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PAULA ANDRECZEVSKI CHAVES O EXÉRCITO E A CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO DO ESTADO NOVO Trabalho de Graduação apresentado ao Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná. Professor orientador Dennison de Oliveira. CURITIBA 2003

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PAULA ANDRECZEVSKI CHAVES

O EXÉRCITO E A CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO DO ESTADO NOVO

Trabalho de Graduação apresentado ao Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná.

Professor orientador Dennison de Oliveira.

CURITIBA

2003

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................3

2 A IMIGRAÇÃO NO BRASIL.......................................................................................5

2.1 A POLÍTICA MIGRATÓRIA.......................................................................................7

2.2 A IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO SUL DO BRASIL......................................................13

3 CONTEXTO NACIONAL ..........................................................................................16

3.1 A SITUAÇÃO DO BRASIL NA DÉCADA DE 1940...............................................16

3.2 O INTEGRALISMO....................................................................................................17

4 AS COLÔNIAS ALEMÃS............................................................................................21

4.1 A CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO................................................................21

4.2 O PROCESSO DE MACIONALIZAÇÃO: INTERPRETAÇÕES...........................25

4.3 O PAPEL DO EXÉRCITO NA CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO..............38

4.4 O GRUPO TEUTO-BRASILEIRO E A SUA IDENTIDADE ÉTNICA JUNTO À

CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO..........................................................................40

4.5 OS PRINCIPAIS EFEITOS DA CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO..............41

5 CONCLUSÃO ...............................................................................................................43

REFERÊNCIAS.................................................................................................................45

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar as questões relativas à Campanha

de Nacionalização ocorrida durante o Estado Novo juntamente com a participação do

exército brasileiro, abordando qual o papel do exército perante a ação nacionalizadora

contra os imigrantes estrangeiros que no Brasil instalaram-se, tendo como objeto de análise

a comunidade teuto-brasileira residente no sul do país.

O período analisado começa a partir de 1937, quando a Campanha foi instituída,

adentrando a década de 1940, quando a nacionalização é intensificada, principalmente

após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial.

A pesquisa foi realizada tendo como fontes os Arquivos do DOPS - Delegacia de

Ordem Política e Social, encontrados no Arquivo Público do Paraná, localizado em

Curitiba, referentes às atividades dos imigrantes alemães desenvolvidas no Brasil, no

período exposto acima. Através desses arquivos constatamos vários elementos presentes

no trabalho, tais como notícias de jornais da época referentes à Campanha de

Nacionalização e que também trazem depoimentos colhidos de pessoas do grupo teuto-

brasileiro, expressando suas opinião sobre a nacionalidade tão discutida e questionada

neste período.

Para entendermos o tema proposto são analisados neste estudo conceitos como

identidade étnica e cidadanias presentes na ideologia que compunha a comunidade teuto-

brasileira através de uma concepção de identidade étnica fundada em elementos próprios

da ideologia germanista, denominada no conjunto como “Deutschtum”.

Essa ideologia teuto-brasileira estava baseada na idéia de origem comum, na

herança cultural e na ancestralidade. Os teuto-brasileiros consideravam que a

nacionalidade é determinada pelo sangue e pela língua herdados dos pais, não existindo

fronteiras políticas. Portanto, preservavam a cultura da pátria de origem.

Justamente por preservarem o sentimento de terem algo em comum com a velha

pátria e por formarem um grupo que interagia entre si, foram subjugados pelo Estado Novo

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e por seu nacionalismo autoritário, onde a idéia de pertencimento a algo comum, mas que

não era brasileiro, deveria ser afastada da mentalidade de todo aquele que pensasse

diferente.

Restava então a tentativa de abrasileirá-los, o que se faria por meio do ensino

fundamental, cujos conteúdos os instruiriam não apenas para o uso do idioma português,

como também para o culto dos valores cívicos da nação a qual passariam a servir.

Sendo assim, todas as idéias básicas do nacionalismo alemão que chegavam aos

teuto-brasileiros através de mecanismos em língua alemã que procuravam divulgar e

valorizar os elos de ligação dos imigrantes e dos seus descendentes com a pátria alemã tais

como a imprensa, a escola, a igreja, e as instituições culturais e assistenciais, foram

discriminados e perseguidos pela nacionalização através da interferência do exército

brasileiro, pretendendo com isso a assimilação compulsória ou forçada desse grupo,

através de uma série de leis específicas.

Intensificando suas formas de resistência à assimilação pretendida e sugerindo, em

seus limites, um tipo de cidadania diferente daquela pensada pelos articuladores do Estado

Novo, a qual, embora radicalmente contrária dos movimentos anarquistas e socialistas,

presentes no Brasil desta época, pressupunha, como aqueles, uma maior participação na

esfera pública, o grupo teuto-brasileiro demonstrou que deveria usufruir do direito de

pensar e agir conforme seus valores originais.

Portanto, a análise do nacionalismo torna-se fundamental para a compreensão do

tema apresentado, pois esta é uma questão que sempre permeia o mundo e que causa

angústia, racismo, e a intolerância entre os povos, podendo causar movimentos violentos e

que atentam contra a vida humana.

Destarte, torna-se essencial a exploração do tema, para o entendimento da

identidade nacional e do sentimento dos alemães em relação a seu país de origem, para a

compreensão da psicologia das massas e à propaganda de massa do mundo

contemporâneo.

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2 A IMIGRAÇÃO NO BRASIL

A partir da metade do século XIX e início do século XX, a identidade do Brasil, é

vista como resultado da fusão das três raças formadoras da nacionalidade, o branco, o

índio e o negro.

A mestiçagem da população brasileira é considerada por algumas correntes

científicas, como a de Oliveira Viana, um mal, e a produção de seres híbridos, os quais

seriam o pior de cada uma das raças branca, índia e negra leva à crença de que o Brasil não

estará entre as nações civilizadas do mundo.

O país era descrito como uma nação constituída por raças miscigenadas, mas que

estavam em transição. Nesse momento, vários intelectuais brasileiros, construtores da

teoria do “branqueamento”, processo seletivo de miscigenação que dentro de três ou quatro

gerações faria surgir uma população branca através de um processo acelerado de

cruzamento e mediante uma seleção natural, viam na imigração de “brancos” um bem.

Consideravam a introdução de mais “brancos” à mistura original uma melhoria à raça

brasileira. Sendo assim, a escolha de imigrantes obedeceu, sobretudo à demanda pelo

“branqueamento”.

A “visão mestiça” e única da nação não ficava restrita somente aos debates internos,

estando presente na imagem que externamente se veiculava ao Brasil, e especialmente na

interpretação dos vários naturalistas que durante o século XIX estiverem por aqui em

busca de espécimes raros de flora e fauna, e se depararam com uma incrível mistura de

raças humanas. Conforme o que diz Lilia Schawarcz, o cruzamento de raças, observado

com cuidado por estrangeiros, e analisado com ceticismo por cientistas americanos e

europeus interessados na questão racial, era entendido, com efeito, como uma questão

central para a compreensão dos destinos da nação.1

1 SCHWARCZ, L. M. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no

Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 13 -14.

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Em meados do século XIX, o Brasil era governado por um Imperador, com uma

economia essencialmente agrícola, voltada ao mercado externo, onde prevalecia a grande

propriedade monocultora de café nas províncias de São Paulo e Rio de Janeiro, de açúcar

no nordeste, de borracha na Amazônia e da pecuária espalhada em várias partes do país,

mas principalmente no Rio Grande do Sul. O restante era considerado um imenso ”vazio

populacional”, já que as populações indígenas, que ocupavam todo o território nacional

não eram consideradas, por não fazerem parte do mundo “civilizado”.

Uma das principais características da economia brasileira oitocentista, no entanto,

era estar baseada no latifúndio monocultor, sustentado pela mão-de-obra escrava, como

também estavam a maioria dos países coloniais. A época da escravidão, porém, estava

chegando ao fim. A maior potência econômica de então, a Inglaterra, impulsionada pelo

sucesso da Revolução Industrial, deixava de interessar-se pelo comércio de escravos que

vinha explorando há longo tempo e passava a desejar um aumento em seus mercados

consumidores. Escravos não eram assalariados e, portanto, não possuíam capital para

comprarem as mercadorias produzidas pelas indústrias inglesas. Partindo desta lógica

capitalista, entende-se porque a Inglaterra passou a influenciar todos os países com os

quais comercializava, para extinguirem o tráfico negreiro e, conseqüentemente, a

escravidão.

O governo brasileiro estava pressionado por duas grandes forças: a externa,

representada pela Inglaterra, que já exigia o fim da escravidão desde o início do século

XIX, e a interna, dominada pelos grandes fazendeiros, que exigiam a continuidade da

mesma. Aos poucos, comerciantes e políticos liberais de várias facções brasileiras

engrossaram a fileira daqueles que lutavam pelo final da escravidão, aumentando a pressão

política sobre o Imperador.

Graças as constantes intervenções inglesas, a primeira ação efetiva do governo

brasileiro pela extinção da escravidão foi a abolição do tráfico negreiro para o país, em

1850. O fim do tráfico implicava diminuição significativa no fornecimento de mão-de-obra

para as fazendas de café, levando os latifundiários a preverem um colapso na economia

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nacional se o problema não fosse contornado. A solução vislumbrada estava na adoção de

mão-de-obra assalariada, com a imigração estrangeira.

A “era das Revoluções” estava apresentando seus resultados em toda a Europa:

países arruinados, grande número de pessoas desempregadas e beirando à miséria. Todas

as necessidades primordiais de sobrevivência faltavam, tais como, comida, vestimenta,

moradia, empregos. Sendo assim, a saída estava na emigração.

2.1 A POLÍTICA MIGRATÓRIA

Entre 1870 e 1930, ocorreu um período de imigração em massa da Europa para a

América, estimando-se que 40 milhões de pessoas tenham migrado para o Novo Mundo.

Tais iniciativas foram favorecidas por uma intensa propaganda motivada pelo interesse das

elites nas regiões receptoras em atrair novos contingentes populacionais para o incremento

da produção agrícola, a ocupação efetiva do território e o suprimento da força de trabalho

qualificada para as indústrias nascentes.

As primeiras levas de imigração em massa para o Brasil destinaram-se, em sua

grande maioria, ao trabalho assalariado, de contratação de serviços ou em regime de

colonato para as grandes lavouras. Para os centros urbanos emergentes, vinham também

imigrantes que se dedicavam ao setor de serviços, ao artesanato ou ainda, ao trabalho

fabril, nos quais a industrialização começava a se processar.

Imigração é uma expressão de liberdade de movimento, mas também pode ser vista

como um produto da escassez, já que foi o novo arranjo industrial na Europa, com grande

concentração populacional nas cidades, que produziu uma população excedente, aquela

que irá procurar melhores condições de vida em outros horizontes.

