a identidade de segurança e defesa brasileira: os limites ... · ainda que no segundo reinado se...

25
I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 A identidade de Segurança e Defesa brasileira: os limites do princípio de autodeterminação e da integração sul-americana Heloise Vieira 1 Resumo Existem duas tendências na política externa brasileira de Segurança e Defesa. Uma aponta para a autodeterminação, que tem como objetivo afastar as grandes potências das questões que envolvem a política nacional, exaltando a autonomia e a busca por reconhecimento como um jogador global. Outra, latente desde o império e que toma forças a partir da década de 1960, vindo a se consolidar na década de 1980, é a sulamericanização e a união continental. O século XXI tem apontado para uma maior integração com o continente, ao mesmo tempo em que a percepção dos demais países sul- americanos é de um Brasil distante, pouco conectado com o continente. Buscando responder se tais tendências podem coexistir nas ações do Brasil sem afetar negativamente os resultados das políticas, este artigo pretende mostrar a evolução dsicursiva do Brasil, onde há maior abertura para questões de Segurança e Defesa com os vizinhos, ainda que esses não vejam o Brasil de forma tão amistosa. O Construtivismo, referenciado neste trabalho pelos escritos de Katzenstein, mostra que as mudanças de identidade nem sempre são acompanhadas de mudanças na percepção dessa identidade pelos demais atores. Palavras-chave: Brasil; América do Sul; Autodeterminação; Sulamericanização. Introdução O presente artigo busca discutir a Identidade de Segurança e Defesa brasileira, e os limites dos valores que a norteiam. Tendo o Brasil conquistado algum espaço para a expressão de seus valores junto à América do Sul, as contradições e os limites do alcance de tais valores começam a aparecer. Isso pode, em um último caso, afastar o Brasil de uma aproximação com o continente, o que tem sido buscado desde a década de 1960 (DORATIOTO, VIDIGAL, 2014, p. 83). A autonomia, presente desde a década de 1930 (ibid., p. 57), também é um valor determinante para a não intervenção de potências no Brasil que, no entanto, também 2 o afastou do restante do continente. Com o intuito de responder como o Brasil tem tratado os dois valores e se existem impactos negativos na existência de dois diferentes condicionamentos na sua Identidade de Defesa e Segurança, a hipótese trabalhada é que a autodeterminação é flexibilizada em relação à América do 1 Mestra em Relações Internacionais pela UFSC; professora do bacharelado em Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter; coordenadora do grupo de estudos sobre análise de discursos sobre Segurança e Defesa de presidentes brasileiros na Nova República. 2 Apesar de não ser a única causa do afastamento brasileiro das questões sul-americanas.

Upload: dangnhan

Post on 21-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

A identidade de Segurança e Defesa brasileira: os limites do princípio de

autodeterminação e da integração sul-americana

Heloise Vieira1

Resumo

Existem duas tendências na política externa brasileira de Segurança e Defesa. Uma aponta para a autodeterminação, que

tem como objetivo afastar as grandes potências das questões que envolvem a política nacional, exaltando a autonomia e

a busca por reconhecimento como um jogador global. Outra, latente desde o império e que toma forças a partir da

década de 1960, vindo a se consolidar na década de 1980, é a sulamericanização e a união continental. O século XXI

tem apontado para uma maior integração com o continente, ao mesmo tempo em que a percepção dos demais países sul-

americanos é de um Brasil distante, pouco conectado com o continente. Buscando responder se tais tendências podem

coexistir nas ações do Brasil sem afetar negativamente os resultados das políticas, este artigo pretende mostrar a

evolução dsicursiva do Brasil, onde há maior abertura para questões de Segurança e Defesa com os vizinhos, ainda que

esses não vejam o Brasil de forma tão amistosa. O Construtivismo, referenciado neste trabalho pelos escritos de

Katzenstein, mostra que as mudanças de identidade nem sempre são acompanhadas de mudanças na percepção dessa

identidade pelos demais atores.

Palavras-chave: Brasil; América do Sul; Autodeterminação; Sulamericanização.

Introdução

O presente artigo busca discutir a Identidade de Segurança e Defesa brasileira, e os limites

dos valores que a norteiam. Tendo o Brasil conquistado algum espaço para a expressão de seus

valores junto à América do Sul, as contradições e os limites do alcance de tais valores começam a

aparecer. Isso pode, em um último caso, afastar o Brasil de uma aproximação com o continente, o

que tem sido buscado desde a década de 1960 (DORATIOTO, VIDIGAL, 2014, p. 83). A

autonomia, presente desde a década de 1930 (ibid., p. 57), também é um valor determinante para a

não intervenção de potências no Brasil que, no entanto, também2 o afastou do restante do

continente.

Com o intuito de responder como o Brasil tem tratado os dois valores e se existem impactos

negativos na existência de dois diferentes condicionamentos na sua Identidade de Defesa e

Segurança, a hipótese trabalhada é que a autodeterminação é flexibilizada em relação à América do

1 Mestra em Relações Internacionais pela UFSC; professora do bacharelado em Relações Internacionais do Centro

Universitário Internacional Uninter; coordenadora do grupo de estudos sobre análise de discursos sobre Segurança e

Defesa de presidentes brasileiros na Nova República. 2 Apesar de não ser a única causa do afastamento brasileiro das questões sul-americanas.

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Sul na Nova República, mas que a recepção de tais valores nos demais países não é,

necessariamente, positiva.

A pesquisa está dividida em três momentos. A primeira consiste em uma explanação teórica

sobre o conceito de Identidade de Segurança e Defesa, a fim de respaldar as demais afirmações do

trabalho e fornecer ao leitor um melhor entendimento epistemológico do presente artigo. Em sua

segunda seção, este artigo trabalhará a evolução dos dois valores na história do Brasil, com respaldo

em discursos dos presidentes, focado especialmente na Nova República. Finalmente, com o

propósito de entender como esses valores são percebidos pelos vizinhos, serão analisados os

discursos da Argentina, a maior parceira do Brasil na América do Sul, e da Bolívia, que se sente

historicamente lesionada pelas ações brasileiras. Também discursos na Unasul serão levantados

para compreender como os demais Estados percebem o Brasil e essa mudança em seus valores.

A metodologia deste artigo baseia-se na análise de discursos, bastante discutida pela teoria

construtivista. Especialmente, este trabalho desenvolverá os métodos propostos por Katzenstein

(1996) e Berguer (1996) para a compreensão de discursos e correta colocação dos mesmos na

Identidade de Segurança e Defesa brasileira. A identidade será constatada, também, por fontes

secundárias, especialmente no trabalho de Celso Lafer “A identidade de política externa do Brasil e

a Política Externa Brasileira” (2007), que demonstra como alguns valores condicionam as relações

internacionais do Brasil. Esses condicionamentos, segundo Lafer (2007, p. 16-17) nascem da

interação com o outro e buscam representar, da melhor forma possível, a coletividade interna. Mas,

dessa afirmação, surgem outras questões, levantadas inúmeras vezes pelos autores construtivistas

das Relações Internacionais: quem é o outro? Como nos posicionamos em frente dele? Quais as

limitações que temos na nossa ação?

Valores e a Identidade de Segurança e Defesa

A teoria construtivista, mesmo com muitas vertentes, tem uma preocupação em comum de

compreender como, da derivação das relações entre os Estados, surge a racionalidade do ator e

como ele joga no Sistema Internacional. Não podendo ser localizada a primeira interação

internacional do Estado, ou seja, a gênese de seu comportamento e a interpretação do ator dessa

percepção no momento, e suas reinterpretações do fato, não há a necessidade de um estudo de

história de longo prazo para compreender quem é o outro e como o Estado se posiciona frente a ele.

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Katzenstein (1996, p. 6) define que a identidade é um rótulo de curto prazo que cria quem são os

atores relevantes e qual a postura que eles tentarão enaltecer ou regular no Sistema Internacional.

Barnett (1996, p. 408) ressalta que essas definições derivam de pressões nacionais (perfil

econômico e demográfico, por exemplo) e internacionais (a política das grandes potências, as crises,

as mudanças buscadas por Organizações Internacionais). Wendt (1995, p. 77) traz à discussão os

constrangimentos estruturais, que podem impedir ou constranger alguns valores ou até mesmo a

existência de um ator em si (o autor cita como exemplo a impossibilidade de existir um feudo no

mundo contemporâneo). Portanto, a Identidade de Segurança e Defesa é formado pela forma com

que o Estado se vê, como ele percebe o Sistema Internacional e seu posicionamento dentro do

sistema (contentado ou não com o status quo) e como ele é pressionado pelo Sistema Internacional.

