a filosofia penal dos espÍritas

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  • 7/31/2019 A FILOSOFIA PENAL DOS ESPRITAS

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    A FILOSOFIA PENALDOS ESPRITAS

    Estudo de Filosofia Jurdica

    FERNANDO ORTIZ

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    2Fernando Ortiz

    A FILOSOFIA PENAL DOS ESPRITASEstudo de Filosofia Jurdica

    Fernando Ortiz

    Traduo de Carlos ImbassahyDo texto original LA FILOSOFIA PENAL DE LOS ESPIRITISTAS

    Distribuio:

    PENSE Pensamento Social Esprita

    www.viasantos.com/pense/index.html

    Publicao no Brasil pela LAKE

    2011 Brasil

    www.luzespirita.org.br

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    3A FILOSOFIA PENAL DOS ESPRITAS

    memria deCsar Lombroso (1835-1909)

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    4Fernando Ortiz

    A FILOSOFIA PENAL

    DOS ESPRITAS

    Estudo de FilosofiaJurdica

    Fernando OrtizTraduo de Carlos Imbassahy

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    5A FILOSOFIA PENAL DOS ESPRITAS

    SumrioApresentao pg. 6

    Prefcio pg. 7

    Ao leitor pg. 14

    I Objeto deste estudo pg. 16II As bases ideolgicas do Espiritismo pg. 18III As leis da evoluo anmica pg. 24

    IV O delito pg. 27.V Determinismo e livre-arbtrio pg. 29.VI A questo nos textos de Allan Kardec pg. 33VII Os fatores da delinquncia pg. 40VIII Caracteres anatmicos do criminoso pg. 43IX O homem criminoso pg. 50X Atavismo dos criminosos pg. 51XI A hereditariedade criminal pg. 53XII Classes de criminosos pg. 57

    XIII A escala dos espritos pg. 62XIV Os fatores csmicos pg. 67XV Os fatores sociais pg. 69XVI Epidemias delituosas pg. 76XVII Substitutivos penais pg. 70XVIII Fundamento da responsabilidade pg. 79XIX Fundamento da pena pg. 82XX Os incorrigveis pg. 84XXI A pena de morte pg. 86

    XXII No h penas eternas ou perptuas pg. 89XXIII O cdigo penal de alm-tmulo pg. 94XXIV A pena de talio pg. 100XXV A condenao condicional pg. 106XXVI A sentena indeterminada pg. 108XXVII A reparao do dano pessoal pg. 109XXVIII Lombrosianismo criminal e Espiritismo penal pg. 111

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    6Fernando Ortiz

    Apresentao

    Esta obra, que o Pense disponibiliza agora em verso digital, um dosgrandes clssicos do pensamento social esprita. Trata-se de um livro essencialna estante de qualquer estudioso da filosofia esprita e da jurisprudncia.

    O autor, o escritor e antroplogo cubano Fernando Ortiz Fernndez,

    deixa bem claro logo no incio do livro que no esprita, fato esse que lhe duma iseno filosfica que pode ser conferida na leitura desse amplo estudoquer faz acerca da filosofia penal esprita, confrontando-a com vrias correntesfilosficas.

    Antroplogo, etnlogo, socilogo, jurista e linguista, Ortiz cubano,nascido em 16 de julho de 1881. considerado um dos maiores intelectuais daAmrica Latina. Escreveu mais de 100 obras sobre os mais variados assuntos.Dotado de uma prodigiosa cultura geral, foi professor universitrio, fundadorde vrias instituies culturais e uma das maiores autoridades no estudo dacultura africana.

    Desencarnou em 1969. Escrito em 1951, o livro foi traduzido peloescritor e pensador esprita Carlos Imbassahy e aqui lanado no mesmo anopela editora LAKE.

    OBRAS DE FERNANDO ORTIZ:

    1906 - APUNTES PARA UN ESTUDIO CRIMINAL e LOS NEGROS

    BRUJOS1916LOS NEGROS ESCLAVOS

    1921LOS CABILDOS AFROCUBANOS

    1922HISTORIA DE LA ARQUEOLOGA INDOCUBANA

    1924GLOSARIO DE AFRONEGRISMOS

    1942MART Y LAS RAZAS

    1946EL ENGAO DE LAS RAZAS

    1947EL HURACN, SU MITOLOGA Y SUS SMBOLOS

    1951LA FILOSOFIA PENAL DE LOS ESPIRITISTAS

    LIVROS PSTUMOS:

    1986HAMPA AFRO-CUBANA... LOS NEGROS CURROS

    2000LA SANTERA Y LA BRUJERA DE LOS BLANCOS2002CULECCI DELS MAL-NOMS DE CIUTADLLA e

    VISIONES SOBRE LAM

    Fonte: Fundacin Fernando Ortiz - www.fundacionfernandoortiz.org

    Fernando Ortiz Fernndez

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    PREFCIO

    Fernando Ortiz e acriminologia moderna

    Deolindo AmorimDa Sociedade Brasileira de Filosofia

    A evoluo da criminologia ampliou muito a perspectiva dos estudosinerentes delinquncia. Anteriormente, ainda que se tivesse a intuio doproblema criminal em suas relaes com as cincias sociais, apenas osespecialistas, divididos em grupos, segundo as escolas tradicionais e suastendncias doutrinrias, se preocupavam com as questes atinentes criminologia, cujo campo no tinha, como tem hoje, tanta elasticidade. O

    problema criminal, a bem dizer, era assunto exclusivo dos juristas e, comoespecializao, dos estudiosos do direito penal. Hoje, porm, a no ser quanto tcnica do direito penal, que exige, claro, cultura especializada, o problemacriminal interessa tanto ao penalista, como ao socilogo, ao jornalista, aotelogo. No h quem no deseje, em s conscincia, uma sociedade melhor.

    Como decorrncia desta proposio, diversos tipos de pesquisaconvergem para o problema criminal, porque o ndice de criminalidade, tantoem alta como em baixa escala, um reflexo das condies sociais. No se pode

    estudar uma sociedade, sob o ponto de vista do comportamento humano emface dos fenmenos sociais, sem conhecer a posio de seu coeficiente criminal,quais os fatores que preponderam no aumento ou na diminuio dos delitos,assim como o seu sistema de sanes e preveno.

    Sob este aspecto, a criminologia j no pode mais ser um departamentoindevassvel, fechado curiosidade dos que, no sendo especialistas emmatria criminal, so obrigados, por fora de outros estudos, a fazer incursesna seara dos penalistas. Quem estuda, por exemplo, a organizao social, os

    costumes, as reaes dos grupos humanos, ainda que o faa do ngulopuramente sociolgico, no pode deixar de tocar em determinadas teses dedireito penal, principalmente quanto figura do criminoso, considerado em

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    8Fernando Ortizrelao s influncias mrbidas ou mesolgicas.

    Fora da esfera profissional, demarcada pelos limites a que estocircunscritos os diversos ramos de atividade, no h, presentemente, a rigor, oque se possa chamar assunto impenetrvel, uma vez que a cultura geral se

    aplica soluo de muitos problemas em cuja discusso se encontramcriminalistas, educadores, moralistas, homens pblicos, tcnicos etc. Claro ,portanto, que a criminologia, sobre ser um campo vastssimo e complexo,comporta estudos especiais, luz de prismas novos, naturalmente estranhos svelhas escolas penais: clssica, positiva e sociolgica. Todavia o direito tersempre uma tcnica prpria, como a sociologia, a psicologia etc., sem que deixede haver entrosamento entre as cincias. A prpria cincia penal moderna j sedesvencilhou muito do tradicionalismo acadmico, em consequncia do

    ecletismo, fenmeno que tambm se verifica nos crculos de outras cincias,como reao, alis inevitvel, a tudo quanto se transforme em cristalizao ouestagnao das ideias.

    Sob estas premissas, o direito penal tambm pode ser encarado poraspectos novos, desde que atravs de tais aspectos algumas questes, aindasujeitas a discusso, venham a ser de algum modo elucidadas. A cincia, emqualquer de seus ramos, no pode rejeitar contribuies honestas, seja qual fora crena ou a orientao filosfica daquele que, inspirado no desejo de procurar

    a verdade, se prope a aumentar o patrimnio cientfico da humanidade comalguma observao ou experincia pessoal.

    O professor Fernando Ortiz, da Universidade de Havana, umrevolucionrio em matria penal. Que o diga, logo primeira vista, o ttulo deum de seus livros, publicado h pouco, na Argentina, pela Editorial Victor Hugo,de Buenos Aires: LA FILOSOFIA PENAL DE LOS ESPIRITISTAS. , como diz osubttulo, um estudo de filosofia jurdica, no uma apologia ou uma crtica doEspiritismo sob o aspecto fenomenolgico ou religioso. Diga-se, desde j, que

    Fernando Ortiz no espiritista.Pretende ele, porm, colocado simplesmente na posio de

    criminalista, alis avanado seno corajoso, mostrar que a Filosofia Espritapode esclarecer alguns aspectos da criminologia moderna. A atitude arrojada,mas no , como parece, fruto do arrebatamento ou da imaginao. O trabalhode Fernando Ortiz no pode ser condenado como heresia jurdica, porque estbem condensado, embora defenda uma tese capaz, at, de provocar escndaloentre juristas pouco familiarizados com os temas da metapsquica ou do

    Espiritismo. Na Amrica Latina, ao que parece, a primeira vez que umcriminalista se dispe, acima de preconceitos religiosos ou deconvencionalismos acadmicos, a discutir princpios da cincia penal luz doEspiritismo. A tese de Fernando Ortiz poder ser discutida e, por fim, rejeitada,

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    mas a verdade que o seu livro deve ser lido pelos criminalistas, porque peem foco um tema inteiramente novo em direito penal. Que relao tem o direitopenal com o Espiritismo?

    justamente neste ponto que est a originalidade do livro. No se

    trata, porm, de uma originalidade extravagante ou de uma das muitas"criaes cerebrinas" de nosso sculo: trata-se de um estudo filosfico, de umconfronto prudente e desapaixonado entre Lombroso1 e Kardec2. Trabalhos detal ordem no devem ser criticados a priori, apesar do espanto que possacausar tal aproximao, embora Lombroso tenha dado testemunho pblico deconvico a respeito dos fenmenos espritas.

    Diz Fernando Ortiz:"O Espiritismo pode chegar na magnitude de sua concepo

    evolucionista a um atavismo mais radical, e com o qual no sonhou o gnio deLombroso, o atavismo interplanetrio.

    Fernando Ortiz toma por base precisamente o livro que contm a partefilosfica do Espiritismo: O LIVRO DOS ESPRITOS.

