a gramÁtica e a lÍngua viva na perspectiva de bakhtin: …
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JÉSSICA DUARTE DE SOUZA
A GRAMÁTICA E A LÍNGUA VIVA NA PERSPECTIVA DE BAKHTIN: o ensino de orações coordenadas e subordinadas
FRANCA/SP
2019
JÉSSICA DUARTE DE SOUZA
A GRAMÁTICA E A LÍNGUA VIVA NA PERSPECTIVA DE BAKHTIN: o ensino de orações coordenadas e subordinadas
Dissertação apresentada à Universidade de
Franca, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Linguística.
Orientadora: Profa. Dra. Camila de Araújo
Beraldo Ludovice
FRANCA/SP
2019
JÉSSICA DUARTE DE SOUZA
A GRAMÁTICA E A LÍNGUA VIVA NA PERSPECTIVA DE BAKHTIN:
o ensino de orações coordenadas e subordinadas
COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA
Presidente: Profa. Dra. Camila de Araújo Beraldo Ludovice
Universidade de Franca
Titular 1: Profa. Dra. Marilurdes Cruz Borges
Universidade de Franca
Titular 2: Profa. Dra. Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira
Uni-Facef
Franca, 13/12/2019
Dedico este trabalho ao meu querido e primeiro
orientador, Professor Doutor Juscelino Pernambuco
(in memoriam). Ao senhor, que é referência de
sabedoria, sinônimo de cuidado e atenção, minhas
orações, meu carinho e minha eterna gratidão.
Dedico, também, aos meus pais, por todo amor e
carinho que recebi durante a elaboração deste
trabalho.
AGRADECIMENTOS
Ao finalizar este estudo de dois anos, como mestranda, os agradecimentos são para
aqueles que contribuíram para tornar essa jornada mais leve e vitoriosa. Eu agradeço:
A Deus, e à Nossa Senhora, pelas graças e bênçãos concedidas. Obrigada imensamente
pelo carinho, cuidado, pelo Vosso infinito amor. Obrigada, Senhor, por ouvir minhas orações.
À minha família, meus pais, pelos ensinamentos e por sempre estarem ao meu lado.
Sou e serei eternamente grata por tudo que dedicaram a mim.
Em especial à minha mãe, pelas orações, pelos conselhos, pelo amor. Meu coração
transborda gratidão por tudo que já fez por mim. Obrigada, mãe!
Aos meus irmãos, pelo amor incondicional e por estarem ao meu lado em todos os
momentos, sejam quais forem as circunstâncias. Obrigada, Stefânia! Obrigada, Flávio!
Ao meu namorado, companheiro de todos os momentos. Aquele que me tranquilizava
nos dias mais difíceis. Agradeço pelo seu sorriso diário, pelo incentivo, pelas idas incontáveis a
Franca. Obrigada pelos abraços apertados e pelas palavras doces. Agradeço o seu olhar que, para
mim, é luz. Obrigada, Denis!
Ao meu querido e primeiro orientador, Professor Doutor Juscelino Pernambuco (in
memoriam). Conosco deixa muitos ensinamentos, grandes e lindas lições de vida, mas também eterna
saudade. Para sempre, será recordado com carinho, respeito e admiração. Sou muito grata a Deus por
ter conhecido o senhor. Hoje recordo de um professor que nunca será esquecido. Porque as pessoas
podem partir, mas seus ensinamentos prevalecem no coração. E ele foi uma fonte de sabedoria
inesgotável, alguém que a compartilhava com uma generosidade ímpar. Muito obrigada, Professor
Juscelino!
À minha orientadora, Profa. Dra. Camila Ludovice, que coloriu o caminho, ofereceu
uma nova direção e a oportunidade de navegar por águas mais tranquilas. Obrigada por acolher
minhas dúvidas, minha ansiedade, meus choros, sempre sendo paciente, carinhosa e cuidadosa. Foi
aquela que nos momentos de angústia dizia “Pode ficar tranquila que vai dar tudo certo”. Obrigada,
Camila!
À minha amiga, Nadir Celina, faço um agradecimento especial. Nadir, que mesmo
longe, sempre rezava e em suas doces palavras dizia: “Pode ficar tranquila, você tem um potencial
enorme. Deus tem preparado tudo para você. Vou ficar daqui, torcendo e rezando”. Obrigada, Nadir!
Aos colegas e amigos da Turma do Mestrado em Linguística do ano de 2018 da
Universidade de Franca, pelas tardes de bolo e café que tornavam nossas aulas mais divertidas. Em
especial à Mariana Ferreira, que com seu jeito meigo tornava a vida de mestranda mais leve. Obrigada
por ser exemplo de pessoa batalhadora. Às queridas amigas Helen Rodrigues e Bianca Alves,
obrigada pelas risadas, pela amizade, pelas conversas intensas.
Aos amigos bakhtinianos, Melissa, Paulo e Wellington, por todo apoio, carinho, pelas
risadas e trocas de experiências e por fazerem parte dessa caminhada.
À Profa. Dra. Marilurdes Borges, agradeço pelas contribuições e por encantar o
momento da qualificação e tecer palavras fundamentais para motivar minha caminhada. Agradecida
por ter aceitado o convite para a composição da banca de defesa desta dissertação. Obrigada,
Marilurdes!
À Profa. Dra. Assunção Cristóvão, meus agradecimentos pela contribuição na banca
do exame de qualificação deste trabalho. Obrigada, Assunção!
À Profa. Dra. Sheila Fernandes, que gentilmente aceitou fazer parte desta banca.
Obrigada!
Aos meus alunos, que têm a bondade de também me ensinarem, de me dizerem
palavras agradáveis e por me incentivarem nos passos dessa dissertação. Vocês engrandecem e fazem
das minhas, nossas aulas, um motivo para ensinar e aprender todos os dias. Obrigada, turma do 8°ano!
Agradeço a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização desta
pesquisa, meu carinho, o meu muito obrigada!
A língua portuguesa que amo tanto
Que canto enquanto encanto-me ao ouvi-la
Em cada canto é fala, é riso, é pranto
E nada há que a cale e que a repila.
É essa língua tórrida e faceira
Inebriante e meiga e doce e audaz
Que envolve e enleia a gente brasileira
E quem a utiliza é quem a faz.
É a língua dos domingos, no barzinho
A mesma das segundas, no escritório
A que fala o andrajoso, no caminho
E o cientista, no laboratório.
É a mesma língua, embora evoluída,
Que veio de outras terras com Cabral
Escrita por Caminha, foi trazida
Na descoberta do Monte Pascoal
Não há quem fale errado ou fale mal
De norte a sul, é belo o que é falado
Na língua de Brasil e Portugal.
Para julgar quem fala certo ou fala errado
Não há no mundo lei, nem haverá:
Quem faz da fala língua, é quem a fala
Gramática nenhuma a calará
Gramático nenhum irá cegá-la.
Paulo Jorge
RESUMO
SOUZA, Jéssica Duarte. A gramática e a língua viva na perspectiva de Bakhtin: o ensino de
orações coordenadas e subordinadas. 2019. 101f. Dissertação (Mestrado em Linguística) –
Universidade de Franca, Franca/SP.
O ensino da análise sintática, há muito tempo, vem provocando nos alunos uma aversão às aulas de
língua portuguesa que, muitas vezes, estão baseadas apenas nas gramáticas tradicionais. Os estudos
e reflexões de Mikhail M. Bakhtin (2013) trouxeram nova luz ao problema, pois, para o autor, o
estudo da sintaxe sem a abordagem estilística não enriquece a linguagem dos alunos. É importante
lembrar que o conceito de estilo de Bakhtin difere da concepção tradicional. Ainda assim, o filósofo
russo assegura que a estilística tem grande colaboração para dar ao professor no seu trabalho
pedagógico de ensino de gramática. No livro Questões de estilística no ensino da língua (2013),
Bakhtin apresenta um método que é centrado na reescrita das orações subordinadas sem conjunções,
modificando-as em subordinadas com conjunções, mostrando aos estudantes que nas subordinadas
sem conjunção há uma maior expressividade e dramaticidade em relação às subordinadas com
conjunções. O objetivo deste estudo é compreender as lições de Bakhtin como professor e verificar
como podemos colocá-las em prática no ensino fundamental, a fim de levar os alunos a vislumbrarem
outros aspectos de uso da língua para além da gramática normativa. A pesquisa teve como
fundamentação teórica os estudos de Bakhtin sobre dialogismo (2006, 2010), gêneros do discurso
(2016) e sobre o papel da estilística nas aulas de língua materna (2013), além das reflexões sobre os
tipos de gramática como a normativa de Cunha e Cintra (2016), a descritiva de Perini (2016) e a
internalizada de Luft (1995). A análise é qualitativa, de modo descritivo, por meio de uma pesquisa
de campo, realizada numa escola particular, no município de Itaú de Minas/MG, compõe-se de
discussão teórica, pesquisa de campo com um professor de gramática, proposta de redação e análises
do relato pessoal redigido pelos alunos. O corpus foi selecionado a partir de relatos pessoais
produzidos pelos estudantes na aula de redação. A análise dos textos foi feita com base no relato
pessoal sobre algum fato ocorrido com eles, quando eram ainda muito pequenos, a fim de constatar
como e quais características de expressividade das formas linguísticas compõem os seus textos. Em
seguida, por meio de recortes dos períodos compostos sem conjunção encontrados na redação dos
alunos, indicamos a mudança no período composto por coordenação sem conjunção por um período
com conjunção para que avaliássemos a diferença. O presente trabalho justifica-se pela importância
que essa prática adotada pelo filósofo da linguagem poderá ter no dia a dia do professor de Língua
Portuguesa, pelo fato de tornar o ensino de gramática mais vivo para os alunos. A pesquisa comprovou
que a estilística bakhtiniana pode contribuir para um conhecimento ativo dos processos da língua viva
e da língua literária.
Palavras-chave: Gramáticas e estilística. Bakhtin e gêneros discursivos. Relatos pessoais. Estilística
e entonação expressiva.
ABSTRACT
SOUZA, Jéssica Duarte. A gramática e a língua viva na perspectiva de Bakhtin: o ensino de
orações coordenadas e subordinadas. 2019. 101f. Dissertação (Mestrado em Linguística) –
Universidade de Franca, Franca/SP.
The teaching of syntactic analysis has long provoked an aversion to Portuguese language classes,
which are often based only on traditional grammars. The studies and reflections of Mikhail M.
Bakhtin (2013) shed new light on the problem, because, for the author, the study of syntax without
the stylistic approach does not enrich the language of the students. It is important to remember that
Bakhtin's concept of style differs from traditional conception. Still, the Russian philosopher assures
that stylistics has great collaboration to give the teachers in their pedagogical work of teaching
grammar. In the book Stylistic Issues in Language Teaching (2013), Bakhtin presents a method that
focuses on rewriting subordinate clauses without conjunctions, modifying them into subordinates
with conjunctions, showing students that in subordinates without conjunctions there is greater
expressiveness and dramaticity in relation to subordinates with conjunctions. The purpose of this
study is to understand Bakhtin's lessons as a teacher and to see how we can put them into practice in
elementary school in order to lead students to glimpse other aspects of language use beyond normative
grammar. The research was based on Bakhtin's studies on dialogism (2006, 2010), discourse genres
(2016) and on the role of stylistics in native language classes (2013), as well as reflections on grammar
types as normative de Cunha and Cintra (2016), the description by Perini (2016) and the internalized
by Luft (1995). The analysis is qualitative, descriptively, through a field research, carried out in a
private school, in the municipality of Itaú de Minas / MG, is composed of theoretical discussion, field
research with a grammar teacher, writing proposal and analysis of the personal account produced by
the students. The corpus was selected from personal reports produced by students in the writing class.
The analysis of the texts was based on a personal account of some fact that occurred with them, when
they were still very small, in order to see how and which expressive characteristics of the linguistic
forms make up their texts. Then, through clippings of the unpunished compound periods found in the
students' essay, we indicate the change in the unpunished coordination period by a conjunction period
to evaluate the difference. The present work is justified by the importance that this practice adopted
by the language philosopher may have in the daily life of the Portuguese Language teacher, because
it makes the teaching of grammar more alive for the students. Research has shown that Bakhtinian
stylistics can contribute to an active knowledge of the processes of living language and literary
language.
Keywords: Grammars and stylistics. Bakhtin and discursive genres. Personal reports. Stylistics and
expressive intonation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Redação Aluna A 80
Figura 2- Redação Aluna B 83
Figura 3- Redação Aluna C 86
Figura 4- Redação Aluno D 89
LISTA DE QUADROS
Quadro 01- Participação dos alunos na pesquisa 69
Quadro 02- Enunciado da atividade realizada em sala 74
Quadro 03- Estrutura da atividade realizada em sala 77
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 15
1 DIALOGISMO E A LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DIALÓGICA .............................. 19
1.1 DIALOGISMO, O OLHAR DE BAKHTIN SOBRE LINGUAGEM ........................................ 19
1.2 OS GÊNEROS DISCURSIVOS ................................................................................................. 27
1.3 O GÊNERO RELATO PESSOAL...............................................................................................31
2 O ENSINO DA GRAMÁTICA: CONCEPÇÕES E TIPOS DE GRAMÁTICAS ................. 34
2.1 O ENSINO DE GRAMÁTICA: algumas abordagens ................................................................. 34
2.2 A GRAMÁTICA NORMATIVA EM CUNHA E CINTRA ....................................................... 35
2.3 A GRAMÁTICA DESCRITIVA EM MÁRIO ALBERTO PERINI .......................................... 41
2.4 A GRAMÁTICA INTERNALIZADA POR CELSO PEDRO LUFT ......................................... 47
3 O CAMINHO ESTILÍSTICO: DA VISÃO TRADICIONAL À PERSPECTIVA
DE BAKHTIN .................................................................................................................................. 52
3.1 OS CONCEITOS DE ESTILO NA VISÃO TRADICIONAL .................................................... 52
3.2 ESTILO NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA ......................................................................... 56
3.3 O PAPEL DA ESTILÍSTICA NAS AULAS DE LÍNGUA MATERNA ................................... 60
4 O ENSINO DO PERÍODO COMPOSTO A PARTIR DAS LIÇÕES DE BAKHTIN ........ 68
4.1 O CAMPO E OS SUJEITOS DA INVESTIGAÇÃO ................................................................. 68
4.2 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ......................................................................................... 70
4.3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA ................................ 71
4.4 PROPOSTA DE REDAÇÃO....................................................................................................... 76
4.5 ANÁLISE DAS REDAÇÕES ..................................................................................................... 79
4.5.1 As redações selecionadas: um recorte ....................................................................................... 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 93
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 96
ANEXOS .........................................................................................................................................99
15
INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, o ensino de gramática tem sido o alvo de pesquisas, debates,
reflexões e tema de muitos congressos. Desde os anos 60, tem-se observado o pouco êxito dos
estudantes brasileiros, quando se trata das aulas de Língua Portuguesa. A palavra “gramática” causa
inquietação em muitos alunos. O livro Emília no país da gramática, escrito por Monteiro Lobato, nos
mostra que essa aflição a respeito do ensino da gramática vem de longe. Em uma conversa com sua
avó, Pedrinho diz: “Se meu professor ensinasse como a senhora, a tal gramática virava brincadeira.
Mas o homem obriga a gente a decorar uma porção de definições que ninguém entende” (LOBATO,
2004, p.7).
As discussões em torno da língua materna são diárias. Muitos ainda acreditam que a
aula de Português deve ter como objetivo somente o ensino pautado pela norma culta. Acredita-se
que a língua é uniforme, sem variação, sem adequação à situação em que é. Estudos e teorias
acadêmicas evidenciam que a norma culta não deve ser tida como a única norma linguisticamente
válida. Porém, deve ser, sim, usada, de forma adequada, quando a ocasião assim o exigir.
Escolhemos analisar uma parte da gramática, a análise sintática do período composto,
conteúdo que os alunos consideram difícil. Pesquisamos sobre o estudo das orações coordenadas e
subordinadas, unindo gramática e estilística.
Dessa forma, esta pesquisa tem como objeto de estudo o ensino do período composto
por coordenação e subordinação com base na estilística bakhtiniana1. A hipótese da investigação é a
de que é preciso que o ensino da gramática leve em conta seu significado estilístico. Sem a abordagem
estilística, o estudo da sintaxe não enriquece a linguagem dos alunos e, privado de qualquer tipo de
significado criativo, não lhes ajuda a criar uma linguagem própria.
Para especificar, detalhadamente, essa reflexão acerca da estilística, procedemos às
seguintes leituras teóricas e estudos de pesquisadores da obra de Bakhtin: Brait (2006, 2012), Fiorin
(2006), e Bakhtin (2013), sobre questões de estilística no ensino da língua. Quanto à análise sintática,
para a revisão histórica, serão utilizados: Celso Ferreira da Cunha e Luís Filipe Lindley Cintra (2017),
Mário Alberto Perini (2016) e Celso Pedro Luft (1995). O livro Questões de estilística no ensino da
língua (2013), obra em que Bakhtin apresenta a experiência que teve na Rússia entre 1942 e 1945,
1 Compreendemos por ensino com base na estilística bakhtiniana: quando nos referimos ao enunciado enquanto unidade
real de comunicação e não como uma unidade convencional. Dessa forma, um ensino, voltado à reflexão, interação e
criatividade, possibilitando ao aluno ter uma individualidade linguística.
16
período em que ele era professor em duas escolas, é o que mais incentiva nossa proposta de
intervenção neste trabalho. A obra apresenta um método que é centrado na reescrita das orações
subordinadas sem conjunções, modificando-as em subordinadas com conjunções, mostrando aos
estudantes que, nas subordinadas sem conjunção2, há uma maior expressividade e dramaticidade em
relação às subordinadas com conjunções. Bakhtin desenvolve uma metodologia de ensino que é
voltada ao processo de nascimento da individualidade linguística dos discentes, livre da linguagem
livresca, ou seja, uma linguagem uniformizada dos manuais.
Sendo assim, como objetivo geral pretende-se compreender os ensinos de Bakhtin que,
durante a Segunda Guerra Mundial, foi professor na Rússia. Naquele período, escreveu algumas
lições sobre o ensino de gramática, as quais verificamos como podemos colocá-las em prática
atualmente. Então, como objetivos específicos, pretendemos refletir sobre o ensino de gramática na
escola e analisar as contribuições dadas por Bakhtin, para o ensino de gramática, que leve em conta
o significado estilístico, além de auxiliar no desenvolvimento do estilo individual da linguagem dos
alunos.
Como justificativa para a pesquisa, está o fato de que o ensino tradicional de gramática
precisa ser mais investigado do que tem sido até agora, uma vez que a escola brasileira ainda não sabe
o que fazer com a gramática e apenas reproduz o escolasticismo. Sendo assim, buscamos apoio na
prática adotada pelas reflexões de Bakhtin no livro Questões de estilística no ensino da língua (2013),
que revelou uma outra face do filósofo russo, a de professor. O procedimento desenvolvido por
Bakhtin poderá ser muito útil na atualidade, pelo fato de poder tornar o ensino de gramática mais vivo
para os alunos. A prática do autor poderá auxiliar os docentes a articular o ensino de gramática e
estilística, a partir de exemplos concretos que Bakhtin nos revelou.
Com a presente pesquisa, os docentes poderão refletir como podem ajudar os alunos
no processo de nascimento da individualidade linguística, por meio de uma orientação flexível e
cuidadosa. Dessa forma, há a necessidade de pesquisas sobre o tema, pois o foco dessas discussões é
desenvolver nos alunos uma participação ativa durante as atividades em sala de aula, promovendo
interação, criatividade e espírito crítico. O interesse por esse estudo surgiu após uma pesquisa no
Curso de Especialização em Metodologia e Didática do Ensino Superior: “O impacto da linguística
na aula de português” (SOUZA, 2016). Nesse estudo, identificamos algumas dúvidas entre os
professores sobre o fato de que se devem ensinar ou não a gramática normativa na sala de aula e como
tornar a aula de Língua Portuguesa mais interativa e criativa.
17
A presente pesquisa traz como delimitação do corpus recortes das redações feitas
pelos estudantes. Realizamos um estudo com base na análise de dezoito relatos produzidos pelos
alunos sobre algum fato ocorrido com eles, quando eram ainda muito pequenos.
Decidimos adotar o método de pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, que
consideramos o mais apropriado para o tipo de análise que pretendemos fazer. No que diz respeito
aos meios de investigação, optamos pela pesquisa de campo que foi realizada no município de Itaú
de Minas (MG). Para tanto, escolhemos o Colégio Interativo e fizemos um levantamento
bibliográfico das obras de Bakhtin sobre dialogismo e gêneros discursivos.
Os procedimentos metodológicos assim se organizaram: discussão teórica,
observação da aula de um professor sobre períodos compostos por coordenação e subordinação,
proposta de redação aos alunos, análise das redações, a fim de averiguar se houve casos de período
composto sem conjunção. Por último, através de recortes de algumas frases das redações dos alunos,
sugerimos a mudança no período composto por coordenação sem conjunção por um período com
conjunção. Registramos em áudio a atividade que foi desenvolvida através dos recortes das redações
e transcrevemos o conteúdo das gravações para compor nosso corpus de pesquisa.
Dividimos o presente trabalho em quatro seções. Na primeira seção, intitulada
“Dialogismo e a linguagem na perspectiva dialógica”, apresentamos um estudo sobre os conceitos
desenvolvidos pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin, entre eles o dialogismo, “princípio unificador
da obra de Bakhtin” (FIORIN, 2006, p. 18) e os gêneros do discurso.
Na segunda seção, também teórica, fizemos a descrição de algumas obras sobre a
gramática normativa, a descritiva e a internalizada. Nosso objetivo foi descrever as obras de
gramática, pois duas, dessas três, são desconhecidas pela maioria dos brasileiros, uma vez que são
estudadas somente nos cursos de graduação em Letras, a outra é comum a todos: a normativa. Por
meio desse estudo, podemos refletir se os professores conhecem a diferença e a contribuição que
cada gramática tem ao ensino de Língua Portuguesa.
Na terceira seção, conceituamos primeiro o estilo na visão tradicional, e isso se faz
necessário para o diferenciarmos da visão de Bakhtin. Ainda no decorrer dessa seção, analisamos o
papel da estilística nas aulas de língua materna, a partir da proposta de Bakhtin.
A quarta seção foi dedicada à metodologia, cujo objetivo foi apresentar o percurso
metodológico da pesquisa, apresentação e análise dos dados sobre a observação da aula de um
professor de Língua Portuguesa. Exibimos, também, as análises do corpus selecionado, feitas sob o
ponto de vista das reflexões e descobertas de Bakhtin.
18
Concluímos a pesquisa com as considerações finais sobre o corpus, relatando a
importância da estilística na aula de Português. Por conseguinte, após a realização das análises,
como resultado, espera-se ter compreendido e aplicado as lições de Bakhtin na turma do 8°ano do
ensino fundamental.
Esta dissertação foi desenvolvida no Programa de Mestrado em Linguística da
UNIFRAN e está vinculada à linha de pesquisa Processos e práticas textuais: caracterizações e
abordagens teóricas. Nessa linha, as pesquisas ocupam-se do texto e dos procedimentos particular e
propriamente linguísticos que respondem pela textualização e presidem as práticas linguísticas. No
mestrado, aprofundamos nossos conhecimentos sobre as teorias do texto na perspectiva dialógica e
pressupostos bakhtinianos. Dessa forma, a pesquisa foi concluída e esperamos poder contribuir para
uma melhoria no ensino da língua materna.
19
1 – DIALOGISMO E A LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DIALÓGICA
Viver significa participar de um diálogo:
interrogar, escutar, responder, concordar,
etc. Neste diálogo o homem participa todo
e com toda a sua vida: com os olhos, os
lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o
corpo todo, com as suas ações. Ele se põe
todo na palavra, e esta palavra entra no
tecido dialógico da existência humana, no
simpósio universal.
Mikhail Bakhtin
Nesta seção apresentamos um estudo acerca da perspectiva dialógica da linguagem
proposta por Bakhtin. Abordamos alguns conceitos bakhtinianos sobre enunciado, dialogismo e
gêneros do discurso. Tais reflexões são necessárias para que o leitor compreenda alguns conceitos
fundamentais formulados por este filósofo da linguagem.
1.1 DIALOGISMO, O OLHAR DE BAKHTIN SOBRE A LINGUAGEM
Podemos chamar Bakhtin de filósofo da linguagem, pois ele estava preocupado com a
linguagem no ato de existir humano. Para o autor, a linguagem é idealizada como um processo
contínuo de interação mediado pelo diálogo. Destacamos que, sem a linguagem, seria improvável
viver em interação com o próximo. A linguagem passou a ser entendida como componente integrante
da sociedade, do sujeito.
Bakhtin esclarece que
a língua materna, sua composição vocabular e sua estrutura gramatical não
chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas mas de
enunciações concretas que nós ouvimos e nós mesmos reproduzimos na
comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam ( 2010, p. 282-
283).
O autor não estuda a palavra no “dicionário”, Bakhtin estuda a palavra utilizada na
comunicação, no diálogo. O estudioso russo afirma que “aprender a falar significa aprender a
construir enunciados porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, evidentemente,
não por palavras isoladas” (BAKHTIN, 2010, p. 283). Em Marxismo e Filosofia da Linguagem
20
(2010), contatamos uma crítica de Bakhtin à linguística de Saussure. Saussure é considerado o “pai
da linguística” e seu pensamento, mesmo com o passar do tempo, só tem feito renovar sua atualidade.
Saussure parte de um princípio que compara a linguagem a uma moeda, mostrando as duas faces
interdependentes: langue (língua) está no campo social e é homogênea, a parole (fala) encontra-se na
esfera individual, sendo heterogênea, variável e multifacetada. “Segundo Saussure, a linguagem não
pode ser o objeto da linguística” (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2010, p. 87) e a língua em sua
compreensão é tida como um sistema de formas, estável e imutável. Sendo assim, o estudioso escolhe
a língua como seu objeto de estudo que é avaliada como um sistema de signos desenvolvidos pela
conexão do sentido e da imagem acústica. Do ponto de vista de Saussure, a fala não é objeto da
Linguística.