A Identidade de Segurança e Defesa de um Estado é localizada na Cultura Político-militar.

A Cultura político-militar é a parte da Cultura Política que diz respeito a como os membros daquela

sociedade veem a Segurança Nacional, como percebem a instituição militar e como veem o uso da

força nas relações internacionais de um Estado (BERGUER, 1996, p. 326). A cultura político-

militar determina, primeiramente, como a racionalidade de um ator se processa no Sistema

Internacional. Esta racionalidade construirá e reconstruirá a Identidade de Segurança e Defesa de

um Estado. Berguer (ibid., p. 327) destaca, ainda, que para que um grupo com propostas inovadoras

de política possa suceder em sua agenda, precisará criar compromissos interna e externamente. Ou

seja, deve ser acorado pelo governo, não ser retirado da pauta pela oposição, e deve contar como

respaldo de seus pares e, se possível, não exaltar os inimigos do Estado. Isso significa que a cultura

não é um ente polítco que paira acima do Estado e de sua racionalidade, que aparecem na

socialização externa e estão sujeitos a constrangimentos claros ou implícitos.

Esses constrangimentos e a direção da racionalidade de um Estado podem ser acessados

através dos discursos de seus líderes. Katzenstein (1996) propõe duas grandes condicionantes

sociais que podem ser percebidas nessas falas: o contexto Institucional-Cultural (ibid., p. 19) e as

Identidades Coletivas (ibid., p. 22).

O Conexto Institucional-Cultural diz respeito aos princípios, normas, regras e procedimentos

possíveis na ação do Estado, como ele se comporta frente aos regimes e com qual frequência o

Estado aceita as normas internas e internacionais (KATZENSTEIN, 1996, p. 19). Esse contexto

pode ser resultado de uma evolução da prática social (como a incorporação de todos os territórios na

forma de estados pelo Brasil), ou feito como uma promoção consciente do Estado para estimular um

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

comportamento (como o apelo brasileiro pela estabilidade continental), ou ainda resultados de

negociações deliberadas (como a desnuclearização do Brasil e da Argentina). Katzenstein (ibid., p.

22) recorda que, tão importante quanto notar como o Contexto Insitucional-Cultural aparece nos

discursos, é necessário observar, também, as justificativas dos atores quando tocam em tais

assuntos.

Quanto às identidades coletivas, Katzenstein (1996, p. 22) destaca que deve ser notado como

uma região se relaciona e como os demais Estados parecem nos seus dicursos. A integração, ou a

falta dela, mostra uma noção de pertencimento e de constrangimentos que os atores individuais

sofrem em frente à coletividade. Também mostra as expectativas futuras dessa integração. Nota-se

nos discursos, também, as interpretações do passado da região. A história não é um processo

cumulativo de conhecimento, mas sim um processo de mudanças que deixam marcas na Identidade

de Segurança e Defesa do Estado.

Berguer (1996, p. 338) adiciona intervenientes ao processo, a saber: as relações de aliança

do país; a estrutura de força nas Relações Internacionais e como o Estado se situa nela; e as relações

entre os militares e os civis. O construtivismo, apesar de dar maior enfoque às questões ideacionais

que o neoliberalismo e o realismo, não crê que apenas as bases ideacionais sejam suficientes para

explicar os fenômenos das RI. As questões materiais também importam, sendo esse contexto o que

dá suporte para as duas condicionantes sociais analisadas por Katzenstein. As mudanças criadas no

pós Guerra Fria, por exemplo, forneceram uma nova configuração de poder mundial e possibilitou o

fortalecimento da Identidade Coletiva sul-americana, e a expansão da Identidade de Segurança e

Defesa do Brasil.

Sulamericanização e autodeterminação na Identidade de Segurança e Defesa do Brasil

LAFER (2007, p. 25) destaca que um dos condicionantes da ação internacional do Brasil é a

sua escala continental e o processo que o levou a ter as dimensões atuais. A expansão, ocorrida

através das explorações de bandeirantes, que ultrapassaram em muito os limites do Tratado de

Tordesilhas de 1494, e consolidada pela arbitragem internacional, trouxe um desconforto entre o

Brasil e seus vizinhos. Vizinhos que ainda eram, em alguns casos, colônias de Estados Europeus,

causando desconfortos com a França e com Portugal durante o império (DORATIOTO, VIDIGAL,

2014, p. 14). A capital do império, Rio de Janeiro, também não favorecia uma rápida ação

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

diplomática, devido à distância de seus pares sul-americanos. Ainda que no Segundo Reinado se

tenha resolvido as questões de limites, e também tenha melhorado as relações com a Europa e os

Estados Unidos, os mal-estares com os países da América do Sul não se dissiparam tão rapidamente

(ibid., p. 31).

Estenderam-se pela República Velha problemas com a Argentina, o Paraguai e a Bolívia,

agravados pela relação privilegiada entre Brasil e Estados Unidos (ibid., p. 43). No começo do

século XX, o Barão do Rio Branco determinou que seria mais interessante ao Brasil estabilizar a

América do Sul politicamente, para evitar uma intervenção europeia, como também o Brasil deveria

ser uma ponte entre os Estados Unidos e a América do Sul, que nutria grande antipatia pelos EUA

(DORATIOTO, VIDIGAL, 2014, p. 46). No entanto, os esforços diplomáticos do Barão do Rio

Branco, ao focar na estabilização entre Argentina, Brasil e Chile para estimular a paz e o progresso,

tinha interesses profundos de consolidação do papel do Brasil e na repercussão do Brasil como uma

liderança no continente, o que Lafer (2007, p. 52) caracteriza como uma “força profunda” da

Política Externa Brasileira. No entanto, após o falecimento do Barão e entrar para a Liga das

Nações, em 1919, o Brasil se sentia parte de um grupo extrarregional privilegiado, e deixou as

relações com a América do Sul em segundo plano. Neste período, o Brasil também foi contrário ao

desarmamento no continente, sendo acusado de ser uma ameaça à paz pela Argentina e pelo Chile

(DORATIOTO, VIDIGAL, 2014, p. 51).

Na década de 1930, o Brasil retoma seus objetivos de estabilidade regional e de manutenção

da paz no continente, sendo o fim da Guerra do Chaco negociado pelo corpo diplomático brasileiro

(ibid., p. 61). Nesse momento, também, as relações com a Argentina melhoram, especialmente pela

aproximação comercial, devido à falta de mercado extrarregional para produtos sul-americanos

diante a crise de 1929. Vargas, no entanto, não se prendia à esfera limitada da América do Sul

quando se referia ao continente. Havia, ao lado de uma política subcontinental forte, a ideia que as

Américas permanecessem unidas, o que retoma a ideia do Brasil como corrente de transmissão dos

Estados Unidos3 (ibid., p. 65).

Durante os primeiros anos da República Nova, o governo Dutra se sentia confiante que a

posição privilegiada em relação aos EUA traria resultados positivos para o desenvolvimento militar

brasileiro. No entanto, com a criação do sistema de Segurança Coletiva das Nações Unidas, os

3 Cabe lembrar que, pelos laços comerciais estabelecidos com a Alemanha no começo da década de 1930, o Brasil

também era elogioso aos regimes autoritários, período da política externa chamado de Pragmatismo Equidistante

(DORATIOTO, VIDIGAL, 2014, p. 63).

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

compromissos bilaterais acertados durante a Guerra foram abandonados (ibid., p. 69). Mudanças

ocorrem a partir do lançamento da Operação Pan Americana, no governo Juscelino Kubitschek, e

no pedido do governo para que os Estados Unidos prevenissem o antiamericanismo com uma

proposta de desenvolvimento continental. Ainda que a Operação não tenha grandes resultados

práticos, influenciou os demais países sul-americanos a verem o Brasil de maneira positiva (ibid.,

p. 78).

O governo seguinte, de Jânio Quadros, começa a unir a aproximação com a América do Sul

e a autonomia. Vê-se um Brasil com maior protagonismo internacional ao criar relações com as

demais regiões periféricas do mundo e ao almejar a aproximação com a América do Sul. Ainda que

essa aproximação tenha sido tímida, é um momento importante para a criação de conexões com o

restante do continente sem o dever de respaldar os interesses dos EUA no subcontinente. O

alinhamento aos EUA se manteve durante o começo do regime militar, no entanto, os epaços para a

autonomia florescem. Fora definida a política sul-americana e ampliou-se a cooperação

intrarregional (ibid., p. 90). Um dos tratados mais importantes desse período foi o Tratado de

Tlatelolco, de 1967, que proibiu armas nucleares na América Latina e Caribe (ibid., p. 92). Ainda

que o acordo para a construção de Itaipu tenha criado preocupações na Argentina, as questões foram

resolvidas através de negociações, que levou ao acordo tripartite (ibid., p. 100). Na década de 1970,

o país começa a pedir por uma nova geografia mundial e a se contrapor ao “congelamento do poder

mundial” (DORATIOTO, VIDIGAL, 2014, p. 95).

