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A Fenomenologia do Espírito de Hegel e O Capital de Marx: Curso Introdutório - II São Paulo - Novembro de 2016. Professor Dr. Jadir Antunes. O MOVIMENTO DIALÉTICO DA CONSCIÊNCIA EM O CAPITAL DE MARX 1. IDENTIDAD, 2. DIFERENÇA, 3. OPOSIÇÃO, 4. NEGAÇÃO E 5. NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO O Livro Primeiro de O Capital está dedicado à análise das contradições do processo de produção da mais-valia e possui 25 capítulos distribuídos em 7 seções. A primeira seção compreende os capítulos I a III e estuda as determinações contraditórias do dinheiro e da mercadoria na esfera da circulação simples. As seções II a VI compreendem os capítulos IV a XX e estudam as contradições contidas no processo de produção da mais-valia. A seção VII estuda a repetição do processo de produção e a conversão da mais- valia em capital, isto é, estuda as contradições contidas na esfera da reprodução do capital. Para uma compreensão fenomenológica do Livro Primeiro de O Capital organizaremos a exposição segundo a seguinte metodologia. 1) Identidade: momento da unidade e da identidade abstratas entre trabalhador e capitalista. Seção I do Livro Primeiro de O Capital. 2) Diferença: momento da diferença e da desigualdade reais entre trabalhador e capitalista. Seção II do Livro Primeiro de O Capital. 3) Oposição: momento da oposição e da luta sindical entre trabalhador e capitalista. Momento das diferenças não

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Page 1: A Fenomenologia do Espírito de Hegel e · não aparece ainda como o fim do processo de troca. O fim da troca aparece, ilusoriamente, como M, como a satisfação de uma necessidade

A Fenomenologia do Espírito de Hegel e

O Capital de Marx: Curso Introdutório - II

São Paulo - Novembro de 2016.

Professor Dr. Jadir Antunes.

O MOVIMENTO DIALÉTICO DA CONSCIÊNCIA EM O CAPITAL DE MARX

1. IDENTIDAD, 2. DIFERENÇA, 3. OPOSIÇÃO,

4. NEGAÇÃO E 5. NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO

O Livro Primeiro de O Capital está dedicado à análise das

contradições do processo de produção da mais-valia e possui 25 capítulos

distribuídos em 7 seções. A primeira seção compreende os capítulos I a III e

estuda as determinações contraditórias do dinheiro e da mercadoria na esfera

da circulação simples. As seções II a VI compreendem os capítulos IV a XX e

estudam as contradições contidas no processo de produção da mais-valia. A

seção VII estuda a repetição do processo de produção e a conversão da mais-

valia em capital, isto é, estuda as contradições contidas na esfera da

reprodução do capital.

Para uma compreensão fenomenológica do Livro Primeiro de O

Capital organizaremos a exposição segundo a seguinte metodologia.

1) Identidade: momento da unidade e da identidade abstratas

entre trabalhador e capitalista. Seção I do Livro Primeiro de O

Capital.

2) Diferença: momento da diferença e da desigualdade reais

entre trabalhador e capitalista. Seção II do Livro Primeiro de

O Capital.

3) Oposição: momento da oposição e da luta sindical entre

trabalhador e capitalista. Momento das diferenças não

Page 2: A Fenomenologia do Espírito de Hegel e · não aparece ainda como o fim do processo de troca. O fim da troca aparece, ilusoriamente, como M, como a satisfação de uma necessidade

essenciais [quantitativas] da realidade e da necessidade de

sua superação. Seções III a VI do Livro Primeiro de O

Capital.

4) Negação: momento da negação e da luta revolucionária

entre trabalhador e capitalista. As diferenças não essenciais

[quantitativas] são superadas e parte-se, então, para a

aniquilação da diferença essencial [qualitativa] da realidade,

onde o sistema é parcialmente tomado pelos trabalhadores.

Seção VII do Livro Primeiro de O Capital.

5) Negação da Negação: momento da negação da negação e

da tomada revolucionária do poder. A diferença essencial é

finalmente aniquilada e o sistema é, então, totalmente

tomado pelos trabalhadores. Seção VII – Capítulo XXIV: A

Acumulação Originária - Livro Primeiro de O Capital.

1. IDENTIDADE

1) O momento abstrato/tético/positivo: o processo de circulação da mercadoria

e do dinheiro (o princípio está ainda pressuposto/velado e o capital parece

surgir dele mesmo).

a) O duplo caráter da mercadoria: M-D-M.

a.1) A contradição aparente: valor de uso e valor de troca.

a.2) A contradição verdadeira e interna: valor de uso e valor.

a.3) A contradição interna exteriorizada: mercadoria e dinheiro.

b) O duplo caráter do trabalho: trabalho concreto e trabalho abstrato.

c) A substância e medida do valor.

