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INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Campo Grande /MS – setembro 2001
A Igreja Católica e as mídias - uma análise das estratégias ideológicas
Michele Boff da Silva Mestranda da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
Resumo:
O artigo refere-se a um estudo da Ideologia da Igreja Católica sobre o desenvolvimento da mídia massiva na sociedade contemporânea sob o ponto de vista de dois periódicos editados na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul: a Revista Renovação, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e o Jornal Versão Semanal, da Fundação Pro Deo de Comunicação. Destes impressos estão sendo selecionadas matérias que abordem explícita ou implicitamente temáticas ligadas à mídia; A análise está baseada nos referencias da Hermenêutica da Profundidade, construídos por John Thompson. Com estes pressupostos teóricos busca-se entender a Ideologia a partir da análise sócio-histórica dos objetos em estudo, da análise formal e discursiva e da interpretação / reinterpretação. Toma-se, então, as matérias como formas simbólicas capazes de produzir sentido a serviço do poder.
Palavras-chaves: Religião-Mídia-Ideologia
O presente artigo está inserido a uma pesquisa que busca analisar a Ideologia da Igreja Católica
sobre as mídias massivas na sociedade atual sob o ponto de vista de dois periódicos editados em Porto
Alegre, Rio Grande do Sul. São, portanto, objeto deste estudo o Jornal Versão Semanal, da Fundação
Pro Deo de Comunicação, e a Revista Renovação, uma publicação da Região Sul da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O estudo é amplo e está em construção. Por este motivo, selecionou-se para este artigo a
análise de uma matéria, publicada em abril deste ano, pelo Jornal Versão Semanal, cuja abordagem está
diretamente relacionada ao tema da pesquisa e é pertinente num momento em que muito se debate
sobre os produtos da indústria cultural (Adorno e Horkheimer).
A matéria, intitulada “Novelas, funk e o Evangelho de Cristo”, será interpretada com base nos
pressupostos do Referencial Metodológico da Hermenêutica da Profundidade, construído por John
Thompson, na obra Ideologia e Cultura Moderna (1999). Essa teoria é fundamental porque permite
estudar a ideologia à luz do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa.
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Mídia e Igreja Católica
Uma das mais antigas e históricas instituições, produtora de cultura, a Igreja católica, vêm
enfrentando seriamente os avanços constantes da mídia. Com vistas às mudanças, trazidas por novos
contextos esta instituição passa a pensar estratégias inovadoras, a fim de difundir os valores cristãos.
Dentre as propostas, encontra-se a mídia impressa, que começou a ser tomada como meio eficaz na
comunicação na Igreja Católica no início do século passado.
Historicamente, isso consta nas conclusões do 1º Congresso Católico Brasileiro, realizado em
1900. Segundo Paula Montero (1991), o contexto da época, em que a Igreja havia perdido o poder
pela República e estava insatisfeita com o tratamento que o Estado Republicano vinha lhe dando, leva o
Congresso a concluir que a Imprensa católica “é um meio eficacíssimo, para propagar e difundir a
verdade e para combater o erro, em oposição a muitos jornais ímpios, que, sistematicamente,
combatem a religião”. Em 1905, é criado o primeiro jornal católico bem sucedido – o carioca A União,
que sobrevive até a década de 30. (Montero, 1991:126).
Daí a importância de se entender a Ideologia da Igreja Católica, principalmente no que se refere
às mídias de massa, em especial, a televisão. O que esta instituição pensa a respeito das mídias e seu
desenvolvimento é uma visão recente e ainda em formação no seu interior e entre os cristãos fiéis.
Integra, deste modo, o movimento feito pela Igreja Católica com vistas a adaptação da sua ideologia
que perpassa séculos, mas que se reconstrói ou é complementada de acordo com novas questões que
passa a fazer parte da sociedade. Neste movimento, além de construir aspectos ideológicos com
relação às mídias ela também se apropria delas para acompanhar este desenvolvimento. A Igreja falou e
fala para multidões. No entanto, hoje a multidão não é mais apenas o povo que se reúne ao redor dos
altares, nas igrejas, mas também multidões distantes e virtuais.