A imigração, para o governo brasileiro parecia a salvação, pois resolveria o

problema da mão-de-obra na lavoura, promoveria o “embranquecimento” e também

poderia, se bem planejada, propiciar a ocupação das grandes áreas despovoadas,

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principalmente no sul do país, onde as lutas de fronteiras com os países vizinhos já se

mostravam preocupantes.

A colonização através das pequenas propriedades rurais foi a solução encontrada

para o sul do país, pois garantiria a posse definitiva das terras em conflito e propiciaria a

produção de alimentos não produzidos pelos latifúndios monocultores ou extrativistas, às

demais regiões.

Obedecendo ao projeto do Governo Imperial de terminar gradativamente com a

escravidão no país, e colaborar com o “embranquecimento” e com a “civilização”, as

novas colônias de imigrantes ficaram proibidas, desde 1848, de possuírem escravos.

Este modelo de imigração, ou seja, o destinado à colonização através de pequenas

propriedades agrícolas, foi implantado com sucesso em várias regiões, dando origem a

diversas cidades e modificando totalmente o quadro populacional do Império.

Os imigrantes que vieram para o Brasil sabiam que uma vida nova somente seria

possível em locais onde não houvesse fome, desemprego ou guerras, realidade pelas quais

passavam a maioria dos países europeus na segunda metade do século XIX. Sonhava-se

com o paraíso: um local onde se pudesse reproduzir uma nova pátria sem os problemas

políticos e econômicos pelos quais estavam passando naquele momento e onde pudessem

preservar a sua cultura, e não viessem a ser escravos. Esse paraíso foi visualizado, por

muitos, como sendo possível de se concretizar no Brasil. Porém, até que ponto essa

possibilidade foi real?

Ao abandonar sua terra natal, o imigrante sonhava com uma vida melhor. Para

alguns, a possibilidade da posse da terra; para muitos, a possibilidade de enriquecimento

rápido, seguido de um retorno em melhores condições financeiras; para outros, a liberdade

política que lhes fora tirada na Europa e a idéia de construir uma nova vida em outro local.

Contudo, o abandono dos amigos, parentes e de sua memória, passa a se tornar um

transtorno, ainda na Europa. Nome, origem, profissão e tudo o mais que até então servia

como identificação social e motivo de amor-próprio se diluía nessa nova situação.

Em busca de uma situação melhor, os imigrantes embarcaram em uma viagem que

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significou uma tentativa de se manter como eram, com a sua vida anterior e que deixou

marcas naqueles que acreditavam em tal busca. O sofrimento pelo que estavam deixando, a

ansiedade pelo que deveriam encontrar, marcam os relatos daqueles que emigraram.

Fora de sua pátria, passam a viver a situação de ser estrangeiro. Muitos remontam

no novo lar certas marcas trazidas da casa de origem, tudo aquilo que possa fazer lembrar

o lugar de origem e a manutenção do estilo de vida. Dentre tais pessoas quase todas

possuem o sonho de retorno, de preferência vitoriosos, porém muitos não conseguem

realizá-lo. Entre aqueles que obtiveram êxitos, estão aqueles que voltam à terra natal, mas

somente para exibir a vitória alcançada.

O Brasil recebeu cerca de 4,1 milhões de estrangeiros de 1884 a 1939. Os dados

sobre a imigração no Brasil são pouco sistematizados e até mesmo um pouco conflitantes,

dependendo das fontes consultadas. No ano de 2000, o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística) apresentou dados oficiais sobre a imigração no país, segundo a

nacionalidade, do período de 1884 a 1939. Conforme o IBGE, neste momento o Brasil

possuía:

NACIONALIDADE TOTAL %

Alemães 170.645 4,1

Espanhóis 581.718 13,99

Italianos 1.412.263 33,96

Japoneses 185.799 4,47

Portugueses 1.204.394 28,96

Sírios e Turcos 98.962 2,38

Outros 504.936 12,14

Total 4.158.717 100

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Contudo, a possibilidade de miscigenação e a disposição à assimilação são

elementos fundamentais na definição de quais imigrantes seriam desejáveis para compor o

“branqueamento” da população brasileira. Portanto, o imigrante, além de atender a procura

por mão-de-obra, teria ainda a função de contribuir para o “branqueamento” da população,

ao moldar-se na cultura brasileira por meio da assimilação. Sendo assim, a assimilação foi

a estratégia privilegiada, o critério para a admissão de estrangeiros pelas autoridades

governamentais e pela cultura brasileira na construção da nacionalidade do Brasil. Nesse

sentido é que algumas etnias e nacionalidades foram privilegiadas em detrimento de

outras. A nacionalidade, a língua, a cultura e, nela, a religião, foram ingredientes

importantes na aceitação maior ou menor dos estrangeiros.

Dentre os imigrantes que aqui chegaram, aqueles que eram os “desejados”, ou seja,

os preferidos pelo país para se estabelecerem e fixarem laços, foram os portugueses, os

italianos, e os espanhóis. Isto ocorreu, devido à proximidade da língua portuguesa, da

religião – a católica, e da cultura latina. Sendo assim, estes seriam mais facilmente

assimilados, como desejava a cultura nacional.

Porém, imigrante se acopla, assim, à condição de estrangeiro, e isso significa se

sentir e ser considerado como diferente. O grau de estranhamento depende de muitas

variáveis, tais como o lugar de onde veio, as razões da imigração, a situação de viajar em

família ou só, contatos anteriores com patrícios que já moram na nova terra. Outro fator de

fundamental importância, e que constitui a grande e primeira barreira enfrentada em terra

estranha, a barreira da língua. O comportamento em relação à nova língua consegue definir

os obstáculos, maiores ou menores, a serem enfrentados.

O bilingüismo ou a competição entre a língua de origem e a nova, definem a

construção da identidade do imigrante como um novo brasileiro ou como um estrangeiro

que vive e trabalha na nova terra. A manutenção da língua materna, as dificuldades de

comunicação com a nova sociedade, os conflitos lingüísticos entre os mais velhos e a nova

geração, entre pais e filhos, marcam também o fenômeno da imigração. O desejo de ser

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bilíngüe se apresenta como meio de o imigrante se tornar brasileiro a se manter estrangeiro

e ascender socialmente.

O grau de contato com os que ficaram, através de cartas; a manutenção de laços

originais pelo casamento, pela prática de se mandar buscar noivas; e a criação, ou o reforço

de laços através de associações e clubes marca os grupos de imigrantes. Todos estes traços

estão presentes em maior ou menor grau nos imigrantes aqui presentes.

Desde o início do século XIX, havia uma preocupação por parte do governo

brasileiro com a questão de estrangeiros residentes no Brasil. Cito como exemplo a lei

promulgada em 1808, que permitia aos estrangeiros a propriedade de terras no Brasil. O

governo imperial concedeu a formação de núcleos coloniais de agricultores em suas terras

e em sistema de pequena propriedade como foi o caso dos alemães no Sul e Sudeste.

Contudo, como já foi dito, somente a partir de meados do século XIX, inicia-se a chegada

de imigrantes para suprir a deficiência de mão-de-obra nos cafezais paulistas, passando

então a ser empregados nessa monocultura de exportação.

Tal concessão deixa de ser responsabilidade exclusiva do governo imperial para

incluir também os governos provinciais e a iniciativa privada. Companhias internacionais

de imigração se encarregam de recrutar, transportar e instalar os novos imigrantes no

Brasil.

A formação de colônias isoladas, com vida social autônoma, derivada da política

governamental, fora criticada, Silvio Romero, foi um dos intelectuais que se dedicou à

temática do imigrante alemão e da imigração em geral, defensor da tese do

“branqueamento”, e que no início do século XX, em 1906, criticou o Império por ter

criado colônias isoladas, permitindo a formação de “quistos sociais”, e falou também do

“perigo alemão”.

Romero partiu da teoria das desigualdades das raças para pensar a formação do

povo brasileiro. Estudioso da etnologia interpretou a cultura brasileira como um reflexo do

processo de miscigenação, resultado da fusão de três raças fundamentais, a branca, a negra

e a vermelha. Esta raça, cujo espírito nacional ainda estava por ser desvendado, seria

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responsável pela coesão social de que o país necessitava, e lhe conferiria também sua

individualidade histórica.

Quanto à concentração de imigrantes alemães no sul do Brasil, Romero, aponta para

um duplo perigo, no qual o primeiro se refere ao crescimento desequilibrado entre esta e

outras regiões, dadas as características intrínsecas deste povo; e o segundo perigo diz

respeito ao risco de se perder a unidade lingüística, uma vez que o idioma alemão é de uso

corrente entre aquelas populações.

Após a Proclamação da República, o governo decreta que sejam considerados

brasileiros todos os estrangeiros aqui residentes a 15 de novembro de 1889 e aqueles que

tiverem residência no país por dois anos. A Constituição de 1891 garantia a nacionalização

automática de qualquer estrangeiro que vivesse no Brasil que, num prazo de seis meses,

não se declarasse contrário à nacionalização. A Constituição de 1891 passa o domínio das

terras devolutas para os estados, e em 1894 os serviços de imigração e colonização

também passam a ser esfera de ação estadual.

Até por volta de 1925, os países europeus lutavam com dificuldade para reconstruir

a Europa no pós-guerra, enquanto isso, os Estados Unidos apresentavam um notável

crescimento econômico. Estavam em condições de vender aos europeus tudo o que eles

precisavam. À medida que se desenvolvia a reconstrução da Europa, os países foram

organizando sua estrutura produtiva, e tomando uma série de medidas protecionistas para

reduzir as importações norte-americanas. Nos Estados-Unidos, porém, a produção

industrial e agrícola continuava a crescer, ultrapassando as necessidades de compra do

mercado interno e do mercado internacional. Havia uma enorme quantidade de

mercadorias para as quais não existiam compradores, ou seja, houve uma superprodução

de mercadorias, o que fez seus preços despencarem, e mesmo assim, não conquistavam

consumidores, resultando na crise de 1929 que provocou profundas alterações em

proporções mundiais, causando falências, desemprego, e reformulações políticas que

mudaram a face do mundo.

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Sendo assim, na década de 30, a corrente migratória da Europa para a América está

em declínio, e passam a existir restrições à entrada de imigrantes no Brasil. Isto se dá a

partir das Constituições de 1934 e de 1937, passando-se à defesa do trabalhador nacional

com a reserva de dois terços dos empregos para os brasileiros. Todos os debates neste

período no Brasil discutem os limites à imigração no país.

A Constituição de 1934 proíbe a concentração de estrangeiros, e introduz um

controle sobre a imigração. A Constituição de 1937 não muda a de 1934 no tocante à

imigração, reserva ao governo federal o direito de limitar ou suspender a entrada de novos

imigrantes e proíbe a formação de núcleos, como também o ensino em língua estrangeira a

menores, e a existência de jornais e revistas em língua estrangeira, a não ser com

autorização do Ministério da Justiça. Em 1939 é criado o Conselho Nacional de Imigração,

e elaborado novo projeto de lei de imigração.

