a formaçao da consciência
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A consciência, como norma imediata do comportamento humano, pode ser deformada. Daí a importância de formá-la corretamente. Somente a consciência firme (não hesitante) e reta pode ser tomada como norma dos costumes. O artigo abaixo indica princípios que contribuem para que o ser humano chegue a ter uma consciência firme e verídica.TRANSCRIPT
A FORMAÇAO DA CONSCIÊNCIA
PERGUNTE E RESPONDEREMOS 457 – junho 2000 Como fazer?
Em síntese: A consciência, como norma imediata do comportamento humano, pode ser
deformada. Daí a importância de formá-la corretamente. Somente a consciência firme
(não hesitante) e reta pode ser tomada como norma dos costumes. O artigo abaixo
indica princípios que contribuem para que o ser humano chegue a ter uma consciência
firme e verídica.
Em nosso artigo anterior (A Confissão e o Perdão) foi dito que a consciência moral é a
bússola ou a norma imediata do comportamento humano. Compete-lhe olhar, de um
lado, para a lei objetiva e seus exatos dizeres e, de outro lado, para as circunstâncias
concretas em que o indivíduo se acha; o confronto entre um e outro polo possibilitará à
consciência ditar a norma da conduta do sujeito. Ocorre, porém, que a consciência pode
estar despreparada para tão importante tarefa; não poucas vezes ouvem-se pessoas dizer
levianamente que procederam de acordo com a sua consciência. Na verdade, não qual-
quer alvitre da consciência legitima o comportamento humano. Só é bússola fidedigna a
consciência bem formada ou a consciência verídica e firme.
A fim de aprofundar esta afirmação, proporemos, a seguir, 1) as diversas modalidades
de consciência e 2) os deveres do cristão referentes à formação de sua consciência.
1. As modalidades da consciência
Como dito, o julgamento imediato sobre a liceidade do ato humano é proferido pela
consciência. Há, porém, várias modalidades de consciência, como se depreende do
quadro abaixo:
Consciência
1) do ponto de vista da conformidade com a lei moral
a) consciência verídica ou reta
b) consciência errônea (escrupulosa, perplexa, laxa, cauterizada, farisaica)
b.1) culpadamente errônea
b.2) não culpadamente errônea
2) do ponto de vista do grau de assentimento
a) consciência certa ou firme
b) consciência provável
c) consciência duvidosa ou hesitante
Expliquemos o significado dos termos.
1) Do ponto de vista da conformidade com a lei moral
a) A consciência verídica ou reta é aquela que se apoia em princípios morais
autênticos, declarando lícito ou ilícito o que realmente é tal.
b) A consciência errônea é a que parte de falsos princípios morais tidos como genuínos
ou parte de genuínos princípios falsamente aplicados ao caso. Em consequência, declara
lícito ou ilícito aquilo que de fato não é tal. Os erros de tal consciência devem-se à
ignorância ou a defeito de aplicação. A ignorância pode existir apesar da diligência do
respectivo sujeito para conhecer a verdade: neste caso, os erros procedentes de tal
consciência não são culposos. Mas pode também a ignorância existir por causa da
negligência do sujeito em conhecer a verdade; neste caso, os erros da consciência são
culposos.
A consciência errônea (com ou sem culpa do respectivo sujeito) subdivide-se, de acordo
com a situação psicológica da pessoa, em: escrupulosa, perplexa, laxa, cauterizada e
farisaica.
A consciência escrupulosa é a que, por motivos de pouca monta, julga ou receia que tal
ação seja pecaminosa, quando de fato não é tal. O escrupuloso vive em angústia quase
incessante, pois em tudo vê graves deveres e perigos. Muitas vezes é vítima de estado
de alma doentio ou de sistema nervoso abalado.
Merece especial atenção o "escrúpulo de compensação"; costuma versar sobre um
preceito apenas, cujos pormenores a pessoa quer observar com o máximo rigor,
enquanto é extremamente liberal em relação às outras normas da Moral (em particular,
no que se refere ao amor ao próximo ou à oração). O escrúpulo de compensação é uma
espécie de fuga ou de auto-ilusão; tem que ser desmascarado e, a seguir, combatido
mediante volta enérgica ao cumprimento dos deveres primordiais negligenciados pela
fuga.
Para curar-se, o escrupuloso deve obedecer confiantemente às ordens e aos conselhos do
seu confessor. Esteja certo de que, obedecendo ao confessor, está livre de qualquer
pecado formal. - Em vez de se preocupar com seus problemas pessoais, pense no amor e
na misericórdia de Deus. - Procure também dedicar-se regularmente a um trabalho que
lhe interesse, a fim de não se deter constantemente sobre seus questionamentos.
