, imitar algum um timo aprendizado. A

    imitao eficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criana, ela no se restringe

    aos nveis de desenvolvimento j consolidados. A imitao trabalha a potencialidade da

    criana, aquilo que hoje ela capaz de realizar por meio da ajuda de outrem, amanh ela

    executar autonomamente. Como ressalta Rego (1995), a imitao amplia a capacidade

    cognitiva individual. (p.111).

    6 Vygotsky chega a afirmar que o nico tipo produtivo de aprendizado aquele que vai frente dodesenvolvimento, servindo-lhe de guia. VIGOTSKY. Pensamento e Linguagem. So Paulo: Martins Fonte,

    1998, p.130.

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    A imitao, assim, impulsiona o desenvolvimento de uma srie de funes

    psicolgicas superiores. A memria uma delas. Para imitar algum, a criana necessita usar

    bastante a sua memria. E, de acordo com Vygotsky (2003), nas fases iniciais da infncia, a

    memria uma dentre as funes psicolgicas centrais, em torno da qual se constroem todas

    as outras funes (p.66). Afirma Vygotsky (2003) que o ato de pensar na criana muito

    pequena determinado pela sua memria. (...) Para crianas muito pequenas o ato de pensar

    significa lembrar (p.66). Se a memria assim to importante para o pensamento da criana,

    temos, ento, um grande motivo para incentivar a utilizao da imitao no processo de

    aprendizado.

    Ademais, Vygotsky acentua que logo no incio da idade escolar as funes

    psicolgicas superiores ganham um papel de destaque no processo de desenvolvimento. Por

    exemplo, a ateno que antes era involuntria, passa a ser voluntria, dependendo cada vez

    mais do pensamento da criana; a memria mecnica transforma-se em memria lgica.

    Poder-se-ia dizer que tanto a ateno quanto a memria tornam-se lgicas e voluntrias, j

    que o controle de uma funo a contrapartida da conscincia que se tem dela (Vygotsky,

    1998, p.113). Assim, sendo a imitao importante para o desenvolvimento de inmeras

    funes psicolgicas, deve ser exercitada logo nos primeiros anos escolares.

    Cumpre destacar ainda que, segundo Vygotsky (2003), a formao de conceitos na

    mente das crianas um processo baseado nas suas lembranas (p.66). Vygotsky no

    determina a que idade est se referindo. No entanto, segundo Piaget, na fase pr-operatria

    tem incio o pensamento pr-conceitual. De acordo com Vygotsky (2003), quando uma

    criana pensa um conceito, o contedo que vem mente determinado muito mais pelas suas

    lembranas concretas que pela estrutura lgica do conceito em si. Desta forma, uma criana

    que aprende um conceito por imitao tem facilidade em relembr-lo futuramente, j que seu

    contedo foi registrado a partir das impresses que lhe foram deixadas quando da execuo da

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    atividade. Tem-se, pois, mais um motivo para dar crdito importncia do aprendizado por

    imitao.

    No podemos deixar de ressaltar que na linha de pensamento de Vygotsky, o

    verdadeiro curso do desenvolvimento do pensamento no vai do individual para o socializado,

    mas do social para o individual. O que leva Rego (1995) a afirmar que o desenvolvimento

    pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado grupo cultural, a

    partir da interao com os outros indivduos da espcie (p.71). E, para Vygotsky (1998), o

    desenvolvimento do pensamento determinado pela linguagem, isto , pelos instrumentos

    lingsticos do pensamento e pela experincia scio-cultural da criana (p.62). Sendo assim,

    a imitao ganha ainda maior relevncia. Ao mesmo tempo em que a imitao desencadeia

    um maior contato da criana com as prprias ferramentas da linguagem, ela transmite a

    vivncia de uma pessoa para a outra. Proporcionando, portanto, um melhor desenvolvimento

    do pensamento.

    Vejamos, assim, como todos estes conceitos podem ser aplicados ao ensino do piano.

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    CAPTULO 3

    A IMITAO NO ENSINO DO PIANO

    O ensino do piano tambm utiliza a imitao como forma de aprendizagem J no

    sculo XVIII, Franois Couperin apontava a necessidade de a criana ouvir e reproduzir, antes

    de ser apresentada notao musical. Nas suas palavras:

    No se deve comear a mostrar a notao musical a crianas, antes que elas tenham uma certaquantidade de peas nos dedos. quase impossvel que, olhando para o livro, os dedos deixem de sair da boa posio e se contoram. Alem do mais, a memria se forma bem melhor quandose aprende de cor (apud Gonalves e Barbosa, 1989, vol.4, p.4).

