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A Fuga da Mãe - Um exercício etnográfico sobre a relação entre imaginário e meio ambiente na comunidade do Rio das Pedras, Curuçá/PA 1 Yasmin Ainá Martins Barbosa Loureiro 2 Lourdes Gonçalves Furtado 3 1. A MÃE DO RIO 1.1 O CAMPO: CURUÇÁ E O RIO DAS PEDRAS O município de Curuçá, Nordeste Paraense, é mais conhecido por ser um dos maiores produtores de pescado do Estado do Pará. Localizado na costa Atlântica do Estado, pertence à chamada zona do Salgado Paraense. Distante cerca de 140 Km de distância da capital Belém, o acesso se dá por terra através das estradas BR 316 (Belém-Castanhal) e PA 136 (Castanhal-Curuçá). Sua dimensão territorial é de 673,27 km², possuindo cerca de 26.160 habitantes, se dividindo entre 13.596 homens e 12.564 mulheres. O município tem 5.412 residências, sendo que na sua área rural constitui o maior contingente populacional, com 16.217 pessoas, enquanto que na sua área urbana enontra-se o menor contingente com 9.943 pessoas. (FURTADO; SILVEIRA; SANTANA, 2012) Na sede do município encontra-se o Rio das Pedras, exatamente na divisão entre o centro da cidade de Curuçá (Bairro Umarizal) e o Bairro Alto. O Bairro Alto é um bairro historicamente periférico dentro da cidade de Curuçá, berço do Carimbó, lar do Nego Róia aclamado por Curuçaenses como o criador do moderno Carimbó, é um bairro de população em geral mais pobre, mais negra e mais afastada das decisões políticas da sede de Curuçá (RODRIGUES-BASTOS, 2010), mesmo estando a poucos passos do que, pessoalmente, chamo de “Praça dos três poderes Curuçaenses”. 1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2016, João Pessoa/PB 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA (PPGSA/UFPA) 3 Antropóloga, pesquisadora titular U - III do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG)

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A Fuga da Mãe - Um exercício etnográfico sobre a relação entre imaginário e meio

ambiente na comunidade do Rio das Pedras, Curuçá/PA1

Yasmin Ainá Martins Barbosa Loureiro2

Lourdes Gonçalves Furtado3

1. A MÃE DO RIO

1.1 O CAMPO: CURUÇÁ E O RIO DAS PEDRAS

O município de Curuçá, Nordeste Paraense, é mais conhecido por ser um dos

maiores produtores de pescado do Estado do Pará. Localizado na costa Atlântica do Estado,

pertence à chamada zona do Salgado Paraense. Distante cerca de 140 Km de distância da

capital Belém, o acesso se dá por terra através das estradas BR 316 (Belém-Castanhal) e PA

136 (Castanhal-Curuçá).

Sua dimensão territorial é de 673,27 km², possuindo cerca de 26.160 habitantes, se

dividindo entre 13.596 homens e 12.564 mulheres. O município tem 5.412 residências,

sendo que na sua área rural constitui o maior contingente populacional, com 16.217

pessoas, enquanto que na sua área urbana enontra-se o menor contingente com 9.943

pessoas. (FURTADO; SILVEIRA; SANTANA, 2012)

Na sede do município encontra-se o Rio das Pedras, exatamente na divisão entre o

centro da cidade de Curuçá (Bairro Umarizal) e o Bairro Alto. O Bairro Alto é um bairro

historicamente periférico dentro da cidade de Curuçá, berço do Carimbó, lar do Nego Róia

– aclamado por Curuçaenses como o criador do moderno Carimbó, é um bairro de

população em geral mais pobre, mais negra e mais afastada das decisões políticas da sede

de Curuçá (RODRIGUES-BASTOS, 2010), mesmo estando a poucos passos do que,

pessoalmente, chamo de “Praça dos três poderes Curuçaenses”.

1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2016, João Pessoa/PB 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA (PPGSA/UFPA) 3 Antropóloga, pesquisadora titular U - III do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG)

O centro de Curuçá, portanto, encontra-se de frente para a rua do Barro Alto (a

grafia da rua é Barro, diferentemente do nome do Bairro), primeira rua do Bairro Alto, onde

dei meus primeiros passos em Curuçá e na etnografia.

Imagem 1: Localização de Curuçá. Fonte: Instituto Peabiru.

1.2 OS PRIMEIROS DIÁLOGOS SOBRE A MÃE DO RIO

Logo que chegamos na primeira ida a Curuçá, em agosto de 2014, fomos levados

pelo Sr. Lucivaldo, motorista do Museu para o local que havia sido indicado como sendo a

cabeceira do rio. Lucivaldo já havia estado presente em outro momento, junto da primeira

equipe que havia feito Campo – para o mesmo projeto – Profas. Graça Santana, Isolda

Maciel e Ivete Nascimento. O grupo nessa outra viagem, denominado equipe 2, agora

contava com Lourdes Furtado, Guilherme Chêne Neto, Francisco Rente Neto e eu.

