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3307 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL: DA FORMAÇÃO LINEAR À FORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR DA MAGISTRATURA * LA GARANZIA COSTITUZIONALE DEL RAGIONAMENTO GIUDIZIALE DELLA DECISIONE: DELLA FORMAZIONE LINEARE ALLA FORMAZIONE INTERDISCIPLINARE DELLA MAGISTRATURA Noeli Fernandes RESUMO A garantia da fundamentação da decisão judicial como um princípio constitucional se destina à sociedade em geral, às partes, aos juristas e ao próprio magistrado, sendo um dever imposto por norma. Assim ocorre a fim de ser assegurado o controle externo, por parte da população, sobre a legalidade e a base da decisão, tornando-se elemento essencial de uma ideologia democrática da Justiça. Para se obter maior efetividade da Justiça, necessária a adoção de medidas que visem alterar métodos de trabalho, principalmente modificando a formação de todos os operadores do Direito: funcionários, membros do Ministério Público, advogados e juízes. Para uma nova fase estes devem estar preparados para a complexidade, para os novos desafios e riscos, sendo imprescindível o conhecimento interdisciplinar. PALAVRAS-CHAVES: DECISÃO, FUNDAMENTAÇÃO, MAGISTRADO, CONHECIMENTO E INTERDISCIPLINAR. RIASSUNTO Garantire il ragionamento del giudice come un principio costituzionale è stato progettato per la società in generale, attori, avvocati e il magistrato stesso, di un obbligo imposto dalla norma. Cosi accade con l'obiettivo del controllo esterno da parte della popolazione, sulla legittimità e la base per la decisione di diventare un elemento essenziale di una ideologia democratica di giustizia. Per ottenere una maggiore efficacia della giustizia, necessario adottare misure volte a modificare i metodi di lavoro, in particolare modificando la formazione di tutti gli operatori del diritto: funzionari, i membri dei pubblici ministeri, avvocati e giudici. Per una nuova fase loro dovrebbe essere pronti per la complessità di nuove sfide e rischi, è essenziale conoscenze interdisciplinare. PAROLE CHIAVE: DECISIONE, MOTIVI, MAGISTRATO, LA CONOSCENZA E INTERDISCIPLINARE. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL: DA FORMAÇÃO LINEAR À FORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR

DA MAGISTRATURA*

LA GARANZIA COSTITUZIONALE DEL RAGIONAMENTO GIUDIZIALE DELLA DECISIONE: DELLA FORMAZIONE LINEARE ALLA

FORMAZIONE INTERDISCIPLINARE DELLA MAGISTRATURA

Noeli Fernandes

RESUMO

A garantia da fundamentação da decisão judicial como um princípio constitucional se destina à sociedade em geral, às partes, aos juristas e ao próprio magistrado, sendo um dever imposto por norma. Assim ocorre a fim de ser assegurado o controle externo, por parte da população, sobre a legalidade e a base da decisão, tornando-se elemento essencial de uma ideologia democrática da Justiça. Para se obter maior efetividade da Justiça, necessária a adoção de medidas que visem alterar métodos de trabalho, principalmente modificando a formação de todos os operadores do Direito: funcionários, membros do Ministério Público, advogados e juízes. Para uma nova fase estes devem estar preparados para a complexidade, para os novos desafios e riscos, sendo imprescindível o conhecimento interdisciplinar.

PALAVRAS-CHAVES: DECISÃO, FUNDAMENTAÇÃO, MAGISTRADO, CONHECIMENTO E INTERDISCIPLINAR.

RIASSUNTO

Garantire il ragionamento del giudice come un principio costituzionale è stato progettato per la società in generale, attori, avvocati e il magistrato stesso, di un obbligo imposto dalla norma. Cosi accade con l'obiettivo del controllo esterno da parte della popolazione, sulla legittimità e la base per la decisione di diventare un elemento essenziale di una ideologia democratica di giustizia. Per ottenere una maggiore efficacia della giustizia, necessario adottare misure volte a modificare i metodi di lavoro, in particolare modificando la formazione di tutti gli operatori del diritto: funzionari, i membri dei pubblici ministeri, avvocati e giudici. Per una nuova fase loro dovrebbe essere pronti per la complessità di nuove sfide e rischi, è essenziale conoscenze interdisciplinare.

PAROLE CHIAVE: DECISIONE, MOTIVI, MAGISTRATO, LA CONOSCENZA E INTERDISCIPLINARE.

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho procura abordar a garantia[1] da fundamentação da decisão, considerando o disposto na Constituição Federal de que as sentenças serão motivadas e realizadas em sessão pública. Tema este de importância social e política para o direito, pois desde há muito constitui interrogação presente nos estudos da Filosofia do Direito, e mesmo da Filosofia em geral, o questionamento de como é possível fundamentar uma convicção, sem cair em decisionismos e arbitrariedades.

Ao longo da história da filosofia, várias têm sido as correntes e teorias construídas em torno da possibilidade de justificar a convicção do julgador: teorias do discurso, da fenomenologia hermenêutica e teorias realistas, todas visando responder qual a melhor forma de julgar perante as complexidades decorrentes das transformações da sociedade. Assim, desde as respostas meta-éticas formuladas pelo naturalismo e o intuicionismo, até à teoria do discurso prático racional como teoria da justificação jurídica de Robert Alexy[2], passando por outras como a teoria da argumentação de Perelman[3] com a sua audiência universal e ainda a do consenso da verdade de Habermas[4], rompendo com as teorias clássicas da verdade, muitos são os ensaios realizados em busca de resposta ao desejo, por todos reconhecido: de ser necessário evoluir na elaboração de uma teoria da argumentação jurídica racional contemporânea, visando buscar as condições para a concretização de direitos, e ao mesmo tempo juntar todos os esforços para evitar decisionismos e arbitrariedades interpretativas.

O presente estudo enfoca, na primeira parte, o ordenamento jurídico vigente a consagrar este poder de apreciação do juiz que está obrigado a motivar as decisões, nos termos do artigo 93, X, da Constituição Federal Brasileira e pelos dispositivos do Código de Processo Civil Brasileiro.