    Assim, tocar por imitao no uma idia muito nova no ensino de um instrumento de

    teclas. Coordenar ouvido e mo mais fcil que a tarefa de coordenar olho, ouvido e mo,

    exigida numa execuo por leitura. Ser que este o nico motivo pelo qual a imitao

    utilizada? Vejamos ento o que dizem alguns mtodos e professores que trabalham com a

    imitao no ensino do piano.

    3.1 O mtodo Suzuki e suas premissas

    A suavidade do som do violino de Elman me fascinou completamente. (...) Minha emooprofunda foi o primeiro passo na busca do verdadeiro significado da arte. (...) Trouxe umviolino da fbrica para casa e, ouvindo Elman tocar um minueto de Haydn, tentei imit-lo. (...)Com o tempo, tocar violino, cada vez me dava mais prazer (Suzuki, 1994, p.68).7

    7 Shinichi Suzuki nasceu em Nagoya, em 17 de outubro de 1898. Shinichi Suzuki foi tocado pela msica apsouvir a Ave Maria, de Schubert, interpretada por Mischa Elman. Aos 21 anos, Suzuki foi estudar violino comKo Ando, em Tquio. Um ano depois, Suzuki foi estudar em Berlim onde foi aluno de Karl Klinger foi professorpor oito anos. Em 1929, Suzuki volta ao Japo. Em 1930 Suzuki tornou-se presidente da Escola de Msicade Teikoku e diretor da Orquestra de Cordas de Tquio. Em 1945, Suzuki inicia na Escola de Musica deMatsumoto a Educao do Talento. Nos anos 60, professores do ocidente comeam a viajar a fim de ver osestudantes de Suzuki e com ele aprender. Em 1964, Suzuki viajou para os Estados Unidos com um grupo dedezenove estudantes para dar concertos e palestras. Em 1965, o concerto anual de cordas do Japo pde ser vistona Europa pela televiso (Suzuki, 1994, p.98). Durante sua vida, Suzuki recebeu vrias condecoraes, foi

    nomeado pelo Imperador do Japo Tesouro Nacional e foi indicado para o Prmio Nobel da Paz. Shinichi Suzukifaleceu em 26 de janeiro de 1998. Mais informaes sobre a biografia de Suzuki em

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    Segundo Suzuki, (1994), talento no um acaso do nascimento (p.9). Esta frase

    inicia o prlogo de seu livro Educao Amor. O autor complementa dizendo que todo ser

    nasce com tendncias naturais para aprender. Para viver, uma criana recm-nascida se adapta

    ao ambiente que a cerca e adquire assim diversas qualidades (p.9). Segundo Suzuki, as

    aptides de qualquer pessoa podem ser desenvolvidas, e somos ns mesmos que

    desenvolvemos nossas habilidades. Creio, firmemente, que a aptido cultural e musical no

    vem de dentro, no herdada, mas ocorre atravs de condies ambientais favorveis (p.21).

    Talento no herdado ou inato, mas tem de ser educado e desenvolvido (p.23).

    Por volta de 1931-1932, no Conservatrio Imperial do Japo, pediram a Suzuki que

    ensinasse violino a um menino de quatro anos. Suzuki no sabia como fazer. Diante do

    espanto de que todas as crianas falavam japons, ele descobriu o caminho. Tal

    descoberta o fez perceber que, na realidade, toda criana fala fluentemente sua lngua

    materna. Diante disto, Suzuki (1994) concluiu que todas as crianas do mundo so educadas

    por um mtodo perfeito: por sua lngua materna (p.12). Suzuki, ento, estendeu este mtodo

    para o ensino da msica, j que toda criana pode alcanar altas capacidades se for exposta a

    um mtodo educacional adequado (p.11). Ele chamou seu mtodo de educao para o

    talento (p.13).

    Para Suzuki (1994), a boa educao, isto , uma educao com percia e

    compreenso deve comear logo no dia do nascimento. Segundo o autor, esta a chave do

    desenvolvimento integral das potencialidades humanas (p.12). Suzuki traz o exemplo dos

    rouxinis. Antes de aprender a voar, os rouxinis so retirados do ninho e colocados juntos a

    um pssaro-mestre, que todos os dias emite um belo canto. Assim, o canto do pequeno

    rouxinol depende do que ele ouviu de seu pssaro-mestre logo no seu primeiro ms de vida.

    Os pssaros-mestre so como os professores. Se tem um bom professor, [o aluno] vai,

    .

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    atravs de transformaes fisiolgicas, aprender a produzir sons to belos quanto o do seu

    professor (p.17).

