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Page 1: A FORMAÇÃO DE CULTURA CRÍTICA PROFISSIONAL E A … · mineira nos anos 60, 70 e 80” pretende investigar as relações entre os centros universitários de formação em psicologia

A FORMAÇÃO DE CULTURA CRÍTICA PROFISSIONAL E A REFORMA PSIQUIÁTRICA MINEIRA

Maria Stella Brandão Goulart – PUC MINAS (coord);

[email protected] Izabel Friche Passos – UFMG

[email protected] Eliane Rodrigues da Silva – Iniciação Científica PUC MINAS

[email protected] Fernanda de Moura Braga – Iniciação Científica UFMG

[email protected] Marcela Alves de Abreu – Iniciação Científica PUC MINAS

[email protected]

Resumo:

A pesquisa intitulada “As instituições universitárias e a Reforma Psiquiátrica

mineira nos anos 60, 70 e 80” pretende investigar as relações entre os centros

universitários de formação em psicologia e psiquiatria, como instituições de

credenciamento profissional, seus atores, ações e produtos, tomados como um dos

mediadores entre Estado e sociedade civil no desencadeamento do processo de Reforma

Psiquiátrica em Minas Gerais.

Esta pesquisa conta com o apoio da PUC Minas e da UFMG (instituição

associada), sendo financiada pela FAPEMIG, Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de Minas Gerais, desde dezembro de 2005. O encerramento dos trabalhos de

investigação está previsto para o mês de Julho de 2007, assim, ainda serão incorporados

novos dados, posteriormente. Nesta apresentação, estaremos destacando os dados

parciais, resultantes do esforço investigativo que se concentrou no estudo das seguintes

instituições de formação profissional de nível superior em Psicologia e

Psiquiatria:1.Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

PUC MINAS; 2. Curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais,

UFMG; 3. Curso de Psicologia da Fundação Mineira de Educação e Cultura, FUMEC;

4. Residência em Psiquiatria do Hospital de Ensino Instituto Raul Soares, HEIRS; 5.

Curso de especialização em Saúde Mental da Escola de Saúde de Minas Gerais

(ESMIG, atual ESP).

Procuramos delinear um conjunto de personagens e iniciativas (ações e

produtos), ligados a esses que foram os principais centros de formação superior, nos

anos sessenta, setenta e oitenta. No processo de construção de cultura crítica e

antimanicomial, interessa-nos a forma como estas instituições, formadoras de cultura

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profissional e formal, participaram frente às transformações no enfrentamento dos

desafios do sofrimento mental na forma de ensino; práticas de extensão; e pesquisas

realizadas.

Se o título da nossa pesquisa sugere um estudo focado em universidades como

universo da pesquisa, as instituições escolhidas explicitam uma delimitação

comprometida com o caráter credenciador destas instituições, expandindo a

investigação na direção de espaços específicos de formação em psicologia e psiquiatria

cuja contribuição pode ser entendida como relevante.

Não se pretende inferir que as universidades tenham capitaneado o processo de

Reforma. Estamos supondo que a contribuição de muitos dos professores e alunos que

atuavam nestes espaços foram relevantes para a transformação do pensamento e da

cultura, que estava se processando. A hipótese principal é de que segmentos importantes

dos corpos docente e discente das universidades, tomadas genericamente enquanto

instituições acadêmicas e de credenciamento, tiveram participação relevante no

processo que resultou na redefinição da política de saúde mental mineira.

Quando nos referimos às instituições de credenciamento profissional, apoiamo-

nos em conceitos oriundos do campo da análise institucional (CASTORIADIS, 1992;

LOURAU, 1974; LAPASSADE, 1983; BAREMBLITT, 1992). Entendemos as

instituições como um espaço polissêmico e contraditório. Assim, as instituições de

formação superior serão entendidas tanto como espaço de emergência de cultura crítica,

assim como espaço de negação das iniciativas reformistas, no que concerne à Reforma

Psiquiátrica.