Bakhtin, contemporâneo de Saussure, concorda que a língua é um fato social, criada
na necessidade de comunicação, contudo, contesta e combate a concepção de língua enquanto sistema
de regras. A concepção bakhtiniana vai muito além da compreensão de língua como sistema. Bakhtin
destaca a fala, o discurso vivo e compartilhado pelo povo em interação social, analisando a linguagem
no aspecto social, histórico e ideológico. O linguista russo Valentin Voloshinov e o filósofo, também
russo, Mikhail Bakhtin, destacam que “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos
falantes” (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2010, p. 128). Os autores revelam que o procedimento
metodológico para o estudo da língua deve ser:
1- As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas
em que se realiza. 2- As formas das distintas enunciações, dos atos da fala isolados,
em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as
categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma
determinação pela interação verbal. 3- A partir daí, exame das formas da língua na
sua interpretação linguística habitual (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2010, p. 129).
Constatamos que a língua para Bakhtin é a língua em uso. O filósofo nos mostra uma
língua através de enunciados concretos que escutamos e repetimos na comunicação efetiva com
aqueles que nos cercam. “Essa língua em sua integridade concreta e viva, isto é, a língua-discurso,
será distinta da língua como objeto da linguística, ou seja, a língua-sistema” (OLIVEIRA, 2015, p.
19). Para Bakhtin, o sujeito e o diálogo estão situados na forma social, cultural, histórica e ideológica,
pois os sujeitos são capazes de vivenciar e transformar os inúmeros contextos em que interagem com
o outro. O autor estuda a língua como enunciado, processo de enunciação. Dessa forma, Bakhtin
21
refletiu em uma ciência além da linguística, analisando o funcionamento verdadeiro da linguagem em
sua unicidade do ser e do evento. Diante disso, é preciso refletir as diferenças entre as unidades da
língua e os enunciados.
Fiorin (2006), revela que “as unidades da língua são os sons, as palavras e as orações,
enquanto os enunciados são as unidades reais de comunicação” (FIORIN, 2006, p. 20). É importante
deixar claro que Bakhtin não nega a existência da língua nem reprova seu estudo, ele considera
importante compreender as unidades linguísticas. Entretanto, demonstra que a morfologia, a
fonologia e a sintaxe não esclarecem o funcionamento real da linguagem. Por essa razão, Bakhtin
sugere a concepção da translinguística, que apresenta como objeto o estudo dos enunciados, ou as
relações dialógicas entre eles, ultrapassando a visão de língua como sistema.
Fiorin nos explica que não é a dimensão que diferencia uma unidade da língua de um
enunciado, “o que os distingue é que o enunciado é a réplica de um diálogo, pois cada vez que se
produz um enunciado o que se está fazendo é participar de um diálogo com outros discursos” (2006,
p. 21). O autor esclarece que o enunciado está finalizado quando admite uma réplica do outro. Dessa
forma, o que é característico do enunciado é que ele não existe fora das relações dialógicas. Os
enunciados, sendo uma réplica, apresentam um acabamento específico que admitem respostas e têm
um destinatário. Para complementar, Fiorin diz que “as unidades da língua são neutras, enquanto os
enunciados carregam emoções, juízos de valor, paixões” (FIORIN, 2006, p. 23).
Para Bakhtin, “uma oração enquanto unidade da língua é desprovida da capacidade de
determinar imediata e ativamente a posição responsiva do falante” (BAKHTIN, 2010, p. 287). O
autor explica que só quando a oração se transforma em um enunciado pleno é que ela alcança a
conclusibilidade que lhe permite produzir resposta. Esclarece que:
Por isso pode-se dizer que qualquer palavra existe para o falante em três aspectos:
como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como palavra alheia dos
outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como a minha palavra,
porque uma vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma
intenção discursiva determinada, ela já está compenetrada da minha expressão
(BAKHTIN, 2010, p. 294).
Nas reflexões de Bakhtin, a oração e a palavra precisam estar envolvidas por um
contexto de comunicação para entendermos os seus sentidos. O autor explica com a oração: “O sol
saiu”, que é absolutamente compreensível, isto é, nós compreendemos o seu significado linguístico,
o seu papel possível no enunciado” (BAKHTIN, 2010, p. 287). Todavia, não se pode ocupar uma
22
posição responsiva se não conhecemos tudo o que o falante quis pronunciar em relação a uma posição
isolada, sem avaliar a interação social. Bakhtin explica que se essa oração está comprometida pelo
contexto, o enunciado reflete de imediato a situação extraverbal, e ela pode ficar assim, por exemplo:
“O sol saiu. É hora de levantar” ou “O sol saiu. Mas ainda é muito cedo. Preciso dormir mais um
pouco” (BAKHTIN, 2010, p. 288). Dessa forma, em cada situação, o enunciado obtém novo sentido
e “a atitude responsiva perante ele são outros” (BAKHTIN, 2010, p. 288).
Podemos destacar que, no enunciado, ressoam outros enunciados e palavras de outros
enunciadores, visto que o indivíduo toma posse desses enunciados, e os reelabora. Bakhtin afirma
“que a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma
interação constante e contínua com os enunciados dos outros” (BAKHTIN, 2010, p. 294).
Nesse sentido, Bakhtin nos revela que:
Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é
pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade,
de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros
trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos
e reacentuamos (BAKHTIN, 2010, p. 294-295).
Sobre o fragmento anterior, Ribeiro (2018) explica que acontecem três movimentos
dinâmicos que se interligam: o movimento de apropriarmos as palavras alheias, o de reelaborar,
“momento no qual os dois discursos entram em relação dialógica num mesmo discurso, e o de
reacentuar, no qual os valores da palavra que assimila entram em contato com os valores, as
entonações alheias” (RIBEIRO, 2018, p. 7). Sobre “a palavra outro” que Bakhtin menciona podemos
compreender que é “qualquer eco dos discursos de outros pessoas no discurso que eu mesmo (ou
qualquer outra pessoa) emito. Não se trata, por hora, do “discurso de outrem” que aparece de forma
citada explicitamente num outro discurso” (CAIXETA, 2015). Bakhtin ressalta que “todas as palavras
além das minhas próprias, são palavras do outro. Eu vivo em um mundo de palavras do outro. E toda
a minha vida é uma orientação nesse mundo; é reação às palavras do outro” (BAKHTIN, 2010, p.
379). Nisso, consiste o dialogismo, conhecido pela teoria bakhtiniana.
O conceito de dialogismo é destaque em Bakhtin e seu Círculo. A noção de dialogismo
“funda não só a concepção bakhtiniana de linguagem como é constitutiva de sua antropologia
filosófica” (FIORIN, 2006, p. 18). Sendo assim, busca esclarecer sua definição de dialogismo.
Sobre o dialogismo, diz Fiorin:
Segundo Bakhtin, a língua, em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, tem a
propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao
quadro estreito do diálogo face a face, que é apenas uma forma composicional, em
23
que elas ocorrem. Ao contrário, todos os enunciados no processo de comunicação,
independentemente de sua dimensão, são dialógicos. Neles, existe uma dialogização
interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre e
inevitavelmente também a palavra do outro. Isso quer dizer que o enunciador, para
constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu.
Por isso, todo discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio.
O dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados
(FIORIN, 2006, p. 18-19).
Conforme o autor supracitado, todo enunciado se refere a outros enunciados. O
pesquisador brasileiro ainda afirma que “todo discurso que fale de qualquer objeto não está voltado
para a realidade em si, mas para os discursos que a circundam” (FIORIN, 2006, p. 19). Dessa maneira,
entendemos que “toda palavra dialoga com outras palavras, constitui-se a partir de outras palavras,
está rodeada de outras palavras” (FIORIN, 2006, p. 19). Na relação com o outro, nesse diálogo
contínuo, observamos vozes sociais que indicam valores, ideologias e conceitos. Assim, Bakhtin
levará em conta sempre a posição e o lugar do outro. O outro é parte essencial nesse procedimento,
porque é a partir dele e de seu lugar nesse processo que se constituirá o discurso. Conforme Bakhtin,
“eu não posso passar sem o outro, não posso me tornar eu mesmo sem o outro; eu devo encontrar a
mim mesmo no outro, encontrar o outro em mim” (BAKHTIN, 2010, p. 342).
A respeito do termo diálogo, Marchezan declara que “por sua clareza e simplicidade,
é a forma clássica da comunicação verbal. Cada réplica possui um acabamento específico que
expressa a posição do locutor, sendo possível tomar uma posição responsiva” (2006, p. 116).
Desse modo, a palavra diálogo, no contexto bakhtiniano, é compreendida como
“reação do eu ao outro, como reação da palavra à palavra de outrem, como ponto de tensão entre o
eu e o outro, entre círculos de valores, entre forças sociais” (MARCHEZAN, 2006, p. 123), ou melhor
dizendo, ativa o “reconhecimento da reciprocidade entre o eu e o outro, presente em cada réplica, em
cada enunciado, que compreende o verdadeiro diálogo, o diálogo real, concreto, não aquele que já se
fez letra morta, decorada mecanicamente, repetida sem razão, sem vontade” (MARCHEZAN, 2006,
p. 117). Acerca disso, Bakhtin assegura que o diálogo vai além daquele que o ser humano se comunica
no cotidiano, face a face.
Sobre isso, Bakhtin afirma que:
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas,
é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender
a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em
voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer
tipo de que seja (BAKHTIN, 2010, p. 127).
24
O diálogo diz respeito a qualquer forma de discurso, seja na comunicação que acontece
no dia a dia ou em textos literários, por exemplo. Para elucidar, Bakhtin explica que o livro é o ato
da fala impresso e constitui um componente da comunicação verbal. “Ele é objeto de discussões
ativas, sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa” (BAKHTIN,
2010, p. 127). Portanto, o discurso escrito é, de certo modo, parte complementar de uma discussão
ideológica: “ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais
e também procura apoio” (BAKHTIN, 2010, p. 128). Assim, Bakhtin esclarece que o diálogo é como
as relações que acontecem entre os sujeitos do discurso, em uma historicidade partilhada socialmente.
É necessária uma sucinta explicação das considerações de dialogismo, de modo
didático, elucidando como as relações dialógicas podem ser descobertas em meio ao discurso. Fiorin
apresenta então três eixos básicos do pensamento de Bakhtin: “unicidade do ser e do evento; relação
eu/outro; dimensão axiológica. São essas coordenadas que estão na base da concepção dialógica da
linguagem” (FIORIN, 2006, p. 17). O linguista, com base nas análises que realizou sobre o
dialogismo em Bakhtin, enumera os conceitos em: primeiro (dialogismo constitutivo), segundo
(concepção estreita de dialogismo) e terceiro (dialogismo como elemento constitutivo do sujeito).
No primeiro conceito de dialogismo, Fiorin afirma que “todo enunciado é dialógico”
(2006, p. 24). Deste modo, “o dialogismo é o modo de funcionamento real da linguagem, é o princípio
constitutivo do enunciado. Todo enunciado constitui-se, a partir de outro enunciado. O enunciado
revela sempre duas posições, a sua e aquela em oposição à qual ele se constrói” (FIORIN, 2006, p.
24). É necessário esclarecer também que a expressão diálogo, para Bakhtin, não é só aquele que
considera a solução de um conflito e uma compreensão recíproca, de entendimento e consenso. Para
o filósofo, “as relações dialógicas tanto podem ser contratuais ou polêmicas, de divergência ou de
convergência, de aceitação ou de recursa, de acordo ou de desacordo” (FIORIN, 2006, p. 24).
Bakhtin e Voloshínov destacam que:
De fato, qualquer enunciado concreto, de um modo ou outro ou em um grau ou outro,
faz uma declaração de acordo ou desacordo com alguma coisa. Os contextos não
estão apenas justapostos, como se alheios uns aos outros, mas encontram-se num
estado de tensão constante, ou interação e conflitos ininterruptos (BAKHTIN;
VOLOSHÍNOV, 1997, p. 8).
Fiorin nos explica que “os enunciados são consecutivamente um ambiente de luta entre
vozes sociais, o que revela que são de maneira inevitável o lugar da contradição” (FIORIN, 2006, p.
25
25). Sendo assim, o diálogo para Bakhtin pode ser conciliatório, mas, na maioria das vezes, temos
ideias diferentes.
Para Fiorin (2006), o segundo conceito de dialogismo na perspectiva de Bakhtin
mostra que o dialogismo se manifesta no discurso, ou seja, “trata-se da incorporação pelo enunciador
da voz ou das vozes de outro(s) no enunciado” (FIORIN, 2006, p. 32). Expomos que, nesse caso, o
dialogismo é uma forma composicional. Sendo assim, são modos externos e visíveis de apresentar
outras vozes no discurso. Observamos que Bakhtin chama isso de concepção estreita do dialogismo.
Fiorin (2006) esclarece que o adjetivo estreito não quer dizer menos importante. Na visão bakhtiniana,
“o dialogismo vai além dessas formas composicionais, ele é o modo de funcionamento real da
linguagem, é o próprio modo de constituição do enunciado” (FIORIN, 2006, p. 33). Dessa forma,
Fiorin apresenta duas maneiras de introduzir o discurso do outro no enunciado:
a) uma, em que o discurso alheio é abertamente citado e nitidamente separado do
discurso citante, é o que Bakhtin chama discurso objetivado;
b) outra, em que o discurso é bivocal, internamente dialogizado, em que não há
separação muito nítida do enunciado citante e do citado (FIORIN, 2006, p. 33).
No primeiro item, observamos, entre outras, as seguintes formas composicionais no
discurso alheio demarcado: o discurso direto e o discurso indireto, as aspas, a negação; no discurso
alheio não demarcado, temos exemplos de formas composicionais como: discurso indireto livre, a
polêmica clara ou velada, a paródia, a estilização e o estilo. Assim, o segundo conceito de dialogismo
diz respeito à intenção do autor em manifestar outras vozes no discurso, isto é, “as relações dialógicas
são propositais e fazem parte da composição do enunciado de forma explícita” (PUGINA, 2014, p.
20).
O terceiro conceito aborda o sujeito, a subjetividade que é construída pelo conjunto de
relações sociais de que participa o sujeito. Para Bakhtin (2010), o sujeito não é assujeitado, ou seja,
“submisso às estruturas sociais, nem é uma subjetividade autônoma em relação à sociedade”
(FIORIN, 2006, p. 55). Os indivíduos são formados dialogicamente através de experiências e
lembranças constituídas ao longo do tempo. “O princípio geral do agir é que o sujeito age em relação
aos outros; o indivíduo constitui-se em relação ao outro” (FIORIN, 2006, p. 55). O autor afirma que
o sujeito é constitutivamente dialógico, ou seja, vai compondo-se discursivamente, entendendo as
vozes sociais que formam a realidade em que está inserido e, simultaneamente, suas inter-relações
dialógicas.
26
Nesse procedimento de constituição da consciência do sujeito, as vozes são entendidas
de diversas maneiras. Para Bakhtin (2010), existe a voz de autoridade e a persuasiva: a voz de
autoridade é aquela que se adota de modo incondicional, são impermeáveis, tendem a ser resistentes
a impregnar-se de outras vozes, também chamadas de vozes centrípetas. Fiorin (2006) exemplifica
que pode ser a voz da igreja, do partido, do grupo de que se participa etc. As persuasivas “são vistas
como uma entre outras, por isso, são centrífugas, permeáveis à impregnação por outras vozes, e
abrem-se incessantemente à mudança” (FIORIN, 2006, p. 56). É preciso ressaltar que “as forças
centrípetas atuam com vistas a normatizar, unificar e tornar homogênea a língua, ao passo que as
forças centrífugas atuam no sentido de estratificar e tornar heterogênea a língua” (ALVES, 2010, p.
15).
O professor Fiorin comenta que “cada indivíduo tem uma história particular de
constituição de seu mundo interior, pois ele é resultante do embate e das inter-relações desses dois
tipos de vozes” (FIORIN, 2006, p. 56). Desta forma, se a consciência for desenvolvida de vozes de
autoridade, mais ela será monológica. Quanto mais o enunciado for composto de vozes persuasivas,
mais esse será dialógico. Bakhtin expõe que “o texto é como expressão da consciência que reflete
algo. Quando o texto se torna do nosso conhecimento, podemos falar do reflexo do reflexo. Um
reflexo através do outro no sentido do objeto refletido” (BAKHTIN, 2010, p. 318-319).
Fiorin conclui esse terceiro conceito dizendo que os enunciados, sendo dialógicos,
são, a todo momento, históricos. No entanto, é na compreensão das relações com o discurso do outro
que se entende a história que percorre o discurso. Pode-se concluir que todo e qualquer elemento do
mundo interior ou exterior passa pelo discurso do outro. Destacamos que as pessoas são constituídas
dialogicamente a partir de vivências que construíram ao longo do tempo.
Dessa forma, ao analisarmos as reflexões de Bakhtin sobre dialogismo, verificamos
que são importantes para o professor de Português, visto que as ideias do autor se baseiam em uma
reflexão sociointerativa. Para Bakhtin, não podemos confundir fonética, morfologia e sintaxe com
dialogismo. As unidades da língua por si sós não são dialógicas. Entendemos que a frase, a oração e
o período só ganham sentido quando se tornam enunciados, textos, que passam de um sujeito para o
outro.
Enfim, as considerações do filósofo russo podem motivar um trabalho produtivo com
a gramática na escola, pois a interação é o centro do ensino com a linguagem. Os professores podem
trabalhar as normas gramaticais através do diálogo, do uso real da linguagem. Dessa forma, o trabalho
27
com a gramática na sala de aula torna-se mais interessante para os alunos, sendo também um meio
para alcançar a interlocução viva que é fundamental para a vida em sociedade.
1.2 OS GÊNEROS DISCURSIVOS
Os gêneros discursivos, no decorrer dos anos, vem sendo constantemente analisados
por pesquisadores, professores, linguistas e interessados na área. Pesquisando sobre o estudo dos
gêneros, notamos que não é algo recente, apesar de que muitos docentes ainda deparam com
dificuldades de trabalhar o gênero como um processo de interação verbal. Na década de 1990, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), foram elaborados, como um documento no qual se
propunha que o ensino de Língua Portuguesa fosse ensinado com embasamento nos gêneros. Fiorin
(2006) relata que, nessa época, algumas abordagens didáticas trouxeram o gênero “como um conjunto
de propriedades formais a que o texto deveria obedecer. O gênero era, assim, um produto, e seu ensino
tornava-se, então, normativo” (FIORIN, 2006, p. 60).
A partir da obra do filósofo russo Mikhail Bakhtin os estudos sobre os gêneros foram
se transformando. O ensino de Língua Portuguesa hoje é amparado pelos gêneros dos discursos com
base em estudos feitos pelo estudioso. Dessa forma, nos PCNs, temos algumas abordagens e
orientações para os professores trabalharem os gêneros discursivos em sala de aula. Sobre o gênero,
os PCNs abordam que “todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções
comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que
os determinam” (BRASIL, 1998, p. 21).
Nos estudos de Fiorin (2006), o autor diz que Bakhtin não explica o gênero, por meio
de uma teoria, tendo em conta o produto, mas o processo de sua produção, ou seja, “interessam-lhe
menos as propriedades formais dos gêneros do que a maneira como eles se constituem” (FIORIN,
2006, p. 61). Sobre isso, destacamos que o ponto de partida de Bakhtin, nos estudos sobre os gêneros
discursivos, está na conexão que tem entre o uso da linguagem e as esferas das atividades humanas.
Nesse contexto, Fiorin (2006) exemplifica que os sujeitos atuam em determinadas esferas de
atividades, citando o ambiente escolar, a igreja, a relação que temos com nossos amigos, o campo da
política entre outros.
Os gêneros estão no cotidiano dos sujeitos falantes, os quais têm um inacabável
repertório de gêneros, que usam espontaneamente. Constatamos que, em conversas rotineiras, o
discurso é formado pelo gênero. Assim, nota-se que a língua se concretiza em enunciados orais e
28
escritos, os quais são concretos e únicos, frequentes em situações sociais, determinados conforme o
campo da atividade humana. Esses enunciados são representados “por seu conteúdo temático, pelo
seu estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais, mas
acima de tudo, por sua construção composicional” (BAKHTIN, 2016, p. 11-12). Desse modo, como
explica Pugina (2014), “certas condições de comunicação discursiva, relativas a campos de atividade
e esferas de utilização da língua, geram determinados gêneros” (PUGINA, 2014, p. 42), assim, alguns
enunciados temáticos, estilísticos e composicionais compõem tipos relativamente estáveis de
enunciados, que nomeamos gêneros do discurso.
A esse respeito, Fiorin explicita que:
O conteúdo temático não é assunto específico de um texto, mas é um domínio de
sentido de que se ocupa o gênero. A construção composicional é o modo de organizar
o texto, de estruturá-la. O ato estilístico é uma seleção de meios linguísticos. Estilo
é, pois, uma seleção de certos meios lexicais, fraseológicos e gramaticais em função
da imagem do interlocutor e de como se presume sua compreensão responsiva ativa
do enunciado. Há, assim, um estilo oficial, um estilo objetivo-neutro, um estilo
familiar e um estilo íntimo (FIORIN, 2006, p. 62).
Fiorin (2006) esclarece que Bakhtin não tinha a intenção de elaborar um catálogo dos
gêneros, com um relato de cada estilo, de cada estrutura composicional, de cada conteúdo temático.
Primeiramente, porque a riqueza e a diversidade dos gêneros são inesgotáveis. Sob outra perspectiva
o que vale é a compreensão do “processo de emergência e de estabilização dos gêneros, desse modo,
a íntima vinculação do gênero com uma esfera da atividade” (FIORIN, 2006, p. 63). Portanto,
notamos, que para Bakhtin, os gêneros são resultados de uma situação de produção e de uma
percepção da linguagem e da ligação do sujeito com o mundo.
Bakhtin (2016) revela que o que mais se aprendia a respeito dos gêneros discursivos
antigamente era sobre os gêneros literários. Da Antiguidade até recentemente, foram compreendidos
em um corte da sua singularidade artístico-literária, “nas distinções diferenciais entre eles e não como
determinados tipos de enunciados, que são diferentes de outros tipos, mas têm com estes uma natureza
verbal comum” (BAKHTIN, 2016, p. 13). Notamos que nessa época não se levava em consideração
a questão geral do enunciado e dos seus tipos. O autor ainda esclarece que, antigamente, os gêneros
estudados eram os literários, retóricos e os gêneros do discurso do dia a dia.
Para Bakhtin, é importante diferenciar o gênero do discurso primário (simples) e o
gênero do discurso secundário (complexo). “Os gêneros primários formam-se nas condições da
comunicação discursiva imediata. Os gêneros discursivos secundários surgem nas condições de um
29
convívio cultural mais complexo e relativamente desenvolvidos e organizados” (BAKHTIN, 2016,
p. 15).
Sobre a classificação dos gêneros, Fiorin elucida que:
Os primários são os gêneros da vida cotidiana. São predominantemente, mas não
exclusivamente, orais. Pertencem à comunicação verbal espontânea e têm relação
direta com o contexto mais imediato. São, por exemplo, a piada, o bate-papo, a
conversa telefônica... E o e-mail, o bilhete, o chat... Já os secundários pertencem à
esfera da comunicação cultural mais elaborada, a jornalística, a jurídica, a religiosa,
a política, a filosófica, a pedagógica, a artística, a científica. São predominantemente,
mas não unicamente, escritos: por exemplo, o sermão, o editorial, o romance, a
poesia lírica, o discurso parlamentar, a comunicação científica, o artigo científico, o
ensaio filosófico, a autobiografia, as memórias (2006, p. 70, grifos do autor).
Analisar a diferença entre gêneros primários e gêneros secundários é fundamental e
tem grande importância teórica. Para Bakhtin (1997), só com esta circunstância a análise se ajustaria
à natureza complexa e sutil do enunciado e envolveria seus aspectos essenciais.
O filósofo russo nos explica que o estudo da natureza do enunciado e da variedade dos
gêneros de enunciados, nas diversas esferas da atividade humana, tem importância fundamental para
todos os campos da linguística e da filologia. Os trabalhos de pesquisas em torno de material
linguístico concreto – “a gramática normativa, a elaboração de um tipo de dicionário, a estilística da
língua, lida inevitavelmente com enunciados concretos (escritos e orais), que se relacionam com as
diferentes esferas da atividade e da comunicação”. Exemplos desses enunciados são: cartas, a réplica
do diálogo cotidiano ou da carta no romance, cartas pessoais e oficiais, documentos etc. É deles que
os pesquisadores tiram os fatos linguísticos de que precisam. (BAKHTIN; VOLOSHÍNOV, 1997, p.
282).
Dessa forma, para Bakhtin, um enunciado completo teria então três componentes: 1) a
exauribilidade semântico-objetal; 2) o projeto de discurso ou vontade de discurso do falante; 3) as
formas típicas da composição do acabamento do gênero.
O primeiro desses componentes depende de qual gênero é selecionado. Bakhtin
menciona como exemplo as questões de natureza puramente factual, as ordens e comandos militares,
ou seja, os gêneros do discurso sofrem ausência de criatividade; por esse motivo, podem ser
padronizados. O autor cita que os campos criativos, em especial os científicos, requerem
exaustividade e um acabamento, que admitem ocupar uma posição responsiva. Dessa forma, é preciso
considerar o objetivo de uso de cada gênero e do enunciado em específico. Desse modo, o estudioso
30
já comenta sobre o segundo componente, que é ligado com o primeiro: a vontade de discurso do
falante.
O segundo componente que Bakhtin expõe é que em cada enunciado “abrangemos,
interpretamos, sentimos a intenção discursiva ou a vontade de produzir sentido por parte do falante,
que determina a totalidade do enunciado, o seu volume e as suas fronteiras” (BAKHTIN, 2016, p.
37). Esse propósito determina tanto a própria escolha do objeto, quanto a exauribilidade e o gênero
que será empregado.
Diz em Bakhtin e Voloshinov
O intuito, o elemento subjetivo do enunciado, entra em combinação com o objeto do
sentido — objetivo — para formar uma unidade indissolúvel, que ele limita, vincula
à situação concreta (única) da comunicação verbal, marcada pelas circunstâncias
individuais, pelos parceiros individualizados e suas intervenções anteriores: seus
enunciados. É por isso que os parceiros diretamente implicados numa comunicação,
conhecedores da situação e dos enunciados anteriores, captam com facilidade e
prontidão o intuito discursivo, o querer-dizer do locutor, e, às primeiras palavras do
discurso, percebem o todo de um enunciado em processo de desenvolvimento (1997,
p. 300-301).
