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A HEGEMONIA CIENTÍFICA NORTE-AMERICANA E A ORGANIZAÇÃO DE SEU ENSINO SUPERIOR: A LEGITIMAÇÃO DE UM MODELO PARA A REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1968?
Silvana Aparecida Bretãs – Universidade Federal de Sergipe [email protected]
O intento do presente estudo é analisar a organização da política científica norte-
americana e de sua estrutura institucional de educação superior para, assim, procurar
verificar a força de seu ethos científico nos contornos da Reforma do Ensino Superior
brasileiro de 1968 bem como, o modo pelo qual se expandiu e se diversificou a estrutura
institucional deste nível de ensino no Brasil. Trata-se, portanto, de uma análise teórica
sobre a política educacional, sob a orientação da hegemonia científica dos EUA
Neste sentido, procura avançar além do debate de caráter político e econômico que
sempre justificou a diversidade desse setor social, e jogar luz sobre o projeto científico
presente no debate nacional e também na reforma universitária que, ao ser implantada,
estruturou a citada diversificação de organização institucional.
São fenômenos de difícil explicação, dada a complexidade da relação entre ciência e
sociedade, bem como a implicação dessa relação com a organização do conhecimento em
instituições universitárias, não universitárias, associações científicas e laboratórios de
pesquisas, sejam eles públicos ou privados.
O primeiro boom expansionista desenvolveu-se concomitantemente à explosão
educacional em toda a América Latina, em todos os níveis de ensino e do reinvestimento da
ciência e tecnologia como alavancas do desenvolvimento das forças produtivas e
econômicas. Nos estudos de Gentilini (2001, p.23), tratou-se de um imenso esforço das
políticas públicas das décadas de 1950,1960 e 1970, adotadas para os países da América
Latina, cuja idéia fundamental era que a educação representava investimento considerado
no conjunto dos projetos de modernização da economia conduzidos pelos Estados latino-
americanos.
Com isso, o Ensino Superior e as instituições congêneres são alvos de novos
projetos políticos educacionais. Para Pastore (1971, p.6), trata-se também de um período de
grande profusão das teorias econômicas com tendência a demonstrar que a educação exerce
forte impacto no crescimento e no desenvolvimento de uma sociedade. No entanto, o autor
enfatiza que os efeitos positivos preconizados em tais teorias resultaram em
disfuncionalidades no sistema social porque não foram cotejados de investimentos
qualitativos em sua expansão.
Para a construção argumentativa de nossa análise, estes estudos nos indicam duas
questões que nos importam: 1) O primeiro boom expansionista ocorreu nas décadas de
1960 e de 1970, o que nos ajuda a uma delimitação histórica do processo de modernização
da sociedade brasileira e, especialmente, do sistema de Ensino Superior. Assim, podemos
também precisar melhor o modelo econômico e social no qual a política brasileira se
espelhava para avançar na racionalização e modernização de suas instituições econômicas,
sociais e culturais. 2) É minimamente sintomático verificar que, no momento de maior
profusão das teorias econômicas que sustentavam a tese de direta correspondência entre
investimento educacional e desenvolvimento econômico e social, maior foi o descompasso
entre esses dois fatores, apesar de toda orientação e modelos de implantação de políticas
sociais visando à concomitância entre investimento educacional e retorno econômico e
social. A questão é saber se o desenvolvimento deve ter seu ponto de partida no mundo do
trabalho ou se pode ocorrer a partir de fora, através de construções cautelosas e maciças de
uma estrutura jurídica e formal que guia os desenvolvimentos necessários da sociedade em
questão (GRAMSCI, 2000b, p.242).
Quanto ao primeiro apontamento, podemos entender que a expansão da oferta de
ensino ocorria em um momento de transformações de concepção científica e de
organização do conhecimento nas instituições de pesquisa e ensino em todos os países mais
avançados. Assim, ao estudarmos autores especialistas no assunto (ARAPIRACA, 1982;
CUNHA, 1986; FÁVERO, 1991; GOERGEN, 1998; PASTORE, 1971; NORONHA, 1998;
SCHWARTZMAN, 1999; SGUISSARDI & SILVA Jr, 2001; TEIXEIRA, 1976;
VAIDERGORN, 1995, etc.), também podemos observar que, enquanto a universidade
européia incorporava a pesquisa científica unificada por um saber geral, no Brasil, “as
tentativas de ruptura com um modelo de ensino chamado humanístico em direção a um
modelo moderno, científico e profissionalizante não conseguem ultrapassar a perspectiva
estreita e utilitária de ciências e ensino” (NORONHA, 1998, p.47).
Esse fenômeno é contraditório porque vem no contexto de um movimento mais
amplo que tem levado o País a se desvencilhar dos laços que se vinculam à tradição
européia e a modelar-se mais e mais ao modo norte-americano. Inserida no contexto social
mais amplo, tal mudança no Ensino Superior, ao ser aplicada no Brasil, é acompanhada por
um descompasso político, ideológico e social que influencia diretamente na estruturação
das universidades e na educação superior (SCHWARTZMAN, 2000, p.18).
Esse processo se constitui num denso tema que ainda desafia a pesquisa
educacional. Sérias contribuições intelectuais têm apontado para reflexões importantes para
o desvelamento do complexo tabuleiro desse período. Para os nossos propósitos, acatamos
as teses de intelectuais brasileiros a despeito da Reforma Universitária de 1968 (as de
Marilena Chauí, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero e Luís Antonio Cunha), cujo
princípio fundamental é demonstrar como a racionalização científica do tipo empresarial
operou as transformações da universidade em nome de sua modernização e racionalização.
Na tentativa de manter nossa análise um pouco mais livre de imprecisões, dois
aspectos são importantes ressaltar: 1) quando citamos o movimento de desvinculação
cultural do Brasil em relação aos países europeus para os EUA, não estamos entendendo
que esse processo se deu de forma imediata, absoluta e sem resistência. Ao contrário, um
processo dessa ordem requer tempo para sua consolidação e gerações de estudiosos para
revelar todas as suas facetas; portanto, apenas estamos delimitando suas possíveis origens e
destacando características históricas do ponto de vista da organização do Ensino Superior
que possam contribuir com a presente análise. 2) A Reforma Universitária de 1968 não é
em si a expressão exclusiva da influência norte-americana sobre o sistema de ensino
universitário, mas não resta dúvida de que, no mínimo, simbolicamente, foi o coroamento
de todo o processo que se iniciou quando a elite nacional se vinculou ao capital estrangeiro.
Assim, podemos pensar sobre um dos aspectos da modernização do Ensino Superior
que redimensiona a relação entre universidade e cultura. Para Chauí (1980, p.44), há duas
maneiras de instrumentalizar a cultura: a primeira, através de uma supervalorização de
ações, modo de vestir, objetos de consumo que padronizam os sentimentos e desejos dos
indivíduos, sem os quais ele é excluído socialmente. A segunda é confundir conhecimento e
pensamento. Conhecer é assimilar um conjunto de informações e de idéias já estabelecidas,
enquanto pensar é a ação de enfrentar pela reflexão novos questionamentos cujo sentido
ainda não está dado em parte alguma, mas precisa ser produzido pelo trabalho reflexivo.
