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FABIO HENRIQUE AMARAL A GUERRA FRIA DO ESTADO NOVO O alto comando militar e as relações exteriores – 1939/1944 Monografia de final de curso Departamento de História Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes Universidade Federal do Paraná Orientação do Prof. Dr.: Dennison de Oliveira CURITIBA 2000

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FABIO HENRIQUE AMARAL

A GUERRA FRIA DO ESTADO NOVO

O alto comando militar e as relações exteriores – 1939/1944

Monografia de final de curso Departamento de História Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes Universidade Federal do Paraná Orientação do Prof. Dr.: Dennison de Oliveira

CURITIBA

2000

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS..........................................................................................I

INTRODUÇÃO....................................................................................................1

CAPÍTULO I

A DEFINIÇÃO DOS PAPÉIS..............................................................................5

CAPÍTULO II

A ATUAÇÃO DAS FACÇÕES...........................................................................13

CAPÍTULO III

A COMISSÃO MISTA DE DEFESA...................................................................26

CONCLUSÕES FINAIS.....................................................................................38

REFERÊNCIAS.................................................................................................39

FONTES DOCUMENTAIS.................................................................................40

FONTES CONSULTADAS................................................................................41

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AGRADECIMENTOS

Ao concluir este trabalho encerro também uma fase de minha vida. Um

período de quatro anos dos quais sentirei enorme falta.

Ao ingressar no curso de História não obtive somente conhecimento

acadêmico, mas também adquiri conhecimento humano. Gosto de analisar o

breve passado e poder verificar que o aluno formando de hoje não é de todo o

mesmo aluno calouro de quatro anos. Nem para melhor ou para pior, apenas

diferente. Diferente na maneira de encarar o mundo e no relacionamento com

as pessoas. Estas mudanças são devidas a diversos fatores que estão, direta

ou indiretamente, ligados às pessoas com as quais me relacionei neste

período. Colegas que tornaram-se grandes amigos e dignos de públicos

agradecimentos e recordações, aos quais quero explicitar meus

agradecimentos.

Em especial o Maurício, brother of metal. A moçada das rodas de café e

cerveja André Ribas, César, Eduardo, Júlia. E outras figuras GUGA, SCAMA,

André BUGU, Miguel Moreira, Rui Petry. E outros verdadeiros amigos que me

falham.

Um muito especial obrigado à Raquel que vem se tornando a cada dia

uma pessoa mais essencial em minha vida.

O professor Dennison de Oliveira que muito ajudou e incentivou para a

melhor execução possível do trabalho final. Assim como ao Museu do

Expedicionário, e a Legião Paranaense do Expedicionário, detentores dos

documentos utilizados, os quais foram gentilmente cedidos.

Também quero registrar meus agradecimentos ao HEAVY-METAL. e

aos integrantes do A TRIBUTE TO THE PLAGUE.

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FABIO HENRIQUE AMARAL

A GUERRA FRIA DO ESTADO NOVO

O alto comando militar e as relações exteriores – 1939/1944

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À minha Mãe, que tornou esta empreitada possível

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INTRODUÇÃO

O Brasil durante a década de 1930 vinha buscando maneiras de reestruturar

sua economia, em dificuldades pela falência de seu principal alicerce econômico até

a crise de 1929, a produção de café. Em função da quebra do sistema financeiro

mundial o Brasil, que naquele ano apresentou uma superprodução do produto, fica

com toneladas de café encalhadas sem compradores no mercado internacional. Esta

situação coloca todo sistema econômico nacional em xeque, e demonstra que toda

a economia do país não poderia mais ser apoiada num único produto.

Especialmente um produto agrícola que depende, além do mercado, de condições

climáticas, estando sujeito portanto a um maior número de dificuldades na formação

de divisas. Diante desta constatação passa a ser o projeto de alguns grupos a

introdução do Brasil no círculo das nações industrializadas. Porém, para

implementar a nova etapa econômica era necessário substituir o grupo hegemônico

no poder político no país.

Até o início daquela década o comando da nação era dividido entre duas

oligarquias que alternavam-se, de maneira acordada, no governo nacional. A

chamada política do café-com-leite caracterizava-se pela sucessão do presidente da

República pelo governador, das Minas Gerais ou de São Paulo. Funcionando de

maneira que o presidente em final de mandato, se paulista, indicaria e apoiaria o

candidato mineiro para sua sucessão, e de maneira contrária ao final deste

mandato. Esta forma de organização funcionou até a indicação do sucessor para a

eleição de 1930 quando o presidente paulista Washington Luís indica o também

paulista Júlio Prestes, para sua sucessão, rompendo a aliança com a oligarquia

mineira. Isto fortaleceu a candidatura do opositor de Júlio Prestes, Getúlio Vargas,

que recebeu o apoio de segmentos políticos de diversas regiões inclusive a mineira.

A eleição contudo não se realiza. Alegando que o pleito sofreria fraudes o grupo

apoiador de Vargas assume o poder, em nome da implantação de um governo que

pudesse apurar as suspeitas e convocar novas eleições. Era a revolução de 1930.

Vargas assume com caráter de governante provisório, mas as citadas

eleições não são convocadas. Ao que rebela-se o grupo paulista realizando o

levante de 1932. Este, apesar de não concretizar o intuito de derrubar o governo

revolucionário, consegue a convocação de eleições para uma constituinte a

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realizarem-se em 1934. O papel da elaboração da nova constituição era,

principalmente, o de reordenar a sucessão da presidência. Eleição que deveria

efetuar-se em 1937, ano em que Getúlio Vargas decreta o fechamento do congresso

e instaura o regime ditatorial denominado Estado Novo.

Esta nova fase instalada por Vargas caracteriza-se principalmente pela

tentativa de implantar indústrias no país. Para realizar tal projeto o governo

necessitava além das indústrias propriamente ditas criar um corpo de trabalhadores

aptos para este novo modelo econômico. Para este fim Vargas busca inspiração nos

regimes nazista e fascista, em vigor na Alemanha e Itália respectivamente. Nestes

governos havia marcadamente um grande empenho na formação nas novas

gerações para que estas fossem moldadas nos bancos escolares para dar

prosseguimento à nova ideologia, e tornarem-se o modelo de trabalhador desejado

por seu governo. A estas medidas seguem-se a criação das leis trabalhistas

fortemente inspiradas nas contidas na constituição polonesa, também com marcadas

influências das nações de Hitler e Mussolini. Assim como as novas legislações de

terras, minérios e borracha. Todavia dar seguimento ao projeto industrializante, além

da adequação interna, eram necessários recursos de origem externa.

No período duas alternativas emergiam com boas perspectivas, a Alemanha e

os Estados Unidos. As duas nações apresentam capacidade para efetivar o apoio

econômico e político que carecia o Brasil em seu novo projeto. Contudo pelas

características da política brasileira a aproximação com os alemães se apresentava

como mais viável. O que levou a um crescimento significativo nas relações

comerciais entre os dois países. Fato este que leva aos norte-americanos a

intensificarem suas investidas com o governo brasileiro. Não somente em função do

apoio econômico, como na manutenção de sua hegemonia no continente americano.

Porém a eclosão da guerra na Europa em 1939 começa a interferir nas negociações

econômicas.

Num primeiro momento o Brasil tenta, através do estado de neutralidade,

manter as duas fontes de recursos e materiais. Ou na eventualidade de uma opção

tornar-se inevitável, o fazer de maneira que o lado escolhido pudesse promover além

do apoio econômico, também o fortalecimento político após a guerra. Esta

possibilidade começa a tomar forma após o ataque japonês à base norte-americana

em Pearl Harbor.

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A este evento deve-se o rompimento de relações diplomáticas entre as

nações americanas e os países do Eixo. Que se converteu na declaração de guerra

do Brasil àquela facção da guerra. E que culminou no envio de tropas brasileiras aos

campos de batalha na Europa.

Os estudos sobre a participação do Brasil na segunda guerra mundial têm,

em geral, dois enfoques. Numa primeira vertente, são analisadas as razões que

levaram o Brasil a entrar na guerra. Estas têm como foco principal as negociações

econômicas como fator decisivo, para que efetivamente o governo brasileiro

promovesse seu alinhamento no conflito. E numa segunda corrente esta

participação é analisada a partir do envio das tropas para a Itália, seus feitos e

conquistas. Sem buscar a compreensão do olhar do principal protagonista, o corpo

expedicionário. Qual sua concepção sobre a guerra, ou ainda, como a divisão

brasileira efetuou tão brilhante participação, relevando a maneira confusa de sua

organização. Sem o devido treinamento, material e até pré-qualificação de seus

componentes. O presente trabalho busca compensar uma destas falhas. Ao lançar

um novo olhar sobre a primeira das tradicionais formas de estudo do processo de

envolvimento do Brasil na segunda guerra mundial.

As razões de cunho econômico foram sem dúvida fatores de peso na

definição do papel brasileiro na guerra. Todavia os benefícios econômicos, ofertados

ao Brasil, tiveram origem nos textos dos acordos militares. Esta concepção viabiliza-

se pelo fato de que todas as linhas de crédito e materiais de origem norte-americana

objetivavam o apoio militar ao Brasil. Num primeiro momento criando condições para

o estabelecimento de uma defesa consistente na costa nordestina. E posteriormente

para possibilitar o envio de tropas aos campos de batalha. O mesmo aplicando-se

para os fomentos da Fábrica Nacional de Motores e da Companhia Siderúrgica

Nacional, as quais foram exigências do governo Vargas perante o governo norte-

americano.

Porém, além de trazer a tona a importância dos acordos militares, para a

nação, também busca-se reconstituir os processos de confecção destes acordos.

Através dos quais torna-se possível analisar os obstáculos impostos à execução

destes acordos. Quais as estratégias aplicadas, por um grupo fortemente enraizado

no interior do governo estado novista, que procurou primeiramente evitar o

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alinhamento brasileiro com as nações Aliadas. E num segundo momento, que se

concretizasse a efetiva entrada na guerra.

Para conduzir este foco de análise tornam-se de vital importância os

documentos produzidos pelo general Estevão Leitão de Carvalho à frente do

comando da defesa do Nordeste. E seus trabalhos como chefe da delegação

brasileira na Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, a qual encampou a

realização dos acordos militares ente as duas nações.

Os documentos produzidos pelo general Leitão, enquanto delegado brasileiro

em Washington, apoiado por seu livro “ A Serviço do Brasil na Segunda Guerra

Mundial”, em que narra os acontecimentos de seu período à frente do comando da

defesa do Nordeste e na delegação em Washington, dão a bagagem documental

para o exercício desta tarefa. Além de um conjunto de documentos disponibilizados

em formato digital.

Por meio destes documentos tornam-se perceptíveis não somente as

fórmulas deste grupo para barrar o andamento das negociações, como as

conseqüências que estes atos implicaram ao Brasil. As quais que poderiam resultar

em outro desfecho do evento para o país.