    Segundo Suzuki (1994), o desenvolvimento do potencial humano segue a mesma

    linha. Preparao, tempo, e ambiente devem juntos formar a motivao. As potencialidades

    so como sementes. Uma semente precisa de tempo e de estmulo para germinar (p.14).

    gua, calor, luz e sombra so estmulos dirios. As transformaes que ocorrem so

    invisveis at que um broto aparece aos nossos olhos (p.14). Uma vez alcanada a luz do

    sol, o broto cresce mais rapidamente.

    O inicio de qualquer aprendizado vagaroso, at que o broto da capacidade se

    estabelea. Na verdade, precisa-se de muito tempo, mas devagar se chega a uma grande

    capacidade (Suzuki, 1994, p.15). Sustenta o autor que tudo baseado na pacincia e na

    repetio. O princpio da Educao do Talento baseado na premissa de que o talento no

    inato e que qualquer criana adquire habilidade, atravs de experincias e repeties (Suzuki,

    1994, p.26). A semente da capacidade, uma vez plantada, cresce aceleradamente (Suzuki,

    1994, p.15). Assim pode-se entender que capacidade gera capacidade A capacidade lapidada

    pelo treinamento, e se desenvolve at o amadurecimento.

    Portanto, para Suzuki (1994) as habilidades so desenvolvidas. Atravs do treino, as

    habilidades naturais emergem. Segundo o autor, deve-se ter uma preocupao com a maneira

    pela qual as crianas so criadas e treinadas, com a forma pela qual se dirige o

    desenvolvimento de sua mente, sensibilidade, sabedoria e conduta. As crianas vivem, vem

    e sentem, sua habilidade se desenvolve para ajust-la ao seu ambiente (p.20). Onde quer que

    nasa, a criana se adapta ao ambiente. Todas as crianas adaptam as suas foras vitais e

    orgnicas aos seus respectivos ambientes (p.21).

    De acordo com Suzuki (1994), a fora da vida humana desenvolve novas faculdades

    que, com treino constante, superam as dificuldades e se transformam em habilidades.

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    Portanto, atravs da repetio toda pessoa pode construir uma habilidade. Se algum

    aprendeu algo, deve conseguir maestria repetindo-o muitas vezes (p.41). Ns temos que

    praticar e educar nossos talentos, isto , repetir as atividades at que elas aconteam

    naturalmente, fcil e simplesmente (p.45), repetir, repetir at que algo seja parte de ns

    mesmos (p.47). Mas, preciso que este treinamento seja correto. O importante que a

    capacidade seja levada pelo trabalho maior altura possvel. Aprenda uma coisa e pratique,

    burile a cada dia (p.47).

    Assim, para desenvolver talento preciso muita perseverana e pacincia. E, como

    qualquer outra habilidade, estas tambm precisam ser praticadas. No se apresse. (...) No

    descanse em seus esforos. (...) Sem parar, sem correr, cuidadosamente dando um passo por

    vez para frente, certamente h de chegar (Suzuki, 1994, p.48).

    3.2 A memria e a imitao

    Para Suzuki (1994), deve-se aprender msica da mesma forma como aprendemos

    nossa lngua-me; primeiro aprendemos a falar, depois a ler. De tanto ouvir certas palavras,

    acabamos memorizando e utilizando. Segundo Suzuki, as crianas aprendem as nuances de

    sua lngua me atravs da escuta repetitiva e o mesmo processo deve ser seguido para o

    desenvolvimento de um ouvido para a msica. Por isso, no mtodo Suzuki as crianas devem

    ouvir com freqncia as msicas que esto estudando. Seis dias por semana de prtica e

    escuta em casa sero mais decisivos em determinar a velocidade do avano da criana do que

    uma ou duas aulas por semana (Suzuki, 1995, p.11).

    Depois de ouvir as msicas, as crianas aprendem-nas por imitao. Observando a

    execuo do professor, a criana comea a tocar. Defende Suzuki (1995) que a leitura

    musical deve ser ensinada somente quando a sensibilidade musical, a destreza da execuo e a

    memria tenham sido suficientemente treinadas (p.11). Desta forma a criana ter maior

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    facilidade para memorizar e ainda estar treinando o seu ouvido para reconhecer uma fina

    expresso musical (Suzuki, 1995, p.10).

    O mtodo d nfase memria. Afirma Suzuki (1994) que a capacidade de

    memorizar das mais importantes da vida e deve ser incutida profundamente (p.87) e que as

    crianas iniciantes devem saber a msica de cor e no consultar as notas escritas (p.37).

    Afirma Suzuki (1994) que, dependendo do treinamento, a capacidade de memorizar aumenta

    cada vez mais e o tempo que se leva para memorizar fica cada vez mais curto.