Entendemos que a Reforma Psiquiátrica, desencadeada no final dos anos 70, se

apoiou em modos de interpretação e em informações críticas que instrumentalizaram o

processo de transformação social e política que se configurou através da ação dos

profissionais de saúde mental e, posteriormente, dos próprios usuários dos serviços. A

cultura crítica emergente seria, segundo hipotetizamos, tributária da cultura formal que

era reproduzida nas instituições de credenciamento profissional, lado a lado, ou em

contradição, com a cultura hegemônica convencional que produzia uma competência

técnica que não se comprometia com a crítica aos manicômios, à segregação dos

doentes mentais, ou ao autoritarismo no âmbito das instituições psiquiátricas. Para a

realização da pesquisa, apoiamo-nos na pesquisa documental e no resgate de história

oral, explorando o material encontrado a partir da perspectiva da análise do discurso

(MACHADO, 2002) aliada a uma análise de conteúdo. Estamos trabalhando com a

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análise dos currículos dos cursos de psicologia e psiquiatria nos centros universitários

enfocados, no período das décadas de 60, 70 e 80, com levantamento de disciplinas,

eventos, projetos de investigação e iniciativas de extensão universitária; a pesquisa da

Plataforma Lattes e internet; o levantamento das atividades de Extensão e Pesquisa; a

realização de entrevistas; o levantamento de documentos e publicações relativos ao

período enfocado.

Como resultados obtidos, podemos, primeiramente, destacar no curso de

Psicologia da PUC Minas, a década de 70 e 80, como um importante período para a

discussão da temática da saúde mental. Os dados levantados sugerem que a área de

psicopatologia é particularmente relevante para a compreensão das discussões nos anos

70, e a área de Psicologia Social parece sustentar a discussão no período seguinte. Isto

não quer dizer que se tenha configurado um discurso crítico hegemônico. Ao contrário.

O curso de Psicologia da PUC, ao longo dos anos 60, 70 e 80, parece caminhar em

direção a uma perspectiva clínica. Este crescimento parece estar apoiado na abertura em

relação às práticas grupais e caminhou para perspectivas de uma clínica

psicoterapêutica privada e individualizada. No entanto, se considerarmos a dimensão

institucional instituinte, destacam-se: a constituição do Projeto Cabana, do Grupo de

Estudos e o trabalho desenvolvido nas disciplinas de Psicologia Social. Estes espaços e

disciplinas, sendo oferecidos regularmente, parecem ter contribuído para a constituição

de pensamento crítico na formação em psicologia e teriam papel inovador no cenário

assistencial do período.

No curso de Psicologia da UFMG, podemos destacar a importância do Setor

de Psicologia Social no processo de Reforma Psiquiátrica mineira. Isto se dá, seja de

forma direta, através da prestação de consultorias aos hospitais Galba Velloso e André

Luiz, sob a liderança do Professor Célio Garcia, ou, de forma indireta, através da

importante formação crítica propiciada pelos seminários regulares de estudos e

pesquisas que congregavam grande número de professores e alunos em acalorados

debates nos fins de semana, e através de importante cooperação internacional com a

Universidade de Paris, que trouxe a Belo Horizonte, sucessivamente, no final dos anos

60 e início dos 70, grandes nomes da Psicossociologia, da Psicologia Social e da

Filosofia, como: Max Pagès, André Levy, Georges Lapassade e Michel Foucault. O

Setor teve uma atuação política intra e extra-muros universitários que deixou marcas

históricas em termos de mudanças na formação acadêmica e em iniciativas de

intervenção em instituições e comunidades voltadas para a redemocratização das

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relações sociais num país tomado pela ditadura civil-militar. Continuou a desenvolver

projetos relevantes, apesar de pontuais, até final dos anos 80 (marco cronológico desta

pesquisa) como o Projeto Guimarães Rosa desenvolvido por estudantes de psicologia no

Hospital Raul Soares. Assim, a UFMG teve um papel considerável, na medida em que

penetrou os serviços, estimulando reflexão acerca do processo acerca da necessidade de

Reforma da Assistência.

O curso de Residência do IRS, por sua vez, foi um formador de pensamento

crítico, apontando para a influência da cultura formal nas ações políticas, pois os

residentes e preceptores deste curso foram os agentes das propostas e executores das

mudanças geradas pela Reforma Psiquiátrica. Identificamos que a primeira geração de

preceptores da residência trouxe consigo um conjunto de idéias e uma postura crítica

frente à situação de assistência psiquiátrica, à loucura e ao papel dos profissionais de

saúde mental em relação aos seus pacientes. Estes profissionais buscaram propor

mudanças e incentivaram seus alunos no mesmo sentido. Sendo assim, as primeiras

gerações de residentes também já buscavam mudanças e apresentavam um pensamento

crítico, influenciados por seus professores e pelas leituras de autores da antipsiquiatria e

psiquiatria social.