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CAPÍTULO I

DEFINIÇÃO DE PAPÉIS

Em 1941, o governo brasileiro, que até aquele momento mantêm um estado

de neutralidade, obriga-se a expressar um primeiro posicionamento em relação aos

acontecimentos dos campos de batalha. Em telegrama enviado aos presidente

norte-americano, o presidente Vargas declara solidariedade aos Estados Unidos, em

virtude do ataque japonês à base de Pearl Harbor. Embasando-a na longa tradição

cooperativa entre os dois países,

Ao tomar conhecimento da agressão sofrida por parte do Japão, convoquei membros do Governo e tenho a honra de informar a V. Exª. que ficou resolvido, por unanimidade, que o Brasil se declarasse solidário com os Estados unidos, coerente com as tradições e compromissos na política continental.

1

e adiantando-se, a uma possível apelação ao texto da Declaração dos Princípios

de Solidariedade e Cooperação Inter-Americana, segundo a qual “todo ato suscetível de

perturbar a paz na América afeta a todas e cada uma das nações do continente” 2∗. Em outras

palavras, a face de qualquer agressão extra ou intercontinental, sofrida por um dos

países americanos, os demais deveriam partir em seu pronto auxílio. Do telegrama,

em que o Brasil expressa seu citado apoio, não emerge qualquer posicionamento

em relação ao agressor, apenas a citação. Pois, como ainda não decidira-se por

qual das facções em conflito apoiar, se a do Eixo ou a dos Aliados, não manifestar-

se a respeito do país atacante compunha uma alternativa tática.

Este estado de neutralidade política também manifesta-se nas relações de

comércio que o país mantêm com ambos os lados. O Brasil no período efetua

diversas transações com a Alemanha e com os Estados Unidos. No primeiro caso o

Brasil exportava produtos agropecuários, como algodão, frutas, couro e café, estes

produtos eram pagos através de marcos de compensação, títulos que, em virtude da

falta de moeda corrente na Alemanha eram utilizados para pagamento das

importações, estes marcos de compensação somente tinham valor em território

1 BONAVIDES, P. , AMARAL, R. Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1995. Vol. 5. Disponível em < www.cebela.org.br >, acessado em 10/agosto/2000, p.205.3 2 CARVALHO, E. L. . A serviço do Brasil na segunda guerra mundial. 2a edição, Rio de Janeiro:

Edição do Autor, 1952. ∗ Conferência de Consolidação da Paz, realizada em Buenos Aires em 1936.

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alemão e eram utilizados para aquisição dos produtos daquele país; desta forma a

Alemanha mantêm um equilíbrio compulsório em sua balança comercial, tendo em

vista que a moeda utilizada para o pagamento de suas compras somente era válida

como forma de pagamento de seus produtos. O que no caso do comércio com o

Brasil representava, quase em sua totalidade, venda de armamentos. Enquanto que

as transações com os norte americanos são marcadas pela comercialização de

matérias-primas, em especial os minérios.

Estas relações comerciais entre Brasil e Alemanha desinteressam aos

Estados Unidos por dois motivos. O primeiro é que os alemães estavam invadindo

um território de tradicional hegemonia norte americana, tendo em vista que os

germânicos já passavam em muito o fluxo comercial entre Brasil e Inglaterra e

passavam a ameaçar a supremacia anglo-saxã nos povos latinos. Já que as

relações com o Brasil representavam apenas uma parte do todo, pois a nação

hitlerista efetuava negócios com os demais países da América do Sul, especialmente

com a Argentina. Em segundo lugar vinha a própria questão militar. Ao aumentar

seus fluxos comerciais os alemães também estavam aumentando seu aparato

bélico, e dirigindo estas relações do ramo econômico para conversações políticas,

as quais poderiam resultar em acordos que oficializassem pactos de não–agressão

ou mesmo alianças.

À declaração de solidariedade, segue-se o rompimento das relações

diplomáticas do Brasil com a Alemanha, Itália e Japão, ato executado em

consonância com a decisão dos demais países americanos∗∗. E que força o Brasil a

efetivar sua declaração de guerra aos países do Eixo, em 31 de agosto de 1942. O

Brasil deixa, finalmente, de posicionar-se com neutralidade diante dos

acontecimentos dos campos de batalha.

Antes, e principalmente depois, do Brasil efetuar a decisão de qual vertente

apoiar nos conflitos, os Estados Unidos realizam estudos no território nacional, e

apresentam propostas ao governo brasileiro. Estas, num primeiro momento, servem

para tentar convencer o Brasil de tomar partido do flanco aliado; e noutro têm o

intuito de efetivar a participação brasileira no combate às forças Nazi-Fascistas.

No período que antecede à declaração de guerra, as preocupações do

governo norte-americano enfocam a situação da costa do Nordeste brasileiro.

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Naquele momento a Alemanha dominava a região Norte da África, e o Nordeste do

Brasil torna-se um ponto estratégico na defesa do continente meridional. Pois, pela

proximidade geográfica do Nordeste do brasileiro com o setentrião africano, este

passa a ser visto como a extremidade inicial de uma ponte, que se concluída

propicia a via mais rápida de acesso ao continente americano. Em virtude disto são

realizados, por especialistas das Forças Armadas dos Estados Unidos, estudos para

a instalação de bases de defesa, marítima e principalmente aérea, na região.

Estes estudos são acompanhados de perto pela cúpula bélica nacional, a qual

expressa por meio de seu máximo comandante, o ministro da guerra, profundo

descontentamento com este assédio e principalmente pelos objetivos do governo do

Norte. O general Eurico G. Dutra, nesta questão obtinha total apoio de seu imediato

hierárquico o general Góis Monteiro, chefe do estado–maior do Exército.

OS GENERAIS DUTRA E GÓIS MONTEIRO

Envolvidos com o grupo detentor do poder, desde a revolução de 1930, os

generais Eurico G. Dutra e Góis Monteiro apresentam forte influência e participação

no processo de entrada do Brasil na guerra. Ambos adquirem este grau de

importância no período da revolução constitucionalista de 1932, em que juntamente

com um grupo de outros oficiais ascendem ao generalato, pelo mérito de suas

participações no evento, associado ao desejo do governo de reestruturar o comando

militar nacional com membros de maior afinidade com seus ideais. Desta forma

Vargas garantiu um apoio dos altos comandos do Exército, já que os antecessores

destes pendiam em favor da oligarquia paulista.

Até a revolução de 1932 o comando militar nacional não estava plenamente

de acordo com o projeto do grupo getulista, e representava uma forte ameaça para o

desenvolvimento dos planos de poder de Getúlio e dos que o cercavam. Com a

derrota do grupo rebelado Vargas decide promover oficiais de segundo escalão ao

posto de general. Dutra, além da nova posição hierárquica, recebe também o

comando do ministério da guerra, enquanto que Góis Monteiro a chefia do estado-

maior do Exército.

∗∗ Conferência dos Ministros do Exterior das Repúblicas Americanas (Rio de Janeiro- Jan/1942).

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Durante o período de negociações, sondagens e estudos efetuados entre o

exército norte-americano e o governo brasileiro, as figuras de Góis Monteiro e

principalmente de Dutra representam uma barreira diante de uma possível decisão

pró-aliada. Com grande fama de simpatizantes do nazismo, embora sem jamais

haver uma pública confissão deste pensamento, os principais comandantes militares

do país impõem restrições e dificuldades no encaminhamento das propostas norte-

americanas.

Atitude que fica clara na apresentação da primeira proposta de proteção da

costa nordestina. Este projeto sugere a participação de efetivos dos Estados Unidos

em cooperação com os brasileiros, com o fim de defender o território de um eventual

ataque nazista. Isto fora sugerido por se levar em conta as deficiências de efetivo e

material bélico das tropas daquela região. Ao receber o proposto o general Góis

Monteiro dissipou a nuvem que envolvia o seu posicionamento neste assunto. O

qual mais tarde foi narrado por um oficial artilheiro, que fora integrante das primeiras

negociações, ao general Leitão de Carvalho: “a sugestão dos americanos provocara

protestos do chefe do Estado-Maior do Exército, que ameaçara lutar até de tacape contra as tropas

que pretendessem desembarcar no Brasil com aquêle fim.”3 (grifos no original).

A principio este posicionamento poderia ser tomado por dois diferentes focos

de análise. Primeiramente a repulsa do chefe do estado-maior enraizava-se num

sentimento de defesa da instituição. Pois, ao aceitar o auxílio norte-americano

estaria admitindo a precariedade das forças de defesa nacionais. Em uma segunda

análise o punha na posição de opositor aos Estados Unidos. Que também poderia

ser revertida em forma de um nacionalismo exacerbado com o intuito de reverter a

situação de dependência do Brasil para com aquele país. Mas, naquele momento,

esta oposição assume o caráter de simpatia aos alemães, e é assim que foi

encarado nos meios militares.

“No dia seguinte à terminação da manobra devia realizar-se no campo, de aviação de S. Simão, o desfile das três divisões de cavalaria em homenagem ao Presidente da República. Fomos buscá-lo na casa em que estava acantonado. Achava-se alegre, em companhia do Ministro da Guerra e do chefe do Estado Maior do Exército. Sorridente declarou querer oferecer ao diretor da manobra uma lembrança, daqueles dias de intenso e proveitoso trabalho, que tanto o haviam satisfeito. E presenteou-o com um pequeno sabre-punhal, tendo gravada a cruz zwástica na cruzeta,. Recebemos a lembrança, mas lhe advertimos de que, com aquela insígnia não seria para nós, e sim para o general Góis

3 CARVALHO, E. L., op. cit., p.47.

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Monteiro. –“Para mim, não; deve ser para o general Dutra”, retrucou em tom galhofeiro, o chefe do Estado-Maior do Exército”.4

Góis, assim como Dutra, não poderiam bradar aos quatro cantos sua

verdadeira tendência nos rumos da guerra. Principalmente porque aquela nação,

após o início do bloqueio imposto ao comércio com Alemanha, passou a ser a única

fonte dos financiamentos e dos materiais necessários para a implementação do

projeto varguista de industrialização do país. Muito embora o governo norte-

americano esboçasse conhecimento das preferências ideológicas dos componentes

da cúpula militar nacional.

“Com referência a um relatório do Consulado-Geral americano em São Paulo sobre a atitude supostamente pró-nazista do Ministro da Guerra, Gaspar Dutra, de Góis Monteiro e do Interventor Federal no Rio Grande do Sul, Cordeiro de Farias, darei a seguir o sumário de diversas opiniões expressas pessoalmente a mim pelo Chefe do Estado-Maior , Góis Monteiro, e pelo Interventor Farias. Não me encontrei com o Ministro da Guerra, mas tive longas conversas com o General Góis Monteiro (...) e longas palestras com Cordeiro de Farias. (...) Em conversa de mais de uma hora com o general Góis Monteiro, ele discutiu sua ‘viagem de boa vontade’ aos Estados Unidos. (...) Disse que embora acreditasse que nossas manifestações de boa vizinhança eram sinceras, considerava eram por demais platônicas. (...) Disse lamentar que os Estados Unidos não compreendessem que não conseguiram convencer o Brasil de que tinham um programam definido, e comparava nossa política ‘vaga’ coma a ‘ação’ da Alemanha. (...) O General Góis Monteiro tem relações muito cordiais com os alemães, e acredito que é provável que tenha pelos alemães apreço mais sinceros que por nós. (...) Minha conclusão refletida é de que tanto Góis Monteiro quanto Cordeiro de Farias (...) basearão seu sentimento e sua ação em uma demonstração e em indicações de qual o lado a oferecer mais. Isso se aplica a outras autoridades brasileiras (...) é provável que se aplique também ao Presidente Vagas.” 5

DO LADO ALIADO

No outro canto do ringue da luta ideológica, instaurada no interior do governo

estado-novista, ou seja defendendo desde o princípio o alinhamento do Brasil com

os países Aliados, apresentam-se o ministro das relações exteriores Osvaldo Aranha

e o general Estevão Leitão de Carvalho. Estes não foram os únicos defensores

desta posição, porém, assumiram uma importância maior devido aos papéis por eles

desempenhados, no decorrer das negociações com os Estados Unidos.