    Da mesma forma que Suzuki, Kaplan (1985) considera a memria fator essencial no

    processo de aprendizagem. Mas, o que a memria? Segundo Kaplan, a memria um

    conjunto de funes do psiquismo que nos permite conservar o que foi, de algum modo,

    vivenciado (p.69). A memria registra sensaes. Todo rgo sensorial tem a sua memria.

    Da porque existem diversos tipos de memria.

    Kaplan (1985) fala em memria visual, auditiva, cinestsica, lgica, olfativa, ttil, e

    ressalta a existncia de outras. J Barbacci (1965) afirma que a prtica musical exige e

    desenvolve at sete tipos de memria: memria visual, auditiva interna e externa, muscular-

    ttil, nominal, rtmica, analtica (ou intelectual) e emotiva. Segundo este autor, todas estas

    memrias devem ser aperfeioadas. Para tanto, preciso trabalhar cada uma individualmente.

    O processo de individualizao eminentemente psicolgico (p.58).8

    A memria visual a faculdade de reter na memria o que foi visto, na partitura ou na

    execuo de algum. A memria auditiva a que armazena as imagens sonoras. A memria

    muscular-ttil, ou cinestsica a memria do movimento, proveniente, portanto, das

    sensaes prprio-ceptivas, segundo Kaplan (1985, p.69). A memria nominal uma

    memria verbal; ela dita o nome das notas. A memria rtmica a que guarda os diferentes

    ritmos; est em estreita conexo com a memria auditiva. A memria analtica, ou lgica, a

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    mais intelectual das memrias musicais; a memria advinda da anlise da obra musical. A

    memria emotiva, segundo Barbacci (1965) a que constri a idia emocional que o

    intrprete quer passar no momento da execuo da pea; a memria dos mil detalhes

    imponderveis, (...), graduveis, mas impossveis de escrever devem ser recordados por meio

    de uma memria que chamaremos de emotiva (p.109)9. Assim, vrios tipos de memria

    concorrem para a mais perfeita memorizao de uma pea musical.

    Segundo Barbacci, a primeira memria que crianas desenvolvem a rtmica. E,

    sustenta que a memria rtmica se desenvolve mais livremente quando se pratica sem a

    utilizao da escrita. Mas, para Barbacci, a memria auditiva a mais importante das

    memrias musicais (Barbacci, 1965). Defende o autor que a educao do ouvido musical

    comece nas primeiras lies. (...) nas primeiras semanas de estudo, quando a criana

    ingressa no mundo da musica, que se deve despertar-lhe o interesse em escutar atentamente a

    todos os sons, seus timbres, os rudos e os silncios10. A criana, j nas aulas iniciais, deve

    comear a desenvolver seu ouvido musical. No incio deve escutar tudo muito atentamente,

    formando assim o hbito de valorar as diferentes qualidades do som e criticando suas

    deficincias11.

    A memria analtica ou lgica no muito exercitada pela criana espontaneamente. A

    criana no se ocupa desta memria. Cabe ao professor ajudar a criana a analisar a pea com

    o fim de facilitar a memorizao da mesma.

    De acordo com Kaplan (1985), possvel distinguir trs estgios durante o processo de

    memorizao: aquisio, fixao/reteno e evocao. A aquisio refere-se ao primeiro

    8 El processo de individualizacin es eminentemente psicolgico (Barbacci, 1965, p.58, traduo nossa).9 Mil detalles imponderables, (...), graduables, pero no posibles de escribir deben recordarse por mdio de umamemria que llamaremos emotiva (Barbaccci,1965, p.109).10 (...) es en las primeras semanas de estudio, cuando el nino ingresa en el mundo de la msica, cuando debedespertsele el interes em escuchar atentamente a todos los sonidos, sus timbres, los ruidos, los silncios(Barbacci, 1965, p.77).11

    En principio debe escuchar todo muy atentamente, formando as el hbito de valorar las diferentes cualidadesdel sonido y criticando sus deficiencias. (Barbacci, 1965, p.76).

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    contato com a informao. A fixao/reteno indica o registro da informao no nosso corpo.

    A evocao a capacidade de trazer lembrana a informao retida. Estes dois primeiros

    estgios configuram-se basicamente como um processo cognitivo-perceptivo.