O terceiro componente são as formas estáveis de gênero do enunciado. A vontade
discursiva do falante se concretiza na preferência de um determinado gênero do discurso. “Falamos
apenas através de certos gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados têm formas
relativamente estáveis e típicas de construção do conjunto” (BAKHTIN, 2016, p. 38). Para uma
melhor elucidação das explicações bakhtinianas a serem traçadas, elencaremos, a seguir, os
postulados de Bakhtin sobre as formas típicas composicionais e de gênero do acabamento.
Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos por
enunciados e não por orações isoladas). Os gêneros do discurso organizam as formas
gramaticais (sintáticas).
Se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se
tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de construir
livremente cada enunciado e pela primeira vez, a comunicação discursiva seria quase
impossível.
A diversidade desses gêneros é determinada pelo fato de que eles diferem entre si
dependendo da situação, da posição social e das relações pessoais de reciprocidade
entre os participantes da comunicação.
Ao falante não são dadas apenas as formas da língua nacional (a composição
vocabular e a estrutura gramatical) obrigatórias para ele, mas também as formas
31
igualmente obrigatórias de enunciado, isto é, os gêneros do discurso: estes são tão
indispensáveis para a compreensão mútua quanto as formas da língua.
Os gêneros do discurso, comparados às formas da língua, são bem mais mutáveis,
flexíveis e plásticos; entretanto, para o indivíduo falante eles têm significado
normativo, não são criados por ele mas dados a ele (BAKHTIN, 2016, p. 39-46).
Pela observação dos aspectos analisados, percebemos a importância de entendermos
as reflexões de Bakhtin sobre os gêneros do discurso. Como afirma Fiorin, “os gêneros são meios de
apreender a realidade” (FIORIN, 2006, p. 69). Bakhtin relata que o gênero do discurso “é uma espécie
de epistemologia geral dos discursos em vários campos das ciências humanas e da comunicação
discursiva, podendo servir como fonte valiosíssima de estudo da língua, da literatura e de outras
modalidades de conhecimento” (BAKHTIN, 2016, p. 170). Dessa forma, são eles que nos conduzem
no desenvolvimento do nosso discurso. É através dos gêneros que interagimos, que nos manifestamos,
organizamos, divulgamos e transmitimos mensagens em ambientes culturais.
1.3 O GÊNERO RELATO PESSOAL
Para que a análise do corpus aqui proposta seja efetiva, é necessário o estudo do relato
pessoal. De início, observamos que, nas pesquisas realizadas, existem muitas tentativas de explicá-
lo especialmente em sites e blogs. Então, apoiamos nos autores Koche Marinello e Boff (2015) e nos
estudos de Bakhtin (2016) e Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), para apresentarmos uma definição
para o gênero relato pessoal.
Schneuwly e Dolz (2004) afirmam que o relato é da ordem do relatar e se refere ao
domínio social da documentação e memorização das experiências humanas. Destacam que o relato é
uma representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo. Os autores Koche,
Marinello e Boff (2015, p.35) definem “o relato pessoal como um gênero textual não ficcional em
que o autor narra uma experiência de vida”. Para Guedes “ao escrever um relato, o produtor do texto
deve selecionar uma história que desperte o interesse do leitor, e dentro dela uma questão, de
preferência a mais séria de todas as questões envolvidas no fato acontecido” (2002 apud KOCHE;
MARINELLO; BOFF, 2015, p. 35).
Na maioria das vezes, o relato é escrito na primeira pessoa do discurso, visto que o
narrador compartilha dos acontecimentos que relata como personagem principal ou secundária e,
32
deste modo, descreve o que observou. Em princípio, o texto é narrado com verbos no pretérito perfeito
do indicativo. Entretanto, “há relatos em que faz uso do presente histórico, ou seja, narra fatos do
passado valendo-se do presente do indicativo” (KOCHE; MARINELLO; BOFF, 2015, p. 35).
O relato não possui uma estrutura rígida, mas para os autores Koche, Marinello e Boff
(2015, p. 36) pode compor-se de:
a) apresentação: situa o leitor a respeito dos fatos que serão narrados, localiza esses
fatos no tempo e espaço, e identifica as personagens envolvidas.
b) complicação: relata o momento em que o equilíbrio no desenrolar das ações é
rompido.
c) resolução: mostra o desfecho da complicação.
d) avaliação: expõe comentários do narrador e sua avaliação dos fatos, e mostra a
repercussão desses fatos em sua vida.
Essa composição pertence à ordem do relatar, no entanto, utiliza a narração como
tipologia textual. Vale lembrar que o relato não faz parte de uma narração ficcional, mas narra uma
experiência vivida localizada em espaço e tempo definidos. Dessa maneira, podemos afirmar que a
complicação citada pelos autores pode ou não acontecer na estrutura do gênero relato pessoal.
Bakhtin (2016), ao se referir a gênero e aos enunciados que o constituem, aponta para
três elementos: o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional. Dessa forma, baseando-se
nos estudos de Bakhtin (2016), no que se refere ao conteúdo temático, o gênero relato pessoal abrange
um leque de temas referentes às experiências humanas e, geralmente, tem a finalidade de compartilhar
sobre um fato ou acontecimento marcante da vida.
Sobre a linguagem utilizada nesse gênero, notamos que depende do interlocutor a que
se dedica o texto. Dessa forma, ela se adequa aos diversos tipos de leitores, ou seja, “a linguagem
pode ser com um vocabulário e sintaxe simples ou com um vocabulário seleto e construções sintáticas
mais elaboradas” (KOCHE; MARINELLO; BOFF, 2015, p. 35).
A pesquisadora Dantas (2015) realizou um estudo sobre o gênero relato pessoal e
identificou a estrutura composicional da seguinte forma:
a) uma contextualização inicial em que o autor apresenta um fato ou acontecimento
não ficcional que será relatado, situando-o no tempo e no espaço;
b) a identificação do autor como sujeito que vivenciou as experiências ou
acontecimentos relatados ou participou deles como observador;
33
c) o desenvolvimento dos fatos relatados que, não necessariamente, envolvem um
conflito e sua resolução, mas que normalmente são acompanhados das impressões
do autor sobre eles;
d) o encerramento do relato, em que o autor pode realizar reflexões acerca da
influência ou repercussão dos acontecimentos relatados em sua vida (2015, p. 33).
É preciso acentuar que, além de narrativo, o relato pessoal pode ser descritivo, com a
descrição do local, personagens e objetos. A respeito do título, não é obrigatório seu uso, no relato
pessoal escrito, porém, o autor pode utilizá-lo como recurso estilístico, para chamar a atenção do
leitor para o conteúdo do seu texto. Diante das explicações sobre o gênero relato pessoal, a seguir
mostramos que um relato bem redigido apresenta unidade temática, concretude, objetividade e
questionamento. Vejamos:
1° O texto com unidade temática coloca somente uma questão e fornece ao leitor
todos os elementos necessários para que ele possa entender e avaliar o que lhe está
sendo contado. No relato, de tudo o que aconteceu, só interessa contar o que facilita
o esclarecimento da questão abordada.
2° No texto com concretude, a descrição e a narração detalhadas e o exemplo
concreto mostram o sentido exato do que foi relatado. É importante falar de
personagens específicas e concretas, e das diferenças que mostram a individualidade
dessas personagens.
3° Num texto com objetividade, o narrador mostra aos leitores que ele é a
personagem mais adequada para expor a versão da história que conta, uma vez que
vivenciou ou presenciou os fatos, ou ainda coletou as melhores informações a
respeito deles. Além, disso, deixa claro o motivo pelo qual quer contar aquela
história para aqueles leitores.
4° No relato pessoal com questionamento, ao selecionar uma história, o narrador
escolherá a questão mais profunda entre as várias questões que a história coloca.
Nesse sentido, relatar fracassos é quase sempre mais interessante do que relatar
vitórias, tanto para o leitor quanto para quem escreve o texto (GUEDES, 2002 apud
KOCHE; MARINELLO; BOFF, 2012, p. 36-37).
Diante dos aspectos mencionados, os autores Koche, Marinello e Boff (2015) resumem
o relato pessoal da seguinte maneira: “narra uma experiência vivida; pertence à ordem do relatar;
utiliza a narração como tipologia textual; emprega o pretérito perfeito do indicativo e o presente
histórico; usa geralmente a linguagem comum” (KOCHE; MARINELLO; BOFF, 2015, p.36-37).
Para finalizar, pesquisando sobre o suporte de publicação, verificamos que existem
determinados relatos que se transformam em documentos históricos e são publicados por jornais,
revistas, livros, sites, e, com os novos meios de comunicação o relato pessoal, passou a circular
também em canais de vídeo.
34
2. O ENSINO DA GRAMÁTICA: concepções e tipos de gramáticas
– Mostrengo ou monstrengo, vovó? – quis saber
Pedrinho. Vejo esta palavra escrita de dois jeitos. –
Os gramáticos querem que seja mostrengo – coisa
de mostrar: mas o povo acha melhor monstrengo –
coisa monstruosa, e vai mudando. Por mais que os
gramáticos insistam na forma “mostrengo”, o povo
diz “monstrengo”. – E quem vai ganhar essa
corrida, vovó? – Está claro que o povo, meu filho.
Os gramáticos acabarão se cansando de insistir no
“mostrengo” e se resignarão ao “monstrengo”.
Monteiro Lobato
Esta seção abordará a apresentação de algumas obras sobre a gramática normativa, a
descritiva e a internalizada. A finalidade dessa descrição bibliográfica é refletir de que modo vêm
sendo apresentadas as diversas orientações e abordagens de ensino. Esse levantamento também foi
feito para que se pudesse avaliar melhor os autores e suas gramáticas pedagógicas.
2.1 O ENSINO DE GRAMÁTICA: algumas abordagens
No século XXI, o ensino da gramática tradicional2 ainda vem sendo avaliado,
interpretado e criticado por muitos estudiosos da área, visto que existem conflitos em relação ao
ensino normativo. Em contato com docentes, observamos que, atualmente, eles estão duvidosos a
respeito de ensinar ou não ensinar gramática normativa. Por eleger o caminho da norma culta, os
alunos continuam apresentando dificuldades na aprendizagem no ensino de português e os docentes
permanecem com os olhares voltados para o método prescritivo da língua. Nota-se que os estudantes
terminam o Ensino Médio3 sem conseguir alcançar sua individualidade linguística.
Observamos que o ensino de Língua Portuguesa, a partir do anos 1980, vem sofrendo
mudanças, mas a gramática normativa ainda é predominante nos métodos de ensino. As escolas
continuam seguindo a metodologia de exercícios baseados na repetição, tornando a gramática culta o
falar e escrever bem. Em consequência disso, muitas vezes, o português é tachado de difícil e muitos
dizem que é uma língua muito complicada de aprender. Diante dessas considerações, entendemos
2 Ensino tradicional pode ser dito como um modelo no qual os estudantes são ouvintes e sua maior função é a
memorização. Assim, tal expressão pode ser entendida como um ensino de regras que devem ser seguidas. 3 Bakhtin relata que o destino posterior das capacidades criativas de um jovem depende em muito da linguagem com a
qual ele se forma no ensino médio (BAKHTIN, 2013, p. 43).
35
que o objeto do nosso estudo, que se debruça sobre o ensino de gramática na sala de aula, ter um
sentido mais vivo4, pode ser compreendido a partir da reflexão sobre os tipos de gramática, como
faremos na seção a seguir.
O ensino de gramática é alvo de várias discussões e existem diversas posturas em
meio aos linguistas, em torno do ensino de língua padrão. O termo “gramática” é empregado em
definições distintas. Fica clara a importância dos professores conhecerem essas concepções e terem
um olhar crítico, para ministrarem esse ensino, de modo competente e que permita refletir sobre os
problemas da linguagem. É preciso acentuar que o estudo da gramática tradicional é essencial e deve
ser ensinado, todavia não deve ser o único caminho para o ensino da língua materna. Desse modo, de
acordo com Franchi (2006), além de tarefas gramaticais oferecidas aos alunos, tendo como domínio
a modalidade culta, é necessário ampliar “o conjunto dos recursos expressivos de que dispõe para a
produção e compreensão dos textos” (FRANCHI, 2006, p. 31).
Diante dessa perspectiva, serão analisados os tipos de gramática: a normativa, a
descritiva e a internalizada. Resenhamos quatro autores de referência nos estudos de nossa língua:
Celso Ferreira da Cunha e Luís Filipe Lindley Cintra (2017), Mário Alberto Perini (2016) e Celso
Pedro Luft (1995).
2.2 A GRAMÁTICA NORMATIVA EM CUNHA E CINTRA
Entre as gramáticas clássicas brasileiras atuais, a Nova gramática do português
contemporâneo, publicada em 1985 e já na sua 7°edição - 2°impressão em 2017, de Celso Cunha &
Lyndley Cintra, chama atenção, pois o autor destaca a necessidade que sentiu em escrever uma
gramática em que o ensino de língua portuguesa atingisse todos os países em que se estuda o nosso
idioma. Essa primeira compreensão é a que vem nos manuais de ensino e adotada pela maioria dos
professores, sendo a mais conhecida pelos alunos. Porém, há de se convir que algumas gramáticas
vêm se atualizando, se as compararmos às mais antigas. Para refletirmos, cabe avaliar as palavras de
Leite (2007) sobre a gramática de Cunha e Cintra:
4 Sentido mais vivo para Bakhtin é se aproximar do discurso oral, expressivo, isto é, da linguagem da vida viva, ou seja,
mais criativa, audaciosa, uma linguagem utilizada na vida (BAKHTIN, 2013, p. 42).
36
Uma obra fundamental no quadro dos instrumentos linguísticos do português, por
sua proposta inovadora e ousada. Ousada porque é uma gramática tradicional que se
adapta no âmbito da linguística contrastiva, ou que pelo menos busca encontrar um
código contrastivo da lusofonia. Inovadora porque, pela primeira vez, encontram-se
no espaço da gramática tradicional, em confronto, as normas brasileira, portuguesa
e africana do idioma (LEITE, 2007, p. 8).
Nesse sentido, essa gramática visa destacar os aspectos e as diferenças que as
variedades europeia e sul-americana do português têm em comum. Cunha e Cintra (2017) defendem
a necessidade de uma gramática, em que as distintas normas em vigor do seu domínio geográfico
“fossem de guia orientador de uma expressão oral e, sobretudo, escrita que, para o presente momento
da evolução da língua, se pudesse considerar correta”. Os filólogos registraram no prefácio suas
intenções e características que definem a obra:
1° É uma tentativa de descrição do português atual na sua forma culta;
2° Não descuidaram, porém, dos fatos da linguagem coloquial;
3° Foi dada uma atenção às diferenças no uso entre as modalidades nacionais e regionais do
idioma, sobretudo às que se observam entre a variedade nacional europeia e a americana;
4° No capítulo fonética e fonologia, estabeleceu-se, sempre que possível, a equivalência entre
os conceitos e a terminologia tradicionais e os da fonética acústica;
5° No estudo das classes de palavras, examinou-se a palavra em sua forma e em sua função,
de acordo com os princípios da morfossintaxe;
6° Procurou-se valorizar os meios expressivos do idioma, tornando o livro não apenas uma
gramática, mas, de certa maneira, uma introdução à estilística do português contemporâneo;
7° Embora, a rigor, o estudo da versificação não faça parte de uma descrição gramatical,
incluiu-se um capítulo final sobre as noções de versificação.
Os autores Cunha e Cintra (2017) abordam, de início, alguns conceitos gerais sobre:
linguagem, língua, discurso, estilo e a distinção entre eles:
1. Linguagem é “um conjunto complexo de processos resultado de uma certa
atividade psíquica profundamente determinada pela vida social que torna possível a
aquisição e o emprego concreto de uma língua qualquer”'. Usa-se também o termo
para designar todo sistema de sinais que serve de meio de comunicação entre os
indivíduos. Desde que se atribua valor convencional a determinado sinal, existe uma
linguagem. À linguística interessa particularmente uma espécie de linguagem, ou
seja, a linguagem falada ou articulada.
37
2. Língua é um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos. Expressão
da consciência de uma coletividade, a língua é o meio por que ela concebe o mundo
que a cerca e sobre ele age. Utilização social da faculdade da linguagem, criação da
sociedade, não pode ser imutável; ao contrário, tem de viver em perpétua evolução,
paralela à do organismo social que a criou.
3. Discurso é a língua no ato, na execução individual. E, como cada indivíduo tem
em si um ideal linguístico, procura ele extrair do sistema idiomático de que se serve
as formas de enunciado que melhor lhe exprimam o gosto e o pensamento. Essa
escolha entre os diversos meios de expressão que lhe oferece o rico repertório de
possibilidades, que é a língua, denomina-se estilo.
4. A distinção entre linguagem, língua e discurso, indispensável do ponto de vista
metodológico, não deixa de ser em parte artificial. Em verdade, as três denominações
aplicam-se a aspectos diferentes, mas não opostos, do fenômeno extremamente
complexo que é a comunicação humana (CUNHA; CINTRA, 2017, p.1-2).
Além das considerações apontadas, Slama evidencia que a língua não poderia
funcionar sem a linguagem. “Por outro lado, a linguagem não pode existir, manifestar-se e
desenvolver-se a não ser pelo aprendizado e pela utilização de uma língua qualquer” (SLAMA apud
CUNHA, 2017, p. 2). A linguagem é composta de uma complexidade de procedimentos, de
estruturas, de meios significativos — é a linguagem falada, realizada no discurso, isto é, no método
de comunicação. A autora cita ainda que o discurso é um dos pontos da linguagem mais significativos
e, simultaneamente, a “forma concreta sob a qual se manifesta a língua” (SLAMA apud CUNHA,
2017, p. 2).
Cunha e Cintra (2017) explicam que a sociolinguística é uma parte da linguística que
analisa a língua como acontecimento social e cultural. Esta ciência se faz atual num ambiente
interdisciplinar, no alcance entre língua e sociedade, focando essencialmente os empregos
linguísticos concretos, principalmente os de caráter heterogêneo. Em Cunha (2017, p.3), consta que
“é recente a concepção de língua como instrumento de comunicação social, maleável e diversificado
em todos os seus aspectos, meio de expressão de indivíduos que vivem em sociedades também
diversificadas social, cultural e geograficamente”. O autor ainda afirma que “a língua está fortemente
ligada à estrutura social e aos sistemas de valores da sociedade que conduz a uma avaliação distinta
das características das suas diversas modalidades diatópicas, diastráticas e diafásicas” (CUNHA,
2017, p. 4).
Sabemos que abordar os problemas de variação e norma do português é uma tarefa
complexa, por isso, na obra, os autores apresentaram um conceito, para garantir a finalidade de uma
gramática tradicional. Sobre essa questão, Cunha (2017) conclui que:
38
A língua padrão, por exemplo, embora seja uma entre as muitas variedades de um
idioma, é sempre a mais prestigiosa, porque atua como modelo, como norma, como
ideal linguístico de uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua função
coercitiva sobre as outras variedades, com o que se torna uma ponderável força
contrária à variação. Numa língua existe, pois, ao lado da força centrífuga da
inovação, a força centrípeta da conservação, que, contrarregrando a primeira, garante
a superior unidade de um idioma como o português, falado por povos que se
distribuem pelos cinco continentes (CUNHA, 2017, p. 4).
Em relação às reflexões sobre a língua padrão, Cunha e Cintra (2017) destacam que a
norma culta alcança um valor social maior que as outras variedades linguísticas e, na maioria das
vezes o uso normativo tem um papel exemplar para a sociedade. Os autores obtiveram o conceito de
norma padrão, consentindo para cada comunidade, “no caso a europeia, a brasileira e a africana, a
depender de sua ideologia, a liberdade de escolha na operação com as suas variedades” (LEITE, 2006,
p.34). Somado a isso, o autor afirma que em uma língua existe a força da inovação e da conservação
que atua como ideal linguístico de um grupo, tendo um papel coercitivo acima de outras variantes
(conservação). Além disso, surgem com frequência novas expressões de uma determinada
modalidade linguística (inovação).
Posto isso, em seguida, a Gramática revela sobre a Diversidade Geográfica da Língua:
Dialeto e Falar. Conforme Cunha (2017), “as formas características que uma língua assume
regionalmente denominam-se dialetos. Alguns linguistas, porém, distinguem, entre as variedades
diatópicas, o FALAR DO DIALETO” (CUNHA, 2017, p. 4). Na obra, é citado Manuel Alvar, que
diz que DIALETO é “um sistema de sinais desgarrado de uma língua comum, viva ou desaparecida;
normalmente, com uma concreta delimitação geográfica, mas sem uma forte diferenciação diante dos
outros da mesma origem” (ALVAR apud CUNHA, 2017, p. 4). O referido autor também chama de
dialeto “as estruturas linguísticas, simultâneas de outra, que não alcançam a categoria de língua”
(CUNHA, 2017, p. 4). Para o linguista, FALAR “seria a peculiaridade expressiva própria de uma
região e que não apresenta o grau de coerência alcançado pelo dialeto” (CUNHA, 2017, p. 4). Do
modo como o autor analisa, seria do aspecto diacrônico, “por ser um dialeto empobrecido, que, tendo
abandonado a língua escrita, convive apenas com as manifestações orais” (CUNHA, 2017, p. 4).
Contudo, Cunha (2017) aborda sobre “o termo dialeto no sentido de variedade regional
da língua, não importando o seu maior ou menor distanciamento com referência à língua padrão”.
Assim, a obra reforça que uma gramática que avalia os acontecimentos da língua culta necessita
basear-se num intenso “conceito de norma e de correção idiomática”. Diante disso, a Gramática
menciona Adof Noreen (apud CUNHA, 2017), um linguista sueco, que cita três critérios principais
de correção linguística:
39
Histórico-literário: critério tradicional de correção, fundado no exemplo dos
clássicos e que conforma-se com o uso encontrado nos escritores de uma época
passada.
Histórico-natural: Dentro desse ponto de vista não há nada de “correto” ou
“incorreto” na língua; a linguagem é um organismo que se desenvolve muito melhor
em estado de completa liberdade.
Racional: A fórmula expressa por Noreen: o “melhor”, o “correto” é o que se pode
ser apreendido mais exata e rapidamente pela audiência presente e produzido mais
facilmente por aquele que fala; ou no enunciado mais sintético de Flodstrom: “o
melhor é a forma de falar que reúne a maior simplicidade possível com a necessária
inteligibilidade” (NOREEN apud CUNHA, 2017, p. 5-6).
Com o intuito de esclarecer mais sobre o assunto, a obra faz referência ao linguista
dinamarquês Otto Jespern, que diz ser “evidente que tenha algo que justifique a correção, algo comum
para quem fala e para quem ouve, e que lhes facilita a compreensão. Este elemento comum é a norma
linguística que ambos aceitaram de fora, da comunidade, da sociedade, da nação” (JESPERN apud
CUNHA, 2017, p. 6). Nesse documento, entende-se ainda que a nossa conduta social continua
regulada por normas.
Cunha (2017) esclarece o “linguisticamente correto” como aquilo que é determinado
pela sociedade linguística à qual o indivíduo pertence. Para o autor, “falar correto significa o falar
que a comunidade espera, e erro em linguagem equivale a desvios desta norma, sem relação alguma
com o valor interno das palavras ou formas” (CUNHA, 2017, p. 6) No entanto, o autor revela que
“existe uma valorização da linguagem na qual seu valor se mede com referência a um ideal
linguístico, o qual se observa como norma padrão” (CUNHA, 2017, p. 7).
O autor expõe o conceito de norma: “Este conceito linguístico de norma, que implica
um maior liberalismo gramatical, é o que, em nosso entender, convém adotarmos para a comunidade
de fala portuguesa” (CUNHA, 2017, p. 8). É preciso abordar uma noção mais precisa de correção de
todo idioma que os estudiosos contemporâneos vêm na tentativa de estabelecer procedimentos que
permitam a descrição detalhada de suas variedades cultas, ora na forma falada, ora na escrita.
Afirmam que sem averiguações, sem metodologias descritivas não conseguiremos definir o que, no
“domínio da nossa língua ou de uma área dela, é de emprego obrigatório, o que é facultativo, o que é
tolerável, o que é grosseiro, o que é inadmissível; ou, em termos radicais, o que é e o que não é
correto”. (CUNHA, 2017, p. 8)
40
Cintra (2017, p. 23) expõe que “o português apresenta-se, como qualquer língua viva,
internamente diferenciado em variedades que divergem de maneira mais ou menos acentuada quanto
à pronúncia, à gramática e ao vocabulário”. O autor trata das variedades do português e apresenta que
a língua portuguesa até hoje conseguiu preservar a coesão dentre as suas variedades por mais distantes
que estejam no espaço. Na parte dos dialetos do português europeu, são explicados os três grupos:
dialetos galegos, dialetos portugueses setentrionais, dialetos portugueses centro-meridionais.
Posteriormente, encontramos os dialetos das ilhas atlânticas e os dialetos brasileiros. Na obra
(CINTRA, 2017), o autor descreve que é possível diferenciar dois grupos de dialetos no Brasil, sendo
eles do Norte e do Sul. No Norte, são destacados dois grupos: o amazônico e o nordestino. Já no Sul,
são quatro os grupos: o baiano, fluminense, mineiro e o sulista, de acordo com Antenor Nascentes.
É preciso ressaltar que iremos dispor de uma breve descrição do capítulo dezoito da
gramática de Cunha e Cintra (2017), pois são abordados os processos de coordenação e subordinação
que fazem parte do nosso corpus. Em suma, Cunha analisa mais detalhadamente os termos essenciais,
integrantes e acessórios de uma oração, mostrando que podem ser representados por outra oração.
