a igreja e a cultura

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Paralelo entre a igreja atual e a primitiva

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  • A IGREJA

    E

    A CULTURA

    Este artigo foi traduzido do captulo 12 do livro The Problem of

    Wineskins (O Problema dos Odres) por Howard A. Snyder.

    Os direitos autorais deste livro na lngua inglesa pertencem a

    InterVarsity Press, e na lngua portuguesa a ABU Editora, que

    futuramente o publicara.

    Traduzido e impresso com permisso.

    Primeira impresso:

    maro de 1986

    Rubiataba, Gois

  • A IGREJA E A CULTURA

    por Howard A. Snyder

    A Bblia traa um perfil claro do que a igreja est destinada

    a ser, e narra a histria primitiva da igreja em dois contextos

    culturais: a sociedade judaica da Palestina e a sociedade greco-

    romana do primeiro sculo. Na base deste testemunho bblico a igreja

    em cada poca enfrenta a tarefa de formar as estruturas que forem

    mais compatveis com sua natureza e misso dentro da sua cultura

    especfica.

    Mas aqui enfrentamos um problema espinhoso. Sabemos que

    biblicamente a igreja o povo de Deus e a comunho do Esprito

    Santo, no uma instituio organizacional. Mas quando olhamos para a

    igreja contempornea vemo-la no somente (e nem mesmo primariamente)

    como um povo; encontramos tambm uma proliferao de denominaes,

    instituies, agencias, associaes e edifcios para os quais o nome

    igreja aplicado. A Bblia no menciona tais instituies e

    estruturas. Elas claramente no tm uma base bblica explcita. Como

    tratar com essas estruturas luz do quadro bblico da igreja?

    Enfrentamos aqui o problema de cultura. Tanto os padres

    organizacionais como a arquitetura so expresses dos valores e

    normas culturais especficos. Como podemos de maneira pratica,

    manter um entendimento bblico da igreja se a igreja incorpora a si

    mesma nesta imensa manifestao de estruturas variadas e

    culturalmente condicionadas?

    Para responder esta pergunta, gostaria agora de delinear o meu

    entendimento da viso bblica da igreja, relacionando-a

    especialmente aos problemas de cultura e estrutura.

    Donald McGavran falado magnificente e intricado mosaico da

    humanidade representado pelas culturas do mundo, e enfatiza que a

    adaptao do cristianismo a cultura de cada pea do mosaico de

    vital importncia. Desta forma o objetivo da igreja multiplicar,

    em cada pea do magnificente mosaico, verdadeiras igrejas cristas

    que se encaixem naquela pea, que sejam intimamente adaptadas a sua

    cultura, e reconhecidas pelos no cristos desta pea como nosso

    tipo de show. Isto est acontecendo hoje de forma marcante. O corpo

    de Cristo maravilhosa e gloriosamente diversificado, e isto ocorre

    ainda mais medida que o fogo do evangelho salta barreiras

    culturais e atinge pessoas que nunca antes o ouviram. Porm,

    enquanto isso acontece o problema de cultura se torna crucial para a

    igreja. Como tratar com o problema de estrutura diante da crescente

    diversificao cultural?

    CONCEITOS TRADICIONAIS DA IGREJA

    comum referir-se igreja visvel e igreja invisvel.

  • Embora esta distino no seja totalmente satisfatria, realmente

    ajuda resolver um problema que est sempre diante de nos: o

    contraste doloroso entre o que a igreja foi chamada para ser (o povo

    santo e justo de Deus) e o que muitas vezes na verdade (uma

    organizao humana rixenta e perversa). Atravs de distinguir o

    visvel do invisvel, podemos pelo menos dizer que realmente existe

    uma igreja santa, espiritual e dirigida por Deus, que nosso olho

    normalmente no v.

    A viso bblica da igreja pode ser contrastada com dois

    conceitos tradicionais que correspondem aproximadamente a distino

    entre a igreja visvel e a igreja invisvel. Esses so os conceitos

    institucional e mstico.

    O conceito institucional identifica a estrutura institucional

    visvel com a essncia da igreja e no faz uma distino

    significativa entre as duas. Desta forma a maioria das denominaes

    so chamadas de igrejas, e na pratica igreja e denominao

    significam a mesma coisa.

    Embora este conceito alcanasse sua forma mais elaborada no

    Catolicismo Romano, tambm comum entre os protestantes. Porm, no

    Protestantismo no representa tanto uma posio terica ou teolgica

    como um uso comum e popular. Refletindo bem, muitos sem dvida

    diriam que uma instituio no significa a mesma coisa que a igreja,

    e o conceito da igreja invisvel surgiria. Mas na verdade o uso

    popular no faz esta distino, e igreja e identificada com

    estrutura organizacional.