Seção I: análise e crítica da circulação simples de mercadorias = M - D - M

(Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria).

Representa o começo puramente formal, abstrato e positivo da

exposição. Os operários aparecem como indivíduos livres e dispersos pelo

mercado. M (uma mercadoria qualquer) se converte em D (dinheiro) que será

reconvertido noutra mercadoria (M) qualquer. O dinheiro não aparece ainda

como dinheiro, mas, como moeda e meio de circulação. O dinheiro, por isso,

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não aparece ainda como o fim do processo de troca. O fim da troca aparece,

ilusoriamente, como M, como a satisfação de uma necessidade humana

qualquer. O processo capitalista de troca, antes de aparecer como dúplice e

contraditório, aparece como uno e indivisível e a crise aparece em sua forma

meramente formal e potencial.

Começamos aqui pela instância mais imediata, abstrata, aparente,

fantasiosa e ilusória da realidade capitalista. Começamos aqui por um aparente

intercâmbio de equivalentes onde a relação entre capital e trabalho não

aparece como tal, mas como uma relação entre dois vendedores individuais de

mercadorias. O trabalhador não aparece ainda como tal, mas, sim, como

vendedor de uma mercadoria indeterminada. O patrão, do mesmo modo, não

aparece como tal, mas sim, como certo comprador de mercadorias em geral. A

única relação econômica que surge neste momento é uma relação de

comércio, onde, de um lado, se apresenta certo vendedor indeterminado e de

outro, certo comprador, do mesmo modo indeterminado. Um surge como

proprietário de produtos e o outro surge como proprietário de dinheiro.

Esta instância inicial é a mais abstrata, e por isso a mais pobre de

conteúdo, porque toda a transação entre comprador e vendedor é analisada

num grau puramente formal, num grau bastante purificado de conteúdo. Isto é:

toda a transação econômica desta instância é analisada abstraindo-se de

qualquer conteúdo e num nível puramente formal e indeterminado. Por isso,

Marx expressa esta relação comercial com a fórmula da circulação simples de

mercadorias: M-D-M. Nesta fórmula o dinheiro não circula como capital, mas,

sim, como moeda, isto é, como meio de circulação. O fim do processo é a

satisfação de uma necessidade ainda não satisfeita e não a valorização sem

fim do valor.

Como todo conteúdo da transação foi abstraído da exposição,

mercadoria e dinheiro não aparecem como capitais, mas aparecem sim, como

mercadoria e dinheiro mesmo. Do mesmo modo, vendedor e comprador não

aparecem frente a frente como trabalhador e patrão, mas aparecem sim, como

vendedor e comprador mesmo, sem determinação alguma. A dificuldade para

se compreender esta Seção I, reside exatamente no caráter abstrato da

exposição que recém inicia. As contradições que surgem neste nível surgem

como resultados do caráter contraditório de certas categorias inteiramente

abstratas. É o caso, por exemplo, da contradição que surge quando a

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mercadoria, a forma determinada, particular e rígida da riqueza social, deseja

ser trocada pelo dinheiro, a forma universal, indeterminada e fluída da riqueza

social. Surge assim uma contradição entre a forma particular, rígida e

determinada da riqueza social com sua forma universal, fluída e indeterminada.

Neste nível do processo surge a primeira e mais abstrata forma de

consciência, a consciência fundada no ideal da igualdade, da liberdade, da

autonomia e dos direitos humanos. Trabalhador e capitalista não aparecem

ainda como tais e intercambiando entre si, mas, sim na figura abstrata e

indeterminada de cidadãos livres e iguais entre si. Como cidadãos do mercado,

os indivíduos aparecem trocando apenas coisas externas, bens patrimoniais

naturalmente alienáveis. A vontade, enquanto tal, por não ser um bem

patrimonial não pode ser, ainda, portanto, alienada. Neste nível predomina a

moralidade burguesa, a moralidade do mercado, onde cada indivíduo é visto

como uma mônada autossuficiente, autoindependente, autoconsciente e,

portanto, autônomo em relação a outros indivíduos. Este nível corresponde ao

momento da realidade em que cada indivíduo parece existir em-si, por-si e

para-si-mesmo. Como cada indivíduo é igual a todos os demais indivíduos, a

consciência que surge neste momento é o da independência e da autonomia

moral do indivíduo. Neste nível domina, portanto, o princípio da individualidade

abstrata, do egoísmo, da vaidade, do solipsismo, do hedonismo, do utilitarismo

e da falsa consciência do eu individual.