Para Cunha (2017, p. 608), as orações que “não funcionam como termos de outra oração, nem a eles
se referem; apenas, uma pode enriquecer com o seu sentido a totalidade da outra” são chamadas de
orações coordenadas, são autônomas, independentes e o período por elas formado são compostos por
coordenação. Já as orações subordinadas são definidas como as orações sem autonomia gramatical,
ou seja, “as orações que funcionam como termos essenciais, integrantes ou acessórios de outra oração,
chamam-se subordinadas” (CUNHA, 2017, p. 608). O período composto de orações subordinadas e
uma oração principal designam-se composto por subordinação. Sobre oração principal, o autor
elucida que ela serve sempre de apoio a uma oração subordinada e sua característica é o fato de não
desempenhar qualquer função sintática em outra oração do período. Segundo o autor (CUNHA, 2017,
p. 610), na análise de um período composto, cumpre, pois, ter em mente que:
a) a oração principal não exerce nenhuma função sintática em outra oração do
período;
b) a oração subordinada desempenha sempre uma função sintática (sujeito, objeto
direto, objeto indireto, predicativo, complemento nominal, agente da passiva,
adjunto adnominal, adjunto adverbial ou aposto) em outra oração, pois que dela é
um termo ou parte de um termo;
c) a oração coordenada, como a principal, nunca é termo de outra oração nem a ela
se refere; pode relacionar-se com outra coordenada, mas em sua integridade.
41
Ainda em relação às orações, a “Gramática” esclarece as orações coordenadas
sindéticas e assindéticas e a oração subordinada como termo de outra oração. Sobre as orações
subordinadas, descrevem que atuam continuamente como termos essenciais, integrantes ou acessórios
de outra oração. A obra nos apresenta uma conclusão sobre o período composto por subordinação,
afirmando que ele é equivalente a um período simples, diferenciando-os somente o fato de os termos
da oração essenciais, integrantes e acessórios deste serem representados naquele por orações.
2.3 A GRAMÁTICA DESCRITIVA EM MÁRIO ALBERTO PERINI
O professor Mário Alberto Perini sempre refletiu sobre os problemas da linguagem e
procurou fazer algumas considerações importantes sobre o ensino gramatical no Brasil. O estudo nos
mostra uma preocupação em elaborar uma nova gramática, repensando no ensino do português. O
autor destaca a seriedade de estudar a língua como ela é, compreendendo não só a estrutura da língua
padrão, mas a descrição da língua coloquial, sua variação social e geográfica. O escritor afirma que
“é definitivamente necessário começar a conceber a gramática como uma disciplina viva, em revisão
e elaboração constante” (PERINI, 2016, p. 17). Sobre o ensino normativo, afirma que não é um
incômodo em si, mas que, na maioria das vezes, é aplicado de modo que acaba prejudicando os
alunos. Para explicitar melhor essa afirmação, reflitamos:
O grande perigo é transformar a gramática — uma disciplina já em si um tanto difícil
— em uma doutrina absolutista, dirigida mais ou menos exclusivamente à “correção”
de pretensas impropriedades linguísticas dos alunos. A cada passo, o aluno que
procura escrever encontra essa arma apontada contra sua cabeça: “Não é assim que
se escreve (ou se fala)”, “Isso não é português” e assim por diante. Daí só pode surgir
aquele complexo de inferioridade linguístico tão comum entre nós: ninguém sabe
português — exceto, talvez, alguns poucos privilegiados, como os que se
especializam em publicar livros com listas de centenas ou milhares de “erros de
português” (PERINI, 2016, p. 33).
Diante dessa realidade, Perini se dedicou, há muito tempo, a elaborar uma nova
gramática. O autor tinha um desejo muito grande de levar à frente seu conhecimento, suas
experiências e seus estudos, por isso, buscou escrever uma gramática que fosse motivada por esse
anseio. Ao esquematizar a obra, o professor teve a preocupação de não abordar a exposição dos fatos
42
da língua e incluiu, em seus capítulos, algumas noções e justificativas em assuntos de seu maior
interesse.
Notamos que seu estudo aborda a gramática como uma disciplina científica e, por isso,
ocasiona a necessidade de especificar observações e construir suposições. Perini diz que o “livro é,
tanto quanto uma gramática do português falado, uma introdução ao estudo científico da língua”
(PERINI, 2016, p. 24). Essa “Gramática” se destina, em um primeiro momento, aos estudantes e
docentes de letras, como a professores de um modo geral. O autor prepara, primeiramente, os
estudiosos na área, para só assim lançar um material dirigido aos alunos do ensino médio e
fundamental.
A obra tem finalidades distintas das gramáticas tradicionais e, por isso, o professor faz
uma explicação prévia. Pensar em estudar gramática como componente de sua formação científica,
para muitas pessoas, pode parecer um pouco distante da sua realidade. Muitos continuam dizendo
que o estudo da gramática é uma forma de aumentar sua performance na escrita, na língua padrão. É
comum ouvirmos que os estudos gramaticais, na escola, são importantes para escrever bem, ler bem
e falar corretamente. A obra destaca que, estudar a gramática pura, não amplia as capacidades de
leitura, escrita ou fala, nem desenvolve seu aprendizado prático do português padrão escrito.
Assim, podemos entender com Perini que é essencial estudar a gramática como parte
do desenvolvimento científico dos alunos. Para o autor, “o estudante deve sempre procurar saber por
que se adota uma análise e não outra; esse é um ingrediente fundamental de sua formação intelectual,
e não deve nunca ser desprezado” (PERINI, 2016, p. 44). Fica evidente que os discentes nem sempre
sabem porque tal análise é feita e os professores somente copiam e reproduzem o que já vem nos
livros didáticos. O autor então adverte que, nesse caso, seria válido os alunos consultarem a gramática
e tirarem suas dúvidas. Pernambuco (2017) explica que é “muito estranho o fato de a maioria das
pessoas, mesmo as escolarizadas, não conhecerem uma gramática, ou seja, é um ensino de gramática
sem a gramática” (PERNAMBUCO, 2017, p. 93). A Gramática descritiva do português brasileiro
deixa claro que ela é diferente das gramáticas habitualmente seguidas em nossos colégios. Na obra
estudamos a gramática mais espontânea, abrangendo a comunicação linguística em toda sua
totalidade, isto é, a língua falada no Brasil por volta de 200 milhões de pessoas.
Perini exemplifica que:
A língua que falamos, nós todos, operários, professores, mecânicos, médicos e
manicures, é bastante diferente da língua que escrevemos (isto é, aqueles dentre nós
que têm a formação necessária para a tarefa de escrever). Assim, na cantina dizemos
me dá um quibe aí, mas na língua escrita isso seria dê-me um quibe. Note-se que se
43
trata de duas formas de expressão igualmente adequadas, cada qual no seu contexto.
Seria bastante estranho chegarmos na cantina e dizermos dê-me um quibe – o falante
ia parecer pedante, até mesmo antipático (“quem esse cara tá pensando que é?”). Uns
momentos de reflexão devem deixar bem claro que as duas variedades existem, vão
continuar a existir e, principalmente, não podem ser trocadas: escreve-se uma tese
em português padrão escrito, pede-se um quibe em português falado. A esse
português falado se dá em geral a designação de português falado do Brasil, ou PB.
(PERINI, 2016, p. 31-32) [Grifos do autor]
Portanto, para Perini, as duas variedades convivem na língua e apresentam cada qual
sua importância dentro das situações de uso. O apropriado seria as escolas ensinarem aos alunos a
capacidade “de dominar a variedade culta e a variedade popular da língua, em condições de usar uma
ou outra, conforme o ambiente social em que estiverem” (PERNAMBUCO, 2017, p. 45). Assim, a
gramática de Perini se caracteriza como uma gramática descritiva do PB, referindo-se ao português
do Brasil. O autor também faz uma explicação sobre a diferença do português padrão e o PB. O
padrão é usado por uma parcela da população que teve a oportunidade de ser escolarizada, e também
é frequente em situações formais; já o português falado é usado em nossos acontecimentos comuns
que se sucedem todos os dias, na nossa fala cotidiana. Perini afirma a urgência em “elaborar
gramáticas do PB para que não se eternize a anômala situação de um povo que não estuda na verdade,
às vezes se recusa a estudar a língua que fala” (PERINI, 2016, p. 32-33).
Vale ressaltar que o autor não pretende que o português padrão não seja ensinado e
destaca que os dois tipos de variedades fazem parte da nossa vida em sociedade. Somente aborda a
necessidade de distinguir e detalhar a variedade falada, que é essencial para a prática e que foi até
hoje muito pouco analisada. Nesse caso, “o objetivo deste livro é descritivo: ou seja, pretende
descrever como é o PB, não prescrever formas certas e proibir formas erradas. Para nós, “certo” é
aquilo que ocorre na língua” (PERINI, 2016, p. 35). Interessante dizer que o autor apresentou
explicações detalhadas de alguns conceitos empregados em algumas análises, sendo eles: sintagma
nominal, sujeito, função sintática, papel temático, classe de palavras. Além disso, esclareceu o motivo
de se utilizar certos conceitos. A finalidade dessa gramática é conduzir “o leitor a um conhecimento
consciente das estruturas da língua, não apenas à memorização de um conjunto de afirmações mais
ou menos gratuitas” (PERINI, 2016, p. 37-38).
Perini (2016) relata que a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) causou um
prejuízo para o ensino, pois, com o tempo, foi entendida como uma lei que teve como decorrência a
diminuição das pesquisas em gramática tradicional. Afirma que a Nomenclatura se assemelha com
um acordo político, sendo vantajoso apenas os interesses imediatos do ensino. Perini assegura a
44
importância de formular uma nova gramática para a língua padrão escrita. “Por outro lado, essa
gramática não tem a pretensão de substituir a NGB como doutrina semioficial a ser adotada nas
escolas” (PERINI, 2016, p. 41).
Seu interesse é em uma gramática descritiva, que expõe de fato a língua usada pelos
falantes do PB, sem se amparar em uma teoria e tampouco estabelecer a língua ideal que as pessoas
deveriam usar. Perini tem trabalhado, de modo intenso, em áreas como a sintaxe e a semântica que
acabaram sendo o destaque deste livro, incluindo também, de modo mais geral, duas outras áreas
importantes, a morfologia e a fonologia. Há ainda perguntas consideráveis que Perini expõe em sua
obra: “Como é que pessoas que passaram longos anos estudando nas escolas ainda assim são
analfabetos científicos? Como é que se impede alguém de desenvolver pelo menos algum
conhecimento e espírito científico?” (PERINI, 2016, p. 49).
O professor explica que uma das dificuldades é que as pessoas não entendem o que
vem a ser a ciência. Adverte que profissionais pensam em ciência como um corpo de resultados, sendo
que ela é o processo de alcançar conhecimento e resultados. O autor explica que ter o conhecimento
e memorizar uma ampla lista de resultados da ciência não tem nenhuma semelhança com a
alfabetização científica. O professor Perini declara que “os resultados são importantes, e (quase) todo
mundo se dedica à ciência com vistas a obter resultados. Mas os resultados não são a ciência: a ciência
é o caminho, não o ponto de chegada” (PERINI, 2016, p. 49-50).
Muitas vezes, nas aulas de gramática, os alunos aprendem a decorar para fazer a prova
e ganhar nota, e no outro dia, já não sabem mais o que foi a matéria aprendida, ou seja, aprendeu para
obter um resultado. Perini (2016) comenta que a aula de gramática tradicional não admite dúvidas
embaraçosas e garante que nas aulas de português os alunos não aprendem gramática. E ainda afirma
que não é de se assustar que a maioria dos alunos não gosta da matéria de português, não gostam da
gramática. Perini cita que “professores e alunos conhecem exatamente o que está em cada página das
gramáticas usuais” (PERINI, 2016, p. 51). O autor ainda nos mostra que isso não é saber gramática,
por muitos motivos:
Primeiro, porque os livros que chamamos “gramáticas” contêm resultados, mas não
dizem nem perguntam como é que se chegou a eles. Segundo, porque às vezes nos
dizem não como a língua é, mas como a língua deveria ser. E, terceiro, porque nos
pedem para crer no que está ali – nunca questionar, nunca duvidar, nunca fazer
perguntas (PERINI, 2016, p. 51).
45
O autor afirma, então, que a disciplina de gramática, atualmente, colabora para a
analfabetização científica dos alunos. Primeiramente, por promover resultados sem focar nos métodos
de alcançá-los; pela maioria das vezes, “lidar com dados fictícios (como quando se diz que a frase
“me dá ele aí” não existe); por desencorajar a dúvida e o questionamento; em uma palavra, por
encorajar a crença acrítica em doutrinas aprendidas, mas não justificadas” (PERINI, 2016, p. 51).
Analisando o livro, observamos que a gramática, para o autor, analisa um aspecto da linguagem, um
episódio muito atual em nossas vidas. Completando: a gramática é uma matéria científica, uma vez
que tem como intenção o estudo, a definição e o esclarecimento de fenômenos do mundo real.
Perini, em sua obra, mostra-nos o quão é essencial motivar nossos alunos. Relata que
o professor tem esse poder de inspirar, abrir portas, janelas e levar os discentes a terem uma
curiosidade científica. O autor declara que o jovem está sempre à procura daquilo que lhe interessa,
“não daquilo que os mais velhos lhe dizem que “vai ser importante na vida”. E o jovem se interessa
por aquilo de que participa; simplesmente receber informação geralmente não o motiva” (PERINI,
2016, p. 56). E, na maioria das vezes, nas aulas de português, os estudantes aprendem só para
aplicarem na prova. Geralmente, as pessoas só veem na gramática utilidade para passar em exames
vestibulares, avaliações, mas não observam um bem prático, nem subsídios relevantes para sua
alfabetização científica.
O autor defende que é necessário trabalhar com gramática como uma ciência,
seguindo, de início, os seguintes objetivos:
a) Abandonar de vez as falsas promessas, como a de que estudar gramática é o
caminho para desenvolver o desempenho na língua escrita. Ou seja, reformular os
objetivos do estudo de gramática, reposicionando-o e redimensionando-o de acordo
com esses objetivos. Por exemplo, não faz sentido insistir no ensino de gramática a
alunos que nem sequer têm domínio básico da língua padrão.
b) Assumir uma atitude científica frente ao fenômeno da linguagem. Isso significa
admitir o questionamento, aceitar a necessidade de justificar as afirmações feitas e
dar lugar à dúvida sistemática, e não à vontade de crer (que é a maior inimiga do
espírito científico). Trabalhamos com fatos e teorias, e não com crenças e dogmas.
c) Procurar atividades que envolvam a observação e eventual manipulação de fatos
da língua, com o objetivo de construir hipóteses a respeito deles. Aqui nosso modelo
é o laboratório de outras disciplinas – por exemplo, o aluno de física não apenas é
informado de que os corpos se dilatam com o calor, mas é encorajado a verificar isso
por si mesmo, esquentando uma bola de metal e passando-a por um anel.
d) Abandonar a ideia de que é possível realizar o estudo completo de uma língua, de
que a gramática portuguesa é um sistema plenamente conhecido, e de que sua
descrição está pronta e relatada na literatura do assunto. Dar e enfatizar a notícia (boa
para alguns, má para outros, mas verdadeira) de que a gramática portuguesa não está
46
pronta. Uma boa maneira de se convencer disso é ensinar português a estrangeiros
(como eu fiz durante alguns anos). Quando se ensina gramática a brasileiros, a
aprendizagem é questão de somenos; se eles não aprenderem, não vai fazer grande
diferença. Mas quando um estudante estrangeiro pergunta quando é que se usa fiz e
quando é que se usa fazia, você precisa ter uma resposta.
e) Apresentar a ideia, revolucionária para alguns, de que fazer gramática é estudar
os fatos da língua, e não construir um código de proibições para dirigir o
comportamento linguístico das pessoas. Esta tarefa é, de longe, a mais difícil de
implementar – muitas pessoas parecem resistir a isso com obstinação fanática. Mas
é a mais importante, e se não for vencida as outras vão cair no vazio (PERINI, 2016,
p. 57-58).
Com bases nos objetivos, notamos que apresentam semelhanças. Perini aborda os
estudos gramaticais de modo científico, analisando e relatando, sem cometer críticas de valor. Para o
professor, existem modos de levar os tópicos sugeridos a darem certo. O autor começa apresentando
que não é fato que “o povo fala de qualquer jeito, isto é, que é perfeitamente possível elaborar uma
gramática da língua falada – e que essa gramática é tão rica e complexa, e tão interessante, quanto a
da língua padrão” (PERINI, 2016, p. 58). Perini (2016) ainda nos recorda que não devemos acabar
com o estudo da gramática, é necessário dar nova definição em termos de formação científica, de tal
modo que essa disciplina conseguirá dar subsídios à alfabetização científica para os professores e
alunos. Perini elaborou uma nova gramática, em que explica que a língua falada do Brasil é diferente
da de Portugal e também da língua escrita padrão. Ele apresenta que “podemos escrever se você a vir,
diga-lhe que me telefone, mas, para falar, usamos se você ver ela, fala com ela pra me telefonar. São
estruturas como a segunda que constituem o objeto de descrição desta gramática” (PERINI, 2016, p.
66).
Faremos uma breve descrição do capítulo dezenove, pois são abordados os estudos
sobre os processos de coordenação e de subordinação apresentados por Perini (2016) que fazem parte
do nosso corpus. Desse modo, o autor inicia explicando ao leitor que nos capítulos anteriores foram
estudados diversos aspectos da estrutura das orações, considerando-as isoladamente. Porém, nesse
módulo o estudo é sobre os recursos que a língua tem para unir distintas orações em uma estrutura
sintaticamente coesa. A partir da frase “O vizinho abriu a casa e os ladrões roubaram a TV”, o autor
explica que há duas realizações da construção transitiva, utilizadas uma após a outra e interligadas
pela palavra e. O autor explica que a estrutura da frase é simples, sendo composta apenas de duas
orações seguidas com e no meio. Porém, afirma que existe períodos compostos bem mais complexos.
Em seguida, Perini (2016) ilustra que na frase “O vizinho abriu a casa e os ladrões
roubaram a TV”, as duas orações são chamadas coordenadas, e a palavra e se classifica como
47
coordenador. Importante comentar que a palavra coordenador na gramática tradicional é nomeada
como conjunção coordenativa. Para Perini (2016), “a estrutura coordenada se caracteriza por ter as
duas (ou mais) orações uma ao lado da outra, sem que uma faça parte da outra” (PERINI, 2016, p.246)
e explica que existem outros coordenadores como: mas, ou, logo, portanto.
Posteriormente, Perini explica sobre um outro processo gramatical, considerado por
ele como básico e que é empregado na língua para juntar as orações: a subordinação. O autor esclarece
que “quando temos orações subordinadas, elas não ficam uma ao lado da outra, mas uma dentro da
outra” (PERINI, 2016, p.246). Perini elucida com exemplos simples como a frase: “A tia Rosa disse
que o Rafael é médico”. Após alguns esclarecimentos mais aprofundados, o autor explica sobre os
processos de junção gramatical. Segundo Perini (2016) “a coordenação e a subordinação são os dois
processos básicos de que dispõe a língua para juntar unidades de mesma classe em uma unidade
maior”. Dessa forma, “essa junção não afeta apenas as orações, mas vale para a maioria das classes
de formas” (PERINI, 2016, p.248).
Enfim, com o intuito de gerar uma reflexão no leitor, Perini (2016) escreve uma obra
em que o leitor irá se identificar, pois é uma gramática da língua que falamos no cotidiano e que a
maioria do povo domina. Podemos encontrá-la no nosso grupo de amigos, nas novelas, no teatro, em
nosso meio familiar. Enfim, a linguagem coloquial é, sem dúvidas, de acordo com o autor, a variedade
mais importante da língua.
2.4 A GRAMÁTICA INTERNALIZADA POR CELSO PEDRO LUFT
Celso Pedro Luft foi um professor, gramático, filólogo, linguista e dicionarista
brasileiro e uma referência para os estudiosos da Gramática, da Língua Portuguesa e áreas afins. A
reflexão que vamos fazer, nesta seção, está fundamentada na obra Língua e Liberdade: por uma nova
concepção da língua materna. O autor indica, na obra, uma intensa transformação no sistema de
ensino no que pertence à prática da língua. Observamos que dois conceitos foram conectados, o de
língua e o de liberdade, para aplicá-los ao ensino da língua materna, já que é por meio da língua que
refletimos, avaliamos o mundo, associamo-nos e nos relacionamos em comunidade. Podemos relatar
que esta obra é a que mais se identifica com os pensamentos de Bakhtin. Assim como Bakhtin (2013),
Luft não era contra a gramática tradicional, mas era preocupado com o modo de se ensinar a língua
materna, com a fixação gramaticista e com a visão que as pessoas têm de que ensinar uma língua é
ensinar a escrever “certo”.
48
O livro de Luft que escolhemos descrever, não é uma gramática como as duas
analisadas anteriormente. A obra é composta por seis capítulos de artigos de jornal, escritos em
diferentes épocas, que tratam da importância da reestruturação do ensino de língua materna. Já na
apresentação, Luft declara que poderia parecer inusitado que um professor de Português, escritor de
gramáticas, e estudioso de problemas de Língua, escrevesse “contra” a Gramática na sala de aula. O
autor nos faz refletir sobre as aulas de português, o desânimo dos professores de gramática, o
insucesso do ensino e a má orientação do ensino de língua materna.
Penso ser urgentíssimo promover uma mudança radical em nossas “aulas de
Português”, ou como quer que as chamem: passando de uma postura normativa,
purista e alienada, à visão do aluno como alguém que já sabe a sua língua, pois a
maneja com naturalidade muito antes de ir à escola, mas precisa apenas liberar mais
suas capacidades nesse campo, aprender a ler e escrever, ser exposto a excelentes
modelos de língua escrita e oral, e fazer tudo isso com prazer e segurança, sem medo
(LUFT, 1995, p. 12).
De acordo com Luft, é necessário incentivar uma prática de ensino de língua materna
sem que os alunos e os professores se sintam apreensivos, com medo. Propõe que o ensino seja uma
troca entre docentes e discentes, sem ser um ensino repressor. Que seja desenvolvido, nos alunos, o
espírito crítico, deixando os estudantes se apaixonarem pela disciplina, não mais temendo não saber
português. O autor espera que o livro “promova debates, estudos e pesquisas em busca de
reformulações, por um ensino que faça o aluno desenvolver-se, não encolher convencido de que nada
sabe” (LUFT, 1995, p. 12).
Luft faz uma crítica à escola tradicional e relata que o estudo da língua como meio de
comunicação, atual, vivo e competente é raro. O linguista defende que devemos respeitar apenas as
regras básicas da Gramática, pois existem regras completamente dispensáveis que não colaboram
para eficiência comunicativa da língua.
Sobre o estudo da sintaxe, o autor nos explica que não só a sintaxe é uma questão de
uso, mas a língua toda: semântica, lexicologia, morfologia, fonologia e fonética, tudo é questão de
uso. Para Luft (1995, p. 17), “a língua é autodeterminada pelos usuários. Só o costume pode
determinar o que é certo e errado, não o veredito de gramáticos, eminentes que sejam”. Luft (1995)
explica que se a nossa fala ou nossa escrita tiver como objetivo comunicarmos algo, devemos fazê-
lo de maneira clara. Nas palavras de Luft, “às vezes carece sacrificar uma correção preconceituosa
em benefício da clareza” (LUFT, 1995, p. 17). Para o autor, o essencial é falar claro, escrever claro,
49
de maneira eficiente, a língua, e não ficar focado só em aprender as regras gramaticais. Assim, esse
autor adverte:
A boa comunicação verbal nada tem a ver com a memorização de regras de
linguagem nem com a disciplina escolar que trata dessas regras, e que geralmente,
em nossas escolas, toma o lugar do que deveriam ser as aulas de Português: leitura,
comentário, análise e interpretação de bons textos, e tentativa constante de produzir,
pessoalmente, textos bons - enfim, vivência criativa com o idioma (LUFT, 1995, p.
19).
O bem falar e o bem escrever estão diretamente relacionados ao bom uso da gramática,
entretanto, com a gramática natural, ou seja, a gramática que os falantes internalizam ouvindo e
falando. A gramática interiorizada é “aprendida pela experiência, pela exposição a atos de fala e
escrita modelares, convivência constante com boa linguagem” (LUFT, 1995, p. 20). Nas escolas,
observamos uma gramática aprendida através de teorias e regras. Um ensino normativo impede os
talentos naturais, provoca insegurança na linguagem, gera aborrecimento ao estudo do idioma, medo
à expressão livre, os alunos perdem o gosto pela disciplina de Português. O ensino da língua materna
deveria ser encantador, atraente, prático para ser usado em nossa vida diária. Para o autor, todo o
ensino de gramática precisa ser reformulado.
Não se trata de “ensinar” a língua materna, que o aluno já fala ao entrar na escola;
nem se pode, aliás, ensinar uma língua. O que cabe é ir aumentando a capacidade
comunicativa dos alunos, trabalhar muito com a língua, melhorando sempre mais e
tornando mais produtivo o manejo desse instrumento. Para os
possuidores/praticantes de uma gramática mais baixa, propiciar a internalização da
gramática mais alta com multiplicada exposição a bons textos (LUFT, 1995, p. 30).
O autor demonstra que temos um sistema de regras intuitivamente internalizado desde
a infância, e o vamos aprimorando à medida que nos desenvolvemos intelectualmente, e partilhando,
intuitivamente, entre membros da sociedade, mesmo aqueles que não vão ao colégio e nunca
aprenderam a ler. Conforme Luft, é preciso aperfeiçoar primeiramente a expressão oral dos alunos.
Em seguida, praticar e aprimorar a expressão escrita. O estudioso ressalta que as escolas permanecem
rotineiras e conservadoras nos acúmulos de significados, regras e exceções, classificação de palavras,
conjunções inusitadas, e muita análise sintática.
Luft diz ser compreensível que os livros didáticos e a disciplina de Português se
limitem às regras da língua culta, por terem finalidade didática. Mas o autor ressalta que é
fundamental dar atenção à plenitude ou totalidade da língua, que inclui variedades de tempo, região,
50
classe social, sexo e estilo. Em sua concepção, para estudar uma língua, basta o dom linguístico
natural, inato, de qualquer ser humano.