Os dados obtidos até o momento indicam que a FUMEC foi também um espaço

de formação de cultura crítica em Psicologia no que diz respeito à Reforma Psiquiátrica

Mineira. O estudo da assistência psiquiátrica no Brasil e seus aspectos ideológicos; as

discussões sobre a antipsiquiatria e sobre a Saúde Mental além do estudo sobre a

atuação do psicólogo na nova proposta política advinda do processo de Reforma

Psiquiátrica mineira remetem a esta conclusão. Destacam-se nesta discussão as

disciplinas de “Psicopatologia Geral I”, “Psicologia da Personalidade II”; “Teorias e

Técnicas Psicoterápicas” (Ideologia e Saúde Mental); Psicologia Comunitária e

Intervenção Psicossociológia, por apresentarem em seu conteúdo programático e na

bibliografia uma proposta indicadora de discurso crítico acerca do processo de reforma

e/ou Saúde Mental.

É importante considerar que o curso de Psicologia da FUMEC foi um espaço do

qual emergiram militantes da Luta Antimanicomial, e está associado à emergência da

perspectiva da clínica psicanalítica que tanto influenciou a Reforma mineira.

Quanto à ESP, podemos apontar um papel essencial no enriquecimento do

cenário que deu origem e sustentou a reforma psiquiátrica mineira, dando a ela um

perfil próprio, onde a universidade ocupa, na figura de professores, alunos e projetos

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contra-hegemônicos, um lugar a ser resgatado. O levantamento das monografias e

cursos (de saúde pública e de saúde mental) oferecidos em sintonia com o pensamento

da Reforma Sanitária e da Psiquiátrica foi indicativo de sintonia crítica. Este espaço de

formação nutriu o processo de Reforma nos anos 80 de pensamento crítico significou

uma estratégia para a capacitação dos profissionais de saúde mental envolvidos no

serviço público substitutivo.

Assim, identificamos, e avaliamos com pertinente, a participação das

instituições de credenciamento profissional no processo de Reforma Psiquiátrica.

Mesmo que as relações entre essas Instituições sejam descontínuas e, eventualmente,

conflitivas.

Eixo: 148

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta dados coletados na pesquisa intitulada “As

instituições universitárias e a construção da reforma psiquiátrica mineira nas décadas de

60, 70 e 80”, investigando as relações existentes entre os centros universitários de

formação em psicologia e psiquiatria, como instituições de credenciamento profissional,

seus atores, ações e produtos, tomados como um dos mediadores entre Estado e

sociedade civil no desencadeamento do processo de reforma psiquiátrica em Minas

Gerais.

Esta pesquisa conta com o apoio da PUC Minas e da UFMG (instituição

associada), sendo financiada pela FAPEMIG, Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de Minas Gerais, desde dezembro de 2005. Nesta apresentação, destacaremos

dados resultantes do esforço investigativo que se concentrou no estudo das seguintes

instituições de formação profissional de nível superior em Psicologia e Psiquiatria: 1.

Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC

MINAS; 2. Curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG; 3.

Curso de Psicologia da Fundação Mineira de Educação e Cultura, FUMEC; 4.

Residência em Psiquiatria do Hospital de Ensino Instituto Raul Soares, HEIRS; 5.

Curso de especialização em Saúde Mental da Escola de Saúde de Minas Gerais

(ESMIG, atual ESP).

Procuramos delinear um conjunto de personagens e iniciativas (ações e

produtos), ligados a esses que foram os principais centros de formação superior, em

Minas Gerais, nos anos sessenta, setenta e oitenta. No processo de construção de cultura

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crítica e antimanicomial, interessa-nos a forma como estas instituições, formadoras de

cultura profissional e formal, participaram frente às transformações no enfrentamento

dos desafios do sofrimento mental na forma de ensino; práticas de extensão; e pesquisas

realizadas.