    Sem fazer profisso de f, sem querer, portanto, formar nas fileiras dosdiscpulos de Allan Kardec, o ilustre professor cubano, que j publicou, entreoutros trabalhos especializados, LA CRIMINALITA DEI NEGRI IN CUBA, no"Arquivo de Psiquiatria e Medicina Legal e Antropologia", e SupertizioniCriminose, Turin, no nega o atavismo criminal, mas recorre filosofia espritapara esclarecer a questo. F-lo com imparcialidade, com a iseno espiritualde todos os homens infensos a dogmatismos de qualquer espcie. ArgumentaFernando Ortiz: j se compreender facilmente como o evolucionismo espritapode explicar a herana moral, comprovada cientificamente at certo pontopela antropologia. Os antropologistas filiados escola materialista procuramexplicar as anomalias psquicas pela constituio somtica, o que leva o

    criminalista a um crculo muito acanhado, porque h, como se sabe,degenerescncias morais que no apresentam qualquer indcio deanormalidade fsica. No se vai, com isto, ao extremo de dizer que as aberraesfsicas do tipo lombrosiano no sejam a expresso evidente, na maioria doscasos, de anormalidades psquicas.

    Entretanto, a predisposio criminal pode ser explicada pelos

    1Csare Lombroso (1835-1909): medico e cientista criminalista italiano que, a princpio, ridicularizou o Espiritismo, e

    decidido a combater o Movimento Esprita, participou de sesses medinicas para desmascarar o que chamava de

    fraude e charlatanismo. Convencido da veracidade dos fenmenos, retratou-se publicamente e passou a ser um dosmaiores divulgadores da Doutrina em toda a Europa Nota da verso digita (N. D.) 2

    Allan Kardec (1804 1869): codificador da Doutrina Esprita. Nascido Hippolyte Leon Denizard Rivail, pedagogofrancs de grandes servios prestados educao de seu pas, estudou os fenmenos das Mesas Girantes e, imbudoda misso esprita, passou a se assinar pelo pseudnimo Allan Kardec (mesmo nome que tivera em uma de suasreencarnaes) N. D.

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    10Fernando Ortizantecedentes espirituais do indivduo. Este ponto muito transcendental oumetafsico, mas no deve ser desprezado quando se procura, como no caso deOrtiz, estabelecer paralelo entre o estado moral do criminoso e as suascaractersticas fsicas. Existe, de fato, relao entre o estado moral e o estado

    fsico? Sob este aspecto, a tese de Ortiz inclina-se para a soluo esprita: oestado moral vem da inferioridade do esprito, no procede, portanto, de causasorgnicas. Neste caso, segundo a tese esprita, as deformaes do corpo, asfisionomias monstruosas e outras chamadas "aberraes da natureza" tmcerta relao com a vida espiritual, com aquilo que poderamos chamar a vidapregressa do esprito em anteriores existncias.

    Tais deformaes, pelo princpio da reencarnao, defendido por AllanKardec, so efeitos e no causas. O livro de Ortiz estuda a criminologia moderna

    precisamente sob este ponto de vista. Da a associao aparentementeinexplicvel de Lombroso e Kardec no livro do criminalista cubano. Resta,porm, examinar a questo sem qualquer ideia preconcebida.

    L-se, em LA FILOSOFIA PENAL DE LOS ESPIRITISTAS, pg. 56:"Se certo que a cincia descobriu que a herana psicolgica existe,

    demonstrando a persistncia de caracteres nas mesmas famlias e at nosmesmos povos atravs do tempo e de geraes, tambm certo que as leis daherana no esto descobertas como o est o fenmeno.

    Para esclarecer a questo, fora do crculo j conhecido das escolaspenais, o prof. Ortiz recorre filosofia esprita, com o que corrobora o seupensamento. Apoia-se ele no seguinte princpio da codificao doutrinria deAllan Kardec:

    "Com frequncia, os pais transmitem aos filhos a semelhana fsica.Transmitem eles tambm a semelhana moral?"

    Resposta: "No, porque tm almas ou Espritos diferentes. O corpoprocede do corpo, porm o Esprito procede do Esprito. Entre os descendentes de

    uma raa no existe mais do que consanguinidade.

    As qualidades morais residem no esprito, e no podem sertransmitidas pelos caracteres somticos. Basta verificar, na prtica, o queocorre em diversas famlias: pais, filhos, e irmos com inclinaes e graus demoralidade muito diferentes uns dos outros. A hereditariedade no explica estefenmeno. A histria do Brasil tem um exemplo frisante no contrastepsicolgico entre Pedro I e Pedro II. Admite-se a influncia, alis relativa, de

    certas peculiaridades ancestrais no temperamento, no carter do indivduo,mas da no se infere que todo o processo de formao e desenvolvimento desuas qualidades psicolgico-morais obedea, de modo absoluto, sequncia das

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    vias hereditrias.O autor de LA FILOSOFIA PENAL DE LOS ESPIRITISTAS prefere, neste

    particular, a tese esprita, apoiada, alis, no processo reencarnacionista. A cor ea raa no tm influncia no estado moral, porque a superioridade ou

    inferioridade do homem est no esprito. Este princpio, defendido por AllanKardec, aceito, hoje, por eminentes pesquisadores, inclusive aqueles que,como o nosso ilustre e saudoso Artur Ramos3, que teve ocasio de citar o prof.Ortiz, no se filiam a qualquer pensamento religioso. Allan Kardec no eraespecialista em antropologia, mas a verdade que as suas ideias contrrias aopreconceito racial, sustentadas na segunda metade do sculo XIX, coincidemcom o que afirmam, nos dias atuais, verdadeiras expresses desta cincia.

    Artur Ramos, como se sabe, nunca se revelou simptico ao Espiritismo.

    Entretanto a sua grandiosa e humanitria campanha contra o preconceito decor, campanha sempre apoiada na cincia, nunca inspirada em sentimentalismoou demagogia, afirmou exatamente o princpio de que a superioridade ou ainferioridade, tanto do indivduo como dos grupos, s se afere pelas qualidadesdo esprito, e no pela epiderme. Pois bem, este mesmo princpio forasustentado por Allan Kardec, no sculo passado. O prof. Ortiz verificou, assim, oque os antroplogos ainda no verificaram: o Espiritismo uma doutrinafundamentalmente contrria ao preconceito de cor, tanto por sua organizao

    filosfica, como por suas consequncias morais.No embasamento de sua filosofia, o Espiritismo vincula alguns aspectos

    positivos do problema criminal aos antecedentes espirituais do criminoso.Diante deste postulado, torna-se discutvel, assume outro carter a figura docriminoso nato. aqui, precisamente neste ponto, que est a parte nevrlgicado livro de Fernando Ortiz. O criminoso nato, segundo a Doutrina Esprita, umdoente do esprito, um indivduo que traz, de seu passado espiritual, umacervo de culpas e mazelas morais. Logo, dentro desta tese, o instinto criminal

    no tem a sua fonte nas deficincias orgnicas, embora estas (efeitos e nocausas) tenham influncia nas paixes como nas atitudes. Por outras palavras,isto significa nada mais nada menos que a predisposio criminal umadegenerescncia de origem moral, nunca de origem fsica. Tendo partido desteponto, Fernando Ortiz v a escola de Lombroso dentro de um campo muitomaior e mais claro. Faltou ao glorioso criminalista e psiquiatra italiano, mestreconsagrado, um passo para subir da evoluo puramente humana evoluoespiritual.

    Fernando Ortiz, escudado em Allan Kardec (O LIVRO DOS ESPRITOS e

    3 Arthur Ramos (1903-1949): um dos mais influentes intelectuais brasileiros de seu tempo, com enfoque na reamdica, psquica, antropolgica e social N. D.

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    12Fernando OrtizA GNESE), assim como em Gabriel Delanne4 (A EVOLUO ANMICA), nonega que haja tipos predispostos ao crime. A predisposio, porm, segundo afilosofia esprita, vem do esprito. O conceito de criminoso nato, portanto, emface das duas teses a esprita e a lombrosiana magistralmente estudadas e

    discutidas por Fernando Ortiz, no desaparece, tanto mais que Ortiz umlombrosiano convicto. Entretanto, o trabalho de Ortiz dilata a viso geral doproblema, no apenas em relao escola positiva, mas em relao, tambm, soutras escolas.

    O fato de haver criminoso nato (escola positiva) no leva aodeterminismo biolgico. Foi sob este ponto de vista, especialmente, que Ortizestudou o assunto luz do Espiritismo. Sendo a tendncia criminal um defeitodo esprito, muitas vezes ligado a causas remotas, atravs de outras existncias

    (principio reencarnacionista) a regenerao espiritual, por meio da educao eda reforma de costumes, pode modificar o comportamento do delinquente nato.Esta proposio exclui, como se v, o determinismo absoluto. O determinismosociolgico tambm no se harmoniza com a doutrina esprita, porque nemsempre o criminoso um escravo do meio social. O indivduo liberta-se dasinfluncias sociais, da imposio do meio proporo que vai fazendo melhoruso de seu livre-arbtrio. No se pense, porm, que a filosofia penal doespiritismo cai na escola clssica. Alis, Fernando Ortiz passa tambm por esta

    escola em seu interessante livro. O livre-arbtrio afirma a doutrina esprita no absoluto, porque depende da elevao do esprito. Logo, perante oespiritismo, falso o princpio de que o criminoso sempre responsvel,porque livre, tem vontade prpria. A liberdade est na razo direta doadiantamento espiritual, cuja base a reforma moral do indivduo.

    Por todos estes motivos, o livro de Fernando Ortiz merece a atenodos penalistas, dos homens emancipados, que no tm receio de tomarconhecimento de qualquer discusso. Assim, pois, LA FILOSOFIA PENAL DE LOS

    ESPIRITISTAS, publicado, agora, em portugus, pela Livraria Allan Kardec, deSo Paulo (traduo de Carlos Imbassahy) um livro discutvel, no h dvida,mas um livro srio, profundo e avanado.

    Gazeta Judiciria

    Rio de Janeiro, 31 de maio de 1951

    4Gabriel Delanne (1857-1926): cientista francs, grande propagador do Espiritismo e ativista do aspecto cientfico

    esprita N. D.

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    13A FILOSOFIA PENAL DOS ESPRITAS

    Ao Leitor

    H quatro lustros, nas aulas de minha muito querida Universidade deHavana, cursava eu os estudos de direito penal, no programa do professorGonzlez Lanuza, naquela poca o mais cientfico nos domnios espanhis;iniciava-me, ento, nas ideias do positivismo criminolgico e intercalava, nessasleituras escolares, obras muito alheias universidade, obras essas que o acasopunha ao meu alcance ou que minha curiosidade investigadora buscava comfervor.

    Entre estas ltimas estavam as leituras religiosas, que ainda agora meproduzem especial deleite e me despertam no nimo singular interesse. Foi,ento, que conheci os livros fundamentais do Espiritismo, escritos porHippolyte Lon Denizard Rivail, ou seja, Allan Kardec, como lhe aprazia

    chamar-se, revivendo o nome com que, segundo dizia, foi conhecido no mundo,em encarnao anterior nos tempos drudicos.A simultaneidade dos estudos universitrios sobre criminologia com os

    acidentados estudos filosficos acerca da Doutrina Esprita, fez com que oentusiasmo em mim, despertado pelas teorias lombrosianas e ferrianas, melevasse a investigar especialmente o modo por que pensava a propsito dosmesmos problemas penais aquele interessante francs, que ousava apresentar-se como um druida redivivo.