A Nova República, então, traz elementos do passado brasileiro e a interpretação de um país

destinado à grandeza. O governo Sarney realizou a abertura comercial para as empresas da América

Latina, e também buscava no subcontinente parceiros para o enfrentamento da crise da dívida

(CAMPOS, DOLHNIFOFF, 2003, p. 305). Ainda que o foco da segurança, nesse ponto, seja

econômica, interesses políticos mais amplos tomam espaço na agenda internacional brasileira. A

nova Constituição Federal também traz, em seu Artigo 4º, as ideias de independência,

autodeterminação e a integração multinível com a América Latina. O governo Sarney também

começa a dar mais atenção às relações com a América do Sul, até então usadas de forma bastante

instrumental pelos governos, por acreditar que essas relações poderiam trazer a estabilidade

regional, o que formaria um mercado promissor para os produtos brasileiros (SENNES et. Al.,

2003, p. 6). A mudança no Contexto Institucional-Cultural pode ser notada em vários discursos,

como o trecho a seguir:

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Argentina e Brasil dão hoje novos passos na fecunda e promissora

caminhada da integração. É uma trajetória segura, definitiva, guiada pelos

ventos da História e percorrida com a crença inabalável no destino comum

reservado a ambos os povos. É de unidade e cooperação esse destino que

estamos antecipando e construindo desde agora pela força de nossa vontade

política. Unidade e cooperação que se afirmam continuamente em nossas

iniciativas conjuntas. Como Presidente do Brasil, orgulho-me de ter iniciado

com Vossa Excelência, caro Presidente e amigo Raul Alfonsín, grande

político e estadista da América Latina, esta obra transformadora, marco de

uma etapa de novas e mais positivas realizações entre os países da América

Latina (SARNEY, 1988, p. 146).

Vê-se a fala em cooperação como uma novidade entre os países, e dos objetivos para que tal

traga realizações para toda a América Latina. Ou seja, o presidente deixa claro que a mudança no

contexto Insitucional-Cultural com a Argentina almeja uma mudança profunda com todo o

subcontinente. O Brasil, assim como todo o mundo, passava, ao fim da Guerra Fria por um

momento de autorreflexão, submergido na ideia de paz do pós Guerra Fria. Katzenstein (1996, p.

21) mostra que tais reflexões não são feitas sozinhas, mas de forma relacional com os demais atores.

A Argentina, além de submersa na mesma realidade, ainda passava por uma reflexão mais

profunda, com o fim da Guerra das Malvinas e a descrença nas relações Norte-Sul (DORATIOTO,

VIDIGAL, 2014, p. 101). Os discursos de José Sarney ainda tocam pouco na condicionante social

de Identidades Coletivas, o que denota o nascimento das relações em um novo ambiente, mais

profícuo. Houve, também, esforços para a união com os países da fronteira amazônica, que passa a

ter maior importância para o entorno estratégico nacional, e o governo altera as suas relações

instrumentais com esses países para uma caminhada em direção a um maior intercâmbio entre os

Estados (DORATIOTO, VIDIGAL, 2014, p. 107). As Identidades Coletivas começa a tomar maior

espaço no governo de Fernando Collor de Mello, como em seu discurso na Organização dos

Estados Americanos:

Inspiram-se eles na vocação dos povos deste continente para o diálogo e o

entendimento, e espelham os traços marcantes de nossa personalidade, de

nosso sentimento americano. (...) Vivemos hoje um momento singular na

história do hemisfé- rio. Um momento de reconciliação e de renovadas

esperanças no seu destino de paz (MELLO, 1990, p. 20)

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

É notável que o “sentimento americano”, mais do que uma escolha de palavras para o foro

do discurso, se aproxima das diretrizes de Collor de não criar uma região ou um tipo de

relacionamento internacional preferencial, mas universalista. Outro ponto importante da fala é a

afirmação da paz no continente, mito que surge ao final da Guerra Fria e com o arrefecimento das

relações Brasil-Argentina. Também existe uma redução da presença americana na região, que se

ocupava com os conflitos no Oriente Médio e prestava menor assistênciaaos governos sul-

americanos, devido às mudanças no cenário internacional. E o contexto Institucional-cultural do

neoliberalismo facilitava a criação de relações interdependentes entre os Estados (DORATIOTO,

VIDIGAL, 2014, p. 114).

Essas relações interdependetes, no entanto, levaram à ideia uniparadigmática da Política

Externa Brasileira. A crença no “anel de paz”4 no continente e na pouca importância do uso da força

teve ingerência na forma com que o Itamaraty se comportou nos anos 1990. Para Cervo (2002, p.

14), ao retirar o papel das Forças Armadas na decisão da segurança e passá-la para o corpo

diplomático, as doutrinas consideradas “idealistas” dominaram a estratégia nacional. O autor aponta

que a saída uniparadigmática dada aos campos econômico e de segurança deve-se à crença que a

cooperação e a integração econômica levariam a um caminho de cooperação e interdependência que

suplantaria as ameaças à segurança. Pouca mudança é vista com a breve subida do poder de Itamar

Franco. As mudanças substanciais sobre as questões de Segurança e Defesa na região começam a

ser notadas durante o governo Cardoso.

O governo Cardoso, de ideologia econômica neoliberal, onde foram privatizadas várias

companhias nacionais em prol da ação privada e do menor tamanho do Estado tinha o objetivo de

custeio do governo e também o de arrecadação de meios de poder para exercer uma liderança

regional (CERVO, 2002, p. 9). O primeiro governo FHC manteve a ideia do início dos anos 1990

do anel de paz continental, baseado na multilateralidade para questões de segurança, como também

era aplicado em esferas econômicas, como na área de influência sul-americana (SENNES et. al,

2003, p.8).

A política regional voltada para questões estratégicas em foros multilaterais passou a

desempenhar, gradativamente, um papel central para as atividades brasileiras junto à América do sul

(SENNES et al., 2003, p. 17). Com a agudização dos conflitos na região andina, o Brasil foi

pressionado para exercer um papel mais central diante das questões de segurança regional e a ser

4 Ideia que não existem guerras e conflitos na América do Sul, hipótese que tem como Mares (2001) um importante crítico.

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

questionado como líder, em face da baixa atividade frente aos problemas domésticos e

internacionais de seus vizinhos. Graças ao esforço iniciado pela Política de Defesa Nacional de

1996, várias iniciativas tomaram forma durante o governo FHC, dentre elas a criação do Ministério

da Defesa e da Agência Brasileira de Inteligência, órgãos que nascem com a democracia já estável

no país e com papéis importantes para as percepções de ameaças, com chefias civis.

A criação da Política de Defesa Nacional durante o governo Cardoso buscava uma nova

forma de planejamento para questões internacionais, através de uma lista de prioridades de

programas que foram determinados rapidamente pelas forças armadas, sem extensas pesquisas

(ALSINA, 2003, p. 61). Isso foi refletido na aprovação da Política de Defesa Nacional, em 1996,

em que foi defendido o uso da força unicamente para a autodefesa, a solução pacífica de

controvérsias e o fomento da paz para o ambiente internacional. O documento também relaciona o

fato de o Brasil não ter entrado em nenhuma guerra com seus vizinhos e promove a integração e a

aproximação do continente, como já era de interesse do governo desde o período de atuação do

Barão do Rio Branco. Ainda que tímida, a Política de Defesa Nacional começa a delinear os

objetivos de Segurança e Defesa brasileiros de forma clara e, junto com a criação do Ministério da

Defesa, cria-se alguma publicização da Defesa Nacional.

A criação do Ministério da Defesa representa uma importante inovação sobre os valores de

segurança do Brasil, pois retirou dos militares o completo exercício das funções estratégicas, como

uma esfera separada do poder político (FUCCILLE, 2006, p. 94). Também, através do elo entre o

governo central civil e os comandantes das forças armadas se pôde pensar a segurança de forma

sistemática, abrangendo todos os campos que a incluem.