A instituição, que concentra o maior número de fiéis na Europa Ocidental e na América,
somando mais de um milhão de seguidores em todo mundo (Zilles, 1998:94), torna-se, como se vê, ao
mesmo tempo, produtora de mensagens massivas e crítica ideologicamente frente aos demais
produtores.
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Estes aspectos podem ser identificados na matéria jornalística “Novela, funk e o Evangelho de
Cristo”, publicada na edição de 19 a 25 de abril de 2001 do Jornal Versão Semanal, na editoria
Comportamento e Mídia, página 15. O texto é assinado pelo pastor da Igreja Metodista do Rio de
Janeiro, Ronan Boechat de Amorin.
Fundamentos para a análise
Analisar a produção de uma Mídia ligada à religião Católica requer pressupostos teóricos e
metodológicos adequados. Tendo em vista que Thompson constrói uma teoria da ideologia para
entender os processos comunicacionais de massa, este autor vai orientar este estudo.
Toma-se a categoria de Ideologia como fundamental. Para Thompson Ideologia são “as
maneiras como o sentido, mobilizado pelas formas simbólicas, serve para estabelecer e sustentar
relações de dominação”. Estabelecer porque “o sentido pode criar ativamente e instituir relações de
dominação”, e sustentar pelo fato de que “o sentido pode servir para manter e reproduzir relações de
dominação através de um contínuo processo de produção e recepção das formas simbólicas”.
(1991:79).
Assim, Thompson leva a pensar o significado que as mídias têm neste processo, sendo que são
propagadores, em audiências extensas, de formas simbólicas. Conduz ainda para a reflexão de como o
sentido produzido pela matéria “Novela, funk e o Evangelho de Cristo”, entendida como um conjunto
de formas simbólicas, deixa transparecer a Ideologia Católica, estabelecendo e sustentando relações de
dominação, ou seja, reforçando o poder desta instituição. Tem-se como hipótese, portanto, que a Igreja
Católica é detentora de poder e expressa isso também através de suas mídias, com a intenção de impor
seus valores e princípios.
Entendendo Ideologia desta maneira, Thompson formula o Referencial Metodológico da
Hermenêutica da Profundidade, cujos enfoques são referências para a realização da análise de
fenômenos ideológicos de massa. Considera-se estes enfoques porque a matéria em análise é tomada
como um fenômeno ideológico e também massivo, porque está publicado em uma mídia com esta
característica.
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Estes enfoques ou fases não devem ser entendidas separadas e estaticamente, mas interligadas e
em movimento uma em relação às outras. Esta relação faz com as fases se complementam, a tal ponto
que a última é construída com base nas duas primeiras.
Na análise sócio-histórica, Thompson (1999:366) propõe a reconstrução das “condições sociais
e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas”, sugerindo examinar estas
condições de acordo com as especificidades do objeto em estudo. Para tanto estabelece alguns níveis
de análise.
O primeiro deles é a identificação e a descrição de situações espaço temporais específicas em
que as formas simbólicas são construídas e recebidas. O segundo refere-se à identificação e à descrição
dos campos de interação enquanto um espaço de posições e um conjunto de trajetórias que determinam
relações entre as pessoas. Na seqüência, está o nível que busca analisar as instituições sociais
entendidas como conjuntos relativamente estáveis de regras e recursos, bem como, as relações
estabelecidas por eles. Outro nível se refere à estrutura social, que propõe critérios, formular categorias,
fazer distinções para organizar as evidências das assimetrias e diferenças sistemáticas da vida social. E
uma última instância de análise, proposta por Thompson está relacionada aos meios técnicos de
construção e transmissão das mensagens, sempre eludindo os contextos sociais em que estes meios
estão inseridos.
Os níveis propostos são considerados por Thompson como subsídios, para se compreender os
contextos em que as formas simbólicas estão inseridas. Desta forma, atribui a esta primeira fase do
referencial a tarefa de:
“reconstruir as condições e contextos sócio-históricos de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, examinar as regras e convenções, as relações sociais e instituições, e a distribuição de poder, recursos e oportunidades em virtude dos quais estes contextos constróem campos diferenciados e socialmente estruturados.” Thompson (1999 : 369)
Na Hermenêutica da Profundidade as formas simbólicas são também uma estrutura articulada por
isso precisam ser analisadas formal e discursivamente. Esta segunda fase de investigação visa
compreender as formas simbólicas como construções simbólicas complexas através das quais algo é
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expresso ou dito. Thompson considera ilusório e um exercício abstrato realizar esta análise
descontextualizada dos demais enfoques.