Em segundo momento, se questiona acerca da formação do magistrado e da necessidade do imperativo conhecimento interdisciplinar[5] e transdisciplinar[6], pois o julgador não pode ser um mero aplicador das normas[7], mas que deve ser sensível aos problemas sociais, pois se o Direito é arte, é arte das mais complexas, considerando que seus intérpretes estão a trabalhar com a liberdade, a vida, os direitos fundamentais, devendo servir para ordenar o mundo[8]. Nesta linha de raciocínio, a obra não pode ser considerada de um artista apenas, mas sim de uma sociedade inteira, e, por esta razão se deduz que a garantia constitucional da fundamentação judicial se destina à coletividade.

Diante da complexidade da contemporaneidade, há a necessidade de que a cultura técnico-profissional dos juízos se adapte aos “novos tempos”[9], de desfazimentos das certezas. Novos tempos estes nos quais se busca respostas completas[10] a problemas

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cada vez mais complexos, abrangendo a versão aceita pelo julgador e as razões pelas quais ele afasta a versão oposta[11]. Diga-se ainda, respostas diferenciadas para cada tipo de conflito, exigindo-se fundamentação para a conclusão sentencial.

Tendo em conta que o novo constitucionalismo trouxe, como característica principal, uma Constituição compromissária e dirigente e assim, questões que antes eram resolvidas apenas no âmbito das decisões políticas, passaram a ser objeto de intervenção judicial, torna-se ainda mais forte a inquietação com relação a formação dos magistrados e, diretamente com a fundamentação das decisões judiciais, se justificando, portanto, a abordagem do tema no presente estudo.

2 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL.

A partir da Constituição Federal de 1988, o princípio da fundamentação adquiriu status constitucional ao ser incluído no inciso IX, do artigo 93, o princípio da publicidade e da fundamentação às decisões judiciais [12].

O direito a decisão judicial fundamentada[13] além de vir expressamente consagrado, como requisito essencial da sentença, também vem previsto no Código de Processo Civil[14], ou seja, resulta da ordem vigente a necessidade de motivação das decisões judiciais, como corolário do Estado Democrático de Direito, estando o julgador obrigado a indicar os motivos que formaram o seu convencimento, de acordo com os fatos e circunstâncias constantes dos autos. Trata-se de conferir à fundamentação a qualidade ressaltada por Ferrajoli, de garantia de segundo grau ou garantia das garantias, em razão de que representa um instrumento de controle sobre a efetividade das demais garantias processuais[15].

O ordenamento jurídico vigente trata da fundamentação como se fosse motivação, empregando os termos sem qualquer distinção, como se pode ver da própria Constituição, que, no inciso acima citado fala de fundamentação, e no próximo[16], refere que as decisões administrativas dos Tribunais devem ser motivadas.

Embora os dicionários da língua portuguesa considerem como sinônimos fundamentar e motivar, importante se refira sua diferenciação. Considera-se que a fundamentação é a justificação de por qual razão o magistrado assim está decidindo o litígio, que será sempre baseada em motivos de direito ou de fato, ou em ambos, consubstanciando-se na explicação racional que permita a compreensão, esclarecendo o porquê da conclusão.

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Fundamentar uma decisão equivale a dar as razões de fato e de direito, com as devidas implicações substanciais, e não meramente formais[17]. Por motivação se entende a causa ou a condição de uma escolha,[18] referindo quais as bases fáticas ou de direito que permitem a fundamentação.

De se salientar que a independência dos juízes perante os poderes legislativo e executivo e a exclusividade atribuída a eles da função de julgar pressupõe, não apenas a observância dos dispositivos legais citados, mas principalmente que seja assegurado ao litigante o direito a uma garantia de justiça[19] de forma igual e efetiva através do devido processo a permitir a ampla defesa de sua posição jurídica.

Exige-se também que, além de técnica, a fundamentação seja compreensível para os leigos. Segundo Taruffo[20], a função da motivação e os seus destinatários muda conforme o dever de motivar esteja previsto à nível da legislação processual ordinária ou como garantia constitucional, considerando ainda a cultura média do tempo e do lugar em que se encontra. Nesta perspectiva, a motivação tem como destinatários as partes e o tribunal superior. Quando o dever de motivar é imposto como garantia constitucional, a motivação é apontada, sobretudo, como possibilidade de um controle externo e geral sobre o fundamento factual, lógico e jurídico da decisão. Desta forma, a fundamentação deve ser dirigida, antes ainda que às partes (e ao tribunal de recurso), à generalidade dos cidadãos, à população, a quem cabe determinar se a decisão é acertada para o caso que solucionou.

De se reconhecer, com Perelman[21], que os juristas não podem apenas se preocupar com a verdade, sendo seu dever procurar a justiça e a paz social, visando a manutenção de uma ordem equitativa e da confiança social, o que supõe a existência de considerações fundamentadas numa tradição jurídica, a qual se manifesta tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Assim, essencial é que cada julgador não perca de vista a sua independência na decisão a proferir, de acordo com a convicção, que deverá afirmar com clareza e sem desviar, naturalmente, dos textos legais, considerando as questões enfocadas por ambas as partes[22]. Importante lembrar que um precedente judiciário exerce uma influência inevitável não podendo, por isso, a fundamentação das decisões judiciais ser elaborada apenas de modo a assegurar a aceitação pelas instâncias superiores. Cada decisão insere-se numa tarefa mais ampla, devendo ser sempre respeitado o caso concreto.

Tendo-se em conta que a sentença é o ato que decide, que defini o processo[23], visto como uma série de atividades[24], ela terá de surgir sempre da meditação do conteúdo do conjunto probatório juntado aos autos, considerados os fatos e fundamentos[25] e enfrentando o julgador todas as teses enfocadas pelas partes litigantes, possibilitando que estas tomem conhecimento das razões que o fizeram optar por aquela direção, sempre analisando as duas teses opostas[26].

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Imprescindível que o julgador tenha sensibilidade para as diferenças e desigualdades sociais e culturais[27], mostrando que está inserido em um Estado Democrático de Direito[28], com a preocupação de justificar a própria decisão, seja sob plano normativo, seja sob aquele da oportunidade social[29]. Importa dizer quanto é basilar para o desempenho da tarefa de julgar a formação pessoal do profissional do Direito, que não deve visar apenas a uma decisão técnica, mas sim a uma decisão justa[30], que nem sempre decorre de uma sentença bem fundamentada[31] apenas.