Se o título da nossa pesquisa sugere um estudo focado em universidades como

universo da pesquisa, as instituições escolhidas explicitam uma delimitação

comprometida com o caráter credenciador destas instituições, expandindo a

investigação na direção de espaços específicos de formação em psicologia e psiquiatria

cuja contribuição pode ser entendida como relevante.

Não se pretende inferir que as universidades tenham capitaneado o processo de

Reforma. Estamos supondo que a contribuição de muitos dos professores e alunos que

atuavam nestes espaços foram relevantes para a transformação do pensamento e da

cultura, que estava se processando, tendo papel relevante no processo que resultou na

redefinição da política de saúde mental mineira.

Quando nos referimos às instituições de credenciamento profissional, apoiamo-

nos em conceitos oriundos do campo da análise institucional (CASTORIADIS, 1992;

LOURAU, 1974; LAPASSADE, 1983; BAREMBLITT, 1992). Entendemos as

instituições como um espaço polissêmico e contraditório. Assim, as instituições de

formação superior serão entendidas tanto como espaço de emergência de cultura crítica,

assim como espaço de negação das iniciativas reformistas, no que concerne à Reforma

Psiquiátrica.

A Reforma Psiquiátrica, desencadeada no final dos anos 70, se apoiou em

modos de interpretação e em informações críticas que instrumentalizaram o processo de

transformação social e política que se configurou através da ação dos profissionais de

saúde mental e, posteriormente, dos próprios usuários dos serviços. A cultura crítica

emergente seria, segundo hipotetizamos, tributária da cultura formal que era

reproduzida nas instituições de credenciamento profissional, lado a lado, ou em

contradição, com a cultura hegemônica convencional que produzia uma competência

técnica que não se comprometia com a crítica aos manicômios, à segregação dos

doentes mentais, ou ao autoritarismo no âmbito das instituições psiquiátricas.

METODOLOGIA

Para a realização da pesquisa, apoiamo-nos na pesquisa documental e na história

oral, explorando o material encontrado a partir da perspectiva da análise do discurso

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(MACHADO, 2002) aliada a uma análise de conteúdo. Trabalhamos com a análise dos

currículos dos cursos de psicologia e psiquiatria nos centros universitários enfocados,

no período das décadas de 60, 70 e 80, com levantamento de disciplinas, eventos,

projetos de investigação e iniciativas de extensão universitária; a pesquisa da Plataforma

Lattes e internet; o levantamento das atividades de Extensão e Pesquisa; a realização de

entrevistas; o levantamento de documentos e publicações relativos ao período enfocado.

Na revisão de literatura, retomamos as contribuições de diversos pesquisadores, na

forma de artigos, livros, relatórios de pesquisa, dissertações de mestrado e doutorado.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

O Curso de Psicologia da PUC Minas iniciou no ano de 1961, sendo o primeiro

curso de Psicologia de Minas Gerais, podendo destacar os nomes de Pedro Parafita de

Bessa e Halley Bessa como atores que participaram da criação do curso.

A análise de oferta das disciplinas da Psicologia da PUC Minas indicou uma

crescente discussão dos temas relacionados ao nosso objeto de pesquisa no decorrer das

décadas de 60, 70 e 80. Identificamos que, especialmente na década de 80, iniciou-se

uma discussão mais ativa e crítica sobre as questões que envolviam a Saúde Mental.

Eram, no entanto, circunscritas ao espaço de algumas disciplinas especificas e não

chegaram a dominar a pauta deste curso de psicologia que consolida uma forte tradição

no campo da clinica consultorial privada.

Na década de 60, o curso privilegiou a área de orientação profissional, porém

identificamos disciplinas que se referiam ao tema da saúde mental de forma

problematizadora. Já na década de 70, o curso assumiu uma posição mais

experimentalista e houve uma expansão na utilização de laboratórios de análises

empíricas do comportamento. Na década de 80, ocorre a modificação do curso para o

enfoque biomédico (ANDRADE, 1989), no qual o discurso clínico passou a ser

privilegiado. Nesse período identificamos uma crescente presença das disciplinas de

Psicopatologia e Psicanálise se apoiando nesse discurso. Nessa década o discurso crítico

em saúde mental estava presente, de forma incisiva, através das disciplinas de

Psicologia Social.