Ao chegarmos ao local da dita cabeceira (posteriormente confirmada como sendo

realmente o início do rio), contatamos o Sr. Lucivaldo (xará do nosso motorista), morador

da Rua Camilo Ataíde, em torno de 40 anos de idade. Ele se dispôs a adentrar no espaço de

mata para nos mostrar o curso do rio, ou o que restara dele

O diálogo do Sr. Lucivaldo girava em torno das promessas que haviam sido feitas

por gestões passadas, de mais cuidado com o rio, assim como de manutenção de um poço

que ficava próximo à margem, mas segundo ele apenas restaram as promessas com o passar

dos anos. O abandono do ambiente era evidente, lixo por toda a parte, sinais evidentes de

queimadas na beira, o leito assoreado e com aspecto tão morto que passaria por vala, se não

estivéssemos sendo guiados por Lucivaldo.

Ele então nos disse que iria nos apresentar à sua vizinha, Dona Biuca – em outra

visita e com mais intimidade perguntei a ela seu nome. Ela respondeu que não importava

muito não, pois nem os seus próprios filhos sabiam, já que a vida inteira havia sido

chamada assim por todos. Biuca mora na Rua Camilo Ataíde, bem em frente à cabeceira do

Rio das Pedras. Informamos a ela sobre a nossa pesquisa e ela então comentou sobre o

estado do rio. Disse que de maneira desrespeitosa muitas pessoas jogavam detritos no curso

do rio, realizavam queimadas, e arrancavam árvores da área. Confesso que, muito por ser a

primeira experiência etnográfica, estava muito focada no que queria tirar dessa senhora que

fosse “útil” para as minhas intenções de pesquisa, queria saber o que ela pensava das

mudanças ambientais, de como ela se relacionava com esse recurso natural e se ainda fazia

uso do rio. A minha cabeça carregava um viés muito pragmático de pesquisa, que

definitivamente (e senti isso no decorrer da pesquisa) não se afinizava com o que estava

acontecendo ao meu redor.

Foi com um choque e, um certo, estranhamento que ouvi de Dona Biuca, quando

questionada sobre a forma atual do rio (seco e assoreado), que a explicação pra isso, pra

essa forma sinuosa (ela expressou esse sentido gesticulando com as mãos) era a mudança

da mãe desse rio. “Mãe do rio?!” pensei. “O que ela é?” perguntei. “O pessoal fala que é

uma cobra, vê pela forma né” respondeu Biuca

À noite Lourdes sempre coordenava uma roda de conversas para que cada membro

da Equipe pudesse relatar as experiências vividas durante o dia na pesquisa, com quem

havia entrado em contato, o que havíamos refletido teoricamente sobre os dados obtidos até

então e também planejamentos para o dia seguinte.

As conversas iam até tarde da noite e mesmo acontecendo depois de um dia

exaustivo de trabalho rendiam sempre muitos insights e compartilhamentos de informações.

Foi a partir de um desses encontros que demonstrei para meus pares o interesse e a

curiosidade acerca da fala de Dona Biuca. Fui informada por Guilherme que quando

estávamos na cabeceira junto de Dona Biuca conversando ele havia sido chamado pelo Seu

Lucivaldo, pra um lugar mais afastado, de modo a ser informado por esse morador sobre a

Mãe do Rio, de maneira semelhante a feita por Biuca. Suponho que ele não tenha ficado

confortável para expor isso para todo o grupo de pesquisadores.

Em seguida a essa ida à cabeceira do rio tivemos um encontro com Onelice,

professora, neta de Nego Róia que foi uma figura importante na história e na música

Curuçaenses. Ela é moradora da Rua do Barro Alto, em frente a sua casa há uma estátua do

Nego Róia. Onelice havia sido contatada primeiramente pela Equipe 01e havia sido

indicada pela profa. Ivete como um contato inicial na área.

Fomos muito bem recebidos por ela, como uma das propostas do projeto era a de

coletar relatos sobre as diferentes formas usadas pelos moradores no tratamento da água, a

profa. nos levou, então, para algumas casas para que pudéssemos entrevistá-los. Entramos

em várias casas e em todas as conversas o tom era o mesmo. Os moradores em geral nos

contavam da tristeza que era ver o rio definhar daquela maneira, os relatos da memória

deles sempre nos apresentavam um Rio das Pedras totalmente diferente. Com água

“batendo” até a cintura, com as pessoas utilizando-se desse recurso nos afazeres domésticos

em geral.

Numa dessas casas fomos conhecer a bomba d’água que havia sido inaugurada

recentemente pela prefeitura, através dela foi possível abastecer toda a região do Bairro

Alto, garantindo o aumento do acesso à água por parte dos habitantes de lá, assim como da

diminuição das ocasiões de falta d’água, antes comuns.