    Talvez no seja errado chamar denominaes ou estruturas

    institucionais de igrejas mas isto no o que a Bblia quer dizer

    com igreja! Quando Paulo ou Pedro ou Jesus Cristo dizem igreja, eles

    claramente no se referem a uma instituio ou organizao. No

    isto que igreja visvel significaria para os apstolos.

    Em contraste, o conceito mstico coloca a igreja alm do

    tempo, espao e pecado como uma realidade etrea que compreende

    todos os verdadeiros crentes em Cristo e que conhecida somente por

    Deus. , portanto, invisvel no sentido que seus limites exatos so

    desconhecidos por qualquer homem. O conceito mstico tenta resolver

    o problema da disparidade embaraante entre a igreja institucional,

    ou visvel, e a igreja que a Bblia descreve. um pouco semelhante

    a teoria de idias de Plato; o que vemos pode ser imperfeito, mas

    uma igreja perfeita existe no invisvel.

    claro que h uma igreja invisvel, ou melhor dizendo, a

    verdadeira igreja de Cristo supera a realidade visvel. Mas isto

    tambm no o que a Bblia normalmente quer dizer com igreja.

    Embora a Bblia fale realmente sobre a grande multido de salvos de

    todas as naes e de todas as pocas, que compe a nica e

    verdadeira igreja, isto no o significado comum de igreja no Novo

    Testamento; alis o significado de igreja nas Escrituras no um

    conceito altamente mstico. Pode haver uma igreja invisvel, mas tal

    conceito imaterial no muito til para se entender a vida e

    crescimento da igreja na terra e na histria. Quando a Bblia diz

    igreja geralmente no est se referindo a uma realidade invisvel e

    etrea, divorciada d tempo e espao, assim como no est se

  • referindo a uma organizao institucional.

    Ambos os conceitos tm algo em comum: no levam a srio o

    problema da cultura. No conceito institucional a igreja s torna to

    entrosada com sua cultura especfica que a natureza culturalmente

    condicionada da maioria de sua vida e estrutura passa despercebida.

    Desta forma a igreja fica culturalmente limitada. Isto cria

    problemas especialmente quando as culturas mudam ou quando se tenta

    fazer evangelismo transcultural.

    No conceito mstico, porm, a igreja flutua nebulosamente

    acima da cultura e nunca se envolve nas dimenses limitantes de

    espao, tempo e histria. Fatores culturais que afetam teologia,

    estruturas e evangelismo no so levados em conta.

    Desta forma tanto o conceito institucional como o conceito

    mstico so inadequados. Ambos obscurecem o claro significado

    bblico da igreja - um por identificar totalmente a igreja com a

    cultura, o outro por remover a igreja da cultura. Em ambos os casos

    a cultura se torna invisvel.

    Para um entendimento bblico da igreja devemos ir alm do

    tradicional conceito visvel-invisvel e retornar para o conceito

    bblico original e mais fundamental. Devemos considerar a igreja

    seriamente de tal modo que espao, tempo e histria (as dimenses da

    cultura) sejam tambm considerados seriamente.

    COMO A BBLIA V A IGREJA

    Em contraste aos conceitos tradicionais, a Bblia descreve a

    igreja no meio da cultura, esforando-se para manter sua

    integridade, enquanto atacada pelos cidos corrosivos do paganismo

    e legalismo judaico. Este conceito nitidamente relevante para a

    poca moderna. Veremos resumidamente trs aspectos essenciais do

    conceito bblico.

    1. A Bblia v a igreja numa perspectiva histrica e csmica.

    As Escrituras colocam a igreja exatamente no centro do propsito

    csmico de Deus. Isto visto de modo mais claro nos escritos de

    Paulo, e especialmente no livro de Efsios. Paulo estava interessado

    em falar sobre a igreja como o resultado, e dentro do contexto, do

    plano de Deus para toda sua criao (Ef 1.9-10, 20-23; 3.10; 6.12).

    O que este plano csmico? Baseado nos trs primeiros

    captulos de Efsios podemos dizer que que Deus glorifique a si

    mesmo pela convergncia de todas as coisas em Cristo pela igreja. A

    idia chave claramente reconciliao no somente do homem com

    Deus, mas a reconciliao de todas as coisas, coisas no cu e

    coisas na terra (Ef 1.10). central para este plano a

    reconciliao do homem com Deus atravs do sangue de Jesus Cristo.