Oliveira Viana, um dos mais importantes ideólogos do Estado Novo, considera que

abrasileiramento deve ser política de governo. E é nesse sentido que é desenvolvida

durante o Estado Novo, uma campanha de nacionalização. Tal campanha atingiu

principalmente as escolas alemãs, japonesas, polonesas e italianas, atacando-se

principalmente o ensino em outra língua, e as escolas foram também obrigadas a assumir a

comemoração de datas nacionais brasileiras. A entrada do Brasil na Segunda Guerra

Mundial, ao lado dos aliados, em 1942, e a presença significativa de alemães, italianos e

japoneses no território brasileiro, muitos deles acusados de serem partidários do nazismo e

do fascismo, produzem perseguições oficiais e não oficiais a muitos imigrantes e a suas

associações, incluindo o confisco de bens de pessoas desses países radicadas no Brasil.

2.2 A IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO SUL DO BRASIL

No que se refere aos grupos de imigrantes que desembarcaram no Brasil, os

alemães, vieram em grande número, o que destacou o Brasil como segundo país das

Américas a receber tais contingentes, precedido apenas dos Estados Unidos.

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Embora o Brasil ocupasse o segundo lugar como país de destino de imigrantes de

língua alemã no continente americano, eles não se destacaram no conjunto de outros

grupos de europeus que aqui se instalaram no período das grandes imigrações

transcontinentais, exceção feita ao sul do Brasil.

Entretanto, se o contigente numérico é pequeno se comparado a outros grupos de

imigrantes, de outras partes, eles se distinguem pela sua concentração étnica, demográfica,

em determinados territórios, somada a uma alta taxa de fecundidade. Tal crescimento

determinou a ampliação das colônias, bem como novos deslocamentos de curta e média

distância em diversas regiões do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Os alemães, brancos, mas protestantes, foram os primeiros a vir para o Brasil para

viver em colônias. São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, fundada em 1824, e Blumenau,

em Santa Catarina, em 1850, são exemplos dessa concentração étnica.

Vivendo em colônias, os alemães tinham pouco contato com a sociedade brasileira e

talvez tenham tentado construir uma identidade própria, a germanidade, ou germanismo,

nomeado pelo termo Deutschtum, bem como, a formulação de uma identidade étnica

baseada em uma cultura que vinculava língua e espírito nacional.

A questão da identidade étnica alemã está vinculada à idéia da germanidade, que se

apresenta com todas as características de uma ideologia étnica, divulgada nas colônias

alemãs do sul do Brasil pela imprensa em língua alemã. O conceito de germanidade

abrange tudo o que pode ser entendido como “étnico”, tendo como referência a idéia de

origem comum, ancestralidade e herança cultural, sendo amparada por uma ideologia que

especifica a relação entre aqueles indivíduos com a mesma identidade e com identidades

diferentes.

A germanidade está apoiada a partir de critérios apropriados do nacionalismo

alemão, portanto, é uma ideologia nacionalista transformada ou modificada em ideologia

étnica. Sendo assim, torna-se difícil separar etnia de nacionalidade, ou grupo étnico de

grupo nacional, pois o nacional agrega-se à ancestralidade, à origem comum e ao cultural.

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Tem-se ainda o pangermanismo, um movimento inspirado num modelo de

nacionalismo em que estiveram presentes tanto sonhos separatistas quanto de unificação.

Um movimento profundamente comprometido com o romantismo alemão, e também com

o pragmatismo inerente aos projetos imperialistas de expansão de mercados e territórios.

O pangermanismo tinha como principais objetivos a divulgação e propagação dos

planos expansionistas da germanidade; união integral da germanidade em todo o mundo;

campanha em favor da germanidade no exterior e a luta contra as minorias nacionais.

Na mesma época em que a Liga Pangermânica passa a atuar com maior intensidade

nas zonas de colonização alemã, observa-se a emergência de um forte ideário nacionalista

no Brasil, o qual defenderá uma maior integração regional e a formação de um povo

identificado com os interesses do país. Para tanto, impunha-se que os emblemas da nova

ordem fossem incorporados, por toda a população, idéias que não seriam aceitas

tacitamente pelos imigrantes e seus descendentes.

Como camponeses, em sua grande maioria, dificilmente estavam ligados à vida

estatal. Ainda que venerassem o rei e seus emblemas, se neles havia algum sentimento

patriótico, este estava associado à gleba e à aldeia, à sua família e vizinhos, e não a um

amplo território a que chamassem de nação.

Quando se deslocam para outra região, recriam, de maneira autônoma, suas

tradições originais, as quais vão se mesclando aos hábitos da sociedade receptora, e isto se

dá, devido ao fato de não se estruturarem exclusiva e preponderantemente pelo princípio

étnico ou lingüístico.

Criando organizações, fundando escolas, jornais e revistas, os alemães se

transformaram em exemplo máximo de “enquistamento“ e, no final dos anos 30, foram

considerados uma ameaça ao futuro da nação brasileira. Acusados de representar a pátria

germânica e a presença do nazismo em território nacional, os alemães, junto com os

japoneses, foram, por assim dizer, assimilados à força.

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3 CONTEXTO NACIONAL

3.1 A SITUAÇÃO DO BRASIL NA DÉCADA DE 1940

A partir da posse de Getúlio Vargas em 1930, teve início uma rearticulação nos

setores sociais e dominantes no Brasil. Em seu discurso, Getúlio afirmava tomar posse

provisoriamente. No entanto, só sairia do poder, cerca de 15 anos depois.

Em 1937, após, um golpe que o fez permanecer no poder, Getúlio Vargas suprimiu

a Constituição de 1934 e outorgou uma Carta Constitucional com características fascistas.

A partir daí, patrocinaria com habilidade diversos acordos entre as classes dominantes e

manejaria a política econômica de forma a não prejudicar a maior parte dos setores

dominantes, bem como a ideologia elaborada, esse período fora chamado de Estado Novo.

O Estado Novo caracterizou-se também pela difusão de uma “mentalidade” sem

elaborar uma ideologia totalitária consistente. Essa mentalidade pode ser descrita como um

conjunto de princípios sem conteúdo muito definido que foram sustentados pelo regime e

penetraram na sociedade, tais como a centralização, a integração nacional, a hierarquia, a

visão antipolítica e o nacionalismo difuso.

Autoritarismo, centralismo e corporativismo foram também características do novo

regime. Em nome da “segurança nacional”, o Legislativo e o Judiciário perderam poder,

que ficou concentrado no presidente da República.

Durante o Estado Novo, denominado por Getúlio Vargas de Estado Nacional, houve

uma crescente onda de patriotismo, promovida pelos discursos oficiais, assim como a

difusão da idéia de nação unida em torno de um só ideal: o engrandecimento do país.

Nessa união não cabiam os interesses corporativistas dos partidos e dos diferentes grupos

sociais, tais como o dos imigrantes, mas somente aqueles que visavam ao que era “melhor

para o Brasil”.

O espírito nacionalista que advinha da concepção de Estado Novo passou a ser

desenvolvido por meio das atividades educacionais dirigidas aos jovens, nas escolas. É

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possível perceber o grau de importância dessa tarefa a partir do documento a seguir, trecho

de um discurso de Vargas, de 1938.

O Brasil tudo espera da juventude enquadrada perfeitamente nas aspirações do Estado Novo. Guardando as inspirações do passado e construindo a ordem e o progresso atual, é para a grandeza do futuro que volta as suas vistas. As novas gerações terão papel decisivo a desempenhar, pois o muito que já somos ainda é bem pouco diante do que poderemos ser, com as nossas imensas possibilidades. É necessário formar nessas crianças e nesses adolescentes a mentalidade capaz de levar o país aos seus destinos, mas conservando os traços fundamentais de nossa fisionomia histórica, com o espírito tradicional da nacionalidade, que o regime instituído é o único apto a cultuar na sua verdade. A essa necessidade correspondem os artigos da nova Constituição sobre a matéria educativa, orientando-a no sentido essencialmente cívico e nacionalista. 2

3.2 O INTEGRALISMO

Enquanto isso, as lutas políticas internacionais também se refletiam no Brasil, na

Europa difundiam-se o nazismo e o fascismo. Tanto o nazismo como o fascismo

conseguiram se impor em alguns países europeus. A onda nazi-fascista chegou ao Brasil,

em 1932, através da Ação Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado. Sob o lema

“Deus, Pátria, Família”, seu verdadeiro objetivo era a formação de um Estado corporativo

e antidemocrático.

A Ação Integralista Brasileira (AIB), propunha a organização da sociedade nos

mesmos padrões de hierarquia e disciplina de que falavam nazistas e fascistas na Europa, a

apologia do Estado nacional e o combate ao comunismo, à democracia liberal e ao

capitalismo internacional.

O movimento integralista ganharia corpo político em sete de outubro de 1932, com

a divulgação de um documento doutrinário elaborado por seu líder. Os mesmos

pressupostos nacionalistas xenófobos e anticomunistas dos europeus estavam presentes no

documento. Também a exemplo de seus inspiradores, os militantes erguiam o braço direito

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com a mão espalmada como saudação coletiva. Entre si, cumprimentavam-se com a

palavra tupi anauê, que significa “ave” ou “salve”, e usavam camisas verdes, enquanto os

fascistas italianos as usavam pretas, como uniforme.

Buscando o apoio da sociedade, principalmente da juventude, o movimento

integralista freqüentemente promovia campanhas para atrair novos adeptos por meio de

cartazes e revistas ou de grandes passeatas em locais públicos para marcar presença na

sociedade.

As primeiras notas a respeito da formação da Ação Integralista Brasileira foram

enviadas à Itália, pelo seu consulado em São Paulo, em 1931. Até 1936, os italianos

fizeram varias análises superficiais sobre o Integralismo, e estas se preocupavam,

sobretudo, em identificar os pontos comuns da ação dos integralistas com a do fascismo

italiano e escondiam várias preocupações, tais como: o nacionalismo integralista, que

parecia ser uma fonte de conflito com a Itália; a crescente influência nazista no movimento

e conseqüente perda de prestígio do fascismo, dentre outras.

A partir de 1936, a atitude italiana frente à AIB mudou e esta passou a ser vista

como um movimento de importância e analisada com maior positividade. Esta mudança de

política deveu-se à maior evidência de crescimento do poder político do Integralismo,

maior atenção do governo italiano e à agudeza e capacidade de observação do encarregado

de negócios italiano Menzinger, que tomou conta dos assuntos da Embaixada a partir de

meados de 1936.

O documento que marcou essa mudança de postura foi um telegrama do governo

italiano aos cônsules e à Embaixada no Brasil, pedindo informações sobre o Integralismo e

a conveniência em apoiá-lo. As respostas dos cônsules desaconselharam o apoio por

temor de choque de nacionalismos e por uma certa desconfiança residual com a AIB.