Esta fase pode ser feita, através de diversos métodos, dependendo das necessidades do objeto.
Thompson classifica cinco possibilidades para a sua construção: a análise semiótica, a análise da
conversação, a análise sintática, a análise narrativa e a análise argumentativa.
Estas, por sua vez, possuem características e fundamentações teóricas específicas e bastante
complexas. Não cabe aqui abordá-las. Compete, entretanto, esclarecer que nesta pesquisa a análise
formal e discursiva remete aos modos de como a ideologia opera: a legitimação, a dissimulação, a
unificação, a fragmentação e reificação.
Os cinco modos de como a Ideologia pode operar não são, como esclarece Thompson
(1999:82), os únicos e também não necessariamente atuam de forma separada. “Ao mencionar várias
estratégias meu objetivo é exemplificar, e não apresentar uma categorização exaustiva e exclusiva”.
Deste mesmo modo, tomando o esclarecimento do autor, pretende-se apropriar-se das estratégias na
pesquisa: como referências, e não como fins acabados e fechados em si mesmos, significativas para
entender a ideologia. Explicar estes modos é pertinente para compreender como se dará esta análise.
O primeiro modo, de operação da Ideologia é a legitimação, ou seja, as relações de dominação
podem ser estabelecidas e sustentadas. Para Thompson, são estratégias típicas de construção simbólica
na legitimação a racionalização, a universalização e a narrativização. A primeira se refere a uma
cadeia de racicínio construída pelo produtor para justificar um conjunto de relações ou instituições
sociais. Já a segunda indica a sobreposição dos interesses de alguns indivíduos sobre um grupo todo, e
a terceira está relacionada à narrativas que retratam relações sociais e manifestam as conseqüências de
ações de modo que estabelecem e sustentam relações de poder.
A Ideologia, como dissimulação, é o segundo modo de operação. Este modo se refere ao fato
de que as relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas ao serem ocultadas, negadas
ou obscurecidas. As estratégias para que isto aconteça são o deslocamento, quando um termo que se
refere a algo é utilizado para se referir a um outro; a eufemização, que ocorre quando há mudança de
sentido em descrições, de modo a dar um valor positivo maior à determinada situação; e o tropo,
entendido por Thompson como o uso figurativo das formas simbólicas. Esta última estratégia pode ser
encontrada sob a forma de sinédoque, metonímia e metáfora. A sinédoque é quando um termo que está
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no lugar de uma parte é usado a fim de se referir ao todo, ou vice-versa. Já a metonímea “envolve o uso
de um termo que toma o lugar de um atributo, de um adjunto, ou de uma característica relacionada a
algo para se referir a própria coisa, embora não exista conexão necessária entre o termo e a coisa à qual
alguém possa estar se referindo”. A metáfora, enquanto forma de uso do tropo, “implica a aplicação de
um termo ou frase a um objeto ou ação à qual ele, literalmente, não pode ser aplicado”. (cf. Thompson,
1999: 85)
O terceiro modo pelo qual a Ideologia pode operar é a unificação. Neste modo “relações de
dominação podem ser estabelecidas e sustentadas, através da construção, no nível simbólico, de uma
forma de unidade que interliga os indivíduos numa identidade coletiva, independente das diferenças e
divisões que possam separá-los.” As duas estratégias, deste modo, são a padronização e a
simbolização da unidade. A primeira diz respeito à adaptação das formas simbólicas a um referencial
padrão e a segunda envolve a construção de símbolos de unidade, de identidade e de identificação
difundidos através de um grupo ou de grupos.
A Ideologia também pode operar, através da fragmentação, em que os indivíduos que desafiam
grupos dominantes são segmentados. Como estratégias Thompson (1999: 87) caracteriza a
diferenciação, ênfase às diferenças entre pessoas e grupos, e o expurgo do outro, ou seja, se constrói
um inimigo, que é retratado como mau, perigoso e ameaçador e contra a qual é preciso resistir
coletivamente.