    Mas a reconciliao que Cristo traz abrange todas as alienaes

    causadas pelo pecado do homem: entre o homem e ele mesmo, entre o

    homem e os outros homens, entre o homem e seu ambiente fsico. Mesmo

    que isto ultrapasse nosso entendimento, as Escrituras ensinam que

    esta reconciliao tambm inclui a redeno do universo fsico,

    aniquilando os efeitos do pecado a medida que todas as coisas forem

    sujeitas prpria autoridade de Jesus Cristo.

  • Paulo enfatiza a salvao individual e coletiva atravs de

    Cristo, e a partir da prossegue para colocar a salvao pessoal na

    perspectiva csmica. A redeno de pessoas o centro do plano de

    Deus, mas no a circunferncia deste plano. Paulo alterna entre

    uma viso prxima e uma viso de longa distncia, na maior parte do

    tempo focalizando na viso prxima de redeno pessoal mas

    periodicamente mudando para a viso ampla de longo alcance que

    inclui todas as coisas coisas visveis e invisveis; coisas

    passadas, presentes e futuras; coisas no cu e coisas na terra;

    todos os principados e poderes a total cena csmica e histrica.

    Historicamente, o povo de Deus no tem discordado tanto sobre

    o que Deus est fazendo no mundo mas sobre quando ele o far. A

    maioria dos cristos admite que, de um modo ou de outro, Deus est

    levando a historia para uma consumao csmica. Mas um lado tem

    dito: Agora no; depois! E o outro grupo tem reagido dizendo:

    Depois no; agora! Aqueles que adiam qualquer presena real do

    reino para depois da volta de Cristo (Agora no; depois) no

    esperam qualquer renovao substancial agora, exceto no campo da

    experincia humana individual no em poltica, arte, educao,

    cultura em geral, e nem mesmo, realmente, na igreja. No outro lado

    esto aqueles que enfatizam tanto a renovao presente na sociedade

    em geral que tanto a converso pessoal como a volta de Cristo no

    tempo e espao so negadas ou ofuscadas, e a forte tendncia

    pecaminosa do homem no levada a srio.

    Esperanosamente, os cristos hoje atravs do mundo esto

    comeando a ver que o reino de Deus nem totalmente presente e nem

    totalmente futuro. O reino de Deus (a unio de todas as coisas em

    Jesus Cristo) aqui e agora, est chegando, e vir. Francis

    Schaeffer expressa bem este conceito equilibrado quando fala sobre

    uma cura substancial agora em todas as reas de alienao causadas

    pelo pecado. Os cristos no devem deixar toda verdadeira

    reconciliao para um futuro escatolgico; nem devem esperar

    perfeio total agora. O que Deus promete uma cura substancial

    agora e uma cura total depois da volta de Cristo. Colocando este

    fato em termos do plano csmico de Deus, podemos dizer que Deus j

    tem iniciado a reconciliao de todas as coisas na histria humana.

    Qual , ento, o papel da igreja no plano csmico de Deus? De

    acordo com Efsios 3.10, a vontade de Deus que pela igreja, a

    multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida agora dos

    principados e potestades nos lugares celestiais. A igreja o

    agente terreno da reconciliao csmica que Deus quer. Deus est

    realizando seu propsito csmico atravs da instrumental idade da

    igreja. Isto significa que a misso da igreja algo alm do

    evangelismo. Evangelismo o papel central da igreja como agente da

    reconciliao e portanto primordial. Mas a misso da igreja inclui

    a reconciliao em outras reas tambm.

    O missiologista (estudioso de misses) alemo Peter Beyerhaus

    esclarece o papel da igreja no propsito csmico de Deus ao dizer

    que a igreja a nova comunidade messinica do reino. Beyerhaus

    diz: O reino messinico pressupe uma comunidade messinica. Desta

    forma a igreja no mundo a forma comunal transitria do reino de

    Deus na poca atual, e atravs de sua igreja Cristo exerce um

  • importantssimo ministrio que promover a vinda visvel do reino.

    Ento a igreja agente de Deus na terra do seu reino vindouro.

    Beyerhaus define este reino como o senhorio redentor de Deus

    conquistando progressivamente o corao dos homens com tal poder

    liberador que suas vidas e atravs deles finalmente toda a criao

    (Rm 8.21) se transforme em cndida harmonia com sua vontade divina.

    por esta perspectiva csmica que a Bblia v a igreja. O

    reino de Deus est chegando, e na proporo em que esta vinda ocorre

    na historia, no tempo e no espao antes da volta de Cristo, que h

    de ser realizada atravs do povo de Deus.