Para a autora, a modernização da universidade instrumentalizou a cultura na medida em que
“reduziu toda esfera do saber à do conhecimento, ignorando o trabalho do pensamento.
Limitando seu campo ao saber instituído, nada mais fácil do que dividí-lo, distribuí-lo e
qualificá-lo. Em uma palavra: administrá-lo”.
Na análise de Fávero (1991, p.25), o golpe militar representou um amplo processo
de reformulação estrutural do Estado, com o objetivo de acelerar o desenvolvimento
econômico do País através da industrialização e do estímulo ao setor privado nacional e
estrangeiro. As Forças Armadas redefiniram seu papel, no qual o princípio da defesa
nacional foi substituído pelo de segurança nacional, o que caracteriza uma ação mais
abrangente da defesa das instituições internas com um forte caráter psicossocial e da
preservação do desenvolvimento e estabilidade política interna. É neste contexto que se
reproduziram os Relatórios Atcon e Meira Mattos com profundo significado ideológico no
campo educacional.
Continua, Fávero, demonstrando que a concepção de conhecimento nos relatórios se
definia a partir da idéia de que há um saber universal, neutro, absoluto e verdadeiro – a
ciência –, e o poder é daqueles que mais detêm o conhecimento. Sob este conceito,
desencadeou todo o processo de reorganização da reforma universitária, segundo a qual a
universidade deveria ser baseada no modelo empresarial, cujas finalidades deveriam ser as
de rendimento e eficácia (op.cit., p.27).
O que a autora revela, de maneira mais inovadora, é que a orientação administrativa
dividia o sistema de ensino segundo os princípios taylorista e fordista da gerência científica
aplicada ao mundo do trabalho. Entenda-se: aplicada ao mundo do trabalho, mas altamente
inspirada pelo racionalismo científico porque traduz a aplicação da ciência à organização
do trabalho. Não se trata apenas de associação da ciência à técnica industrial, como
demonstramos no capítulo anterior, mas é, além disso, a matemática científica, a métrica, a
lógica, a verificação sistemática, a comprovação através de provas rigorosamente testadas
que invadem a organização do trabalho da fábrica. E do mundo da fábrica para o mundo da
ciência que, agora, parece mais submetida à esfera da infra-estrutura, porque se
instrumentalizou tão extraordinariamente e porque se fragmentou na relação entre
conhecimento e pensamento, operando transformações internas no campo universitário.
Assim, a relação das teorias econômicas com desenvolvimento educacional explica-
se em termos de quantificação dos dados educacionais eivadas de posições ideológicas
pouco explicitadas, que reduzem a prática educacional a um fator de produção1. O Ensino
Superior, nesta perspectiva, é atrativo como investimento de capital humano à medida que
pode formar cientistas para desenvolver pesquisas aplicadas ao mercado global e de
interesse do capital industrial e estatal.
No entanto, no que diz respeito ao modelo de racionalização científica e à
organização institucional norte-americanas, que serviram de base para a Reforma
Universitária de 1968, Cunha (1988, p.22) ainda afirma que, embora tenham sido
implementadas por essa política, as proposições deste modelo já vinham sendo gestadas
desde a década de 1940. Sua tese pode ser assim resumida:
A concepção de universidade calcada nos modelos norte-americanos não foi imposta pelo USAID com a convivência da burocracia da ditadura, mas, antes de tudo, foi buscada, desde o fim da década de 40, por administradores educacionais, professores e estudantes, principalmente aqueles, como um imperativo da modernização e, até mesmo da democratização do Ensino Superior em nosso País. Quando os assessores norte-americanos aqui desembarcaram, encontraram um terreno arado e adubado para semear suas idéias.
Uma breve síntese se faz necessária a partir das teses apresentadas: Chauí nos fala
de uma reforma universitária que instrumentaliza o conhecimento bem ao modo da teoria
tradicional, acrescentada aos rigores metodológicos da cientificidade aplicada ao mundo do
trabalho (tal como expôs Albuquerque Fávero), e Cunha confirma a antecipação e a
preparação do terreno a este projeto antes mesmo de ser implantado. Portanto, podemos
pensar que o processo de modernização da universidade e de Ensino Superior brasileiro
implicou mudanças organizacionais não só em sua estrutura administrativa, como também
no próprio modo de exercer seu papel social de produzir e difundir os conhecimentos
científicos e culturais.
Por outro lado, tais mudanças não ocorreriam de dentro da universidade para a
sociedade em geral, pois o processo de acumulação capitalista brasileiro já se delineava nos
padrões de acumulação monopolistas nacionais e internacionais assentados no País a partir
1 Para uma análise mais detida das diferentes mediações entre práticas educativas e modo capitalista de produção, remeto aos estudos de FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdutiva – São Paulo: Cortez, 1985.
da década de 1950 (OLIVEIRA, 1989, p.79). Este “preparo de terreno”, como sugere
Cunha, refere-se não só aos pensadores que pretendiam transformar a universidade, mas
também ao movimento de implantação de um pólo industrial com forte aporte tecnológico
aliado ao capital internacional2, o que transforma, sobremaneira, as instituições sociais que
podem oferecer recursos humanos, trabalho aplicado e base tecnológica para o
desenvolvimento pretendido.
Desse modo, é interessante observar a força do ethos científico norte-americano no
qual se filiou a reforma do Ensino Superior brasileiro, bem como o modo pelo qual se
assentou no tempo e no espaço deste mesmo nível de ensino no contexto sócio-econômico
brasileiro. Considerando o “terreno” aqui cultivado com suas configurações próprias que
possibilitaram ora absorver o ethos, ora resistir a ele. E, por fim, há que compreender como
se acomodaram tais transformações.
A concepção de ciência e de mundo norte-americano
No ensaio “Ciência como vocação” de Max Weber (1993, p.20), há um trecho
substancial do que podemos entender pelo domínio do processo de racionalização e
intelectualização liderado pela sociedade norte-americana que muito dimensiona essa nova
concepção de ciência e de mundo. Pela agudeza da análise, vale atentar para suas palavras:
Tal como se dá com outros setores de nossa vida, a universidade alemã se americaniza, sob importantes aspectos. Estou convencido de que essa evolução chegará mesmo a atingir as disciplinas em que o trabalhador é proprietário pessoal de seus meios de trabalho (essencialmente, de sua biblioteca). No momento, o trabalhador de minha especialidade continua a ser, em larga medida, seu próprio patrão, à semelhança do artesão de outrora, no quadro de seu mister próprio. A evolução se processa, contudo, a grandes passos.
Weber está identificando um novo “espírito” que se apossa da antiga atmosfera
histórica que unificou o ensino e a pesquisa das universidades alemãs e que tendem a
2 Sobre os processos de acumulação capitalista da sociedade brasileira no período de 1950 a 1960, remeto o leitor aos textos de OLIVEIRA, F. A economia da dependência imperfeita. RJ: Graal, 1989 e SINGER, P.Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento. s/d.
transformá-las em empresas do “capitalismo estatal” (op.cit., p 19). A universidade que
serviu de modelo para o mundo no final do século XIX e início do século XX é, agora,
transformada gradativamente na condução e na realização da prática científica. O discurso
transformou-se do saber geral e unificado para o saber especializado por área de
conhecimento, e o cientista se sobrepôs ao professor universitário com uma qualificação
compatível com as exigências do mercado. Desaparece, também, a livre escolha de
pesquisar o que se quer ou o que é relevante; em seu lugar, surge a figura do “projeto de
pesquisa” submetido à burocracia estatal, do centro de pesquisa e dos órgãos de fomento. A
divulgação científica através de livros e revistas, além de estímulo, se definiu como sinal de
magnificação do cientista e de sua universidade. Aliados a estes aspectos, juntaram-se aos
institutos de pesquisa e às universidades os setores produtivos responsáveis pela produção
do conhecimento, o que redimensionou a imediata aplicação dos descobrimentos científicos
ao mundo da produção. Não é difícil entender por que a ciência se aproximou do mundo da
política e, por ele, também passou a ser determinada.