Para o autor, a criança e o falante que não frequentou a escola conhecem tudo aquilo
que devem para falar em seu nível de comunicação. Somente não têm o conhecimento de termos
técnicos. Ele reforça que a gramática natural, um saber imediato, sem nomenclatura, é um saber
intuitivo. Luft (1995) relata ainda que nunca é demais repetir que a gramática natural da língua é a
fala: um sistema de regras para a comunicação oral; a verdadeira linguagem é a fala. Para o autor, a
escrita é sinalização secundária, posterior, e que pode nem ocorrer. Luft indica que em um ensino
atualizado, a gramática natural da fala precisa sempre preceder, fundamentar, controlar a gramática
artificial da escrita. Em suma, a gramática natural é flexível e variável. Sob esse aspecto, o autor
resume sua proposta no excerto abaixo:
Ideias precisas e atualizadas sobre linguagem, língua e gramática, fala e escrita,
variedades idiomáticas sociais e culturais, registro de linguagem, constituem os
fundamentos imprescindíveis a todos os professores de línguas e em especial ao
professor de língua materna. Sobretudo, é da maior importância, pela repercussão no
ensino, tomar conhecimento do que é a internalização das regras da língua materna
nos primeiros anos de vida, aquilo que vai constituir o “saber linguístico do falante
nativo”, sua gramática interior, implícita, intuitiva (LUFT, 1995, p. 40).
Luft (1995) afirma que existem educadores, atualmente, que com empenho lutam para
reformular o ensino da língua materna, trazendo para a escola a gramática como instrumento de
comunicação, sendo importante desde a infância. Com os professores, desde cedo, aplicando uma
orientação linguística correta, as aulas de Português modificam-se num trabalho objetivo, livre e
produtivo. Por fim, afirma que “da mais alta importância é saber que desde bem cedo a criança é,
surpreendentemente, um adulto linguístico” (LUFT, 1995, p. 40). Conforme foi citado por Luft
(1995), as crianças conhecem e aplicam o vocabulário básico da língua e manejam sem esforço o
essencial da gramática, pela idade de quatro a seis anos. Luft reforça que os professores precisam ter
em mente que os alunos já trazem uma análise intuitiva. Sendo assim, precisam levar em conta que
“todo falante nativo sabe sua língua, apenas precisa desenvolver, crescer, praticar em outros níveis e
situações” (LUFT, 1995, p. 42).
Aqui observamos uma síntese de algumas falas do autor. “A verdadeira gramática é
um pré-requisito da fala e um sistema de regras que possibilita atos de comunicação verbal”, diz Luft
(1995, p. 87). O autor reafirma que quem fala conhece a gramática da língua; por intuição, às vezes
não se dá conta disso, mas sabe. Luft avalia os danos do ensino tradicional, questionando: Não seria
51
mais racional usar esse saber prévio para exercitar e aperfeiçoar a capacidade comunicativa? Na
proposta de Luft, “a meta das aulas de língua materna é conseguir que os alunos, apoiados em seu
conhecimento intuitivo da língua, desenvolvam e aprimorem sua capacidade comunicativa” (LUFT,
1995, p. 94). E destaca que um dos danos de um ensino de língua baseado em regras e teorias
gramaticais é a reação negativa do falante com sua própria língua.
Dessa forma, é muito importante, para o autor, que o aluno se desenvolva ao longo do
ensino. Para isso, o aluno não precisa aprender a língua de uma forma repreensiva e, sim, reforçar sua
gramática implícita, internalizada. Os alunos necessitam da chance de ler apropriados textos e
desvendar com os docentes e todos os colegas, as riquezas de sua língua. Assim, teremos um ensino
libertador, que é o grande objetivo de Luft nas aulas de Língua Portuguesa. Seu desejo é conscientizar
os alunos de seus poderes de linguagem; deste modo, os estudantes irão crescer, ampliar o espírito
crítico e expressar toda a sua capacidade criadora.
Com a presente reflexão, o que se percebe é o quanto é indispensável a revisão das
obras gramaticais. Dessa forma, entre as gramáticas analisadas, afirmamos a importância do uso da
descritiva. A gramática descritiva, como já foi citado, é de cunho científico e não tem o objetivo de
definir a forma certa de falar. Perini (2016) apresenta uma obra gramatical pautada em resultados de
uma pesquisa atual no que diz respeito à estrutura do português brasileiro. O autor aborda várias
reflexões sobre o ensino de gramática na escola e apresenta não apenas as noções de gramáticas que
geralmente encontramos, mas inclui explicações, reflexões que ajudam ao leitor a entender melhor
alguns conceitos.
Constatamos que a gramática de Perini (2016) esclarece muitas dúvidas deixadas pela
gramática normativa. É uma obra importante que necessita ser explorada pelos professores de
português, de uma forma questionadora, para que possa, assim, haver uma modificação no ensino de
língua portuguesa nas escolas. O ensino descritivo tem uma correlação com a pesquisa, pois nosso
objetivo é levar os alunos a um conhecimento consciente das estruturas da língua, não apenas à
memorização de conceitos e normas gramaticais.
52
3 O CAMINHO ESTILÍSTICO: da visão tradicional à perspectiva de Bakhtin
As formas gramaticais não podem ser
estudadas sem que se leve em conta seu
significado estilístico.
Bakhtin
Nesta seção, abordaremos os conceitos de estilo na visão tradicional. Observamos
que há muitas definições na conceituação de estilo. Por isso, faremos aqui um resumo de tais
discussões com o objetivo de esclarecer e refletir sobre as definições de estilo. Analisamos também
sobre o papel da estilística nas aulas de língua materna, a partir da proposta de Bakhtin.
3.1 OS CONCEITOS DE ESTILO NA VISÃO TRADICIONAL
Segundo o dicionário online de português, a palavra estilo no senso comum, muitas
vezes, é conhecida como um modo de vida, uma maneira de ser, o jeito de se vestir, segundo o estilo
de alguma época ou até mesmo o estilo musical. No campo da literatura, o estilo pode ser entendido
como um conjunto das qualidades características de uma obra, um autor, uma época. O conceito de
estilo, na história da arte, pode ter um significado amplo e, na maioria das vezes, vago. Interessante
sabermos a origem do termo. Etimologicamente, a palavra estilo vem do latim stilu(m), e indicava
uma pequena haste utilizada para escrever, um tipo de caneta que os antigos escreviam sobre
tabuinhas enceradas. Assim, uma nova ideia de escrita foi desenvolvida. O termo estilo passou a
indicar o modo particular de escrever ou falar de uma pessoa.
Puzzo (2015) explicou sobre algumas épocas em que a palavra estilo foi empregada.
Na tradição clássica, o conceito de estilo tinha a finalidade de guiar os autores na arte de bem escrever.
No Romantismo, o estilo foi considerado um elemento fundamental na obra de arte. “Entendido nessa
perspectiva, ele seria o resultado da genialidade criativa do autor, expressando o homem em sua
atividade artística” (PUZZO, 2015, p. 173). A autora conta que, na época clássica, o estilo
correspondia aos gêneros: lírico, épico e dramático, de acordo com definição de Aristóteles.
Para Martins (2012), as definições de estilo são inúmeras e cada estudioso procura
defini-lo de acordo com sua forma de pensar e seus critérios. Por exemplo, “Georges Mounin reúne
53
as definições de estilo em três grupos: 1- as que consideram estilo como desvio da norma; 2- as que
o julgam como elaboração; 3- as que o entendem como conotação” (MARTINS, 2012, p. 18). O autor
Nils (NILS apud MARTINS, 2012, p. 18) define estilo em seis grupos:
1- estilo como adição, envoltório do pensamento.
2- estilo como escolha entre alternativas de expressão.
3- estilo como conjunto de características individuais.
4- estilo como desvio de norma.
5- estilo como conjunto de características coletivas (estilo de época).
6- estilo como resultado de relações entre entidades linguísticas formuláveis em
termos de textos mais extensos que o período.
Em meio aos estudos sobre a estilística, alguns escritores analisam o estilo na
literatura, “outros nos diversos usos da língua; alguns relacionam o estilo ao autor, outros à obra,
outros ainda ao leitor, que reage ao texto literário; alguns se concentram na forma da obra ou do
enunciado, outros a totalidade forma-pensamento” (MARTINS, 2012, p. 18). A professora Martins
(2012) realizou uma pesquisa bibliográfica sobre as diversas acepções e comentários a respeito do
estilo (MARTINS, 2012, p. 18-19):
O estilo é o homem. (Buffon);
O estilo é o pensamento. (Rémy de Gourmont);
O estilo é a obra (R.A. Sayce);
Estilo é a expressão inevitável e orgânica de um modo individual de experiência.
(Murray);
Estilo é o que é peculiar e diferencial numa fala. (Dámaso Alonso);
Estilo é a qualidade do enunciado, resultante de uma escolha que faz, entre os
elementos constitutivos de uma dada língua, aquele que a emprega em uma
circunstância determinada. (Marouzeau);
O estilo é compreendido como uma ênfase acrescentada à informação veiculada
pela estrutura linguística sem alteração de sentido. O que quer dizer que a língua
exprime e o estilo realça. (Riffaterre);
O estilo de um texto é o conjunto de probabilidade contextuais dos seus itens
linguísticos. (Archibald Hill);
Estilo é surpresa. (Kibédi Varga);
Estilo é expectativa frustrada. (Jakobson);
Estilo é o que está presente nas mensagens em que há elaboração da mensagem
por si mesma. (Jakobson);
Estilo é o aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos meios de expressão,
determinada pela natureza e pelas intenções do indivíduo que fala ou escreve.
(Guiraud);
54
Estilo é o conjunto objetivo de características formais oferecidas por um texto
como resultado da adaptação do instrumento linguístico às finalidades do ato
específico em que foi produzido. (Herculano de Carvalho);
Estilo é a linguagem que transcende do plano intelectivo para carrear a emoção e a
vontade (Mattoso Câmara).
Diante dessas definições, observamos que, no cenário escolar, o estilo também está
presente. De acordo com Lima (2012), nas aulas de português e redação podemos encontrar várias
incertezas e questionamentos quando vamos ensinar ou fazer uma avaliação de um texto. A autora
cita algumas perguntas como exemplo: “Onde está o estilo de um texto: na suposta originalidade ou
nos traços linguísticos que o fazem ser parte de um grupo seleto de bons textos? É possível apontar
as marcas do estilo”? (LIMA, 2012, p. 40). Essas dúvidas são diárias, principalmente na correção de
textos e nas avaliações, que geralmente são classificados como corretos ou incorretos, indicando para
uma compreensão de ensino voltado para a gramática tradicional. “É comum que se consiga dizer
que um texto é envolvente ou desinteressante, agradável ou desagradável, e ainda apontar os motivos
para tais impressões” (LIMA, 2012, p. 40).
Sobre a estilística tradicional, a escritora Martins (2012) assegura que foi, no século
XX, que se tornou uma disciplina ligada à estilística. E esclarece que, nas primeiras décadas do século
XX surgiram dois grandes mestres que “lideram duas correntes de grande importância. Charles Bally,
doutrinador da estilística da língua, e Leo Spitzer, figura exponencial da estilística literária”
(MARTINS, 2012, p. 20). Na obra Introdução à estilística, a escritora reuniu vários estudos e
experiências em cursos de Estilística Portuguesa. Martins (2012) tratou de temas como: A Estilística
da Língua, A Estilística como Sociolinguística, A Estilística Literária, A Estilística Funcional e
Estrutural, Estilística e Retórica. Iremos fazer uma breve análise sobre cada uma delas.
A Estilística da Língua: O mestre Charles Bally “volta-se para os aspectos afetivos da
língua falada, da língua a serviço da vida humana, língua viva, espontânea, mas gramaticalizada,
lexicalizada, e possuidora de um sistema expressivo” (MARTINS, 2012, p. 20). Notamos que Bally
não aprova o ensino da língua, amparado somente na gramática normativa e na literatura. É
importante ressaltar que ele foi o primeiro a diferenciar o conteúdo linguístico do conteúdo estilístico.
Para Martins (2012), o autor não estuda o discurso (parole), no aspecto individual da língua, mas
estuda o sistema expressivo da língua coletiva (langue). Dessa forma, a Estilística da Língua “se
ocupa da descrição do equipamento expressivo da língua como um todo, opondo a sua estilística ao
estudo dos estilos individuais e afastando-se, portanto, da literatura” (MARTINS, 2012, p. 21).
55
A Estilística como Sociolinguística: Para os autores David Crystal e Derek Davy, a
estilística é uma parte da linguística que analisa algumas partes da variação linguística. Segundo os
autores, “cabe à estilística estudar as variedades, quer da língua falada, quer da língua escrita,
adequada às diferentes situações e próprias de diferentes classes sociais” (MARTINS, 2012, p. 23).
Os autores citam, para exemplificar, que em diversas situações usamos tipos de variedades de
linguagem diferentes: A nossa fala com uma criança é diferente da nossa fala com um adulto. Uma
conversa em família é diferente de uma apresentação científica. Sendo assim, os escritores afirmam
que “estilística é sociolinguística, e pode ser útil a muita gente: ao sociólogo, ao psicólogo, aos
filósofos, ao crítico literário, às pessoas comuns, enfim, a todos os interessados no uso da linguagem
na sociedade” (MARTINS, 2012, p. 23).
A Estilística Literária: Iniciada por Leo Spitzer, além do termo literária podemos
chamá-la de idealista, psicológica e genética. O autor constituiu uma ligação entre a filologia e a
literatura, que seria a estilística. A estilística, para o autor tem uma reflexão, de base psicologista,
“sobre os desvios da linguagem em relação ao uso comum; uma emoção, uma alteração do estado
psíquico normal provoca um afastamento do uso linguístico normal; um desvio da linguagem usual
é, pois, indício de um estado de espírito não habitual” (MARTINS, 2012, p. 24). Podemos observar
que o estilo de Spitzer, “a sua maneira individual de expressar-se reflete o seu mundo interior, a sua
vivência” (MARTINS, 2012, p. 24).
A Estilística Funcional e Estrutural: Foi desenvolvida por Roman Jakobson. A
estilística funcional está relacionada às funções da linguagem, e a estrutural está ligada às relações
dos elementos do texto. Martins (2012) esclarece que o autor fez uma substituição nos termos
estilística e estilo, substituindo-os por poética e função poética. “O objeto da poética é esclarecer o
que é que faz da mensagem verbal uma obra de arte; a distinção do que é artístico do que não é
artístico. A poética é uma parte da linguística, pois se ocupa de estruturas linguísticas” (MARTINS,
2012, p. 29).
Estilística e Retórica: O filósofo grego Aristóteles foi quem escreveu uma obra
extensa e importante a respeito da retórica. O autor analisou, discutiu e ordenou todos os tópicos da
arte do discurso, de modo prático. Aristóteles explica que a retórica é inicialmente uma técnica de
argumentação. Sobre o estilo, assegura “ser a clareza, que se alcança pelo emprego dos termos
próprios, a sua principal virtude, e afirma: Se o discurso não tornar manifesto o seu objeto, não cumpre
a sua missão. O orador deve adequar o estilo às diferentes situações” (MARTINS, 2012, p. 36). No
século XX, em torno do ano 1960, Martins (2012) esclarece que a retórica foi revalorizada, e fizeram
56
uma “nova avaliação da sua contribuição ao estudo dos fatos da linguagem” (MARTINS, 2012, p.
38). Por fim, o linguista Pierre Guiraud apresenta um breve comentário sobre seus estudos em
retórica: “A retórica é a Estilística dos antigos; é uma ciência do estilo, tal como então se podia
conceber uma ciência” (GUIRAUD apud MARTINS, 2012, p. 38).
Em resumo, podemos observar que existem várias abordagens para explicar sobre a
estilística. A seguir, é brevemente, analisado o conceito de estilo a partir do pensamento bakhtiniano
que, de acordo com Brait (2012, p. 80), instaura uma produtiva “polêmica com vertentes clássicas da
linguística e da estilística, bem como com as filosofias que as fundamentam, em análises de diferentes
autores, gêneros e particularidades das relações inter e intradiscursos”.
3.2 ESTILO NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA
Esse elemento constitutivo da linguagem, esse início que governa a produção e o
entendimento dos sentidos, “essa fronteira em que eu/outro se interdefinem, se interpretam, sem se
confundirem, esse é um dos conceitos centrais do estilo, no conjunto das reflexões bakhtinianas,
dialógicas”, segundo Brait, (2012, p. 80). A autora expõe que, para compreender os conceitos de
estilo, é preciso percorrer algumas obras do círculo de Bakhtin, considerando o modo como, em cada
uma delas, a questão do estilo relaciona-se a pensamentos, estudos, concepções e categorias
específicas, adotando aspectos que, somados, “contribuem para uma melhor compreensão da forma
de ser a linguagem que carrega consigo uma concepção de linguagem social, histórica, cultural”
(BRAIT, 2012, p. 80).
A noção de estilo vai se desenvolvendo ao longo da obra do círculo de Bakhtin e, ao
mesmo tempo, o autor estabelece críticas e discussões sobre as vertentes clássicas da linguística, “bem
como as filosofias que as fundamentam, quer em afirmações teóricas, quer em análises de diferentes
autores, gêneros e particularidades das relações inter e intradiscursos” (BRAIT, 2012, p. 80). Sendo
assim, de acordo com Brait (2012), algumas obras foram alvo de reflexões, avaliando o modo como
cada autor analisou o conceito de estilo, sendo O discurso na vida e o discurso na arte (1926), Estética
da criação verbal (1992), O autor e o herói na atividade estética (1992) e, ainda, Os gêneros do
discurso (1992), Marxismo e filosofia da linguagem (1997), Problemas da poética de Dostoiévski
57
(1997), Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (1988), A cultura popular na Idade
Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais (1987).
É necessário acentuar que Bakhtin, ao analisar as obras dos escritores russos citados,
avaliou-as, de uma forma diferente e nova, inserindo seu olhar dialógico, mas investigando as
características e o modo singular de escrever de cada autor, oferecendo um novo ponto de vista sobre
o estudo da estilística. Sendo assim, de acordo com a pesquisadora Brait (2012), para estudar o estilo
dos escritores Dostoiévski e François Rabelais, Bakhtin analisa a tradição literária e não literária e
nela localiza os elementos, para investigar as singularidades e dar início a um novo ponto de vista
estilístico e uma nova visão das produções literárias.
Em Problemas da poética de Dostoiévski, Bakhtin exibe que as questões estilísticas
precisam ir além da análise puramente linguística. A busca do autor é no sentido de saber sob qual
ângulo dialógico se confrontam os elementos ou caracterizadores de um estilo em uma obra,
enunciado ou em um texto. E, de acordo com Bakhtin, conforme citado por Brait (2012, p. 81), “o
ângulo dialógico não pode ser estabelecido por meio de critérios genuinamente linguísticos, porque
as relações pertencem ao campo do discurso”.
A estilística deve basear-se não apenas e nem tanto na linguística quanto na
metalinguística, que estuda a palavra não no sistema da língua e nem num “texto”
tirado da comunicação dialógica, mas precisamente no campo propriamente dito da
comunicação dialógica, ou seja, no campo da vida autêntica da palavra. A palavra
não é um objeto, mas um meio constantemente ativo, constantemente mutável da
comunicação dialógica. Ela nunca basta a uma consciência, a uma voz (BAKHTIN
apud BRAIT, 2012, p. 81).
Para Bakhtin (2010), o estilo excede a análise linguística de uma obra, visto que ele
pertence ao campo das relações dialógicas. O autor afirma que esse conhecimento precisa ser
expandido no campo da comunicação dialógica, pois a palavra está sempre passando de “boca em
boca, de um contexto para outro, de um grupo social para outro, de uma geração para outra”
(BAKHTIN, 2010, p. 234). Precisamos estudar a linguagem não só no aspecto linguístico, mas
também em seu uso vivo. Dessa forma, entender estilo conduz-nos a pensar o motivo pelo qual tal
escolha linguística foi feita, qual a intenção tivemos para que fossem eleitas, uma vez que o estilo
produz efeitos de sentidos que precisam “ser apreendidos quando analisamos um enunciado, já que o
significado que esse enunciado traz não foi construído de forma aleatória, mas foi, antes, arquitetado
para validar a intenção do enunciador” ( DOMENES, 2007, p. 4).
58
Na obra A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais, Bakhtin revelou que o poeta tinha um estilo grotesco, um modo discursivo familiar, uma
linguagem da praça pública, estabelecendo relações existentes entre a palavra na vida e na arte.
Bakhtin explica que “a linguagem familiar da praça pública caracterizava-se pelo uso frequente de
grosserias, ou seja, de expressões e palavras injuriosas, às vezes bastante longas e complicadas”
(BAKHTIN, 2008, p. 15).
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, assinado Voloshinov, o estilo surge, trazendo
um estudo aprofundado e contemporâneo referente “as formas de transmissão do discurso de outrem,
contrapondo-se à leveza redutora e mecânica com que eram tratados os discursos direto, indireto e
indireto livre” (BRAIT, 2012, p. 82). Bakhtin (Voloshinov) debate sobre a compreensão ativa do
discurso, a inter-relação do contexto narrativo com o discurso citado. Destaca aqui o estilo linear e o
estilo pictórico. “No estilo linear a orientação é criar contornos exteriores nítidos à volta do dicurso
citado; no estilo pictórico a tendência é atenuar os contornos exteriores nítidos da palavra de outrem”
(LIMA, 2012, p. 45). O estilo apresenta-se como uma das formas possíveis do discurso citado, que
tem uma realidade histórica, e não permanecem iguais ao longo do tempo, mas admitem a condição
de estilo, constatando a ideia de que esse, distante de se “esgotar na autenticidade de um indivíduo,
inscreve-se na língua e em seus usos historicamente situados” (BRAIT, 2012, p. 83).
O texto Discurso na vida e discurso na arte, firmado por Voloshinov, apresenta uma
análise reflexiva, inovadora sobre estilo e que condiz com a compreensão dialógica da linguagem.
“Tomando como interlocutor o mais clássico dos ditos sobre estilo, e, portanto, disparando o
confronto com ninguém menos que Buffon” (BRAIT, 2003, p. 4), o autor faz a seguinte declaração:
O estilo é o homem, dizem; mas poderíamos dizer: o estilo é pelo menos duas pessoas
ou, mais precisamente, uma pessoa mais seu grupo social na forma do seu
representante autorizado, o ouvinte - o participante constante na fala interior e
exterior de uma pessoa (VOLOSHINOV; BAKHTIN apud BRAIT, 2012, p. 93).
Dessa forma, Brait (2003), com base na explicação anteriormente exposta, considera
que o estilo é social e que essa compreensão deixa de ser refletida com base em uma produção vestida
na sua individualidade, e agora estilo implica interação, o que vem ao encontro da concepção
dialógica da linguagem proposta por Bakhtin. Ou seja, estilo “está necessariamente implicado em
qualquer interação, em qualquer atividade de linguagem e não apenas na atividade literária. Parecendo
ser a consequência mais importante para os estudos linguísticos” (BRAIT, 2003, p. 4). A autora
acrescenta que, posteriormente, o pensamento bakhtiniano vai estudar em detalhes o que é a
59
linguagem refletida como atividade, “dentro de atividades específicas, o que vai motivar a inclusão
do conceito de esfera de produção e, consequentemente, a de circulação e recepção e, ainda, a relação
entre enunciação e interação, gênero e uso, temas, forma composicional e estilo” (BRAIT, 2003, p.
4-5).
Destacamos também que a obra Discurso na vida e discurso na arte faz referência à
poética clássica, evidenciando a natureza social e avaliativa da arte, envolvendo num evento artístico
o autor, o herói e o ouvinte como participantes essenciais de uma obra, determinando-lhe a força viva
que define a forma e o estilo. Em termos gerais, o autor, o herói e o ouvinte não podem, segundo
Bakhtin/Voloshinov (1926), ser compreendidos como elementos fora da obra de arte. Na obra
artística, são elementos ativos e concretizam a realidade vivida. De acordo com Brait (2012, p. 84),
“o estilo de uma obra poética está impregnado da atitude avaliativa do autor”, ou seja, o texto nos
mostra que “não se trata da avaliação ideológica incorporada ao conteúdo na forma de julgamentos,
mas àquela espécie mais entranhada, mais profunda de avaliação via forma que encontra expressão
na própria maneira pela qual o material artístico é visto e disposto” (BRAIT, 2012, p. 84).
A autora nos explica que “um papel muito importante vai ser conferido ao “ouvinte”,
ao destinatário, que será considerado como ocupante de uma posição especial, que diz respeito tanto
ao autor como ao herói” (BRAIT, 2012, p. 84). Sendo assim, o ouvinte, também, é compreendido
como o ouvinte que o próprio autor leva em consideração, aquele a quem a obra é direcionada e que,
por consequência, interiormente determina a estrutura da obra. Podemos notar que
Bakhtin/Voloshinov estabelecem o diálogo como a ponte de acesso do estilo. “É a relação responsiva
contínua entre o ouvinte, o autor e o herói que acaba por constituir a tessitura de um texto”
(VOLOSHINOV apud LIMA, 2012, p. 48).
Estética da criação verbal, no texto O autor e o herói na atividade estética, foi escrito
entre 1920-1930 e firmado por Bakhtin. Para Brait (2012), o estilo aqui é marcado como conjunto
operante de procedimentos de acabamento. A escrita se sobressai, consistindo em ser a relação do
autor com a língua e, portanto, sua forma de uso da língua. Brait (2012) explica que, por meio de
material impresso, revela-se a relação do autor com a vida, isto é, “o estilo artístico aqui não trabalha
com palavras, mas com os componentes do mundo, com os valores do mundo e da vida” (BRAIT,
2012, p. 87, grifo da autora). E complementa que o estilo pode ser definido “como o conjunto dos
procedimentos de formação e de acabamento do homem e do seu mundo. E é esse estilo que
determina, também, a relação com o material, com a palavra” (BRAIT, 2012, p. 87, grifo da autora).
Bakhtin chama de estilo “a unidade constituída pelos procedimentos empregados para dar a forma e
60
acabamento ao herói e ao seu mundo e pelos recursos, determinados por esses procedimentos,
empregados para elaborar e adaptar um material” (BAKHTIN apud BRAIT, 2012, p. 87).
No texto Os gêneros do discurso, escrito entre 1952-1953, Bakhtin revela que, para
explicar os gêneros discursivos, uma das questões notáveis é o fato de que eles percorrem por todas
as atividades humanas e precisam ser refletidos, culturalmente.