Antes da criação do Ministério da Defesa, as forças Armadas respondiam diretamente à

presidência e cada uma possuía um respectivo ministério, que definia suas prioridades de defesa e

seu orçamento necessário. Fuccille (ibid, p. 92) destaca que a Criação do Ministério da Defesa cria

um instrumento de controle civil sobre o meio militar. O Brasil possuía forças conflitantes quanto

ao controle democrático das forças armadas. De um lado, havia o afastamento dos governos civis

das responsabilidades relativas às questões internas das forças armadas, com medo de uma ameaça

democrática e, por outro, a necessidade do reaparelhamento das Forças Militares para servirem

melhor às aspirações continentais e sul atlânticas do Brasil, o que necessitava de maior conjunção

de objetivos. A criação do Ministério pode ser vista como uma resposta ao trauma causado pelas

ações dos governos militares e como um meio eficiente para o reequipamento das Forças Armadas.

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

No mesmo ano, no discurso de apresentação dos novos oficiais-generais, o presidente da

república destacou algumas das ameaças internas e externas, após mostrar-se satisfeito com a

criação do Ministério da Defesa:

Aproveito para reiterar falas anteriores, nas quais, em eventos semelhantes,

expus preocupações que constam da nossa agenda estratégica, com reflexos

para as Forças Armadas: a defesa inarredável de nossas fronteiras, pois não

pode ser esquecido que, mesmo em âmbito regional, surgem zonas de

instabilidade que podem vir a contrariar interesses brasileiros; à tradicional

missão de manutenção da integridade do território soma-se o desafio de

preservar a sua incolumidade; o narcotráfico e outros ilícitos

transfronteiriços, com ameaça ao nosso povo e à nossa soberania, sempre

ressaltando minha firme orientação para que as Forças Armadas não sejam

empregadas no cotidiano desse combate, senão no apoio às polícias

(CARDOSO, 2001) [destaques da presente autora].

Há, nesse discurso, a ideia de uma Identidade Coletiva como tema transversal à estabilidade

regional, que cresce nas preocupações do governo, enquanto o mito do Anel de Paz é quebrado

pelas ameaças transnacionais à segurança da Amércia do Sul. A instabilidade da região na década

de 1990 toma conta da pauta de segurança do Brasil e dos demais países na região, o que é uma das

forças profundas, inciada pelo Barão do Rio Branco, da Condicionante Social de Identidades

Coletivas do Brasil. O Brasil, como assinalado no discurso de Cardoso, preocupava-se com a

soberania brasileira e à manutenção territorial brasileira, o que coloca o país distante da sub-região.

Os parcos esforços do governo brasileiro em cooperar com o governo colombiano, por exemplo,

causaram insatisfação entre os líderes daquele país, levando a um questionamento sobre a seriedade

do compromisso sulamericano brasileiro. A transição Fernando Henrique Cardoso – Luís Inácio

“Lula” da Silva contou com uma maior dominância tanto da ideia de proteção à soberania quanto de

aproximação continental.

As relações Sul-Sul tiveram importância fundamental para os anos de governo Lula, pois

permitiram que o país tivesse uma posição de protagonista internacional e maior equilíbrio nas

relações com os Estados ricos (VIGEVANI, CEPALUNI, 2007, p. 283). Enquanto o governo

Cardoso buscava autonomia pela participação, com a inclusão do Brasil nas discussões sobre

diversos assuntos, o governo Lula foi qualificado como um governo marcado pela autonomia pela

diversificação, devido às buscas menos convencionais de sua política externa, aumentando o

intercâmbio com vários Estados em diferentes regiões (ibid, p. 282 – 283). Durante a Guerra Fria, o

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

overlay americano era tal que o Brasil tinha pouca autonomia para fazer tais parcerias com Estados

menos desenvolvidos. Apesar de ser um dos líderes do movimento não-alinhado, sua participação

nele era consideravelmente tímida, devido à grande dependência dos EUA. Também a pouca crítica

dos governos ocidentais à liderança dos EUA durante a Guerra Fria, tanto nas Américas quanto na

Europa Ocidental, impedia a criação de formas distintas de política externa (AMORIM, 2012, p. 4).

Também a ordem internacional afetou o discurso. Diante da não aceitação dos EUA do veto

do Conselho de Segurança à invasão do Iraque, a insatisfação com Instituições Internacionais de

segurança estava presente em todo o mundo. A alternativa brasileira para tal foi colocar em prática o

anseio antigo da América do Sul em criar uma política comum de defesa e da necessidade de

atualização dos mecanismos de segurança hemisférica, excluindo a participação americana para as

questões (SENHORAS, 2007, p. 11). Esta é a gênese do processo que levou à Unasul. As diferenças

de pautas entre os Estados sul-americanos durante as ditaduras militares, e até no pós Segunda

Guerra Mundial, dificultou a comunicação entre eles, tornando preferíveis os acordos bilaterais com

os EUA (ibid, p. 8). Nesse período, também, os Estados tendiam a pensar que a economia interna,

baseada nas forças nacionais, traria segurança econômica e que os Estados vizinhos eram

concorrentes e inimigos de segurança em potencial, pela vulnerabilidade de áreas fronteiriças (ibid,

p. 12).

Para Senhoras (ibidem), a incorporação da vontade de integração, com gênese no início do

século XX, levou os Estados a abrir-se para diálogos e envolverem novos atores em seus processos

de defesa, conferindo o potencial de equilíbrio para o Cone Sul. O equilíbrio ocorre entre as

potências médias, sendo o Brasil um dos jogadores mundiais de peso no século XXI. A política de

Lula levou à evolução desse conceito. Especialmente pelo estabelecimento da Comunidade Sul-

americana de Nações (CASA), que depois se torna UNASUL.

Advinda da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA),

a CASA era, a princípio, um acordo de cooperação entre a Comunidade Andina de Nações5 (CAN)

e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Seu tratado constitutivo, a Declaração de Cuzco de

2004, decreta o tratamento equânime a todos os Estados sul-americanos em questões políticas,

sociais, econômicas, ambientais e estruturais que dissessem respeito ao subcontinente. Com o

inchaço de sua agenda e o lançamento de discursos brasileiros, venezuelanos e argentinos sobre a

necessidade de um continente unido (ainda que cada um desses Estados tivesse uma proposta

5 Organização Internacional Governamental formada por Equador, Colômbia, Bolívia e Peru.

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

diferenciada para o continente), posteriormente a Organização se Torna a União de Nações da

América do Sul (UNASUL), e lança-se o debate para a criação de um conselho de defesa sul-

americano (CDS).

O então presidente reafirmou os valores e a importância do multilateralismo no seu

discurso aos formandos do Itamaraty de 2004, alegando que

(...) para que a gente ganhe essa respeitabilidade, é preciso que um país do

tamanho do Brasil seja cada vez mais generoso com os seus parceiros. E que

o Brasil tente todas as vezes que tiver que estabelecer uma ação diplomática,

levar em conta a necessidade de juntar parceiros para que a nossa política

não seja uma política solitária e, muitas vezes, mal interpretada (SILVA,

2004).

Aqui nota-se o medo do Brasil ser visto como um país hegemônico, impositivo e

unilateralista. Alguns críticos do governo, e alguns presidentes sul-americanos informalmente,

afirmavam que o Brasil estabelecia um sub-imperialismo sobre a região, sendo um comissário dos

interesses americanos, a fim de estabelecer seus próprios objetivos. O momento internacional,

obviamente, favorecia a expressão do Brasil e de seus valores centrais, sendo que os Estados

Unidos e os grandes poderes europeus se voltavam para o Oriente Médio e o crescimento

econômico mundial despontava como uma nova possibilidade dos países menores em crescerem e

se desenvolverem. Com as economias crescendo, a vontade de cooperar é maior, e os laços se

aprofundam com mais facilidade, pois existe vontade e necessidade. Ao entrar em uma recessão, no

entanto, os Estados tendem a olhar para si mesmos e fechar suas fronteiras, como objetivo de

proteger a economia nacional.

O crescimento econômico do Brasil, no entanto, também trouxe resultados negativos. O

mais tocante no governo Lula é a nacionalização de hidrocarbonetos pela Bolívia. Em 2005, a

Bolívia nacionaliza as refinadoras da Petrobrás em seu território. No ano seguinte, o exército é

chamado a ocupar as plantas de gás natural e petróleo do país, o que cria um problema diplomático

bilateral. Algun meses depois, em seu discurso na Reunião Regional Americana da OIT, o

presidente Lula declarou:

Durante muito tempo, vários países da América do Sul viam o Brasil com

imperialismo. Eu digo sempre que, quando fomos construir Itaipu, a

Argentina nos ameaçou com a bomba atômica, achando que Itaipu era para

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

inundar Buenos Aires. Tivemos conflitos e mais conflitos em vários

momentos da nossa história e eu, de vez em quando, chamo os meus

companheiros presidentes à responsabilidade, porque muitas vezes eles

ficam discutindo coisas que aconteceram no século XVIII, ou no século

XIX, e eu falo: pelo amor de Deus, nós somos a geração de governantes que

tem que pensar no século XXII e não no século XIX ou no século XVIII, no

que aconteceu. O que aconteceu já está cicatrizado, a gente não pode ficar

remoendo, mexendo, para arrumar uns conflitos que foram resolvidos há

200 anos.