Essas são algumas novas características que definem uma profunda mudança do
caráter da ciência e sua relação com a sociedade, bem como a organização e a
institucionalização do conhecimento. Nos últimos cinqüenta anos do século passado, os
vultosos investimentos científicos foram de iniciativa governamental e maciçamente
voltados para o armamento bélico e para as investigações militares. É o período da pós-
Segunda Guerra Mundial, marcado pela luta entre o mundo capitalista e o socialista e sob a
nervosa tensão da guerra-fria, iniciada pelo lançamento do Sputinik, disputada pela ameaça
de lançamento de mísseis e, posteriormente, pela à crise do petróleo.
A ascensão dos EUA e da ex-União Soviética à liderança do desenvolvimento
científico e tecnológico foi possível pela existência dos capitais estatal e privado
disponíveis aos seus investimentos e relacionados à distribuição do poder político e
econômico que desenhavam as duas potências em relação ao mundo. Esse desenvolvimento
está estreitamente vinculado ao capitalismo norte-americano.
As conseqüências que daí decorrem, são bastante sérias: primeiro porque a ciência
tem caído no setor capitalista do mundo, sob o controle de pequenas firmas monopolistas,
e, segundo, porque, “nos EUA, as universidades já estão em suas mãos; seus representantes
fazem parte de organismos governamentais, de onde conseguem os fundos e concedem as
subvenções estatais” (op.cit. p 432). Estes resultados trazem uma importante implicação das
descobertas científicas que guardam altos segredos cujo controle escapa cada vez mais das
mãos de cientistas competentes e independentes.
A pesquisa, a divulgação dos seus resultados e dos fins de seus investimentos não
têm lugar no debate público, pois se transformaram em verdadeira arma de competição do
capitalismo e cindiram, deste modo, o próprio mundo da ciência: de um lado, pesquisas
envolvendo elevados interesses comerciais que circulam em meios restritos e, de outro,
pesquisas “democratizadas” que devem ser divulgadas com sentido “didático” para a
formação de novos pesquisadores. Do ponto de vista da historiografia da ciência, surge uma
questão teórica de difícil formulação, pois a ciência sempre se caracterizou por uma
atividade social menos suscetível às forças econômicas, religiosas, política e ideológicas,
tal como já discutimos no capítulo anterior. Sabemos que a lógica interna da ciência tem
capacidade de conduzir seu próprio desenvolvimento, mas, paradoxalmente, quanto mais
incrementou e intelectualizou as forças produtivas capitalista, mais submeteu a sua
autonomia às necessidades do sistema industrial.
A organização científica que os EUA projetam ao mundo, não está limitada ao seu
próprio desenvolvimento interno, como nunca esteve, é certo. Mas, agora, a relação de seu
desenvolvimento com as condições de produção material do capitalismo industrial e estatal
encontra-se em uma fase de maior estreitamento não observado em outros períodos de
avanços científicos.
Na análise de Gramsci (2001, p.208) sobre americanismo e fordismo, encontramos
uma importante formulação sobre a etapa da história industrial que, por ora, nos ajuda
também a construir um referencial analítico para a história da ciência na hegemonia norte-
americana. Os conceitos de americanismo e fordismo foram utilizados pelo autor italiano
para mostrar a necessidade imanente desta sociedade em chegar a uma organização de
economia programática3 e que, em sua forma mais completa, está livre das camadas
fossilizadas das classes parasitárias própria da “tradição” européia. Esta é a razão principal
que permitiu uma base sadia para a indústria e para o comércio, e conseguiu concentrar
toda a vida do País na produção industrial.
3 Com a expressão “economia programática”, Gramsci (2001, p.367) se refere ao planejamento socialista. Para ele, tanto o americanismo quanto o fascismo acolhem elementos da programação econômica na tentativa de conservar o capitalismo.
A inexistência das classes sedimentadas da nobreza européia é a condição histórica
para mais facilmente racionalizar a produção e o trabalho. Não é sem razão que, depois da
instalação da Ford Motor Company, em 1903, o fordismo assinala uma etapa fundamental
na organização do processo produtivo industrial no capitalismo. Para Gramsci (2001,
p.248), trata-se de um “fenômeno das ‘massas’ cuja explicação [...] não é mais do que a
forma desse tipo de sociedade ‘racionalizada’, [que] domina mais imediatamente a
superestrutura e estas são ‘racionalizadas’ (simplificadas e reduzidas em número)”.
A aplicação e a utilização da ciência na sociedade norte-americana racionalizada, tal
como definida por Gramsci, nos permitem aferir que seu estado cognitivo reconhece a
importância da ciência em sua estreita vinculação às necessidades das empresas capitalistas
incorporada à base industrial. E, por outro lado, a ciência e os cientistas são detentores de
um estatuto epistemológico científico, marcado fortemente pelo pragmatismo sóbrio e
severo dos pioneiros protestantes4.
Diferentemente do que ocorreu com a ascensão alemã na liderança do
desenvolvimento científico no final do século XIX, que bebeu nas fontes filosóficas do
criticismo kantiano5, e demonstrou autonomia e independência em relação à sua infra-
estrutura, os Estados Unidos vincularam a prática científica ao complexo industrial militar
e, com isto, reorganizaram toda a sua estrutura político-institucional de Ensino Superior, na
qual a característica do líder pesquisador se destaca não somente pela sua capacidade
intrínseca como cientista, mas também pela sua “capacidade de se impor como
coordenador, de motivar, de coligar com seus pares, de planificar, de gerir o projeto e,
sobretudo, de convencer os virtuais agentes financiadores da relevância do tema de
investigação que propõe” (BAIARDI, 2000, p.191).
Se a universidade alemã unificou ensino e pesquisa porque pretendia uma reflexão
4 O termo pragmatismo foi introduzido na filosofia em 1898, por um relatório de W. James a California Union, em que ele se referia à doutrina exposta por Peirce (1878), onde declarava ter inventado o nome de pragmatismo para a teoria segundo a qual “uma concepção, ou seja, o significado racional de uma palavra ou de outra expressão, consiste exclusivamente em seu alcance concebível sobre a conduta da vida”. Não é sem razão que, praticamente 20 anos mais tarde, Dewey, adepto da doutrina, utiliza o termo instrumentalismo para “conceber o conhecimento e a prática como meios para tornar seguros, na experiência, os bens que são coisa excelentes de qualquer espécie” (ABBAGNANO,2000, p.224). 5 Suas principais teses são: 1) a formulação crítica do problema filosófico; 2) a determinação da tarefa da filosofia como reflexão sobre a ciência e, em geral, sobre as atividades humanas e 3) a distinção fundamental no domínio do conhecimento, entre os problemas relativos à origem e ao desenvolvimento no conhecimento do homem e o problema da validade do próprio conhecimento (ABBAGNANO, 2000, p.224).
filosófica sobre a ciência, a universidade norte-americana se desobrigou desta reflexão
filosófica e instituiu a separação entre ensino e pesquisa, pois seus resultados, agora, já não
podem nem mesmo ser divulgados pelos meios de ensino, uma vez que seus interesses
estão determinados pelos lucros econômicos e políticos da luta intercapitalista.