Ao chegarmos na residência fomos (eu, Francisco e Onelice) recebidos por Dona

Maria, de início ela atendeu um pouco desconfiada, mas quando avistou a profa. Onelice

ela relaxou. Justificando a desconfiança inicial ela disse que fora por ter pensado se tratar

de evangélicos que corriqueiramente batem à sua porta no intuito de convertê-la às suas

denominações religiosas. Maria disse, então, que se incomoda com esse tipo de visita pois

ela é muito católica. Após isso ela nos mostrou seu quintal onde fora instalada a bomba. Ao

retornarmos da casa de Dona Maria, acompanhados dela e de Onelice, continuamos a fala

sobre o estado de conservação do rio, foi quando ela disse:

D. Maria: Ela falou no Rio das Pedras, por falar em rio das pedras,

aquilo ali era muito bonito. Mas aí desprezaram sabe...Aí já não prestou

mais, só presta assim...pra lavar roupa, tomar banho. Mas trazer pra

beber como a gente usava.. Antigamente essa descida aí era muito

igarapé. Aí pra cima tu ia pra lá tu mergulhava na água que a água dava

aqui ó . [aponta para a cintura]. Hoje em dia acabou tudo, começaram a

roçar a cabeceira do rio, as mães foram fugindo minha filha, aí não tem

combate...aí vai caindo a beirada.

Yasmin: E quando a mãe foge o rio morre?

D. Maria: É. Acaba, não é Onelice?

Onelice: é

D. Maria: Olha, aqui pra dentro tem um igarapé bonito na época do

inverno o pessoal limpa...Pois é, ta? [se despedindo]

Mais uma vez tinha sido falado, de maneira rápida, sobre a mãe do rio. No caso da

Dona Maria inclusive foi dito como um fenômeno recorrente a “mudança” das mães. Eu já

tinha mais alguma pista em relação a isso e o interesse apenas aumentava.

Quando indaguei a Profa. Onelice acerca da Mãe do Rio ela nos disse que

antigamente isso era uma coisa comum, os antigos acreditavam muito em Mãe do Rio,

porém hoje se sabia que os motivos para o rio estar morrendo desse jeito eram as

queimadas, o lixo, os maus cuidados em geral com o meio ambiente.

Essa crença em bichos que são donos de lugares, espaços de mata ou água e são

sobrenaturais, ou encantados, é bastante comum na Amazônia. Na região da costa atlântica

paraense, os estudos de Raymundo Heraldo Maués são clássicos, sobre essa questão da

crença em animais encantados Maués coloca:

É muito forte na região do Salgado a ideia dessas entidades como

encantados ou bichos do fundo [...] Os encantados são normalmente

invisíveis ao olhos dos simples mortais [...] são chamados de bichos do

fundo quando se manifestam nos rios e igarapés, sob a forma de cobras,

peixes, botos e jacarés”. (MAUÉS, 2005)

Portanto, como Maués (2005) nos mostrou em relação à região do Salgado, mas

Galvão (1976), Figueiredo (1972), Wagley (1988), Slater (2001) e qualquer um que faça

uma leitura sobre a cultura cabocla da Amazônia entrará em contato com essas figuras de

animais do imaginário local, a Mãe do Rio pode ser descrita – mesmo apenas através dos

relatos iniciais – como um ser encantado, um bicho do fundo.

Para Galvão (1976) a origem dessa crença, de mães, se dá a partir de um

sincretismo cultural que envolve os indígenas que já possuíam a crença em seres ligados à

natureza; para ele a ideia dessas figuras como feminino pode ter influência dos negros que

trouxeram a noção de entidades femininas (como Iemanjá) e por fim ele avalia a herança

portuguesa nessa figura mítica como sendo também de figuras femininas do imaginário

europeu como as sereias e as mouras encantadas.

1.3 AS PRIMEIRAS NEGAÇÕES EM RELAÇÃO À MÃE DO RIO

Após a conversa com Dona Maria, continuamos percorrendo algumas casas do

Bairro Alto, para poder conversar sobre o estado de conservação do rio e as inúmeras

receitas caseiras de tratamento da água. Todos os moradores tinham a mesma opinião em

relação ao rio, falavam que ele estava morto, que não servia mais pra nada e que antes, sim,

era um rio útil pois tinha mais água e mais olhos d’água.

Após essas visitas, Professora Onelice nos levou até a Rua do Rosário para nos

mostrar um dos poucos olhos d’água que ainda existiam lá no Rio das Pedras. Os

moradores haviam colocado um cano de concreto ao redor do olho, com o intuito de

preservar a água que saia dele e também para poder acumular água e se tornar mais fácil a

retirada, posto que ainda usavam a água para algumas atividades (lavar roupa por exemplo)

apenas quando faltava a água distribuída pela prefeitura.