O nome de Helvécio Ratton (Cineasta) foi muito citado em entrevistas e

documentos estudados, já que no final de sua graduação em Psicologia na PUC, Ratton

produziu o documentário “Em nome da Razão” (1979), nacionalmente conhecido, no

qual fazia uma denúncia sobre as péssimas condições de assistência no Hospital

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Psiquiátrico de Barbacena. Nos anos setenta, o curso estava inserido nos espaços

assisntenciais. No Hospital André Luiz, já era ofertado estágio de Psicopatologia, sendo

que nesse período o hospital funcionava inspirado no modelo de Comunidade

Terapêutica.

No que concerne aos projetos de extensão, na década de oitenta, identificamos

alguns projetos em Belo Horizonte e no interior do Estado. O de Campus Avançado da

Puc no Vale do Jequitinhonha, em Araçuaí, que produzia sintonia entre a universidade e

a população local; o Projeto Cabana, que foi fundamental para a introdução do discurso

crítico voltado para a Saúde Mental comunitária; e o Projeto de Saúde Mental na cidade

de Ibirité, Minas Gerais, onde os estagiários realizavam atendimento psicanalítico nos

postos de saúde, sendo uma experiência pioneira neste tipo de atendimento individual

em postos [centros] de Saúde. A universidade desenvolvia e aplicava um modelo de

atenção ambulatorial dirigido à população de baixa renda. E comprometido com o

direito à saúde.

Nesta ocasião, surgiu o Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental, em

convênio com a ESP, com o projeto de pesquisa intitulado “Estado da Arte da produção

de trabalhos em Saúde Mental no Brasil”. Este grupo nasceu em 1986, constituindo o

primeiro grupo de estudos de psicólogos mineiros na área de saúde mental de Minas

Gerais (GOULART; SILVA, 1988).

Os dados levantados sugerem que no curso de Psicologia da PUC Minas as

décadas de 70 e 80, foram um período de destaque para a discussão da temática da

saúde mental. A área de Psicopatologia é particularmente relevante para a compreensão

das discussões nos anos 70, e a área de Psicologia Social parece sustentar a discussão no

período seguinte. Isto não quer dizer que se tenha configurado um discurso crítico

hegemônico. Ao contrário. O curso de Psicologia da PUC, ao longo dos anos 60, 70 e

80, parece caminhar em direção a uma perspectiva clínica, pouco sintonizada com o

tema da saúde coletiva.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

O curso da UFMG foi criado em 1963, através de uma articulação do professor

Pedro Parafita de Bessa. Seus primeiros professores vieram do antigo SOSP (Serviço de

Orientação e Seleção Profissional) e do Banco da Lavoura, como Pierre Weil e Célio

Garcia.

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No curso de Psicologia da UFMG, podemos destacar a importância do Setor de

Psicologia Social no processo de constituição de cultura crítica associável à Reforma. O

Setor teve uma atuação política que deixou marcas históricas em termos de mudanças

na formação acadêmica e em iniciativas de intervenção em instituições e comunidades.

Já na década de 60, sob a liderança de Célio Garcia, o Setor prestou consultorias aos

hospitais Galba Velloso e André Luiz, e também promoveu seminários regulares de

estudos e pesquisas.

As disciplinas de Psicologia Social, nos anos 60, abordavam a temática da saúde

mental. Em 1968 ocorreram as visitas de André Levy e de Max Pagés, que trouxeram

contribuições teóricas sobre Intervenção Psicossociológica.

Durante a década de 70, ocorreram acontecimentos marcantes, no âmbito da

psicologia da UFMG. Em primeiro lugar, as visitas de Georges Lapassade e Michel

Foucault, em 1972 e 1973, respectivamente, que deixaram marcas profundas no grupo

que os acompanhou nos cursos, seminários e palestras realizados. A reforma curricular

do curso de Psicologia, em 1974, proporcionou a incorporação das disciplinas de

Psicanálise, Intervenção Psicossociológica, Psicologia Comunitária e Ecologia Humana,

onde seu conteúdo expressava uma proximidade com a luta pelos direitos humanos e

pela saúde pública.