De acordo com Bakhtin (apud BRAIT, 2012), todo estilo está interligado ao enunciado
e aos gêneros do discurso. Sendo assim, todo enunciado, sendo oral ou escrito, está relacionado ao
gênero primário ou secundário e a um ou outro campo da comunicação discursiva. Bakhtin considera
que “o estilo também depende do tipo de relação existente entre o locutor e os outros parceiros da
comunicação verbal” (BRAIT, 2012, p. 89). Ou seja, com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o
discurso do outro etc. “Mesmo no caso dos gêneros altamente estratificados, sua diversidade deve-se
ao fato de eles variarem conforme as circunstâncias, a posição social e o relacionamento pessoal dos
parceiros” (BRAIT, 2012, p. 89). A autora explica que existe também o estilo familiar que admite
diversos graus de familiaridade e de intimidade. Ainda em Gêneros do discurso, a concepção de
destinatário foi esclarecida por Bakhtin e seu Círculo. Eles explicaram que “o estilo depende do modo
que o locutor percebe e compreende seu destinatário e do modo que ele presume uma compreensão
responsiva ativa: este destinatário pode ser o parceiro e interlocutor direto do diálogo na vida
cotidiana, pode ser o conjunto diferenciado de especialistas” e vários outros (BAKHTIN apud
BRAIT, 2012, p. 95).
Para finalizar, Brait nos resume como se dá com o conceito bakhtiniano de estilo: “ele
não pode separar-se da ideia de que se olha um enunciado, um gênero, um texto, um discurso, como
participante, ao mesmo tempo, de uma história, de uma cultura e da autenticidade de um
acontecimento, de um evento” (BRAIT, 2012, p. 96), o que propicia uma visão da estilística situada
na concepção dialógica, princípio que conduz as relações constitutivas do sujeito e, de seu estilo.
3.3 O PAPEL DA ESTILÍSTICA NAS AULAS DE LÍNGUA MATERNA
O ensino de gramática, há algum tempo, vem despertando muitas vozes que debatem
a maneira como tem sido a metodologia utilizada pelos professores no ensino aprendizagem da língua
materna no Brasil. A questão se tornou muito popular entre os educadores, que chegaram até a se
perguntar se “a gramática continua valendo, mesmo com tantas críticas de muitos linguistas e também
escritores” (PERNAMBUCO, 2017, p. 184). O autor nos afirma que a gramática é a nossa maior
61
referência de padronização da língua, pois, quando procuramos formas de expressão na fala
considerada culta, é na norma padrão que temos que recorrer. Pernambuco (2017) deixa claro que o
problema é usar a gramática tradicional de modo inadequado. “É confundi-la como se ela fosse
sinônimo da própria língua, quando, na verdade, ela quer ser serva do uso da língua”
(PERNAMBUCO, 2017, p. 184). O pesquisador ainda ressalta que a gramática segue valendo como
um referencial para o bom uso da norma padrão.
Entretanto, é viável dizer que, no ambiente escolar, a gramática normativa ainda é
estudada como o único método para escrever melhor, ler melhor e falar devidamente bem. Uma frase
que chama bastante atenção e que, na maioria das vezes, define a norma culta instruída nas escolas é:
“Ame a norma de prestígio e aprenda-a, pois é o único meio de ascensão social” (SOUZA, 2007, p.
38). Notamos vários exercícios gramaticais fora do contexto e isolados, cujo objetivo é a reprodução
e repetição. “Quando a escola adota a gramática normativa como diretriz de ensino, descarta as
variações linguísticas representadas na pessoa dos alunos, como sendo “normais”, aceitáveis do ponto
de vista de produtoras de linguagem” (SOUZA, 2007, p. 38). A autora afirma que a língua não deve
ser conhecida, na escola, como um conjunto de regras linguísticas abstratas, como um sistema único,
uma norma rígida, visto que, de acordo com Bakhtin, “a língua vive e evolui historicamente na
comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no
psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN apud SOUZA, 2007, p. 38).
Priorizando a normatividade, a escola colabora para a insegurança linguística dos
estudantes, não deixando que eles desenvolvam sua autonomia e individualidade linguística.
Constatamos que os discentes têm medo da disciplina de língua portuguesa e, na maioria das vezes,
não gostam da aula e dizem que o português é difícil e chato. Os alunos não se identificam com uma
língua que foca na repetição, memorização e reprodução em sala de aula. É recorrente estudarem
somente para cumprirem com seu papel de irem bem nas provas e depois acabam esquecendo a
matéria no outro dia. Souza (2007) comenta uma abordagem importante, fazendo-nos pensar em um
ensino de faz de conta, ou seja, “faz de conta que sei para poder passar de ano”, como se o aluno
dissesse ao professor: “Tu finges que ensinas e eu finjo que aprendo” (SOUZA, 2007, p. 39). O
método escolar, como está inserido, não beneficia a interação na sala de aula. “Pelo contrário, as
instâncias de controle via fazer pedagógico contribuem para o despojamento da identidade do aluno,
uma vez que dele é esperado que (re)produza o discurso do professor, numa atitude passiva” (SOUZA,
2007, p. 39-40). Estudar a língua materna deveria ser uma forma de interação, libertação. No entanto,
constatamos que esse estudo é opressivo, impessoal e seu método é livresco.
62
Sendo assim, o ensino de gramática sempre foi um ponto de críticas e iniciativas na
busca por uma aprendizagem da língua de modo mais reflexivo e funcional. Dentre esses estudos,
estão as reflexões do russo Mikhail Bakhtin, que nos fascina, ao revelar sua pesquisa feita quando foi
professor do ensino médio, função que desempenhou no interior da Rússia durante a Segunda Guerra
Mundial. A obra Questões de estilística no ensino de língua foi publicada em tradução direta do
russo por Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, e com apresentação de Beth Brait pela Editora
34. O livro nos viabiliza apontamentos relevantes acerca do ensino de língua, com o objetivo de
desenvolver um fazer pedagógico que estimule nos alunos a sua individualidade linguística, o gosto
pelas aulas de português livres da linguagem livresca.
O ensino de gramática, gera muitas dúvidas e as escolas acabam reproduzindo o
método tradicional. Deste modo, as reflexões de Bakhtin são importantes e podemos afirmar que são
contemporâneas, uma vez que nos conduzem a (re)pensar a prática tradicional do ensino de língua
materna, tão discutida na atualidade. Podemos dizer que Bakhtin estava vigilante e preocupado com
o ensino que, “tratando abstratamente a língua, não lograva de fato ensinar seu comportamento vivo
aos alunos” (BAKHTIN apud BRAIT, 2013, p.11). Para Bakhtin, o lugar que o ensino da gramática
ocupa na escola necessitava de ser revisto, analisando que uma certa estilística poderia, “se articulada
à gramática, auxiliar os professores e levar os alunos a um conhecimento ativo de procedimentos
característicos da língua literária e, também, da língua do cotidiano, da língua viva, em uso”
(BAKHTIN apud BRAIT, 2013, p. 11). O professor Bakhtin (2013) nos afirma que cabe, aos
docentes, auxiliar os alunos no processo de nascimento da sua individualidade linguística. E alega
que vários colegas de trabalho de seu período de atuação como professor não trabalhavam para
estabelecer essa ligação entre a estilística e a gramática.
Uma importante ferramenta utilizada em sala de aula é o livro didático e, em sua época,
Bakhtin já fazia críticas relacionadas aos manuais. Brait nos lembra que “os livros que concorrem
hoje os programas oficiais do governo não correspondem, enquanto volume de investimento público
e privado, a índices de melhora na leitura e produção escrita e oral dos alunos” (BAKHTIN apud
BRAIT, 2013, p. 13). Segundo Bakhtin, “os exercícios do manual desorientam tanto os professores
quanto os alunos. Os exercícios, que parecem ser orientados aos aspectos estilísticos e relacionados
com a seleção dos sinônimos gramaticais, de fato não abordam esses aspectos” (BAKHTIN apud
BRAIT, 2013, p. 13). Os alunos, em certos exercícios, não entendiam para que eles serviriam na vida,
no seu dia a dia. Bakhtin então propôs uma metodologia em suas aulas, tentando articular a concepção
63
dialógica de linguagem e o aprendizado para o ensino de questões de gramática estabelecidas pelo
programa oficial.
Enquanto professor de língua russa, Bakhtin realizou uma análise com seus alunos,
associando o conteúdo de sintaxe a uma abordagem estilística. O estudioso fez um plano
metodológico, um guia para auxiliar o professor e abordou o uso de uma estrutura gramatical em
particular: o período composto por subordinação sem conjunção. Brait relata que o pesquisador
“registrava durante suas aulas o comportamento linguístico dos alunos, levando em conta os
resultados para preparar seus cursos” (BAKHTIN apud BRAIT, 2013, p. 14). O objetivo do autor,
segundo Brait, era que os alunos percebessem “o que muda quando escolho esta ou aquela palavra,
esta construção sintática em lugar de outra” (BAKHTIN apud BRAIT, 2013, p. 14). A finalidade do
autor também era desenvolver a interação professor e aluno como método de elaboração dessa
compreensão gramatical e estilística. Bakhtin, preocupado com o conteúdo das aulas de língua
materna, que era a gramática pura que prevalecia em seu país, aplicou um ensino produtivo de
gramática, para que os alunos pudessem aprender a usar a língua de maneira criativa. Isso era possível,
segundo o estudioso, quando se leva em conta o significado estilístico dos aspectos sintáticos da
língua:
As formas gramaticais não podem ser estudadas sem que se leve sempre em conta
seu significado estilístico. Quando isolada dos aspectos semânticos e estilísticos da
língua, a gramática inevitavelmente degenera em escolasticismo. Nos tempos atuais
essa afirmação, em sua formulação geral, já soa como um truísmo. Entretanto, no
que diz respeito ao seu emprego concreto na prática educacional, a questão está longe
do ideal. Na prática, muito raramente o professor dá e sabe dar explicações
estilísticas para as formas gramaticais estudadas. Às vezes ele até aborda a estilística
nas aulas de literatura (aliás, muito pouco e de modo superficial), mas o conteúdo
das aulas de língua materna é a gramática pura.
[...]
Sem a abordagem estilística, o estudo da sintaxe não enriquece a linguagem dos
alunos e, privado de qualquer tipo de significado criativo, não lhes ajuda a criar uma
linguagem própria; ele os ensina apenas a analisar a linguagem alheia já criada e
pronta [...] (BAKHTIN, 2013, p. 23-28).
Sendo assim, é concebível esclarecer que os aspectos semânticos e estilísticos no
ensino de gramática, tal qual recomenda Bakhtin, faz-nos inferir que o autor não ficou só preocupado
em ensinar conceitos e termos, mas foi direcionando o ensino de gramática, segundo Faraco, em um
caminhar que vai provocar a intuição e a reflexão dos alunos. Bakhtin levou para a sala de aula um
ensino que é direcionado também para a vida do aluno, e não baseado somente em uma língua
idealizada, que geralmente é a mais conhecida pelos próprios alunos e pelas pessoas. Faraco (apud
64
BAKHTIN, 2013) reitera que Bakhtin queria vencer o tédio e a esterilidade do ensino tradicional de
gramática. Dessa forma, os estudantes devem ter conhecimento da funcionalidade da língua, precisam
saber suas várias possibilidades de uso, precisam apreender sobre os aspectos estilísticos positivos e
negativos.
Dessa maneira, o pesquisador fez uma análise minuciosa de trezentas redações, para
conferir se ocorreu a utilização de período composto por subordinação sem conjunção. A pesquisa
foi realizada por duas turmas de oitava série (1º ano do Ensino Médio) em que lecionava. Com o
mesmo intuito, também examinou oitenta redações de alunos da 10ª série (3º ano do Ensino Médio).
Ao fim da observação de todo o material, Bakhtin diz que “em todas as redações ocorreram apenas
três casos de utilização de período composto por subordinação sem conjunção” (BAKHTIN, 2013, p.
28). Bakhtin esclarece que essa realidade aconteceu porque “o significado estilístico do período
composto sem conjunção não foi devidamente abordado na sétima série. Os alunos não sabiam seu
valor” (2013, p. 29).
Diante do ocorrido, o autor foi trabalhando com os alunos, fazendo com que eles
pegassem gosto e apreciassem o período composto sem conjunção como um meio de expressão
linguística diferente e que permite ao aluno explorar a língua de forma mais criativa e interessante
para o aluno. Para o autor, trabalhar a abordagem estilística, em sala de aula, é necessário. No
ambiente escolar seria muito interessante os estudantes aprenderem em quais condições, por exemplo,
“uma oração subordinada adjetiva pode ser transformada em um particípio e quando tal mudança é
impossível, além de tomar conhecimento da técnica gramatical dessa conversão” (BAKHTIN, 2013,
p. 25). Por conseguinte, o autor queria que os alunos apreciassem o período composto sem conjunção,
por intermédio de uma minuciosa análise estilística das características e benefícios dessa forma. Por
esse motivo, e pelas suas observações e experiência, organizou sua pesquisa, baseando-se em um
estudo detalhado de três frases retiradas de autores consagrados da literatura russa, sendo elas:
1) Triste estou: o amigo comigo não está. (Púchkin).
2) Ele começa a rir – todos gargalham. (Púchkin).
3) Acordei: cinco estações tinham ficado para trás. (Gógol) (BAKHTIN, 2013, p.
30)
Bakhtin (2013, p. 30-33), então, realiza uma série de atividades específicas com
relação ao conteúdo, analisando com os discentes a importância da estilística. Inicia sua análise da
seguinte forma:
65
1) Transformando o período composto por subordinação sem conjunção em um
período composto com a conjunção “porque”;
2) Refletindo qual é a diferença entre a oração com conjunção e a oração sem
conjunção;
3) Realizando um estudo gradual das razões da perda da expressividade na frase
alterada.;
4) Abordando a influência das conjunções subordinativas no contexto mais amplo
do período;
5) A partir da análise feita, os alunos tiraram suas próprias conclusões, refletindo
sobre a substituição da oração sem conjunção por orações com conjunções.
Bakhtin apresentou as seguintes mudanças estilísticas sobre a primeira frase:
a) A relação lógica entre as orações simples, revelada e posta em primeiro plano,
enfraqueceu a relação emocional e dramática entre a tristeza do poeta e ausência do
amigo – na primeira oração.
b) Diminui-se drasticamente a carga entonacional, tanto em cada uma das palavras
quanto em todo o período: o papel da entonação foi substituído pela conjunção lógica
fria; agora, há mais palavras no período, porém bem menos espaço para a entonação.
c) A dramatização da palavra por meio da mímica e do gosto tornou-se impossível.
d) Diminui-se a capacidade do discurso de produzir imagens.
e) O período parece ter passado ao registro mudo, tornou-se mais adaptado à leitura
silenciosa do que à leitura expressiva em voz alta.
f) A oração perdeu sua concisão e se tornou menos agradável aos ouvidos.
(BAKHTIN, 2013, p. 33-34)
Na segunda frase, Ele começa a rir – todos gargalham, Bakhtin destaca os seguintes
aspectos:
1) A dramaticidade é própria da frase, porém não é emocional, como na primeira, mas
dinâmica;
2) O autor chamou a atenção dos alunos para a laconicidade excepcional: duas orações
simples formadas pelos termos essenciais e apenas seis palavras;
3) Por fim, conclui que o período sem conjunções não narra um acontecimento, mas o
apresenta de modo dramático, diante de nós, por meio da própria forma de sua
composição.
Na análise do terceiro exemplo, no período de Gógol “Acordei: cinco estações tinham
ficado para trás”, Bakhtin revela que o dramatismo dinâmico é expresso de forma ainda mais
evidente. “Na leitura do texto gogoliano, é necessário transmitir, com certo exagero entonacional, a
surpresa agradável do viajante que acabara de acordar” (2013, p. 36). Na apresentação dessa frase, a
mímica e o gesto pedem para serem usados. Bakhtin então vai analisando o período com seus alunos,
66
reformulando e anotando no quadro as alterações. Depois de debater com os alunos, eles optaram
pela seguinte frase “Quando eu acordei, verificou-se que cinco estações já tinham ficado para trás”.
O autor mostra aos alunos que a expressividade da frase é perdida na alteração do período com
conjunção. Vale afirmar que este período está correto, mas foi válida a análise, para os estudantes
notarem que a frase se torna mais seca e inexpressiva, sem a dramaticidade. Segundo Bakhtin, “todas
as expressões, imagens e comparações metafóricas murcham e perdem sua expressividade no
ambiente frio criado por conjunções subordinativas e locuções conjuntivas” (2013, p. 37).
Posteriormente, Bakhtin expande as explicações e mostra, através de exemplos, como,
em um período composto com conjunções, ocorre uma rigorosa seleção lexical: “são retiradas as
palavras com forte conotação emocional, as metáforas audaciosas demais, bem como as palavras
populares, ligadas ao cotidiano simples e expressões específicas da linguagem coloquial”
(BAKHTIN, 2013, p. 37-38). O professor ainda revela aos alunos como são comuns as formas de
subordinação sem conjunção em nossa fala do cotidiano. Bakhtin se manifesta, dizendo que, após
mostrar “o enorme significado das formas de subordinação sem conjunção na nossa língua e de atentar
às suas vantagens diante das formas correspondentes com conjunções” (2013, p.39), é necessário,
explicar também aos estudantes que “devem entender que as formas de subordinação sem conjunção
não podem ser utilizadas sempre” (BAKHTIN, 2013, p. 39).
Logo em seguida, Bakhtin, após analisar os resultados de todo o trabalho estilístico
que foi feito com alunos, dá sugestões de perguntas bastante claras e objetivas, apresentadas de
maneira didática, para que o professor possa conferir se o objetivo do trabalho foi atingido. Essas
perguntas podem ser adaptadas, conforme o exercício proposto por cada docente, sendo elas:
Consegui ensinar aos alunos o gosto e amor à subordinação sem conjunção? Os alunos conseguiram
realmente apreciar o caráter expressivo e a vivacidade dessas formas? (BAKHTIN, 2013, p. 39).
Bakhtin afirma que se “esse objetivo for atingido, resta ao professor apenas levar os
estudantes a empregarem essas formas em sua linguagem oral e escrita” (BAKHTIN, 2013, p. 39). O
autor relata que suas aulas eram interessantes e que todos os períodos eram lidos em voz alta e
debatidos e, em algumas ocasiões, os alunos não aprovavam a correção e surgiam discussões
animadas. De modo geral, o autor ficou bem satisfeito com os resultados e nos conta que “a
composição sintática da linguagem dos alunos melhorou significativamente” e aperfeiçoou também
“o estilo dos alunos, que se tornou mais vivo, metafórico e expressivo” (BAKHTIN, 2013, p. 40).
Tomando, pois, os ensinamentos do professor Bakhtin o ensino de língua materna
dever ser refletido, sendo necessária uma atenção especial no ensino da gramática. O autor afirma
67
que é necessário trabalhar com os discentes uma linguagem utilizada na vida, ou seja, “uma
linguagem tanto gramatical e culturalmente correta, quanto audaciosa, criativa e viva” (BAKHTIN,
2013, p. 42).
Por fim, o professor Bakhtin, faz-nos pensar o quanto os docentes são indispensáveis
nesse novo processo de aprendizagem, nesse nascimento da individualidade linguística do aluno,
mediante uma orientação compreensível e cuidadosa. Ainda relata que “o destino posterior das
capacidades criativas de um jovem depende em muito da linguagem com a qual ele se forma no ensino
médio” (BAKHTIN, 2013, p. 43). O autor expõe que introduzir o aluno nesse procedimento
apaixonante que é a língua viva e criativa requer uma ampla quantidade e diversidade de formas de
procedimentos de trabalho. Com exemplos de alguns métodos que Bakhtin utilizou, deixa uma
inspiração para todos que compartilham e apreciam esse estudo, relacionando a gramática e a
estilística. “Os períodos compostos sem conjunção representam uma arma poderosa na luta contra a
linguagem livresca e privada de personalidade” (BAKHTIN, 2013, p. 43).
Após as reflexões aqui tecidas, a seguir, analisamos o objeto de nosso estudo, a partir
da obra de Bakhtin: Questões de estilística no ensino da língua (2013). Reconhecemos, tanto teórica
quanto metodologicamente, o quão necessárias nos são as lições que o autor relatou quando foi
professor na Rússia. Bakhtin (2013) nos apresentou questões que são capazes de dialogar com o
ensino de Língua Portuguesa atualmente.
68
4 O ENSINO DO PERÍODO COMPOSTO A PARTIR DAS LIÇÕES DE
BAKHTIN
O sucesso da missão de introduzir o aluno
na língua viva e criativa do povo exige, é
claro, uma grande quantidade e diversidade
de formas de trabalho.
Bakhtin
Nesta seção, apresentamos o percurso metodológico da pesquisa, com os dados
observados da aula do professor de gramática. Exibimos também as análises das redações da turma
do 8°ano.
4.1 O CAMPO E OS SUJEITOS DA INVESTIGAÇÃO
A pesquisa foi realizada na cidade de Itaú de Minas, município brasileiro situado no
sudoeste do estado de Minas Gerais. Escolhemos como campo de investigação uma escola particular
de Ensino Fundamental e Médio, para a observação da aula de Português, para a aplicação da proposta
de redação e para a análise das produções de texto. A Escola foi fundada em 2003 e atende por volta
de 220 alunos desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Possui dois períodos de aula (matutino e
vespertino) e contempla em seu quadro aproximadamente trinta professores. As aulas do período
matutino iniciam às 7h00 e do período vespertino às 13h00, e, por volta de dez minutos após o horário
de entrada, o portão é fechado e os alunos que chegam atrasados têm que entrar pelo portão da
secretaria e registrar o atraso.
O material didático utilizado pelo colégio é composto por apostilas elaboradas por um
sistema de ensino privado e seu uso é obrigatório. Observamos que apostila disponibiliza para o
professor material de apoio elaborado por quem conhece a dinâmica da sala de aula. Para facilitar o
planejamento do trabalho, oferece manuais com sugestões de estratégias, indicações, recursos
didáticos e textos informativos.
Os dados observados em campo foram registrados em um diário. Para Bortoni-Ricardo
(2008) “escrever em um diário é uma prática muito familiar aos professores e é possível fazer
anotações entre uma atividade e outra, sem que isso tome muito tempo. O diário também é uma antiga
prática de letramento bem consolidada em nossas culturas”. Dessa forma, o diário de campo permitiu
reunir as informações descritivas e interpretativas da atividade realizada com os alunos, e retratou
69
com fidelidade, não somente as descrições, mas também as percepções, reflexões e avaliações
coletadas na sala de aula.
Os participantes da pesquisa são um professor da disciplina de Língua Portuguesa do
Ensino Fundamental do Colégio Interativo, abordado no período de junho e julho de 2019, bem como
os alunos da turma de 8°ano do Ensino Fundamental, totalizando 18 estudantes. A escolha do
professor participante da pesquisa deveu-se ao fato de esse estar introduzindo a matéria sobre o
período composto. De acordo com a orientação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
(CEPE), as identidades dos participantes da pesquisa são preservadas e, desse modo, ao nos
referirmos aos autores dos textos escritos e transcrições que compõem nosso corpus de pesquisa,
usaremos códigos da seguinte forma: o nome foi substituído por uma letra maiúscula do alfabeto,
seguida pelo sexo e pela idade do aluno, conforme disposto no quadro a seguir:
Fonte: Elaborado pela autora
Quadro 1 - Participação dos alunos na pesquisa
Alunos Sexo Idade Participação
A Feminino 14 X
B Feminino 13 X
C Masculino 14 X
D Feminino 13 X
E Feminino 13 X
F Feminino 13 X
G Masculino 13 X
H Masculino 13 X
I Masculino 14 X
J Feminino 13 X
K Feminino 13 X
L Masculino 13 X
M Feminino 13 X
N Masculino 14 X
O Feminino 13 X
P Feminino 13 X
Q Feminino 14 X
R Masculino 13 X
70
4.2 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
Primeiramente, realizamos o levantamento bibliográfico sobre o estudo da linguagem
na perspectiva dialógica. Logo depois, fizemos um estudo analisando os tipos de gramática: a
normativa, a descritiva e a internalizada de quatro autores de referência nos estudos de nossa língua.
Posteriormente, explicamos sobre o estilo na concepção tradicional e também na perspectiva de
Bakhtin. Depois da leitura do livro, Questões de Estilística no Ensino de Língua, foi selecionado
como a obra principal que nos auxiliaria na pesquisa. Dessa forma, após o estudo dessa bibliografia,
entramos em contato, no horário de intervalo de suas aulas com o professor de gramática que leciona
na escola no turno matutino do 8°ano, convidando-o pessoalmente a participar da pesquisa. O docente
aceitou em nos deixar observar e realizar registros durante a aula sobre o período composto por
coordenação e subordinação. Após ter aceitado, o professor assinou o “Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido” (TCLE). Registramos e avaliamos algumas informações da aula de gramática,
por exemplo: a explicação e realização de exercícios, observando se houve interação professor-aluno
ou se o conteúdo da aula foi gramática pura. Em seguida, o colégio de ensino, através do “Termo de
Autorização Institucional” nos permitiu fazer as análises com os discentes em sala de aula. Logo após,
entramos em contato com os alunos pessoalmente, convidando-os como voluntários a participar da
pesquisa. Todos concordaram em participar e assinaram o termo de assentimento. Eles foram
informados sobre a pesquisa na sala de aula, dentro do período letivo.
Em seguida, enviamos uma carta com o termo para os pais/responsáveis através dos
alunos. Nessa carta, explicamos o que é a pesquisa, como seriam os nossos métodos e quais
instrumentos utilizaríamos. Apresentamos os possíveis riscos e benefícios, a importância dos alunos
participarem e as finalidades da pesquisa. Na carta, esclarecemos também sobre o TCLE. A partir do
TCLE, eles poderiam ter a garantia de que os nomes dos participantes não seriam identificados
quando da divulgação dos resultados e que as informações obtidas iriam ser utilizadas exclusivamente
para fins científicos vinculados à pesquisa. Enviamos, em anexo, os TCLEs, para que os pais que
concordassem com a participação dos seus filhos devolvessem com a assinatura. Disponibilizamos
contatos em casos de dúvidas e deixamos claro a quem elas deveriam recorrer caso isso acontecesse.
No segundo momento, na aula de redação, foi explicado à turma sobre o gênero relato
pessoal. Após duas aulas trabalhando o gênero, fizemos uma proposta de redação aos alunos a fim de
averiguar se ocorreriam casos de utilização de período composto sem conjunção. Sendo assim,
realizamos um estudo com base na análise do relato pessoal produzido pelos estudantes sobre algum
71
fato ocorrido com eles, quando eram ainda muito pequenos, de modo a verificar como e quais
características de expressividade das formas linguísticas compõem os seus textos.