    Logo que minha mente tomou essa direo, percebi, no sem algumasurpresa, que o materialismo lombrosiano e o Espiritismo de Allan Kardeccoincidiam notavelmente, em no poucos lugares; que, partindo de premissasmaterialistas, e conduzidos pelo mais franco positivismo, ou tomados deconceitos espiritualistas e levados pelo mais sutil idealismo, poderamos chegars mesmas teorias criminolgicas.

    Tomei, ento, alguns apontamentos, e no poucas notas marginaisdeixei nos livros que li naqueles dias distantes; meu trabalho mental, porm,

    no passou da. Outros estudos e outras necessidades, primeiro acadmicas,depois profissionais, distraram-me desse curioso tema, embora no oesquecesse. Anos depois, em 1905, pude, na Itlia, falar incidentemente aLombroso da curiosa coincidncia de suas principais teorias penais com as dos

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    14Fernando Ortizespritas. Ele me prometeu que redigiria, sobre esse assunto, um trabalho parao seu Archivo di Psichiatria; mas, a minha ausncia da Itlia, os vaivens da vida,e a morte do mestre da criminologia contempornea, fizeram-me suspender,descuidar, olvidar quase aquele meu compromisso; finalmente, quando

    professor da Faculdade de Direito da Universidade de Havana, fui designado,em 1911, para pronunciar o discurso regular com que anualmente se inauguraa academia terico-prtica da faculdade.

    Toquei, ento, no tema, dando-lhe forma de discurso, e o li naquelasesso; mas a pressa com que foi preparado e meu natural desejo de retocar otrabalho, impediram sua publicao.

    Enfim, v ele agora a luz; documentado pelas pginas dos livrosoriginais de Allan Kardec, este tema, novo e virgem, como creio, de todo trato

    pblico com os estudiosos da filosofia do direito, aqui aparece, evocador dosmeus longnquos dias de estudante, graas generosa insistncia do prof. J. A.Gonzlez Lanuza, o nefito decano da Faculdade Havanesa, e do prof. A. S.Bustamante, o sbio catedrtico da mesma faculdade, diretor da "RevistaJurdica".

    A esses, a expresso do meu reconhecimento, e ao leitor o pedido deindulgncia, de serenidade de julgamento, e de seriedade em sua inteno, vistoque, nos dias em que vivemos, por estas terras de recente passado colonial,

    nada mais frequente que a crtica desapiedada, que a condenao apriorstica ea falta de ateno, quando se nos apresenta qualquer tema filosfico, o qual,direta ou indiretamente, nos traa o mais transcendental problema da vida e oda filosofia da morte.

    Fernando OrtizProfessor na Universidade de Havana

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    I

    Objeto Deste Estudo

    No sou esprita.Nem sou tambm dos que opinam como aquele bilogo ilustre, que

    declarava a William James5

    : ainda que as provas cientficas da telepatia e dosdemais fenmenos anmicos fossem concludentes e demonstrativas, os homensde cincia deveriam ficar de acordo para faz-las desaparecer, pois que taisfenmenos transtornariam as leis da natureza, das quais no podem prescindiros sbios para continuar suas investigaes.

    No creio, pois, na intangibilidade dos dogmatismos, ainda quando lheschamem cientficos; por fortuna, porm, at hoje, a razo que me afastou deoutros credos religiosos, os quais atemorizaram minha infncia, impede-me de

    aderir ao dos espritas, apesar da doura de sua mstica e do sugestivoprogresso de sua concepo religiosa.No admito, nem repilo, nem sequer discuto os princpios da filosofia

    esprita; nem mesmo analiso e critico os fenmenos supranormais que osespritas chamam de medianmicos e que Richet6 chamou de metapsquicos,pois prescindo deles em absoluto. Limito-me a recordar as ideias nas quais osespritas, especialmente Allan Kardec, seu apstolo, cristalizam suas crenasacerca da criminologia, que poderamos chamar csmica ou universal, e

    compar-las com outras cristalizaes filosficas de criminologia humana donosso mundo.

    Apresso-me a esta negao rotunda, em comeo a este trabalho, paraque no se veja nele a obra de um sectrio, nem a de um propagandista, nem ade um impugnador fanatizado, seno a tarefa serena e fria de quem trata derefletir objetivamente observaes e concluses de uma das filosofias religiosasmodernas mais sugestivas e divulgadas, e obtidas pela anlise, sob o ponto devista da criminologia ou da filosofia penal.

    5William James (1842-1910): filsofo, mdico e psiclogo americano, um dos pioneiros da corrente filosfica chamada

    Pragmatismo N. D.6

    Charles Richet (1850-1935): fisiologista francs, ganhador do Prmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1913,desenvolvedor da cincia Metapsquica N. D.

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    16Fernando OrtizPenso que tal estudo no se fez at agora e que no ser intil conhecer

    a criminologia esprita; o estudo dos seus princpios no mais do que umcaptulo de outro estudo da filosofia criminal, mais amplo e mais frutfero, e,entretanto, virgem de qualquer arroteamento cientfico, qual o estudo da

    criminologia de Deus de que talvez tratemos algum dia. Ou seja, dos princpioscriminais que a histria das religies vai descobrindo atravs da evoluo daideia religiosa, nos quais se refletem as crenas sobre o princpio do mal, odelito do homem, o castigo divino, as penas ultratumbas, o purgatriocorrecional, o clssico inferno perptuo e todos os sistemas teolgicos com que,no transcurso das idades, se tem querido explicar o direito de castigar, quepossuem os deuses, e o fim de suas penas e mtodos penitencirios. E, semdvida, a criminologia teolgica uma rica mina de files para o estudo da

    filosofia penal atravs dos sculos, to fecunda, acaso, como o exame dasinstituies dos povos e dos cdigos penais.

    Por outro lado, o estudo da criminologia do Espiritismo, dessa crenaque pretendem ser um novo avano da evoluo religiosa moderna, religio quese quis apresentar como racional e experimental, negadora do materialismoimperante, mas usufruturia de toda a sua tecnologia, produziu em meu nimoimpresses inesperadas, que tentarei reproduzir; no sero menos curiosas asque derivam da observao de que muitos dos princpios que parecem orientar

    a cincia criminal contempornea, estavam compreendidos em livrosanteriores da filosofia esprita; o positivismo criminal de nossos dias, que quasepoderamos chamar de materialismo penal, chega a afirmaes bsicas deteorias, perfeitamente explicveis e mantidas tambm pelo antitticoespiritualismo, pelo mais radical, acaso representado no estdio das ideiasmodernas, em parte ao menos, o Espiritismo de Allan Kardec e de seusdiscpulos e continuadores.

    Os extremos se tocam, poder dizer-se, e assim acontece em nosso

    estudo.No merecer, pois, a ateno do estudioso, essa curiosa convergncia

    do materialismo cientfico e do espiritualismo idealista no campo dacriminologia? E, se porventura demonstrada essa convergncia, a filosofia nopoderia descobrir coincidncias mais transcendentais? Discutir o fundamentodo castigo no discutir o fundamento do bem e do mal, no discutir a baseangular de toda a filosofia?

    Seja como for, o aspecto criminal do Espiritismo suficientemente

    curioso para merecer um esforo. Outras consideraes seriam imprpriasdeste lugar e por completo fora da finalidade modesta deste trabalho.

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    17A FILOSOFIA PENAL DOS ESPRITAS

    II

    As bases ideolgicas doEspiritismo

    A filosofia esprita parte da existncia de um Ser supremo, Deus,criador de todas as coisas, e da existncia imortal dos espritos.

    O Espiritismo se distingue, porm, de outros credos religiosos, porquevem a ser uma teoria evolucionista da alma, teoria certamente antiga7 mas cujarevivescncia moderna se deve ao Espiritismo e teosofia.

    Com efeito, os espritos so criados imperfeitos, e sua existncia sedesenvolve depois de uma srie enorme de provas dolorosas que os despertam,que lhes fortalecem as faculdades e os elevam at s alturas da evoluopsquica, de maneira que, segundo os bilogos materialistas como Sergi, osseres que entram em seu campo de visualidade, da ameba aos grandesmamferos, progridem, transformam-se e se fazem inteligentes pela dor queexperimentam, na srie imensa de provas, o que supe o contato constante como meio ambiente.

    O fim do esprito progredir, ascender, elevar--se sempre e acercar-sede Deus. Na histria natural dos espritos no h regresses; pode haverparadas, situaes de quietudes, nunca retrocesso.

    Para alcanar esse progresso, o esprito pode aproveitar todos osinstantes, qualquer que seja o seu estado, mesmo o da erraticidade ou deimaterializao, fora dos mundos estelares, ou em um estado de encarnao,de trnsito em um mundo qualquer dos muitos que se supe serem habitados.

    A vida do esprito pressupe, portanto, uma srie de avatares em umou em vrios mundos, segundo seu estado de adiantamento; sua personalidadeeterna percorre essas transmigraes, de forma tangvel e material, com ocarter prprio, sofreado, ao mesmo tempo, o peso da matria a que est ligado

    o perisprito e contra cuja inrcia tica ter que lutar, vencendo-a. E a est aprova, a dor que prepara a conscincia e o acicate da experincia, propulsora

    7Bramanistas, budistas, pitagricos etc. podiam ser citados como antigos partidrios desta doutrina nascida na ndia.

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    18Fernando Ortizdo progresso.

    Essa metempsicose, dogma de vrias religies antigas, to longa,segundo os espritas, que no s aproxima o esprito, por degraus infinitos, deDeus, sem jamais se confundir com ele, como, no extremo oposto, essa evoluo

    comea, para os evolucionistas da alma, das formas mais rudimentares eprimitivas do esprito, quase me atreveria a dizer; desde os espritosinfinitamente imperfeitos, desde os microespritos, para seguir a escalaascendente, at as formas mais elevadas dos espritos anglicos, os grandesespritos, os macroespritos, se assim lhes podemos chamar.

    Fazendo caso omisso dos demais mundos que conhecemos, no seriaum absurdo para a filosofia do esprito supor em nosso planeta duas escalasparalelas evolucionistas, a material e a espiritual, ambas perfeitas e

    constantemente entrosadas, atravs de seculares e milenrias genealogias dasespcies e de suas transformaes evolutivas.

    Se o bilogo fala, por exemplo, nos protozorios, no grmen que se hde converter no homo sapiens, no seria difcil sustentar, como o admite oEspiritismo, que tambm em cada um dos protozorios, se encarna um espritoprimitivo; seu progresso, humanamente incomensurvel, h de convert-lo emum ser superior, permanente e sapiente, em um spiritus humanus, como diriaum Lineu dos espritos.

    Aquilo, portanto, que chamamos vida humana, no mais que uma detantas pocas de estratificao, de prova, de encarnao, atravs das quais osespritos vo apurando suas faculdades e acercando-se cada vez mais dasperfeies absolutas. Por isto, o esprito, ao encarnar em um corpo humano,traz do alm e de suas vidas passadas, uma personalidade j plasmada comcaracteres prprios; e este princpio ou lei, como queiram chamar-lhe, nodever ser esquecido, porque servir de base mais adiante, a curiosasdedues.