    2. A Bblia v a igreja em termos carismticos, no em termos

    institucionais. De acordo com o Novo Testamento, a igreja um

    organismo carismtico, no uma organizao institucional. A igreja

    o resultado da graa (no grego, charis) de Deus. pela graa que a

    igreja salva (Ef 2.8), e pelo exerccio dos dons espirituais da

    graa (carismata) que edificada (Rm 12.6-8; Ef 4. 7-16; 1 Pe 4.10,

    11). Desta forma a igreja , por definio, carismtica. Como Clark

    Pinnock observa. De acordo com as Escrituras, a igreja uma

    comunidade carismtica.

    A caracterstica essencial da igreja vida, como sugerem as

    figuras bblicas da igreja. claro que sua vida uma vida

    organizada, mas essa organizao secundria e derivada. o

    resultado da vida. A igreja , em primeiro lugar, um organismo

    espiritual, que pode, em segundo lugar, ter algumas expresses de

    organizao.

    O Novo Testamento e os escritos dos primeiros pais da igreja

    mostram que a igreja primitiva se considerava uma comunidade

    carismtica, no uma organizao ou instituio. Donald Bloesch diz

    que a maioria dos historiadores da igreja concorda que a igreja

    apostlica era uma comunidade carismtica e espiritual. Com a

    institucionalizao gradativa da igreja, porm, o conceito de igreja

    como uma organizao se tornou mais proeminente e quase anulou o

    conceito organo-carismtico, especialmente no ocidente, onde os

    conceitos romanos de lei e estado influenciaram a igreja. Desta

    forma na historia da teologia a igreja como a comunidade reunida

    dos fiis tem sido muitas vezes negligenciada em favor da igreja

    como instituio, afirma o telogo catlico romano Hans Kng.

    No conceito bblico, Deus da seu gracioso dom de salvao,

    baseado na obra de Cristo por meio da instrumental idade do Esprito

    Santo. Isto fornece a base para a vida comunitria da igreja. A

    multiforme graa da pura luz de Deus ento refratada medida

    que brilha atravs da igreja, produzindo os carismas multi-coloridos

    e variados. Isto fornece a base para a diversidade da igreja dentro

    da unidade. A igreja edificada atravs do exerccio dos dons

    espirituais medida que todo o corpo, bem ajustado e consolidado,

    pelo auxlio de toda junta... efetua o seu prprio aumento para a

    edificao de si mesmo em amor (Ef 4.16).

    Isto importante para ter uma igreja sadia e que cresce. Para

    a igreja alcanar seu verdadeiro potencial bblico, deve ser baseada

    num modelo carismtico, no num modelo institucional. Igrejas que

    possuem uma estrutura carismtica geralmente esto preparadas para o

  • futuro. Mas igrejas que esto enquadradas em estruturas rgidas,

    burocrticas e institucionais podem rapidamente encontrar-se presas

    em formas culturalmente limitadas que vo logo se tornando

    obsoletas.

    3. A Bblia v a igreja como a comunidade do povo de Deus. As

    essenciais figuras bblicas de corpo e noiva de Cristo, famlia,

    templo, vinha de Deus, etc., nos do o conceito bsico da igreja.

    Mas essas so metforas e no uma definio. Eu creio que a

    definio mais bblica dizer que a igreja a comunidade do povo

    de Deus. Os dois elementos chaves aqui so a igreja como um povo, a

    nova raa ou humanidade, e como uma comunidade, ou uma comunho.

    Povo e comunidade so dois extremos que formam juntos a

    realidade bblica da igreja. Por um lado, a igreja o povo de Deus.

    Este conceito, com ricas razes no Velho Testamento, confirma o fato

    objetivo da ao de Deus atravs da histria de chamar e preparar

    uma raa eleita, sacerdcio real, nao santa, povo de propriedade

    exclusiva de Deus (1 Pe 2.9). A nfase aqui est na universalidade

    da igreja o povo de Deus espalhado atravs do mundo em centenas de

    denominaes, movimentos e outras estruturas especficas. Vista na

    perspectiva csmica e histrica, a igreja o povo de Deus.

    Por outro lado, a igreja uma comunidade, ou uma comunho,

    uma koinonia. Esta nfase, encontrada mais no Novo Testamento, se

    origina diretamente da experincia do Pentecoste. Se ser um povo

    confirma a continuidade do plano de Deus do Velho Testamento para o

    Novo Testamento, comunidade aponta para a Nova Aliana, o vinho

    novo, a coisa nova que Deus fez na ressurreio de Jesus Cristo e

    no batismo no Esprito no Pentecoste. A nfase aqui est na

    localidade da igreja em sua vida comunitria intensa e interacional

    no nvel de cada congregao local. Vista como um organismo

    carismtico, a igreja a comunidade do Esprito Santo.