Osvaldo Aranha, amigo pessoal de Getúlio Vargas desde o Rio Grande do

Sul, por onde se elegera deputado federal em 1927, teve grande participação

durante a articulação e implantação do regime revolucionário de 1930. Desde a

4 CARVALHO, E. L. op. cit. , p.20 5 Relatório do oficial de ligação do Departamento de Estado norte-americano. In: BONAVIDES, P.

AMARAL, R. Textos Políticos... op. cit. p. 204

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ascensão de Vargas ocupou cargos ministeriais das mais variadas pastas,

integrando o grupo constituinte em 1934, e embaixador em Washington até a criação

do Estado Novo, em 1937. Fosse como líder da bancada do governo no parlamento,

ou como interlocutor governamental, nas negociações de crédito para a construção

da usina siderúrgica de Volta Redonda, sempre demonstrou boa fluência nos

meandros políticos nacionais e internacionais.

A participação e a manutenção de Aranha no governo estado-novista se

explica, não somente por suas afinidades com o projeto, mas pela sua competência

de estadista, que com o decorrer dos fatos foi assumindo uma importância cada vez

maior, especialmente no trato com os Estados Unidos. Neste sentido sua figura

adquire maior importância no período de conversações entre os governos norte-

americano e o do Brasil. E principalmente serve como tábua de salvação para o

general Leitão de Carvalho, nos momentos em que a estrutura estatal, sob controle

do ministro da guerra, postava-se veementemente em sua oposição.

O GENERAL LEITÃO DE CARVALHO

O general Estevão Leitão de Carvalho desempenhou duas funções de vital

importância, no processo de participação do Brasil na segunda guerra mundial.

Primeiramente fora designado inspetor do 1°Grupo de Regiões, o qual aglutinava o

cargo de comandante do Teatro de Operações Nordeste e Leste. E num segundo

momento nomeado delegado brasileiro na Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados

Unidos.

Durante sua carreira o general Leitão estivera envolvido com assuntos da

política internacional. Fora adido militar no Chile, membro da delegação da

Conferência Pan-Americana, representante militar brasileiro na Liga das Nações e

ainda chefe da delegação brasileira à Comissão Militar Neutra do Chaco,

responsável pelo acordo de paz entre a Bolívia e o Paraguai. Dentre outros cargos

de comando em unidades e academias militares.

Ainda enquanto jovem oficial envolve-se com o movimento denominado

“jovens turcos”, o qual tinha por objetivo reformular a estrutura organizacional do

Exército brasileiro. Este desejo decorre do contato dos participantes do movimento

com novas técnicas e modelos de formação militar. Especialmente por estagiarem

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em tropas do exército alemão, e verificarem uma maior eficiência e operacionalidade

daqueles soldados, em relação às tropas nacionais. O movimento não obteve êxito,

e o Exército brasileiro manteve sua organicidade moldada ao modelo francês. Que

se sustenta até a preparação das tropas para o embarque para a Itália, quando

promoveu-se, de forma brusca e atropelada, a adaptação ao modelo militar norte-

americano. Vale ressaltar que o período do movimento dos “jovens turcos” é anterior

à primeira guerra. Seus integrantes, portanto, não apresentavam ligações com o

nazismo. Muito embora alguns possam ter-lhe desenvolvido simpatia, porém de

maneira independente.

Porém obteve, o então general Leitão de Carvalho, a chance de tentar impor

um pouco de sua filosofia reformista em prática ao assumir o comando da 3a Região

Militar, no Rio Grande do Sul, que no período caracterizava-se como a maior e mais

bem equipada região militar do Brasil. Cabe o destaque de que o general Leitão

pertencia ao grupo de oficiais não muito alinhados ao grupo revolucionário de 1930.

E talvez em função de seu histórico fora mantido isolado dos acontecimentos da

Europa, pois os órgãos militares não passam um volume muito grande de

informações, restando apenas os órgãos de imprensa. Dos quais não se obtinham

muitos dados de relevância, já que o país era conduzido por um regime ditatorial, no

qual a imprensa sofria grandes restrições, por meio de censura.

Prometera-lhe o ministro da guerra três anos no comando daquela Região

Militar, fato de grande contentamento para o general Leitão, dado que teria tempo

hábil para introduzir valores na tropa, em sua opinião subvertidos pela revolução de

1930. Contudo, seu tempo a frente das tropas sul riograndenses fora diminuído, pela

intenção de nomeá-lo para a inspetoria do 1°Grupo de Regiões.

A função do inspetor do 1°Grupo de Regiões, seria como a de um supervisor,

encarregado de coordenar os trabalhos das unidades pertencentes às Regiões

Militares, englobando também as tropas do Nordeste. Sendo assim passaria ao

encargo do general Leitão a organização das tropas envolvidas na defesa

nordestina. Afinal quais as razões que levaram o ministro da guerra a indicar o

general Leitão para o citado posto? Pois como se vê seu perfil não se alinha ao do

grupo detentor do poder.

A resposta que parece a mais coerente é que sua indicação deve-se a boa

aceitação da figura do general Leitão, nos meios militares norte-americanos. Em

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especial o grande apreço tido mutuamente entre os generais Leitão e George C.

Marshall, um dos comandantes do estado-maior dos Estados Unidos. Sua

nomeação indicaria um real interesse brasileiro em levar a diante as negociações

com os Estados Unidos. As quais não interessavam que fossem rompidas por

ambos os lados. Todavia, por aspectos diferentes. Ao Brasil devido a dependência

dos créditos e materiais que naquele momento somente poderiam vir daquele país.

E aos Estados Unidos, a manutenção das negociações, interessavam pelo aspecto

militar.

A maneira que o Brasil conduziria estas negociações, principalmente após o

rompimento diplomático com o Eixo, ficam claras no texto do general Dutra, ao

presidente:

“Deste modo, temos que convir que, diante de nossa ainda precária preparação para luta, rompendo agora as relações com os países do Eixo, de duas uma: ou vamos voluntários para a guerra incapazes de fazê-la, ou vamos para ela decididos a não fazê-la. No primeiro caso, cometemos um desatino; no segundo, calculamos que outros a façam por nós ...” 6

6 Voto do ministro da guerra, na reunião do ministério. In: BONAVIDES, P. AMARAL, R. Textos

Políticos... op. cit. p. 205.4

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CAPÍTULO II

A ATUAÇÃO DAS FACÇÕES

Durante o período de neutralidade do governo brasileiro estabelecia-se um

clima de cordialidade entre as facções instaladas no interior do governo, até em

conseqüência de suas respectivas posições hierárquicas. Este quadro de

tranqüilidade é rompido a partir do momento em que se quebra a cápsula da

neutralidade.

Quando em vias de encerrar seu tempo de comando frente as tropas sul

riograndenses, ao general Leitão é ofertado o posto de inspetor do 1º Grupo de

Regiões, em virtude da passagem compulsória do comandante o general Meira, para

os quadros da reserva em abril de 1942. Dado o longo espaço de tempo, de quase

um ano, que teria de esperar para efetivar esta transferência o general Leitão

expressa preferência em ser mantido no cargo do Sul, sugerindo que sejam

desmembrados os comandos da 3ª Região Militar e o da Divisão de Infantaria, como

já se havia sugerido, na reforma proposta em 1938, pelo estado maior. Passadas

algumas semanas o general Leitão é informado por um oficial do gabinete do

ministro da guerra que talvez o general Meira fosse aproveitado pelo Supremo

Tribunal Militar até o final daquele ano, e ainda se esta possibilidade não se

concretizasse a referida reforma seria requerida mais cedo. E mais, “se de todo isso

não se der, o 1º Grupo de Regiões será dissolvido e criado o Comando das Fôrças do Nordeste, com

êste ou outro nome, o qual terá como chefe nosso prezado amigo” 7.

Esta situação, até aquele momento, não causava maiores preocupações,

para o grupo contrário ao alinhamento com os Estados Unidos, pois as negociações

para aprofundar os estudos de cooperação começavam a naufragar. Uma primeira

comissão mista brasileiro-americana fora constituída com a função de efetuar

estudos e avaliar as possibilidades de proteção da costa do Nordeste do Brasil

frente um eventual ataque nazista. Esta comissão teve como sede o estado-maior,

no Rio de Janeiro, seus trabalhos se deram no último quarto do ano de 1941, e fora

presidida pelo chefe do estado-maior o general Góis Monteiro.

As reuniões não tiveram grande proveito e ainda resultaram em uma situação

embaraçosa para o ministério das relações exteriores.

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“as três primeiras sessões da comissão haviam sido completamente ocupadas pelo general Góis Monteiro, com longas exposições sôbre o processo de colonização dos portugueses no Brasil, a formação racial do povo brasileiro e as características geográficas do território nacional, com manifesto mal-estar dos americanos que, (...), não entendiam uma palavra de português, e estavam ansiosos para entrar na matéria que os trouxera ao Brasil. (...) propuseram interrompesse por algum tempo os trabalhos, a fim de procederem (...) ao estudo do terreno, base de qualquer decisão sôbre o organização da defesa que ali viesse a ser estabelecida”8.

Retornando à capital a comissão apresentou os resultados de sua análise e

as propostas para a defesa da região, as quais não tiveram boa aceitação no

comando do estado-maior. A proposta de envio de tropas norte-americanas para a

defesa do Nordeste causou um ataque de fúria no general Góis que não somente

negou ser ele o autor da menção a tal solução, como ameaçou com resistência

armada, até de tacape se necessário, as tropas que ali tendessem desembarcar com

aquele fim. Esta atitude tornou as relações tensas, em especial entre o general Góis

Monteiro e o adido militar dos Estados Unidos, o general Lehman Miller. A situação

chegou ao ponto dos representantes do governo norte-americano regressaram para

Washington, sem concluírem sua missão. E mais, do governo brasileiro solicitar a

retirada do adido militar norte-americano do país.

Para melhor compreensão deste evento vale a pena relembrar que esta

querela ocorre anteriormente ao rompimento das relações diplomáticas do Brasil

com as nações do Eixo, e que estas negociações inserem-se no contexto de

especulações do governo dos Estados Unidos, em busca da efetiva participação do

Brasil do lado Aliado. Decisão esta que como vemos pela condução das

negociações, ainda não estava clara na cúpula nacional. E que em decorrência do

desenrolar dos acontecimentos, de forma premeditada ou não, o alinhamento do

Brasil com o Bloco Aliado, ao menos militarmente tornou-se mais difícil.