    Segundo Kaplan (1985), quanto maior a ateno e a motivao no momento da

    aquisio, maior ser a reteno da informao. Ademais, a fixao depende da compreenso

    do material a ser memorizado e da maneira como so realizadas as repeties do mesmo. A

    compreenso do material implica o reconhecimento das estruturas bsicas e as possibilidades

    de associao entre elas. Estas associaes podem ser feitas por analogias ou diferenas. Os

    processos associativos constituem uma das maneiras essenciais de fixar os conhecimentos

    (p.72). A associao facilita a organizao mental do material a ser memorizado. (...) esta

    estruturao ajuda a fixar a aprendizagem como tambm, no caso da execuo pianstica,

    favorece sua realizao (p.72).

    A reteno da informao pode durar um curto perodo ou um longo perodo. Segundo

    Kaplan (1985), como se a memria fosse um sistema com vrios estgios de diferentes

    duraes (p.75). No primeiro estgio as informaes ficam registradas apenas durante

    milsimos de segundo, uma espcie de registro sensorial, nas palavras do autor (p.75). Um

    segundo estgio capaz de armazenar a informao por um tempo um pouco maior, de 15 a

    30 segundos da porque denominada memria a curto prazo (p.75). a repetio que

    permite que uma informao ultrapasse estes primeiros estgios e seja retida na memria a

    longo prazo a qual , pois, capaz de manter a informao por um tempo muito maior.

    Sendo assim, a repetio desempenha um papel importantssimo no processo de

    memorizao.

    No caso especfico do aprendizado pianstico, o valor da repetio se d num duplo sentido,pois alm de favorecer a reteno essencial para a criao dos hbitos e habilidades motorasnecessrias para executar, do ponto de vista fsico, as exigncias de carter musical que apartitura em estudo apresenta. (Kaplan, 1985, p.76, itlico no original).

    A repetio pode ser mental ou fsica. Assim, um aluno, aps observar a execuo de

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    uma pea pelo seu professor, deve primeiro repeti-la mentalmente como se estivesse tocando

    no instrumento. Neste exerccio o aluno estar pensando a seqncia das notas, o dedilhado, a

    dinmica, etc. Posteriormente, o aluno poder efetivamente repetir ao piano, e atravs destas

    repeties, desenvolver as habilidades motoras necessrias para sua execuo.

    Mas, para que o desenvolvimento dos hbitos motores seja eficaz, preciso que a

    repetio fsica seja seletiva e no mecnica. preciso saber o que e como realizar o

    movimento que se quer executar e fixar. Toda repetio tem que ser controlada auditivamente

    pelo aprendiz, analisando-a criticamente. A cada nova repetio devemos exigir um resultado

    melhor.

    Segundo Kaplan (1985), esta repetio seletiva requer o desenvolvimento desde o

    incio dos estudos, de duas capacidades do aluno: capacidade de ouvir internamente,

    imaginando como dever soar cada passagem; e capacidade de sentir e diferenciar as

    sensaes que seu sistema prprio-ceptivo lhe fornece para, a partir delas, escolher os

    movimentos que ir precisar para executar a passagem.

    Observa-se, assim, que a reteno das informaes na memria por um longo perodo

    resultado da repetio. A memria musical tambm funciona assim. Ento, uma criana que

    ouve repetitivamente uma msica, memorizar com mais facilidade que outra que no ouve

    com tanta assiduidade. Da mesma forma como ocorre no aprendizado de uma lngua, na

    msica precisamos repetir as passagens muitas vezes para domin-la.

    Portanto, a memorizao uma dentre as funes que o ensino do piano atravs da

    imitao estar desenvolvendo. Vejamos em seguida que outros processos de

    desenvolvimento a imitao no ensino do piano pode estimular.

    3.3 A posio de outros professores

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    No Manual do Professor do Mtodo Educao Musical atravs do teclado12, a

    professora Gonalves (1989) inclui tocar por imitao como uma das habilidades funcionais

    que deve ser desenvolvida ao longo do processo de aprendizado do piano (vol.4, p.4). Esta

    habilidade torna o teclado familiar ao aluno e desenvolve um senso de pianismo que, de

    outra forma, seriapor muito tempo adiado (vol.4, p.4, itlico nosso).

    Segundo a autora, utilizar o recurso do ensino por imitao tem como objetivo geral

    proporcionar o prazer de fazer msica, especialmente na etapa inicial da educao musical

    (Gonalves, 1989, vol.4 p.5). Desta forma a autora inclui nos manuais do professor algumas

    peas para serem ensinadas por imitao na fase que precede o uso do 1 volume, num dos

    primeiros contatos com o teclado (vol.4, p.6).A pea intitulada au Clair de la lune, por

    exemplo, uma destas peas. (Gonalves, 1989, vol.4, p.102/103).