    Esse evolucionismo dos espritos to fatal como o dos bilogos. Hque recorrer escala evolutiva, degrau por degrau. Se os naturalistas dizemnatura non facit saltum8, os espritas podero dizer, analogamente: spiritus nonfacit saltum9; o esprito h de subir, pausada ou rapidamente, segundo seuesforo, porm grau a grau, at superioridade dos anjos. Assim o expe AllanKardec, no pargrafo 271 do seu O LIVRO DOS ESPRITOS:

    Estando o Esprito na erraticidade, nas diversas condies em quepoder progredir, como o conseguiria se nascesse, por exemplo, entre canibais?

    Entre canibais no nascem Espritos j adiantados, mas os da naturezados canibais, ou ainda inferiores.

    8Natura non facit saltum(do latim) = Na Natureza no h saltos (evolutivos) N. D.

    9Spiritus non facit saltum (do latim) = Na espiritualidade no h saltos (evolutivos) N. D.

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    19A FILOSOFIA PENAL DOS ESPRITAS

    Sabemos que os nossos antropfagos no se acham no ltimo degrau

    da escala espiritual e que h mundos onde o embrutecimento e a ferocidade notm analogia na Terra.

    Os Espritos que a se encarnam so inferiores, portanto, aos inferioresdeste mundo. Nascer, pois, entre os nossos selvagens representa para eles umprogresso, como seria para nossos antropfagos a profisso em que derramassemsangue. No podem pr as vistas mais alto pois sua inferioridade moral no lhespermite compreender maior progresso. O Esprito avana gradativamente. Nolhe dado transpor de salto a distncia que vai da barbrie civilizao, e esta uma das razes da necessidade da reencarnao, que, verdadeiramente,corresponde justia de Deus. De outro modo, que seria desses milhes decriaturas que morrem todos os dias na maior degradao, se no tivessem meiosde alcanar a superioridade?

    Por que os privaria Deus dos favores concedidos aos outros homens?"

    Com maior clareza se v esse paralelismo nos seguintes pargrafos daA GNESEde Allan Kardec:

    "Da semelhana de formas exteriores que existe entre o corpo dohomem e o do macaco, certos fisiologistas concluram que o primeiro era umatransformao do segundo. Isto no absolutamente impossvel, sem que adignidade humana tenha algo que perder. Corpos de monos poderiam terservido de vestimenta aos primeiros Espritos humanos, que, necessariamente

    pouco avanados, vieram encarnar na Terra; essas vestes eram mais prpriass suas necessidades e ao exerccio de suas faculdades que o corpo de qualqueroutro animal. Em vez de se preparar uma roupagem especial para o Esprito,ele j a encontraria feita. Pde vestir-se, portanto, com a pele do macaco, semdeixar de ser Esprito humano; tambm o homem se reveste, por vezes, com apele de certos animais, sem deixar de ser homem.

    Advirta-se que no se trata de uma hiptese admitida como princpio,mas apresentada, somente, para mostrar que a origem do corpo no prejudicao Esprito; que este o principal e que a semelhana do corpo do homem com o

    do macaco no implica a par idade entre os dois Espritos.10Admitindo essa hiptese, pode-se dizer que sob a influncia e por

    efeito da atividade intelectual do seu novo habitante, e invlucro modificou-se,embelezado nos detalhes, sem alterar a forma geral do conjunto.

    Os corpos aperfeioados, ao procriar, se reproduziram nas mesmascondies, como acontece nas rvores enxertadas; deram nascimento a novaespcie, que foi, aos poucos, afastando-se do tipo primitivo, medida que oEsprito progredia. O Esprito de macaco que no foi aniquilado continuou

    procriando corpos de macaco para seu uso, tal como o fruto da rvore silvestreque reproduz rvores silvestres, e o Esprito humano tem procriado corpos dehomens, variantes do molde primitivo onde se estabelecera. O tronco bifurcou-

    10

    De A GNESE, cap. XI, "Hiptese sobre a origem do corpo humano", item 15 N. D.

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    20Fernando Ortizse: produziu um ramo e este ramo se transformou em tronco.

    Como no h transies bruscas na natureza, provvel que osprimeiros homens que nasceram na Terra pouco se diferenciassem do macaco,na forma externa e, sem dvida, tambm pouco quanto inteligncia. Existemainda hoje selvagens que, pelo tamanho dos braos e ps, tm to evidente o

    andar e o porte do macaco, que s lhes falta o pelo para completar asemelhana.11

    medida, porm, que o Esprito recupera a conscincia de si mesmo,perde a memria do passado, sem perder as faculdades, as qualidades e asaptides adquiridas anteriormente, aptides que se achavam em estadolatente, momentaneamente, e que, retomando sua atividade, vo ajud-lo afazer mais e melhor do que antes; nele renasce o que adquiriu em trabalhoanterior. A presente existncia novo ponto de partida, novo degrau a subir.Tambm aqui se manifesta a bondade do Criador, porque a lembrana de umpassado, muitas vezes penoso ou humilhante, unido s amarguras de novaexistncia, poderia perturb-lo e estorv-lo; ele s se lembra do que aprendeu,porque isto que lhe til. Se, por vezes, conserva vaga intuio dosacontecimentos passados, como a lembrana de um sonho fugitivo. Trata-se,pois, de um homem novo, por mais antigo que seja seu Esprito; caminha emnovos carreiros, auxiliado pelo que adquiriu, o que o vulgo chama disposiesnaturais. Quando torna vida espiritual, o passado se lhe desenrola diante dosolhos e ele julga se empregou bem ou mal o tempo.12

    Tomando a humanidade no grau nfimo da escala intelectual, entre osmais atrasados selvagens, indagamos se este o ponto de partida da almahumana.

    Segundo a opinio de alguns filsofos espiritualistas, o princpiointeligente, distinto do princpio material, individualiza-se e se elabora,passando pelos diversos graus da espiritualidade; a que a alma se ensaiapara a vida e desenvolve suas primeiras faculdades pelo exerccio; seria, porassim dizer, seu tempo de incubao. Chegada ao ponto de desenvolvimentomximo, que tal estado permite, ela recebe as faculdades especiais, que

    constituem a alma humana; haveria, assim, filiao espiritual como h filiaocorporal.

    Este sistema, fundado na grande lei de unidade que preside a criao, preciso convir, est conforme bondade e justia do Criador, d um fim, umdestino aos animais; estes deixam de ser criaturas deserdadas, encontrando, nofuturo que lhes reservado, uma compensao aos seus sofrimentos. O queconstitui a homem espiritual no sua origem, seno os atributos especiais deque dotado, a sua entrada na humanidade; esses atributos o transformam efazem dele um ser distinto, como distinto o fruto saboroso da raiz amarga de

    que saiu. Por haver passado pela fieira da animalidade, o homem no deixaria

    11De A GNESE, cap. XI, "Hiptese sobre a origem do corpo humano", item 16 N. D.12

    Na mesma obra, mesmo captulotpico Encarnao dos Espritos, Item 21 N. D.

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    de ser homem. No seria animal, como o fruto no a raiz, como o sbio no ofeto informe pelo qual comeou sua vida no claustro materno.13

    A verdadeira vida do animal como a do homem, no est em seuinvlucro corpreo, que no passa de uma veste; reside no princpio inteligenteque precede e sobrevive ao corpo. Este princpio tem necessidade do corpopara desenvolver-se pelo trabalho sobre a matria bruta; o corpo gasta-se edesfaz-se neste trabalho.

    O Esprito, porm, no se gasta, pelo contrrio, fica sempre maisrobusto, mais lcido, mais capaz. Que importa, pois, que o Esprito mude, commais ou menos frequncia, de envoltrio? No deixa por isto de ser Esprito,como o homem no deixa de ser homem porque mude cem vezes de roupa noano.14

    Nos seres inferiores da criao, onde no existe o sentido moral e em

    que a inteligncia no substituiu o instinto, a luta no pode ter outro mvel queno seja a satisfao das necessidades materiais. Uma das mais imperiosas ada alimentao; lutam unicamente para viver, para apanhar ou defender umapresa, porque no podem ser estimulados por mvel mais elevado. nesseperodo da existncia que o Esprito se vai formando para os trabalhos da vida;alcanando, ento, o grau de desenvolvimento necessrio para suatransformao, recebe de Deus novas faculdades: o livre-arbtrio e o sentidomoral, a centelha divina, que, em uma palavra, d novo rumo a suas ideias e odota de novas propores.

    As novas faculdades se desenvolvem gradualmente, visto que no hsaltos na natureza. H um perodo de transio em que o homem mal sediferencia do bruto nas primeiras idades; predomina o instinto animal e a lutagira em torno das necessidades materiais. Mais tarde equivalem-se o instinto eo sentido moral, e o homem luta, no j pelo sustento, mas para satisfazer aambio, o orgulho, o desejo de domnio, e para isso preciso destruir.

    medida que predomina o sentido moral, vai-se desenvolvendo asensibilidade: a necessidade de destruir vai desaparecendo at extinguir-se etornar-se odiosa.

    O homem nesse estado tem horror violncia e ao derramamento desangue. A luta, entretanto, sempre necessria para o progresso do Esprito,porque, ainda chegado a esse ponto, que nos parece culminante, est muitolonge da perfeio.

    S fora de aplicao e atividade pode adquirir conhecimentos eexperincia, e despojar-se dos ltimos vestgios da animalidade. Mas, nessegrau de elevao, a luta, em vez de sangrenta e brutal, torna-se puramenteespiritual: luta contra as dificuldades e no contra seus semelhantes.15

    13De A GNESE, cap. XI, "Encarnao dos Espritos" Item 23 N. D.

    14Mesma obra, cap. III, Destruio dos seres vivos uns pelos outros - item 21 N. D.

    15Mesma obra, mesmo captulo, item 24 N. D.

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    22Fernando OrtizAnos depois, Gabriel Delanne, armado com o arsenal de dados que lhe

    ministraram os biologistas e naturalistas do sculo passado, d maior preciso teoria da evoluo do esprito em relao com a evoluo fsica, em seu muitointeressante livro A EVOLUO ANMICA (1895), do qual extraio estes

    pargrafos sintticos:Quer sob o ponto de vista do instinto, quer sob o da inteligncia ou odo sentimento, no existe outra diferena seno de grau entre a alma dosanimais e a do homem. O mesmo princpio imortal anima a todas as criaturasvivas. De comeo, manifesta-se de modo elementar, nas nfimas gradaes daexistncia; pouco a pouco se vai aperfeioando na sua grande evoluo,desenvolve as qualidades que tinha em grmen e as manifesta de forma maisou menos anloga nossa, medida que se aproxima da humanidade.

    No podemos conceber porque havia de criar Deus seres sensveis ao

    sofrimento, sem lhes outorgar, ao mesmo tempo, a faculdade de sebeneficiarem com os esforos que fazem por progredir.

    Se o princpio inteligente que os anima estivesse condenado a ocupareternamente a mesma posio inferior, Deus no seria justo, favorecendo ohomem s expensas das outras criaturas.