Mas, ainda assim, não podemos afirmar que a infra-estrutura da produção industrial
tenha determinado o desenvolvimento científico. Voltemos ao nosso eixo de análise
descrito no capítulo anterior e, segundo o qual, para historicizar a constante empreitada de
racionalização e intelectualização do processo civilizatório, se requer que a ciência seja
compreendida, expondo sinteticamente os problemas nascidos no processo de
desenvolvimento da cultura geral. Esta, só parcialmente, se reflete na história da ciência, a
qual, todavia, é fonte máxima para criticar aquele processo, demonstrar seu valor real ou o
significado que tiveram como elos superados de uma cadeia. Assim procedendo, fixa os
problemas novos e atuais ou a colocação atual de velhos problemas (GRAMSCI, 2000,
p.101).
O incremento científico-tecnológico, substancialmente fundamentado pelo
racionalismo cientificista e vigorosamente patrocinado pelo capital monopolista, segundo
seus interesses, é a fase mais recente de um longo processo que começou com a própria
instrumentalização da ciência, uma fase que é apenas mais intensa do que as anteriores e se
manifesta sob formas mais diversificadas e fragmentárias na organização e na
institucionalização do conhecimento científico, ou seja, especificamente, do Ensino
Superior.
Entre os países mais industrializados, foram os EUA que criaram o sistema mais
complexo para aplicar política de ciência e tecnologia.
Trata-se de dezenas de organizações, algumas atuando em paralelo, na esfera do poder executivo e legislativo, com funções de assessoria, conselho, agência de fomento e execução. Todas elas interagem com a universidades e centros de pesquisa que não fazem parte da rede pública, o que, dentro do espírito do pluralismo e concorrência, amplia consideravelmente a capacidade do Estado de interferir nos rumos do desenvolvimento científico e tecnológico (BAIARDI, 1996, p.183).
A partir da década de 1950, a organização da pesquisa passa a impor uma estrutura
piramidal muito complexa, e as decisões coletivas que envolvem a comunidade científica
local, não são mais uma escolha individual. Inaugura-se, nesta mesma fase, outra
característica própria do sistema norte-americana que é a colaboração entre as instituições
públicas e as privadas, dada a indiscutível qualidade destas últimas (Harvard, por exemplo),
mantidas por doações filantrópicas, que estimulam o setor privado a investir em ciência e
tecnologia (op.cit., 186).
Outro fator, absolutamente importante a se destacar no desenvolvimento da ciência
e tecnologia nos EUA, deve-se à massa de imigração de cientistas e intelectuais europeus,
especialmente alemães, que se viram obrigados a deixar seu país e suas universidades por
conta da perseguição nazista e fascista de Hitler e Mussolini, e a se instalarem nos EUA,
contribuindo efetivamente para alavancar o progresso da ciência neste país.
Ao findar a década de 1950, fica consolidada a hegemonia científica norte-
americana. O Ensino Superior é um reflexo do emprego do modelo fordista e da concepção
pragmática de racionalizar e fragmentar ensino e pesquisa, de separar o cientista do
professor, submetendo a organização do conhecimento aos interesses comerciais,
industriais e estatais. A universidade como um incremento da qualificação profissional é,
sem a menor dúvida, aspiração dos jovens norte-americanos devido à possibilidade de
ascensão social e econômica que ela representa.
A organização e a institucionalização da ciência norte-americana
No início do século XX, os EUA eram ainda um país basicamente rural e agrícola
com um setor industrial crescente. Com o decorrer do século, uma série de mudanças
sociais e econômicas passa a mudar o cenário de forma significativa: eletrificação da
agricultura, surgimento das grandes indústrias automobilísticas, siderúrgicas, elétricas e
petrolíferas, migração da população rural para a cidade, migração da população negra do
sul para o norte industrializado, acompanhada pela imigração européia durante e depois da
II Guerra Mundial, e também da forte imigração dos mexicanos e centro-americanos nos
meados da década de 1950. Os Estados Unidos participaram das duas grandes guerras que
não se desenrolaram em seu território e conseguiram se impor enquanto potência mundial
graças ao desenvolvimento de sua indústria bélica.
Acrescenta-se a estes fatos, o impulso para o acelerado desenvolvimento da ciência
e tecnologia norte-americanas devido ao Projeto Manhattan, que teve seu nascimento
determinado por uma carta enviado por Albert Einstein ao presidente dos Estados Unidos,
Franklin Roosevelt, superestimando a capacidade da Alemanha em desenvolver a bomba
atômica, fazendo com que os Estados Unidos tomassem a dianteira dando início à produção
de armas nucleares (BAIARDI, 2000, p.176)
As transformações econômicas e sociais operam de forma fundamental no mercado
de trabalho da sociedade norte-americana, caracterizada por uma estrutura fortemente
piramidal, como é próprio do capitalismo avançado, e disputada por aqueles que possuem
maior grau de escolarização. Desse modo, a importância da educação superior é
supervalorizada no contexto social mesmo que, na realidade, tenha servido como puro
artifício de seleção de moços e moças para o mercado altamente tecnológico e científico. A
relação que Wolff (1993, p.13) faz entre mercado e educação superior norte-americana, é
assim expressada:
[...] o ponto ao qual você chega na pirâmide de renda nos Estados Unidos é determinado quase que inteiramente por quão bem seu emprego lhe paga. E o nível de salário ao qual você pode realisticamente almejar é determinado, mais do que qualquer outra coisa, por quanto você tenha educação. NÃO por quanto você sabe, ou por quão competente você é! Isso é com toda probabilidade um assunto à parte6.
O mercado como elemento determinante da qualificação do trabalhador contribuiu,
sobremaneira, para a criação de um sistema complexo de faculdades e universidades
públicas e privadas que, de modo bem específico, é inaugural na história das instituições de
Ensino Superior. Temos, então, as academias de artes liberais de caráter confessional, em
sua maioria, que lecionam ensino liberal amplo. Na verdade, trata-se de uma adaptação das
universidades inglesas, como as de Cambridge e Oxfort, que são as mais antigas e
tradicionais de todo o sistema. No século XIX, são criadas as academias denominadas bens
de raiz, cuja função era ensinar aos estudantes da classe trabalhadora os aspectos científicos
de sua profissão. As universidades são tributárias do modelo alemão que integra a pesquisa
6 Destaque do autor.
ao ensino, mas com uma visão pragmática de formação profissional. Finalmente, paralelos
a essas instâncias de formação, estão os colégios universitários, academias militares e
institutos técnicos, que são cursos de graduação fragmentados em bacharelados e
licenciaturas, cuja gestão é de caráter privado, e as pesquisas aí desenvolvidas devem
contribuir financeiramente para o patrimônio e manutenção da universidade (BROWN;
MAYHEN, 1967, p.29). Todo este complexo institucional prestigia a pesquisa como
atividade precípua de suas atividades.