(...)

Nós estamos vendo a imprensa brasileira falar da crise Brasil/Bolívia. Não

tem crise Brasil/Bolívia e não existirá crise, existirá um ajuste necessário de

um povo sofrido e que tem o direito de reivindicar ter maior poder sobre a

maior riqueza que tem.

Não vamos descobrir uma arma qualquer na Bolívia para justificar uma

briga com a Bolívia, não. Eu faço política, eu aprendi a negociar muito antes

de ser político. E as nossas divergências serão tiradas em torno de uma

mesa, conversando. O fato de os bolivianos terem direito não significa negar

o direito do Brasil, o que não pode é uma nação tentar impor a sua soberania

sobre as outras sem levar em conta que o resultado final da democracia é o

equilíbrio entre as partes (SILVA, 2006a).

O presidente, nesse discurso, se abstém de remontar ao passado expansionista do Brasil, no

entanto, há o reconhecimento da dívida histórica do Brasil com a Bolívia. O texto deixa clara a

Condicionante Social do Contexto Institucional-Cultural ao citar que a saída diplomática seria a

única possível, descartando a possibilidade de uma intervenção armada. Também, o presidente

adota uma postura crítica quanto à Identidade Coletiva sul-americana quando pede que seus colegas

deixem de retomar questões de longa data para os problemas contemporâneos. Nota-se aqui um

pedido de atualização da Identidade Coletiva, para que o Brasil possa maior integração aos demais

e, também, manter suas relações comerciais com os demais países, o que mostra a

instrumentalidade das relações com a América do Sul, ainda que essas se tornem maiores durante o

gorverno de Lula. Outros contratos sobre gás natural foram firmados no mesmo ano, sendo o mais

emblemático o gasoduto Urucu – Manaus, uma exploração realizada para as reservas de gás natural

brasileiro para abastecer a zona franca da cidade, com a possibilidade de extensão para outras zonas

do norte brasileiro. O presidente declarou, na cerimônia de abertura, que

Nós temos consciência de que a Bolívia precisa do gás e o Brasil também

precisa do gás. E a Bolívia precisa vender para o Brasil e o Brasil precisa

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

comprar. Mas o que aconteceu foi um sinal de que um país que quer ser uma

potência, como o Brasil quer ser, uma grande nação desenvolvida, a gente

não pode ficar dependendo, no campo da energia, nem da Bolívia, nem dos

Estados Unidos, nem da China, nem da Rússia, nem de países africanos,

nem de países da América Latina (SILVA, 2006b).

A independência energética do Brasil era um assunto corriqueiro durante o governo Lula,

sendo anunciada a autossuficiência de petróleo do país, através dos investimentos da Petrobrás em

todo o mundo. Essa reafirmação em um ano eleitoral, depois da perda de parte dos investimentos

em infraestrutura com a Bolívia, era crucial para o país continuar a ser visto como um líder

regional. Nota-se um tom, em todo o discurso supracitado, de exaltação nacional e da força que o

Brasil ganhou em vários campos nos anos do governo Lula, mostrando que o país tinha força para

realizar seus objetivos e concretizava as suas aspirações em se tornar um jogador global.

Outro incidente do período foi a proposta americana para gerenciar bases militares na

Colômbia, o que chamou a atenção dos líderes regionais. Os países se reuniram no Conselho de

Chefas e Chefes de Estado da Unasul para debater o tema, especialmente alarmado pelos

governantes do Brasil, Venezuela, Equador e Chile. O discurso do presidente (SILVA, 2009), tendo

em vista as discordâncias entre Colômbia e os demais Estados sobre a questão das bases militares, é

mais contido e denota que, apesar de muito ter se caminhado para um entendimento comum entre os

Estados da Unasul, muito ainda necessitaria ser feito para que se possa alcançar uma política de paz

e estabilidade continental (ibidem). A questão escalou durante o ano seguinte, sendo chamadas

várias reuniões com a Unasul para debater o tema, onde o Brasil, apesar da posição mais dura no

começo das negociações, pede que a soberania colombiana seja respeitada. Após várias reuniões, e

o posterior veto da Corte Constitucional Colombiana ao acordo, as relações exteriores dentro da

América do Sul voltaram a uma relativa estabilidade. Apesar dos argumentos brasileiros que as

bases minariam a auto-determinação continental, o que se vê é a tentativa do Brasil em criar uma

rápida solução para o problema, para manter a estabilidade regional.

No primeiro mandato do governo Dilma, as ações assertivas do governo foram vistas no

golpe constitucional sofrido pelo presidente paraguaio Fernando Lugo, em 2012. No momento, a

presidenta valeu-se da cláusula democrática do Mercosul para expulsar o Paraguai da Instituição. O

ato afasta o país da ideia de estabilidade continental abraçada pelo governo anterior, uma maior

conexão com as normas internacionais e o afastamento da ideia de um grande consenso sul-

americano. O governo Dilma se mostra mais pragmático e menos pró ativo que o governo Lula,

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

tanto pela economia fragilizada, quanto pelas mudanças nos perfis de seus pares. No entanto, o

governo mantém-se próximo aos demais Estados sul-americanos e ainda busca, mesmo que em

menor velocidade que seu antecessor, criar consensos entre os países do subcontinente.

O Brasil nos discursos argentinos

Apesar de o conceito de sulamericanização do Brasil (DORATIOTO, VIDIGAL, 2014)

surgir na década de 1960, os aspectos nacionalistas e a ideia de parceiro preferencial dos EUA na

América do Sul são retirados como elementos-chave da identidade brasileira somente na década de

1980. Uma parte importante dessa revisão da posição que o Brasil ocupa no subcontinente é a

mudança de relações com a Argentina. Devido às animosidades que marcaram o século XIX

(DORATIOTO, VIDIGAL, 2014, p. 24), houve ainda um distanciamento entre os dois países na

primeira metade do século XX. A segunda metade, no entanto, vê uma dissipiação das tensões e um

maior entendimento entre as partes, consolidada pelo acordo Itaipu – Corpus de 1979, e fortalecido

com os vários compromissos bilaterais e multilaterais entre Brasil e Argentina no final do século

XX. O governo Alfonsín, eleito em 1983, tinha como objetivo recuperar o prestígio internacional da

Argentina e o reconhecimento do país como uma liderança latino-americana (CANDEAS, 2010, p.

213). Ainda que as classes abastadas da Argentina tenham preferência pelas relações com países

desenvolvidos, o país passa a se envolver em vários outros aspectos das relações multilaterais

regionais, como a criação do Consenso de Cartagena e a assinatura do Mercosul (ibid., p. 219).

Ainda que o eixo que o governo Alfonsín quisesse dar à Argentina fosse o de maior presença

regional, as elites reclamavam das etitudes antieuropeias do país, que passa a fazer parte do

pensamento central da gestão de Menem (ibid., p. 66). Menem via o país fragilizado econômica e

politicamente, e a inviocação das relações carnais com os EUA, com o objetivo de obter benefícios

com os EUA, o que o afasta da esfera regional (VADELL, 2005, p. 197). Assim, a Argentina

participou da Guerra do Golfo de 1991 e se aproxima dos EUA em seus votos nas Nações Unidas,

especialmente quanto à investigação sobre Direitos Humanos em Cuba, colocando-se contra a visão

brasileira do problema (ibid., p. 198). A Argentina, durante á década de 1990, não via o Mercosul

como uma vertente para a paz continental, mas como uma ampliação de alcance de seu mercado,

observando apenas os aspectos econômicos e comerciais (CANDEAS, 2010, p. 221). Por essa

visão, o presidente Menem pensava em abandonar a integraçãocom o Brasil e se unir à ALCA ou ao

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Nafta.