    Diz-nos, porm, a razo, que no possvel que tal suceda, e aobservao demonstra que h identidade substancial entre a alma dos brutos ea nossa, que tudo se harmoniza e encadeia estreitamente no universo, desde otomo nfimo ao sol gigantesco perdido na noite do espao; desde a monera at

    o Esprito superior que paira nas regies serenas da erraticidade.Se supusermos que a alma se individualiza lentamente por uma

    elaborao das formas inferiores da natureza at chegar gradativamente humanidade, quem no se assombrar com a maravilhosa grandeza desemelhante ascenso?

    Atravs de milhares de formas inferiores, nos labirintos de umaascenso no interrompida; mediante modalidades raras e sob a presso dosinstintos e a sevcia de formas inverossmeis, a cega psique se dirige para a luz,para a conscincia esclarecida, para a liberdade.

    Os inmeros avatares, em milhares de organismos diferentes devemdotar a alma de todas as foras que lhe ho de servir mais tarde; tm por objetodesenvolver o envoltrio fludico, fixar nele as leis cada vez mais complicadasque regem as formas vivas, e criar-lhes um tesouro por meio do qual chegar,com o tempo, a manipular a matria de modo inconsciente, para que o Espritopossa prosseguir sem o bice dos liames terrestres.

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    III

    As leis da evoluo anmica

    Assim como a evoluo dos seres orgnicos deste mundo se determina,segundo os biologistas, pela ao complexa de uma multido de leis, desde aselementares fsicas da gravidade e da inrcia dos corpos, por exemplo, at s

    pouco definidas da hereditariedade e do atavismo, tambm a evoluo espritase desenvolve, merc de leis de diferentes ndoles, que s vezes so fixadas comsegurana dogmtica, e que outras vezes se tornam confusas, porm no menosnecessrias dentro de tal sistema filosfico.

    Assim, Allan Kardec, em O LIVRO DOS ESPRITOS, define as leis daadorao, do progresso, da liberdade etc., nem mais nem menos como o fazemcertos dogmticos da sociologia.

    Pelo que interessa ao nosso estudo, digamos que os espritas admitem

    entre as leis da evoluo dos espritos, como fundamental, a que chamam leidivina ou natural, que outra coisa no seno um direito natural aplicado atoda vida csmica e tambm, como lgico deduzir, vida dos homens.

    Esta lei natural eterna e imutvel, e Kardec a define dizendo que alei de Deus; apesar disso, porm, no fcil compreend-la e explic-la, e,sobretudo, apesar de seu conceito absoluto como um dogma, to absoluto comofoi o direito natural para certos filsofos juristas, essa lei divina ou natural,eterna e imutvel, de que falam os espritas, se nos apresenta to relativa emovedia na experincia das sociedades humanas e nas concepes tericas deaplicaes terrenas, como relativo, instvel e pouco seguro se mostrou ofamoso direito natural.

    Saiba-se, entretanto, que os espritas o confessam claramente, e o que mais, harmonizam o absoluto da lei com a relatividade de sua aparncia nestemundo.

    Escreve Allan Kardec: dado ao homem aprofundar as leis morais?"Sim, porm no lhe basta uma s existncia. Que so, com efeito,

    alguns anos para a aquisio de tudo o que constitui o ser perfeito, embora setenha em conta a distncia que separa o selvagem do homem civilizado? Paraisto seria insuficiente a mais longa existncia possvel; e com mais forte razo o

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    24Fernando Ortizser quando curta, como sucede em grande nmero de casos".16

    E no somente o Espiritismo deriva essa relatividade da de nossosconhecimentos e faculdades, como a explica com critrio evolucionista

    comparvel ao mais rigoroso evolucionismo sociolgico de nossos dias,dizendo: As leis diversas so as mesmas para todos os mundos?"Diz a razo que devem ser prprias natureza de cada mundo e

    proporcionais ao grau de adiantamento dos seres que os habitam.17

    Dentro, ainda, desta relatividade, existe uma lei de Deus, e o progressose alcana por seu cumprimento. No aceit-la est o bem, no neg-la est o mal.

    O bem traz consigo o melhoramento do ser, a aquisio de maispoderosas faculdades, uma atividade de raio mais amplo, um avano na sendaque conduz felicidade anglica, que se aproxima de Deus.

    Ao contrrio, o mal acarreta a paralisao desse movimentoascensional, o embotamento das foras do esprito, at que este, pela dor,adquira a conscincia de seu erro e triunfe em novas provas, vena o obstculoe renove sua marcha infinita.

    H, portanto, uma sano infrao da lei natural.Claro est, porm, que os conceitos do bem e do mal sero relativos, do

    ponto de vista de nosso planeta, pela relatividade de nossos conhecimentos epela relativa imperfeio de nossa conscincia; nessa est escrita a lei de Deus,ou seja, a definio do bem; de qualquer modo ambos os conceitos se impem:o bem e o mal, o que a conscincia aprova e o que lhe repugna.

    Dir-se-, porm: sendo a conscincia individual a definidora do bem edo mal, dependendo do adiantamento ou atraso das faculdades do esprito ehavendo espritos de diversos graus, o bem e o mal podero ser os mesmos

    para todos os homens?Podero ter para todos eles o mesmo valor tico? So absolutos, para todos os homens, o bem e o mal?Responde Kardec:

    "A lei de Deus a mesma para todos; porm, o mal dependeprincipalmente da vontade que se tenha de pratic-lo. O bem sempre o bem e omal sempre o mal, qualquer que seja a posio do homem. Diferena s h quantoao grau da responsabilidade".18

    16O LIVRO DOS ESPRITOS, Allan Kardec - Questo 617 N. D.17

    Mesma obra questo 618 N. D.18

    Mesma obra questo 636 N. D.

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    E acrescenta, como exemplo:Ser culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de

    carne humana?"Eu disse que o mal depende da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado

    o homem, quanto melhor sabe o que faz".19

    As circunstncias do relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezescomete o homem faltas que, nem por serem consequncia da posio em que asociedade o colocou, se tornam menos repreensveis. Mas, a suaresponsabilidade proporcionada aos meios de que ele dispe paracompreender o bem e o mal. Assim, mais culpado , aos olhos de Deus, ohomem instrudo que pratica uma simples injustia, do que o selvagem

    ignorante que se entrega aos seus instintos.

    19O LIVRO DOS ESPRITOS, Allan Kardec questo 637 N. D.

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    26Fernando Ortiz

    IV

    O Delito

    Que ser, portanto, o delito para os espritas?Se queremos definir um delito absoluto, por assim dizer, situando-nos

    em um ponto de vista que abarque a totalidade da vida dos espritos, o delito

    ser a violao da lei de Deus; confessemos, porm, que no fizemos umadefinio, mas uma substituio de palavras.

    Mas, se restringirmos o conceito ao campo visual da humanidade a quepertencemos, tendo em considerao a relatividade de conceitos, em tal caso,para o Espiritismo; e tendo ainda em vista o sentido evolucionista dessadoutrina, poder ento definir-se o delito humano, segundo os espritas, como odefinia elegantemente o Dr. M. C. Piepers, que no era esprita, ao que eu saiba.

    Assim dizia, no relatrio que enviou ao V Congresso Internacional de

    Antropologia Criminal de Amsterdam20: O delito a leso social produzida peloestado egostico da psique humana (leia-se esprito) na qual a evoluoaltrustica no est suficientemente avanada para dominar as tendnciasegosticas dentro do limite que exige determinado estado social.

    De modo que, fora de um delito absoluto, mera abstrao dogmtica, odelito para os espritas um conceito relativo que pode concretizar-seunicamente quando se relaciona com esse limite exigido por determinadoestado social. Nem outra coisa quis dizer a criminologia cientfica, desde o

    famoso antigo princpio nullum crimen sine lege21, que resiste vitorioso a todatentativa de definio do delito como conceito absoluto perse, ou como conceitode fenmeno natural, segundo pretendeu Garfalo.

    O delito, portanto, no mais do que um fenmeno de atraso naevoluo esprita, em relao com um ambiente mais adiantado, dondededuzem os espritas como os socilogos atuais, que um delito em determinadoambiente (em tal mundo ou em tal pas) deixa de s-lo em outro.

    E para que se veja at onde chega o Espiritismo em seu critrioevolucionista e relativo do delito, leia-se em Allan Kardec o que se refere a uma

    20 A noo do crime no ponto de vista evolucionista.21

    Nullum crimen sine lege(do latim) = no h crime sem lei (que o defina) N. D.

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    das formas mais selvagens da maldade: Poderiam ter sido agradveis a Deus os sacrifcios humanos

    praticados com inteno piedosa?"No. Nunca. Deus, porm, julga pela inteno. Sendo ignorantes, os

    homens poderiam crer que praticassem ato louvvel, imolando seus semelhantes.Nesses casos, Deus atentava mais na ideia do que no fato. Melhorando, os homensdeviam reconhecer seu erro e reprovar esses sacrifcios, que as intelignciasesclarecidas no poderiam aceitar".22

    Confessemos, pois, que o Espiritismo, nesse conceito do delito, seaparta dos dogmatismos das religies, absolutos e fechados, que no admitemessa relatividade na ideia do pecado e do delito, e que se aproxima dasconcluses cientficas da razo.

    22O LIVRO DOS ESPRITOS, Allan Kardec questo 670 N. D.

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    V

    Determinismo e livre-arbtrio

    Para os positivistas, o criminoso, como todo homem, um ser cujosatos so determinados por complexssimos fatores, que o impulsionam, fatal ecegamente, para tal ou qual direo; para os chamados clssicos, o criminoso e

    o homem tm o s eu controle prprio e absoluto, a liberdade de fazer o bem ouo mal conforme queira.

    Deterministas e livre-arbitristas se acometem com ardor para oimprio de seu princpio cardeal na cincia criminal; esta questo carece,entretanto, de importncia fundamental no campo da criminologia, visto que setorna desnecessria quando se trata de expor o direito de castigar.

    Com efeito, uma parte dos livres-arbitristas, os clssicos da filosofiapenal (Carrara, por exemplo) partindo apenas do princpio do livre-arbtrio,

    veem-se forados a admitir restries de fato a essa absoluta liberdade, quandotratara do grau na fora do delito.

    O delinquente v cerceado seu livre-arbtrio, em relao idade,inteligncia, loucura, idiotez, embriaguez e uma poro de causas que lhealteram o equilbrio absoluto, para discernir absolutamente entre o bem e omal; de sorte que, por vezes, concebe como bom o delito, e ainda o sabendomau, arrastado para ele muito a seu pesar.

    De modo que, por absoluto que seja o princpio, difcil seria distinguir

    os diversos graus na ao criminosa, por existir nos indivduos vrios motivosou circunstncias que alteram a suposta liberdade absoluta.

    Onde est, pois, esse livre-arbtrio absoluto, que alguns queremconceber e pelo qual o homem pode resistir, s, impassvel e vitorioso, a umacatarata de solicitaes externas?