    A igreja , ento, a comunidade do povo de Deus. um

    organismo carismtico estabelecido por Deus como o agente do seu

    plano para a histria humana. Assim ela tem valor transcultural e

    pode ser implantada e cultivada em qualquer cultura humana.

    A ESTRUTURA DA IGREJA NUMA PERSPECTIVA TRANSCULTURAL

    Se a igreja a comunidade do povo de Deus, que diremos ento

    das diversas instituies, organizaes, denominaes e estruturas

    arquiteturais que comumente inclumos debaixo do guarda-chuva

    igreja? Qual a relao dessas estruturas com a igreja como

    comunidade de Deus?

    As duas tendncias mais comuns tm sido por um lado dizer que

    estas estruturas so realmente parte da essncia da igreja, e assim

    so sacramentadas, ou por outro lado tomar uma posio anti-

    institucional e insistir que todas estas estruturas so invlidas e

    devem ser abandonadas. Uma opo mais til, porm, considerar

    todas essas estruturas como estruturas paraeclesisticas que

    coexistem paralelamente com a comunidade do povo de Deus, embora

    elas mesmas no sejam a igreja. Estas estruturas so teis na medida

    em que auxiliam a igreja em sua misso, mas so formadas pelo homem

  • e limitadas pela cultura. Se a prpria igreja faz parte do novo

    vinho do evangelho, ento todas as estruturas paraeclesisticas so

    odres teis, s vezes indispensveis, mas tambm sujeitos a uso e

    desgaste. A igreja a comunidade do povo de Deus, e isto o que a

    Bblia quer dizer com igreja. A igreja no pode ser nada mais do que

    isto! As estruturas institucionais, ento, so melhor entendidas

    como algo diferente da igreja auxlios potencialmente teis para a

    vida e ministrio da igreja, mas nunca uma parte essencial da

    igreja.

    Normalmente, estruturas paraeclesisticas tm sido entendidas

    como organizaes extradenominacionais ou interdenominacionais, como

    por exemplo, a Associao Evangelstica Billy Graham ou a Associao

    Nacional dos Evanglicos. As prprias denominaes geralmente no

    so entendidas como estruturas paraeclesisticas. Como a igreja no

    sentido bblico sempre um povo e somente um povo, ento qualquer

    estrutura institucional, seja uma denominao, uma agncia

    missionria, um colgio cristo, uma editora evanglica ou uma

    associao evangelstica, uma estrutura paraeclesistica. Em

    outras palavras, do ponto de vista bblico, tanto uma associao

    evangelstica como uma organizao denominacional so estruturas

    paraeclesisticas, enquanto as comunidades de crentes dentro dessas

    estruturas so a igreja. Estruturas paraeclesisticas, incluindo

    denominaes, podem ser legtimas e necessrias, mas no so a

    igreja. Para mim esta concluso parece inevitvel luz dos

    ensinamentos bblicos sobre a essncia da igreja.

    Isto significa, ento, que todas as estruturas so estruturas

    paraeclesisticas, e que nenhuma delas em si mesma faz parte da

    essncia da igreja? No necessariamente. A igreja um corpo e

    portanto estruturada como um corpo. Assim para serem biblicamente

    vlidas, quaisquer estruturas que forem realmente estruturas de

    igreja, s o podem ser se forem carismticas e orgnicas. Fora disto

    uma estrutura paraeclesistica. Estruturas institucionais e

    organizacionais podem ter valor como estruturas paraeclesisticas,

    mas no devem ser confundidas com a igreja como a comunidade do povo

    de Deus. A Bblia mesmo nos d alguns princpios sobre a estrutura

    orgnica da igreja, e algumas estruturas bsicas da igreja podem ser

    vistas na vida da igreja do Novo Testamento. Mais na frente irei

    resumi-las.

    Quero sugerir primeiro, porm, vrios benefcios provenientes

    da distino entre estruturas eclesisticas e paraeclesisticas: 1.

    Uma estrutura transculturalmente relevante (que a igreja no

    sentido bblico) difere daquela que culturalmente condicionada e

    limitada (estruturas paraeclesisticas). Desta forma temos condies

    de ver a igreja culturalmente relevante e envolvida, mas no

    culturalmente limitada. 2. Temos condies tambm de modificar as

    estruturas paraeclesisticas medida que ocorrem mudanas na

    cultura, pois essas no so em si mesmas a igreja e, portanto, so

    geralmente determinadas mais pela cultura do que pela Bblia. 3.