Sob este contexto a nomeação do general Leitão não acarretava perigos,

para os que se posicionavam a favor do alinhamento com a Alemanha. E mais

ainda, garantia um ponto favorável ao governo do Brasil, dado que a figura do

general Leitão estava associada à causa da defesa das democracias. Fato este que

se apresenta com vital importância, tendo em vista que o Brasil dependia do

comércio com os norte-americanos, e de suas linhas de crédito para levar a diante o

7 CARVALHO, E.L. op. cit. p. 36 8 Ibdem p. 47

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processo de modernização nacional. Sendo assim, por mais que as negociações

ainda fossem reatadas, se realizariam sem a perspectiva de aplicabilidade. Fato que

adquire relevância em função do andamento da guerra, que naquele momento,

1941, apontava para um breve final e com vitória alemã. Desta maneira o Brasil

mantinha abertas as possibilidades com as duas facções. Ainda poderia vir a ser o

parceiro americano da Alemanha, na concretização do aparente final dos confrontos,

e daria continuidade ao processo de negociações com os Estados Unidos, vital para

a implantação da modernização calcada na indústria, pretendida pelo governo

Vargas.

Todavia estas perspectivas sofrem o impacto da declaração de guerra do

governo brasileiro aos países do Eixo. Cabia então, aos defensores da tendência

contrária retardar ao máximo a efetiva participação ao lado dos Aliados. Estas

atitudes começam a tomar corpo quando da efetiva nomeação do general Leitão e

durante seu trabalho como inspetor do 1° Grupo de Regiões.

Ainda em 1941 o general Leitão recebe uma correspondência, um recado, do

ministro da guerra, com os seguintes dizeres : “os cargos que tivera em vista oferecer-lhe,

estavam ocupados”9. Esta notícia fez com que o comandante da 3ª Região partisse

rumo à capital da República, em busca de uma definição para a situação, afinal já

havia sido extra oficialmente informado da certeza de seu nome para o posto. E caso

fosse mantido no comando das forças do Sul, necessitava sabe-lo logo, pois em

breve teria início o período de instrução da tropa e a presença do comandante fazia-

se necessária. Além de estar ciente da necessidade de uma definição rápida para o

início do plano de defesa brasileiro.

Ao chegar à sede do governo fora recebido pelo general Dutra, que logo lhe

adiantou que o presidente pretendia nomeá-lo inspetor do 1°Grupo de Regiões, e

que ele, o general Dutra, havia sido incumbido de lhe transmitir a notícia. Porém,

esclareceu-lhe o general Leitão já tomara conhecimento desta decisão, e que

desejava saber porque repentinamente se alterara. Diante disto confessou-lhe o

general Dutra, “o general Meira, acrescentou, se magoára à idéia de deixar a inspetoria nas

vésperas da reforma , como se seu serviços de nada valessem. Mas que a situação não era definitiva

e havia muito que fazer no Nordeste” 10.

9 Ibdem p. 45 10 Ibdem p. 46

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Esta demora na realidade se deu em função do voto contrário ao rompimento

diplomático com as nações do Eixo, do ministro da guerra na Conferência dos

Ministros do Exterior das Repúblicas Americanas. Esta atitude provocou grande

balbúrdia dentro dos quadros do governo, havendo até a ameaça de

desmantelamento da cúpula militar nacional. O general Góis Monteiro atentara

demitir-se, e isto ocorrendo o ministro da guerra o acompanharia. Demonstrando

cumplicidade entre os dois generais.

Com a crise acalmada o general Leitão é enfim nomeado inspetor do 1°

Grupo de Regiões, cabendo ao inspetor aglutinar o comando do Teatro de

Operações Nordeste e Leste.

OS TRABALHOS DA INSPETORIA

Mesmo com a definição de sua nomeação o general Leitão ainda não tinha

claras as prerrogativas de suas novas funções. Quanto à inspetoria as dúvidas eram

facilmente respondidas, ao inspetor cabia analisar questões relativas à instrução,

organização e mobilização das tropas sob sua jurisdição. Porém, sem poder de

supra comando. Ou seja deveria estudar os casos das tropas e levar suas

observações e sugestões ao ministro da guerra, para que este providenciasse as

aplicasse, ou promovesse nova solução para o problema apontado.

Mas e quanto as atribuições de comandante do Teatro de Operações do

Nordeste e Leste? Qual deveria ser seu procedimento? Este cargo também deveria

expor-se à aprovação do ministro? E por fim, tratando-se do comando do Teatro de

Operações significa estar preparando a região para tornar-se cenário de guerra, mas

qual afinal a política do governo brasileiro a respeito da guerra?

Cabe lembrar que esta nomeação ocorre no início de 1942, portanto o Brasil

ainda não efetivara sua declaração de guerra, aos países do Eixo, mantinha apenas

a ruptura diplomática. E as negociações com os norte-americanos não haviam ainda

sido retomadas, nem suas propostas acatadas. Não havendo portanto uma situação

definida a respeito de qual inimigo se iria combater. Se o eventual ataque nazista ou

o desembarque de tropas oriundas dos Estados Unidos, como sugerira o chefe do

estado-maior.

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Ao assumir efetivamente o novo cargo, o general Leitão tomou conhecimento

da Instrução Inicial para a defesa do Teatro de Operações Nordestes e Leste,

datada de 03 de fevereiro daquele ano, e que se encontrava nos arquivos da

repartição. No documento constam os encargos atribuídos pelo chefe do estado-

maior ao designado da função. A instrução Inicial encarrega o inspetor do 1° Grupo

de Regiões, eventual comandante do Teatro de Operações de “por em estado de

defesa os territórios da 6ª e 7ª Regiões, como medida de proteção ao Nordeste

brasileiro contra tentativas de ataque, ou ataques, procedentes do mar e do ar, aos

pontos sensíveis do litoral”11. E no decreto do dia 26 de fevereiro, em que é

atribuído ao inspetor o cargo de comandante do Teatro de Operações, apresentam-

se suas fronteiras geográficas, definidas entre a fronteira marítima do país, a Leste,

o Rio Doce, ao Sul e o estado do Maranhão ao Norte. Abrangendo assim os estados

da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,

Piauí e Maranhão, ou seja toda costa nordestina. Prevê-se, ainda pelo texto do

documento, que o comandante do Teatro de Operações disporia de todas forças

militares existentes na região, além das do Exército também da Aeronáutica e

Marinha, inclusive as de Fernando de Noronha, e que se houvesse precisão contaria

com reforços que o ministério da guerra encarrega-se de enviar. Vemos que eram

oferecidos meios e autonomia suficientes para um bom desempenho da missão.

Todavia, somente no decreto.

“Advertia, porém, o chefe do Estado-Maior do Exército serem escassos os recursos de mobilização do país, devendo-se levar em conta, ao organizar a defesa do território, ser precária nossa capacidade de transportes, comunicações e reaprovisionamento. Até o armamento, a munição, o equipamento e outros aprestos, indispensáveis à mobilização das tropas do Exército ativo, unidades de reserva e formações especiais, achavam-se em parte, ‘na dependência de fornecimento pelos Estados Unidos da América’, não se podendo contar com os recursos senão a partir do segundo semestre daquele ano”12.

E dependendo ainda, da manutenção das vias de comunicação e transportes

marítimos em mãos de forças norte-americanas. Acrescenta também, o general

Góis, que deveria ser estruturada uma mobilização de emergência que garantisse a

reunião do maior número de meios para a defesa, até que o país recebesse o

material norte-americano. O que nos leva a perceber que a aplicabilidade do projeto

11 Ibdem p. 54 12 Ibdem p. 54

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de defesa daquela costa não apresentava-se tão bem estruturado, nem seria de fácil

execução. Execução esta que não caberia ao comandante do Teatro de Operações.

A incumbência que lhe fora passada, através da Instrução Inicial, era de por o

Nordeste em estado de defesa, e não de elaborar um plano de defesa, de enorme

abrangência territorial. A função de elaborar o plano de defesa cabe à chefia do

estado–maior do Exército, e confiar esta atribuição a outro executor, seria afirmar

que até então o país nada fizera para a proteção do território e das populações da

região. Contudo, por meio de um artifício gramatical, em lugar de plano de defesa se

determina a aplicação do estado de defesa, cria-se o aparente clima de segurança e

de atuação governamental em prol do benefício populacional*.

Outra questão vem a tona em meio a definição das atividades do comandante

do Teatro de Operações. A ele eram postas em disponibilidade todas as forças de

terra, mar e ar, da região, porém, não eram especificadas estas forças, suas

atribuições, efetivos e em que condição de treinamento e acervo logístico se

apresentavam. Pontos de grande relevância, ao levar-se a cabo a execução das

ordens bem como, e principalmente, a mobilização de emergência. Como organizar

uma defesa sem saber com quantos homens se pode contar. Qual seu nível de

treinamento, que tipo de armamento e munição têm-se disponível. As formas de

ataque apresentam-se de três maneiras do mar para a terra, por meio do

desembarque de tropas em terra e ainda, um ataque aéreo. Estariam as citadas

tropas preparadas para cada um destes eventos, ou até todos simultaneamente?

Assim também encontrava-se a descrição dos reforços, que estariam sendo

organizados pelo ministério da guerra, estes além de não serem especificados não

apresentavam suas origens, número de efetivos e tampouco uma previsão do tempo

para sua mobilização, treinamento e transporte até o Teatro de Operações.

Convém lembrar que o envio dos materiais, não disponíveis em território

nacional, necessários para por em prática o plano de defesa, deveriam vir dos

Estados Unidos, o que ocorreria somente dentro quase seis meses, e de maneira

parcelada. Estes materiais, não disponíveis na produção nacional, trata-se de tudo

necessário para as guarnições. A indústria brasileira não tinha capacidade de prover

nada além uniformes e munição de poucas armas leves, as quais eram de

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fabricação alemã. No caso do envio de novas armas estas deveriam vir dos Estados

Unidos, o que acarreta a não utilização do armamento já existente, dado que o

armamento deve seguir um modelo de padronização. Ou seja com a impossibilidade

do comércio com os alemães, novas armas somente dos norte-americanos assim

como a munição. Esta até poderia vir a ser fabricada em território nacional, mas as

indústrias careciam de remodelação para o padrão do armamento norte-americano.

Também consta no texto da Instrução Inicial a possibilidade da participação

de tropas do Exército norte-americano na defesa do território nordestino. Mas este

reforço ainda dependeria de novas negociações entre os dois países, já que o

próprio general Góis Monteiro havia posto em cheque as relações entre os dois

governos. Portanto esta participação estadunidense não se apresentava de outra

maneira se não como uma possibilidade, um tanto remota.

Diante destas dificuldades procurou o general Leitão fazer um pré-

levantamento da real situação das guarnições do Nordeste, antes de partir em

viagem de inspeção da região. Descobriu que a única atitude posta em prática com

eficiência, na busca da implementação dos alicerces da defesa local, fora a

concessão à PANAIR, em meados de 1941. Por meio da concessão de linhas

comerciais, para a empresa de aviação norte-americana, obteve-se a reforma das já

existentes e a construção de novas pistas de pouso. Esta autorização fora

estendida, apenas verbalmente, pelo governo brasileiro para permitir a utilização

das bases de Belém, Natal e Recife como postos de reabastecimento e manutenção

de aviões militares norte-americanos. Com relação às guarnições militares nacionais

a única medida tomada recebera o peculiar nome de “Processo Lavoisier “, nos

círculos militares,

“consistia em dissolver um corpo de tropa para com seus elementos componentes formar outro; depois reinstalar o primeiro. (...) O 11°B.C., diz um Aviso de 15 de julho de 1941, ficará sem efetivo, sendo transferidos para o 16°regimento todos os seus elementos – oficiais, praças, armamentos, animais e materiais diversos – a êle pertencentes. (...) O 29°, de guarnição na sede do novo regimento, por Aviso da mesma data entregar-lhe-ia, a 1° de agosto seus elementos constitutivos ficando sem existência como o 11° “. 13

* O nordeste era tido como ponto estratégico desde antes do início dos confrontos, em 1939. Em

fevereiro de 1942 diversos navios mercantes brasileiros são afundados por meio de ataques submarinos, supostamente alemães.