Esse primeiro momento da democratização argentina mostra claramente as suas disposições

quanto à Condicionante Social de Identidades Coletivas. Ao contrário do Brasil, o projeto político

regional argentino é mais pragmático, e foca-se na primazia das relações Norte-Sul. Sem grandes

aspirações regionais no começo da década de 1990, e não absorvendo a aspiração brasileira de

estabilidade continental como um foco de paz, a Argentina entende a América do Sul como fonte de

estabilidade econômica, sem prejudicar seu relacionamento com a América do Norte e Europa. A

Argentina busca reestabilização econômica baseada na América do Sul e reconhecimento de seu

papel como país desenvolvido, ligado ao modelo europeu. Mesmo que grandes mudanças tenham

ocorrido no período, ocmo a desnuclearização, a Argentina ainda não se focavana América do Sul

como fonte primordial de Política Externa.

Os governos de De La Rua e Duhalde marcaram-se pela vontade de reduzir o acordo do

Mercosul a uma Zona de Livre Comércio e por antagonizarmelhores relações com o Brasil contra

melhores relações com os EUA (MEZA, 2008, p. 164). Duhalde objetivou alterar as negociações

sobre o apoio americano e se aproximar do Brasil, vontade que se concretiza com a mudança de

postura argentina sobre as negociações da ALCA. O país começa a ser mais requisitante e, com

isso, a ficar mais próximo do Brasil nas suas preferências internacionais. Os dosi governos, no

entanto, enfrentaram grandes problemas políticos e não há grandes marcos de Política Excterna no

período.

As mudanças iniciadas no período anterior são consolidadas por Néstor Kirchner, que

abandona a ideia das relações especiais com os EUA, sendo o reformismo uma das suas

características marcantes (VADELL, 2006, p.203). As relações com o Brasil tomam o centro da

política nacional e, ainda que formemente voltadas para o comércio, o presidente declarou, no

Mercosul:

...es ante todo un proyecto político, un espacio de la ampliación de la

autonomía estatal capaz de gobernar la inserción de nuestros países en el

mundo. Tenemos la convicción de que en el mundo actual no hay futuro

para proyectos de desarrollo de alcance estrictamente nacional, y es por eso

que damos a nuestro bloque de pertenencia un sentido mucho más abarcador

que el de un simple acuerdo comercial (BIELSA et al. 2005, p. 49 APUD

VADELL, 2006, p. 204).

Deixa-se clara, então, a importância da autonomia, fundamento formetente defendido pelo

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Brasil no período, e o abandono por parte da Argentina em ver a América do Sul como uma fonte de

relações que dariam poucos resultados, sendo as relações Sul-Sul ampliadas durante o governo.

Então, novamente, há uma mudança na Condicionante Social que diz respeito ao Contexto Social-

Institucional, que remete a uma mudança na Condicionante Social de Identidades Coletivas, onde a

Argentina crescentemente deixa a europeização de lado e passa a se sulamericanizar. O Chile,

adversário histórico da Argentina, aparece como um parceiro estratégico na campanha de Kirchner

como uma prioridade para atingir relações igualitárias no continente (MEZA, 2008, p. 165). As

percepções que o Brasil tinha interesse em se alavancar a uma hegemonia regional nunca saíram de

discussão na política argentina, que descatava a dependência do país em relação ao Brasil (ibidem).

A, no momento, recente recuperação da economia argentina a impedia de ser mais assertiva na sua

Política Externa, e também impossibilitava a realização dos projetos de Segurança e Defesa.

Para Cortes e Creus (2010, p. 363), esse período de aproximação argentina se cacterizava

pela necessidade, tanto de negociadora internacional quanto de afastada da órbita americana, como

também a necessidade de novos arranjos para a estabilização econômica. Quando as dificuldades da

economia argentina começam a aparecer, no governo de Cristina Fernandez, a utilização do papel

de Lula e das relações regionais se torna uma marca (ibid., p. 371). A falta de resultados que

agradassem o governo argentino, assim como a parceria estratégica não resultar em parcerias

preferenciais, leva a um distanciamento do Brasil, ainda que a presidência continue sua

aproximação com esse país. Segundo a presidenta Cristina Fernandez:

Realmente ha sido la de hoy una reunión muy fructífera y que pone de

manifiesto, una vez más, este excepcional período de amistad, de trabajo y

de logros entre ambos países inédito e impensable años atrás cuando

equivocadamente, a mi criterio, se privilegiaron relaciones por afuera de la

región, por afuera del hemisferio cuando, en realidad, estaba y está entre

nosotros mismos como región la clave para resolver nuestros propios

problemas y, tal vez, en este mundo contemporáneo más que nunca, se

visualiza el acertado de haber perseverado en este camino de asociación e

integración que es el MERCOSUR, que también se reconoce en la

UNASUR, una región que va a tener en este siglo XXI, no tengo dudas, un

peso específico también impensable e inédito unas décadas atrás.

Tal vez lo único triste es que no sea por nuestros aciertos la importancia que

estamos adquiriendo y que vamos a adquirir, sino que sea porque se

equivocaron los otros y porque equivocaron el camino, y entonces hoy surge

con mucha fuerza la necesidad de profundizar esta integración también

como una de las formas de solucionar los avatares que esta crisis sin

precedentes está trayendo al mundo (FERNANDEZ, 2009).

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

É notável que, para a Argentina, devido ao curto espaço de tempo que o país assumiu um

compromisso estratégico regional, os resultados ainda são tímidos. No entanto, o país credita esses

poucos resultados positivos à inércia brasileira. No entanto, diante do aprofundamento da crise que

se inicia em 2008, a presidenta reafirmou seus compromissos na Cúpula das Américas de 2010:

(...) El desplome de nuevos países desarrollados; el surgimiento de los

países emergentes, pero fundamentalmente creo la crisis de un modelo de

funcionamiento de la economía global que exige ser revisada, que exige ser

repensada y tambièn diseñada una nueva arquitectura global, económica,

financiera y comercial, donde la asociación de los países esté basada,

fundamentalmente, en criterios de cooperación, de equilibrio y también de

igualdad. (...) Nosotros sosteníamos que la región debía tener su propio

modelo de desarrollo y crecimiento, que no significaba negarnos a la

integración global, porque sería un absurdo, pero que necesitábamos tener

también modelos propios de crecimiento, con más justicia, con más

equilibrio, con más igualdad, en donde no se frustraban las posibilidades de

desarrollar también en nuestros países sus ciudades industrializadas, que

produjeran valor agregado, que generarán trabajo, que generarán

crecimiento (FERNANDEZ, 2010).

A pauta de segurança econômica continua no centro do debate argentino de Segurança e

Defesa, assim como suas alianças estratégicas ainda se voltam para tais questões. Em 2011, no Ato

de recepção dos integrantes do Conselho de Defesa Sul-americano, a presidenta mostrou algum

ressentimento histórico com a falta de ação brasileira quanto à inércia frente à Guerra das Malvinas,

onde o país apoiou a Argentina, mas não enviou tropas, como Peru e Colômbia (FERNANDEZ,

2011). No mesmo discurso, a presidenta reforçou a necessidade de se pensar na segurança

econômica da região, que seria, em sua opinião, o ponto principal a ser tratado pela Unasul. Em

2013, a presidenta pediu que o Brasil reformasse a aliança estratégica entre os países, para atualizar

os mecanismos bilaterais econômicos e para melhorar a inclusão social (FERNANDEZ, 2013). A

presidenta destacou, nesse discurso, a proximidade dos dois países e as responsabilidades regionais

de ambos, e a cobrar o adensamento da integração bilateral e regional. O discurso deixa clara,

também, a intensão argentina em aprofundar o Mercosul, visto que os objetivos mercosulinos se

aproximam mais da Identidade de Segurança e Defesa argentina, que visa melhorar a insegurança

econômica da Argentina, enquanto o Brasil busca focar na Unasul, para um melhor entendimento

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

regional, base de sua Identidade. No entanto, o discurso da atual presidenta em muito se difere do

discurso de Menem, e mostra-se mais disposta a negociar com a região e aprofundar as relações não

apenas econômicas, mas também políticas, ainda que o país fique descontente com as dificuldades

para o aprofundamento das relações.

O Brasil nos discursos bolivianos

Para a Bolívia, cuja diplomacia se baseia em conjugar as extremas disparidades econômicas

e geográficas do país, sempre lutou pelo reconhecimento da importância nacional para a América do

Sul (CUETO, 2007, p. 2). A alta permeabilidade das fronteiras bolivianas, e as perdas de territórios

que o país sofreu ao longo de sua história, condicionam o país a uma condição de isolamento com

os demais (ibidem). As maiores exportações da Bolívia, de gás natural e petróleo, e sua importância

para a circulação de mercadorias na região, dão ao país o título de Heartland sul-americano

(THENON, 2008, p. 1). Assim, o país passa a se utilizar dessa posição estratégica assim que se

atinge alguma estabilidade política no páís, conseguida com o presidente Morales.