Entramos no espaço de mata que circunda o rio (ou o que restou dele) e

encontramos o cano com o olho d’água. Estávamos fotografando quando eu resolvi contar

aos colegas sobre o que Dona Maria havia dito, dela ter feito uma relação entre a poluição e

a mudança da mãe.

Estávamos acompanhados de Onelice então perguntei a ela o que ela tinha pra falar

sobre a Mãe do Rio, mas a profa. foi de poucas palavras nesse momento, apenas disse que

“eram só os antigos que acreditavam”, hoje em dia – segundo ela- todos sabem que o rio

está desse jeito devido às queimadas e ao lixo jogado ao seu entorno, assim como pelo

descaso continuo das gestões municipais.

Uma coisa me chamou a atenção nesse pequeno diálogo com Onelice: o fato de

anteriormente no mesmo dia ela estar presente junto da conversa com Maria e ao ser

questionada sobre a Mãe do Rio ter afirmado positivamente sobre a mudança o fato do rio

morrer em decorrência dessa mudança. Ora, se é uma crença apenas dos mais velhos e

tendo em vista que D. Maria não aparentava ser tão mais velha em relação à professora,

refleti e cheguei à conclusão de que não é fator idade ou geração que determina quem

expressa a crença nessa figura encantada, outros fatores pesam, entre eles o acesso à

educação formal, que na segunda ida ao campo se mostrou bastante significativo.

Como não tive oportunidade de conviver muito mais em campo com as pessoas

ainda me faltou segurança para afirmar em que contexto profa. Onelice estaria

demonstrando as suas reais crenças, ou até que ponto existe um limite bem definido entre o

que se acredita e o que se quer acreditar.

Quando estava pela segunda vez em Curuçá, já tendo como meta a pesquisa sobre a

mãe do rio, estava jantando com colegas e conversávamos sobre nossas pesquisas. O dono

do restaurante, que também é coordenador de uma ONG que tem como proposta a

educação ambiental para a conservação dos manguezais sentou-se à mesa conosco e

conversou.

Quando perguntei a ele sobre a Mãe do Rio, de maneira semelhante à da Profa.

Onelice tive como resposta de maneira vaga que ninguém mais acredita nisso, isso é coisa

dos mais velhos. Além disso, ele me disse que tínhamos que focar nossas pesquisas em

situações reais, pois o Rio das Pedras está da maneira que é hoje por abandono das

autoridades curuçaenses. Enfim, ele passou boa parte da nossa conversa avaliando a

questão ambiental da cidade, da reserva de maneira geral. Uma coisa interessante que

observei, é que durante todo o diálogo ele encontrava um jeito de deixar claro que havia se

formado recentemente em Gestão Ambiental, nos mostrou diversas vezes o anel de

formado e fez questão de afirmar que o seu ponto de vista era embasado cientificamente.

Sobre essa relação entre conhecimento tradicional e conhecimento científico,

Manuela Carneiro da Cunha disse:

Poderíamos começar notando que, de certa maneira, os conhecimentos

tradicionais estão para o conhecimento científico como as religiões locais

para as universais. O conhecimento científico se afirma, por definição,

como verdade absoluta até que outro paradigma o venha sobrepujar, como

mostrou Kuhn. Essa universalidade do conhecimento científico não se

aplica aos saberes tradicionais – muito mais tolerantes – que acolhem

frequentemente com igual confiança ou ceticismo explicações divergentes

cuja validade entendem seja puramente local. “Pode ser que, na sua terra,

as pedras não tenham vida. Aqui elas crescem e estão, portanto, vivas.”

(CARNEIRO DA CUNHA, 2007)

Ora, logo se vê que ao adotar para si o conhecimento cientifico, os curuçaenses que

entrei em contato tem como tendência negar – pelo menos quando conversam com

indivíduos que eles creem representar esse conhecimento (pesquisadores, bolsistas,

universitários)- até mesmo como possibilidade de conhecimento o imaginário local. Ao

afirmarem, acredito, que aqueles que creem nisso são mais velhos, estão negando que as

gerações atuais ainda mantém a crença, o que na prática tem se mostrado infundado tendo

em vista que, como falei anteriormente, não é a geração ou a idade que definem isso. Posto

que o Sr. Lucivaldo da Camilo Ataíde pertence à mesma geração do Ambientalista dono do

restaurante.

2. A FUGA DA MÃE

2.1 UMA VISÃO GERAL DO MITO DA MÃE DO RIO (COBRA GRANDE)

Dando continuidade à minha busca por informações sobre a Mãe do Rio, fui

entrevistar uma Sra. de 92 anos chamada de Zizinha. Ela mora na Rua do Rosário, em

frente à entrada que a Profa. Onelice nos mostrou, do olho d’água. Como Zizinha é uma

das mais antigas moradoras do entorno do Rio das Pedras, presumi que ela estivesse mais

aberta para falar do que alguns dos que havia mantido contato anteriormente.