A Psicologia Social nessa época começa a se voltar para a Saúde Coletiva,

sintonizando suas práticas com o movimento sanitarista. Isto fez com que muitas

atividades do Setor desenvolvessem ações de prevenção, participação e controle social

de políticas públicas. Dentre elas, podemos citar: o Projeto Capim Branco, em 1973,

onde Cornelis Johannes van Stralen e Júlio Mourão atuavam em áreas de risco

epidêmico de esquistossomose; a criação do Projeto Montes Claros, em 1976, que

também orientava suas ações dentro da lógica do movimento sanitarista; o destacado

Projeto Guimarães Rosa, desenvolvido no Instituto Raul Soares, no início dos anos 80,

por alunos do curso de Psicologia.

Na década de 80, as ações da Universidade, através de estágios desenvolvidos

nas instituições de saúde, tentaram acompanhar as mudanças que ocorriam na

Assistência dos Hospitais Psiquiátricos. Em 1983, houve a implantação do Projeto de

Integração Docente Assistencial, na região metropolitana de Belo Horizonte e no norte

de Minas, coordenado pelo Professor Cornelis J. van Stralen. O estágio no norte de

Minas, em 1984, no município de Montes Claros era realizado dentro do Internato

Rural, sendo desenvolvido como uma atividade de extensão. As atividades curriculares

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em Psicologia, extensionistas e de pesquisa, desenvolvidas na UFMG, no período

investigado, algumas delas diretamente voltadas para a saúde mental e a saúde coletiva,

parecem ter contribuído para a construção de uma cultura crítica em torno das práticas

que antecederam e podem ter ajudado a consolidar a Reforma Psiquiátrica em Minas

Gerais. Assim, a UFMG teria penetrado os serviços, estimulando reflexão acerca da

necessidade de mudanças na assistência psiquiátrica.

INSTITUTO RAUL SOARES

A Residência no Instituto Raul Soares teve suas raízes constituídas no ano de

1968, sob a coordenação do Dr. Jorge Paprocki, em um convênio do Hospital Galba

Velloso com a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. No ano de 1971, as

atividades desta Residência foram transferidas para o Instituto Raul Soares, em

decorrência da fundação da FEAP, Fundação Educacional e de Assistência Psiquiátrica.

Nos documentos do período do início dos anos 70 que se referem às disciplinas

que eram dadas no curso de Residência, encontramos referência à disciplina Psiquiatria

Social, sendo esta a mais importante para nosso estudo, pois aponta para a discussão

crítica em relação à saúde mental, abarcando, desde o início, críticas ao modelo

psiquiátrico vigente.

O curso de Residência do IRS foi um formador de pensamento crítico no campo

da psiquiatria mineira, apontando para a influência da cultura formal nas ações políticas,

pois os residentes e preceptores deste curso foram os agentes das propostas e executores

das mudanças geradas pela Reforma Psiquiátrica. Identificamos que a primeira geração

de preceptores da residência trouxe consigo um conjunto de idéias e uma postura crítica

frente à situação de assistência psiquiátrica, propondo mudanças e incentivaram seus

alunos no mesmo sentido. O papel crítico dos residentes pode ser evidenciado no

momento da “crise do eletrochoque”, em 1973, que foi uma tentativa dos próprios

residentes de não aplicarem esta técnica, que era corriqueira nos hospitais naquele

período.

O III Congresso Mineiro de Psiquiatria, marco da Reforma Psiquiatrica

brasileira, organizado pela Associação Mineira de Psiquiatria em parceria com a

Residência, no ano de 1979, também foi um evento notável. Contou com a participação

de nomes importantes do cenário nacional e internacional, como Franco Basaglia e

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Robert Castel, e as discussões que neste congresso ocorreram apontam para a busca de

novas perspectivas na psiquiatria mineira e brasileira.

A partir dos dados obtidos nessa pesquisa, podemos concluir que o curso de

Residência do IRS foi um formador de pensamento crítico, apontando para a influência

da cultura formal nas ações políticas, pois os residentes e preceptores desse curso foram

agentes das propostas e executores das mudanças geradas pela Reforma Psiquiátrica.

FUNDAÇÃO MINEIRA DE EDUCAÇÃO E CULTURA

O Curso de Psicologia da FUMEC, fundado em 1971, teve Halley Alves Bessa,

Ary Xavier e Paulo César Valle como personagens importantes para a sua criação.