O descontentamento com as políticas neoliberais da década de 1990 levaram o país a uma

grande instabilidade em 2003, que leva o Brasil a mediar o conflito interno boliviano, com o

objetivo de manter a estabilidade regional. Apesar dos esforços de Brasil e Bolívia, o presidente

Carlos Mesa se demite em 2005 e seu vice, Eduardo Rodríguez, assume (SOUSA, 2006, p. 1). O

país passa a ter uma política exterior demandante, estável e fortalecida com a chegada ao poder de

Evo Morales, em 2006.

Morales rapidamente firmou parcerias com Cuba, Venezuela e China, e renacionalizou os

hidrocarbonetos (CHRISTENSEN, 2006, p. 8). O objetivo da Bolívia era se tornar mais autônoma

política e economicamente, minando a ingerência externa nos seus maiores bens e, assim, o país se

torna mais livre para o exercício de sua soberania. O Brasil, apesar de sofrer com o revés no

mercado de gás natural boliviano, era visto por Morales como um aliado, por ter um governo de

esquerda que questionava a geografia mundial de poder (ibid., p. 10). Quando o Brasil ameaçou não

investir mais em hidrocarbonetos na Bolívia, o presidente Morales cobrou uma atitude não

hegemônica do governo brasileiro (ibid., p. 10), seguida de muitas críticas à forma com que o Brasil

preferiu negociar, e não aceitar as colocações do goveno boliviano (ibid., p. 17).

Nota-se a grande diferença da Bolívia para o Brasil quanto à Condicionante Social relativa

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

às Identidades coletivas. A Bolívia vê o Brasil como um líder impositor que, ainda que possia uma

visão reinvindicante junto à disposição internacional de poder, exerce poder sobre os demais. Com

o passado de perdas territoriais para o Brasil, por acordos não considerados justos, a Bolívia se

mostra reticente em reconhecer o Brasil como igual, ou mesmo como uma liderança benigna. A

falta de perenidade da política boliviana, que afeta grandemente sua Condicionante Social do

Contexto Institucional-Social, leva o país, diante de poucos anos de estabilidade, a retomar as

Relações Internacionais do século XIX ao se relacionar com o Brasil, sendo carregadas pela dívida

histórica brasileira.

Durante o governo Dilma, no entanto, se nota um grande incremento das relações com a

Bolívia, com o aumento das exportações para o Brasil de gás natural, que chgam a 60% da

exploração boliviana (ZIBECHI, apud. BENZI et. al., 2013, p. 32). Os projetos de cooperação para

infraestrutura aumentaram; a criação da Iniciativa para a Integração Infraestrutura Regional Sul-

Americana (IIRSA) facilitou tais obras. Os bolivianos, no entanto, veem tais iniciativas como uma

plataforma para a projeção brasileira no pacífico (BENZI, 2013 p. 34), com o custo de retirar

indígenas bolivianos de suas terras (ibidem). O Brasil também apoiou o governo Morales quando

houve uma sublevação da chamada meia-lua boliviana, em 2009, contra o governo. Os separatistas

da Nación Camba foram chamados para mediação facilitada pelo governo brasileiro junto à Unasul

(CANELAS, p. 253). Em 2014, em um jantar em honra ao ex-presidente Lula, Morales declarou:

Además de eso, compromisos que tenemos de integración, de carácter

cultural, social, comercial… (INAUDIBLE)… el principio que nos une es el

mejor de los valores… (INAUDIBLE)… del sector obrero, dentro del sector

originario indígena campesino son hechos históricos que hemos vivido y

esperamos continuar con nuestras buenas relaciones. Las conversaciones

que tenemos a veces telefónicamente, a veces también reuniones privadas

pensando en América Latina y el Caribe. (...)Hermano Lula nuevamente

agradecer tu visita, tu participación, como has debido escuchar de nuestro movimiento social… (INAUDIBLE) …seguir siendo nuestro líder latinoamericano en el mundo.

(MORALES, 2014).

É clara uma mudança na Condicionante Social de Identidades Coletivas, conjuntamente com

a mudança no Contexto Institucional-Social, que é a reformulação da política interna da Bolivia e a

participação do país em vários órgãos multilaterais ao lado do Brasil. No entanto, o ponto sensível

do discurso é o reconhecimento de Morales de Lula como um líder regional, mostrando que a

Bolívia reconhece a importância brasileira para a região.

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Considerações Finais

A hipótese deste ensaio, de que mesmo que existam choques entre o princípio de

autodeterminação e de integração sul-americana, podem ser comprovados através da evolução

brasileira e da evolução da absorção dessas demandas pelos países pesquisados. Ainda que a

flutuação do Brasil entre a unidade sul-americana e a autonomia brasileira enfrentem choques e

deixem os demais países ressabiados de suas reais intensões, é notável que os países reconhecem os

esforços brasileiros e buscam cooperar para a estabilidade regional, que é interessante a todos, junto

do Brasil.

As premissas iniciais do presente trabalho foram refutadas quando enfrentadas com os

discursos dos países vizinhos. Nota-se uma reticência muito maior da Argentina em firmar acordos

com o Brasil, e também a sua insatisfação com o ritmo da integração regional, enquanto a Bolívia,

apesar da crise dos hidrocarbonetos de 2005, está muito aberta à cooperação bilateral com o Brasil.

Tais observações, no entanto, não refutam a hipótese apresentada. A sulamericanização dos três

países analisados está se aprofundando a cada ano, chegando perto da ideia de estabilidade regional

buscada pelo Brasil. Apesar dos vários fatores que devem ser levados em conta para compreender o

conceito de sulamericanização e como ocorre a autonomia em cada país, há um entendimento

comum que a região deve ser valorizada e, mesmo que todos os Estados queiram manter boas

relações com os países centrais, a dependência exclusiva dessa fonte de cooperação não criou

resultados positivos para a região Sul-americana.

Tal mudança nas visões estratégicas dos países poderosos passam pela maior aceitação dos

líderes regionais, e o Brasil tem se aproximado e tomado medidas para não ser visto como uma

hegemonia regional. Assim, o Brasil se mantém vigilante de suas ações na região quanto às

questões de autonomia nacional, e consegue se sulamericanizar com uma facilidade cada vez maior,

quando comparado às suas tentativas passadas.

Existe, então, uma nova visão do outro em todo o continente. O outro está cada vez menos

dentro da América do Sul. A visão contemporânea de outro na região é de Estados extrarregionais

que atuaram na América do Sul, que levaram a uma instabilidade cada vez maior durante o século

XX.

Referências bibliográficas

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

ALSINA, João Paulo Soares. A síntese imperfeita: a articulação entre política externa e política de

defesa na era Cardoso. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, vol. 46, nº 2, 2003.

AMORIM, Celso. Entre o desequilíbrio unipolar e a multipolaridade: o Conselho de

Segurança da ONU no Pós-Guerra Fria. São Paulo, Instituto de estudos avançados, Dezembro de

2012. Disponíevel em: <

http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/amorimdesequil_briounipolar.pdf>. Acesso em 02 de

Agosto de 2015.

BARNETT, Michael. Identity and aliances in the Middle East. In: KATZENSTEIN, Peter. The

culture of national security. Nova Iorque: Columbia University press, 1996.

BENZI, Daniele. MOGROVEJO, Tomás. MALFA, Ximena. La cooperación brasileña y venezolana

en Bolívia y Ecuador em el marco del Nuevo Regionalismo Sudamericano: um analisis

comparativo. Pelotas: Revista Sul-americana de ciência polítiva, v1, nº 3, p. 22-42. Disponível em <

http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/rsulacp/article/viewFile/3320/2755>. Acesso em 10 de

Agosto de 2015.

BERGUER, Thomas. Norms, Identity and National Security in Germany and Japan. The culture of

national security. Nova Iorque: Columbia University press, 1996.

CAMPOS, Flavio. DOLHNIKOFF, Mirian. Manual do candidato: História do Brasil. Brasília,

FUNAG, 2003.

CANDEAS, Alessandro. A integração Brasil-Artgentina. História de uma ideia na “visão do

outro”. Brasília, Fundação Alexandre de Gusmão, 2010.

CANELAS, Manuel. ESCANÉZ, Francisco. La nueva política exterior boliviana (2005-2010): más

autonomia y nuevos desafios. In: ERREJÓN, Í. ¡Ahora es cuándo, carajo!, del asalto a la

transformación del Estado en Bolivia (pp. 239-266). Barcelona, España: El Viejo Topo.