Porém, mais uma vez a questão “Conhecimento científico versus conhecimento

tradicional” pesou durante a entrevista. Confesso que um pouco de imaturidade em campo

deva ter pesado para que Zizinha não fosse tão aberta para nos falar sobre a Mãe do Rio.

Logo de início na entrevista nos apresentamos como pertencentes ao Museu Goeldi na

condição de pesquisadores de iniciação científica, Zizinha iniciou uma conversa sobre seus

filhos e netos que conseguiram alcançar o nível superior. Disse que uma de suas netas

estava para concluir o TCC.

Após essa breve conversa, no momento que perguntei a ela sobre a Mãe do Rio, ela

se mostrou disposta a nos explicar sobre, porém sempre deixando claro que isso era uma

crença “dos mais velhos” que ela não acreditava:

Yasmin: Da outra vez eu vim e conversei com a dona Biuca, lá de cima,

ela mora bem lá na cabeceira.

Zizinha: É, eu conheço, conheço.

Yasmin: Ela estava me explicando que quando o rio vai morrendo a mãe

do rio foge, a senhora sabe contar um pouco mais essa história?

Zizinha: Dizem, as pessoas dizem, eu não sei, que ela se muda. Quando

começam a fazer muita coisa elas se mudam.

Yasmin: Mas o que é a mãe do rio?

Zizinha: Dizem que a mãe do rio é uma cobra. Eu não sei, porque eu não

vi.

Yasmin: A senhora nunca viu?

Zizinha: Eu não vi. Eles que dizem “é a mãe do rio”. Essas pessoas

antigas, minha avó dizia isso, eles dizem que quando aquele olho tá

fervendo ali, porque parece uma fervura, dizem que é a mãe d’água, mas

quando ela vai embora, seca. Eu não sei se isso é verdade. Essa beirada

tudo da Biuca pra cá, tudo na ribanceira, tudo tem olho.

A constante referência da Mãe do Rio enquanto cobra me fez relacioná-la

logicamente à Cobra Grande (ela chega a ser referenciada em uma entrevista como Cobra

Grande), o mito da Cobra Grande em Curuçá existe e já esteve inclusive presente em uma Tese de

Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA/UFPA). Porém

existem algumas diferenças nos relatos dados a mim se comparados com os relatos da Cobra

Grande, tanto nesse trabalho científico quanto nos relatos dos folcloristas.

Na Tese intitulada “As três margens do rio: Travessias, Memórias e Histórias do Bairro

Alto de Curuçá – PA”, Renilda Bastos nos apresenta algumas figuras do imaginário local e entre

elas está a da Cobra Grande:

[...] a Cobra Gande é encantada, dona menina, ela pode até se virá

noutra coisa, numa pessoa e enganá a gente. Quando eu ia pro mar,

agora já sô aposentado, eu me preparava era com o sinal da cruz e a

fé na Nossa Senhora, assim a lanterna dela num me enxergava, só

uma vez rabiou perto da canua, nós fiquemo quieto e ela passo,é

melhó respeitá do que se mete a besta com essas coisa, a gente tem

que respeita, inda mais que ela é dona do lugá - Seu Manoel – 2009

(RODRIGUES-BASTOS, 2010)

A apresentação da cobra como dona do lugar e, portanto, uma figura temível e

respeitável está presente em quase todos os mitos que dizem respeito aos bichos “donos” de

espaços da natureza. Sobre a Cobra Grande, Câmara Cascudo, um dos maiores folcloristas

brasileiros relata:

Cada igarapé, rio, lago, tem sua Mãe e esta só aparece como uma imensa

serpente. Não tem piedade e nem aplaca a fome. Mata e devora quem

encontra. Vira as barcas, arrasta os nadantes, estrangula os banhistas,

apavora todos. À noite veem seus dois olhos de fogo, alumiando o escurão.

Quando os índios viram os primeiros navios de vela, diziam que eram

metamorfoses da Cobra Grande. Agora a Cobra Grande passeia

transformada em transatlântico. [...] Mas a Boiúna (mboi, cobra, una,

preta), a Cobra Grande, só tem uma maneira de ser visível: - é a forma

ofídica. Não “vira” homem nem canta [...] A Boiúna é sempre negra,

silvando alto, nadando como um barco automóvel, é a Jibóia Constrictor

constrictor. É a Sucuriju, Eunectes murinus (CASCUDO, 1976)

A Cobra Grande (Boiuna, Mãe do Rio, Mãe D’água), é uma figura do imaginário

local amazônico, mas para Cascudo esse mito não é estritamente brasileiro ameríndio, pelo

menos o tratamento às figuras viventes dos rios de maneira assombrosa, sagrada, não é

exclusividade da nossa região:

Os gregos e romanos materializavam seus rios em serpentes e touros. O

mugido e violência das águas justificavam a imagem assim como a

ondulação e sinuosidade do curso lembravam os símbolos escolhidos. [...]