2 GUASTINI, R. Ideário político de Getúlio Vargas. São Paulo: 1943.p.113. In: BERCITO, S. D.

R. Nos tempos de Getúlio Vargas: da revolução de 30 ao fim do Estado Novo. São Paulo: Atual, 1990. p.41. (História em documentos).

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Porém, a Embaixada do Rio de Janeiro, que era responsabilidade de Menzinger,

propôs ajudar o Integralismo através de subsídios e da transferência do apoio dos ítalo-

brasileiros sob a influência de Roma para o movimento.

Conforme, João Fábio Bertonha, em sua obra “O Fascismo e os Imigrantes Italianos

no Brasil”, a Itália acatou as propostas de Menzinger e resolveu acreditar nas informações

colhidas de que a Ação Integralista estava tendo penetração real na sociedade brasileira e

de que se poderia tirar o movimento da órbita nazista para a fascista. Além disso, o

governo italiano enviou um emissário ao Brasil para analisar o Integralismo, e este ficou

impressionado com o movimento, defendendo o apoio ao mesmo para facilitar o seu

controle e aumentar a influência italiana na política brasileira. Com isso, um subsídio

financeiro passou a ser transferido regularmente dos cofres italianos para os integralistas,

apoiando o seu esforço para se tornar um movimento de massa.

Com a instauração do Estado Novo, a Itália desestimulou os integralistas a lutarem

contra Getúlio Vargas, instando-os a colaborar com o novo regime, uma vez que o novo

governo Vargas era simpático à Itália, pois Vargas, possuía nos altos círculos fascistas, um

juízo mais alto que Plínio Salgado e o Brasil. O Estado Novo de Vargas parecia se

facsistizar com muita rapidez.

As boas relações entre a AIB e o governo fascista italiano não se limitaram, porém,

ao fornecimento de fundos por parte dos italianos. Elas foram muito mais complexas e

intrincadas do que parecem à primeira vista e, como veículo para esse íntimo

relacionamento, foram fundamentais as coletividades italianas presentes no Brasil e a

estrutura de catequese montada pelo governo fascista.

As informações sobre o Integralismo demonstram que ele teve uma sólida

participação da comunidade de origem alemã e também da italiana, cerca de dezesseis por

cento dos militantes integralistas de todo o país tinham origem italiana, o que separava

largamente a proporção de italianos e filhos de italianos na população nacional.

Em alguns núcleos, sobretudo em São Paulo e Rio Grande do Sul, porém, essa

situação de presença maciça de descendentes de imigrantes é ainda mais pronunciada. No

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núcleo integralista de Rio Carlo em São Paulo, por exemplo, o livro de atas revela que, de

um total de 197 inscritos em todos os níveis, 36% tinham sobrenome italiano e 10%

tinham sobrenome alemão.

Sabe-se ainda que o Integralismo foi, basicamente e malgrado algumas

especificidades regionais, um movimento de classe média, e que foram os italianos deste

grupo que mais responderam ao apelo integralista. Com isso, poder-se-ia concluir que os

italianos que realmente aderiram à AIB eram basicamente de classe média e que o fizeram

única e exclusivamente como uma opção política derivada das contradições e necessidades

do momento, sem qualquer variável étnica presente.

A Ação Integralista Brasileira foi destruída por Vargas por representar uma ameaça

à segurança de seu regime. Isto fica demonstrado com a citação a seguir: “Embora nunca

tenha levado a sério seu namoro ostensivo com os camisas-verdes integralistas, Vargas

acolheu de braços abertos o apoio por eles prestados, até o momento em que consolidou o

seu controle”.3

Inconformados com a dissolução de seu partido, os integralistas, que haviam

apoiado Getúlio em 1937, agora preparavam um golpe contra ele. A liderança coube ao

médico Belmiro Valverde e a um oficial do Exército, o tenente Severo Fournier.

Na madrugada de 11 de maio de 1938 um grupo de civis, marinheiros e fuzileiros

navais conseguiu transpor os jardins do Palácio Guanabara, sede do governo, munidos de

metralhadoras. Os sitiados no Palácio Guanabara resistiram, entre eles Getúlio Vargas. O

ditador foi libertado por reforços governamentais, encerrando-se essa efêmera tentativa

golpista, com a prisão e fuzilamento, no próprio Palácio, de vários revoltosos.

Plínio Salgado, líder dos integralistas, negou sua participação no golpe, mas foi

mesmo assim obrigado a exilar-se. Vargas valeu-se da tentativa golpista para regulamentar

a aplicação da pena de morte.

3 MACCANN, F. D. Jr. A aliança Brasil - Estados Unidos, 1937-1945. Rio de Janeiro: Biblioteca

do Exército, 1995. p. 69.

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4 AS COLÔNIAS ALEMÃES

4.1 A CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO

Uma das facetas que mais chama a atenção quando se estuda a história das colônias

alemãs no Sul do Brasil, é a presença de determinadas formas de sociabilidade, concepções

e representações de conteúdo étnico atrelados, de um lado, aos valores e símbolos

presentes na cultura de origem dos imigrantes e, de outro, às condições específicas

encontradas por esses na realidade brasileira.

A idéia de “manter-se alemão no Brasil” por parte dos imigrantes, pode ser

compreendida como uma expressão das condições e possibilidades do próprio ato de

imigrar e, ainda, pela forma como se efetivou a colonização no sul do Brasil a partir da

segunda metade do século XIX.

Os imigrantes alemães longe de se constituir como maioria numérica, destacaram-se

pela tentativa de preservação de sua identidade étnica no processo de colonização e

integração ao meio nacional.

Pode-se ainda dizer, que a recriação de um mundo deixado para trás teria sido o

principal desafio para essas populações, sobrevivência e alento numa realidade adversa à

possibilidade de emancipação.

Com vontade firme e perseverança conseguiremos reatar as relações com a velha Pátria, reatá-las quando rompidas e reafirmá-las onde afrouxadas, torná-las cada vez mais vivas e assim ampliar, por assim dizer, a velha Pátria até nós – não no espaço, de certo, mas espiritualmente. Atuando contínua e persistentemente, de acordo com a nossa índole e o nosso espírito germânico, haveremos de conseguir também respeito e o afeto na nova Pátria.4

4 Ottokar Doerffel em editorial do número piloto do Koloine-Zeitung, 20/12/1862, trad. por Elly

Herkenhoff. Imigrante alemão, Doerffel foi doutor em ciências jurídicas, proveniente da cidade de Glauchau. Por seu envolvimento nos movimentos políticos de 1849 na Saxônia, enfrentou um processo por “alta traição”. Chegou ao Brasil em 1854 com a esposa, fixando-se em Joinville. Desde sua chegada, participou ativamente na organização da vida cultural e na política da recém fundada colônia. Liderou o processo de criação da maior parte das associações culturais, assistenciais e recreativas, exerceu o cargo de Presidente da Câmara (1874-1876) e editou em 1862, o primeiro periódico impresso em alemão em Santa Catarina, o Kolonie-Zeitung (Jornal da Colônia).

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O manter-se alemão seria, como atestado na citação acima, a referência para a

criação dos novos espaços de vivência dos imigrantes e de seus descendentes. Mas não

somente isso. Expressaria a etnicidade de um grupo social que se afirmava num contexto

marcado por diferenças e conflitos étnicos.

O aspecto tratado a seguir, diz respeito à “ordem de abrasileiramento”, que emerge

no final da década de 30, período esse marcado pela crise nas relações entre teuto-

brasileiros e os brasileiros, causado pela campanha de nacionalização e, principalmente,

por sua intensificação após 1942, quando o Brasil declarou guerra à Alemanha.

Misturando valores nacionalistas e autoritários, o Estado Novo iniciou oficialmente

a partir de 1938, a “grande obra nacionalizadora”, apoiando-se num conjunto de leis que

tinham como objetivo suprimir toda e qualquer atividade política de estrangeiros no Brasil

e a “adaptação ao meio nacional dos brasileiros descendentes de estrangeiros”.5

A campanha de nacionalização foi instituída por Getúlio Vargas, após o golpe de

1937, que levou o país à ditadura do Estado Novo, com um governo autoritário e

nacionalista. O programa de ação dessa campanha tinha como principal objetivo erradicar

as influências estrangeiras atuantes, sobretudo, nos Estados do sul, e incutir nas populações

de origem européia, principalmente os alemães, poloneses e italianos, o sentimento de

brasilidade.

Tal programa, portanto, pretendia a assimilação compulsória ou forçada das

minorias citadas, através de uma legislação específica, que colocou à margem da lei a

maior parte das instituições consideradas “estrangeiras” (sociedades assistenciais,

imprensa, escola, dentre outras), e que atingiram especialmente as comunidades teuto-

brasileiras.

O principal motivo para a institucionalização dessa campanha foi a maciça

infiltração nazista no país, em particular no sul do Brasil, onde o NSDAP (Partido

Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães) atuava sobre a população de origem

5 Decreto-lei 383 de 18 de abril de 1938, do Governo Federal.

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alemã. É importante ressaltar que muitos teuto-brasileiros foram impulsionados pela

doutrina nazista representada pela superioridade racial dos “arianos” e também pela

exaltação da língua alemã, porém, a maioria deste grupo não aceitou a tutela de um partido

político estrangeiro, e o NSDAP assim foi visto. Já o integralismo, como partido político,

foi aceito com maior facilidade do que o nazismo.

As atividades nazistas concentraram-se tanto na zona rural quanto na zona urbana.

Na zona urbana o partido nazista teve uma atuação constante, e de certa maneira,

conseguiu aliciar muitos partidários, em compensação na zona rural os colonos se

mostraram indiferentes. Na zona urbana, a propaganda atingiu muito mais a classe média e

alguns empresários industriais. O fato desta divulgação ter sido até certo ponto elitista, a

maioria dos propagandistas serem alemães novos, os quais representavam um grupo que

era hostilizado por uma grande parcela dos teuto-brasileiros, e a ausência de grupos locais

organizados, fez com que a maior parte dos colonos alemães, encarasse o nazismo com

uma certa ressalva.

A posição frente ao nazismo é muito clara, uma vez que os teuto-brasileiros

consideravam-se cidadãos do Brasil e fiéis à pátria brasileira. Contudo, ao mesmo tempo, a

nacionalidade é representada como uma “comunidade étnica” e, nesse caso, seus membros

pertencem “ao povo alemão”.