    De outra parte, porm, observa-se que os deterministas, por maisradicais que sejam, ainda quando analisem e expliquem a imensa complexidadede fatores que influem nas determinaes do homem, tero sempre de admitirque entre esses inmeros fatores codeterminantes esto os fatores ntimos daindividualidade psicolgica do ser, que renem sua fora de todos os demaisfatores, para determinar o ato humano. Donde resulta que ante iguais fatores

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    externos, o homem se determinar de maneira distinta, segundo o coeficienteque soma de energias tragam os fatores intrnsecos do seu ser, do seu eu.

    Onde est, pois, perguntam, esse determinismo absoluto, que algunsquerem impor, e pelo qual o ser humano um gro de areia, joguete da

    marulhada, sem personalidade, sem individualidade, sem carter?E muito bem se argumenta, como Ferri, contestando a Van Calker, e,

    defendendo o determinismo absoluto, ao dizer que essa individualidade, essecarter, esse eu no passa do reconhecimento implcito do determinismofundamental da originria constituio orgnica e psquica (temperamento ecarter) de todo indivduo, determinismo que o homem tem de comum comtodos os seres vivos.

    Se esse carter, porm, e esse eu fruto de um determinismo na

    originria constituio orgnica e psquica, convenhamos que no menos certo que esse determinismo criador de uma Constituio individual, desde seuincio, teve que atuar sobre algo, sobre uma clula protoplsmica cheia de vida;esse algo com vida, que em seu comeo significa muito pouco na causalidadedos fenmenos naturais que o interessavam, foi evolvendo, adquirindofaculdades e foras para depois de um transcurso de idades incalculveis,chegar a ser homem; este ser grandemente influencivel em todos osmomentos da vida; chegou, porm, por sua vez, a ter um carter formado pelo

    poderoso ncleo de energias acumulveis em seu ser, que lhe permitemraciocinar, s vezes, at com conscincia, contra solicitaes do ambienteexterno e de seu prprio organismo, o que em idades anteriores, para estados eseres menos evoludos, seriam fatais em absoluto.

    Pois bem. Nessa maior acumulao de faculdades e nessa maiorconcentrao de foras determinantes conscientes que se chama homem,parece-me estar em posio o conceito que muitos tomam por liberdade moral.Isso vem a ser, a meu juzo, o conceito esprita da liberdade moral do homem;

    esse conceito relativo, porque, por muitas que sejam as energias concentradasno mesmo ncleo humano (chame-se esprito), grandes so as energias que orodeiam; o conceito, porm, se afasta um pouco de um determinismo absoluto,que alguns julgam como abstrao metafsica negadora da individualidade e doser, como de um livre-arbtrio, que equivale metafsica concepo diurnadivindade.

    Neste terreno, repito, parece poder-se encontrar o Espiritismo. Paraeste, o livre-arbtrio uma faculdade que o esprito vai adquirindo merc deuma grande evoluo, e medida que vai despertando e saindo do primitivismoe das encarnaes grosseiras e pr-humanas. Por que, porm, o espritoprogride nessas primitivas e vastas idades, quando no demonstra livre-

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    30Fernando Ortizarbtrio, nem conscincia do seu ser e do seu progresso?

    Pela experincia que adquire, realizando atos que so prejudiciais eatos que lhe trazem felicidade.

    E assim, pouco a pouco, o esprito vai percebendo a vida, adquirindo

    cincia e conscincia e chegando a essa fase de evoluo na qual desprendefora prpria consciente, e alcana o pleno livre-arbtrio. De tudo resulta umlivre-arbtrio, filho do determinismo.

    Ser um absurdo? Ser, acaso, mera questo de palavras?Neste terreno da relatividade de ambos os conceitos (livre-arbtrio e

    determinismo) a questo de que vimos tratando desaparece, seguindo-se AllanKardec.

    Com efeito, no ser o mesmo dizer: indivduo livre moralmente em

    seu arbtrio, cuja liberdade, porm, restringida por suas especiais condiessubjetivas, orgnicas, de civilizao e pela ao do ambiente; e indivduoconstante e fatalmente determinado em seus atos morais pelo influxo doambiente e do prprio organismo que influenciado consciente ouinconscientemente por certas condies pessoais que caracterizam aindividualidade influenciada, fazendo-a agir de maneira distinta da que agiriamseus semelhantes em igual caso?

    No igual um livre-arbtrio e um determinismo no absoluto?

    No o mesmo imaginar um ser, cuja individualidade caractersticatem que se inclinar, mais ou menos, aos embates do ambiente, segundo a foradeles e a tmpera do seu carter; e o que supe uma avalanche de elementosconcomitantes, que arrastam um ser, porm lhe modificam o rumo, aqui ouacol, segundo as resistncias da individualidade combatida?

    Que importncia ter ento a questo do livre--arbtrio e dodeterminismo, se os privam do seu carter absoluto? Em resumo, o homem nopode resistir, impassvel, ao fluxo e refluxo do mar da vida, pela nica virtude

    do seu arbtrio, como as divindades que caminham sobre as ondas, semsubmergir, pelo imprio de sua vontade sobrenatural; nem o homem um grode areia perdido no oceano impotente de sua imensidade.

    O homem no um deus, nem um tomo; simplesmente homem enada no mar da vida; e chegar ou no praia, tais sejam as suas faculdadesnatatrias, a distncia da margem, a fora das ondas e sobretudo sua vontadede nadar. O ato humano e portanto o delito, ter que ser concebido como umaresultante das foras combinadas, subjetivas e objetivas, do indivduo e do

    ambiente. Assim o entende a criminologia moderna e assim o explica oEspiritismo, ainda que o conceito de ambos sobre o livre-arbtrio seja bemdiferente, pelo menos em suas frmulas.

    No deixa de ser curioso observar como a tica espiritista, que a

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    anttese do materialismo penal, e que presume como princpio bsico daevoluo dos espritos o livre-arbtrio, pode romper com os antigos dogmasreligiosos e metafsicos, partidrios do arbtrio absoluto dos homens, comprmios e penas eternas no fim da vida, para explicar um livre-arbtrio

    influenciado por circunstncias estranhas vontade do prprio esprito.Ainda que repetindo, direi que o Espiritismo, por seu mrito

    evolucionista, supe uma infinita gradao dos espritos, cujo progresso, sebem que devido aos prprios esforos, lento e pesado no incio, por estaremas faculdades psquicas em embrio e pouco desenvolvidas; o progresso vaicrescendo e dependendo cada vez mais do esforo consciente e do arbtrio doesprito, e menos sujeito aos influxos estranhos.

    Com o crescimento de suas faculdades, aumenta sua independncia

    subjetiva, seu poder prprio e com o aumento deste agiganta-se a eficcia desua self direction. Se a princpio o esprito rude, com uma rudeza alm daprimitiva bestialidade, e depois, como uma criana, incapaz de dirigir-se por siprprio, reagindo com o ambiente, no transcurso de suas encarnaes, progridee se governa como um sbio ou um homem de forte inteligncia e vontade.

    Nem outra, como parece, era a concepo de Gabriel Tarde, quando emartigo referente ao 2 Congresso de Antropologia Criminal, impugnava aclassificao trplice dos fatores da delinquncia, segundo Ferri, negava a

    influncia independente dos chamados fsicos e csmicos, e dizia que quantomais se eleva um organismo, mais escapa servido das excitaes fsico-qumicas, e ainda que obtenha delas toda a energia armazenada, quanto mais asaproveita, tanto melhor delas dispe e livremente as dirige para seus finsconvenientes.

    De sorte que h espritos atrasados, cujo livre--arbtrio se acha comoem crislida, sem crescimento nem desenvolvimento, e caem facilmente,impulsionados por espritos maus ou por causas externas de natureza

    diferente. E outros espritos h, mais adiantados, com maior liberdade, que sedirigem e defendem da tentao, resistindo vitoriosamente.

    , pois, um livre-arbtrio relativo ou um determinismo relativo, comose queira, a base criminolgica do Espiritismo, no que toca ao problema daresponsabilidade.

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    32Fernando Ortiz

    VI

    A questo nos textos de

    Allan Kardec

    Veja-se, agora, como se podem documentar as observaes e os

    raciocnios do captulo anterior, com textos de Allan Kardec sobre o livre-arbtrio segundo o Espiritismo:

    (O LIVRO DOS ESPRITOS) Questo 120 Todos os Espritos passam pela fieirado mal para chegar ao bem?

    "Pela fieira do mal, no; pela fieira da ignorncia".

    121 Por que que alguns Espritos seguiram o caminho do bem e outros odo mal?

    "No tm eles o livre-arbtrio? Deus no os criou maus; criou-os simples

    e ignorantes, isto , tendo tanta aptido para o bem quanto para o mal. Os queso maus, assim se tornaram por vontade prpria".

    122 Como podem os Espritos, em sua origem, quando ainda mo tmconscincia de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal?H neles algum princpio, qualquer tendncia que os encaminhe para umasenda de preferncia a outra?

    "O livre-arbtrio se desenvolve medida que o Esprito adquire aconscincia de si mesmo. J no haveria liberdade, desde que a escolha fossedeterminada por uma causa independente da vontade do Esprito. A causa noest nele, est fora dele, nas influncias a que cede em virtude da sua livrevontade. o que se contm na grande figura emblemtica da queda do homem edo pecado original: uns cederam tentao, outros resistiram".

    a) Donde vm as influncias que sobre eles se exercem?"Dos Espritos imperfeitos, que procuram apoderar-se deles, domin-los,

    e que rejubilam com o faz-los sucumbir. Foi isso o que se intentou simbolizar nafigura de Satans".

    b) Tal influncia s se exerce sobre o Esprito em sua origem?"Acompanha-o na sua vida de Esprito, at que haja conseguido tanto

    imprio sobre si mesmo, que os maus desistem de obsidi-lo".

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    127 Os Espritos so criados iguais quanto s dificuldades?"So criados iguais, porm, no sabendo donde vm, preciso que o

    livre-arbtrio siga seu curso. Eles progridem mais ou menos rapidamente tantoem inteligncia como em moralidade.

    "Os Espritos que desde o princpio seguem o caminho do bem, nem porisso so perfeitos. No tm, certo, maus pendores, mas precisam adquirir aexperincia e os conhecimentos indispensveis para alcanar a perfeio.Podemos compar-los a crianas que, seja qual for a bondade de seus instintosnaturais, necessitam de se desenvolver e esclarecer, e que no passam, semtransio, da infncia madureza. Simplesmente, assim como h homens que sobons e outros que so maus desde a origem, com a diferena capital de que acriana tem instintos j inteiramente formados, enquanto que o Esprito, aoformar-se, no nem bom nem mau; tem todas as tendncias e toma uma ou

    outra direo, por efeito do seu livre-arbtrio."

    189 Desde o inicio de sua formao, goza o Esprito da plenitude de suasfaculdades?

    "No, pois que para o Esprito, como para o homem, tambm hinfncia. Em sua origem, a vida do Esprito apenas instintiva. Ele mal temconscincia de si mesmo e de seus atos. A inteligncia s pouco a pouco se

    desenvolve.