Distingamos da consciência escrupulosa a consciência delicada. Esta, movida por vivo
amor a Deus, tem o olho aberto até para as mais leves ocasiões de pecado, procurando
zelosamente afastar-se de todas.
A consciência perplexa é aquela que, posta diante de um dilema (agir ou não agir? ...
agir deste ou daquele modo?) julga haver pecado em qualquer opção; sinceramente não
vê como evitar a culpa.
Em tais casos irá pedir as luzes de um conselheiro prudente para resolver a situação.
Caso não seja possível contemporizar, o interessado optará pelo que julgar ser "o
pecado menor", comprovando assim a sua boa intenção. É claro que quem age numa
situação dessas, em verdade não comete pecado algum, pois, para que haja pecado, é
necessária plena liberdade de escolha entre o bem e o mal - coisa que a pessoa perplexa
julga não ter.
A consciência laxa ou relaxada é a que levianamente julga não incorrer em pecado ou
incorrer em falta leve quando na realidade comete falta grave. Resulta de tibieza no
serviço de Deus, tibieza que há de ser vencida mediante recursos insinuados em Ap
3,16-20: exame de consciência, penitência, zelo na prática das obras boas, aceitação
generosa das provações salutares que a Providência Divina envia.
A consciência cauterizada (destruída ou extirpada) representa um grau ainda mais
evoluído de frouxidão; embotada pelo hábito inveterado de pecar, já quase não percebe
a iliceidade de suas faltas. Um braço engessado se atrofia: assim também a consciência
cujos apelos são constantemente contraditados, vai definhando; ela já quase não fala, e
deixa seu portador em paz,... paz de cemitério.
A consciência farisaica é a que sem dificuldade aprova atos gravemente ilícitos, ao
passo que exagera a gravidade de feitos de menor importância (cf. Mt 23, 24).
2) Do ponto de vista do grau de assentimento
a) Diz-se que alguém tem a consciência firme ou segura quando, sem temor prudente de
errar, julga com firmeza que tal ou tal ação é lícita ou ilícita.
Notemos que a consciência firme ou segura difere da consciência verídica, pois alguém
pode, com segurança e firmeza, proferir um ditame errôneo. Assim, por exemplo, pode
haver quem, com firmeza e boa fé, julgue que é lícito roubar para ajudar o próximo
(proposição esta falsa).
b) A consciência provável é aquela que, embora receie errar, julga ser lícita ou ilícita
uma determinada ação, baseando-se para isto em razões não desprezíveis (razões,
porém, que não lhe oferecem plena segurança).
c) A consciência duvidosa deixa seu juízo suspenso ou, caso o formule, não vê por que
não optar pela proposição contrária.
2. Os deveres em relação à consciência
São quatro as principais regras nesta matéria.
1) Toda e qualquer pessoa tem a obrigação de empregar os meios oportunos para
possuir uma consciência verídica ou reta.
Compreende-se por quê. A consciência julga os atos humanos sob a luz de Deus e da
salvação eterna; trata de assuntos de importância capital. Por isto a reta ordem exige que
a pessoa se esforce para que a sua consciência lhe possa apontar os caminhos
adequados. Negligência na formação da consciência é negligência do Bem Supremo.
Ora tal negligência, caso seja voluntária, é culposa, pois injuria não somente a Deus,
mas também ao próprio sujeito. Assemelha-se à atitude de quem entra numa nave e se
deixa levar para o alto mar sem procurar investigar onde está o Norte; tal pessoa prepara
seu suicídio físico.
Os meios principais para formar uma consciência verídica são:
a) a procura de informações (leitura, estudo,...) que levem ao devi- do conhecimento das
leis morais. Está claro que o Senhor Deus não pede esforços impossíveis, mas exige
fidelidade e seriedade;
b) a procura do conselho de pessoas prudentes e comprovadas nos caminhos de Deus;
c) a oração perseverante;
d) o afastamento dos obstáculos respectivos, como seriam as paixões e os maus hábitos
voluntários, que sempre obcecam a consciência.
2) Todo homem está obrigado a observar estritamente os preceitos e as proibições
de sua consciência, desde que esta seja a) verídica ou b) inculpadamente errônea.
A obrigação de obedecer à consciência verídica compreende-se facilmente. Com efeito;
a consciência verídica é a que faz a aplicação fiel da lei à situação precisa em que a
pessoa se acha; por isto o ditame de tal consciência obriga tanto quanto a própria lei
justa.