Esta concepção forma o conflito ideológico que marca a identidade étnica, onde os

teuto-brasileiros não filiados ao NSDAP, também não pertencem à comunidade alemã

nazista que naquele momento representava o povo alemão e, assim, passam à condição de

estrangeiros, mas também podem ser simplesmente brasileiros, porque admitem uma

nacionalidade incompatível com o jus soli, mesmo que, na sua síntese da questão, essa

nacionalidade seja apenas cultural. Ambos os aspectos acabam definindo a particularidade

ou a especificidade do grupo étnico: “Eu sou cidadão brasileiro e tenho orgulho de ter

nascido no Brasil e de trabalhar pela minha pátria; mas ninguém pode me impedir de ter

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orgulho de ser alemão, de pertencer à raça alemã. Por isso, falo como alemão e mantenho

meus costumes alemães”.6

Com isso, a maior parte da população teuto-brasileira se colocou fora da

“comunidade nacional dos 100 milhões de alemães em todo o mundo”, que seria a meta

final do nazismo, mas não renunciou ao Deutschtum, que significa sua germanidade. A

separação entre a nacionalidade e Estado se tornou muito mais evidente quando os nazistas

passaram a agir nos núcleos urbanos criando um paradoxo, no qual os teuto-brasileiros

estão integrados ao Estado brasileiro e à etnia alemã, mas não ao Estado alemão

representado pelo NSDAP. Não sendo cidadãos da Alemanha, nada tinham em comum

com o governo daquele país e muito menos com o partido político que o dirigia. Há uma

nítida separação entre Alemanha como entidade política e como pátria de origem.

Sendo assim, o comportamento e as formas de identificação dos descendentes dos

imigrantes alemães demonstram que existe uma linha de separação entre o que deve ser

considerado como étnico e como político em relação ao estado alemão.

O Deutschtum pode ter sido apropriado pela propaganda nazista, mas sua essência

diz respeito ao povo alemão, no qual os teuto-brasileiros se achavam incluídos, mesmo

com a guerra e a campanha de nacionalização.

A campanha nacionalizadora foi posta em prática pelo exército, e colocou em

conflito o choque entre duas concepções diferentes de nacionalidade. Os teuto-brasileiros

consideram que a nacionalidade é determinada pelo sangue e pela língua, herdados dos

pais, não possui fronteiras políticas e não se confunde com cidadania, pois para tais isto

está a parte na nacionalidade, não definindo o grupo étnico, mas sim sua filiação com o

Estado brasileiro. A concepção brasileira de nacionalidade está em oposição aos teuto-

brasileiros, pois para tal o que interessa é o local de nascimento. Portanto, “é brasileiro

todo aquele que tiver nascido no Brasil, independente da sua filiação étnica”.7

6 SEYFERTH, G. Nacionalismo e Identidade étnica. Florianópolis: Fundação Catarinense de

Cultura, 1981. p. 177. 7 Ibid. , p.178.

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A quem coube colocar em prática as medidas de nacionalização, a germanidade foi

vista como uma ideologia referida ao Estado cujo propósito era a consolidação da unidade

nacional. A campanha também colocou o “elemento nacional” na posição do “nativo” cuja

função primordial era assimilar estrangeiros que se intitulavam teuto-brasileiros,

despertando o sentimento da nacionalidade.

Em Santa Catarina, a nacionalização foi vista exclusivamente como uma campanha

de desgermanização e as medidas restritivas foram dirigidas principalmente contra os

descendentes de imigrantes alemães contra a importância dada à nacionalidade alemã; a

presença das escolas alemãs; o uso cotidiano da língua alemã, a aparente homogeneidade

étnica do Vale do Itajaí e da região de Joinvile, caracterizadas como “zonas de colonização

alemã”; os elementos racistas do Deutschtum e, sobretudo, a organização e atuação dos

grupos locais do NSDAP.

4.2 O PROCESSO DE NACIONALIZAÇÃO: INTERPRETAÇÕES

A nacionalização era extensiva a todas as áreas que possuíssem a presença de

população estrangeira. Em Santa Catarina, voltou-se, sobretudo, à população teuto-

brasileira, isto é, aos imigrantes e descendentes de origem alemã, e ainda, assumiu caráter

de campanha, combinando esforços governamentais com operações militares, no intuito de

“abrasileirar os brasileiros”.

A Campanha de Nacionalização, decorrente desta combinação, remete-nos a

conflitos entre os teuto-brasileiros com os demais grupos sociais, pois o que está em

questão são sujeitos sociais juntamente com seus processos de identificação.

Até aproximadamente o final dos anos de 1930, o idioma alemão era amplamente

utilizado nas relações cotidianas, na imprensa e nas escolas. Além disso, a existência de

uma rede de sociedades e associações de caráter recreativo, artístico, esportivo, ambiental

e assistencial e o prevalecimento dos padrões alemães nos campos religioso e educacional,

sinalizava a existência de um grupo étnico fortemente organizado.

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Num estudo extremamente relevante e bastante conhecido, Nacionalismo e

identidade étnica, Giralda Seyferth analisa esta questão sob a perspectiva da existência de

uma identidade étnica teuto-brasileira. A autora destaca que o processo de construção da

identidade étnica teuto-brasileira em algumas regiões de Santa Catarina pautou-se, de um

lado, pelas idéias em torno do que os intelectuais e ideólogos alemães chamaram de

Deutschtum, ou seja, germanidade ou germanismo e, por outro lado, pelo enfrentamento

das novas condições de vida encontradas pelos imigrantes no contexto brasileiro. O

germanismo, segundo a autora, pode ser considerado como “uma ideologia nacionalista

transformada ou modificada em ideologia étnica” 8, já que consiste numa classificação ou

ordenamento do mundo humano a partir da idéia de origem comum, ancestralidade e

herança cultural que indica as relações entre os indivíduos com mesma identidade e com

identidades diferentes. A solidariedade e o princípio de igualdade entre os membros

pertencentes a um mesmo grupo étnico e a oposição a grupos etnicamente diferentes se

efetivam por intermédio das idéias e símbolos que compõem a ideologia étnica.

Além disso, o germanismo ao considerar a existência da nação pelo viés étnico-

cultural coloca a nacionalidade alemã independente de um Estado ou territórios

específicos. Em outras palavras, a nacionalidade é um patrimônio individual definido não

pelo local de nascimento ou de radicação, mas pelo pertencimento a uma comunidade

étnico-cultural.

Deutschtum engloba a língua, a cultura o Geist (espírito) alemão, a lealdade à Alemanha, enfim tudo o que está relacionado a ela, mas como nação e não como Estado [...]. Nesse sentido, a nacionalidade e cidadania não se misturam e não se complementam. A nação é considerada fenômeno étnico-cultural e, por esta razão, não depende de fronteiras; a nacionalidade significa a vinculação a um povo ou raça, e não a um Estado. A cidadania, sim, liga o indivíduo a um Estado e, portanto, expressa sua identidade “política”. Mas uma cidadania não alemã em nada impede que um descendente de alemães seja fiel à nacionalidade dos seus antepassados, que herdou.9

8 Ibid., p.4. 9 Ibid., p. 46.

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Embora apresentando algumas peculiaridades, a identidade étnica teuto-brasileira é

estabelecida a partir desses princípios, ou seja, baseando-se em valores interpretados como

genuinamente alemãs, os imigrantes alemães e seus descendentes postulam a sua distinção,

consideram-se membros de uma “comunidade” com qualidades próprias, gestadas no

processo de desenvolvimento físico, espiritual e moral do povo alemão.

Por extensão, a “comunidade” teuto-brasileira é também definida pela raça, língua,

índole, cultura e caráter alemão.

Porém, há um outro componente presente nessa identidade que, inclusive, distingue

os teuto-brasileiros dos alemães. Trata-se da cidadania brasileira, onde estão submetidos às

leis e ao Estado brasileiro. Assim, o grupo étnico teuto-brasileiro, enquanto grupo

organizado, impõe sua distintividade tanto em relação aos alemães, já que são vinculados

politicamente ao Estado brasileiro, como também em relação aos brasileiros, por

pertencerem étnico –culturalmente à comunidade nacional alemã.

Cabe ressaltar ainda que os teuto-brasileiros manifestam-se enquanto grupo social

organizado, portador de uma identidade específica, ao final do século XIX. Este período é

marcado pelo processo de industrialização e urbanização das antigas colônias de

imigrantes.

É através dessas transformações históricas e das relações entre grupos étnico-

culturais diferentes que emerge o grupo teuto-brasileiro organizado, sendo portador de

uma identidade referenciada pela origem e cultura alemã, mas também pela cidadania

brasileira, seja por nascimento ou pelo direito de solo. Portanto, a identidade teuto-

brasileira se afirma no confronto e como diferenciação do grupo étnico teuto-brasileiro no

conjunto social.

Esse confronto pode ser resgatado pela imprensa brasileira e teuto-brasileira da

época. Intelectuais e jornalistas brasileiros chamam a atenção para a necessidade de ações

governamentais eficazes de “abrasileiramento” (assimilação cultural) dos imigrantes e dos

seus descendentes, embora reconheçam sua grande contribuição econômica no

desenvolvimento das antigas áreas de colonização.

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Num artigo intitulado “O Estado no Estado”, um jornal carioca destaca a

necessidade de se combater o “perigo alemão”, já que devido à recusa dos colonos à

assimilação, havia a possibilidade da anexação do sul do Brasil à Alemanha.10

Já, na imprensa teuto-brasileira, as idéias do “perigo alemão” e de “necessidade de

assimilação”, são intensamente contestadas:

Os portugueses, espanhóis, franceses e italianos ainda são aceitos, porque se julga ver neles os ancestrais romanos. É verdade que os mesmos se amalgamam muito mais facilmente com a população em geral, do que o alemão imigrado e seus amigos. O alemão conserva seus costumes e tradições e principalmente sua língua. Justamente este é o maior horror para os nativistas e eles se portam como se o falar uma outra língua trouxesse a incapacidade para o cumprimento dos deveres do cidadão, como se o cidadão de língua alemã fosse um ser de classe inferior, do qual pode-se fazer, orgulhosamente, pouco caso, que pode ser ridicularizado e caçoado [...]. Quando o alemão deixa o seu país não o faz como principalmente o português, com a intenção única de ganhar tanto dinheiro em terra estrangeira que, voltando com o que conseguiu à velha pátria, possa desfrutar de uma vida despreocupada ou pelo menos, poder comprar um patrimônio na velha pátria com o dinheiro conseguido. Quando o alemão emigra, é que o firme propósito de lá, onde fizer sua existência, fixar-se e conservar para si e seus filhos a nova pátria. Ele queima as pontes atrás de si e torna-se cidadão da nova terra por ele escolhida, cumpre com escrupulosidade alemã todos os deveres que lhe são impostos em sua nova pátria, mas quer também com sentimento alemão de justiça ter todos os direitos de cidadão, ele quer ser considerado e respeitado pela população nativa como merece seu fiel senso de cidadão.11

Como se percebe, o artigo destaca que os alemães e os seus descendentes, ao

constituírem suas vidas no Brasil, encararam a sua etnicidade como direito a ser respeitado

pela população nativa (seja ela brasileira ou de descendência estrangeira) e, como tal,

deveria nortear os princípios da prática da cidadania.