    Finalmente, esta distino capacita-nos a ver um amplo vaio de

    validade nas confisses e estruturas denominacionais. Se tais

    estruturas no so em si mesmas a igreja e so culturalmente

    condicionadas, ento todos os volumes de controvrsia e polmicas

  • perdem sua fora e se tornam meramente secundrios. As mais variadas

    confisses so liberadas (pelo menos potencialmente) para

    concentrarem naquilo que as une ser o povo de Deus e executar os

    servios do reino enquanto as diferenas estruturais ficam

    relegadas ao nvel de relatividade cultural e histrica. Desta forma

    a questo crucial sobre estrutura no mais sua legitimidade

    bblica mas sua relevncia funcional.

    A figura 1 sugere outras implicaes desta distino entre

    estruturas eclesisticas e estruturas paraeclesisticas.

    A IGREJA ESTRUTURAS PARAECLESISTICAS

    01. Criao de Deus 01. Criao do homem

    02. Fato espiritual 02. Fato sociolgico

    03. Valor transcultural 03. Culturalmente limitada

    04. Entendida e avaliada

    biblicamente

    04. Entendida e avaliada

    sociologicamente

    05. Validade determinada por

    qualidades espirituais e

    fidelidade as Escrituras

    05. Validade determinada por sua

    funo em relao misso da

    igreja

    06. Agente de Deus de evangelismo

    e reconciliao

    06. Agentes do homem para

    evangelismo e servio

    07. Essencial 07. Dispensvel

    08. Eterna 08. Secular e temporria

    09. Dada por revelao divina 09. Formada por tradio humana

    10. Propsito: glorificar a Deus 10. Propsito: servir igreja

    FIGURA 1. Diferena entre a igreja e estruturas paraeclesisticas.

    DIRETRIZES PARA A ESTRUTURA DA IGREJA

    Segundo o quadro bblico da igreja podemos agora destilar trs

    princpios fundamentais para sua estrutura. Creio que esses

    princpios do um alicerce bblico bsico para a estrutura da igreja

    em qualquer contexto cultural e ajudam a produzir testemunho e

    crescimento efetivos.

    1. A liderana deve ser baseada no exercido dos dons

    espirituais. No se deve permitir que padres hierrquicos ou

    organizacionais obscuream ou abafem o fundamental padro bblico de

    liderana carismtica (isto , instituda e ungida pelo Esprito).

    No Novo Testamento a liderana foi formada no incio pelos

    onze apstolos originais, e mais tarde por Paulo e um crescente

    grupo de outros apstolos, profetas, evangelistas, pastores,

  • mestres, bispos, diconos e presbteros. Todas essas funes de

    liderana se relacionam com os dons espirituais. Portanto, claro

    que no Novo Testamento a liderana era baseada no exerccio dos dons

    espirituais de liderana que foram reconhecidos (formalmente ou

    informalmente) pela igreja.

    Todos os dons espirituais devem ser enfatizados, no apenas os

    dons de liderana. Porm, esses ltimos tm uma importncia vital,

    pois sua funo bblica exatamente despertar e preparar os outros

    dons (Ef 4. 11). Desta forma no somente a liderana, mas toda a

    vida da igreja, e baseada nos dons espirituais ou mais precisamente

    baseada em Cristo que desperta os dons espirituais em cada membro da

    comunidade.

    2. A vida e o ministrio da igreja devem ser construdos sobre

    estruturas viveis de grupo grande e grupo pequeno. A vida normal de

    culto, comunho, edificao e testemunho da igreja primitiva revela

    uma dupla nfase no templo e de casa em casa (At 5.42). Enquanto

    a vida comunitria da igreja se centralizou principalmente nos

    lares, a adorao e a edificao ocorreram tanto no templo como nas

    reunies pequenas nas casas (At 2.42,46,47; 4.34,35; 5.25,42).

    Embora o culto no templo judaico eventualmente cessasse, as reunies

    tanto de grupo grande como de grupo pequeno parecem ter

    caracterizado a vida normal da igreja primitiva por todo o mundo

    mediterrneo.

    Houve dois focos na vida da igreja primitiva: a grande

    congregao e o grupo pequeno. Isto foi tambm o padro dos

    discpulos que seguiram Jesus. Por dois ou trs anos os discpulos

    gastaram a maior parte do seu tempo ou entre as multides ao ar

    livre e no templo, ou em conferncias particulares de grupo pequeno

    com o Mestre. Sempre havia este ritmo de grupo pequenogrupo grande,

    onde o grupo pequeno produzia a intensa vida de comunidade que dava

    profundidade s reunies de grupo grande.

    Teologicamente, as reunies de grupo grande e grupo pequeno

    so as conseqncias estruturais do fato da igreja ser o povo de

    Deus e a comunho do Esprito Santo. Ser o povo implica na

    necessidade de reunies em grupo grande enquanto a comunidade requer

    estruturas de grupo pequeno.