As relações de dominação, ainda, podem ser mantidas pelo modo da reificação. Neste,
“processos são retratados como coisas, ou como acontecimnetos de um tipo quase natural, de tal modo
que o seu caráter social e histórico é aclipsado”. Na reificação, que pressupõe a eliminação do caráter
sócio-histórico dos fenômenos, são estratégias a naturalização, a eternalização e a nominalização /
passivização. Nas duas primeiras, um estado de coisas que é uma criação social e histórica pode ser
tratado como um acontecimento natural (naturalização) ou ser apresentado como permanente
(eternalização). Na nominalização sentenças são transformadas em nomes e na passivização verbos são
colocados na voz passiva. Estas estratégias, para Thompson (1999 : 88), apagam os atores e a ação e
tendem a representar processos, como coisas e eliminam referências a contextos espaciais e temporais
específicos.
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A última fase do Referencial Metodológico da Hermenêutica da Profundidade é a
interpretação/reinterpretação. Esta, como já foi afirmado, se constrói, com base nos resultados das duas
primeiras, implicando um exercício de construção criativa de significados possíveis, dentre muitos que
podem ser projetados. É, portanto, a explicação interpretativa do que está representado. A
interpretação/reinterpretação busca compreender o que o autor chama de aspecto referencial das
formas simbólicas, ou seja, o que elas representam, referem e o que elas dizem. Thompson (1999: 375)
propõe nesta fase “ ver a forma simbólica de uma maneira nova”. Mas por que a palavra
reinterpretação? O questionamento é pertinente porque o autor atribui a este aspecto grande
importância e recorre aos princípio da hermenêutica para explicar que as formas simbólicas a serem,
interpretadas fazem parte de um campo pré-interpretado, ou seja, elas já são interpretadas pelos
sujeitos que constituem o mundo sócio-histórico. A reinterpretação possibilita o conflito de
interpretações e este conflito cria, segundo Thompson, o potencial crítico da interpretação.
Os enfoque da HP e a ideologia
Estas três fases sistematizadas aqui são empregadas de forma específica, para a interpretação da
Ideologia. Na teoria construída pelo autor, que repensa a Ideologia à luz dos meios de comunicação de
massa, as fases devem ser aplicadas pensando sempre como o significado serve para estabelecer e
sustentar relações de dominação.
Assim, na análise sócio-histórica, “a preocupação com a ideologia orienta a nossa atenção em
direção às relações de dominação que caracterizam o contexto dentro do qual as formas simbólicas são
produzidas e recebidas” Thompson (1999: 379). Já a análise formal ou discursiva deve buscar
identificar as características estruturais das formas simbólicas que facilitam a mobilização do significado.
E, por fim, a análise, interpretativa/reinterpretativa da ideologia visa explicitar a conexão entre o sentido
mobilizado pelas formas simbólicas e as relações de dominação que podem ser estabelecidas e
sustentadas.
Interpretar a ideologia para Thompson (1999: 379) é “um processo de síntese criativa”, isto é,
que explica criativamente o significado e demonstra sinteticamente como este significado estabelece e
sustenta relações de dominação. Como já foi ressaltado anteriormente a interpretação aqui também é
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conflituosa. No entanto, a interpretação da ideologia tem um conflito classificado pelo autor como
potencial. Esta potencialidade se expressa no fato de que o significado projetado pela interpretação da
ideologia interfere nas relações sociais que o objeto de interpretação serve para sustentar.
Estas fases serão aplicadas á análise da matéria, entretanto, os resultados devem ser vistos como
interpretações abertas a discussões e questionamentos.
A operação da Ideologia no texto
Pensar a Ideologia da Igreja Católica sobre a mídia nos remete para a realização das fases
propostas por John Thompson. Num primeiro momento, apresentamos, sinteticamente, os conteúdos
da matéria “Novelas, funk e o Evangelho de Cristo”, aborda, explicitamente, a posição contrária da
Igreja Católica a determinados valores veiculados pela televisão, e, em particular, pela Rede Globo.
O texto concede à TV o poder de convencimento das pessoas, através da venda de produtos e
por conseqüência, de ideais de vida que vão contra a Ideologia católica. Com o subtítulo, “O
Compromisso da Globo”, a matéria culpa as novelas transmitidas pela emissora pela destruição de
valores bons, que são substituídos por outros, maus. A crítica à novela Laços de Família, transmitida
entre o segundo semestre de 2000 e o primeiro deste ano, é a promoção da promiscuidade de casais.