Neste processo, o conflito étnico-cultural além de evidenciar-se na imprensa

também será intensificado nos espaços de convivência social. Assim, a identidade étnica

tornar-se-á referência para a solidariedade entre os teuto-brasileiros e, ao mesmo tempo,

meio de afirmação deste grupo social organizado, numa sociedade que se tornava cada vez

mais diversificada.

10 O artigo “O Estado no Estado” é utilizado por vários autores para ilustrar as preocupações

políticas em relação às colônias alemãs. Foi publicado na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 22 de setembro de 1896.

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O período entre o final da década de 1930 e início da década de 1940 foi marcado

por uma profunda crise nas relações do grupo étnico teuto-brasileiro com a população

brasileira. O conflito étnico-cultural ganha nova referência: a obra nacionalizadora do

Estado Novo.

A “obra nacionalizadora” do Estado Novo recolocava em destaque o que seria a

nação e a nacionalidade brasileira, e ainda, o papel que o Estado deveria desempenhar para

a afirmação de ambas:

O Brasil é brasileiro. Agora, esta população, de origem colonial, que há tantos anos exerce a sua atividade no seio da nossa terra, constituída de filhos e netos de primitivos povoadores, é brasileira. Aqui, todos são brasileiros, porque nasceram no Brasil, porque no Brasil receberam educação.12

Por este discurso de Vargas, pode-se apontar que a concepção de nacionalidade

existente na sociedade brasileira se circunscrevia ao “direito de solo”, ou seja, a

nacionalidade dos brasileiros é determinada pelo local de nascimento e é neste âmbito que

se colocam seus direitos e deveres. Assim, concebida, a nacionalidade relaciona-se

diretamente a um território.

Porém, a nacionalidade deveria ainda referir-se à comunhão de valores pátrios,

culturais, sociais, econômicos e políticos:

Pátria não é apenas a extensão territorial, dotada de grandes recursos naturais e admirada pela imponência dos seus panoramas; é acima de tudo, a comunidade de laços afetivos e interesses econômicos, e só existe em verdade, quando se impõe à inteligência e ao coração do povo como a mais alta representação das suas virtudes e energias criadoras.13

Como se vê, a concepção do governo brasileiro diverge daquela veiculada pelos

teuto-brasileiros, já que para esses a nacionalidade se relaciona com o “direito de sangue”

e, portanto, é herdada dos antepassados. Já a pátria para os teuto-brasileiros é ao mesmo

11 Kolonie-Zeitung, 24.12.1891, p.14. Kolonie-Zeitung significa Jornal da Colônia e foi o primeiro

periódico impresso em alemão em Santa Catarina. 12 Discurso de Getúlio Vargas. Jornal de Joinville, 10. Mar. 1940. 13 Ibid., 7. Set. 1938.

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tempo alemã e brasileira e é dentro dessa visão que os mesmos se atribuem uma dupla

nacionalidade.14

Deste ponto de vista, a Campanha de Nacionalização traduz o conflito de

concepções divergentes de pátria, nação e nacionalidade. As palavras do general Hugo

Bethlem, um dos principais agentes da Campanha no Vale do Itajaí são elucidativas e

demonstram o conflito gerado, quando afirma que a categoria teuto-brasileira é uma

“designação de nacionalidade fictícia, que alguns tentavam energicamente impor, só se

designado diante de brasileiros como teuto-brasileiros”. Contra isso, ainda segundo o

autor, a Campanha de Nacionalização teria movido uma violenta guerra, demonstrando

incansavelmente a esses indivíduos que, “aos nascidos no Brasil, de qualquer origem, não

pode haver outra designação senão a de brasileiros”.15

Quanto ao Estado, sua tarefa era a de suprimir as manifestações que se

antepusessem à idéia de brasilidade que, afinal, era única e específica, porém tributária ao

nosso passado colonial: “As peculiaridades da nossa vida exigem métodos e processos

originais. Se tivermos, porém, essas diferenciações, devemos confessar que um laço

profundo e duradouro nos liga a Portugal”.16

Tratava-se de criar a idéia de uma nação forte e coesa sob o comando de um Estado

também forte e centralizado, ao qual caberia tomar providências que objetivassem a

integração nacional através da uniformização do idioma, costumes, tradições e educação,

ou seja, o Estado tornava-se a referência máxima da cultura e nacionalidade brasileiras.

Muitas foram as justificativas que visaram legitimar a Campanha de Nacionalização

no sul do Brasil, na sua maioria, baseados nos reflexões da identidade étnica teuto-

brasileira que imprimia uma “paisagem germânica” em algumas regiões do estado. Em

outras palavras, tais justificativas reportavam-se à utilização cotidiana da língua alemã, à

14 SEYFERTH, G. Op. Cit., Cap. 2, p. 11-2. 15 BETHLEM, H. Vale do Itajaí: jornadas cívicas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1939. p. 47. 16 VARGAS, G. As diretrizes da nova política do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1943. p.

343.

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existência das escolas alemãs, das inúmeras agremiações e sociedades de tradição

germânica e à valorização da nacionalidade alemã por parte da população teuto-brasileira.

A existência desse quadro era atribuída, principalmente, à incompetência e descaso

governamentais, tanto no nível estadual como no federal. Isso quer dizer que a ausência do

Estado no processo de estruturação das colônias de imigrantes teria propiciado a formação

de comunidades étnicas fechadas, pois os imigrantes naturalmente ao se estabelecerem no

Brasil teriam organizado suas vidas dentro de padrões próximos de sua pátria de origem e

não de acordo com a realidade e os princípios da nacionalidade brasileira.

A Campanha de Nacionalização seria, dentro desta perspectiva, o “remédio”, a

“regeneração” da ordem nacional, e ainda, o meio eficaz do elemento nacional brasileiro

assimilar grupos étnicos autônomos que se contrapunham ao “movimento integrador”, do

qual o Estado pretendia ser o principal protagonista.

Nesse sentido é exemplar a fala do major Nelson Bandeira Moreira, do Estado

Maior da 5o Região Militar de Santa Catarina:

Já se foi o tempo em que a consciência nacional se recalcava pelo indiferentismo dos governos cegos, pela sua imprevidência imperdoável, permitindo a canalização de uma única corrente imigratória em Santa Catarina e que vinha sendo, além disso, centralizada em determinadas regiões do Estado, onde vivia na integral plenitude dos seus costumes e da sua língua, isolada de quaisquer contatos com a nossa raça. E o resultado dessa prática imprevidente tinha que ser, por força das circunstâncias sociais e pelo desprezo dos mais elementares princípios que regem a vida dos povos, o que até bem pouco ali se constatava: um pequeno império germânico dentro de um estado da República, consistindo de alemães e seus descendentes, nascidos no Brasil, até a terceira e quarta geração. Felizmente o nosso governo atual soube compreender essas causas [...].Sentiu a necessidade de se atacar, de se destruir os cupins que corroíam os alicerces de nossa nacionalidade, de separar os bons elementos estrangeiros, dignos de nossa admiração, dos maus, dos audaciosos, dos nocivos ao Brasil (...) e que procuravam alimentar na nossa juventude, indecisões, fantasias perigosas de uma pátria além, gerando uma mentalidade de traidores inconscientes. Depois de mobilizar todos os meios indispensáveis para o cabal desempenho da campanha nacionalista que se fazia mister, esse mesmo governo nela se engajou com a única satisfação que lhe restava, de poder contar com os aplausos verdadeiros de sinceros patriotas.17

17 Kolonie-Zeitung, 09. Set. 1938. p.1.

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A obra nacionalizadora deveria, portanto, destruir os “cupins” que corroíam a

brasilidade e, para tal, era necessário colocar em prática o projeto de assimilação voltado

aos grupos étnicos.

Oficialmente, o exército brasileiro foi designado como o órgão responsável para a

efetivação da Campanha de Nacionalização. O encaminhamento a cargo do exército era

interpretado como “natural”, na medida em que este era tido como expressão máxima da

nacionalidade brasileira, pois teria sido criado em função de movimentos nativistas,

confundindo-se historicamente com a própria formação da nação. Entretanto, os próprios

agentes nacionalizadores ressaltam que a identidade “exército-nação” concretizou-se

apenas com a implantação do Estado Novo, o qual, por seu caráter, reparava “Cinqüenta

anos de República irresponsável e alguns anos de descuido do Império”. 18

Para o exército, colocava-se a necessidade de uma “assimilação à força”, já que o

problema de áreas germanizadas relacionava-se à “Segurança e Soberania Nacional”.

É importante ressaltar mais uma vez que, no discurso dos agentes nacionalizadores,

a assimilação era definida como um processo de diluição das diferenças no interior da

sociedade nacional, cuja base de sustentação conjugava ação militar, policial e medidas

coercitivas. Deste modo, a unidade nacional corresponderia às idéias de harmonia e

uniformização que, por sua vez, pressupunham o desaparecimento de grupos étnicos. Esta

concepção de assimilação, portanto, revela o caráter autoritário próprio da Campanha de

Nacionalização.

Entretanto, cabe perguntar se o Estado, através de seu programa de ação, atingiu

seus objetivos, assimilando os grupos étnicos, ou se a Campanha de Nacionalização obteve

resultados superficiais, caracterizados pela submissão dissimulada desses grupos em

função dos métodos coercitivos utilizados.

18 BETHLEM, H. Op. Cit. p. IX.

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Para a análise desta problemática faz-se necessário levar em conta algumas questões

como a ampliação da discussão sobre as formas de sociabilidade e identificação social

daquele contexto.

Até o final da década de 30, o idioma alemão era predominante, tanto nas zonas

rurais quanto nas zonas urbanas, sendo utilizado no ensino (público e privado), no

comércio, nas repartições públicas e, obviamente, no ambiente familiar. Entretanto, não se

pode deixar de destacar o desenvolvimento do bilingüismo (alemão-português),

primeiramente, junto à população urbana, tornando-se mais intenso à medida que a região

se integrava economicamente. O revelador é que o bilingüismo não se limitou ao grupo

teuto-brasileiro, mas também ao luso-brasileiro.

Considerando a escola e a igreja como os principais núcleos de divulgação e

preservação da língua alemã tem-se que algumas escolas que estiveram vinculadas à Igreja

Luterana foram um dos principais veículos de manutenção da etnicidade alemã. O ensino

ministrado nessas escolas tinha como linhas ideológicas educar as crianças e os jovens

dentro do “verdadeiro espírito germânico”, de acordo com os “elevados padrões culturais”

e com base no idioma alemão.

Porém, havia outra diretriz prevista em seu projeto pedagógico, qual seja, educar as

crianças e os jovens de forma condizente com a realidade brasileira, na medida em que

estes teriam que viver e trabalhar no Brasil, afinal eram cidadãos brasileiros. Essas escolas

contavam com recursos financeiros da Alemanha, além de ter em seus quadros professores

especialmente vindos daquele país. Quanto ao funcionamento interno, as escolas seguiam

o modelo alemão, no que se refere ao currículo e à didática utilizada.