3 DA FORMAÇÃO LINEAR À FORMAÇÃO TRANSDISCIPLINAR DA MAGISTRATURA.

As modificações decorrentes das alterações impostas pelos dispositivos constitucionais e os preceitos constantes no Código de Processo Civil, exigem efetiva participação do julgador na realização dos direitos previstos em lei. O aumento do número dos litígios e a complexidade das demandas que surgem a partir dos novos direitos consagrados na Constituição dirigente de 1988, aliados as transformações sociais, políticas e econômicas, gerando o deslocamento para o judiciário de conflitos que antes eram resolvidos em outras esferas públicas ou privadas, fazem com que o Estado tenha obrigação de investir no aprimoramento dos juízes[32]. A formação do magistrado passa a ser vista como um desafio imposto ao Judiciário na sociedade contemporânea.

Não se pode esquecer que a criação dos cursos jurídicos no Brasil ocorreu no ano de 1827, em São Paulo e Olinda, com o fim de capacitar bacharéis para atuarem como funcionários públicos na administração imperial, advogados, políticos e magistrados. Conforme refere Horácio Rodrigues[33], foi uma opção política com a função de sintetizar a ideologia político-jurídica do liberalismo e de formar a burocracia encarregada de operacionalizar esta ideologia para possibilitar a gestão do Estado Nacional. O mesmo autor aborda a crise educacional atual do ensino jurídico referindo que “o ensino reproduz os equívocos políticos e epistemológicos presentes no conhecimento jurídico. O principal destes equívocos é a identificação do Direito com a lei, que transforma os cursos jurídicos em escolas de legalidade” [34]. Enfatiza Rodrigues[35] que uma das raízes da crise do Poder Judiciário é a visão positivista e normativista do operador jurídico incorporado pelo juiz. Entretanto, nos termos preconizados por Ovídio Batista da Silva[36], “a justiça, para desgosto de nossos teóricos, não poderá ser normatizada. Haverá de ser descoberta laboriosamente em cada caso concreto...”.

Hoje a sociedade é massificada cujo produto do trabalho dos profissionais do direito já não é mais do que mero bem de consumo. Diante da excessiva litigiosidade que caracteriza a contemporaneidade, a sentença judicial se transformou em um bem de consumo, forçando os julgadores a padronizarem suas decisões contaminadas pelo normativismo burocrático. Entretanto, a demanda é cada vez mais complexa e exigente,

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não se conformando com posturas clássicas, de arcaísmo que não levou em consideração as profundas alterações da sociedade neste século,[37] estando a exigir celeridade e qualidade na prestação jurisdicional.

No Brasil, nos termos da Constituição Federal de 1988[38] cabe às Escolas Nacionais da Magistratura regulamentar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira de juiz. Entretanto, para que as Escolas funcionem como mecanismo de transformação da cultura institucional e de aperfeiçoamento do Poder Judiciário, é necessário que sejam organizadas de forma a criar um ambiente de reflexão que permita que as mudanças aconteçam, considerando que é decantada a deficiência da formação jurídica[39], estando as universidades comparadas a empresas que vendem apenas ilusões.

Nesta linha de preocupação, pertinente a abordagem realizada por Nalini[40] referindo a institucionalização da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, subordinada ao STJ, no sentido de que a verdadeira reforma do judiciário deve iniciar com a visão de um novo perfil de juiz.

O conhecimento de outras formas de atuar, inclusive pelo crescimento do estudo acerca da conexão do Direito com a Literatura[41] e de experiências internacionais, por exemplo, pode ser útil às Escolas Nacionais para dimensionar a complexidade de sua tarefa, sem, contudo, desprezar a experiência já adicionada ao longo dos anos de funcionamento.

Ao comentar acerca dos dez anos de experiência do curso de formação inicial da Escola Judicial Espanhola, Macedo[42] refere que este tempo comprova a premissa de que a formação inicial e global do julgador é decisiva para a eficiência da prestação jurisdicional. Esta eficiência não se dá apenas através da capacidade do magistrado de lidar com a prática forense, mas principalmente em razão da capacidade de raciocínio lógico, profundo e sistemático, à luz do direito e da realidade em que se insere.

Para que a participação do julgador na concretização dos direitos seja útil devem ser observadas determinadas condições, além da fundamentação das decisões; o tempo que o magistrado tem disponível para o exame de cada processo; e a estabilidade das decisões e orientações[43], mas sobretudo a sensibilidade para as questões sociais do seu tempo, o que decorre de uma formação humanística sólida e de uma visão não individualista[44], quer seja para manter a justiça social ou para fomentá-la quando não existir, na missão de civilizar[45], atuando realmente como agente transformador da realidade.

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Considerando que o Direito não pode ser visto apenas como produto das relações econômicas, ou como ideologia que não permite ver a natureza real das relações de produção, ou ainda como expressão da classe dominante, mas sim como produto histórico e cultural, é que devemos entendê-lo como fruto de uma determinada cultura que está em contínua evolução[46].

Novas leis são instituídas a fim de atender aos direitos dos homens, que, segundo Bobbio[47], são direitos históricos, pois nascidos em determinadas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes. Conseqüentemente, tendo em vista os clamores sociais, é que, de tempos em tempos, são criadas regras de direito ditadas pela autoridade estatal e tornadas obrigatórias para manter, numa comunidade, a ordem e o desenvolvimento.

Com a Constituição dirigente de 1988, surgiu uma gama de novos direitos, e para dar conta desta complexidade o julgador passa a exercer funções de importante ator político, sendo chamado a resolver inúmeras situações, se deparando com omissões legislativas, e sua atuação não pode ser mecânica ou automática nem lhe cabendo a passividade de um mero espectador[48]. Situações nas quais não basta a escolha de uma regra, sendo preciso interpretar e verificar se a decisão está em conformidade com os preceitos da Lei Maior, sempre considerando que a resposta correta deve provir de um minucioso exame constitucional[49], e que a função dos princípios se constitui em desnudar as carências das normas. Como exemplo se pode citar o questionamento acerca da constitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei nº 11.105/05 - Lei da Biossegurança, atacado através de ação direta de inconstitucionalidade[50] na qual a Suprema Corte se valeu da colaboração de vários segmentos da sociedade para chegar a uma conclusão compatível com o interesse coletivo, acerca da permissão da utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia.