Nas religiões do México e Peru a serpente é sempre uma representação

aquática. Os deuses atmosféricos eram adorados em corpos de cobras.

Quetzalcoatl é a serpente emplumada, de culto vastíssimo, Iolcoatl, a

serpente de chocalho, a deusa Coaticul, mulher serpente, mãe do tremendo

Huitzilipochtli, deus asteca, Cinatcoatl, “Nossa Senhora das Serpentes”,

um dos sinônimos da Terra, são os exemplos mais típicos. Coatl, serpente,

significa também vasilha d’água, o que contem água, de co radical de

vaso, vasilha e atl. água. (CASCUDO, 1976)

Em sua, hoje clássica, publicação “Festas de Santos e Encantados”, Napoleão

Figueiredo e Anaíza Vergolino também dão breve descrição sobre a figura da Cobra

Grande:

A Cobra Grande é um encantado que se apresenta sob a forma de um

imenso ofídio, com a cabeça levantada a uma boa altura das águas, seus

olhos são de um vermelho intenso que parecem dois faróis; não se sabe de

qual espécie: se sucuri, jibóia, surucucu ou outra qualquer.

(FIGUEIREDO e VIRGOLINO E SILVA, 1972)

A Cobra Grande, denominada pelos moradores do Rio das Pedras de Mãe do Rio,

portanto, faz parte definitivamente do imaginário amazônico, a crença nessas figuras ainda

permanece, como pode ser demonstrado pelos relatos aqui expostos.

Que a Mãe do Rio existe na mentalidade e no imaginário de boa parte dos

curuçaenses e moradores dos entornos do Rio das Pedras já pudemos analisar que sim,

assim como pudemos fazer uma breve análise do mito da Cobra Grande de maneira geral,

mito esse que correlacionamos com os relatos feitos a nós pelos nossos informantes. Para

poder arriscar incluir a Fuga da Mãe, em si, como um dos mitos curuçaenses,

primeiramente é cabível que se faça uma pequena explicação no tocante ao conceito de

mito sob o viés – principalmente – da Antropologia.

Para Mircea Eliade, a estrutura do Mito se dá:

De modo geral pode-se dizer que o mito, tal como é vivido pelas

sociedades arcaicas, 1) constitui a História dos atos dos Entes

Sobrenaturais; 2) que essa História é considerada absolutamente verdadeira

(porque se refere a realidades) e sagrada (porque é a obra dos Entes

Sobrenaturais); 3) que o mito se refere sempre a uma "criação", contando

como algo veio à existência, ou como um padrão de comportamento, uma

instituição, uma maneira de trabalhar foram estabelecidos; essa a razão pela

qual os mitos constituem Os paradigmas de todos os atos humanos

significativos; 4) que, conhecendo o mito, conhece-se a "origem" das

coisas, chegando-se, consequentemente, a dominá-las e manipulá-las à

vontade; não se trata de um conhecimento "exterior", "abstrato", mas de um

conhecimento que é "vivido" ritualmente, seja narrando cerimonialmente o

mito, seja efetuando o ritual ao qual ele serve de justificação; 5) que de

uma maneira ou de outra, "vive-se" o mito, no sentido de que se é

impregnado pelo poder sagrado e exaltante dos eventos rememorados ou

reatualizados. (ELIADE, 1972)

Quando ele coloca o mito como sendo aquilo que conta como algo veio à existência,

penso na Fuga da Mãe como uma explicação mítica da origem da morte do rio, do estado

atual em que se encontra esse ambiente, posto que para Dona Biuca – por exemplo – o

início dessa poluição está intrinsecamente vinculado ao momento da fuga dessa figura do

imaginário:

Biuca: É... a mãe do rio, com a queimada ela vai... vai ficando... igual

essa aqui. Essa aqui, como eu te disse, quando eu morei por aqui, isso

aqui era tudo plano. Não tinha isso aqui... era tudo plano, a água corria.

Passava a chuva, tava tudo sequinho, tinha olho... mais embaixo tinha um

rio bonito que a gente tomava banho. Era tudo cacimba, a gente ia... a

gente ia, cavava assim um buraquinho e dava no olho, a água boa vindo

de baixo da terra, né? Essas que são água boa. Aí tá...aí quando foi um

senhorzinho do município e pegou e roçou do lado de lá. Ele roçou... aí o

pessoal... ninguém se incomodou porque isso era coisa do prefeito, né? A

gente não pode desmatar no meio da cidade lá, só que quando ele veio aí

e desmatou, “não, você não pode queimar”. Mas não, ele largou fogo e

queimou tudinho. Tinha árvore, minha filha, enorme de grossa. Queimou

tudo, elas morreram, caiu tudinho, aí tá... quando chegou o inverno,

quando chegou o inverno a gente ouviu um estrondo. Um estrondo, mas

tão feio aquilo, aquilo foi quebrando, eu sei que tudo foi arrebentando, foi

levando aquilo pra cá, pra lá... os paus que tinha ainda na frente foi

levando todinhos. O pessoal dizem que foi a mãe... que é cobra grande

né... dizem que foi a cobra que foi embora. Aí foi justamente que ficou

isso aqui. Com a chuva que vem, era pra ficar dessa fundura, isso é muito

fundo aqui. O pessoal tem medo... tem medo de descer aqui.