Já na novela Porto dos Milagres, que substituiu a primeira e está exibição no horário nobre da emissora,
é criticada a promoção do candomblé. E, por fim, o texto refere-se à novela Estrela Guia, que vai ao ar
das 18h às 19h, dizendo que esta vende o esoterismo como forma de espiritualidade.
Num segundo subtítulo, “Banalização da Vida”, a matéria deixa clara a posição contrária aos
conteúdos das músicas do movimento funk e do pagode, os quais seriam responsáveis por uma
banalização da vida. Sugere, enfim, que as pessoas (telespectadores) tomem consciência destes
problemas e remete à Igreja a tarefa de reagir e evangelizar com base nos valores de Jesus Cristo.
A contextualização sócio-histórica é imprescindível. A matéria foi publicada num momento em
que o funk, movimento da música originado nas periferias, principalmente das cidades de São Paulo e
Rio de Janeiro, explode na sociedade e torna-se produto da indústria cultural, com números
surpreendentes de venda de Cds e audiências significativas em programas que os grupos participam. O
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movimento, com características marcantes, sai do interior das periferias, espalha-se em outros
ambientes e conquista o gosto de milhares de pessoas.
Certamente, a televisão contribuiu muito para isto. É neste momento, em que um estilo diferente e
irreverente de música transforma-se em fenômeno cultural, que o Jornal Versão Semanal publica a
matéria. O assunto é gancho, numa linguagem mais jornalística, para que sejam abordados outros temas
que de certa maneira encomadam a Igreja Católica, como por exemplo, as telenovelas. A matéria
reflete, portanto, as percepções de um momento a partir do que está sendo “agendado” pela televisão,
em especial pela TV Globo.
A Rede Globo está completando 36 anos, marcando grande parte da história da televisão no
Brasil. Esta questão é registrada por Michèlee e Armand Mattelart (1989:84) para quem “o mercado
do trabalho televisivo no Brasil é extremamente concentrado, praticamente monopolizado pela Globo”.
É este monopólio da comunicação de massa televisiva que é constantemente criticado pela Igreja
Católica. À Rede Globo a Igreja concede grande poder, um poder, no entanto, que traz malefícios para
a sociedade, em particular, para os cristãos.
Por muitos anos a Globo dominou os índices de audiência. Hoje, concorre, fortemente com o
Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), poré, ainda, na maioria dos horários, é a líder do mercado. Os
Mattelart (1989:57-62) referem-se a este domínio:
“As opiniões são unânimes: o sucesso da maior representante desta indústria é caracterizado tanto pelo chamado ‘padrão Globo de qualidade’ como por sua já demostrada capacidade de análise da disputa pelo mercado das audiências – traços que definem seu profissionalismo. (...) Vê -se que a Rede Globo tenta por todos os meios captar a maior parte dos recursos publicitários nacionais, concentrar a maioria dos talentos e recursos de produção, convocar diariamente em média três quartos da audiência: enfim, o monopólio sem disfarces.”
Este fato é constatável principalmente no gênero televisivo da telenovela. Entre os fatores que leva
a Rede Globo a este domínio estão os contratos que mantêm com os melhores artistas do meio
televisivo bem como com os autores de novelas mais bem consagrados do país. A questão das
“estrelas” aparece na matéria, cujo texto cita nomes como Marcos Palmeira e Antônio Fagundes,
classificando-os como “artistas muito queridos pelo público”, os quais estariam sendo usados para
legitimar as mensagens e valores transmitidos pelas telenovelas e reforçar o poder da TV.
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Observa-se ainda, que na página em que foi publicada a matéria, abaixo está um anúncio
lembrando o Dia Nacional de Protesto Contra o Baixo Nível dos Programas de TV, 21 de abril. Neste
sentido pode-se afirmar que a matéria foi publicada com a intenção de referendar a importância desta
data e, desta maneira, está reforçando a posição contrária aos conteúdos das mensagens televisivas
explícitos no texto. São as formas simbólicas produzindo sentido, ou seja, é a Igreja Católica, utilizando
a Mídia com intenções definidas e específicas.