    Esta pea para piano a quatro mos, para professor e aluno. Mas, sugere a autora que

    a parte doprimo seja aprendida por imitao pelo aluno antes mesmo do uso do primeiro livro

    do mtodo. Observamos que a primeira parte desta melodia traz intervalos meldicos de tera

    e quinta. um fato curioso, pois, o intervalo de quinta s aprendido no captulo 5 da 1 parte

    do livro e o intervalo de tera s aparece no captulo 2 da 2 parte. Da mesma forma, uma

    outra pea, l no stio do Renato, indicada para ser aprendida por imitao antes do incio

    da 2 parte (pr-leitura) do 1 livro, traz intervalos de quarta, o qual s ser apresentado no 5

    capitulo do 2 volume do mtodo (Gonalves, 1989, vol.4, p.103).

    Ainda no manual do professor vol.4, a autora indica uma pea, a perdiz, a ser

    aprendida por imitao paralelamente ao captulo 4, da 2 parte (pr-leitura) do 1 volume

    (Gonalves, 1989, vol.4, p.108). Esta pea apresenta clulas rtmicas que a criana ainda no

    12 O mtodo foi desenvolvido pelas professoras Maria de Lourdes Junqueira Gonalves e Cacilda BorgesBarbosa e conta com quatro volumes. O primeiro nomeado etapa da musicalizao o qual composto deduas partes: experincias e descobertas e pr-leitura; o segundo volume etapa da leitura: nas teclas

    brancas; o terceiro volume nas teclas brancas e pretas; o quarto volume habilidades funcionais. Almdestes livros, h os manuais para os professores

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    conhece, como colcheias, colcheia pontuada e semicolcheia. Tais constataes permitem-nos

    afirmar que uma criana iniciante j capaz de executar por imitao melodias que

    apresentem uma certa complexidade rtmica e meldica, com saltos de teras, quartas, quintas

    e at oitavas, como aparece na pea brincando de ndio sugerida pelas professoras como

    pea paralela ao captulo 2 da 2 parte (pr-leitura) do 1 volume. Afirma a prpria professora

    que todos esses conceitos de intervalos aqui experimentados s sero explorados, na pgina

    musical, bem mais tarde (Gonalves, 1989, vol.4, p.103, itlico nosso).

    Uma outra pea que merece ser destacada aqui a onda mansinha (Gonalves, 1989,

    vol.3, p.6). Esta deve ser aprendida por imitao quando se chega ao captulo 4, da 2 parte

    (nas teclas brancas e pretas) do 2 volume (Leitura). Segundo as autoras, esta obra visa a

    trabalhar, dentre outros aspectos, a elegncia de gestos e equilbrio sonoro atravs do uso de

    mos alternadas com deslocamento. Afirma a autora que este item constitui experincia de

    pianismo bastante sofisticada, que seria atingida com dificuldade, por leitura e que, realizada

    por imitao, alcanada com facilidade e prazer (Gonalves, 1989, vol.3, p.7).

    Para tocar cruzando as mos, sem afetar o equilbrio sonoro, a criana precisa ser

    capaz de ajustar seu tnus muscular quela situao. Como esta habilidade ainda se encontra

    em fase de amadurecimento durante os anos pr-escolares, o ensino do piano atravs da

    imitao estar contribuindo para seu desenvolvimento.

    Sustenta ainda a autora que a habilidade de tocar por imitao deve acompanhar a

    evoluo da aprendizagem. As peas aprendidas por imitao constituem o repertrio inicial

    das crianas, tornando-se um repertrio paralelo quando elas aprendem a ler partitura. Assim,

    o professor deve ter o material adequado ao momento de aprendizagem que a criana est

    vivendo. E, como na prtica da imitao o professor o modelo, deve executar a pea com

    cuidado, sem hesitaes, de forma expressiva. Na aprendizagem por imitao, o aluno no

    reproduz simplesmente o que v tocar. Imita a qualidade do som, a elegncia do gesto e a

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    bonita posio das mos e dedos (Gonalves, vol.2, pp.19-20).

    Ao observar o gesto e a posio dos braos, mos e dedos do professor, a criana est

    obtendo informaes sobre estas partes do corpo e de sua estruturao postural. Entrelaando

    estes dados com a experincia do seu prprio corpo, a criana nos anos pr-escolares vai

    construindo seu esquema corporal. Portanto, a prtica da imitao no ensino do piano

    concorre para que a criana amadurea a representao de seu corpo e de suas possibilidades.