    190 Qual o estado da alma na sua primeira encarnao?"O da infncia na vida corporal. A inteligncia ento apenasdesabrocha: a alma se ensaia para a vida".

    368 Aps sua unio com o corpo, exerce o Esprito, com liberdade plena,suas faculdades?

    "O exerccio das faculdades depende dos rgos que lhes servem deinstrumento. A grosseria da matria as enfraquece".

    a) Assim, o invlucro material obstculo livre manifestao dasfaculdades do Esprito, como um vidro opaco o livre irradiao da luz?

    ", como vidro muito opaco".Pode comparar-se tambm a ao que a matria grosseira exerce sobre o

    Esprito de um charco lodoso sobre um corpo nele mergulhado, ao qual tira a liberdadedos movimentos.

    369 O livre exerccio das faculdades da alma est subordinado aodesenvolvimento dos rgos?

    "Os rgos so os instrumentos da manifestao das faculdades daalma, manifestao que se acha subordinada ao desenvolvimento e ao grau deperfeio dos rgos, como a excelncia de um trabalho o est da ferramentaprpria sua execuo".

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    34Fernando Ortiz

    564 Haver Espritos que se conservem ociosos, que em coisa alguma til seocupem?

    "H, mas esse estado temporrio e depende do desenvolvimento desuas inteligncias. H, certamente, como h homens que s para si mesmos vivem.

    Pesam-lhes, porm, essa ociosidade e, cedo ou tarde, o desejo de progredir lhesfaz necessria a atividade e felizes se sentiro por poderem tornar-se teis.Referimo-nos aos Espritos que chegaram ao ponto de ter conscincia de si

    mesmos e do seu livre-arbtrio; porquanto, em sua origem, todos so quaiscrianas que acabam de nascer e que obram mais por instinto que por vontadeprpria".

    843 Tem o homem o livre-arbtrio de seus atos?"Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de agir. Sem o

    livre-arbtrio, o homem seria mquina".

    844 Goza o homem do livre-arbtrio desde o seu nascimento?"H liberdade de agir, desde que haja vontade de faz-lo. Nas primeiras

    fases da vida, quase nula a liberdade, que se desenvolve e muda de objeto com odesenvolvimento das faculdades. Estando seus pensamentos em concordnciacom o que a sua idade reclama, a criana aplica o seu livre-arbtrio quilo que

    lhe necessrio".

    845 No constituem obstculos ao exerccio do livre-arbtrio aspredisposies instintivas que o homem j traz consigo ao nascer?

    "As predisposies instintivas so as do Esprito antes de encarnar.Conforme seja este mais ou menos adiantado, elas podem arrast-lo prtica deatos repreensveis, no que ser secundado pelos Espritos que simpatizam comessas disposies. No h, porm, arrastamento irresistvel, uma vez que se tenhaa vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer poder".

    846 Sobre os atos da vida nenhuma influncia exerce o organismo? E, seessa influncia existe, no ser exercida com prejuzo do livre-arbtrio?

    " inegvel que sobre o Esprito exerce influncia a matria, que pode

    embaraar-lhe as manifestaes. Da vem que, nos mundos onde os corpos somenos materiais do que na Terra, as faculdades se desdobram mais livremente.Porm, o instrumento no d a faculdade. Alm disso, cumpre se distingam asfaculdades morais das intelectuais. Tendo um homem o instinto do assassnio, seuprprio Esprito , indubitavelmente, quem possui esse instinto e quem lho d;no so seus rgos que lho do. Semelhante ao bruto, e ainda pior do que este,

    se torna aquele que nulifica o seu pensamento, para s se ocupar com a matria,pois que no cuida mais de se premunir contra o mal. Nisto que incorre em

    falta, porquanto assim procede por vontade prpria".

    847 A aberrao das faculdades tira ao homem o livre-arbtrio?

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    "J no senhor do seu pensamento aquele cuja inteligncia se ache

    turbada por uma causa qualquer e, desde ento, j no tem liberdade. Essaaberrao constitui muitas vezes uma punio para o Esprito que, porventura,tenha sido noutra existncia, ftil e orgulhoso, ou tenha feito mau uso de suasfaculdades. Pode esse Esprito, em tal caso, renascer no corpo de um idiota, comoo dspota no de um escravo e o mau rico no de um mendigo. O Esprito, porm,sofre por efeito desse constrangimento, de que tem perfeita conscincia. Est a aao da matria".

    849 Qual a faculdade predominante no homem em estado de selvagerias: oinstinto, ou o livre-arbtrio?

    "O instinto, o que no o impede de agir com inteira liberdade, notocante a certas coisas. Mas, aplica, como a criana, essa liberdade s suas

    necessidades e ela se amplia com a inteligncia. Conseguintemente, tu, que smais esclarecido do que um selvagem, tambm s mais responsvel pelo que fazesdo que um selvagem o pelos seus atos".851 Haver fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme ao sentido quese d a este vocbulo? Quer dizer: todos os acontecimentos sopredeterminados? E, neste caso, que vem a ser do livre-arbtrio?

    "A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Esprito fez, aoencarnar, desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, instituiu para siuma espcie de destino, que a consequncia mesma da posio em que vem a

    achar-se colocado. Falo das provas fsicas, pois, pelo que toca s provas morais es tentaes, o Esprito, conservando o livre-arbtrio quanto ao bem e ao mal, sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao v-lo fraquejar, um bom Esprito podevir-lhe em auxlio, mas no pode influir nele de maneira a dominar-lhe a vontade.

    Um Esprito mau, isto , inferior, mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos umperigo fsico, o poder abalar e amedrontar. Nem por isso, entretanto, a vontadedo Esprito encarnado deixa de se conservar livre de quaisquer peias".

    852 H pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independente

    da maneira por que procedem. No lhes estar no destino o infortnio?"So, talvez, provas que lhes caiba sofrer e que elas escolheram. Porm,

    ainda aqui lanais conta do destino o que as mais das vezes apenasconsequncia de vossas prprias faltas. Trata de ter pura a conscincia em meio

    dos males que te afligem e j bastante consolado te sentirs".As ideias falsas ou exatas que formamos das coisas, fazem-nos triunfar ou

    sucumbir, segundo nosso carter e posio social. Achamos mais simples e menoshumilhante ao nosso amor prprio, atribuir nossos infortnios sorte ou ao destino, eno nossa prpria falta. Se s vezes contribui para isso a influncia dos Espritos,

    poderemos sempre subtrair-nos a essa influncia, repelindo as ideias que nos sugerem,quando ms.

    861 Ao escolher a sua existncia, o Esprito daquele que comete um

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    36Fernando Ortizassassnio sabia que viria a ser assassino?

    "No. Escolhendo uma vida de lutas, sabe que ter ensejo de matar umde seus semelhantes, mas no sabe se o far, visto que ao crime preceder quasesempre, de sua parte, a deliberao de pratic-lo. Ora, aquele que delibera sobreuma coisa sempre livre de faz-la, ou no. Se soubesse previamente que, como

    homem, teria que cometer um crime, o Esprito estaria a isso predestinado. Ficai,porm, sabendo que ningum h predestinado ao crime e que todo crime, comoqualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbtrio.

    "Demais, sempre confundis duas coisas muito distintas: osacontecimentos materiais da vida e os atos da vida moral. A fatalidade, quealgumas vezes h, s existe com relao queles sucessos materiais, cuja causareside fora de vs e que independem da vossa vontade. Quanto aos atos da vidamoral, esses emanam sempre do prprio homem que, por conseguinte, temsempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca hfatalidade".

    872 A questo do livre-arbtrio pode resumir-se assim: o homem no fatalmente levado ao mal; os atos que pratica no foram previamentedeterminados; os crimes que comete no resultam de uma sentena do destino.Ele pode, por prova e por expiao, escolher uma existncia em que sejaarrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelascircunstncias que sobrevenham, mas ser sempre livre de agir ou no agir.

    Assim, o livre-arbtrio existe para ele, quando no estado de Esprito, ao fazer aescolha da existncia e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder oude resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamentesubmetido. Cabe educao combater essas ms tendncias. F-lo- utilmente,quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Peloconhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se- a modific-la, como se modifica a inteligncia pela instruo e o temperamento pelahigiene.

    Desprendido da matria e no estado de erraticidade, o Esprito

    procede escolha de suas futuras existncias corporais, de acordo com o graude perfeio a que haja chegado e nisto, como temos dito, que consistesobretudo o seu livre-arbtrio. Esta liberdade, a encarnao no a anula. Se elecede influncia, que sucumbe nas provas que por si mesmo escolheu. Parater quem ajude a venc-las, concedido lhe invocar a assistncia de Deus e dosbons Espritos.

    Sem o livre-arbtrio, o homem no teria nem. culpa por praticar o mal,nem mrito em praticar o bem. E isto a tal ponto est reconhecido que, nomundo, a censura ou o elogio so feitos inteno, isto , vontade. Ora, quem

    diz vontade, diz liberdade. Nenhuma desculpa poder, portanto, o homembuscar, para os seus delitos, na sua organizao fsica, sem abdicar da razo eda sua condio de ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assimquanto ao mal, assim no poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas,

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    quando o homem pratica o bem, tem grande cuidado de averbar o fato suaconta, como mrito, e no cogita de por ele gratificar os seus rgos, o queprova que, por instinto, no renuncia, apesar da opinio de alguns sistemticos,ao mais belo privilgio de sua espcie: a liberdade de pensar.

    A fatalidade, como vulgarmente entendida, supe a deciso prvia eirrevogvel de todos os sucessos da vida, qualquer que seja a importnciadeles. Se tal fosse a ordem das coisas, o homem seria qual mquina semvontade.

    De que lhe serviria a inteligncia, desde que houvesse de estarinvariavelmente dominado, em todos os seus atos, pela fora do destino?

    Semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruio de todaliberdade moral; j no haveria para o homem responsabilidade, nem porconseguinte, bem, nem mal, crimes ou virtudes. No seria possvel que Deus,

    soberanamente justo, castigasse suas criaturas por faltas cujo cometimento nodependera delas, nem que as recompensasse por virtudes de que nenhummrito teriam. Demais, tal lei seria a negao da do progresso, porquanto ohomem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para melhorar a sua posio,visto que no conseguiria ser mais nem menos.

    Contudo, a fatalidade no uma palavra v. Existe na posio que ohomem ocupa na Terra e nas funes que a desempenha, em consequncia dognero de vida que seu Esprito escolheu como prova, expiao ou misso. Elesofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existncia e todas as tendncias

    boas ou ms, que lhe so inerentes. A, porm, acaba a fatalidade, pois da suavontade depende ceder ou no a essas tendncias. Os pormenores dosacontecimentos, esses ficam subordinados s circunstncias que ele prpriocria pelos Seus atos, sendo que nessas circunstncias podem os Espritos influirpelos pensamentos que sugiram.

    H fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, porserem estes consequncias da escolha que o Esprito fez da sua existncia dehomem. Pode deixar de haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos,visto ser possvel ao homem, pela sua prudncia, modificar-lhe o curso.