Por último, através de recortes de algumas frases das redações dos alunos, sugerimos
a mudança no período composto por coordenação ou subordinação sem conjunção por um período
com conjunção. Após a coleta de dados e análises das redações, registramos em áudio a atividade que
foi desenvolvida através dos recortes das redações e transcrevemos o conteúdo das gravações para
compor nosso corpus de pesquisa. As atividades registradas foram: a análise de frases retiradas das
redações dos alunos e a mudança que os alunos fizeram no período composto por coordenação, sem
conjunção por um período com conjunção. A gravação foi importante para compararmos as reações
e descobertas dos discentes participantes dessa prática de ensino, com as dos alunos descritos por
Bakhtin. Analisamos detalhadamente junto com os discentes, conforme Bakhtin (2013) analisou, os
seguintes elementos quando lemos as frases: a expressividade, entonação e, enfatizando, com ajuda
de mímica e de gestos, o elemento dramático contido na frase.
Bakhtin (2013) “aborda conceitos teóricos bastante conhecidos dos leitores atuais,
caso das relações dialógicas, ainda nomeadas como elemento dramático” (BAKHTIN, 2013, p. 16).
Bakhtin menciona também sobre a interação verbal, ou seja, com os procedimentos que ele construiu
no livro não obriga os professores a submeterem a uma “enxurrada de teorias” (BAKHTIN, 2013, p.
16). Dessa forma, os alunos observaram que esses momentos de expressividade aparecem nas
orações sem conjunção. Na aula, refletimos também qual é a diferença entre a oração com conjunção
e a oração sem conjunção. Avaliamos, conforme Bakhtin (2013), a influência das conjunções no
contexto mais amplo da redação. Dessa forma, os alunos tiraram suas próprias conclusões sobre a
mudança da oração sem conjunção por orações com conjunções.
4.3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Apresentamos, nesta seção, algumas observações de três/aulas de gramática realizadas
numa escolha particular de ensino do município de Itaú de Minas. As observações foram feitas em
junho de 2019, na turma de 8º ano. Ressaltamos que o docente da disciplina será denominado como
PROFESSOR. Nesse período, o professor trabalhou com a turma os períodos compostos por
coordenação e subordinação. Registramos, aqui, as informações mais relevantes que foram
verificadas durante as aulas. Procuramos analisar:
72
O desenvolvimento do conteúdo sobre o período composto por coordenação e
subordinação, como, por exemplo, a exposição do tema e a realização de exercícios
durante a aula;
A presença ou ausência de interação professor- aluno;
Se os alunos tiveram uma ativa participação ou se o conteúdo da aula foi voltado
apenas para memorização de nomenclaturas;
Aproveitando o material de apoio do professor, analisamos também algumas
informações coletadas na apostila utilizada por ele durante a aula.
Num primeiro momento da aula, chamou-nos bastante atenção a forma de o professor
cumprimentar os discentes. Os alunos relataram que em todas as aulas, o professor cumprimenta a
sala de forma individual com um aperto de mão especial, desenvolvido e conforme a individualidade
de cada um. Notamos que esse ato tão simples é muito importante para os alunos e notamos o quanto
eles se sentem motivados e animados para começar a aula. É preciso ressaltar que o comprometimento
do docente em ter um zelo para com os alunos é tão admirável quanto sua capacidade de ensinar.
Dessa forma, constatamos que os estudantes têm uma conexão com o professor, e a aula se torna
prazerosa de assistir.
Dando início à aula, o professor interage com os alunos fazendo a seguinte pergunta:
Por que as redes sociais foram criadas? Uma aluna, colaborando com a aula, responde que as redes
foram criadas para conectar várias pessoas e que de alguma forma temos sempre a necessidade de
estarmos conectados uns com os outros. O professor ressalta que sempre estamos nos relacionando
com outras pessoas. Uma aluna o interrompe para falar sobre um livro que aborda a nossa necessidade
de relacionarmos. Observamos, portanto, já no início que na turma há uma interação professor-aluno.
Em seguida, o professor expõe que os alunos irão aprender uma das matérias mais
importantes de Português. Chamou-nos atenção quando o professor escreveu no quadro o nome da
matéria: relações, ao invés de coordenação e subordinação. Dando continuidade à aula, ele explica
que tudo começa a fazer sentido quando estudamos as relações. Interessante relatar que o docente
escreve no quadro algumas dicas para os próprios alunos chegarem à conclusão sobre o que se trata
o conteúdo. Ele faz da seguinte forma: as relações começam desde uma letra e quando as letras estão
juntas elas formam sílabas. Essa é a primeira dica que ele descreve. Logo após, o professor pergunta
aos alunos: sílabas formam o que? Todos dizem que formam palavras e as palavras formam frases. O
docente questiona os alunos sobre o que é frase. Observamos que os alunos na sua maioria sabem
73
responder aos questionamentos. Outra dica que o professor dá é a seguinte: o que as frases formam?
Uma aluna responde que formam parágrafos. Eles juntos chegam à conclusão de que entre a frase e
o parágrafo temos as relações. O professor explica que todo esse esquema que juntos eles fizeram não
se encaixa de uma forma fria e seca e sem que o autor da frase ou do parágrafo queira.
Na sequência, o professor esclarece, aos alunos que quando escrevemos um texto é
muito importante entendermos o sentido que queremos transmitir ou passar. Ilustra ainda que existem
várias formas de fazermos isso. Antes, o professor resgata a diferença de frase, de oração e faz uma
revisão também sobre o período composto, esclarecendo que o período composto é uma frase que
contém mais de uma oração. Neste momento, ele já explica que as orações devem se relacionar umas
com as outras. Através de exemplos, elucida como as orações se relacionam dentro de um mesmo
período. Observamos que o professor utiliza informações do dia a dia quando cita exemplos, dessa
forma, a aula fica mais interativa para os estudantes. Neste momento, ele escreve no quadro o seguinte
exemplo:
Vou ao mercado. Compro pão.
A partir do exemplo, o professor instiga os alunos a explicarem qual é a relação de
sentido na oração. E faz a seguinte pergunta: O que a primeira oração tem a ver com a segunda? Nessa
hora, os alunos respondem e dão opiniões. Depois de alguns debates, uma aluna responde que elas se
adicionam. Explicando melhor, o professor transforma a oração em um período composto. E reafirma
que nesse sentido a oração tem uma relação de adição.
Vou ao mercado, compro pão.
Interessante que uma aluna pergunta se no lugar da vírgula podemos colocar uma
conjunção “e”. Ele afirma que sim, mas esclarece que o efeito de sentido não depende da conjunção.
Neste momento, o professor entrega uma folha de exercícios e explica que irão fazer juntos. Notamos
que, no primeiro exercício, foi proposto que os alunos identificassem a relação de sentido entre os
períodos simples. Observamos, também, nesse exercício, que o professor explicou que existem cinco
tipos de relação, sendo elas: adição, contraste, alternância, explicação e conclusão. E junto com o
professor os alunos foram analisando cada período. Na atividade dois, as conjunções dos períodos
estavam empregadas incorretamente. Dessa forma, foi pedido aos alunos que reescrevessem o
período, usando uma conjunção apropriada. Nessa hora, o professor escreveu no quadro os tipos de
conjunções, a partir dos tipos de relação referidos no exercício um. O professor deixou claro que a
conjunção liga uma oração, no entanto, não é necessário usar conjunção para produzirmos efeito de
74
sentido. O docente ressalta que devemos ficar atentos, pois, em certas frases, podemos ter mais de
uma interpretação. Os alunos tentam fazer o exercício individualmente e o professor auxilia aqueles
que ainda têm dúvidas. No decorrer do exercício dois, uma aluna pergunta ao professor se ela poderia
deixar um período sem conjunção. Ele afirma que, em vez de ela trocar, ela poderia, sim, tirar a
conjunção. No exercício três, o professor trabalhou o seguinte poema de Mário de Andrade:
O bonde abre a viagem,
No banco ninguém,
Estou só, stou sem.
Depois sobe um homem,
No banco sentou,
Companheiro vou.
O bonde está cheio,
De novo porém
Não sou mais ninguém.
Após a leitura, o professor explicou que no exercício número um eles trabalharam as
orações do período simples. Já na atividade três as orações estavam no período composto e são
orações organizadas, ou melhor, coordenadas. O docente explica que entre as orações coordenadas
existe independência de construção, pois nenhuma é parte da outra; quanto à coesão entre as
coordenadas, ela se deve ou à conjunção que liga as orações, ou é apenas semântica. Nessa hora, o
professor esclarece que no período composto podemos usar as orações coordenadas sem conjunção
que são simbolizadas pela vírgula e são chamadas de orações coordenadas assindéticas. Já as orações
que se ligam através de uma conjunção são as orações coordenadas sindéticas. A seguir, em voz alta,
o professor lê o enunciado da atividade:
Quadro 2 – Enunciado da atividade realizada em sala.
Em um texto literário, é comum que os recursos poéticos e linguísticos participem do significado
do texto, isto é, forma e conteúdo se relacionam significativamente. Com relação ao poema de
Mário de Andrade, a correlação entre um recurso formal e um aspecto da significação do texto é a
sucessão de orações coordenadas, que remete à sucessão de cenas e emoções sentidas pelo eu lírico
ao longo da viagem.
Fonte: Elaborado pelo professor de gramática
75
Os alunos, na atividade, classificaram a segunda oração do poema como oração
coordenada assindética. E em seguida analisaram os seguintes versos: depois sobre um homem, no
banco sentou. Os alunos debateram sobre qual a relação de sentido que a oração grifada estabelecia
com a anterior. No último exercício, o professor trabalhou com o gênero propaganda com o intuito
de praticar mais uma vez a relação de sentido e as conjunções.
Em uma próxima aula, o professor utilizou a apostila de ensino. Desse modo,
analisamos também algumas informações relevantes que foram coletadas, na apostila utilizada por
ele durante a aula. Na apostila, o conteúdo tem como nome “Agrupamento de orações em períodos”.
Foi identificado que na apostila do professor há um roteiro de aulas que ele pode seguir, é uma
sugestão do material. Há também algumas estratégias e orientações. Interessante ressaltar que, neste
momento, os alunos já fizeram um pequeno e importante estudo sobre o assunto. Nesse caso,
verificamos que, quando o professor iniciou a apostila, os estudantes já estavam motivados e com
informações sobre o que eles agora iriam aprofundar. De início, averiguamos que o material de apoio
traz algumas noções básicas que o professor já passou para os discentes. Diante dessa realidade, os
alunos, ao se depararem com um resumo das noções de frase, oração e período, ficaram
entusiasmados, por já saberem sobre o conteúdo. É importante destacarmos que, na primeira página
da apostila, encontramos uma tira do autor Dan Thompson. A tira chamou atenção dos alunos, pois
estava escrita da seguinte forma: “Nós navegaremos pelo mundo em busca de orações, períodos
compostos e itens em séries”.
Assim, em certo momento, o professor lê junto com os alunos mais exemplos sobre as
conjunções coordenativas. Após a leitura, o professor começa a explicar que temos também as
orações subordinadas no período composto. Essa explicação acontece, por meio de um texto que
aborda que sete em cada dez brasileiros admitem usar expressões preconceituosas. Através de alguns
trechos do texto, eles observaram que nas subordinadas a segunda oração depende da primeira, tanto
na construção quanto no sentindo. Finalizadas as explicações, o professor propôs, aos alunos, que
eles praticassem o que foi aprendido através dos exercícios oferecidos pela apostila. Examinamos que
as atividades propostas trabalham com diferentes gêneros textuais como: o poema, a notícia,
propaganda, tira, letra das canções de Tom Jobim e também imagens de intervenções urbanas.
Observou-se, no decorrer da aula, que houve interações significativas em que os
alunos foram levados a participar de modo ativo e reflexivo. Notamos que o objetivo das aulas não
foi só ensinar a classificação de orações, pois várias atividades trabalharam com o sentido expresso
pelas conjunções coordenativas. Observamos que, a todo o momento, o professor fazia
76
questionamentos aos alunos, dessa forma, eles participavam bastante da aula. Analisamos que a
finalidade das aulas foi ensinar os alunos a reconhecerem a coordenação e subordinação, e não só a
classificação sintática das orações. A aula não foi baseada em memorizar nomenclaturas.
Constatamos que o professor explicou aos alunos que um dos problemas na produção
textual tem origem na dificuldade de se estabelecerem relações adequadas entre as ideias. Por isso, o
professor propôs exercícios em que os alunos pudessem melhorar a organização da frase, solicitando
que reescrevessem as orações, cujas conjunções exprimiam ideias de alternância, adição, conclusão,
explicação e contraste, explicando assim as relações estabelecidas por algumas conjunções, sem se
preocupar somente com a terminologia classificatória. Identificamos que, ao explicar o conteúdo
novo aos alunos, o professor não foi imediatamente pedindo que eles abrissem a apostila.
Primeiramente, ele se dedicou para que houvesse uma troca de conhecimentos entre professor-aluno.
Dessa forma, ele esclareceu a matéria de uma forma mais dinâmica.
Na próxima seção, após as observações da aula de gramática, a professora-
pesquisadora deu início a terceira etapa da pesquisa. Nesse momento, na disciplina de redação os
alunos fizeram um relato pessoal, para compor o corpus da pesquisa.
4.4 PROPOSTA DE REDAÇÃO
Antes de iniciarmos a aula de redação, procuramos motivar os alunos, promovendo o
envolvimento deles com a atividade a ser realizada. No primeiro momento, levamos impresso um
resumo da biografia de Carlos Drummond Andrade, com o intuito de que os alunos pudessem
conhecer um pouco mais sobre o autor do texto que eles iriam ler. Em seguida, lemos um relato
pessoal intitulado “Como comecei a escrever”, de Drummond. O texto selecionado conta como era a
vida em 1910 quando não havia rádio nem televisão e o cinema ainda não havia chegado ao interior
do Brasil. As notícias só chegavam três dias depois de serem publicadas no Rio de Janeiro. Após a
leitura em voz alta do texto, foi aberta uma discussão, a partir de alguns temas que os alunos
identificaram no texto. Em seguida, explicamos para os alunos as características do gênero relato
pessoal, como: a linguagem, em geral, é espontânea; relata lembranças, fatos marcantes da vida,
experiências pessoais; pode ou não apresentar título; o narrador em 1° pessoa descreve as sensações
e emoções vividas; verbos no pretérito perfeito do indicativo ou o presente histórico; e caráter
subjetivo.
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Abordar a caracterização de um gênero nos faz relembrar a teoria de que os gêneros
são relativamente estáveis segundo Bakhtin (2016) e que, por isso, mudam a partir de modificações
na situação social na qual exercem uma função. A nossa intenção era utilizar as principais
características do relato pessoal, para desenvolver um processo de escrita com a função de estimular
os alunos para produção da redação.
Após esse momento, esquematizamos, no quadro, a estrutura do gênero em análise,
com os pontos fundamentais que serviram para orientar o procedimento da produção de texto. Após
algumas pesquisas, verificamos que não existe uma estrutura fixa, para produzirmos um relato
pessoal. No entanto, é necessário ficarmos atentos a alguns pontos importantes do gênero. Segue o
modelo que aplicamos aos alunos.
Quadro 3- Estrutura do Relato Pessoal
Relato Pessoal
Título: Em geral, não é obrigatório, porém é o responsável por chamar a atenção do leitor para ler
seu texto.
Tema: É fundamental delimitar o tema que será abordado no relato pessoal, seja uma experiência
que ocorreu, uma fase da vida, uma conquista, uma lembrança.
Início: Parágrafo que aparecem as ideias principais que se quer relatar. Nessa parte, o narrador-
personagem descreve o local, tempo e personagens que fazem parte do relato.
Contexto: Aqui, observamos em que contexto se passa o relato que será narrado. O tempo verbal
mais utilizado é o pretérito perfeito do indicativo ou o presente histórico. O espaço e o local são
bem definidos.
Desenvolvimento: Apresenta a sequência de fatos e ordem dos acontecimentos.
Personagens: É interessante observar quais são as pessoas envolvidas em seu relato e de qual
maneira devemos citá-las no texto.
Desfecho: É extremamente importante pensar numa conclusão para seu relato, mostrar ao leitor
como foi o final do acontecimento.
Fonte: Elaborado pela autora
A escolha do gênero relato pessoal se justifica, porque permite que o aluno se coloque
como personagem mais importante do seu texto. Destacamos ainda que os relatos podem auxiliar os
docentes para que conheçam melhor seus alunos, suas experiências, lembranças, alegrias e até mesmo
frustrações.
78
Em uma próxima aula, iniciamos revisando o que tínhamos aprendido anteriormente
sobre o gênero relato pessoal. Em seguida, apresentamos a proposta de elaborar um relato pessoal
sobre algum fato que havia acontecido com eles quando ainda eram pequenos. Antes da escrita, os
estudantes se animaram a contar sobre os fatos que eles iriam relatar, pois, segundo eles, eram muito
engraçados. Nesse momento, alguns alunos perguntaram: “Professora, pode ser a lápis?”, “É
obrigatório ter título?”, Podemos ler para sala depois?”, “Quantas linhas tem que ter?”.
Conforme iam perguntando, esclarecemos que podiam escrever a caneta. Ressaltou
também que o título não é obrigatório, entretanto, é importante para captarmos desde início a atenção
do leitor, fazendo com que ele se sinta estimulado para ler seu texto. Sobre o número de linhas,
afirmamos que não se preocupassem com o tamanho do texto, porém, com o conteúdo. A respeito da
leitura em voz alta, aproveitamos para explicar o quanto ela pode aprofundar a nossa compreensão
sobre a língua. Ilustramos, ainda, que quando se está lendo em voz alta, as pessoas colocam toda
energia e concentração no texto. Dessa forma, quando faladas, as palavras adquirem uma vida própria
fora da página escrita e se tornam parte do leitor. Afirmamos que quando escolhemos ler em voz alta,
podemos descobrir camadas mais profundas de significado nas palavras. Em seguida, os estudantes
ficaram concentrados para a elaboração do relato e, até o final da aula, todos os alunos participantes
realizaram a escrita da produção de texto.
Em uma terceira aula, ressaltamos para os alunos sobre a importância da leitura em
voz alta. Explicamos que, nesse momento, eles iriam ler o relato pessoal que eles escreveram na aula
anterior. No início, auxiliamos os estudantes a se prepararem para leitura. Foi esclarecido que a leitura
silenciosa é diferente da leitura em voz alta. Explicamos que na leitura em voz alta é necessário ler,
ensaiar, compreender o texto para comunicarmos e expressarmos a outras pessoas um sentido. Dessa
forma, primeiro eles fizeram uma leitura silenciosa e em seguida ficaram concentrados ensaiando a
entonação, ritmo e ênfase. Mais do que uma leitura em voz alta os alunos fizeram uma leitura
dramatizada. Eles interpretaram o relato pessoal por meio de expressões faciais, gestos, mímicas e
entonação. Sobre a entonação, os autores Voloshinov e Bakhtin (apud MOZDZENSKI, 2010, p. 65)
esclarecem que:
A entonação estabelece um firme elo entre o discurso verbal e o contexto extraverbal.
Para os estudiosos russos, ela só pode ser percebida quando estamos em contato com
os julgamentos de valor do grupo social. A entonação viva, genuína – isto é,
determinada pelo contexto – é particularmente sensível às oscilações da atmosfera
social que envolve o falante e transporta o discurso verbal para além das fronteiras
do verbal. Além disso, a entonação na fala concreta é muito mais metafórica do que
as palavras usadas. Essa ‘metáfora entonacional’ revela-se um importante fenômeno
79
da criatividade da linguagem, na medida em que a entonação concreta de um
enunciado faz a palavra soar como se ela estivesse realizando uma aprovação, uma
reprovação, uma concordância, etc.
Uma característica do enunciado como unidade da comunicação discursiva é a
entonação expressiva. Um dos meios de expressão da relação axiológica do falante com o objeto da
sua fala é a entonação expressiva, que soa exatamente na linguagem oral. Dessa forma, no sistema da
língua, isto é, fora do enunciado, a entonação não existe. Os gêneros do discurso se prestam facilmente
a uma reacentuação. Ressaltamos que o nosso discurso, ou seja, todos os nossos enunciados
encontram-se repletos de palavras dos outros, de um variado grau de alteridade, de assimilabilidade,
de perceptibilidade e de relevância. Essas palavras alheias trazem consigo a sua expressão, o seu tom
valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos.
4.5 ANÁLISE DAS REDAÇÕES
Analisamos dezoito redações, feitas na sala de aula da turma do 8°ano, produzidas no
primeiro semestre. Em todas essas redações, ocorreram sete casos de utilização de período composto
por coordenação sem conjunção. Ao analisarmos as redações, verificamos que entre os 18
participantes, encontramos o período composto sem conjunção na redação de 04 alunos.
No relato pessoal da aluna A intitulado “O meu primeiro beijo”, identificamos um
período composto por coordenação sem conjunção: “Eu não gritei, não chorei, não tive reação”. No
relado da aluna B, ocorreram três casos de período composto sem conjunção: “Era uma quarta-feira,
meu pai estava trabalhando, minha mãe arrumava o guarda-roupa”; “Entediada, fui lá no quarto ajudar
a minha mãe”; “A nossa vizinha chegou, me pegou no colo, me colocou dentro do seu carro”. No
caso da aluna C, observamos dois casos: “Cai, bati, cortei a boca”; “Eu distraída, tropecei em uma
raiz”. Por fim, na redação do aluno D, notamos uma ocorrência do período composto sem conjunção:
“Pela manhã brinquei de carrinho, tomei café da manhã, logicamente”.
4.5.1 As redações selecionadas: um recorte
Dando continuidade à seção anterior, procedemos à análise, a partir de recortes das
redações dos alunos do 8° ano do Ensino Fundamental. Analisamos juntos com os estudantes as
80
orações em que identificamos os períodos compostos sem conjunção. Segue o primeiro recorte da
redação da aluna A “O meu primeiro beijo”.
Figura 1- Redação Aluna A
Fonte: Produzido por participantes da pesquisa
No decorrer da história, identificamos o período composto sem conjunção na seguinte
oração. “Eu não gritei, não chorei, não tive reação”.
Inicialmente, explicamos aos alunos que, ao começarmos a análise da primeira oração,
de acordo com Bakhtin (2013), é preciso lê-la com uma expressividade máxima, reforçar a entonação
das palavras e interpretar a oração por meio de mímicas e gestos. Dessa maneira, a aluna A leu em
voz alta o período composto sem conjunção. Notamos que ela se expressou de uma maneira bem
intensa. Após a leitura do período, a aula relatou que quando pronunciava a oração, rapidamente veio,
em sua memória, o dia do ocorrido. Destacamos que um elemento que foi bem utilizado por ela foi a
entonação que ela deu no advérbio de negação “não”.
Dessa forma, os alunos prestaram atenção nos momentos de emoção, entonação, de
mímica e gestos quando a aluna interpretava sua oração em voz alta. Uma aluna relatou que foi muito
atrativo esse momento e afirmou que no nosso cotidiano as pessoas costumam utilizar o gesto, a
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entonação, quando vão contar uma história. A partir da leitura em voz alta, escrevemos no quadro o
período composto sem conjunção, identificado na redação da aluna A. Nessa hora, foi explicado aos
alunos que iríamos transformar o período analisado em um período composto com conjunção.
Ressaltamos que essa análise é muito importante para eles avaliarem a diferença entre a oração sem
conjunção escrita pela aluna A e a oração com conjunção criada por eles. Na sequência, os alunos
anotaram o período no caderno, transformando-o em período composto com conjunção.
De início, os discentes ficaram refletindo individualmente sobre qual conjunção usar.
Em seguida, discutimos como teria ficado o período transformado. Os alunos pediram para ler as
respostas. Eles reescreveram da seguinte forma:
1) Eu não gritei, nem chorei e também não tive reação.
2) Eu não gritei e nem chorei e não tive reação.
3) Eu não gritei e não chorei e não tive reação.
4) Eu não gritei nem chorei nem tive reação.
Os alunos notaram que alguns colegas introduziram a conjunção sem mudar a frase e
outros fizeram a substituição do advérbio “não” para a conjunção “nem”. Nesse momento,
aproveitamos para explicar, com referência em Bakhtin (2013), que as frases estão adequadas tanto
da visão gramatical quanto da estilística. Porém, mostramos, aos alunos, que a ausência ou a
substituição do advérbio para a conjunção não é um processo mecânico. Ressaltamos que essa
mudança pode alterar a ênfase dada às palavras. O aluno G identificou que a aluna A, quando leu o
período composto sem conjunção, deu mais destaque no advérbio “não”. E quando a aluna D leu seu
período transformado, notamos que a ênfase foi destacada na conjunção “e”. Deste modo, a entonação
da palavra “não” foi enfraquecida.
Posteriormente, perguntamos aos alunos quais foram as diferenças entre a oração sem
conjunção criada pela aluna A e a oração com conjunção transformada por eles. Obtivemos a resposta
de que em algumas transformações as conjunções ficaram repetitivas e que, em outras, foi perdida a
ênfase dada às palavras. Descreveram também que, em alguns casos, a entonação foi substituída pela
conjunção. É interessante relatar que os alunos na aula de leitura tinham estudado sobre o gênero
dramático. Dessa forma, eles sabiam o quanto é importante em uma leitura dramatizada a
expressividade, a entonação, o gesto. Então, de acordo com os alunos, a frase com conjunção perdeu
um pouco a emoção e a dramaticidade que a aluna A teve na leitura em voz alta do período sem
82
conjunção. Nesse momento, recordamo-nos dos alunos de Bakhtin que, em uma de suas análises,
relataram que, nesse caso, podemos dizer que “o período parece ter passado ao registro mudo, ou
seja, tornou-se mais adaptado à leitura silenciosa do que à leitura expressiva em voz alta” (BAKHTIN,
2013, p. 33).
Na sequência, analisamos a influência das conjunções no contexto da redação. Antes
da análise, explicamos, aos discentes, que o uso apropriado das conjunções contribui para a
estruturação da sequência de um texto. Contudo, a aplicação desses termos deve ser feita de maneira
correta, pois o uso inadequado pode provocar relações de sentido, diferentes daquelas que são
aguardadas.