Yasmin: Mas ela morava nessa cabeceira aqui?

Biuca: Eu acho que ela morava nessa cabecera aí.

Yasmin: Mas faz quanto tempo que ela mudou?

Biuca: Eu acho que faz uns 15 anos. Acho que tem uns quinze anos que

faz dessa coisa que falei.

Yasmin: Mas o pessoal vê a cobra?

Biuca: Não... foi de noite isso, nas horas da noite. Só ouvi o estrondo. Só

deixou a marca, que de manhã... o rastejo que de manhã ela saiu por aí.

Yasmin: Aí a senhora acha que depois disso...

Biuca: Depois disso, pronto, continuou aí. A chuva veio, aí formou essa

coisa aqui.

A partir dessa descrição que Dona Biuca fez sobre o momento exato da fuga da Mãe

do Rio e a motivação dessa mudança, que segundo ela ocorreu após o início dos maus

tratos ao ambiente do rio. Portanto, esse momento de fuga, de mudança, não ocorre sem

motivação, o motivo que leva essa figura a abandonar os seus domínios é a ação humana

direta neles, no sentido de destruição, poluição e queimadas. O relato de Dona Biuca se

assemelha ao de Dona Maria, exposto anteriormente, quando ela coloca que as mães vão

fugindo devido as pessoas roçarem as cabeceiras dos rios.

2.2 RELAÇÃO IMAGINÁRIO E MEIO AMBIENTE

A relevância da investigação cientifica em questão se dá, para que exista uma

valoração do conhecimento e da cultura local, dos povos amazônicos.

Em palestra proferida na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2006, o

professor Paul Little (UnB) discursou acerca da “Antropologia ambiental e seus campos de

pesquisa” 4 onde aqui cabe ressaltar um dos campos apresentados por Little quando do

estudo de temas ambientais na antropologia.

Para ele, uma das linhas de pesquisas pertinentes à Antropologia Ambiental seria a

“linha de pesquisa dos discursos ambientais que procura compreender a maneira como os

grupos entendem o ambiente e a natureza, questionando-se sobre o que é a natureza.”.

Ressaltei aqui a apresentação de Paul Little, pois compreendo que essa pesquisa se

insira no âmbito da pesquisa sobre discursos ambientais, ou da noção local de conservação

do Meio Ambiente, onde no caso dos caboclos curuçaenses é um discurso permeado por

figuras do imaginário sagrado amazônico.

Ao apresentar a figura da Mãe do Rio, essas pessoas estão mostrando um outro

aspecto em que se relacionam com a natureza. Como já foi mostrado no decorrer desse

trabalho, eles compreendem e refletem sobre a natureza nos seus aspectos econômicos,

materiais e até mesmo políticos, mas isso não significa que não possam - e o fazem – se

relacionar com ela a partir de outros aspectos, como o simbólico, ou o imaginário. Para o

antropólogo Roberto Da Matta:

4 Disponível em: <http://www.paranaonline.com.br/editoria/policia/news/176319/ >. Acesso em: 16 de maio 2015.

O caçador e o pescador não encaram sua atividade como possuindo um

caráter exclusivamente técnico; nela existem também elementos de ordem

sobrenatural que parecem indicar a entrada do homem num universo

governado por regras diferentes das que regem a sociedade humana. (DA

MATTA, 1973)

Um aspecto importante da relação entre a Mãe do Rio e a conservação do Meio

Ambiente é em como essa figura funciona, dentro do ponto de vista local, como uma

espécie de termômetro para a conservação do Meio Ambiente. De maneira que a

justificativa para os ambientes estarem degradados não é simplesmente a mudança da cobra

de lugar, ou a fuga dela desse local. Ao contrário, esse movimento de mudança e fuga se dá

quando o ambiente é degradado, poluído.

Para o antropólogo Maurício Waldman (2006), uma das principais diferenças entre

os povos tradicionais e as ditas sociedades modernas no tocante à relação com a Natureza,

está no imaginário, ou no modo como essas pessoas enxergam a Natureza e, por

conseguinte, se relacionam com ela.