A análise sócio-história tem continuidade com a contextulaização do Jornal Versão Semanal,
fundado em 29 de junho de 1995, pela Fundação Pro Deo de Comunicação. O periódico semanal é a
realização de um dos objetivos desta entidade compota por 192 membros, que são em sua maioria
absoluta leigos, padres, religiosos, bispos e instituições como paráquias, congregações religiosas e
universidades.
A Fundação tem um Conselho Deliberativo, composto por 18 membros, dos quais quatro são
representantes da Igreja: o Arcebispo de Porto Alegre, a Unisinos, a Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS) e uma religiosa. Este conselho elege uma diretoria responsável pela
escolha dos diretores e dos funcionários do jornal. A equipe redatorial é formada por quatro jornalistas
e um estagiário, complementada por free-lancers no caso de reportagens especiais. O Jornal Versão
Semanal ainda conta com a atuação de colaboradores que atuam em escolas, igrejas e comunidades de
diversas regiões do Estado, realizando um trabalho de divulgação. O mesmo tem uma tiragem de 10 mil
exemplares. Destes 7 mil são destinados a assinantes e o restante é comercializado de forma avulsa. A
proposta da atual direção é de elevar o número de assinantes para 10 mil, garantindo a auto-
sustentação do impresso.
Como se percebe, as formas simbólicas estão inseridas em um contexto com características
hierárquicas e regrado. A mensagem, até chegar a ser veiculada, sofre influências de toda esta estrutura,
a qual atua sobre as relações entre os indivíduos envolvidos na produção e transmissão.
Pode-se notar também este contexto está ligado à Igreja Católica, através da atuação de leigos,
enquanto católicos evangelizados. Assim, está sutilmente influenciada pela organização desta instituição,
que tem como poder maior o Papa, autoridade reconhecida como o sucessor de São Pedro (Zilles,
1998 : 94). Esta participação dos leigos é pertinente porque pode estar mostrando que fazer
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comunicação na Igreja Católica não é apenas papel de sacerdotes e religiosos, mas também, e
principalmente, dos cristãos comprometidos com a evangelização.
Com esta intenção o Jornal Versão Semanal, com abrangência em todo o Rio Grande do Sul,
ênfase à região metropolitana, tem como linhas de ação a fidelidade às diretrizes do Evangelho, às
diretrizes da Igreja Católica às estruturas humanas que depõem contra as diretrizes evangélicas, a
conscientização do leitor da sua participação na sociedade, a defesa da identidade cultural do Rio
Grande do Sul, a inculturação do evangelho e a defesa dos direitos evangélicos. O público alvo são os
cristão não-evangelizados, os cristão evangelizados e a comunidade em geral. As informações são do
Projeto editorial do Jornal Versão Semanal.
Estas definições reforçam a idéia de que a Igreja Católica, através da atuação dos leigos, se
apropria das mídias para evangelizar e difundir sua ideologia. Seria um novo ritual dentro desta
instituição? Este já é reconhecido como tal por ela? Estas questões são pertinentes e exigem um estudo
mais profundo para serem respondidas.
A análise forma e discursiva, fundamentada nos modos de operação da Ideologia é um trabalho
complexo que pode variar dependendo da subjetividade de quem interpreta. O que se apresenta neste
artigo é uma tentativa de compreender e interpretar as formas simbólicas, visando chegar ao sentido que
elas produzem e como este serve para estabelecer e sustentar relações de dominação. A proposta é
seguir a ordem do texto, identificando os modos de operação da ideologia e relacionando-os. Neste
sentido realiza-se a análise forma e discursiva em relação com a sócio-histórica e ao mesmo tempo,
tenta-se estabelecer interpretações / reinterpretações, ou seja, realizar a terceira fase da Hermenêutica
da Profundidade.
A operação da Ideologia pode ser notada já no título da matéria, bem como no “olho” (elemento
gráfica da página que vem logo abaixo do título, com letras menores a este, mas maiores que o texto).
Nestes dois primeiros elementos podemos identificar o uso da fragmentação tendo como estratégia a
diferenciação, explicitamente, e expurgo do outro, implicitamente. As palavras novelas, funk e
Evangelho de Cristo, se contextualizadas à Mídia em que estão veiculadas, expressam diferenças: novela
e funk estão em contraste com o evangelho de Cristo no que se refere aos sentidos que carregam por
trás. No “olho” a diferença é salientada com o uso de uma relação que propõe a substituição da novela
e do funk pelo evangelho.