Os dois autores citados não podem ser tomados como críticos do Ensino Superior
norte-americano. Seus escritos servem, quando muito, como informação sobre o sistema e,
por isso, nos valemos de uma citação para demonstrar a influência que o modelo europeu, e
mais propriamente o alemão, exerceu sobre as instituições de Ensino Superior:
A idéia de que uma universidade deve concentrar suas energias em pesquisa e no preparo dos alunos para o bacharelado, é uma concepção alemã que foi trazida pelos milhares de americanos que foram à Alemanha em busca de um ensino mais adiantado, durante o século XIX. Os estudantes, ao regressaram, puseram estas idéias em prática na então criada Universidade de John Hopkins, na cidade de Chicago e também na Universidade de Stanford. A crença de que o ensino liberal é valioso para qualquer vocação ou profissão, é uma idéia renascentista, baseada no que era julgado de importante para o preparo intelectual de um cavalheiro. A noção de que uma universidade deve preparar pessoas para as profissões menos elevadas, é uma norma americana que se origina no seu ideal democrata. O papel do Ensino Superior como instrumento7 da política nacional é o resultado da evolução8 científica e do clima do pós-guerra e de constantes crises (op.cit. ,p.15)
Junto à diversificada rede de instituições de Ensino Superior, um novo elemento
singulariza esse sistema de ensino: não se trata apenas de diplomar profissões que eram
meramente técnicas e não existentes nas universidades européias e, especialmente, nas
alemãs; é um elemento de caráter filosófico, científico-tecnológico que se desenvolve num
estágio extensivo e intensivo do capitalismo em proporções mundiais. Ocorre que a
tecnificação das relações sociais, em todos os níveis, se universaliza, e a racionalização
cientificista opera ao modo da racionalização do mercado, das empresas, do aparelho
7 Grifos nossos. 8 Grifos nossos.
estatal, do capital, da administração das coisas, de gente e idéias (IANNI, 2001, p.21). A
universidade se vincula visceralmente ao mundo da produção industrial e pós-industrial e
deixa, cada vez mais, de ser uma instituição social para ser uma instituição de mercado.
O sistema de Ensino Superior norte-americano se multifaceta para compor com o
estado de coisas da modernidade através do discurso eclético e pragmático. Um dos
principais teóricos desse modelo – Dr. Clark Kerr (1963) - assim defende a universidade:
Hoje a universidade norte-americana que seja grande é [...] toda uma série de comunidades e atividades mantidas juntas por um nome comum, um quadro de diretor comum e finalidades relacionadas [...] A multiversidade abre os seus braços a estudantes de praticamente todos os níveis de posse, status social e habilidades inatas9.
O verniz do ideal democrata toma a sociedade como algo pluralista e repleta de
oportunidades para quem queira nela ingressar através do mercado de trabalho e da
almejada qualificação educacional, mas, na verdade, o que muda substancialmente é o
sentido da universidade. Para Wolff (2001, p.56),
A multiversidade, como o nome sugere, não revela nada da unidade de lugar, finalidades e organização política, que caracterizava as antigas universidades. No seu âmago está uma faculdade de graduação e programa de graduação – ou talvez muitas faculdades e programas de graduação. Mas ela se estende em todas as direções, englobando escolas profissionais, institutos de pesquisa, programas de treinamento, hospitais, escolas primárias, fazendas e laboratórios, em várias cidades, estados e até mesmo outros países. A universidade da Califórnia terá provavelmente uma ramificação na Lua antes que o século acabe.
Não há mais argumentos, a não ser históricos, para a compreensão da fragmentação
do caráter universitário que se operou na sociedade norte-americana. A racionalidade
capitalista tomou o rumo do encaminhamento da pesquisa e transformou o ensino em mera
transmissão de técnicas de área de conhecimento escolhidas pelos alunos, transmissão que é
disciplina da aprendizagem:
Acompanhadas desse caráter que tomou o ensino universitário, outras faces 9 Kerr apud Wolff (1993, 55 – 70)
compõem o diversificado campo de instituições universitárias norte-americanas. A
principal delas é que as universidades particulares e públicas não polarizam em termos de
prestígio e estratificação social tal como acontece no caso brasileiro. Elas são definidas
entre públicas e privadas mais por se dividirem entre confessionais e não confessionais.
Ambas sofrem interferência sistemática do caráter pragmático e eclético acima indicado,
comandadas pelas escolhas de pesquisas determinadas por forças da indústria e do
comércio e do forte poder governamental que sanciona e aprova os propósitos a que ela
servirá. A tal ponto que, dificilmente, sobra espaço para a elaboração crítica e avaliação
independente, pois tudo se justifica pelas necessidades criadas pelo desenvolvimento
científico e tecnológico10.
A universidade se constituiu num projeto concebido à luz da produtividade e
rendimento da adequação do mercado de trabalho. Para os propósitos de nossa análise,
gostaríamos de fixar esta idéia porque ela pode nos ajudar, e muito, para compreender a
característica multifacetária do Ensino Superior brasileiro. Pensamos, assim, ter apontado
uma possibilidade de análise para a compreensão desse complexo caleidoscópio do Ensino
Superior brasileiro.
O projeto de modernidade e modernização da ciência e do Ensino
Superior brasileiro
O que hoje se transformou no modelo de cientificidade e de Ensino Superior, não
passa, na verdade, de um prolongamento orgânico e de uma intensificação da
instrumentalidade científica da teoria tradicional, iniciada no continente europeu, que
apenas assumiu uma nova epiderme na sociedade americana. Neste sentido, já estamos
convencidos de que a sociedade brasileira também se “americanizou”, e entendemos que o
fez também de modo bastante especial, com relação à racionalidade do sistema de Ensino
Superior. Parece, então, que chegamos ao momento de recolocar a questão gramsciana, ou
seja, “se [...] pode [os EUA] (e, portanto, deve) ‘acelerar’ o processo de educação dos
10 Mas não nos deixemos levar pelo niilismo total. O mesmo campo diversificado tem possibilitado a emergência de mentes críticas e suficientemente inteligentes para se oporem a um estado de coisas, até porque a sociedade norte-americana construiu uma concepção de cidadania, de conquistas efetivas de direitos, deveres e sentimento de homens e mulheres livres.
povos e dos grupos sociais mais atrasados, universalizando e traduzindo de modo adequado
a sua nova experiência” (GRAMSCI, 1999, p.86). É interessante notar que Gramsci não
responde negativamente a essa questão, mas alerta que não podemos procurar essa resposta
no modo de pensar mecânico e reacionário, tal como “pedagógico-religioso”, ou seja, que
um povo é feito uma criança que se encontra numa fase primitiva da vida e do pensamento,
pressupondo que a religião é boa por si só e deveria, então, oferecer a catequese para o
povo. Para o filósofo da práxis, a necessidade de “acelerar” o processo de educação de
povos e grupos sociais atrasados é tão necessária quanto contingente, uma necessidade
histórica e não absoluta.