Percebemos que a FUMEC foi também um espaço de formação de cultura crítica

em Psicologia no que diz respeito à Reforma Psiquiátrica Mineira. Os estudos ali

realizados sobre assistência psiquiátrica no Brasil e seus aspectos ideológicos; as

discussões sobre a Antipsiquiatria e sobre a Saúde Mental, além do estudo sobre a

atuação do psicólogo na nova proposta política advinda do processo de Reforma

Psiquiátrica Mineira remetem a esta conclusão.

O curso oferecido na década de 70 era fundamentalmente marcado pelo

Behaviorismo e pelo Humanismo Rogeriano. Já na década de 80, a Psicanálise passou a

ter grande repercussão no curso, principalmente a vertente Lacaniana.

Um fator importante de considerar é que o curso de Psicologia da FUMEC foi

um espaço do qual emergiram militantes da Luta Antimanicomial, e está associado à

emergência da perspectiva da clínica psicanalítica que tanto influenciou a Reforma

mineira. Os dados obtidos indicam que a FUMEC foi um espaço onde também ocorreu

formação crítica em Psicologia que deve ser alvo de discussão e resgate.

ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DE MINAS GERAIS

Quanto à ESP, Escola de Saúde Pública, podemos apontar um papel central no

enriquecimento do cenário que deu origem e sustentou a Reforma Psiquiátrica mineira,

dando a ela um perfil próprio, onde a universidade ocupa, na figura de professores,

alunos e projetos contra-hegemônicos, um lugar a ser resgatado.

O curso de saúde pública ofertado pela ESP iniciou-se no ano de 1960. Assim,

quando ocorreu a implantação do curso de saúde mental, em meados da década de 80, já

existia uma tradição do curso de saúde pública. A influência exercida pela Reforma

Sanitária em relação à Reforma Psiquiátrica é um questionamento que se tornou

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freqüente durante as investigações na ESP, uma vez que as análises de documentos e

relatos orais demonstram uma articulação entre os dois processos. O curso de saúde

pública revelou uma série de disciplinas que abordaram, de forma direta e indireta, o

tema da saúde mental. Destaca-se assim, a construção de um pensamento crítico no

percurso histórico dos cursos de especialização em saúde pública, e, em especial, o de

saúde mental.

O curso de Especialização em Saúde Mental da ESP-MG se consolidou a partir

da proposta advinda do nascente Movimento da Luta Antimanicomial mineiro, que se

iniciou em 1987, objetivando a conquista dos direitos à saúde e cidadania pelos

portadores de transtorno mental (ROCHA, 2002).

O levantamento das monografias e cursos oferecidos em sintonia com o

pensamento da Reforma Sanitária e da Psiquiátrica foi indicativo de sintonia crítica.

Este espaço de formação nutriu o processo de Reforma nos anos 80 de pensamento

crítico significou uma estratégia para a capacitação dos profissionais de saúde mental

envolvidos no serviço público substitutivo.

CONCLUSÃO

As instituições citadas em nosso estudo permitem identificar uma rede de

relações bastante complexa entre os espaços de credenciamento profissional, os serviços

públicos hospitalares e ambulatoriais prestados em saúde mental no período estudado. A

presença de alguns de atores/personagens históricos comuns nesses diversos contextos

institucionais nos permitiram perceber interfaces e espaços profícuos de discussão e

ação. Identificamos a participação do conjunto de instituições estudadas no processo de

construção da cultura crítica que teria sustentado a Reforma Psiquiátrica mineira,

mesmo considerando que as relações entre essas instituições sejam descontínuas e,

eventualmente, conflitivas. A pesquisa que estamos concluindo permitirá o

delineamento de material que possa ser discutido e que seja capaz de fomentar o resgate

da história mineira e da cultura profissional no campo da saúde mental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALEIXO, José Lucas Magalhães. Destino áspero: história em construção da escola de saúde pública de Minas Gerais. Belo Horizonte: Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, 2001. 207p.

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Filme: Em nome da Razão. Direção Helvécio Ratton. Documentário. Fotografia Dileny Campos. Barbacena: Tarcisio Vidigal, Grupo Novo de Cinema, 1979. 1 fita de vídeo (55 min.), VHS, 35 mm, son, pb.