A imprensa também foi outro meio divulgador da identidade teuto-brasileira, tendo

como objetivo defender os interesses dos colonos alemães e, ao mesmo tempo, animar e

preservar os laços com a velha pátria:

A fundação deste jornal se deve, primordialmente, ao desejo de contribuirmos para que todos os imigrantes alemães que escolheram o Brasil Meridional e, principalmente, a Província de Santa

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Catarina para se estabelecerem, aqui encontrem, realmente, uma nova Pátria, sem que isso implique na perda da sua antiga Pátria.19

Além da língua alemã, instituições de caráter diversificado tiveram papel importante

na divulgação da ideologia étnica teuto-brasileira, além de seus objetivos sociais mais

óbvios. Em Santa Catarina pode-se citar algumas dessas instituições, como a “Sociedade

de Atiradores de Joinville” (1855) e a “Sociedade Ginástica de Joinville” (1858), as quais

existem até hoje.

De uma forma geral, essas sociedades possuíam uma diretoria e sócios contribuintes

sendo que a participação era extensiva a todos os teuto-brasileiros. As várias atividades

realizadas em cada uma delas, visavam a integração dos membros da comunidade. Porém,

o que mais chama a atenção é o papel que estas sociedades tiveram na manutenção das

tradições alemãs na vivência cotidiana.

A “Sociedade Ginástica de Joinville”, a primeira nestes moldes na América do Sul,

baseava-se na idéia de que a prática da ginástica era um poderoso instrumento de harmonia

física e mental do homem. Tal idéia, aliás, foi bastante divulgada na Alemanha em

princípios do século XIX, cujo contexto foi marcado pela derrota da Prússia pelos

exércitos napoleônicos. De acordo com Friedrich Ludwig Jahn o denominado “pai da

ginástica”, as sociedades ginásticas proporcionaram o soerguimento do povo alemão,

através da elevação de sua força moral, da sua resistência física e do seu espírito patriótico.

Tais pressupostos foram adotados na fundação desta sociedade em Joinville e visavam “a

formação e educação de homens fortes e disciplinados”.

As atividades promovidas por essas sociedades, além de expressar padrões de

comportamento dos membros do grupo teuto-brasileiro, procuraram sempre reafirmar

valores culturais supostamente tradicionais e, ao mesmo tempo, valorizar os elos de

ligação dos imigrantes e dos seus descendentes com a pátria alemã. Portanto, ao

analisarmos a Campanha de Nacionalização realizada entre os grupos de alemães no Sul

do Brasil, é necessário considerar que a vida social e o ambiente cultural em que viviam,

19 Kolonie-Zeitung, 10. Dez. 1862, n. Piloto. Tradução por Elly Herkenhoff.

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expressavam a etnicidade de seus habitantes e é sob esta perspectiva que se analisa a

proibição do idioma alemão, a nacionalização do ensino e das associações culturais e

recreativas.

O ensino foi alvo de tentativas de nacionalizar os alemães no Brasil, sendo que,

partiram do governo dos Estados, através de decretos e leis que visavam reformar o ensino

de uma forma geral e, em particular, minimizar as atividades e influência das escolas

alemãs. Contudo, ao final da década de 30, os resultados dessas reformas eram avaliados

pelo governo estadual e pelos principais agentes nacionalizadores como insatisfatórios, na

medida em que não se lograra êxito na fiscalização, principalmente nas escolas situadas

em zonas rurais mais distantes. As reformas, concretamente, apenas teriam promovido a

inclusão de algumas disciplinas relacionadas ao Brasil nos currículos.

Na visão dos nacionalizadores, a escola, principalmente a alemã, deveria ser um dos

principais alvos de ação por exercer papel extremamente importante no “ciclo evolutivo da

formação da mentalidade germânica” do indivíduo, o qual começava pelo lar, passava pelo

Kinder Garten (Jardim de Infância) e em seguida pela Deutsche Schule:

Nestas escolas, tudo era puramente germânico, desde os letreiros das classes aos ensinamentos

morais escritos nos quadros, às gravuras de paisagens, cenas heróicas e retratos de heróis alemães,

aos estatutos, aos livros, aos métodos, aos programas, tudo enfim. Perdia-se a sensação de Brasil

dentro destas escolas. 20

Baseando-se nessa avaliação, cabia à Campanha imprimir uma maior “efetividade”

no que se refere à legislação, orientação e fiscalização das escolas, além de criar

mecanismos de controle que garantissem, a curto e longo prazo, a nacionalização do

ensino.

A partir de 1938, a nacionalização do ensino, contará com um suporte legal,

baseado em uma série de leis e decretos estaduais, e com a ação ostensiva do exército e do

20 BETHLEM, H. Op. cit. p. 45.

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Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), vistos como principais auxiliares das

autoridades educacionais. Em Santa Catarina, por exemplo, o principal decreto-lei

instituído pelo governo estadual foi, sem dúvida, o de número 88 de 31 de março de 1938,

que atingia diretamente as escolas particulares.

Dentre os “considerandos” desta lei, o governo do estado, Nereu Ramos ressaltava

que o momento histórico e a orientação política e social do Estado Novo exigiam uma

nacionalização ativa no que se referia ao ensino privado. Por isso, todos os

estabelecimentos privados deveriam requerer licença prévia de funcionamento da

Secretaria da Justiça e, para tal, deveriam apresentar documentos comprobatórios de

idoneidade moral e naturalidade brasileira de professores e diretores, meios de manutenção

e comprovante de que o estabelecimento não era subvencionado por qualquer entidade

estrangeira.

Ficava também instituída a obrigatoriedade da utilização da língua portuguesa em

todas as aulas, cursos (Jardim de Infância, Primário e Complementar) e escrituração

(cartazes, tabuletas, placas etc.), a adoção de livros previamente aprovados, a

comemoração de datas cívicas e o aprendizado de todos os hinos oficiais. Além disso,

todos os estabelecimentos particulares deveriam receber e acatar as determinações das

autoridades escolares fiscalizadoras e apresentar anualmente ao departamento de educação,

um relatório das atividades desenvolvidas.

Existiam ainda, penalidades que iam desde o afastamento até a prisão de diretores e

professores que não correspondessem às exigências impostas, além do fechamento

provisório ou definitivo dos estabelecimentos considerados irregulares, estavam previstas.

A justificativa utilizada para tais fechamentos era a de que a escola poderia ter se tornado

um “foco nazista”.

Em contra-partida, os teuto-brasileiros recorreram ao ensino ministrado no lar ou à

fundação de escolas sem licença, clandestinas, que funcionavam geralmente na casa de

professores. Diante disso, o Estado baixava decretos que tornavam obrigatória a freqüência

escolar das crianças, instituindo a “Quitação Escolar”.

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A “Quitação Escolar” era um documento subscrito por diretores ou professores

responsáveis por escolas, indicando o nome e a idade das crianças sob guarda do

indivíduo, bem como o estabelecimento e a classe em que estavam matriculados. A

ausência do documento implicava em uma série de restrições e impedimentos de gozo dos

direitos profissionais e políticos.

A obrigatoriedade do uso da língua portuguesa em toda e qualquer atividade

escolar, além de “emudecer” a maioria das crianças e dos professores, causou graves

problemas pedagógicos.

Além dos limites da escola, a proibição da língua alemã teve como suportes, desde

decretos até o fomento às denúncias. Foram comuns as prisões e detenções efetuadas com

base em comentários e delações de vizinhos de teuto-brasileiros. Para qualquer denúncia

de utilização da língua alemã tornavam-se as medidas cabíveis.

Agentes especiais foram designados pelo exército para assegurar a utilização da

língua no comércio, nas fábricas, nas igrejas e nos hospitais, bem como para exercer

rigorosa vigilância nos cinemas, teatros e restaurantes, nas regiões de intensa colonização

alemã.

Tornaram-se proibidas ainda, as transmissões radiofônicas em alemão, e a

programação destas deveria ser inteiramente voltada a temas educativos e culturais

exclusivamente nacionais.

Rui Alencar Nogueira, um dos responsáveis pela Campanha no Vale do Itajaí,

aponta a adoção de algumas “fórmulas apropriadas” que forçavam o uso da língua

nacional. Frases como “Aprenda e fale sempre a língua nacional”, “Fale a língua nacional

para ser atendido” e “Quem nasce no Brasil ou é brasileiro ou traidor”, foram amplamente

divulgados e empregadas nas repartições e serviços públicos.

A entrada do Brasil na Segunda Grande Guerra provocou mudanças ainda maiores

na forma de encaminhamento da Campanha de Nacionalização, na medida em que

intensificou a perseguição a imigrantes e descendentes dos países adversários dos aliados.

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A conjuntura de guerra provocou, por conseguinte, uma ação policial e militar ainda

mais rígida.

Algumas medidas exemplificam o recrudescimento da campanha após 1942: a

apreensão de aparelhos de rádio, carros de passeio, utilitários, seqüestro de bens de uma

forma geral pertencentes a teuto-brasileiros, prática da censura de correspondências e

intensificação das denúncias sobre os teuto-brasileiros que falassem em alemão ou que

agissem de forma suspeita.

Para promover qualquer festividade, as sociedades de alemães teuto-brasileiros

deveriam antes obter licença junto aos órgãos e inspetores responsáveis pela

nacionalização. Estes julgavam o caráter das atividades artístico-culturais previstas que, de

acordo com o seu parecer, poderiam ser ou não realizadas. Os pedidos de licença

geralmente não eram concedidos, já que as atividades propostas em forma de programa

feriam diretamente os princípios da nacionalização, seja porque neles constavam músicas

folclóricas e marchas militares germânicas, o que representava manifestações de

valorização da nacionalidade alemã.

A rigidez que permeava a avaliação dos inspetores serviu de justificativa para o

fechamento de quase todas as sociedades culturais e recreativas. Aquelas que não foram

fechadas, simplesmente deixaram de promover reuniões e eventos diante das dificuldades

encontradas para licença. Além disso, as sedes, instalações e equipamentos que resistiram

foram tomados e apreendidos, ficando até 1945 sob controle do exército.

Para os teuto-brasileiros, esta situação gerava um sentimento de injustiça, pois,

segundo sua ótica o associativismo e as festividades representavam apenas práticas

cotidianas e não formas de negação do sentimento da nacionalidade brasileira.

4.3 O PAPEL DO EXÉRCITO NA CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO

A partir de 1938, com a ampliação da atividade nacionalizadora, o Exército passou

a coordenar a Campanha de Nacionalização. Sua ação mais repressiva e que gerou uma

situação de conflito, fora a questão da nacionalização do ensino.