É justo que uma sociedade mais avançada ofereça como modelo suas leis de
desenvolvimento a outra, mas que isso não seja tomado pela sociedade atrasada como uma
profissão de fé, mas, ao contrário, a necessidade deve ser recebida com rebeldia. O que
significa dizer que ela é um fato filosófico-histórico contra essa necessidade, isso porque
contribuirá para reduzir o tempo de imposição cultural; induzirá os povos e grupos sociais
menos avançados a refletirem sobre si mesmos, a se auto-educarem e, por fim, porque a
própria resistência demonstra um período superior de civilização e pensamento (op.cit.;
p.87).
A força da imposição cultural e dos processos de racionalização das ações, relações,
instituições, organizações e formações sociais norte-americanas sobre a sociedade brasileira
deve, de todo modo, ser sempre bem analisada, porque implica modos próprios e
hegemônicos de uma sociedade capitalista e capitalizada sobre uma sociedade em vias de
acumulação capitalista. Este estudo, ao tratar da história da educação do Ensino Superior
em seus nexos com o projeto científico posto em questão a partir da década de 1950,
considera necessário delimitar, mesmo que de forma descritiva, como estava constituído o
estado cognitivo da sociedade brasileira e, mais precisamente, o estatuto epistemológico da
ciência e dos cientistas nela inseridos.
A julgar pela disparidade das forças políticas e econômicas das sociedades em
questão, parece que não haveria outra perspectiva senão entender que o processo de
dominação se deu por uma submissão cega e muda de um país sob o outro. Mas essa
perspectiva empobrece qualquer poder de análise. É preciso considerar que o modo de
desenvolvimento da produção capitalista sempre apresentou as conotações internacionais,
multinacionais, transnacionais e mundiais, desenvolvidas no interior da acumulação
originária do mercantilismo, colonialismo, imperialismo, da dependência e da
interdependência (IANNI, 2001, p.14). O padrão de racionalização que acompanha esse
desenvolvimento “saltou da Europa aos Estados Unidos da América do Norte. Em forma
errática e contraditória, no curso dos anos, décadas e séculos, esse padrão se estende pelos
outros países ou povos, compreendendo continentes, ilhas e arquipélagos” (op.cit, p.146).
Não estamos falando apenas de imposição cultural de um país sobre o outro ou de
um povo sobre outro, mas do próprio desenvolvimento do capitalismo que, segundo Ianni
(op.cit., p.149)
Desde o mercantilismo, o colonialismo e o imperialismo, vastos processos por meio dos quais se tecem laços, comunicações, redes, geoeconomias e geopolíticas desenhando o mapa do mundo, sempre compreendendo culturas e civilizações também muito diferentes entre si e das ocidentais, desde esses vastos processos todo o mundo foi sendo permeado por padrões, valores, instituições e organizações mais ou menos característicos do capitalismo.
Decorre daí, que é necessário não perder essa perspectiva sem, contudo, abandonar
os processos singulares e próprios da sociedade brasileira e, mais propriamente, da ciência
e do Ensino Superior do país. Nesse aspecto, podemos considerar que, no Brasil dos anos
cinqüenta, já havia uma organização relativamente complexa de instituições científicas que
desenvolviam pesquisas em diferentes áreas do conhecimento, contando com órgãos de
fomento à pesquisa e algumas universidades definidas nos modelos modernos de ensino e
pesquisa da Europa do século XIX e dos EUA do século XX (MOTOYAMA, 1978 – 1981;
SCHWARTZMAN, 2001). No entanto, isso não nos assegura afirmar que se assentou na
história da ciência no Brasil um espírito autônomo, livre, com bases epistemológicas
capazes de guiar os investimentos em pesquisa e erguer suas instituições num processo
próprio de desenvolvimento científico, baseado nas reais necessidades da sociedade
brasileira.
Para perfilar o modelo de racionalidade que presidiu a ciência moderna no Brasil,
torna-se necessário delimitá-lo no tempo. Sabemos que sua origem deita raízes já no
período Imperial com a vinda de D. João VI, que cria o Jardim Botânico, em 1808, a fim de
“aclimatar as plantas originárias de outros países, bem como o cultivo de sementes para a
melhoria de produtos agrícolas” (NORONHA, 1998, p.98). Os princípios que nortearam
sua fundação e seus objetivos não ultrapassavam os interesses do aparelho estatal e o uso
imediato que dele se poderia retirar.
O projeto de ciência e de Ensino Superior, no contexto da modernização da
sociedade brasileira, nasce marcado pelos ranços do atraso da sociedade escravocrata.
Muito embora, contrariando as expectativas, foi esse projeto o responsável por fazer surgir
o desenvolvimento da pesquisa que, algumas décadas mais tarde, se transforma em centros
de pesquisa de alto nível e de formação de novas gerações de cientistas. É importante que
se lembre, também, que é daí que surgem importantes nomes de cientistas brasileiros que
trabalharam ao lado de colaboradores estrangeiros que aqui vieram e se estabeleceram
como cientistas e também contribuíram para a formação das novas gerações. No entanto,
essas gerações e centros de pesquisa não se consolidaram sem antes enfrentar crises
relacionadas às suas finalidades imediatistas, falta de financiamento e migração de talentos
científicos de um centro para outro ou de um centro para os laboratórios industriais.
Trata-se de uma constituição social e histórica que traz profundas conseqüências
para os diferentes setores da coletividade nacional. Na ciência e no Ensino Superior, essa
assertiva não é mero efeito discursivo, pois fatores, como crescimento urbano,
industrialização, política de dependência econômica do capital internacional e imposição da
transformação do processo social do trabalho, exigem a ampliação dos quadros técnico-
administrativos dos diversos setores da economia, a fim de superar a sociedade “arcaica” e
chegar ao ideal de sociedade moderna. Assim ocorreu que, nos últimos anos do século XIX
e início do século XX, na área da saúde, foram criados os institutos voltados ao combate às
epidemias que assolavam os centros urbanos. Mais tarde, na década de 1920 do século
passado, surgiram os institutos de pesquisas agrícolas em defesa do desenvolvimento da
agricultura e da pecuária e, depois de 1930, a criação de institutos de pesquisas
tecnológicas, como exigência do parque industrial que já se esboçava no Brasil. Todos, de
um modo ou de outro, traduziram-se em criações para responder às urgências da política
sanitária, do setor agrário e, por fim, em resposta à demanda crescente da indústria. Isso
significa que a contribuição que a ciência e tecnologia possam dar a um país em
desenvolvimento, tem seus limites na orientação que a própria sociedade dá a esse
desenvolvimento.
Como ficou demonstrado mais acima, a origem das atividades de pesquisa no Brasil
está relacionada aos institutos de ciências naturais. O desenvolvimento dessas atividades
ingressou, a partir da década de 1930, nas instituições universitárias, as quais, em alguns
casos, acabaram por incorporar os antigos institutos. A organização universitária fundada
na tradição continental européia, orientada para a preparação profissional de uma pequena
elite, cujos princípios básicos consistiam na pesquisa científica, foi uma idéia de difícil
aceite neste País.