    Segundo ngela Diller (1953), uma outra autora que tambm acredita na importncia

    de se ensinar por meio da imitao, no incio do estudo, tocar de ouvido, aprender peas por

    imitao e aprender a ler deveriam processar-se simultaneamente (apud Gonalves, 1989,

    n4, p.5). Sustenta a autora que atravs da imitao a criana aprende a concentrar-se, a ouvir,

    a utilizar um bom dedilhado, alm de aprender a frasear de forma inteligente, desenvolvendo

    hbitos de estudo de grande qualidade. Ensinando por imitao voc estar ensinando o

    aluno a usar o ouvido e a mente tanto quanto os dedos (apud Gonalves, 1989, vol.2, pp.19-

    20).

    A Professora de violino da UNIRIO, Mariana Salles, que trabalha h 18 anos com o

    mtodo Suzuki, em entrevista concedida a ns13, concorda que a msica brilha, brilha

    estrelinha apresenta uma certa complexidade para ser a primeira msica do mtodo, e que a

    criana s consegue realiz-la porque aprende atravs da imitao.

    A entrevistada tambm afirma ainda que muitas coisas so desenvolvidas atravs da

    imitao. Ela cita o cuidado com a afinao e com a postura, a qualidade sonora, o

    movimento, e at o amor que o professor tem por aquilo que ele faz. Afirma ainda que,

    sem a leitura, o aluno interage muito melhor com a msica e que a imitao desperta

    processos de desenvolvimento que ainda esto amadurecendo.

    Portanto, observa-se que a utilizao da imitao no ensino do piano coloca em

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    andamento vrios processos de desenvolvimento que, se no fosse o modelo do professor a

    ser imitado, seriam bastante adiados. A imitao , pois, uma ferramenta que encontra

    fundamentao terica e aprovao de professores, devendo, assim, integrar as metodologias

    para o ensino do piano.

    13

    SALLES, Mariana. Entrevista realizada no domiclio da entrevistada. Rio de Janeiro, 2008, 1MD (16 min12).

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    CONCLUSO

    Compartilhando do pensamento scio-interacionista exposto por Vygotsky,

    entendemos que as funes psicolgicas humanas desenvolvem-se na medida em que o

    indivduo interage com o seu meio histrico-social. O curso do desenvolvimento humano ,

    pois, fruto de um processo dialtico. Neste sentido, podemos dizer que a habilidade para tocar

    piano no se desenvolve por um processo de maturao que ocorre naturalmente, nem

    simples reflexo do ambiente externo, mas resulta da interao dialtica que se estabelece entre

    o aprendiz e o ambiente.

    nesta interao que se encontra o processo de aprendizagem que, segundo Vygotsky,

    est inter-relacionado com o processo de desenvolvimento. Uma orientao bem planejada do

    processo de aprendizagem conduz ao desenvolvimento mental do indivduo. A aprendizagem

    capaz de colocar em movimento processos de desenvolvimento que, de outra forma, no

    ocorreriam ou ocorreriam bem mais tarde.

    Na teoria de Vygotsky o desenvolvimento pode ser classificado em dois nveis: o real

    e o potencial. O nvel de desenvolvimento real baseado em produtos finais do

    desenvolvimento e aponta a capacidade da criana de realizar atividades de forma autnoma.

    J o nvel de desenvolvimento potencial relaciona-se quilo que a criana capaz de realizar

    por meio da assistncia de um adulto ou de uma criana mais experiente; refere-se s funes

    mentais que esto amadurecendo.

    Existe um campo repleto destes brotos do desenvolvimento. o que Vygotsky

    denominou zona de desenvolvimento proximal. As funes presentes na zona de

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    desenvolvimento proximal ainda esto em estado embrionrio, mas amadurecero e tornar-se-

    o funes amadurecidas no nvel de desenvolvimento real. o aprendizado que cria esta

    zona de desenvolvimento proximal. Se, atravs da orientao de outras pessoas, o indivduo

    consegue solucionar uma atividade, significa que vrios processos de desenvolvimento foram

    acionados para tanto. Estes processos acabaram de brotar, e tm muito o que desenvolver,

    mas, sem a assistncia alheia, eles no teriam sido despertados.

    Uma das formas de agir na zona de desenvolvimento proximal, incitando novos

    processos de desenvolvimento na criana, atravs da imitao. Imitando um adulto, uma

    criana pode fazer uso de funes psicolgicas que esto alm daquelas que se encontram no

    seu nvel de desenvolvimento real, pois, com o auxilio de uma outra pessoa, toda criana

    pode fazer mais do que faria sozinha (Vygotsky, 1998, p.129).