13 Ibdem p. 66

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Tornam-se, então, claras as intenções do ministério da guerra com este

reaparelhamento figurado. Ao causar grande movimentação, lançando de lado a

outro regimentos inteiros, a autoridade executiva do Exército criava a aparência de

uma efetiva preocupação, e principalmente de atuação. Inspirando confiança e

reforçando um ideário de que o governo do Estado Novo protege ao seu povo como

o pai ao filho, calando aos que se postavam desejosos de uma ação eficiente na

defesa da nação. Diante destes fatos ao general Leitão não restou outra opinião se

não, que o ministério da guerra não estava efetivamente preocupado em criar

condições ideais para o posicionamento de tropas, prontas para enfrentar o eventual

invasor. Tendo em vista que a descrença na possível invasão não se apresentava

como boa justificativa, afinal além do domínio nazista na África, os torpedeamentos

de navios brasileiros, em zonas próximas à costa, tornavam-se uma constante,

resta apenas a hipótese de má fé das autoridades. Ou como coloca o próprio

general Leitão de Carvalho, “se praticava o crime de criar a impressão de segurança, sem

promovê-la de fato”14 . Fosse pela vontade de esperar o desenrolar da guerra, ou o

desinteresse pela aliança com os Estados Unidos, o território nacional e

principalmente as populações da região estiveram sob grande risco. Sobre este

aspecto relatou o Capitão de Fragata, norte-americano, Paullus P. Powel, membro

da comissão mista de 1941 designado para estudar o caso da ilha de Fernando de

Noronha:

“Tudo estava atrasado nessa transformação de Fernando de Noronha numa posição fortificada. Em novembro de 1941, ainda se discutia no Conselho Superior de Defesa Nacional a quem devia caber o comando militar do arquipélago: se ao Exército, à Marinha ou a Aeronáutica; a decisão de entregá-lo ao primeiro só tendo sido tomada a 12 daquele mês. (...) A primeira tropa a chegar na ilha, a 16 de abril de 1942, (...) Só a 09 de julho, desembarcaria a última unidade a chegar.” 15

Antes de partir para o Nordeste o general Leitão procura o ministro da guerra,

com a intenção de solicitar-lhe a disponibilidade dos meios necessários para tornar

eficaz a mobilização das tropas da região. Eis que lhe responde o ministro: “o que

tinha que pôr no Nordeste já lá estava” 16. Diante disto o comandante do Teatro de

Operações apresenta um prévio plano de defesa, no qual descreve a conformação

14 Ibdem p. 80 15 Ibdem p. 75 16 Ibdem p.81

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mínima necessária para o cumprimento da defesa. Dias depois é procurado pelo

diretor de Material Bélico, general Sílio Portela, o qual solicita que se esclarecesse

alguns pontos, os quais tornavam inexeqüíveis os planos ali propostos. O

documento apresentado pelo general Sílio Portela não era o mesmo apresentado

pelo general Leitão ao ministro, embora tenha sido o gabinete do ministro quem

enviara a cópia à diretoria de Material Bélico. Ao serem comparadas as diferentes

versões :

“verificámos ter sido mutilada, não podendo produzir os resultados previstos : em vez de material moderno, de grande eficácia recebido a pouco da Alemanha, mandava-se fornecer às novas unidades artilharia antiquada, proveniente de regimentos aquartelados em pontos afastados do território nacional : Minas Gerais, São Paulo Paraná e Rio Grande do Sul, cuja chegada ao Nordeste exigiria longo tempo. Verdadeira sabotage “.17 (grifo no original)

Contudo, apesar do clima que se instalara diante do ocorrido, um fato deu

novas forças ao comandante do Teatro de Operações. No dia do embarque, para o

Nordeste, fora chamado à residência do presidente da República, o qual encontrava-

se adoentado. Na entrevista o presidente Vargas solicitou que o general Leitão, além

de suas atribuições oficiais, atuasse também como arauto do governo. Que

procurasse através da imprensa passar ao povo nordestino tranqüilidade deixando

claras as intervenções que vinham sendo aplicadas na região. E que,

principalmente, demonstrasse que todos os quadros do governo, espelhados em sua

figura, estavam apreensivos pela segurança daquela população.

Sob estas circunstâncias parte o inspetor do 1° Grupo de Regiões rumo ao

Nordeste para efetuar a inspeção e elaborar o plano de defesa.

A INSPEÇÃO E O PLANO DE DEFESA

Ao chegar na Bahia, no mesmo dia em que partira do Rio de Janeiro, tomou

contato com a repercussão de uma entrevista concedida a um jornal fluminense na

véspera de sua partida. Nesta, o general Leitão descreve os objetivos de sua

viagem, e começa a cumprir o pedido do presidente. Missão que fora executada com

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muito êxito dada as calorosas acolhidas ofertadas pelo povo nordestino, bem como

o amplo apoio e cobertura da imprensa das diversas localidades visitadas, sempre

por meio de longas entrevistas nas quais eram reforçados pelo inspetor sua missão,

e principalmente sua incumbência de comandante do Teatro de Operações, e seus

conseqüentes desdobramentos. Quanto à parte militar da viagem a função de

inspetor também foi exercida com retidão, as tropas vistoriadas e avaliadas, e por

fim causaram boa impressão ao inspetor, apesar de muitos dos aquartelados sequer

imaginavam que o território poderia vir a ser alvo de ataque dos nazista

repentinamente. Todavia, após a inspeção em Recife, uma das maiores e mais

disseminadas corporações, quando a caminho de capital paraibana surge um

telegrama comunicando que o general Dutra se encaminhava a Recife Após uma

inspeção apressada a comitiva retorna a capital de Pernambuco, buscando

compreender as razões do deslocamento do ministro da guerra até aquela cidade.

Em companhia do general Mascarenhas de Morais, comandante da 7ª Região

Militar, o comandante do Teatro de Operações encontro-se com o general Dutra,

que o recebera sem demonstrar surpresa de seu retorno não programado. Depois

de algumas palavras sem função prática alguma, o general Dutra apresentou-lhe o

problema causador de sua ida até Recife. “O general Mascarenhas de Morais sentia-se

diminuído com a presença de outro chefe militar em Pernambuco onde até então era a mais alta

autoridade”18, ao que lhe apresentou a mais breve solução o general Leitão de

Carvalho : “vossa Excelência dá a minha exoneração de comandante supremo das forças do

Nordeste, e nomeia para o cargo o general Mascarenhas”19. Sugestão esta não aceita em

virtude do comandante da 7ª Região ser um general de Brigada, impossibilitando-o a

assumir tal posto. A proposta final veio do ministro, que o general Leitão não

prosseguisse com a inspeção por alguns dias. E que nesse meio tempo o próprio

general Dutra visitaria os corpos das guarnições da 7ª Região. Partindo da

observação da solução aplicada o problema muito mais aparenta uma maneira de

suspender as atividades do inspetor de maneira discreta. Porém o golpe na missão

do inspetor seria ainda mais forte.

Quando retorna de Natal, onde acompanhava o trabalho das bases lá

instaladas, o general Leitão toma conhecimento do pronunciamento proferido pelo

17 Ibdem p. 82 18 Ibdem p. 98 19 Ibdem p. 99

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ministro da guerra no dia anterior de seu regresso par o Rio de Janeiro. Neste

discurso, em meio a um jantar em sua homenagem, o ministro afirma não haver

ainda uma definição oficial do nome a ser indicado para o comando do Teatro de

Operações Nordeste e Leste.

“...... que sinto que, conquanto ainda não haja já sido constituído um comando de conjunto para o emprego em ligação de tôdas fôrças armadas do Nordeste, a unidade de vistas e a convergência de esforços entre elas já é uma realidade E essa situação verdadeiramente consolidada, só benefícios trará, (...) nesta grande zona do país, merecendo aquêles que a souberam criar e manter com lealdade e patriotismo, os mais sinceros aplausos e estímulos de todos nós.”20

As declarações do ministro da guerra puseram em xeque, não somente todo

trabalho até então desenvolvido, como também tornava desacreditada a figura do

general Leitão. Desde sua nomeação causara-lhe muito espanto o fato de não ter

sido oficialmente empossado, e nem recebido o diploma conferido ao assumir o

comando deste tipo de função. Contudo, o presidente da República em pessoa o

tinha recebido, enquanto comandante do Teatro de Operações, e o recomendado de

sua missão, em nome do governo, perante o povo do Nordeste. A pressão velada,

anteriormente exercida pelo ministro de modo diplomático, assumia agora o caráter

de hostilidade aberta.

Esta atitude do general Dutra deixa claro que desde o início, desde a

nomeação do general Leitão para o cargo, e toda seqüência estava prevista. Talvez

não de forma maquiavélica premeditando passo a passo, mas procurando deixar o

máximo de lacunas possíveis para serem aplicadas como trunfos nos momentos

precisos. Desta maneira torna-se mais claro todo conturbado processo de

nomeação do inspetor. As razões da demora na definição explicam-se pelo fato de

quanto maior a demora mais às pressas o novo inspetor assumiria o cargo. Assim as

questões formais da transmissão de cargo ficavam diluídas, e como o general Leitão

estava empenhando-se em demasiado para realizar a inspeção e desenvolver logo o

plano de defesa, chegou o momento dos que não interessavam-se por aquele

objetivo agirem.

Vale ressaltar que se o Brasil desenvolve-se rapidamente o plano de defesa

isto poria levar aos Estados Unidos, por observarem o empenho brasileiro em

proteger o continente, a reatarem as negociações num prazo mais curto. Facilitando

20 JORNAL DO COMÉRCIO, Recife, 28 de abril de 1942. Apud. Ibdem p. 111

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a entrada do Brasil na guerra, já que neste momento abril de 1942 o Brasil ainda não

declara guerra ao Eixo. E foi esta atitude que se procurou evitar. Ainda um outro fato

chama a atenção neste golpe aplicado pelo ministro da guerra. È que todo este

evento deu-se no momento em que o presidente Vargas estava muito adoentado,

tornando-se incomunicável. O presidente era a única figura a quem o comandante

do Teatro de Operações poderia recorrer para livrar-lhe daquela situação

embaraçosa. Tendo em vista ter sido ele, afinal, o decisor da nomeação do general

Leitão de Carvalho.

Em decorrência das declarações do ministro de guerra, um fato curioso vem à

tona. Apesar do general Dutra ter deixado claro não haver ainda o comandante para

o Teatro de Operações, o general Leitão não fora comunicado confirmando e nem

desmentindo tal afirmação. Foi simplesmente deixado numa situação de ostracismo

por seus superiores.