CARDOSO, Fernando Henrique. Palestra ara os concludentes dos cursos de Altos Estudos

Militares. Rio de Janeiro, 29 de Novembro de 2001. Disponível em:<

http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/fernando-henrique-cardoso/discursos-1/2o-

mandato/2001-2-semestre/72.1.pdf/view> .Acesso em 02 de Agosto de 2015.

CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso. Revista

Brasileira de política internacional, vol. 45, nº 1, 2002. Disponível em: <

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292002000100001&script=sci_arttext>. Acesso em

24 de Julho de 2015.

CHRISTENSEN, Steen Fryba. La política energética de Bolivia y las Relaciones entre Bolivia y

Brasil. Aalborg, sociedad y discurso, nº 10, 2006. Disponível em: <

http://amalthea.aub.aau.dk/index.php/sd/article/download/811/636>. Acesso em 10 de Agosto de

2015.

CORETES, Maria Julieta. CREUS, Nicolás. Entre la necesidad y la desilusión: los dilemas de la

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

política exterior argentina acia Brasil. In: CERIR, Rosário. La política exterior de Cristina

Fernandez. Buenos Aires: UNR Editora, 2010.

CUETO, Alberto Zalles. Los imperativos de una nueva época. La Paz, Nueva Sociedad, vol., 207,

ed. Enero – Febrero, 2007. Disponível em: < http://nuso.org/articulo/los-imperativos-de-una-nueva-

epoca/>. Acesso em 10 de Agosto de 2015.

DORATIOTO, Francisco. VIDIGAL, Carlos. História das Relações Internacionais do Brasil.

São Paulo: Saraiva, 2014.

FERNANDEZ, Cristina. Palabras de la presidenta em almuerzo em honor al presidente

brasileño. Buenos Aires, 23 de Abril de 2009. Disponível em:

<http://www.casarosada.gob.ar/informacion/discursos/20885-blank-42931964>. Acesso em 15 de

Agosto de 2015.

FERNANDEZ, Cristina. Palabras de la presidenta de la nación em apertura de la XX Cumpre

Iberoamericana, Mar del Plata. Mar Del Plata, 03 de Dezembro de 2010. Disponível em:

<http://www.casarosada.gob.ar/informacion/discursos/22879-blank-54606621>. Acesso em 17 de

Agosto de 2015.

FERNANDEZ, Cristina. Acto de recepción de los integrantes del Consejo de Seguridad de

UNASUR: palavras de la presidenta de la nación. Buenos Aires, 27 de Maio de 2011. Disponível

em: <http://www.casarosada.gob.ar/informacion/discursos/25103-acto-de-recepcion-de-los-

integrantes-del-consejo-de-seguridad-de-unasur-palabras-de-la-presidenta-de-la-nacion>. Acesso

em 17 de Agosto de 2015.

FERNANDEZ, Cristina. Cena em honor de la presidenta de la República de Brasil, Dilma

Rousseff: palavras de la presidenta de la nación. Buenos Aires, 25 de Abril de 2013. Disponível

em: <http://www.casarosada.gob.ar/informacion/discursos/26451-cena-en-honor-de-la-presidenta-

de-la-republica-de-brasil-dilma-rousseff-palabras-de-la-presidenta-de-la-nacion>. Acesso em 17 de

Agosto de 2015.

FUCCILLE, Luís Alexandre. Democracia e questão militar: a criação do Ministério da Defesa

no Brasil. Campinas, Unicamp, Institutto de filosofia e ciências humanas, 2006.

KATZENSTEIN, Peter. Introduction: alternative perspectives on National Security. In:

KATZENSTEIN, Peter. The culture of national security. Nova Iorque: Columbia University

press, 1996.

LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira. São Paulo:

Perspectiva, 2007.

MARES, David. The violent Peace. Nova Iorque: Columbia University Press, 2001.

MELLO. Fernando Collor de. XX assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos –

OEA. Washington: biblioteca da Presidência da República, 4 de Julho de 1990. Disponível em:

<http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/fernando-collor/discursos-

1/1990/42.pdf/at_download/file> . Acesso em 25 de Julho de 2015.

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

MEZA, Raúl Bernal. Argentina y Brasil em la Política Internacional: regionalismo y Mercosur

(estratégias, cooperación y factores de tensión). Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Política

Internacional. Vol. 51, nº 2. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v51n2/v51n2a10.pdf>.

Acesso em 15 de Agosto de 2015.

MORALES, Evo. Almuerzo em honor al ex-presidente de Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Santa Cruz de la Sierra, 22 de Maio de 2014. Disponível em: <

http://www.comunicacion.gob.bo/sites/default/files/media/discursos/II.%20HOTEL%20LOS%20T

AJIBOS%20%E2%80%93%20SANTA%20CRUZ%20-

%20ALMUERZO%20EN%20HONOR%20AL%20EXPRESIDENTE%20DE%20BRASIL%20LU

IZ%20IN%C3%81CIO%20LULA%20DA%20SILVA.pdf >. Acesso em 10 de Agosto de 2015.

SARNEY, José. Assinatura de acordo entre Brasil e Argentina. Brasília: biblioteca da

Presidência da República, 07 de Abril de 1988. Disponível em

http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/jose-

sarney/discursos/1988/27.pdf/at_download/file. Acesso em 25 de Julho de 2015.

SENHORAS, Elói Martins. Policymaking brasileiro em Segurança e Defesa. São Carlos:

ENABED, 2007.

SENNES, Ricardo. ONUKI, Janaina. OLIVEIRA, Jorge Amâncio. La política exterior brasileña y

La seguridad hemisférica. Santiago: FLACSO, revistas fuerzas armadas y sociedad, ano 18, nº 3-

4, 2003.

SILVA, Luis Inácio. Discurso do presidente da República na cerimônia de formatura dos novos

diplomatas. Brasília, 20 de Abril de 2004. Disponível em: <

http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/discursos/1o-

mandato/2004/1o-semestre/20-04-2004-discurso-do-presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-

silva-na-cerimonia-de-formatura-dos-novos-diplomatas/view>. Acesso em 02 de Agosto de 2015.

SILVA, Luiz Inácio Lula da. Discurso na cerimônia alusiva à primeira solda do gasoduto Urucu

– Manaus. Coari, 01 de Junho de 2006(b). Disponibilizado pela Biblioteca da Presidência da

República.

SILVA, Luiz Inácio Lula da. Discurso na reunião regional americana da Organização

Internacional do Trabalho. Brasília, 3 de Maio de 2006(a). Disponibilizado pela Biblioteca da

Presidência da República.

SILVA, Luiz Inácio. Intervenção do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a reunião

extraordinária do Conselho de Chefes de Estado e de Governo da União de Nações Sul-

americanas. Bariloche, 28 de Agosto de 2009. Disponibilizado pela Biblioteca da Presidência da

República.

SOUSA, Sarah John. Brasil y Bolivia: “conflito” sobre hidrocarburos. Madri: Fundación para

Relaciones Internacionales y el diálogo exterior, Boletim de Novembro de 2006. Disponível em:

< http://www.almendron.com/politica/pdf/2006/8870.pdf>. Acesso em 10 de Agosto de 2015.

I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

THENON, Eduardo. Bolívia, el heartland sudamericano y la union continental. Buenos Aires,

Centro de Entudios Internacionales para el Desarrollo, boletín nº 14, ed. Julio-Agosto-Septiembre,

2008. Disponível em <

http://www.ceid.edu.ar/biblioteca/2008/eduardo_thenon_bolivia_el_heartland_sudamericano_y_la_

union_continental.pdf>. Acesso em 10 de Agosto de 2015.

VADELL, Javier Alberto. A política internacional, a conjuntura econômica e a Argentina de Néstor

Kirchner. Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Política Internaconal, vol. 49, n° 1, 2006, pp. 194

– 214. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v49n1/a11v49n1.pdf>. Acesso em 10 de

Agosto de 2015.

VIGEVANI, Tullo. CEPALUNI, Gabriel. A política Externa de Lula da Silva: a estratégia da

autonomia pela diversificação. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, vol. 29, nº 2, 2007.

WENDT, Alexander. Constructing International Politics. International Security. V. 20, n. 1, pp.

71 - 81 1995. Disponível em

http://faculty.maxwell.syr.edu/hpschmitz/PSC124/PSC124Readings/WendtConstructivism.pdf>.

Acesso em 25 de Julho de 2015.