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Na primeira parte do texto jornalístico, neste caso opinativo, aparece o uso da estratégia da
metonímea. É usado o exemplo de Jucelino Kubischeck, ex-presidente do Brasil, para mostrar o
quanto a rotina acostuma as pessoas:
“Pouco tempo depois de vir estudar e morar no Rio, Jucelino começou a trabalhar no
Instituto Médico Legal. Na sua primeira semana de convívio com os corpos e autópsias, vivia
enjoado; ele não podia comer que sentia enjôo e ânsia de vômito. Seis meses depois, com uma
mão ele mexia num cadáver e com a outra comia um sanduíche”. (trecho do texto Novelas, funk
e o Evangelho de Cristo)
Inicialmente o assunto não tem nenhuma relação com o assunto principal da matéria mas passa a
ter sobretudo a partir da narrativa construída: Jucelino acostuma-se com os cadáveres assim como os
telespectadores acostumam-se a aceitar as mensagens televisivas. Não há, portanto, mais
telespectadores sujeitos e ativos no processo de comunicação, mas uma mídia com total poder de
convencimento sobre eles. Em três trechos isto é reforçado: “A televisão tem o poder de convencer as
pessoas a comprar...” (...) “...convencendo as pessoas que elas têm necessidade de comprar o que ela
está vendendo...” (...) “....convencem as pessoas de que elas têm necessidade disto ou daquilo...”
Nesta primeira parte da matéria também está presente a estratégia de racionalização no sentido
de que, para dizer que a TV tem poder, estão estabelecidos raciocínios que justificam estas relações.
As outras duas partes da matéria, mascadas pelos subtítulos “O compromisso da Globo” e “A
Banalização da Vida” estão repletas dos usos dos modos de operação da Ideologia. São usadas
diversas estratégias para reforçar as idéias, com a intenção de sustentar a argumentação que, de modo
geral, contrapõe valores católicos a valores presentes no funk e nas novelas. A Igreja Católica se coloca
de forma intransigente com a presença de outros movimentos culturais que não estejam de acordo com
a sua Ideologia e isto está claro no texto quando percebe-se o uso destas estratégias, tomadas como
mecanismos para a operação da ideologia.
O texto “O Compromisso da Globo” é formado por uma seqüência de raciocínios que legitimam
as idéias ou pelo menos pretendem legitimá-las. Nesta estrutura, identificam-se estratégias como a
reificação:
“Sabidamente a TV Globo é líder de audiência e entra diariamente na casa, na família e na
vida de milhões de brasileiros”. (trecho da matéria Novelas, funk e o Evangelho de Cristo)
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O autor generaliza a situação, construindo um raciocínio que naturaliza, no sentido de que torna
natural ou permanente a ação da televisão sobre os telespectadores. Encontra-se, na seqüência deste
trecho a fragmentação, através da estratégia da diferenciação. Isto aprece quando o autor faz a relação
“tanto de forma positiva ... quanto negativa...”. Expõe, assim, valores aceitáveis e não aceitáveis pela
Igreja. A diferenciação e também o expurgo do outro, em que a novela é um inimigo a ser combatido,
segue no texto com a apresentação dos aspectos considerados negativos nas novelas e no funk: Laços
de Família = promiscuidade; Porto dos Milagres = crença no Candombé; Estrela Guia = adoração ao
erotismo; música funk = erotismo, sexismo, banalização da violência, culto ao estereótipo, apologia ao
crime e às drogas.
Um elemento bastante usado na matéria, cuja presença contribui para a operação da ideologia de
forma dissimulada, é a metáfora. Elas ajudam a ocultar um sentido mas ao mesmo tempo reforçam-o.
Alguns exemplos de metáforas encontradas no texto mostram como isto funciona:
“Alex Lexa, do grupo Pagod’art, autor do pagode “Tapa na Cara”, e MC Naldinho, autor
do funk “Tapinha não dói, jogam no lixo, por exemplo, 30 anos de luta pela dignidade e direitos
das mulheres.”
“Ao longo dos anos fomos educados para sermos escravos comportados, mão de obra
barata e massa de manobra...”
“Profetiza, Igreja! Abre sua boca.”