De retorno ao Rio de Janeiro o inspetor do 1° Grupo de Regiões redige um

relatório informando os resultados de sua viagem, juntamente com um plano de

organização da defesa. E para dar parecer sobre sua missão de caráter político,

elabora uma carta ao presidente, na qual esboça o sucesso que a política oficial

causava naquelas populações. Acrescenta ainda, que o plano de defesa fora

organizado e entregue ao ministro da guerra.

O plano de defesa, elaborado pelo general Leitão, apresentava uma ampla

disseminação de tropas por todo território que lhe era designado. Estando muito

detalhadamente o efetivo, armamento e posicionamento das tropas na região. Para

encerrar o texto do documento explana:

“São essas as medidas que julgámos necessárias levar a efeito a fim de proporcionar ao Nordeste uma defesa eficaz. (...) Estamos convencidos de que, com êsse meios, será possível cumprir a missão de ‘pôr em estado de defesa os territórios da 6ª e 7ª Regiões Militares’, protegendo o Nordeste brasileiro ‘contra tentativas ou ataques procedentes do mar e do ar dos pontos sensíveis do litoral’, confiada pelo chefe do Estado-Maior do Exército ao inspetor do 1° Grupo de regiões militares.”21

Apresentadas as propostas o alto comando manteve-se indiferente até a

expedição do parecer a respeito do plano de defesa. O documento do gabinete do

ministro da guerra deixam clara a posição deste órgão, em relação a um possível

21 Ibdem p. 140

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25

ataque ao território do Brasil. Neste consta que, segundo apreciação do alto

comando, os pontos mais sensíveis do território eram a região litorânea do Rio de

Janeiro a São Paulo, estendendo-se até o Sul de Santa Catarina. E não o Nordeste.

O que nos leva a colocar que se era esta zona a mais ameaçada, então todo o

território deveria ser preparado para uma invasão por qualquer de suas fronteiras,

inclusive as do Oeste. Esta posição, do estado-maior, não se altera nem com a

declaração de guerra em 22 de agosto de 1942. Fato este que tornava ainda mais

difícil a proteção daquela área, tendo em vista que, já se passara muito tempo, e que

em face com a concretização de um ataque não se efetivaria a mobilização das

tropas em tempo hábil. Todavia em 23 de maio de 1942, o Brasil retoma as

negociações com os Estados Unidos e assina o acordo de cooperação militar entre

as duas nações. Neste Acordo fica estabelecida a criação de uma Comissão Mista

de Defesa Brasil-Estados Unidos, a qual teria sua sede em Washington, com um

segundo comando no Rio de Janeiro. Esta comissão teria como finalidade elaborar,

e por em prática, a defesa do Nordeste, bem como tratar dos financiamentos e envio

de materiais norte-americanos, necessários para a implantação desta.

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26

CAPÍTULO III

A COMISSÃO MISTA DE DEFESA

Designada em função do acordo de 23 de maio de 1942, a Comissão Mista

de Defesa enfrentou diversos obstáculos para o desenvolvimento de seus trabalhos.

Todos com a mesma origem, o ministério da guerra ou o estado-maior, e objetivo

atravancar as negociações para atrasar ao máximo a execução prática de suas

deliberações.

A comissão teria, por definição do acordo, duas sedes uma na capital de cada

nação. Todavia à sessão instalada no Brasil cabia apenas apreciar e viabilizar a

aplicação das recomendações originadas em Washington. Este caráter de maior

importância administrativa da comissão instalada nos Estados Unidos deve-se ao

fato de ser este país o responsável pelo fornecimento dos créditos e materiais

necessários para a implantação da defesa na costa do Nordeste. Sendo assim a

maior proximidade dos órgãos geradores das linhas de crédito tornaria facilitado o

trabalho final.

As dificuldades de diálogo entre o delegado brasileiro em Washington e seus

superiores no Brasil já se iniciam no texto das Instruções, enviadas pelo estado-

maior e que deveriam nortear as ações do general Leitão e sua comitiva. Esta

dissonância já evidencia-se no envio destas Instruções as quais somente chegam às

mãos do general Leitão, uma semana após este já estar na capital norte-americana.

Além do fato que deveriam ter-lhe sido entregues no Brasil, não poderiam ter sido

redigidas pelo chefe do estado-maior do Exército e sim pelo ministro da guerra. Isto

em virtude do general Leitão executar o papel de delegado chefe da comitiva

brasileira, desta maneira suas ordens deveriam também ser abrangentes aos

representantes das demais forças. Sobre o seu conteúdo comenta o general Leitão:

“... as Instruções deixam na anterior incerteza, tantas vezes aludida, os propósitos do govêrno com relação à defesa do Norte e Nordeste do país. Em vez de indicar o que estavamos dispostos a fornecer, e de fixar o que precisavamos obter do s Estados Unidos para dar eficácia à defesa daquela porção do território nacional, as Instruções deixam esse encargo para a Delegação brasileira, estendendo, porém as necessidades de defesa de todo o país, não só no tocante a material bélico, mas toda classe material.”22

22 COMISSÃO MISTA DE DEFESA BRASIL-ESTADOS UNIDOS, Relatório geral do chefe da

delegação. Washington, 1945. p.34

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27

Isto deve-se ao medo de uma eventual invasão originada na própria América

do Sul, descrita no corpo do documento: “Não olvidar a hipótese do Brasil vir a ser atacado

na própria América do Sul...”23

Este temor, aparentemente infundado, tem suas razões de existir, ao menos

seguindo a ótica do grupo no poder. Esta hipótese deve-se ao fato da Argentina,

maior concorrente na busca na hegemonia sul-americana. Este país apresentava em

seus quadros políticos uma afinidade maior com o ideário nazista, que o governo

brasileiro. Na situação da redação das Instruções, apesar do Brasil ainda não ter

declarado guerra já efetivara seu alinhamento aos norte-americanos. Desta maneira

a Argentina passa a ser um potencial representante da Alemanha no continente, o

que torna possível um eventual levante contra o representante dos Estados Unidos.

Esta probabilidade parece ser bastante possível de realizar-se, dadas as diversas

referências ao assunto no texto das Instruções:

“Comparando-se o ponto de vista americano com o ponto de vista brasileiro, no tocante à

execução do Acorde de 23 de maio, fica evidente a divergência entre êles. O Estado Maior americano considerava a colaboração militar, (...) como uma contribuição direta à segurança do Continente, limitando-se, portanto, às medidas necessárias a reforçar, com material e pessoal, os meios destinados a guarnecer as regiões imediatamente ameaçados pelas forças do Eixo, a começar pelo Nordeste; o Estado Maior brasileiro encarava a referida colaboração como devendo estender-se a todos os ramos das atividades nacionais ligados ao potencial de guerra do país,(...) considerando o Brasil ameaçado não só pelas forças do Eixo, mas também por potências sul-americanas.” 24

Além deste claro medo de uma invasão por parte de nação sul-americana,

outro receio ainda aflora, em meio ao corpo do documento:

“A imprudência de aplicar todos os meios disponíveis num determinado teatro, em detrimento

dos demais, (...) a necessidade de garantir a segurança do govêrno contra atividades subversivas insidiosamente maquinadas pelos interessados em modificar a política e a posição do Brasil face a guerra mundial.” 25

Isto em função da situação política do país. Além do perigo de uma agressão

externa, havia o risco de um levante contra o governo, que já havia enfrentado

outros dois em 1932 e em 1938. E o próximo poderia partir do interior da nação, ou

comandado de fora, com o objetivo de implantar um governo mais definidamente

envolvido nos assuntos da guerra.

23 Ibdem p. 31 24 COMISSÃO MISTA DE DEFESA BRASIL-ESTADOS UNIDOS, Relatório geral do chefe da

delegação. Washington, 1945. p.44. 25 Ibdem p. 42

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Os trabalhos da comissão eram apreciados de maneira diferenciada, em cada

um dos países. Não somente quanto ao objetivo final como durante o andamento

das negociações. No Brasil a criação do órgão assume caráter de segredo de

Estado, sendo evitada até sua citação nos documentos do ministério da guerra.

Enquanto que, nos Estados Unidos, fora motivo de artigos em jornais e inclusive

matéria de capa de uma revista mensal do período, a Fortune.

Estas diferentes atitudes esclarecem a visão de ambos os governos para o

tema. Enquanto no seio do governo norte-americano o apoio explícito do Brasil era

motivo de empolgação, e até de certo alívio. Nos círculos militares do Brasil uma

mistura de medo e vergonha pareciam assolar o alto comando, quando o assunto

era o alinhamento com os norte-americanos. Isto foi de maneira indireta um ponto a

favor, quando do estabelecimento da comissão em Washington, pois inseria os

membros brasileiros num ambiente de maior tranqüilidade para executar suas

atribuições.

Alguns meses após a abertura dos trabalhos um acontecimento dos campos

de batalha vem de encontro com as expectativas da delegação brasileira, que ao

contrário de seus superiores no Brasil, buscava além obtenção dos melhores

benefícios para a nação, esperava auxiliar a causa das nações aliadas. A retomada

por forças anglo-americanas do território Norte, do continente africano. A ação de

ocupação da costa marroquina inviabilizava ao exército nazista o alcance de Dakar,

cidade que funcionaria como trampolim para o lançamento das unidades de ataque

à costa brasileira. Aparentemente em função disto a mobilização para a defesa do

Nordeste do Brasil perderia o sentido. O que segundo aponta o delegado brasileiro

não ocorre desta maneira. O general Leitão avalia que:

“já não mais se tratava, porém, como julgávamos, de dotar o saliente nordestino com uma

organização defensiva adequada aos perigos que ameaçavam o território; mas apenas de regularizar a utilização das bases ali existentes , de que os americanos estavam se servindo.”26

Ou seja o Nordeste passaria agora de um ponto estratégico, alvo de

interesses de ambos os lados da disputa, para assumir um papel na burocracia da

batalha. Desta maneira buscava-se aplicar a transferência do quartel general da Ala

Sul do comando dos transportes aéreos, então com sede na Guiana Inglesa, o

estabelecimento de contato direto entre a referida unidade e a marinha americana,

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29

calculo dos recursos necessários para a proteção imediata da região, regulação da

polícia militar norte-americana sobre os militares daquela nacionalidade. E dentre

outras decisões de urgência o aparelhamento das tropas brasileiras situadas na

região para efetuar a defesa das unidades a serem ali instaladas. Caracterizando a

já citada divergência funcional da defesa da costa nordestina, segundo as visões

dos governos brasileiro e estadunidense.

Noutra passagem do texto das Instruções, sobre o plano de defesa da costa,

não figuram informações a respeito das tropas estacionadas no Nordeste e Norte do

Brasil. Segundo o documento esta era uma informação de conhecimento da

comissão, além das respectivas missões destas tropas. E acrescenta que estas

informações eram compositoras do plano de defesa da região, previamente

elaborado e entregue à comissão. O que de fato não ocorreu, afinal nem plano de

defesa havia.

A primeira tentativa de se elaborar um plano de defesa fracassou em 1941.