    A historia da igreja revela uma tendncia repetitiva para

    solidificar e institucionalizar o grupo grande, unindo-o a uma forma

    e um edifcio especficos, e ao mesmo tempo negligenciando ou

    condenando o grupo pequeno. Quase todo grande movimento de renovao

    espiritual na igreja crist tem sido acompanhado por um retorno ao

    grupo pequeno e de uma proliferao de tais grupos nos lares para

    estudo bblico, orao e comunho. Portanto, sejam quais forem as

    outras estruturas que possam ser consideradas teis, as estruturas

    de grupo grande e grupo pequeno devem ser fundamentais. Embora a

    forma especfica de tais estruturas possa variar de acordo com a

    cultura e as circunstncias, ambas so necessrias para manter a

    comunho e o testemunho. No se deve permitir que nenhuma outra

    estrutura ou forma destrua ou substitua nem o ajuntamento de grupo

    grande nem o grupo pequeno de comunho.

    O grupo grande e o grupo pequeno so necessrios no somente

  • para comunho e testemunho mas tambm para disciplina. Dean M.

    Kelley enfatizou em Por Que As Igrejas Conservadoras Esto

    Crescendo? que disciplina ou rigor uma caracterstica de quase

    todo movimento religioso que tenha sido significativo na

    transformao da sociedade. Kelley diz: Um grupo que manifesta

    fora social manifestar proporcionalmente uma caracterstica de

    rigor; um grupo com caractersticas de indulgncia manifestar

    proporcionalmente fraqueza social ao invs de fora.

    O evangelho faz altas exigncias de todos os crentes e requer

    ardente disciplina. Mas como esta disciplina deve ser mantida? Se a

    igreja realmente bblica, tal disciplina no ser imposta

    hierarquicamente mas ser inerente ou intrnseca, imposta pela

    prpria comunidade com base num depsito de valores compartilhados

    por todos e exercida sob a liderana do Esprito Santo. O grupo

    pequeno a estrutura natural para esta funo. Providencia o

    contexto ideal para manter a disciplina necessria, pois o lugar

    onde os valores comuns so encontrados, compartilhados e reforados.

    Isto no apenas vlido sociologicamente, mas corresponde com o que

    Jesus e Paulo ensinam (Mt 18.15-20; 1 Co 5. 3-13).

    3. Uma distino clara deve ser feita entre as estruturas

    eclesisticas e paraeclesisticas. Os cristos devem ver a si mesmos

    como a comunidade do povo de Deus, e no em primeiro lugar como

    membros de uma organizao. Para muitas igrejas contemporneas isto

    seria revolucionrio.

    Toda igreja precisa entender que estruturas institucionais so

    vlidas (desde que realmente ajudem a igreja em sua vida e

    testemunho) mas no so sagradas. O importante, portanto, no

    determinar quais estruturas paraeclesisticas devem ou no existir,

    mas enfatizar a relatividade e as limitaes de tais estruturas.

    Em resumo, a igreja como comunidade do povo de Deus deve ser

    estruturada nos dons espirituais de liderana e em algum tipo de

    reunio de grupo grande e grupo pequeno. Alm disto, a igreja deve

    procurar distinguir entre sua prpria essncia e todas as estruturas

    paraeclesisticas para que no fique limitada culturalmente; para

    que, por outro lado, nos perodos de conturbao o vinho no seja

    jogado fora junto com os odres. isto, basicamente, que aconteceu

    na Rssia em 1917, e pode acontecer numa escala maior no futuro.

    Esses trs princpios esto ilustrados na figura 2.

    IMPLICAES PARA O TESTEMUNHO TRANSCULTURAL

    Varias concluses sobre o testemunho mundial e transcultural

    da igreja resultam da discusso anterior.

    1. A Bblia sempre apresenta a igreja como transculturalmente

    relevante. Isto verdade porque a igreja um organismo csmico,

    histrico e carismtico que se origina da ao divina e transcende

    qualquer forma cultural especfica. Por ser criada por Deus, no seu

    nvel mais profundo a igreja corresponde a estrutura vigente, a

    estrutura da realidade como Deus a fez.

    2. De modo semelhante, as estruturas bsicas de liderana

  • carismtica e reunies de grupo pequeno e grupo grande so sempre

    viveis transculturalmente. Isto segue a analise anterior e tem

    tambm sido abundantemente demonstrado durante a historia da igreja

    e na atual poca missionria.

    FIGURA 2. Um modelo para a estrutura da igreja.