Ao se levar a debate assuntos tão polêmicos e de tamanha importância é que hoje não se pode mais esperar que apenas uma boa formação jurídica seja suficiente para um julgador encontrar a melhor resposta, ou a resposta correta[51] para os casos que lhe são levados a exame. Há de haver valoração e “balanceamento” sempre que houver abertura para escolha diversa, impondo-se ao julgador que empregue não apenas os argumentos da lógica abstrata[52], mas também os decorrentes da história, economia, da política, da ética, da sociologia e da psicologia.

Além da necessidade de se questionar os modelos de seleção e formação de magistrados e, embora a introdução das Escolas Nacionais de Magistratura no âmbito dos Tribunais Superiores no Brasil, a complexidade contemporânea exige evolução transdisciplinar[53] na educação do julgador de modo a permitir que seja capaz de interpretar adequadamente as circunstâncias e os fenômenos que, por vezes, envolvem determinada ação. Há a necessidade de se inverter o eixo da ação educativa para

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desenvolver uma abordagem interior da educação, dando-se ênfase à autoformação. A autoformação[54] aqui vista como um processo antropológico que implica numa visão transdisciplinar. O julgador há que ter uma visão aberta[55] para acompanhar as transformações sociais e conseguir identificar os valores do grupo no qual está inserida a parte que reclama a prestação jurisdicional, sempre analisando o caso concreto. A literatura abre portas para a capacidade criadora, fazendo com que novos conceitos sejam adicionados à doutrina jurídica, como se pode ver da sentença proferida em forma de verso[56], revelando que o próprio Poder Judiciário está incorporando a Literatura ao Direito no momento de julgar.

Ao escrever sobre a jurisprudência como “ciência prática” e acerca da adequação dos princípios à concreta situação de fato, como sendo uma prestação característica da atividade jurisprudencial, assim como daquela ética, Luigi di Ruggiero [57], citando Giuliani [58], afirma a exigência de uma educação interdisciplinar para o jurista.

Denota-se que, aplicar a justiça ao caso concreto não é tarefa para uma figura presa ao campo da realização da simples cognição e da posterior declaração. Exige sim um magistrado que tenha adicionado à sua formação uma educação transdisciplinar e acima de tudo, que detenha qualidades que estejam além da técnica, para que suas decisões não sejam apenas tecnicamente corretas, mas sim decisões que tornem efetiva a tão esperada Justiça.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Do estudo se deduz que a garantia constitucional da fundamentação judicial se destina à sociedade em geral[59], às partes, aos juristas e ao próprio magistrado, sendo um dever imposto por norma. A função da fundamentação como garantia se dá a fim de ser assegurado o controle externo, por parte da população, sobre a legalidade e a base da decisão, tornando-se elemento essencial de uma ideologia democrática da Justiça.

Apesar de todas as dificuldades estruturais, e considerando que o monopólio da Jurisdição ainda pertence ao Estado, através do Poder Judiciário, este procura reafirmar o compromisso em continuar sendo o depositário das expectativas sociais no sentido de ser levada a efeito a desejada efetividade na materialização do direito. Isso se reflete nas recentes alterações de dispositivos do Código de Processo Civil, que foram introduzidas por evidente preocupação do legislador com a celeridade, tempestividade e efetividade da tutela jurisdicional. Assim também se vê na inquietação da Corte Suprema quando, ao decidir processos de significativa importância como o foi a ADI 3.510- DF, citando Gadamer, traz a preocupação de que toda a interpretação correta tem de se proteger contra a arbitrariedade e contra a limitação dos hábitos imperceptíveis do pensar, arbitrariedades retóricas, de toda ordem.

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Estatísticas demonstram que a máquina judiciária se encontra no limite de seu exaurimento, diante do grande número de ações apreciadas pelo Poder Judiciário, que se encontram fora dos padrões internacionais, e se nada for feito para modificar este quadro poderemos chegar em curto espaço de tempo à falência do Poder Judiciário, que já vem tida como instituição desacreditada em razão da morosidade e da falta de qualidade na prestação jurisdicional.

Nos termos preconizados por Boaventura[60], a fim de obter maior efetividade na prestação da jurisdição, é preciso a adoção de medidas que visem a alteração de métodos de trabalho como uma nova organização interna dos foros, maior eficácia na gestão de recursos humanos e materiais e de fluxos processuais e uma melhor articulação dos foros com outros serviços complementares da justiça. Há ainda a necessidade de mudar a formação de todos os operadores do Direito: funcionários, membros do Ministério Público, advogado e juízes. Para uma nova fase estes devem estar preparados para a complexidade, para os novos desafios e riscos, possuidores de uma consciência complexa, feita da dupla aspiração de igualdade e de respeito a diferença[61]. Esta ampla preparação só será possível se a inter e a transdisciplinariedade se fizer presente na educação do julgador de modo a permitir que seja capaz de interpretar adequadamente as circunstâncias e os fenômenos que, por vezes, envolvem determinada ação, contando ainda com a contribuição da arte e com o uso pedagógico da literatura[62], buscando conceitos que possam ser utilizados na doutrina jurídica.

Em resumo, o que se espera do Estado é que possa proporcionar os aparelhos e as condições palpáveis para a concretização de uma sociedade que se aproxime do ideal de Justiça tão sonhado por todos os cidadãos, principalmente investindo na qualificação profissional da magistratura.

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[1] Embora se refira à fundamentação como garantia, salienta-se que a doutrina trata a motivação como princípio. Para tanto ver: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, Coimbra: Almedine, 1997, págs. 1124 a 1131 e CASTRO, Fábio Caprio Leite. O princípio da motivação enquanto instrumento e garantia no sistema jurídico Brasileiro, in Revista AJURIS nº 90, Porto Alegre: 2003, págs. 131 a 144.

[2] ALEXY, Robert, Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001.

[3] PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação Jurídica: A Nova Retórica. São Paulo: Martins fontes, 2000;

[4] HABERMAS, Jürgen.Teoría de la acción comunicativa: complementos y studios prévios, Madrid: cátedra, 189; Direito e democracia entre faticidade e validade I e II, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

[5] “Interdisciplinariedade diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina à outra que pode ser definida em três graus: grau de aplicação, grau epistemológico e grau de geração de novas disciplinas”. “UM NOVO TIPO DE CONHECIMENTO – TRANSDISICPLINARIDADE”, visível no site: http://www.redebrasileiradetransdisciplinaridade.net/mod/resource/view.php?id=18, consulado em 14/09/09.