As conjunções são palavras responsáveis por relacionar partes da oração ou orações
de um período. Porém, não é preciso decorar uma lista inacabável de conjunções, é necessário
conhecer quando e como usar cada uma delas, pois, na língua, o contexto da comunicação, seja ela
oral ou escrita, é o fator que definirá a construção dos sentidos do texto.
Com relação às conjunções no texto inteiro, como já foi citado anteriormente,
constatamos ocorrências de conjunções coordenativas5, com bastante frequência na redação da aluna
A. Em função disso, a aluna descreveu que sua redação estava objetiva e bastante cansativa, porque
repetiu a mesma conjunção várias vezes. E, no contexto, seu relato ficou sem emoção, sem drama.
Além disso, descreveu que quando leu o período sem conjunção em voz alta, apresentou de modo
dramático. Quando leu a sua redação, por inteiro, notou que o sentido de outros períodos com
conjunção não transmitiu essa dramaticidade.
Partindo dessa primeira análise, podemos realizar o estudo das redações, a seguir com
referência em tudo o que foi dito anteriormente. Desse modo, seguem os recortes da redação da aluna
B.
5 Conjunções coordenativas: São aquelas que ligam orações de sentido completo e independente ou termos da oração que
têm a mesma função gramatical (CUNHA, 2017, p. 607).
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Figura 2- Redação Aluna B
Fonte: Produzido por participantes da pesquisa
Identificamos, na redação da aluna B, três casos de períodos compostos sem
conjunção. A aluna B leu em voz alta o primeiro período. “Era uma quarta-feira, meu pai estava
trabalhando, minha mãe arrumava o guarda-roupa”. De início, um aluno relatou que sua colega leu
com um suspense tão grande que até imaginou que fosse algo misterioso. Adiante passamos para a
substituição da construção sem conjunção pela com conjunção. Os alunos produziram as seguintes
formulações:
1) Era uma quarta-feira e meu pai estava trabalhando e minha mãe arrumava o guarda-
roupa.
2) Era uma quarta-feira e meu pai estava trabalhando, enquanto minha mãe arrumava
o guarda-roupa.
Os alunos chegaram às seguintes conclusões a partir de algumas discussões:
84
a) Notamos o excesso da conjunção que enfatizou a ideia de sucessão dos
acontecimentos;
b) Observamos que a oração é mais dinâmica, não é tão emocional como na primeira
redação;
c) A ação ocorrida é um exemplo do nosso dia a dia;
d) No período sem as conjunções, é como se fosse uma narração, em que os ouvintes
se envolvessem na história;
e) Notamos também que o suspense presente no período sem conjunção desaparece no
período com conjunção.
Na análise do segundo período, “Entediada, fui lá no quarto ajudar minha mãe”,
destacamos que a aluna B, quando interpretou a frase, utilizou recursos como: gestos, expressão fácil
e ênfase na palavra “entediada”. A aluna dramatizou tão bem o período que houve comentários por
parte dos colegas de que, enquanto ela lia, eles conseguiam imaginar a cena. Sobre a transformação
do período obtivemos:
1) Entediada, logo fui lá no quarto ajudar minha mãe.
2) Entediada, portanto fui lá no quarto ajudar minha mãe.
3) Entediada, então fui lá no quarto ajudar minha mãe.
4) Entediada, por isso fui lá no quarto ajudar minha mãe.
Alguns alunos relataram que essas transformações transmitem sentidos diferentes, por
exemplo: O “logo” no período dá uma ideia que ela estava com tédio e concluiu que precisava
procurar algo para fazer. A conjunção “portanto’’ imprime uma decisão tomada por ela. O “então” e
“por isso” transmitiram um efeito de explicação.
Em seguida, descrevemos a diferença do período sem conjunção pelo período com
conjunção. Os alunos notaram que o período perdeu um pouco a sua expressividade e tornou-se mais
objetivo. O gesto que a aluna B expressou, no período sem conjunção, perdeu-se quando
introduzimos a conjunção. A aluna F expôs que os períodos com conjunções ficaram mais formais.
Posteriormente, analisamos o último período encontrado na redação da aluna B que
foi o seguinte: “A nossa vizinha chegou, me pegou no colo, me colocou dentro do carro”. O período
foi modificado pelos alunos da seguinte forma:
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1) A nossa vizinha chegou e me pegou no colo e me colocou dentro do carro.
2) Então, a nossa vizinha chegou, me pegou no colo, me colocou dentro do carro.
Os alunos identificaram que, no primeiro exemplo, o período se caracteriza pela
repetição da conjunção “e”. Dessa forma, o discurso causa no leitor uma monotonia. Relataram
também que a conjunção “e” transmitiu uma ideia de que o fato aconteceu de uma forma lenta. É
preciso destacar que quando há excesso de conjunções e conectivos o discurso é afetado, seu caráter,
segundo Bakhtin (2013), torna-se seco e sonoramente desagradável. Já no segundo exemplo, os
alunos notaram que a conjunção “então”, no início da frase, concluiu que a vizinha precisava agir
rapidamente.
Após a análise das conjunções nos períodos específicos, avaliamos a ação das
conjunções no contexto da redação da aluna B. Interessante relatarmos que os alunos têm
conhecimento de que as conjunções representam elementos de ligação. Dessa forma, a aluna B
descreveu que a conjunção aditiva “e” estava muito presente em toda redação, para exercer a função
de somar as ideias. Observamos nas produções dos estudantes que a conjunção que eles mais
reproduzem é a conjunção “e”.
Um fato que chamou atenção é que, apesar de várias conjunções em seu texto, seus
colegas reconheceram que a redação da aluna B foi a que mais apresentou o caso de período composto
sem conjunção. Decorrente disso, os discentes contaram que a redação “O dia em que a porta do
guarda-roupa caiu em mim” foi a mais divertida de escutar em voz alta.
Dando continuidade às análises, o próximo recorte foi realizado a partir da redação da
aluna C. Observamos que ocorreram dois casos de períodos compostos sem conjunção.
86
Figura 3- Redação Aluna C
Fonte: Produzido por participantes da pesquisa
Antes de começarmos a análise do período, devemos ressaltar que a aluna fez questão
de contar que no mês junho, nas férias, ela teve vários dias de azar. Relatou que dramatizar esse dia
conosco seria divertido, pois, todos com certeza iriam rir dela. Notamos aqui o quanto essa atividade
envolvendo a turma toda estava despertando neles o gosto de aprender sobre o exercício proposto. Os
alunos ficavam entusiasmados, para transformar o período e relatar suas respostas.
Partindo para análise, relembramos à aluna C de ler a frase em voz alta com
expressividade. Ela então dramatizou o seguinte período: “Caí, bati, cortei a boca”. Depois que os
alunos escutaram a frase, eles descreveram que a colega interpretou-a utilizando expressão facial e
entonando as palavras “Cai” e “bati”. De acordo com Bakhtin (2013), após os estudantes levarem a
frase à sua percepção artística, devemos começar a análise de transformação do período composto
sem conjunção para o com conjunção e identificarmos suas diferenças.
As transformações do período analisado ficaram da seguinte forma:
87
1) Então cai e bati, por isso cortei a boca.
2) Cai e bati, por isso cortei a boca.
3) Cai e bati e cortei a boca.
Em seguida, fizemos a seguinte pergunta aos discentes: qual é a diferença entre a
oração com conjunção criada por eles e a oração sem conjunção criada pela aluna C? Após a discussão
com os alunos, eles chegaram à conclusão de que, ao deixar a frase com essas conjunções, ela fica
muito objetiva expressando a conclusão da ideia iniciada na primeira oração. Descreveram que o uso
das conjunções na primeira frase: “Então cai e bati, por isso cortei a boca” determinou que a ênfase
dada às palavras “Cai” e “bati” foi enfraquecida dando lugar às conjunções. Explicamos aqui para os
alunos, com referência em Bakhtin que a “recolocação da conjunção não é um procedimento
mecânico: ela determina a ordem das palavras e, por conseguinte, as ênfases dadas às palavras”
(BAKHTIN, 2013, p. 31). Expuseram que na reformulação foi perdida a expressividade emocional e
a frase ficou mais formal e lógica. Na visão dos alunos, a oração tornou-se mais adequada à leitura
silenciosa.
Bakhtin (2013), em sua análise, trata sobre o volume excessivo das conjunções em
alguns períodos compostos. Recordando o autor, percebemos que no período a seguir: “Então cai e
bati, por isso cortei a boca”, há excesso de palavras que, segundo Bakhtin, torna o período
“sonoramente desagradável, quando ocorre um uso frequente dessas conjunções” (BAKHTIN, 2013,
p. 31-32). O professor ainda revela que “há mais palavras no período, porém, bem menos espaço para
a entonação” (BAKHTIN, 2013, p. 33).
Apresentamos agora o outro caso que encontramos na redação da aluna C: “Eu
distraída, tropecei em uma raiz, cai, quebrei o braço”. Após a aluna ter representado esse período, os
alunos identificaram que ela fez o uso do gesto e movimentos expressivos na face. Os alunos
descreveram que, no período composto sem conjunção, eles conseguiram até imaginar o
acontecimento da aluna tropeçando na raiz e depois visualizá-la caindo e quebrando o braço. Em
seguida, realizamos a atividade de transformação. Foram as seguintes:
1) Eu distraída, tropecei em uma raiz e cai e quebrei o braço.
2) Quando eu estava distraída, tropecei em uma raiz, cai e quebrei o braço.
3) Eu distraída, tropecei em uma raiz, então cai e quebrei o braço.
88
4) Eu distraída, tropecei em uma raiz e cai, por isso quebrei o braço.
Transformamos primeiro o período analisado na possibilidade de um período
composto com a conjunção aditiva “e”. Mais uma vez, observamos que é a conjunção que os
estudantes mais utilizam em seus textos. Os alunos reafirmaram que quando possui esse excesso, o
texto fica repetitivo. Ressaltamos também que, com a colocação da conjunção “e”, houve um
enfraquecimento entonacional da palavra “cai”.
No período “Quando eu estava distraída, tropecei em uma raiz, cai e quebrei o braço”,
notamos que determinados alunos introduziram a conjunção subordinativa temporal “quando” e
acrescentaram o verbo estava. De imediato, chamou nossa atenção que o período não é comovente
como no período sem conjunção. Compreenderam também que a palavra “distraída” tinha um tom
dramático e com a transformação essa dramaticidade foi perdida. Segundo Bakhtin (2013), ao
tentarmos “transmitir o sentindo do período com a ajuda da forma com conjunções, passamos da
apresentação para a narração e, por mais que colocássemos palavras adicionais, nunca
transmitiríamos toda a plenitude concreta daquilo que foi apresentado” (BAKHTIN, 2013, p. 36).
Nos períodos “Eu distraída, tropecei em uma raiz, então cai e quebrei o braço” e “Eu
distraída, tropecei em uma raiz e cai, por isso quebrei o braço”, os alunos introduziram duas
conjunções que fazem parte das orações coordenadas conclusivas. Os estudantes descreveram que
essas conjunções no período expressaram uma consequência lógica baseada na primeira oração. Para
Bakhtin (2013), “ao tornar lógicas as relações entre as orações simples por meio da introdução das
conjunções, destruímos a dramaticidade evidente e viva do período sem conjunção” (BAKHTIN,
2013, p. 36).
Depois de formular os períodos, chamamos a atenção dos alunos para o contexto da
redação da aluna C. No geral, a redação, assim como as demais, continha bastante uso da conjunção
coordenada aditiva “e”. Notamos que, para indicar os acontecimentos dispostos em sequência, a aluna
C utilizou muito a conjunção, expressando essa ideia de adição no decorrer de todo texto.
Diante das considerações anteriores, a próxima análise é do recorte que fizemos da
redação intitulada “Salto na máquina” do aluno D.
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Figura 4- Redação Aluno D
Fonte: Produzido por participantes da pesquisa
Ao começar o estudo da redação, identificamos um período composto sem conjunção:
“Pela manhã brinquei de carrinho, tomei café da manhã, logicamente”. Antes de o aluno ler em voz
alta o período, ele não parava de sorrir. O aluno D relatou que foi um dia muito engraçado e que está
sempre em suas lembranças. Descreveu o dia do ocorrido como um “dia marcante”. Notamos o quanto
a turma ficou ansiosa e curiosa pela história do colega. Na sala de aula, esses momentos de interação
e empolgação são muito importantes. Um aluno motivado e interessado nas atividades, com certeza,
demonstrará bons resultados. Constatamos que essa atividade, proposta por Bakhtin (2013), envolve
os estudantes, tornando-os participantes e mais ativos na sala de aula. Averiguamos que, nesses
exercícios propostos por Bakhtin (2013), o aprendizado é mais afetivo e prazeroso.
Logo após as considerações, o aluno D leu o período com expressividade como indica
Bakhtin (2013). Os alunos notaram de início que o colega teve muita expressão facial em sua leitura
e enfatizou a palavra “manhã”. Um aluno relatou que foi muito interessante o colega ter usado o
advérbio “logicamente” no final da frase. Ainda explicou que significa o mesmo que “certamente”,
“exatamente”, o mesmo que pensar com lógica que de manhã todos tomam café, entretanto, ele não
tomava. Ainda descreveu que, na casa dele, ninguém era acostumado a tomar café da manhã.
90
Ressaltamos que, as experiências que os alunos compartilham em sala de aula devem
ser aproveitadas, pois o aluno será capaz de interpretar as situações em que vive fundamentado em
seu conhecimento de vida, relacionando suas experiências com as atividades abordadas em sala.
Dessa forma, depois que os alunos ouviram o período, “depois que ela é levada à sua
percepção artística imediata” (BAKHTIN, 2013, p. 30), será possível começar a análise de
transformar o período sem conjunção em um período composto com as seguintes conjunções. Alguns
deram a formulação:
1) Pela manhã brinquei de carrinho e tomei café da manhã, logicamente.
Notamos aqui a presença da conjunção “e” que é mais comum que os alunos utilizam
em seus textos. Os alunos contaram que nessa reformulação não identificaram muitas diferenças entre
a oração com conjunção criada pelo aluno D, e a oração com conjunção criada por eles. Um aluno se
pronunciou e relatou que havia identificado que pronunciamos a conjunção “e” com mais
expressividade e ênfase depois que houve a transformação. Em seguida, outros alunos dão outras
formulações:
2) Mas pela manhã, brinquei de carrinho e tomei café da manhã, logicamente.
3) Enquanto brincava de carrinho pela manhã, tomei café da manhã, logicamente.
No segundo exemplo, alguns estudantes questionam o uso da conjunção “mas” no
início da oração. Explicamos que esse uso estilístico, no começo das frases, é gramatical e
estilisticamente correto. O “mas” no início tem um estilo enfático muito apreciado por alguns autores
consagrados. Porém, devemos lembrar que a conjunção “mas” é adversativa e expressa uma ideia de
contraste em relação à oração anterior. Dessa forma, quando analisamos o período no contexto da
redação do aluno D, verificamos que a conjunção não ficaria adequada. Para demonstrar segue um
trecho da redação: “Tinha quatro anos e brincava muito. Pela manhã brinquei de carrinho, tomei café
da manhã, logicamente”. Identificamos que a conjunção “mas” não tem uma relação lógica entre as
orações.
No terceiro período, transformado em “Enquanto brincava de carrinho pela manhã,
tomei café da manhã, logicamente”, os alunos de imediato observaram como a repetição da palavra
“manhã” ficou evidente nesse período. Observaram também que com a introdução da conjunção os
alunos mudaram o tempo verbal de “brinquei” para “brincava”. Os alunos puderam aprender que a
conjunção “enquanto” determinou a ordem das palavras na oração e, consecutivamente, as ênfases
91
dadas às palavras. Os estudantes notaram que a expressão facial e o gesto que o aluno D usou,
expressava a dramaticidade do período durante a leitura em voz alta e ficaram visivelmente
impróprios na leitura da nossa modificação. De acordo com os alunos, a frase tornou-se mais formal
e não solicita uma leitura em voz alta.
Posteriormente à análise dos períodos reformulados, debatemos a atuação das
conjunções no conjunto de toda redação. Os alunos esboçaram que o colega, em seu primeiro
parágrafo, utilizou várias conjunções uma perto da outra. As mais utilizadas foram a conjunção “e” e
“mas”. Os estudantes ainda destacaram que sabem que a utilização das conjunções são importantes
para o encadeamento das ideias e que pode contribuir para a progressão textual. No entanto, quando
o autor do texto repete várias vezes uma mesma conjunção, a sequência de ideias fica cansativa e o
texto não prende a atenção do leitor.
Durante todo o exercício, os alunos formavam diversas variantes de períodos
compostos com e sem conjunção, de acordo com os períodos encontrados nas produções de texto,
avaliando atenciosamente a utilidade estilística de uma ou de outra forma. Os períodos eram lidos em
voz alta e discutidos, sendo que algumas vezes um aluno não concordava com outro e surgiam troca
de opiniões interessantes. Assim como os alunos de Bakhtin (2013), alguns estudantes se
empolgavam demais com as formas sem conjunção e nem sempre as usavam de maneira adequada.
Por isso, é fundamental contar com a orientação do professor.
Depois de termos reescrito os períodos compostos sem conjunção e de mostrar as suas
vantagens, perante os períodos compostos com conjunções, Bakhtin nos alerta que é “preciso não
apenas apontar a importância da subordinação com conjunção na linguagem prática e científica, mas
também a impossibilidade de evitá-la na literatura de ficção” (BAKHTIN, 2013, p. 39). Os estudantes
precisam compreender que os períodos compostos sem conjunção não podem ser empregados sempre.
Bakhtin (2013) nos orienta que, logo após a atividade proposta, devemos analisar todo
o trabalho estilístico que foi realizado. O autor propõe que verifiquemos “em que medida o objetivo
do trabalho foi alcançado” (BAKHTIN, 2013, p. 39). O professor nos ajuda a refletir, a partir de
algumas questões como: “Conseguiu ensinar aos alunos o gosto e o amor à subordinação sem
conjunção? Os alunos conseguiram realmente apreciar o caráter expressivo e a vivacidade dessas
formas?” (BAKHTIN, 2013, p. 39).
Os resultados evidenciam que conseguimos compreender as lições de gramática do
professor Bakhtin e colocá-las em prática no ensino fundamental. Durante a atividade na sala de aula,
92
verificamos que a atividade proposta foi desafiadora e instigante para os alunos. Foi importante deixar
que eles trocassem respostas e discutissem qual melhor conjunção usar no período.
O gênero relato pessoal foi o suporte adequado, para que a interação acontecesse
durante o exercício proposto. Os alunos puderam partilhar vivências e, dessa forma, o gênero
contribuiu para uma maior interação dos indivíduos no ambiente escolar.
O estudo voltado para a linguagem, na perspectiva bakhtiniana, foi importantíssimo
para que chegássemos a essa compreensão ampla da gramática vinculada à estilística. Além disso, a
pesquisa revelou que é possível um ensino de gramática mais criativo e que nosso empenho na sala
de aula pode mudar o cenário de um ensino livresco.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando-se em conta o que foi observado, serão retomados os pontos mais relevantes
desta dissertação, para que se possam promover os arremates finais do percurso até aqui realizados,
destacando as reflexões escritas ao longo das páginas anteriores.
Primeiramente, este estudo destacou noções fundamentais do pensamento bakhtiniano
para percorrer as primeiras páginas da tese e assim refletir as noções de enunciado, dialogismo e
gênero do discurso. Os estudos de Bakhtin são importantes e trouxeram reflexões necessárias para
que o leitor compreendesse que o filósofo russo tem muito a contribuir para o ensino de língua
materna.
A seguir, ocupou-se em descrever obras que abordam sobre os tipos de gramática, a
normativa, a descritiva e a internalizada, levando-se em conta a relevância de apresentar algumas
gramáticas que servem como instrumento de apoio em sala de aula. Dessa forma, refletimos que os
docentes devem integrar no ensino de língua materna, tanto a gramática normativa, quanto a
descritiva e a internalizada, para promover uma aprendizagem mais produtiva. Realizamos essa
descrição, para refletirmos sobre a contribuição que cada uma apresenta para o ensino de língua
materna, pois a maioria das pessoas só conhece a gramática normativa, que é a mais estudada pelos
alunos nas escolas, através daquela forma tradicional de estudar o conteúdo.
Essa etapa tratou de trabalhar o estilo e a estilística, tanto na visão tradicional, quanto
na perspectiva de Bakhtin. Desse modo, constatamos que as reflexões de Bakhtin sobre a estilística,
para esta dissertação, fora a selecionada. Refletimos que com a presença da estilística, nas aulas de
Português, o ensino de gramática, vinculado à estilística tornou o ensino de língua materna mais vivo,
expressivo e também ajudou a revelar a individualidade dos alunos deixando as formas secas
gramaticais e adquirindo um novo conhecimento para os alunos.
Após as discussões teóricas, o que nos propusemos a fazer nesta pesquisa foi mostrar,
por meio de um procedimento metodológico e sob a perspectiva dialógica da linguagem oferecida
por Bakhtin, algumas análises para a prática de um ensino de gramática mais criativo para os alunos.
Dessa forma, em um primeiro momento, observamos a aula de um professor de gramática sobre o
período composto por coordenação e subordinação. Os resultados das aulas enfatizam que o professor
observado ministra seus conteúdos de forma diferente, sua aula é contextualizada e não tem só em
94
vista aspectos normativos e prescritivos. Notamos que o professor assumiu essa missão de ensinar a
gramática normativa de uma forma criativa6 e interativa.
Em seguida, com as análises dos relatos pessoais, esta pesquisa constatou que do ponto
de vista local, da nossa escola e da turma do 8°ano do ensino fundamental, os resultados de toda a
atividade proposta foi bastante satisfatório, pois, levaram os estudantes a se envolverem, de forma
bastante efetiva na sua realização. Podemos afirmar que compreendemos os ensinos de Bakhtin-
professor e que a atividade realizada com os alunos apresentou um caminho viável para um ensino
de gramática significativo, inovador e provocativo.
A pesquisa trouxe como benefício, aos alunos, uma melhora na leitura e na produção
escrita e oral e possibilitou a autonomia, tanto na leitura quanto na escrita; Também trouxe como
benefício o desenvolvimento da capacidade dos alunos vislumbrarem outros aspectos de uso da
língua, para além da gramática normativa. Revendo o ensino de gramática na escola, a presente
pesquisa auxiliou os alunos a adquirir um conhecimento ativo sobre procedimentos da língua viva,
da língua do cotidiano, em uso.
Dessa forma, ao compararmos as reações e as descobertas dos discentes participantes
dessa prática de ensino, com as dos alunos descritos por Bakhtin, fomos surpreendidos. Verificamos
que os alunos conseguiram apreciar a expressividade e a vivacidade das orações sem conjunções.
Obtivemos, portanto, a comprovação de que os alunos gostaram da experiência da atividade proposta.
Alguns relataram que gostaram dos exercícios sobre as orações sem conjunções, pois, o período
ganhou vivacidade.
Segundo Bakhtin, “as análises estilísticas, são bastante acessíveis e agradam muito os
alunos desde que sejam realizadas de modo animado e os próprios jovens participem ativamente do
trabalho” (BAKHTIN, 2013, p. 40). A turma do 8°ano teve uma participação intensa no decorrer da
atividade. O autor nos confirma que “do mesmo modo que as análises estritamente gramaticais podem
ser tediosas, os estudos e exercícios de estilística podem ser apaixonantes” (BAKHTIN, 2013, p. 40).
Esse fato pode ser comprovado quando o aluno R relatou que a aula foi dinâmica e que foi válido ter
aprendido outras maneiras de usar a linguagem. A aluna A descreveu que nunca tinha pensado que
escolher uma palavra, uma conjunção ou até mesmo uma oração sem conjunção poderia refletir em
sua escrita.
6 O termo criativo é citado várias vezes por Bakhtin em seu livro “Questões de estilística no ensino da língua”. Para
Bakhtin, os exercícios gramaticais que levam em conta o significado estilístico são extremamente produtivos para que os
alunos aprendam a usar a linguagem de modo criativo (Bakhtin, 2013, p. 28).
95
Cabe frisar que a gramática normativa deve ser, sim, ensinada nas aulas de Língua
Portuguesa. No entanto, esse ensino deve dar-se a partir de uma abordagem que conceba “uma
linguagem tanto gramaticalmente e culturalmente correta, quanto audaciosa, criativa e viva”
(BAKHTIN, 2013, p. 42). Bakhtin (2013) explica que os exercícios estilísticos, ao serem realizados
corretamente, esclarecem a gramática para os estudantes. Afirma ainda que “ao serem iluminadas
pelo seu significado estilístico, as formas secas gramaticais adquirem novo sentido para os alunos,
tornam-se mais compreensíveis e interessantes para eles” (BAKHTIN, 2013, p. 40).
Entendemos que a problemática não está na questão de ensinar ou não gramática, mas
quais abordagens os professores de língua materna irão utilizar para ela ser ensinada de uma maneira
mais criativa. E foi justamente pensando nisso que constatamos que a proposta de Bakhtin pode
auxiliar muito os docentes na sala de aula. Na aula de redação, verificamos que foi possível despertar
nos alunos uma reflexão, compreensão de noções de coordenação e subordinação, a partir de uma
abordagem estilística numa relação interativa.
Ao chegar ao fim do percurso de análise do corpus, notamos que os alunos
compreenderam que, ao escrever um texto, eles não devem só escrever para a leitura ou para ganhar
nota, mas sim colocar “o texto escrito à prova da voz, da entonação e do gesto” (BAKHTIN, 2013,
p. 41). Dessa forma, os textos teriam maior expressividade e, realmente, isso foi comprovado com os
alunos de nossa pesquisa.
Enfim, diante do exposto, constatamos através da aula do docente observado e das
nossas análises que o ensino-aprendizagem de gramática mais vivo, para os alunos e para os
professores é possível. Porém, introduzir os estudantes na língua viva e criativa do povo demanda
uma ampla diversidade de procedimentos e metodologias de trabalhos. Entre esses métodos, o período
composto sem conjunção foi essencial para que despertássemos a atenção dos alunos para uma
linguagem expressiva e não livresca. Esperamos, assim, que nosso estudo possa motivar outras
pesquisas no ensino de gramática com base na estilística.
96
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99
ANEXO A: Termo de Autorização Institucional
100
ANEXO B: Termo de Assentimento (discente)
101
ANEXO C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-(discente) (Menores de 18 anos)
102
ANEXO D: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE (docente)