Num segundo momento é designado ao inspetor do 1°Grupo de Regiões que

colocasse em estado de defesa os territórios das 6ª e 7ª Regiões Militares. O que

resultou a 30 de maio daquele ano no Projeto de Organização da Defesa do Norte e

Nordeste, o qual não foi objeto nem de críticas muito menos de elogios. Tampouco

de qualquer comentário imparcial por parte do estado-maior do Exército. Esta

alegação duas interpretações, a primeira de que o delegado brasileiro não

caracterizava-se como portador de grande eficiência, ao dar como desconhecido o

plano de defesa por ele mesmo elaborado. A segunda de que o comando militar

brasileiro era efetivamente uma bagunça.

Todavia, um fato melhorou o andamento dos trabalhos em Washington. O

recebimento da nota em que o Brasil declarava guerra aos países do Eixo em agosto

de 1942. Ao receber esta notícia os membros da delegação brasileira

comemoraram, o que causou espanto em algumas autoridades, afinal comemorar a

entrada de sue país em guerra não é muito comum. Mas aos integrantes da

delegação significava uma definição do governo. O que enfim possibilitaria um

melhor andamento das matérias na comissão, assim como estabeleceria uma maior

afinidade de objetivos. Em parte estas opiniões estavam corretas.

26 CARVALHO, E. L. op. cit. p. 201

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Após a declaração de guerra do Brasil procurou-se trabalhar na elaboração

de temas que apresentassem maior urgência. Desta maneira ficou decidido que as

primeiras providências a serem executadas seriam o envio de aviões de

bombardeio, modelo A-29, para reforço no patrulhamento aéreo. Bem como

armamento para a instalação de baterias anti-aéreas. O envio dos aviões se daria

em torno de dois a quatro por mês até o total de dezoito em dezembro. Porém, a

comissão aprovou uma aceleração na remessa das aeronaves, que atingiriam seu

total até no máximo em novembro. Para garantir um envio ainda mais acelerado foi

providenciado que seria levados juntamente com pessoal técnico norte-americano,

os quais deveriam permanecer por 60 dias no Brasil, isto tornaria facilitada a

adaptação e a manutenção dos aviões.

A seguir fora julgada a questão da justiça, a qual estariam submetidos os

oficiais e civis norte-americanos em solo brasileiro. Ficou acertado que o

policiamento interno ficaria a cargo de uma força mista, de efetivo proporcional à

base aérea de sua jurisdição. Este seria composto por militares da Aeronáutica

brasileira e do Exército norte-americano, e estariam sob comando do comandante da

devida base aérea. Esta disposição somente não seria válida aos componentes da

Marinha dos Estados Unidos, aos quais aplicam-se leis de caráter internacional, as

quais os deixam sob tutela do capitão da embarcação a que pertencem.

O próximo ponto a ser estudado era o da aquisição de materiais por parte do

Brasil. Esta medida estava sendo dificultada pela disseminação de várias comissões

responsáveis para aquisição de materiais para as forças armadas brasileiras, por

todo território dos Estados Unidos. Ao que se definiu reunir todas comissões em

Washington. Aprovados os assuntos das recomendações números 3, 4 e 5 de maior

urgência restava o envio destas recomendações ao comado brasileiro, para que

avalizasse seu conteúdo**. O que para a surpresa dos delegados brasileiros foi feito

sem contestação. Porém levou muito tempo para que a resposta chegasse até a

comissão. Que já vinha trabalhando nas recomendações de números 6 a 10. As

quais também já haviam sido enviadas para aprovação pelo governo brasileiro. Isto

atrasou um pouco os trabalhos pois da resposta dependia a retomada das

discussões.

** As recomendações de números 1 e 2 diziam respeito a organização interna da comissão.

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A comissão estava vinculada aos ministério das relações exteriores, em razão

de o general Dutra não credenciar ao general Leitão para responder em nome do

Exército. O que dificultava ainda mais a comunicação entre Washington e o Rio de

Janeiro, pois o general Leitão escrevia ao ministro Aranha, para saber se o general

Góis recebera e passara as recomendações, ao ministro da guerra. E se este, que

mantinha-se em silêncio, as tinha aprovado. A que respondia o ministro das relações

exteriores não ter informações. Mais uma vez, por meio de artifícios burocráticos o

gabinete do ministro impunha seus objetivos de atrasar ao máximo a atuação do

Brasil ao lado dos Estados Unidos. Finalmente a 17 de dezembro, o delegado

brasileiro recebe a carta que dizia estarem “todas as recomendações, inclusive as de

números 9 e 10, foram por mim aprovadas”27. Todavia, esta carta fora assinada pelo

presidente Vargas e não pelo ministro da guerra.

Seguiram-se os trabalhos, até a elaboração da recomendação número14, que

versava sobre a “organização da defesa da região Norte e Nordeste do Brasil, tendo

em vista a atual situação da guerra”. Porém a convocação para que se sancionasse

o referido texto sofreu atraso, em função da invasão da África pelo exército Aliado

em 1943. Neste meio tempo de espera para a sessão, o general Leitão recebe carta

do ministro da guerra.

Nesta relata o general Dutra que após a partida, do delegado brasileiro para

os trabalhos em Washington, deu-se prosseguimento à avaliação do “Relatório da

Inspeção do Nordeste”28

(grifos no original), o que já denota má fé do emissor pois o

documento apresentado denominava-se “Organização da defesa do Nordeste –

Estudo e Proposta”. Esta pequena diferença de nomenclatura leva o leitor do

referido texto a analisar que o projeto final de defesa do Nordeste partira do ministro,

tendo por base o dito relatório de observação do inspetor. O que de certa forma

realmente ocorreu, já que o plano apresentado pelo general Leitão fora mais uma

vez adulterado e principalmente ampliados os números de efetivos e materiais

necessários. Atingindo proporções absurdas.

No plano original sugeria-se 3 divisões de infantaria, enquanto no projeto do

gabinete do ministro era apontada a necessidade de 6 divisões e 1 blindada. O que

deixa evidenciada a intenção do general Dutra. Ao comando norte-americano não

27 CARVALHO, E.L. op. cit. p.230 28 Ibdem p. 249

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interessava o incremento das unidades de outras localidades que não as do

Nordeste. Sendo assim solicitava-se um número superior ao necessário para a

região, que ao atingir o objetivo tornaria-se obsoleto e de fácil transferência para

outra localidade. Mas, o plano de defesa não chega a ser executado.

Havendo comissão detalhado e reorganizado o plano de defesa do Nordeste,

a comissão reunira-se para sua sessão de aprovação. Ao iniciarem-se os trabalhos o

contra-almirante Spears, porta-voz da delegação americana, abriu a plenária

afirmando que depois da ocupação do território Norte africano desaparecera por

completo o temor de ataque das forças do Eixo à costa Nordeste do Brasil. E que

deveria ser retirado do texto, da recomendação número 14, toda referência a “defesa

contra ataques do Eixo”. E às medidas ali explicitadas aplicar o caráter de

preparativos para por as forças brasileiras em condições de tomar parte na ofensiva,

ao lado dos aliados. O Brasil deixava de participar defensivamente e partiria para o

auxílio ofensivo das tropas.

Esta decisão não fora recebida com grande euforia pela delegação nacional.

Pois, todo árduo trabalho para obter a efetiva aplicação da defesa, iria por água

abaixo. Assim propôs o general Leitão, que em virtude das forças alemãs ainda

representarem perigo por seus ataques submarinos, fosse instalada na região uma

força de defesa que poderia, segundo decisão do governo, ser utilizada em outros

teatros de operações. Ao que concordou o comissão norte-americana. Apresentando

assim o texto final da recomendação:

“Considerando que os dados e informações constantes deste documento dão idéia aproximada (...), a fim de que a defesa do Norte e do Nordeste do Brasil tenha organização eficaz, mas também correspondam à organização de uma fôrça disponível, localizada em região favorável aos deslocamentos, para ações contra o Eixo em outro teatros de operações.”

29

Lançava-se então a idéia da participação de uma força expedicionária

brasileira.

A FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA

Após esta deliberação tornou-se evidente que ao comando norte-americano

não mais interessava o estabelecimento de tropas no Nordeste do Brasil. Os

delegados dos Estados Unidos haviam concordado com a contra proposta do

29 Ibdem p. 272

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delegado brasileiro, mas mesmo este sabia que a partir daquele momento todos os

trabalhos direcionariam para o envio de tropas aos campos de batalha.

As instruções do governo brasileiro, ao general Leitão sobre a nova

configuração das negociações, vieram por meio de carta do próprio presidente da

República. Nesta Vargas ressalta a necessidade da manutenção de efetivos

capazes em território nacional. E que a criação de novas unidades ficaria

condicionada ao envio de 50% da dotação de armamentos, quantidade suficiente

para a instrução e adestramento das novas tropas. Este fato chamou a atenção do

delegado brasileiro. A imposição da necessidade de metade do material para a

realização do treinamento e instrução das tropas não se sustentava: “Se os homens já

estivessem instruídos, como era de presumir, a prática no manejo do novo material não ficaria

dependendo da proporção das armas fornecidas, (...) o adestramento da tropafar-se-ia em pouco

tempo.”30 E ainda com o justificar o não aproveitamento das guarnições já

estabelecidas e prontas para emprego? Após muita desconfiança por parte da

delegação norte-americana, a proposta do governo brasileiro fora aceita.

Para a aplicação prática de envio das tropas, ficou valendo, em parte, a

descrição de efetivos proposta pelo ministro da guerra como plano de defesa do

Nordeste. Um corpo expedicionário composto de três divisões de infantaria, sendo

portanto excluída a divisão blindada. E seriam aproveitadas as divisões constituintes

das forças de defesa do nordeste, cuja provisão com armamento norte-americano

fora recomendada para este fim.

Ficaria a cargo do comando militar dos Estados Unidos a manutenção das

linhas de abastecimento e comunicações para servir a força brasileira. Enquanto ao

alto comando brasileiro caberia assuntos de caráter administrativo como pagamento

das tropas, e de seus gastos, a justiça e polícia a que ficariam sujeitos, etc. Porém, o

general Dutra, ao receber a visita da comissão no Rio de Janeiro, impôs novas

restrições.

Não ficou satisfatório ao comando brasileiro a proposta de aproveitar-se as

tropas localizadas no Nordeste, ao que se sugeriu criar três novos centro de

instrução um no Rio de Janeiro, o segundo provavelmente em São Paulo e o terceiro

no Nordeste. E estabelecia ainda a condição do recebimento de 50% de cada

divisão para o início dos treinamentos. Ao que discordou o delegado norte-

30 Ibdem p. 291

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americano, declarando ser um esforço redundante, sendo que fora realizado no

Nordeste. E quanto ao envio da metade dos armamentos das três divisões, alegou

somente estar autorizado a enviar 50% de uma das divisões. Somente ficou

acordado o envio de oficiais brasileiros para estagiarem nas tropas dos Estados

Unidos, assim como de seus oficiais ao Brasil para auxiliarem na instrução das

tropas.

Nota-se que mais uma vez a posição do ministro da guerra apresentava-se de

maneira clara. Ao repudiar a idéia do aproveitamento das tropas nordestinas e

insistir na de instalar novos centros de treinamento, disseminados pelo país,

mantêm-se a mesma posição anterior. Fomentar o reforço das tropas nas regiões

Sul e Sudeste, sem buscar com muito empenho uma participação efetiva do Brasil

na guerra. Isto confirma-se pela recorrente menção ao envio prévio de 50% das

divisões, o que corresponderia ao envio de uma divisão e meia. Ao retornar a

comissão para a capital norte-americana, este e outros assuntos, como as já citadas

atribuições burocráticas do comando militar brasileiro, mantiveram-se em pendência.