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Desde 1917, vinham sendo instituídas leis com o propósito de limitar as atividades

das escolas particulares que ensinavam em língua estrangeira, porém nenhuma dessas leis,

antes de 1938, abalou a estrutura das chamadas “escolas alemãs”. A nacionalização do

ensino atingia, com isso, o principal elemento da identidade étnica, a língua. Sendo assim,

o regime de assimilação à força característico do início da campanha e a importância da

língua alemã, uniu a população teuto-brasileira contra a nacionalização do ensino, gerando

conflitos.

Para atingir a nacionalização pretendida, a primeira medida aplicada pelo exército

foi o fechamento das escolas alemãs, em 1938. As demais medidas tomadas e colocadas

em prática pelo exército e a polícia, nas quais muitas vezes a força era usada, foram: a

obrigatoriedade do serviço militar para os filhos dos imigrantes, de preferência longe da

família; a proibição de falar alemão m qualquer lugar público, inclusive nas igrejas;

ocupação das sedes dos clubes e sociedades culturais; proibição de todas as publicações,

jornais, transmissões de rádio em língua alemã; todas as fábricas, clubes, escolas, eram

obrigadas a ostentar os retratos do Presidente da República e do Duque de Caxias; as

escolas foram obrigadas pelo exército a organizar solenidades cívicas.21

A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos aliados, causou novas

medidas repressivas, com o uso de violência, tais como; a censura da correspondência que

ia ou vinha da Alemanha, apreensão de aparelhos de rádio, carros de passeio e utilitários

pertencentes a alemães e teuto-brasileiros, e o estímulo às denúncias a partir das quais

qualquer pessoa poderia ser presa por falar alemão. Clubes, associações recreativas e

culturais também foram fechadas e foram requisitadas para outras finalidades. Após a

guerra, estas sociedades foram reorganizadas de acordo com as normas da nacionalização.

Tais medidas propiciaram uma série de efeitos por parte da população teuto-brasileira

contra as ações repressivas do Governo colocadas em prática pelo exército.

21 SEYFERTH, G. Nacionalismo e identidade étnica. Florianópolis: Fundação Catarinense de

Cultura, 1981. p.186.

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O trabalho do exército também esperava atingir a população através da propaganda

dos valores nacionais brasileiros, através do rádio, pela divulgação da música brasileira e

por um programa realizado pelo próprio exército. Telegramas e envelopes enviados

deviam possuir, em local bem visível, a seguinte frase, “Quem nasce no Brasil é brasileiro

ou é traidor”. Nos correios, repartições públicas e bancos existia uma frase marcante, que

dizia, “Fale a língua nacional para ser atendido”.

O exército ainda tratou de organizar grupos de escoteiros, com o objetivo de

influenciar as crianças alemãs com o espírito cívico brasileiro; interviu diante das

bibliotecas públicas forçando-as a incluírem em seus acervos livros sobre o Brasil;

organizou palestras cívicas em fábricas, e também distribuía bandeiras do Brasil, panfletos

contendo o hino patrióticos.

Sendo assim, a participação do exército na Campanha de Nacionalização do Estado

Novo, foi importante e decisiva para que houvesse êxito no processo nacionalizador.

Agindo com repressão aos diferentes meios de inserção da cultura alemã, mostrou-se

fundamental na ação que desempenhava.

4.4 O GRUPO TEUTO-BRASILEIRO E A SUA IDENTIDADE ÉTNICA JUNTO À

CAMPANHA DE NACIONAIZAÇÃO

A Campanha de Nacionalização, através das suas características repressivas junto à

comunidade teuto-brasileira, provocou um clima de medo, que foi agravado pela entrada

do Brasil na guerra ao lado dos aliados. Sendo assim, a campanha aumentou ainda mais as

divergências entre a ideologia nacionalista brasileira e a dos teuto-brasileiros.

O chamado “perigo alemão”, que fora representado no início do século XX pela

Liga Pangermânica, e na década de 1930 pelo Partido Nazista, trouxe aos brasileiros

medidas que tinham como objetivo a assimilação dos teuto-brasileiros, e que se

concretizaram com a Campanha de Nacionalização, tornando mais acirrada a questão da

identidade étnica.

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Para os teuto-brasileiros a identidade étnica é determinada pela origem, pela cultura,

pela língua alemã, englobando tanto a cidadania ou jus solis como a nacionalidade ou jus

sanguinis, porém a ela a “cidadania brasileira” está presente, e isso faz com que esse grupo

de “alemães” distingam-se daqueles nascidos na Alemanha. Conforme Giralda Seyferth:

“O teto-brasileiro representa a campanha de nacionalização como uma ação que carecia de

lógica, não tinha fundamento e significou o aviltamento de cidadãos leais ao Brasil, que

tiveram seus direitos cassados sem nenhuma razão compreensível. Cidadãos que, de

repente, passaram a ser tratados como estrangeiros, incluídos, contra a vontade, num grupo

ao qual não pertenciam: o nacional-socialista”.22

Sendo assim, pode-se atribuir que a identidade étnica procura dar ensejo a

nacionalidade alemã, mas apenas nos seus aspectos culturais, uma vez que estes fazem

parte da definição de identidade étnica para os teuto-brasileiros. Tal grupo procura

demonstrar que fazem uma separação entre suas concepções étnicas e políticas, mostrando

com isso, a lealdade que tinham ao Brasil. Exemplo de tal afirmação é a negação ao

nazismo enquanto partido político e a necessidade de afirmarem a sua lealdade de cidadãos

brasileiros.

Indignados com a categoria de “inimigos”, “estrangeiros”, “alemães”, “nazistas”, e

“integralistas”, que sofreram durante a campanha de nacionalização, bem como suas

medidas repressivas, emergiu de tal categoria um sentimento de revolta, pois se

consideravam cidadãos brasileiros e não entendiam as atitudes do país em que nasceram. E

talvez tenha sido esse o rumo tomado pela Campanha de Nacionalização.

4.5 OS PRINCIPAIS EFEITOS DA CAMPANHA DE NACIONALIZAÇÃO

A primeira reação da comunidade teuto-brasileira contra a nacionalização foi um

grande sentimento de revolta, provocado pelas medidas repressivas do Estado, pois não

22 Ibid., p. 192.

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entendiam o motivo de tal tratamento por parte do Brasil, uma vez que se consideravam

cidadãos brasileiros. Estigmatizados por serem “alemães”, estreitaram a solidariedade do

grupo étnico, inclusive com a minimização das barreiras entre as diversas classes sociais.

Para a população rural, o endurecimento provocado pela ação nacionalizadora

representou um maior isolamento dos colonos, cujo conhecimento da língua portuguesa

era extremamente precário.

Entre os operários teuto-brasileiros, o medo das denúncias reduziu, mesmo no

ambiente da fábrica, o relacionamento com indivíduos de outras etnias. A nacionalização

provocou também propiciou o emprego de categorias pejorativas em substituição às

categorias étnicas usuais, pois os teuto-brasileiros, passaram a ser chamados de “quinta-

colunas”, que era empregado como significado de insulto.

Como efeito da supressão das escolas e das sociedades recreativas, além da

proibição da língua e outras medidas coercitivas visando impor a língua portuguesa ao

cotidiano dessa comunidade, tem-se o isolamento dos teuto-brasileiros no âmbito da vida

familiar, onde prevaleceu o idioma alemão.

Com a proibição da língua alemã, alguns operários deixaram seu trabalho nas

fábricas para retornar somente ao trabalho agrícola, devido ao medo que q tomou conta dos

operários, pois em cada fábrica existiam um ou mais soldados encarregados de vigiar os

operários e impedir que usassem a língua alemã.

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5 CONCLUSÃO

No decorrer do trabalho, procurei demonstrar como ocorreu a Campanha de

Nacionalização realizada pelo Estado Novo que contou com a participação efetiva e de

grande importância do exército brasileiro frente uma ideologia fundamentada na idéia de

uma “comunidade do povo alemão”, onde estão presentes fortes sentimentos e concepções

diferentes daquelas pregadas pelo Governo brasileiro, na tentativa de cortar os laços que

definiam a população germânica no Brasil.

Confundidos com esta idéia de comunidade estão os conceitos de povo e nação,

pois tal ideologia está na base do pensamento alemão. A nação alemã, e por extensão, a

comunidade nacional ou étnica alemã não é definida politicamente, mas sim etnicamente,

compondo-se de indivíduos com uma origem e cultura comum, que pertencem a um povo

e não a um Estado.

Contudo, temos um grupo étnico definido por uma comunidade de sangue, língua e

cultura, onde a língua alemã é o componente étnico mais significativo para a identificação

da germanidade, proporcionando o fundamento da própria ideologia étnica.

Outro componente da ideologia étnica alemã extremamente importante é a questão

da cidadania brasileira, pela qual os membros do grupo teuto-brasileiro também se

definem, onde a separação entre o nacional e o político elabora a ideologia da comunidade

teuto-brasileira.

Mesmo com as várias investidas da nacionalização, esta comunidade manteve-se

fiel aos seus princípios étnicos, e demonstrou sua perseverança em manter sua cultura, e

seu espírito alemães, confundidos pelo Estado brasileiro num momento em que a

preocupação com as várias nacionalidades estava sendo questionada pelo mundo.

Sendo assim, ao analisar a campanha de nacionalização como um todo, vemos que

ela teve mais resultados negativos do que promissores, no processo de assimilação dos

teuto-brasileiros, para aqueles que a implantaram, uma vez que, o grupo teuto-brasileiro

manteve-se fiel a sua identidade alemã.

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Ao proibir as escolas em língua alemã antecipou a difusão do português, e talvez

essa medida tenha sido a única que realmente resultou em modificações dos valores

étnicos, pois todas as outras ações destinadas a assimilar rapidamente a população teuto-

brasileira falharam ou tiveram resultados mínimos.

Enfim, a Campanha de Nacionalização foi considerada uma medida injusta,

instituída pelo exército e pelo Estado, contra cidadãos brasileiros leais, que queriam apenas

o direito de se manter íntegros à sua origem alemã, mas também à sua cidadania brasileira.

Sendo assim, o grupo teuto-brasileiro a partir da sua recepção dos valores étnicos e

culturais, e a despeito da sua compreensão e aceitação de tais valores, tornou-se uma prova

incontestável de que um nacionalismo estrangeiro pode ameaçar a integridade política de

um país, e é nesse sentido que contra este nacionalismo interpô-se um outro, que a eles

mostrava-se com um único imperativo, o da integração à cultura, à política e à economia

brasileira.

Portanto, o balanço dos resultados da Campanha de Nacionalização deixa

transparecer que, além do Estado Novo não ter atingido o objetivo de estabelecer “de cima

para baixo” uma identidade brasileira unívoca, respaldada pela idéia de “assimilação a

força”, a campanha gerou uma reação contrária à esperada, na medida em que a imposição

de valores e práticas, pela via coercitiva, forneceu elementos favoráveis à afirmação das

diferenças.

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REFERÊNCIAS

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