De acordo com ele, a modernização ou ocidentalização dos povos tradicionais tem

como uma das consequências a mudança nas relações com o Meio Ambiente. Não pretendo

me aprofundar muito em discussões sobre a modernidade, que tanto vem aquecendo o

pensamento sociológico. Mas se pensarmos modernização como inserção de elementos

externos e que mudam inclusive as relações entre essas populações tradicionais e a

Natureza, posso citar o advento da água encanada como um dos aspectos de modernização

que colaboraram com uma mudança na relação entre essas pessoas e o meio ambiente.

Em conversa com a professora Onelice, ela me informou que acreditava que as

pessoas passaram a descuidar do Rio das Pedras depois que a água encanada chegou nas

casas dos moradores das vizinhanças. Isso teria acontecido há mais ou menos 20 anos. Isso

inclusive pode ter relação com o relato de Biuca que fala que há mais ou menos 15 anos

iniciou-se o processo de poluição e queimadas na cabeceira do rio.

A partir do momento que a água não é mais retirada diretamente do rio e passa a ser

entregue pela torneira, da distribuição municipal, onde os poços de distribuição eram

distantes da localidade (o poço construído no quintal de D. Maria é muito recente, menos

de 5 anos de construído) as pessoas mudam a maneira como enxergam esse recurso natural,

perdendo inclusive – ou diminuindo – a noção de espaço sagrado, morada de criaturas

sobrenaturais. Esse é um dos aspectos que Waldman observa como sendo características da

modernização:

Concepção de natureza como um mero recurso voltado para manter e

expandir incessantemente o progresso e o desenvolvimento econômico

[...] Note-se que o mundo tradicional contrariava essa postura. Podemos,

por exemplo, recordar que a palavra animal se origina justamente de

anima, do latim, que significa “alma”. Em outras palavras, a etimologia

revela que que no passado os animais tinham, em termos do imaginário,

uma clara inserção na ordem material e espiritual do universo. O mundo

moderno altera essa perspectiva, substituindo-a pela pretensão de dominar

a natureza, cujos reflexos são evidentes em um sem-número de variáveis

culturais. (WALDMAN, 2006)

Quando pensamos essas relações com a natureza e o imaginário, somadas as

discussões existentes na própria comunidade de âmbito político, valorizar essa forma de

pensar e esse imaginário de maior respeito com a natureza se torna, para eles um argumento

a mais diante de possíveis disputas ou mesmo nas suas reivindicações políticas. De maneira

similar ao ocorrido com os seringueiros do Acre, estudados por Mauro Almeida (2004).

Em concordância com esse posicionamento, Waldman escreveu:

O trabalho dos antropólogos no seio desses grupos tem fortalecido a

defesa do modus vivendi ambiental dessas comunidades, pois, destacando

os elementos de sustentabilidade ecológica presentes nas sociedades

tradicionais, esses especialistas atribuem a grupos socioculturais antes

inferiorizados uma valoração positiva. (WALDMAN, 2006)

As relações, portanto, existentes entre o pensar tradicional – que dentro de uma

comunidade cabocla amazônica é heterogêneo, e a conservação do Meio Ambiente se dá

nesses moldes, onde as figuras do imaginário além de controlarem o espaço da natureza

também são vistas como marcadoras dessa conservação. Nesse estudo de caso, específico

do Rio das Pedras, foi possível notar que todos os entrevistados tinham consciência do que

materialmente estava causando a morte do rio, mas ainda assim a figura da Mãe do Rio não

deixou de existir, surgindo agora com uma função de demonstrar que os abusos praticados

contra a natureza tem consequências materiais e simbólicas, “espirituais”.

CONCLUSÃO

O desafio de se escrever uma conclusão para um trabalho desse, para mim, é

imenso. Pois essa experiência de um ensaio etnográfico de cunho antropológico, lidando

com uma temática que apesar de estar em voga há tempo considerável permanece bastante

atual, atualíssima, diria.

As dificuldades foram muitas, e provavelmente visíveis para quem lê. A primeira

delas foi lidar com um período limitado em campo, diminuindo assim o contato com os

informantes e impossibilitando inclusive um maior aprofundamento no tema e nas

reflexões propriamente ditas. Mas acredito que pude fazer, com o pouco material que tinha

coletado, reflexões condizentes com a proposta.

O que concluo a partir desses estudos é que o imaginário mítico ainda está presente

nas populações caboclas amazônicas, e isso acontece independentemente ao que se chama

de “progresso”.

A Mãe do Rio está presente no imaginário local, mesmo quando negada por parte

dessas pessoas, pois a partir dessas negações também é possível pensar as relações

existentes entre Meio Ambiente e o Imaginário.

Pude compreender a partir desse estudo que a racionalidade cabocla não é

excludente, compreende-se a existência dos fenômenos materiais, como o assoreamento,

consequências das queimadas e da poluição por exemplo, mas também mantém-se a crença

não só na existência dessas figuras de bichos encantados mas na sua relação com essas

pessoas no cotidiano e na sua relação com o Meio Ambiente e com o estado de conservação

dos espaços naturais.

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(Série Meio Ambiente)