Ao regressar a Washington o general Leitão iniciou o preparo do relatório da

comissão, enquanto se aguarda um posicionamento do ministro da guerra. Fato que

mais uma vez não ocorre. E mais uma vez cria um clima de instabilidade no seio da

comissão. Enquanto não partiam do ministro as respostas necessárias para o

andamento da comissão, o general Leitão lhe remete três cartas. Além do relatório

das atividades até então desenvolvidas em Washington. Ao que finalmente recebe a

correspondência do ministro da guerra.

Nesta o general Dutra se diz insatisfeito com o andamento dos trabalhos na

comissão e que o envio dos documentos estavam muito atrasados. Embora como já

citado já haviam sido enviados. E segue:

“As recomendações aprovadas aí abordam o problema apenas pelo lado unilateral do envio de tropas e da entrega, dentro das condições de prioridade a serem fixadas, do material correspondente a essas forças. Assim me parece oportuno insistir no meu pedido do dia 19, a fim de que me sejam prestadas informações indispensáveis (...) ao fornecimento dos materiais, não só para a força expedicionária como para a que deva permanecer em nosso território.”31

O ministro da guerra passa então a argumentar que esta decisão de manter

uma divisão em território nacional partira do presidente Vargas. Ao que respondeu o

31 Ibdem p.312

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delegado brasileiro que o presidente não havia enviado estas recomendações à

comissão em sua última carta.

A qual somente veio na carta seguinte do presidente Vargas. Na qual ele

atesta as recomendações contidas na carta do general Dutra, e assegura a ida deste

em vista a comissão em breve. Todavia, esta carta assume um caráter de que o

general Dutra solicitara ao presidente que confirmasse suas sugestões.

Contando com a participação do ministro da guerra na sessão de 21 de

agosto de 1942, aprovou-se o texto da recomendação número 16. A qual

regulamentava a força de colaboração extracontinental. Porém, apesar da

aprovação da recomendação, o general Dutra ainda mantinha suas posições de

criação de centros de instrução em três locais distintos, além da exigência do envio

dos 50% de material das três divisões. Ao que repudiava o comando militar norte-

americano, o qual já havia cedido em relação à utilização das tropas estacionadas

no Nordeste para a composição do corpo expedicionário. E considerava um esforço

inútil a criação destas novas unidades. Contudo, o comando norte-americano

consegue minar os planos do ministro Dutra.

Com a alegação de equilibrar a distribuição de armamentos e demais

aparatos bélicos, entre todo conjunto Aliado, a delegação dos Estados Unidos inclui

no texto final da recomendação uma declaração. Na qual consta que o armamento e

material destinados, para a força expedicionária, proviria do material reservado a

tropa do Nordeste.

O texto final da recomendação número 16 recebeu o título de “Colaboração

do Exército e da Força Aérea Brasileira com o Exército Norte-Americano em Teatros

de Operações Extracontinentais”. Este ao ser homologado incitou no delegado

brasileiro um temor. Um sentimento em relação ao bem-estar dos soldados que

comporiam a Força Expedicionária Brasileira. O que lhe impulsionou a solicitar ao

ministro da guerra o comando se não de toda força, ao menos o de uma divisão :

“(...) declaramos ao ministro, no tom mais modesto possível, que éramos candidato ao comando da

fôrça. Afirmou-nos, então, que também o era.” 32

Sobre esta questão paralelamente aos trabalhos da comissão o serviço

secreto norte-americano efetuava um estudo sobre os oficiais brasileiros que

poderiam atuar no comando da força expedicionária. Nesta relação o general Leitão

32 Ibdem p.331

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aparece como o mais indicado para o posto, em função de seu histórico de atuação

em atividades diplomáticas. Figuram ainda nesta lista os generais José Pessoa

Cavalcanti, Newton Cavalcanti, Canrobert Pereira, Osvaldo Cordeiro de Farias,

Antonio Coelho Neto, José Silvestre de Melo. E como umas das últimas opções

possíveis aparecem os generais João Batista Mascarenhas de Morais e Euclides

Zenóbio da Costa.

“O general de Divisão Estevão Leitão de Carvalho é hoje o chefe da delegação brasileira à Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, preparando a organização desta unidade.(...) Leitão de Carvalho é e vem sendo considerado um partidário integral das Nações Unidas e da causa democrática.

(...) já que o general de Divisão João Batista Mascarenhas de Morais e os generais de Brigada Álcio Souto e Euclides Zenóbio da Costa estão a caminho dos Estados Unidos, é provável que eles venham a comandar a primeira divisão. Mascarenhas de Morais tem sempre sido amigável, (...), mas diz-se que carece de energia, enquanto os outros dois generais, suspeitos de simpatias pelo Eixo em 1942, tornaram-se partidários da causa aliada.” 33

Após o regresso do general Dutra ao Brasil, iniciam-se as discussões para a

aprovação da recomendação número 17. A qual tratava de regulamentar o envio de

materiais ao corpo expedicionário, local de entrega e definia ainda as atribuições

específicas de cada comando militar sobre o corpo brasileiro. Ao comando norte-

americano coube o fornecimento de todo equipamento pesado, transporte e

comunicações. Enquanto que ao brasileiro designou-se, o fornecimento dos

uniformes, calçados, provisões e soldos. Os materiais cedidos pelo governo norte-

americano viriam por meio de linhas de crédito de leand-lease. ***

Pelo texto da recomendação 17o envio de materiais seria feito ao Brasil.

Todavia, como conseqüência da teimosia do general Dutra em estabelecer o centro

de instruções no Rio de Janeiro, e de realmente não aproveitar as guarnições

nordestinas, o que atrasou muito o processo de recrutamento, a delegação norte-

americana determinou que os materiais seriam entregues no próprio teatro de

operações.

Esta determinação não agradou ao ministro da guerra que insistiu na questão

do envio de 50% do material antes do embarque da 1ª Divisão. Parecendo esquecer

que já havia sido acordado que esta quota partiria do material destinado às tropas

do Nordeste. Houve ainda a definição, entre o general Dutra e o chefe do estado-

33 BONAVIDES, P., AMARAL, R. Textos políticos... op. cit. p. 205.9 *** Plano do governo norte-americano que promovia crédito para todo o conjunto das nações Aliadas,

com prazos de pagamento longo e juros menores.

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maior norte-americano general Marshall, de um adiantamento do embarque da 1ª

Divisão para dezembro de 1943. O que não seria possível, já que o corpo

expedicionário ainda não havia sido formado.

Esta demora no processo de recrutamento deixa mais uma vez clara a

intenção do ministro da guerra, com relação à participação de forças em outros

teatros de operações. Era a de não participar. Além da recorrente questão do envio

de metade dos materiais, a instrução no Rio de Janeiro, agora decide que a

organização das outras duas divisões, constituintes do corpo de exército brasileiro,

somente teria início após o embarque da 1ª Divisão. Ora para o preparo desta 1ª

Divisão já houveram muitas dificuldades, e demora. Porque não treinar

simultaneamente a outras divisões? Evidentemente que, para não fazê-lo. Já que

não fora possível evitar o envio de tropas, ao menos que este envio se desse de

maneira lenta e principalmente desorganizada. Desta maneira o Brasil enviaria uma

tropa mal formada, e não seria responsabilizado pelo seu desempenho abaixo do

esperado.

Porém neste aspecto também são alteradas as expectativas do ministro da

guerra. Em meados de 1944, finalmente, parte a 1ª Divisão, para atuar nos campos

italianos. E para surpresa, não somente do general Dutra, como de diversas outras

pessoas, sob o comando do general Mascarenhas de Morais, os soldados brasileiros

desempenharam um brilhante papel, no combate às forças nazistas daquele país.

Sendo alvo de várias homenagens e elogios, por parte do comando militar dos

Estados Unidos.

As demais divisões não chegaram a passar pelo processo de recrutamento.

Os trabalhos da Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, estendeu-se até

finais de 1944, tratando de regulamentações referentes ao efetivo brasileiro em

combate. O general Leitão, por seus trabalhos pela defesa do continente americano,

bem como no auxílio à luta das nações democráticas, recebeu diversas homenagens

e condecorações, do próprio presidente dos Estados Unidos. Retornando ao Brasil

no início de 1945.

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CONCLUSOES FINAIS

A participação brasileira na segunda guerra mundial, como visto, foi marcada

por diversas dúvidas e divergências. As atitudes do general Dutra, apesar de

apresentarem objetivo claro, não podem ser encaradas como atos contra a pátria.

Mesmo nas ações em deixaram o Brasil sob risco, ou pestes a perder o apoio

econômico norte-americano.

As atitudes do ministro visavam, dentro da lógica política instalada, obter o

melhor pacote de vantagens para o país. Desde o início o general Dutra apresentou

suas intenções. Em primeiro lugar entrar na guerra era um erro, mas se inevitável o

Brasil poderia fazê-lo de modo a não se expor muito, utilizando os norte-americanos

como escudos. Ao mesmo tempo que promovia um reaparelhamento do Exército

nacional, e garantia os créditos necessários para o projeto econômico do governo.

Evidentemente, se as decisões fossem efetivadas com maior rapidez e com

maior firmeza, os benefícios para a nação teriam sido mais significativos. Porém,

cabe lembrar que, de 1940 até o início de 1943 a vitória das tropas nazistas parecia

inevitável. E o temor de entrar no conflito do lado perdedor pesaram nas decisões,

assim como a necessidade de garantir a manutenção da ordem interna do país.

O governo Vargas, que já havia sofrido duas tentativas de derrubada, não

poderia dar-se a enviar suas melhores forças para combate em outras terras, ou até

mesmo longe da sede do governo. Porém, mais uma vez, se o apoio às nações

Aliadas fosse efetivado nos primeiros contatos, a manutenção do presidente no

poder estaria mantida pela próprio nação norte-americana.

Em meio a este emaranhado de opções políticas, valeu a figura do general E.

Leitão de Carvalho. Personagem de vital importância para o desdobramento

conhecido dos acontecimentos. E que, pela razões já apontadas, não figura no

corpo das tradicionais análises do período.

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REFERÊNCIAS

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FONTES DOCUMENTAIS

BONAVIDES, P., AMARAL, R. Textos políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1995. vol. 5. CARVALHO, E.L . A serviço do Brasil na Segunda guerra mundial. 2a edição. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1952. COMISSÃO MISTA DE DEFESA BRASIL-ESTADOS UNIDOS, Relatório geral do chefe da delegação brasileira. Wsshington,1945. COMISSÃO MISTA DE DEFESA BRASIL-ESTADOS UNIDOS, Documentos citados no relatório do chefe da delegação brasileira. Washington, 1945. COMISSÃO MISTA DE DEFESA BRASIL-ESTADOS UNIDOS, Correspondência do chefe da delegação. Washington, 1945.34

34 Composto de 8 cartas ao presidente da República; 2 particulares; 10 ao ministro do exterior; 24 ao

ministro da guerra e 10 ao chefe do estado maior e outras autoridades brasileiras.

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FONTES CONSULTADAS

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