O que importa ressaltar aqui é que, apesar da existência dessas universidades, o que
prevalece é a justaposição de escolas de Ensino Superior que, não obstante, continua suas
atividades de modo isolado (VAIDERGORN, 1995, p.33). Esse processo tardio da
organização universitária e da institucionalização da pesquisa científica nesse espaço social
mostra que o Ensino Superior brasileiro se consolidou, em grande parte, sobre uma
estrutura administrativa e técnico-científica de escolas superiores isoladas, de caráter
específico, com um corpo docente e discente determinado. Desse modo, é justo supor que o
espaço social da universidade e da educação superior no Brasil se tornou bastante
diversificado e constituído por setores que se orientam por racionalidades diferentes e, por
vezes, antagônicas (SILVA Jr, 1999).
Esse espírito científico vai, aos poucos, tomando contornos cada vez mais nítidos,
porque decorrentes das características da própria formação social brasileira e, também, do
próprio modus operandi da ciência no mundo pós-industrializado. A racionalidade
cientificista e mecanicista conquistada e demonstrada pela assombrosa coerência entre o
conjunto de hipóteses e aplicações experimentais, não poderia ser absorvida pela frágil base
científica brasileira, senão como mera aplicação às urgentes necessidades do estado de
coisas que constituíam essa realidade.
Mesmo no advento dos anos de 1950, quando a economia brasileira expande sua
capacidade industrial além da produção de maquinário para a própria indústria, de bens de
consumo duráveis e não duráveis, e ingressa, finalmente, no círculo do capitalismo
mundial, na medida em que atrela o capital nacional ao internacional11, a comunidade
11 Baseamos nossas afirmações nos estudos de Francisco de Oliveira, cujo foco de análise é o esgotamento do padrão de acumulação capitalista da economia brasileira, iniciada na segunda metade dos anos 50. Cf. OLIVEIRA, Francisco. A economia da dependência imperfeita – 5. ed. - Rio de Janeiro: Graal, 1989.
científica, ainda assim, padece de uma firme consolidação de financiamento, de estruturas
institucionais para a pesquisa e, principalmente, pela ausência de noções epistemológicas
que constituem a ciência normal, tal como definida por Kuhn (2000).
No livro Um espaço para a ciência: a formação da comunidade científica no Brasil
do sociólogo Simon Schwartzman (2204, p. 12), com todo o seu olhar de respeito aos
cientistas que, sempre atuaram em condições adversas, revela seus êxitos extraordinários
nessa atividade especial. Não obstante, relaciona-os ao mito de Sísifo, tamanha são as
dificuldades trilhadas por aqueles indivíduos de boa educação que empregam com
entusiasmo o melhor de sua inteligência e criatividade para fazer ciência.
Nesse autor, encontramos fases graduais de difusão da ideologia cientificista a qual
impregnou o espírito da ciência no Brasil, e a partir dele orientou a política para esse fim.
Segundo Schwartzman (op.cit. , p.22), a primeira fase corresponde ao período anterior à
segunda Guerra Mundial, demonstrada por sérias tentativas de criar novas instituições
universitárias. A segunda fase é o período pós-guerra, definido pela tentativa de modificar a
estrutura tradicional da instituição militar. E, finalmente, mais típica dos anos de 1960 e
1970, a fase que se caracterizou por criar nichos isolados e protegidos para a ciência e
pesquisa.
Já se passavam algumas décadas da fundação da Academia Brasileira de Ciência e
da Associação Brasileira de Educação (1916 e 1922, respectivamente) e mantinha-se acesa
a defesa de uma universidade brasileira. Entre as longas décadas do debate sobre a função
social de produzir pesquisa, formar profissionais em bases científicas, elevar-se ao mais
alto aspecto da cultura humana e aplicar os conhecimentos para o desenvolvimento do País,
vários modelos de universidade e institutos de pesquisas foram se estruturando no Brasil.
Em 1961, depois do modelo uspiano e da federalização das instituições de Ensino
Superior, foi criada a Universidade de Brasília, cujos mentores intelectuais foram Anísio
Teixeira e Darcy Ribeiro. Esta universidade tinha o objetivo de oferecer substância cultural
a Brasília e tornar-se agência supraconsultora do governo, sem se limitar a constituir um
grupo de servidores do governo (SCHWARTZMAN, 2001, p.13).
É neste contexto institucional científico que o Brasil ingressa na terceira fase de
difusão da ideologia cientificista, mas, agora, sob a batuta dos consultores norte-americanos
e do interesse do capital nacional e estrangeiro. Como já dissemos, o fazer científico
assume novos contornos delineados pelo ethos mercantil e, deste modo, orienta a pesquisa,
o seu valor, seu financiamento, o papel do cientista e a própria estrutura institucional.
A partir de 1964, agências governamentais de planejamento econômico, como o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE, e a Financiadora de Estudos e
Projetos – FINEP, investem no campo da ciência e tecnologia no intuito de colocar essas
atividades em favor do desenvolvimento econômico, mediante investimentos substanciais.
O investimento governamental é um fato histórico inédito no Brasil, decorrente da política
científica desenvolvida tanto nos EUA quanto na antiga URSS, no período da guerra-fria.
Paralelos a essas agências, setores do governo ampliam sua extensão e redefinem
suas ações e seus esforços orçamentários, como é o caso do Ministério do Planejamento e
do Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia. O primeiro se constituiu palco de difíceis
negociações entre pesquisadores e militares, guiados por orientações opostas. O segundo é
redimensionado em sua estrutura técno-burocrática devido a uma massa orçamentária
jamais experimentada (SCHWARTZMAN, 2004, p.4).
Assiste-se, assim, à criação e à valorização dos centros de tecnologia avançada
compondo verdadeiros oásis de investigação científica e tecnológica e, por outro lado, não
obstante a declaração da indissociabilidade entre pesquisa e ensino, separa-se, no interior
das universidades, a pesquisa científica do ensino da ciência.
No primeiro caso, apoderando-se dos já existentes institutos de pesquisa de alta
capacidade tecnológica12, os militares brasileiros, inspirados na ideologia de segurança
nacional e no clima da guerra-fria, aprofundam sobremaneira as relações de intercâmbio
científico com o EUA. Reconhecem que esse projeto só se realizará tendo em vista a
formação de quadros técnicos e estrategistas militares para colocar em prática as idéias do
“Poder Marítimo”, “Poder Aeroespacial” e “Poder Terrestre” para assegurar a doutrina de
Segurança Nacional e o desenvolvimento potencial das indústrias siderúrgicas e bélicas
nacionais13. O oásis de investigação científica referido anteriormente diz respeito ao
conhecimento de alto interesse do capital estatal e industrial e constitui, por isso, segredo de 12 Tais como: Instituto Tecnológico da Aeronáutica – ITA (1950), Escola de Engenharia (1950), Escola Politécnica de São Paulo (1903), Instituto Militar de Engenharia (1959) e Escola Superior de Guerra (1948). Só para citar alguns (VARGAS,1994). 13 Está-se falando da Companhia Belgo – Mineira e Usina de Volta Redonda (décadas de 1930-40), que são indústrias siderúrgicas. Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. – EMBRAER (1965), Engenheiros Especializados S.A. (1965), Avibras (1961), Bernadini Indústria e Comércio (1932) que são indústrias bélicas (VARGAS,1994).