[6] “Transdisciplinariedade diz respeito ao que está ao mesmo tempo, entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de todas as disciplinas. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento. Sua meta, a compreensão do mundo presente, não pode ser

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alcançada dentro do quadro de referência da pesquisa disciplinar. É um caminho de auto-transformação orientado para o conhecimento de si, para a unidade do conhecimento e para a criação de uma nova arte de viver”; NICOLESCU, Basarab, texto citado.

[7] “O aumento do poder instrutório do julgador, na verdade, não favorece qualquer das partes. Apenas proporciona apuração mais completa dos fatos, permitindo que as normas de direito material sejam atuadas corretamente. E tem mais: não seria parcial o juiz que, tendo conhecimento de que a produção de determinada prova possibilitará o esclarecimento de um fato obscuro, deixe de fazê-lo e, com tal atitude, acabe beneficiando a parte que não tem razão? Para ele não deve importar que vença o autor ou o réu. Importa, porém, que saia vitorioso aquele que efetivamente tenha razão, ou seja, aquele cuja situação da vida esteja protegida pela norma de direito material, pois somente assim se pode falar que a atividade jurisdicional realizou plenamente sua função.” BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2001, págs. 107 e 108.

[8] “A arte, como o direito, serve para ordenar o mundo. O direito, como a arte, tem uma ponte do passado para o futuro...”. CARNELUTTI, Francesco. Arte do Direito: Seis meditações sobre o Direito.. Tradução por Ricardo Rodrigues Gama. São Paulo: Bookseller editora, 2001, pág. 10.

[9] BAUMANN, Zigmunt. Modernidade Líquida, tradução Plínio Dentzien, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

[10] “Livre convencimento é o convencimento a que se chegou com todo o material de prova”. PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de processo Civil, Forense, 1974, Tomo II, pá. 383.

[11] “Por outro lado, o juiz que motiva fazendo referência somente as provas que confirmam a sua reconstrução dos fatos, corre perigo facilmente de ser vítima da distorção do raciocínio pelo qual, identificando a priori uma versão dos fatos, ele tende a levar em conta apenas o que a confirma e a ignorar tudo o que a contradiz”. TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza, Revista de Direito Processual Civil, nº 31, janeiro-março, Curitiba: “Gênesis”, 2004, pág.184.

[12] Art. 93, IX, da CF: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.

[13] “A exigência de fundamentação das sentenças, hoje consagrada em texto constitucional, justifica-se por várias razões. Uma delas decorre da tendência dos sistemas políticos contemporâneos de ampliar as bases de um regime democrático participativo, caracterizado por sua universalidade. Regime democrático inspirado no princípio da igualdade absoluta de todos perante a lei. Regime democrático participativo. Como disse Mauro Cappelletti, um regime legal construído por seus consumidores. Há outra razão que deve ser destacada. É a que decorre da necessidade de que nossa formação jurídica dogmática seja superada, através do reconhecimento de que o Direito não pode submeter-se aos princípios epistemológicos das ciências naturais

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e menos ainda das matemáticas”. BATISTA DA SILVA, Ovídio. Jurisdição, Direito Material e Processo, Porto Alegre: Editora Forense, 2007, pág. 137.

[14] “Art. 131 do CPC - “O Juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”.

“Art. 165 do CPC - “As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.”

“Art. 458 do CPC - “São requisitos essenciais da sentença: I - (...) II - os fundamentos, em que o Juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o Juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.”

[15] FERRAJOLI, Luigi, Diritto e ragione: teoria del garantismo penale, 3ª ed. Roma: Laterza, 1996, p. 632.

[16] Artigo 93. X, da CF: “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros:

[17] NERI JÚNIOR, Nélson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 175.

[18] “Por motivo se entende a causa ou a condição de uma escolha, a qual direciona a atividade para um fim específico, orientando a conduta humana, sem, no entanto, fornecer uma explicação ou uma justificação. O fundamento é a explicação ou a justificação racional da coisa da qual é causa; a razão de ser. O fundamento permite compreender porque determinada decisão foi ditada num sentido e não em outro; porque é assim e não de outra forma. Em suma, possibilita o entendimento ou a justificação racional da coisa, da qual é causa.” GIACOMOLLI, Nereu José. Aproximação à garantia da motivação das decisões criminais: aspectos jurisprudenciais, in: Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, 2005, pág. 71.

[19] “A “motivação de sentenças” radica em três razões fundamentais: (1) controle da administração da justiça: (2) exclusão do caráter voluntarístico e subjetivo do exercício da atividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes: (3) melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes em juízo um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.” CANOTILHO, J.J. Gomes, ob.cit. pág. 667.

[20] “Em síntese, pode-se dizer que o juiz deve referir o julgamento às noções presentes na cultura média do tempo e do lugar em que se encontra, porquanto é com esta cultura que os pressupostos e os critérios da decisão devem manter-se congruentes” (livre tradução da autora). TARUFFO, Michele. Legalità e gisutificazione nella creazione giudiziaria del diritto, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, Milano: Giuffrè, 2001, pág. 24.

[21] PERELMAN, Chaïm Lucie Olbrechts-Tyteca, ob. cit, p. 349.

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[22] “... impõe que o juiz, ao fundamentar a sentença, não apenas dê os motivos pelos quais aceitou como válidos os argumentos do vencedor mas, além disso, demonstre, também com argumentos convincentes, a impropriedade ou a insuficiência das razões ou fundamentos de fato e de direito utilizados pelo sucumbente. A fundamentação deve ser ampla; deve compreender todos os aspectos relevantes do conflito, especialmente na análise crítica dos fatos.” BATISTA DA SILVA, Ovídio A. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional, visível em http://www.baptistadasilva.com.br/artigos010.htm, consultado em 07.09.09.

[23] “o processo é um complexo de atos. Não se trata, porém, naturalmente, de uma série de atos dissociados e independentes, senão de uma sucessão de atos vinculados pelo objetivo comum da atuação da vontade da lei e procedendo ordenadamente para a consecução desse objetivo; de onde o nome processo”. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1969, pag. 50.