A matéria, como percebe-se, está construída em elementos que permitem a operação da
ideologia. Estratégias como estas e tantas outras escondem por detrás a intenção da Igreja Católica de
persuadir os leitores, convencendo-os de que o que diz é melhor do que dizem os produtos da indústria
cultural, como as novelas e o funk. Isto leva a afirmação de que as formas simbólicas produzidas neste
contexto visam o convencimento dos leitores do Jornal Versão Semanal de que os programas
televisivos, da forma como estão organizados hoje, são negativos e prejudiciais. A Igreja Católica está
pressuposto, assim, que os receptores não evangelizados são aqueles que aceitam as mensagens e se
deixam influenciar por elas, sendo, então, objetos de manipulação. Para não ser objeto, portanto, seria
preciso aceitar e crer na sua ideologia.
Ao pressupor que a televisão é detentora de poder capaz de convencer e influenciar os
telespectadores, a Ideologia católica está entendendo que a recepção ocorre de forma passiva. Para a
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Igreja Católica, no processo de comunicação que tem como meio técnico a televisão, a ênfase está no
emissor e em suas intenções ao transmitir determinadas mensagens. No entanto, a recepção passiva
acontece somente quando o receptor é um indivíduo não evangelizado. Assim, aqueles que crêem na
religião católica estão "aptos" a assistir televisão. Estes seriam capazes de receber as mensagens "critica
e conscientemente". Os demais estariam "inconscientes" diante do que assistem na TV.
No entanto, as mensagens da televisão, para qualquer receptor, na perspectiva da Ideologia
católica, são em sua maioria negativas. Positivas, portanto, seriam as mensagens católicas e,
consequentemente também as mensagens do Jornal Versão Semanal. Tomando-se como detentora de
uma "verdade", a Igreja Católica acredita que esta verdade deve ser assumida pelos leitores que
pretendem ser críticos e conscientes telespectadores.
A matéria analisada reflete, portanto, explicitamente a Ideologia da Igreja Católica a respeito das
mídias, com ênfase à televisão e seus produtos. A TV, do ponto de vista católico, é um produto do
desenvolvimento da sociedade de massa, que está situado, em termos de valores ideológicos, numa
posição extremamente contrária aos ensinamentos de Jesus Cristo, os quais fundamentam a Ideologia
da Igreja Católica. A TV é um meio que, se estivesse sendo utilizado para difundir esta Ideologia seria
de significativo proveito. Entretanto, o fato dar espaço em sua programação a outros valores para a vida
, como por exemplo, o sexo antes do casamento, outras formas de casamentos que não o sacramento
católico, a religiões como candomblé e a crenças como o esoterismo, faz a televisão, segundo a Igreja
Católica, um meio dominador, responsável por grandes problemas sociais tais como a violência, as
drogas e a prostituição.
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Bibliografia
ADORNO, Theodorn; HORKHEIMER, Max. Dialática do esclarecimento - Fragmentos filosóficos. 2 ed. Rio de
Janeiro : Zahar, 1987 DELLA CAVA, Ralph, MONTERO, Paula. E o verbo se fez imagem - Igreja Católica e os meios de comunicação no
Brasil, 1962 - 1989. Petrópolis : Vozes, 1991. 269p. MATTELART, Michèle & Armand. O carnaval das imagens – A ficção na TV. 3 ed. Petrópolis : Vozes, 1999. 427p. THOMPSON, John B. A ideologia e cultura moderna - Teoria Social crítica na era dos meios de comunicação. 1 ed.
São Paulo : Brasiliense, 1989. 206p.
ZILLES, Urbano. Religiões - Crenças e crendices. Porto Alegre : Edipuc, 1998. 295p.
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Autorização para publicação
Eu, Michele Boff da Silva, mestranda da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), RG nº 8073635552, autorizo a publicação do resumo e do artigo enviado para
apresentação na Seção Comunicação para a Cidadania, do XXIV Congresso Brasileiro de Ciência da
Comunicação - Intercom 2001.
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Autorização para publicação
Eu, Humberto Ivan Keske, mestrando da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS), RG nº 8030996956, autorizo a publicação do resumo e do artigo enviado para
apresentação na Seção Jornalismo, do XXIV Congresso Brasileiro de Ciência da Comunicação -
Intercom 2001.
Humberto Ivan Keske