Estado. É a ciência hard, cujas altas cifras administram conhecimento no mercado
industrial e financeiro com pouca, ou nenhuma, publicização de seus investimentos e
resultados. A ciência aqui traduz-se em know-how, e sua regulamentação depende das leis
de patentes. Dois elementos capazes de criação instrumental quase que sem limites e, no
entanto, também capazes de confiscar o conhecimento da própria comunidade científica,
por sua linguagem matematicamente hermética e ser seus interesses financeiros, que
movimentam este mercado bélico.
No caso brasileiro, foram os militares que assumiram os postos mais avançados nos
laboratórios tecnológicos e, mesmo nos congêneres universitários, foram estabelecidos
convênios com os órgãos militares. O aporte científico-tecnológico é de origem norte-
americano, e todos cientistas consultados ou convidados para compor quadros técno-
científicos, em sua esmagadora maioria, eram deste país e vinculados a institutos que
geravam modelos para os do Brasil (VARGAS, 1994, p.283-399).
Quanto às universidades, já conhecemos um pouco esta história: sob o ponto de
vista organizacional, a Reforma Universitária de 1968 introduziu elementos extraídos da
universidade de pesquisa norte-americana: foram instituídos os departamentos no lugar de
cátedras e implantado o sistema de créditos sob o prisma da racionalidade instrumental em
termos de eficiência técnico-profissional; foram implantadas também as instituições de
pesquisa, os programas de pós-graduação, que conferem grau de mestre e doutor e um
“ciclo básico” nas universidades. Foi nessa reforma que se estabeleceu a indissociabilidade
entre ensino e pesquisa, definida como o verdadeiro modus operandi do Ensino Superior. A
universidade seria o lócus privilegiado para sua realização, visto que os institutos isolados
não são capazes de propagar a “universalidade” da ciência. Mas esse pressuposto, longe de
se constituir em consenso e critério de valorização da pesquisa e do ensino, criou
verdadeiras cisões no interior da universidade, pois a distribuição de recursos, a partir de
“linhas de pesquisa”, favoreceu os grandes laboratórios e as equipes de pesquisa, mas não
fazia muito sentido para as humanidades nem para a pesquisa teórica e fundamental
(CHAUÍ, 2001, p.34). Nesse sentido, a universidade dedica-se a produzir mais pesquisa
“aplicada” e, cada vez menos, pesquisa “pura” (RIBEIRO, 1986, p.27).
À esteira dessa cisão, as agências de planejamento econômico no campo da ciência
e tecnologia se dedicavam a identificar grupos promissores de pesquisas e fornece-lhes
apoio direto através de contratos tanto dentro quanto fora da universidade. Enquanto isso,
na universidade pública, os recursos disponíveis fluíam completamente fora do seu
controle, pois
começaram a coexistir departamentos bem mantidos e bem pagos, dotados de pessoal qualificado, ao lado de programas deficientes – os primeiros mais preocupados com pesquisa e ensino de pós-graduação; os últimos, ligados a escola e cursos tradicionais em nível inferior de pós-graduação (SCHWARTZMAN, 2002, p.8).
Estabeleceu-se, assim, um sistema de dois patamares não somente entre as
instituições de Ensino Superior, mas também dentro de cada uma delas, o que Chauí (2001,
p.97) classificou de modernização oferecida como oposição que combate a democratização
porque separa ensino de pesquisa, direção e execução, trabalho e governo universitário,
bem ao modo dos processos racionalizados e cientificistas do mundo do trabalho para o
mundo da ciência. Nesse aspecto, entendemos que o projeto científico brasileiro ingressa na
lógica instrumental de alto aporte tecnológico e do interesse do capital internacional, tal
como já discutimos no final do primeiro capítulo e início deste.
Essa fase transcorreu no contexto dos anos de 1960, que representam, para a
sociedade brasileira, um importante marco nas mudanças ocorridas na estrutura econômica,
política e social do País. É a década herdeira de um nítido processo de industrialização de
aporte tecnológico avançado, bancado pelo capital estrangeiro e sob a égide das
multinacionais. Um movimento acompanhado por um processo acelerado de urbanização
da população e, conjuntamente, de organizações político-sociais, tais como os partidos
políticos e sindicatos de trabalhadores da indústria.
Tais mudanças pressionam o sistema de Ensino Superior a oferecer maior número
de vagas para uma extensa camada de jovens que vislumbravam a possibilidade de ocupar
novas vagas em postos mais privilegiados da estrutura de trabalho, fenômeno já pesquisado
por outros autores do ponto de vista da estrutura econômica e política. Em decorrência de
nossos estudos, cabe aqui entender que as características próprias do projeto científico
posto em questão a partir da década de 1950, no Brasil, permite que a diversificação do
sistema de Ensino Superior se efetive não só na universidade e nos institutos tecnológicos,
como também numa estrutura de instituições periféricas a esse sistema central, com a
finalidade apenas de desenvolver ensino.
A grande expansão da rede privada de Ensino Superior destinada apenas para o
ensino, através de institutos e faculdades isoladas, e a diversificação de racionalidade
organizativa de cada uma destas instituições corresponderam ao caráter fragmentário da
atividade científica, desenvolvida numa sociedade que não reconhece o valor da ciência e
dos cientistas como via de desenvolvimento de suas próprias forças sociais. A política
científica, desenvolvida no Brasil a partir dos anos sessenta, hierarquizou de uma maneira
muito complexa a estrutura de distribuição e produção do conhecimento. Mesmo as
universidades que, bem ou mal, eram instituições tradicionais de pesquisa, são
paulatinamente fragmentadas. Portanto, a massificação do Ensino Superior através das
instituições não-universitárias também corresponde a esta cisão tanto da ciência quanto da
organização institucional de distribuição do conhecimento. Não são redes tão separadas
assim... na verdade, são faces de uma mesma moeda.
Parece-nos, que o fato de que a experimentação e instrumentalização da ciência se
generalizar na vida mais cotidiana dos indivíduos, criou uma necessidade muito intensa de
não só cultivar pequenos celeiros de gênios para desenvolver projetos sofisticados de
ciência e tecnologia, mas, tão igualmente, tem-se a necessidade de formar os usuários da
ciência, equipados de técnicas, de automatismos corporais e psíquicos que os tornam
propícios e aptos a tomar a lógica da cientificidade como uma prática normativa, sem,
contudo, ao menos, desconfiar dos difíceis processos de construção de conceitos da ciência
e de suas leis.
As instituições que apenas desenvolvem ensino não fazem outra coisa, senão formar
esse usuário que, de certo modo, corresponde à extrema instrumentalização da
racionalidade científica contemporânea e, por isso, deve estar cognitivamente preparado
para agir dentro desta lógica. Não estamos falando apenas que ele deve saber acessar um
terminal eletrônico, mas deve guiar-se no racionalismo métrico, comparável, previsível,
calculável e metódico próprio do cientificismo contemporâneo. Senão, como o mundo da
experimentação científica, assenhorado do seu poder de criar infinitamente, poderia
continuar triunfando?
Aos poucos, todas as organizações de Ensino Superior, ao seu modo, revelam-se
compatíveis com esse padrão de racionalização. Só que no caso brasileiro, marcado pelo
histórico drama dos ímpetos de modernização que se sucedem pela via ideológica ou pelos
ranços do autoritarismo (FAORO, 1992, p.8). Desse modo, vão sendo conduzidos pela elite
nacional sem, contudo, deixar que a população se beneficie dos possíveis avanços.
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