    No ensino do piano no diferente. Valendo-se do recurso da imitao, uma criana

    no perodo pr-escolar capaz de executar peas que sozinha no conseguiria. Relata a

    Professora Mariana Salles, em entrevista concedida a ns, que a primeira pea do mtodo

    Suzuki (brilha, brilha estrelinha) apresenta uma certa complexidade, mas, atravs da

    imitao, uma criana em idade pr-escolar pode execut-la. Este depoimento vem corroborar

    a idia de que o aprendizado estimula processos de desenvolvimento. Pois, uma criana s

    capaz de tocar esta msica, porque diversas funes que estavam amadurecendo foram

    acionadas por meio da assistncia do professor.

    Assim, ensinando por meio da imitao, o professor estar interferindo na zona de

    desenvolvimento proximal da criana, e, pois, impulsionando processos de desenvolvimento.

    Aps algumas repeties, aquilo que, a princpio, a criana s era capaz de tocar com a ajuda

    do professor, internaliza-se, tornando-se uma habilidade presente no seu nvel de

    desenvolvimento real. A imitao , pois, uma ferramenta extremamente eficiente para o

    professor de piano trabalhar as habilidades que ainda esto se consolidando.

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    O mtodo Suzuki e os livros da Professora Maria de Lourdes Junqueira Gonalves

    aplicam esta idia. Ao propor o ensinamento das msicas atravs da imitao, ambos os

    mtodos buscam impulsionar o desenvolvimento das potencialidades da criana. Podemos

    observar que, nesses mtodos, as primeiras msicas a serem aprendidas por imitao j

    trabalham com diversos padres rtmicos, saltos e movimentos diferentes entre as mos. A

    criana ainda no sabe ler a partitura, mas j executa peas com todos esses contedos. Com

    isso, uma srie de funes que esto amadurecendo nestes anos pr-escolares so estimuladas.

    No mbito do desenvolvimento psicomotor, a imitao no ensino do piano tem muito

    o que impulsionar. No perodo pr-escolar, o manejo fino dos msculos que controlam os

    movimentos dos dedos uma funo que est brotando. Assim, a criana que, durante este

    perodo, aprende por imitao a tocar piano estar fomentado o domnio da motricidade fina.

    Se, atravs da imitao, a criana capaz de executar movimentos um tanto quanto

    complexos, esta criana estar desenvolvendo uma habilidade que bsica para tocar piano, e

    necessria para sua vida pessoal.

    Ademais, tambm nos anos escolares que a criana desenvolve a independncia e a

    coordenao muscular. Ao aprender piano por imitao, a criana capaz de realizar

    simultaneamente movimentos diferentes com ambas as mos. Com isso, a criana estar

    amadurecendo mais uma funo que extremamente importante, no apenas para o

    desenvolvimento pianistico, como para a realizao de uma srie de atividades.

    O ensino do piano por meio da imitao exige da criana a memorizao. Uma vez

    memorizada a pea, a criana pode voltar sua ateno para o tnus muscular. Como afirma

    Suzuki (1995), quando o aluno consegue tocar a pea sem errar notas e digitao, chegado

    o momento de se cultivar sua maestria de msica (p.11). Vencida estas etapas, o professor

    deve orientar a criana a ajustar o seu tnus muscular s exigncias musicais da obra. Na

    medida em que a criana pratique aquela pea, suas respostas musculares tornam-se mais

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    rpidas e adequadas aos fins desejados. Este maior domnio dos estados de contrao e

    relaxamento dos msculos que possibilitado pelo ensino do piano por imitao, essencial

    para a prtica pianstica. E, como afirma a Professora Gonalves, a busca do equilbrio sonoro

    alcanada com facilidade quando a msica aprendida por imitao, proporcionando

    criana uma experincia de pianismo bastante sofisticada (Gonalves, 1989, vol.3, p.7).

    Quanto ao desenvolvimento cognitivo, um dos estmulos proporcionados pelo ensino

    do piano atravs da imitao, recai sobre a memorizao. A criana desenvolve diversos tipos

    de memria: visual, auditiva interna e externa, muscular-ttil, nominal, rtmica, analtica,

    cinestsica, e emotiva.

    Ademais, a Professora Maria de Lourdes Junqueira Gonalves, em seus Manuais do

    Professor, e a Professora Mariana Salles afirmam que atravs da imitao a criana

    desenvolve a postura, a posio, o movimento (ou gesto) e a qualidade sonora. Ou seja,

    percebendo o corpo do professor e a sua estruturao postural, a criana pode elaborar melhor

    seu esquema corporal.

    Conclui-se, assim, que, atravs da imitao no ensino do piano, o professor age na

    zona de desenvolvimento proximal da criana, despertando o desenvolvimento de funes

    psicomotoras e cognitivas que, nos anos pr-escolares, ainda esto em processo de

    amadurecimento, proporcionando criana experincia pianstica bastante refinada nas etapas

    iniciais do aprendizado musical.

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