[24] “Quem se detenha a observar o modo como se desenvolve um processo judicial, civil ou penal, vê efetivamente que o mesmo consiste em uma série de atividades, realizadas pelos indivíduos, que colaboram para a consecução do objeto comum, o qual, por sua vez, consiste no pronunciamento de uma sentença ou em pôr em prática uma medida executiva. Esta colaboração não é simultânea, mas sucessiva, de modo que as várias atividades que devem ser realizadas pelas diferentes pessoas que fazem parte do processo distribuem-se no tempo e no espaço seguindo uma certa ordem lógica, quase como em um drama teatral, em que as intervenções dos atores se sucedem não por causalidade mas seguindo o fio da ação, de modo que a frase seguinte seja justificada pela precedente e, por sua vez, dê motivo à que vem depois; a ordem em que se desenvolve o discurso dos interlocutores não poderia alterar-se sem destruir o sentido. Na realidade, para o espectador estranho que assiste em audiência a um debate público, o processo se assemelha muito a um drama, com seus personagens e seus episódios, cujo epílogo é representado pelo pronunciamento da providência jurisdicional”. CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I, São Paulo: Editora Bokseller, 2ª ed. 2003, Pág. 265.

[25] “Há, portanto, duas exigências impostas ao julgador. A primeira determinando que ele se “persuada” racionalmente, formando o convencimento, através da análise crítica do conjunto da prova, bem como que justifique também a interpretação do direito aplicável. Mais, tendo em vista a natureza dialógica do processo, é necessário que o julgador assegure o contraditório efetivo a ambas as partes, compreendido nesse princípio o direito, reconhecido a ambos os litigantes, não apenas de alegar e provar suas alegações, mas, fundamentalmente, o direito, reconhecido tanto ao vencedor quanto ao vencido, de obter “respostas” para suas alegações e provas.” BATISTA DA SILVA, Ovídio A. Ob. Cit. Pág. 152.

[26] “A balança é o símbolo tradicional da justiça, visto parecer que representa materialmente, por uma disposição mecânica, aquele jogo de forças psíquicas que faz funcionar o processo e no qual, para que o juiz após algumas oscilações conclua pela verdade, é necessário que intervenha o peso de duas teses opostas, tal como se dá com os dois pesos da balança, que para se equilibrarem devem incidir na extremidade de cada braço. Quanto mais as forças opostas façam oscilar fiel (veja-se a imparcialidade de quem julga), tanto mais sensível se tornará o aparelho e mais exata a medida. Da mesma forma, os advogados, puxando cada um pelo seu lado, obtém o equilíbrio que o

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juiz procura. Quem quiser criticar a sua imparcialidade deve criticar também o peso que age sobre os braços da balança”. CALAMANDREI, Piero. Eles os juízes visos por nós, os advogados. Volume I, Lisboa: Editora Livraria Clássica, 6ª ed.1977, Págs. 96 e 97.

[27] “No campo próprio da jurisdição, essa “mentalidade alargada” vai fazer-se presente quando o juiz para julgar faz o desvio para outras culturas, encontrando nelas algum elemento que possa contribuir para o exercício de persuasão que desenvolverá ao julgar. Sendo assim, escapa-se da condição de sujeito solipsista que, isolado, cria a “sua decisão” e vai-se ao encontro de uma jurisdição com discernimento – phrónesis – uma vez que suas decisões derivam também da consideração do ponto de vista ou da perspectiva dos outros.” LOPES SALDANHA, Jânia Maria, A “mentalidade alargada” da Justiça (Têmis) para compreender a transnacionalização do Direito (Marco Pólo) no esforço de construir o cosmopolitismo (Barão nas árvores). Texto apresentado em palestra proferida junto ao Mestrado de Filosofia do Direito, da Universidade de Coimbra, em 11/12/2007, pág. 11.

[28] “Também onde, como, por exemplo, na Alemanha, não existe uma norma constitucional expressa que preveja a obrigação de motivar, a tendência prevalente é contudo no sentido de afirmar que ela existe como garantia fundamental derivada de princípios gerais de um Estado de Direito” (livre tradução da autora). TARUFFO, Michele. Il Significato Costituzionale dell’Obbligo di Motivazione, In: GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (org.). Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.p. 40.

[29] “A consciência social não é, porém, somente um critério subsidiário: ela é, ao invés, de um lado elemento constitutivo do ordenamento jurídico, porquanto, como é comumente reconhecido pela doutrina, determina o significado das palavras e dos juízos de valores que, fatos próprios da lei, são extraídos da linguagem comum e nela continuam a viver; de outro lado é critério autônomo e necessário pela avaliação da "justiça do caso concreto" (tradução da autora). RUGGIERO, Luigi de. Tra Consenso e Ideologia – Studio di Ermeneutica Giuridica, Nápoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1977, p. 159.

[30] “....uma excelente formação dogmática não é garantia de decisões justas, porque a técnica, no direito como na arte, só pode oferecer, na melhor das hipóteses, isso: decisões tecnicamente corretas. Mas decisões tecnicamente corretas não são necessariamente decisões justas, assim como decisões tecnicamente incorretas não são necessariamente decisões injustas (v.g. algumas decisões do tribunal do júri). É que uma boa interpretação, na arte como no direito, mais do que técnica e razão, exige talento e sensibilidade. E a técnica jurídica é apenas um meio a serviço de um fim: a justiça.” QUEIROZ, Paulo. Visível em: http://paulo.queiroz.net/direito-e-arte/print/

[31] “Nem sempre uma sentença bem fundamentada quer dizer uma sentença justa ou vice-versa. As vezes uma sustentação apressada e sumária significa que o juiz, ao decidir, estava de tal forma convencido de excelência da conclusão, que julgou ser tempo perdido o que gastasse a mostrar a sua evidência, assim como, outras vezes, uma sustentação extensa e cuidadosa pode revelar, no juiz, desejo de esconder para si e para os outros, com arabescos logísticos, a perplexidade em que se encontra. Não digo, como tenho ouvido dizer, que a excessiva inteligência seja nociva ao juiz. Digo apenas que ótimo juiz é aquele em que, sobre a cauta intelectualidade, prevalece a intuição

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humana. O sentimento da justiça, pelo qual, conhecidos os fatos, logo se sabe de que lado está a razão, é uma virtude inata, que nada tem que ver com a técnica do direito. O mesmo sucede na música, em que a maior inteligência não pode suprir a falta de ouvido”. CALAMANDREI, Piero. Eles os juízes vistos por nós, os advogados. Págs. 149 e 150.