    Nunca h fatalidade nos atos da vida moral.No que concerne morte que o homem se acha submetido, em

    absoluto, inexorvel lei da fatalidade, por isso que no pode escapar sentena que lhe marca o termo da existncia, nem ao gnero de morte quehaja de lhe cortar o fio.

    Segundo a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos osseus instintos, que, ento, proviriam, ou da sua organizao fsica, pela qualnenhuma responsabilidade lhe toca, ou da sua prpria natureza, caso em quelcito lhe fora procurar desculpar-se consigo mesmo, dizendo no lhe pertencera culpa de ser feito como . Muito mais moral se mostra, indiscutivelmente, adoutrina esprita. Ela admite no homem o livre-arbtrio em toda a sua plenitudee, se lhe diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugesto estranha e m, emnada lhe diminui a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, o

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    38Fernando Ortizque evidentemente lhe muito mais fcil do que lutar contra a sua prprianatureza. Assim, de acordo com a doutrina esprita, no h arrastamentoirresistvel: o homem pode sempre cerrar ouvidos voz oculta que lhe fala nontimo, induzindo-o ao mal, como pode cerr-los voz material daquele que lhefale ostensivamente. Pode-o pela ao da sua vontade, pedindo a Deus a fora

    necessria e reclamando, para tal fim, a assistncia dos bons Espritos. Foi oque Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que a Orao dominical,quando manda que digamos: "No nos deixes sucumbir tentao, mas livra-nos do mal".

    Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta comevidncia de todo o ensino que os Espritos tm dado. No s sublime demoralidade, mas tambm, acrescentaremos, eleva o homem aos seus prpriosolhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor, como livre de fecharsua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples mquina, atuando por efeitode uma impulso independente da sua vontade, para ser um ente racional, queouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesardisto, o homem no se acha privado de iniciativa, no deixa de agir por impulsoprprio, pois que, em definitivo, ele apenas um Esprito encarnado queconserva, sob o envoltrio corporal, as qualidades e os defeitos que tinha comoEsprito.

    Conseguintemente, as faltas que cometemos tm por fonte primria aimperfeio do nosso prprio Esprito, que no conquistou a superioridade

    moral que um dia alcanar, mas que, nem por isso, carece de livre-arbtrio. Avida corprea lhe dada para se expungir de suas imperfeies, mediante asprovas por que passa, imperfeies que, precisamente, o tornam mais fraco emais acessvel s sugestes de outros Espritos imperfeitos, que delas seaproveitam para tentar faz-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessaluta sai vencedor, ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nemmelhor. Ser uma prova que lhe cumpre recomear, podendo suceder quelongo tempo gaste nessa alternativa.

    Quanto mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e

    tanto menos acesso oferece aos que procurem atra-lo para o mal. Na razo desua elevao, cresce-lhe a fora moral, fazendo que dele se afastem os mausEspritos.

    Note-se como Allan Kardec, apesar de falar algumas vezes em livre-arbtrio em toda a sua plenitude (que no significa, certamente, absoluto),restringe essa plenitude pela inferioridade ou imperfeio do Esprito, donde sevem a essa relatividade do conceito, j exposta.

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    39A FILOSOFIA PENAL DOS ESPRITAS

    VII

    Os fatores da delinquncia

    Com os princpios que antecedem, j se compreender como oEspiritismo admite a teoria positiva dos fatores da delinquncia.

    Se em todos os atos do homem, e, portanto, do criminoso, h que

    descobrir-se a conjuno causal de elementos diversos que embotam o livre-arbtrio do esprito e modificam sua direo, e se estes elementos se achamradicados no prprio indivduo e no ambiente que o envolve, no haverdificuldade em admitir a famosa diviso tripartida de Ferri, que distingue nadelinquncia fatores antropolgicos, csmicos e sociais; o mesmo que falardos fatores que impedem o absoluto imprio do esprito sobre seu livre-arbtrioe daqueles que o atraem ao delito, que so derivados da prpria constituioindividual, psquica e fisiolgica, da natureza do ambiente fsico em que vive e

    dos caracteres do ambiente social em que se agita.A determinao desses fatores, segundo o positivismo penal, ainda que

    nos limitssemos aos principais, e de como so admitidos e aplicados peloEspiritismo, levar-nos-ia ao completo convencimento da realidade deles, doponto de vista da filosofia de Allan Kardec; e j a partir desta anlise, ascoincidncias tericas vo-se fazendo concretas e surpreendentes.

    Fatores antropolgicos Temos que distinguir no homem, segundo osespritas, dois elementos bem distintos: o corpo e o esprito, unidos por umterceiro elemento que serve de vnculo de relao entre ambos o perisprito.O esprito a essncia, o corpo a forma; o primeiro o autor, o segundo oinstrumento. Ambos se influem reciprocamente em proporo de suasrespectivas foras, conforme o maior ou menor adiantamento do esprito, ouseja, sua fora consciente.

    Assim o entende Allan Kardec, no captulo de O LIVRO DOS ESPRITOS,destinado a explicar a influncia do organismo sobre o esprito, nos seguintes

    pargrafos:367 Unindo-se ao corpo, o Esprito identifica-se com a matria?"A matria no mais do que o envoltrio de Esprito, como o vestido o

    do corpo. O Esprito unindo-se a corpo conserva os atributos da natureza

    espiritual".

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    40Fernando Ortiz368 Depois de sua unio com o corpo, exerce o Esprito suas faculdades comampla liberdade?

    "A existncia das faculdades depende dos rgos que lhes servem deinstrumento; a grosseria da matria as debilita".

    368-a O invlucro material ser obstculo livre manifestao dasfaculdades do Esprito, como um vidro opaco irradiao da luz?

    "Sim, como um vidro muito opaco".Pode-se comparar tambm a ao da matria grosseira do corpo sobre o

    Esprito da gua lodosa que priva de liberdade os movimentos do corpo nelasubmergido.

    370 Da influncia dos rgos pode induzir-se uma analogia entre odesenvolvimento dos rgos cerebrais e o das faculdades morais e intelectuais?

    "No se confunda o efeito com a causa. O Esprito tem sempre asfaculdades que lhe so prprias. No so os rgos que produzem as faculdades,mas estas que determinam o desenvolvimento dos rgos".

    370-a Deduzir-se- da que a diversidade das aptides no homem dependeunicamente do estado do Esprito?

    "Unicamente, no o termo exato. As qualidades do Esprito, que podeser mais ou menos adiantado, constituem o princpio. Cumpre, porm, se tenhaem conta a influncia da matria que dificulta, mais ou menos, o exerccio das

    faculdades".Ao encarnar-se, o Esprito faz certas predisposies, e se para cada uma se

    admite um rgo correspondente no crebro, o desenvolvimento ser efeito e no causa.Se as faculdades tivessem princpio nos rgos, o homem seria mquina, sem livre-arbtrio e irresponsvel nos seus atos. Seria preciso admitir que os maiores gnios,sbios, poetas, artistas, assim o so porque o acaso lhes deu rgos especiais; e da sesegue que, sem eles, no seriam gnios, e que o maior dos imbecis poderia ter sido umNewton, um Verglio, um Rafael, se fosse dotado de certos rgos.

    Mais absurda se torna a suposio, quando se aplica s qualidades morais.

    Segundo esse sistema, S. Vicente de Paulo, dotado de tal ou qual rgo, poderia ter sidoum malvado, e ao maior dos facnoras bastaria um rgo para ser Vicente de Paulo.Admita-se ao contrrio, que os rgos especiais, se existem, so consequentes, que sedesenvolvem com o exerccio da faculdade, como os msculos com o movimento, e anada irracional se chegar.

    Tomemos uma comparao trivial, fora de ser exata. Por certos sinaisfisionmicos se conhece o homem dado bebida; sero eles que caracterizaro o brioou a embriaguez que origina os sinais? Pode dizer-se que os rgos recebem o cunhodas faculdades.

    86 Poderia deixar o mundo corporal de existir, ou nunca ter existido, semque se alterasse a essncia do mundo esprita?

    "Sim, pois so independentes; contudo incessante a correlao entreambos, porquanto reagem incessantemente um sobre o outro".

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    Assim, pois, na determinao ou causa do delito, encontramos duasclasses de fatores no prprio indivduo delinquente: as faculdades do esprito eas influncias com que a matria dificulta o exerccio delas, ou o que vem a darno mesmo; caracteres psquicos e fatores ou caracteres anatmicos.

    Vejamos como eles so explicados pelos espritas.

    Caracteres psquicos do criminoso.

    So os mais importantes e significam o atraso do esprito. O homemcriminoso aquele no qual encarnou um esprito atrasado.

    No h necessidade de lembrar toda a srie de caracteres psquicos

    postos em relevo por Lombroso, Marro, Ferri, Lacasagne etc. Todos se podemreduzir a uma sntese: inferioridade ou atraso moral. Atraso moral que nemsempre significa atraso intelectual.

    O Espiritismo, porm, ao levar o evolucionismo a outras vidas ouencarnaes, admite um novo fator psquico. s vezes, o esprito desencarnado,intelectualmente progressista, lamenta ter cado no mal, e, naturalmente, desejaexpiar sua culpa, vencer as sugestes que o dominaram na encarnao passada,e voluntariamente se apresenta luta pelo progresso moral, para combater no

    prprio ambiente em que foi vencido, a fim de vencer, ento, por sua vez,armado da experincia e do desejo de progredir rapidamente.

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    VIII

    Caracteres anatmicos do

    criminoso

    O Espiritismo no desceu aos caracteres anatmicos do criminoso, nem

    pde, dentro dos seus princpios, sustentar, por exemplo, a criminalidade doshomens com orelhas asininas, ou a dos platicfalos, porque este estudo fogecompletamente aos problemas concretos da filosofia esprita.

    claro que o Espiritismo, assim como os apaixonados pelaantropologia criminal, no pode garantir que todo homem que tenha tal ou qualcarter fisionmico, seja um criminoso. E isto porque se veem muitas vezeshomens com fsico repulsivo, que no so criminosos, e vice-versa. E se certodizer-se que no s os declarados pela lei so criminosos, seno que h muitos

    que escapam ao imprio da mesma, e que esto em estado latente, no menoscerto que o delito o resultado de uma infinidade de fatores heterogneos; acoincidncia de uns tantos no basta para caracterizar o criminoso, o que s sepode obter pela concomitncia de um poderoso feixe de caracteres.

    Mas o Espiritismo diz que o esprito quem modela, em regra, o corpoadequado a seu estado de progresso, ou que o esprito se acha influenciado pelorgo por que se h de manifestar, ainda que ao encarnar-se no o hajaescolhido, e isto lhe sirva de expiao.

    O organismo anormalmente defeituoso, cujos caracteres demonstram,segundo a antropologia criminal, um retrocesso ao selvagem e ao animal, emrelao com o estado de progresso fsico da raa, em suma, a forma atrasada docorpo, pode ser para os espritas, prpria tambm para um esprito atrasado,cujo escasso adiantamento contemporneo das idades primitivas, ecorresponde ao corpo anacrnico.

    Assim, espr