    3. Por outro lado, as estruturas paraeclesisticas no so

    necessariamente validas transculturalmente. Por serem determinadas

    pela cultura, estruturas paraeclesisticas especificas s sero

    transportadas de uma cultura para outra na proporo em que as duas

    culturas forem compatveis. Adaptaes bsicas tero que ser feitas

    freqentemente.

    4. O exerccio dos dons espirituais produzira evangelismo

    transcultural. Desde o incio da igreja e atravs dos sculos, Deus

    tem chamado e enviado seus missionrios carismaticamente

    capacitados, Paulo relacionou seu prprio ministrio missionrio ao

    dom carismtico que ele recebera (Ef 3.7-8). O padro de Antioquia

    (At 13.1-4) tem sido repetido inmeras vezes e continuara a se

    repetir at a volta de Cristo (Mt 24.14). Deus quem chama e

    concede dons, e o dom e o chamado vo juntos.

    5. A igreja em si mesma uma estrutura missionria, e

    qualquer grupo de missionrias pode ser uma manifestao legtima da

    igreja. Isto significa que no pode haver divergncia entre a igreja

    e estruturas missionrias. Onde os missionrios estiverem, a est

    a igreja; e a os missionrios so responsveis por demonstrar a

  • realidade da comunidade crist. O ponto crucial da tenso, portanto,

    entre a igreja como comunidade do povo de Deus e as expresses

    institucionais da igreja. Se Cristo est realmente neles, os

    missionrios nunca poderiam ir para uma outra cultura e deixar a

    igreja para trs. Entretanto podem, e muitas vezes devem, deixar

    para trs ou modificar as formas paraeclesisticas peculiares sua

    prpria cultura.

    6. Por outro lado, estruturas missionrias e evangelsticas

    paraeclesisticas devem ser criadas onde forem necessrias para a

    realizao do trabalho. Enquanto a igreja o agente de Deus para a

    reconciliao csmica, as dinmicas estruturas paraeclesisticas

    podem ser agentes humanos de reconciliao, teis nas mos de Deus

    para a expanso mais rpida e efetiva do reino. Grupos

    denominacionais devem livremente colaborar com outras organizaes

    paraeclesisticas que esto fazendo o trabalho que eles mesmos no

    podem fazer ou que os ajudaro a realizar seu prprio testemunho.

    Tais organizaes, porm, devem ser sempre dirigidas, em ltima

    anlise, para a formao e edificao da igreja (embora o faam de

    formas bem diversificadas) ou para a extenso do ministrio da

    igreja, ao mesmo tempo que no permitam confuso entre essas

    organizaes e a igreja, e nem que elas se tornem um fim em si

    mesmas.

    7. Se todas as estruturas paraeclesisticas so formadas pelo

    homem e so culturalmente limitadas, devem ser sujeitas a continuas

    e rigorosas anlises teolgicas e sociolgicas, para determinar sua

    fidelidade ao conceito bblico de igreja e sua eficcia como

    instrumento da igreja. No devemos hesitarem fazer minuciosssimos

    estudos sociolgicos de agncias missionrias, movimentos

    evangelsticos, estruturas denominacionais, etc. Algumas estruturas

    paraeclesisticas devem ser dedicadas exclusivamente para esta

    tarefa. A historia nos ensina que muitas estruturas eclesisticas

    eventualmente sucumbiro ao institucionalismo e se tornaro

    obstculos ao invs de auxlio para a igreja. O fato de Deus ter

    levantado um movimento no garantia contra eventual infidelidade

    ou egocentrismo. Se fizermos uma distino clara entre essas

    estruturas e d essncia da igreja, poderemos livremente perguntar

    at que ponto essas formas so realmente funcionais.

    As melhores organizaes paraeclesisticas aceitaro esta

    espcie de avaliao e possivelmente elas mesmas tomaro iniciativa

    para que isto seja feito. Aqueles grupos paraeclesisticos que se

    sentirem ameaados com esta avaliao so muitas vezes os que mais

    esto precisando disto.

    No h salvao fora da igreja a menos que o Corpo de Cristo

    seja decapitado, separado da Cabea; pois quando algum regenerado

    ele se torna parte do Corpo de Cristo. A igreja o Corpo de Cristo,

    a comunidade do Esprito Santo, a povo de Deus. Desta forma, o

    agente do plano de Deus para reconciliar todas as coisas em Jesus

    Cristo. A necessidade do momento entender a igreja como um

    organismo carismtico dotado pelo Esprito que vlido

    transculturalmente, no como uma organizao institucional moldada

    pelo mundo. Uma vez que esta distino feita, o crescimento e o

    testemunho normais da igreja podem ser entendidos e planejados, e as

  • vrias estruturas paraeclesisticas, incluindo as denominaes,

    podem ser consideradas e usadas eficientemente.