[32] “O pressuposto é que se não houver uma formação específica, a lei obviamente não será bem aplicada. Temos que formar os magistrados para a complexidade, para os novos desafios, para os novos riscos. Os magistrados, sobretudo as novas gerações, vão viver numa sociedade que, como eu dizia, combina uma aspiração democrática muito forte com uma consciência da desigualdade social igualmente forte. E, mais do que isso, uma consciência complexa, feita da dupla aspiração de igualdade e de respeito da diferença.” SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da Justiça, São Paulo: Editora Cortez, 2007, p. 66.

[33] RODRIGUES, Horácio Vanderlei. Ensino Jurídico e Direito Alternativo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 13.

[34] Ob. Cit. p. 38.

[35] O autor refere que tanto o magistrado como o advogado possuem a mesma deformação básica: “a posse de um conhecimento abstrato, marcado pelo individualismo, pela descontextualização histórica, pela identificação entre lei e Direito, por uma concepção de sujeito de Direito desatualizada...”. Ob. Cit. p. 41.

[36] BATISTA DA SILVA, Ovídio A. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional, visível em http://www.baptistadasilva.com.br/artigos010.htm, consultado em 07.09.09.

[37] NALINI, José Renato. O juiz e o Acesso à Justiça. 2ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. pág. 22.

[38] Art. 105, parágrafo único, I e artigo 111- A, § 2º, inciso I, da Constituição Federal Brasileira.

[39] “A regra geral é o recrutamento dos juízes dentre os egressos da mais conservadora dentre as escolas de nível superior no país: a faculdade de Direito. É decantada a deficiência da formação jurídica. Mais de trezentas escolas, gerando milhares de bacharéis, abastardam o ensino. A maior parte delas objetiva o lucro. É uma empresa que vende ilusão. As técnicas de transmissão do conhecimento são empíricas. Ainda é comum a leitura da legislação, de alguma doutrina e alguma jurisprudência. Não se estimula a criatividade, nem se explora o talento individual. Desconhece-se o pluralismo, valor acolhido de maneira explícita pela ordem fundante.” NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à Justiça, São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2ª edição, 2000, p. 150.

[40] “almejo ver a institucionalização da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, subordinada ao Superior Tribunal de Justiça, como o início da verdadeira reforma do Judiciário, consistindo em usina produtora de um novo perfil de juiz, motivado ao desafio de resolver os problemas dos semelhantes, sem temer

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a avalanche de processos, sabendo encontrar fórmulas de vencê-la e acrescentando, a um certo conhecimento jurídico, uma larga dose de vontade, humildade, paciência e compaixão”. NALINI, José Renato. Revolução a caminho. Artigo publicado no Jornal da Tarde, São Paulo, 26 dez/2004.

[41] “Repensar o direito, neste início de século, é o desafio que se impõe aos juristas. E, dentre as inúmeras e mais variadas alternativas que se apresentam, o estudo do direito e literatura adquire especial relevância. Além do destaque que confere à interdisciplinariedade, na medida em que se baseia no cruzamento dos caminhos do direito com as demais áreas do conhecimento – fundado um espaço crítico por excelência, através do qual seja possível questionar seus pressupostos, seus fundamentos, sua legitimidade, seu funcionamento, sua efetividade, etc. – a possibilidade da aproximação dos campos jurídicos e literário favorece ao direito assimilar a capacidade criadora, crítica e inovadora da literatura e, assim, superar as barreiras colocadas pelo sentido comum teórico, bem como reconhecer a importância do caráter constitutivo da linguagem, destacando-se os paradigmas da intersubjetividade e intertextualidade”. TRINDADE, André Karan; GUBERT, Roberta Magalhães. Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito. In: Direito & Literatura – reflexões técnicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, págs. 11 e 12.

[42] MACEDO, André Luiz. A formação dos Juízes na Espanha, In: Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, nº 4, Outubro, 2007, pág. 72.

[43]WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, Editora Revista dos Tribunais, pág. 30.

[44] “Somente através dos outros é que adquirimos um verdadeiro conhecimento de nós mesmos”. GADAMER, Hans- Georg, O problema da consciência histórica. Tradução Paulo César Duque Estrada – 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV 2003, pág. 12.

[45] “Nossa missão não é mais a de conquistar o mundo como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão se transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos.” MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro.

In: http://www.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/meio_ambiente/umapaz/files/Morin.pdf.

[46] GRAU, Eros Roberto, O direito posto e o direito pressuposto, 2ª edição, págs. 18 e 19.

[47] BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, Rio de Janeiro: Editora Campos, 19ª edição, pág. 5.

[48] “Esse temor de perder a imparcialidade tem contribuído de maneira decisiva para que nossos magistrados, infelizmente, deixem de utilizar dos poderes instrutórios que lhes são conferidos pelo legislador processual. Criou-se uma tradição do juiz passivo, espectador, temeroso de que qualquer iniciativa sua possa torná-lo parcial. A escassez de iniciativas probatórias oficiais, mesmo quando manifesta a sua conveniência, tem sido apontada como uma das causas do mau funcionamento do mecanismo judiciário.

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Essa mentalidade necessita ser alterada, a fim de que o magistrado assuma seu papel na relação processual. Juiz imparcial é aquele que aplica a norma de direito material a fatos efetivamente verificados, sem que se deixe influenciar por outros fatores que não seus conhecimentos jurídicos. Para manter sua imparcialidade, basta que o magistrado se limite ao exame objeto da matéria fática, cuja reprodução nos autos se faz mediante as provas. Não importa quem as traga. Importa sim, que o provimento jurisdicional não sofra influência de outros elementos”. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, 3ª edição, pág. 112.

[49] “A resposta correta deve decorrer de um aprofundado exame constitucional, em que os princípios desnudam as insuficiências da regra. Evidentemente que, quando me refiro à ‘insuficiência da regra’, estou lançando mão da discussão tradicional acerca da distinção estrutural (ou cisão) entre regra e princípio. Afinal, repita-se, por trás de cada regra há um princípio constitucional”. STRECK, Lênio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito, Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro: 2007, 2ª edição, p. 270.

[50] Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510-0 Distrito Federal.

[51] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[52] CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Fabris, 1993, p. 33.