Quanto à obrigação de seguir a consciência inculpadamente errônea, ela decorre do
seguinte raciocínio:
A consciência é a norma próxima da moralidade, pois ela faz a aplicação da lei geral à
situação concreta em que a pessoa se encontra. Por conseguinte, quando a consciência,
sem hesitar e de boa fé, julga que tal ação é obrigatória e tal outra proibida, há algo que,
aos olhos do sujeito, seria mau; querer, porém, o mal como mal é pecado. A consciência
pode enganar-se, julgando que uma ação má é boa ou vice-versa; mas, se ela se engana
sem culpa, o seu ditame é obrigatório. Exemplificando: se alguém de boa fé imagina
que tem de roubar para ajudar seu próximo, o roubo que comete não será pecado formal
(1); se, ao contrário, deixar de roubar, cometerá pecado formal, porque estará
contradizendo à sua consciência (embora esta erre de boa fé).
(1) Pecado formal é a ação má da qual tenho responsabilidade e culpa. Pecado não-
formal ou meramente material é a ação má da qual não tenho culpa, porque a cometi
sem saber que era má.
Embora o erro de boa fé não impeça que a conduta do sujeito seja moralmente boa, o
erro não é o ideal. Por isso ninguém deve deixar-se ficar nele; terá que aspirar sempre à
plenitude da luz. Em caso contrário, o erro deixaria de ser "de boa fé" e já não gozaria
dos privilégios da boa fé; tornar-se-ia erro culpado.
3) Não é lícito seguir a consciência culpadamente errônea; contudo também não é
lícito agir contra tal consciência. Por conseguinte, antes da ação torna-se
necessário dissipar o erro de consciência.
Para compreender esta proposição, notemos o sentido que tem a expressão "consciência
culpadamente errônea": é aquela que está insuficientemente informada e que pode ser
retificada, caso a pessoa o queira. Manter a consciência em tal estado implica em
descaso da pessoa na procura da verdade e do bem; implica, portanto, num estado de
desordem moral. E agir de acordo com os julgamentos errôneos que se originam dessa
desordem equivale a reafirmar negligência e desordem culposa; equivale, por
conseguinte, a uma culpa.
Vemos, pois, que, para quem está no erro decorrente de descaso ou má fé, só há uma
atitude certa: dissipar quanto antes esse erro, a fim de poder agir esclarecidamente; entre
os meios a aplicar no caso, cita- mos a reflexão, a consulta de pessoas idôneas, a
oração... Dado que a pessoa não consiga esclarecer-se, abstenha-se de agir no caso. E,
se não lhe é possível deixar de agir, faça o que parecer mais seguro.
4) Somente a consciência firme (não a hesitante nem a provável) pode ser tomada
como reta norma dos costumes.
Compreende-se bem este princípio. A dignidade humana exige que todo homem, ao
agir, proceda de acordo com as leis objetivas do respectivo agir: o médico, por exemplo,
ao atender aos doentes, deve proceder segundo as normas da medicina, reconhecidas
por ele como certas ou válidas; ao médico não é lícito agir sem ter certeza de que o
tratamento recomendado ao paciente é realmente útil e adequado (não lhe basta julgar
que o tratamento é provavelmente indicado e conveniente). Assim também todo
homem, pelo fato mesmo de ser homem, deve agir sempre conforme as regras da Moral,
que tornam o homem bom no seu sentido mais pleno, isto é, enquanto é um ser racional.
Ora, para conseguir esta proximidade do ideal, requer-se que o indivíduo se esforce por
conhecer as normas objetivas da Moral; este esforço deve ser tal que gere a certeza de
ter encontrado o caminho devido. Sim; com relação ao Fim Supremo ninguém se pode
contentar com meias-certezas, que impliquem no risco de falhar o objetivo. O Fim
Supremo é o que há de mais importante para o ser humano e, por conseguinte, algo que
nunca pode estar sujeito a risco.
Notemos que o esforço para conhecer as normas objetivas da moralidade pode ficar, em
parte, frustrado; sim, a consciência pode apontar com firmeza, e de boa fé, um caminho
errôneo (por exemplo, alguém pode julgar tranquilamente que tem de praticar a
eutanásia direta ou provocar positivamente a morte de sua mãe para aliviá-la dos
sofrimentos). Em todo caso, se a pessoa não consegue chegar à verdade objetiva,
procure ao menos atingir a certeza subjetiva de que deve agir deste ou daquele modo; o
seu esforço lhe merecerá a vantagem de ficar sabendo por que faz o que faz. Não é
digno do ser humano tomar atitudes sem saber exatamente por que as toma; devemos
proceder de maneira razoável e justificada aos nossos olhos, rejeitando todo
comportamento leviano que possa acarretar riscos morais.
A certeza que se requer ao se falar de consciência "firme" não é a certeza matemática
(que jamais pode sofrer contradição), mas é a certeza moral, isto é, a certeza que exclui
toda dúvida razoável ou todo motivo sério de duvidar, embora não exclua um leve
receio de erro. Assim, por exemplo, é moralmente certo que a mãe não dá veneno ao seu
filho ou que um amigo fiel não engana seu amigo (embora o contrário possa acontecer
excepcionalmente).
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)