[53] “A Transdisciplinariedade é uma teoria do conhecimento, é uma compreensão de processos, é um diálogo entre as diferentes áreas do saber e uma aventura do espírito. A Transdisciplinariedade é uma nova atitude, é a assimilação de uma cultura, é uma arte, no sentido da capacidade de articular a multirreferencialidade e a multidimensionalidade do ser humano e do mundo. Ela implica numa postura sensível, intelectual e transcendental perante si mesmo e perante o mundo. Implica também em aprendermos a decodificar as informações provenientes dos diferentes níveis que compõem o ser humano e como eles repercutem uns nos outros. A transdisciplinariedade transforma nosso olhar sobre o individual, o cultural e o social, remetendo para a reflexão respeitosa e aberta sobre as culturas do presente e do passado, do Ocidente e do Oriente, buscando contribuir para a sustentabilidade do ser humano e da sociedade”. Vários palestrantes. Educação e Transdisciplinariedade, II. São Paulo: Trion, 2002, pags. 9 e 10.

[54] GALVANI, Pascal. A autoformação, uma perspectiva transpessoal, transdiciplinar e transcultural. In: Educação e Transdisciplinariedade II, São Paulo: TRION, 2002, pág. 95.

[55] “A visão transdisciplinar é completamente aberta, pois, ela ultrapassa o domínio das ciências exatas pelo seu diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior”. Artigo 5º da Carta da Transdisciplinariedade, in: http://www.unipazrj.org.br/transdiciplinariedade.htm

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[56] RI 710017770171, 2ª Turma Recursal, Relator Afif Jorge Simões Neto, julgado em 21.01.09, disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/737087/juiz-gaucho-escreve-sentenca-em-forma-de-poesia/relacionadas.

O juiz Afif Jorge Simões Neto, da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu variar e elaborou um acórdão (decisão sobre recursos judiciais) em forma de verso, analisando um pedido de recurso de uma ação indenizatória por danos morais. Um homem de Santana do Livramento, no interior do Estado, moveu a ação por ter se sentido ofendido com um pronunciamento feito na Câmara do município. O réu da ação teria dito no pronunciamento que o autor do pedido não teria feito uma prestação de contas à prefeitura.

Em primeira instância, o autor venceu a causa, mas o réu recorreu. O juiz Simões Filho acatou o recurso e julgou o pedido improcedente.

"É um caso que envolvia pessoas ligadas ao tradicionalismo, ao CTG [Centro de Tradicionais Gaúchas]. Como achei que o assunto seria interessante e sei que o gaúcho gosta de verso, de poesia, resolvi fazer essa tentativa", afirmou Simões Neto.

Mesmo em forma de verso, a decisão não deixa de ser o resultado do trabalho de analisar o caso, enfatizou o magistrado.

"Fiz um rascunho e vi que daria. Mesmo que seja em verso, eu tive que fazer uma análise do processo, para analisar a eventual culpa de cada um. Só o verso não basta. Tem que fazer o verso em cima da análise do processo. O verso é a forma, mas tive que fazer a análise do conteúdo no próprio verso", disse o juiz.

O magistrado não teme que sua atitude abra margem para a população ou a comunidade jurídica o considerarem um brincalhão. "É realmente inusitado, que foge do aspecto formal. É que o direito é muito sisudo, estanque. Então resolvi sair dos padrões normais. Eu corro o risco [de não ser levado a sério]. Parece que o rapaz que perdeu a ação achou que foi uma brincadeira. Mas não foi. Julguei de forma séria, como julgo em todos os processos. Apenas o formato foi diferente", disse.

Veja a decisão em verso do juiz gaúcho:

"Este é mais um processo

Daqueles de dano moral

O autor se diz ofendido

Na Câmara e no jornal.

Tem até CD nos autos

Que ouvi bem devagar

E não encontrei a calúnia

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Nas palavras do Wilmar.

Numa festa sem fronteiras

Teve início a brigantina

Tudo porque não dançou

O Rincão da Carolina.

Já tinha visto falar

Do Grupo da Pitangueira

Dançam chula com a lança

Ou até cobra cruzeira.

Houve ato de repúdio

E o réu falou sem rabisco

Criticando da tribuna

O jeitão do Rui Francisco

Que o autor não presta conta

Nunca disse o demandado

Errou feio o jornalista

Ao inventar o fraseado.

Julgar briga de patrão

É coisa que não me apraza

O que me preocupa, isso sim

São as bombas lá em Gaza.

Ausente a prova do fato

Reformo a sentença guerreada

Rogando aos nobres colegas

Que me acompanhem na estrada

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Sem culpa no proceder

Não condeno um inocente

Pois todo o mal que se faz

Um dia volta pra gente

E fica aqui um pedido

Lançado nos estertores

Que a paz volte ao seu trilho

Na terra do velho Flores."

[57] “A exigência tornada historicamente indispensável de distinguir Recht e Unrecht (certo e errado), não pode ser ocultada dos deveres da ciência jurídica; a recuperação da filosofia prática e da retórica solicita ao invés todas as disciplinas ético-políticas a asumir, sobre o modelo da jurisprudência, um estatuto normativo, uma estrutura ‘hermeneutica-pragmática’. (tradução da autora) RUGGIERO, Luigi, Tra Consenso e Ideologia – Studio di ermeneutica giuridica, Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1977, pág. 119/120.

[58] GIULIANI, Alessandro. Logica del diritto. Teoria dell’argomentazione, in: Enciclopedia del Diritto, XXV, Padova: Cedam, 1975, pp.32-33.

[59] “Sob o plano da jurisdição, isso significa que o procedimento do juiz não se legitima enquanto exercício da autoridade absoluta, mas enquanto o juiz tenha consciência do modo como exercita o poder que lhe é delegado pelo povo, que é primeiro e verdadeiro titular da soberania. Daí, a obrigação de justificar a decisão, que responde seja a necessidade de demonstrar os fundamentos de fato e de direito, seja a necessidade de permitir que a fundamentação seja controlável pelo exterior, de modo difuso. O exercício do poder jurisdicional deve assim ser "transparente", racional e controlável, como o exercício de qualquer poder no âmbito do Estado democrático de direito”. ."TARUFFO, Michelle. Il Significato Constituzionale Dell’ Obligo di Motivazione. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (org.). Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 41-42.

[60] Ob. Citada, pág. 64.

[61] Ob. Citada, pág. 66.

[62] GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito & literatura: ensaios de síntese teórica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pág. 75.