No nível das trocas, os indivíduos apropriam-se dos bens externos e

patrimoniais de cada um, da coisa de cada, e somente desta coisa, de maneira

moral e consentida. Cada um dos intercambiantes parece entregar, livremente

e consentidamente, sem coação e sem a força e a violência da necessidade,

um bem patrimonial que lhe pertence por direito, um bem produzido pelo

trabalho de suas próprias mãos, em troca de um bem igualmente consentido e

produzido pelas próprias mãos do outro. Para além das aparências, porém,

Marx mostra que como os produtos são trocados entre si dentro de uma divisão

social do trabalho bastante desenvolvida, como dentro desta divisão o produto

é trocado como mercadoria, como mercadorias iguais não são, absolutamente,

cambiáveis entre si, como somente produtos diferentes podem ser cambiados

entre si, o surgimento da diferença e da troca entre estes diferentes torna-se

uma necessidade inevitável para cada indivíduo.

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O princípio da absoluta igualdade e da autonomia moral de cada

indivíduo diante de todos os demais indivíduos se esfacela e se destrói, então,

pela violência da necessidade do próprio produto ser trocado pelo produto do

alheio. O intercâmbio, aparentemente fundado na absoluta igualdade de todos

entre todos, exige agora, portanto, que o diferente apareça e execute a

operação de troca. Sem este diferente, sem a existência da diferença na

realidade, a operação de troca torna-se impossível para nossos cidadãos do

mercado. A igualdade abstrata da coisa e de todos entre todos, pressupõe,

assim, contraditoriamente, a existência da diferença real entre as coisas

trocadas e os portadores vivos destas coisas.

As coisas trocadas devem, portanto, ser qualitativamente diferentes

entre si. Não se trocam coisas qualitativamente iguais, mas, sim, coisas

desiguais. Não se trocam camas por camas, mas camas por sapatos, por

vestimentas, por seu desigual. A diferença natural entre as coisas e seus

portadores deve, portanto, existir e servir como fundamento e pressuposto para

a troca no mercado. As coisas, porém, para serem trocadas, precisam ainda

ser trocadas numa relação justa e honesta, precisam ser trocadas dentro de

uma proporção quantitativa equivalente. As coisas precisam, portanto, ser

trocadas dentro de uma relação quantitativa justa e igual. Trocam-se, assim,

coisas diferentes por quantidades iguais. Por fundar-se no princípio da

igualdade quantitativa entre as coisas, a troca não aparece, ainda, como troca

capitalista de mercadorias, mas como a troca enquanto tal, sem determinação,

sem diferença e sem negatividade alguma. A troca, com todos os seus agentes

e determinações, aparece, então, sem qualquer ambiguidade, sem qualquer

potência negativa e aniquiladora que a desfaça totalmente.

A troca aparece, assim, nesta ausência de negatividade e ambiguidade,

em sua total pureza e identidade e, assim, em seu total mascaramento

ideológico. Sendo a troca fundada, então, em sua versão mascarada e

ideológica, no princípio da troca de equivalentes, torna-se impossível existir, e

se explicar racionalmente, a valorização do valor e a meta capitalista da troca

que têm, como seu mais íntimo princípio, a troca entre coisas desiguais e em

proporções também desiguais, a troca de mais-por-menos e menos-por-mais.

Para se explicar racionalmente este processo, precisamos, ainda, então,

abandonar o domínio do mascaramento e viajar para um novo domínio da

realidade, contido ainda no interior do próprio domínio das trocas: o mercado

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de compra e venda da força de trabalho. Contudo, analisamos um pouco mais

o domínio do mascaramento ideológico das trocas e suas determinações

essenciais.

O mundo ideológico da mercadoria pressupõe dois agentes abstratos

livres e autônomos na sua vontade, comprador e vendedor, e dois bens

externos desiguais, dois bens patrimoniais alienáveis, duas coisas externas

que são trocadas entre si numa proporção equivalente. A troca aparece, assim,

determinada por dois princípios fundamentais: o da equivalência e o da

reciprocidade. Pelo princípio da reciprocidade, aquele que entrega uma coisa

recebe em contrapartida outra de igual qualidade. Pelo princípio da

equivalência, as coisas trocadas possuem valores proporcionalmente iguais. A

troca de mercadorias pressupõe, portanto, uma relação econômica moralizada

entre os agentes, pois ambos compartilham seus próprios bens entre si em

proporcionalidades iguais e em vista da satisfaçam de suas necessidades da

vida sem dolo, má-fé, logro, furto, roubo, expropriação, violência e

desigualdade entre os agentes.

A troca, nesta sua manifestação ideológica da primeira seção de O

Capital, respeita integralmente, portanto, todos os princípios jurídicos e morais

do mundo moderno, tais como a autonomia da vontade, a igualdade, a

liberdade e a dignidade da pessoa humana. Uma vez realizada a troca das

coisas entre si, ambos os agentes permanecem conservados e integrais na sua

vontade, na sua autonomia, na sua igualdade, na sua liberdade e na sua

dignidade, pois as únicas coisas entregues e alienadas foram as coisas

fabricadas por seu próprio trabalho. Os chamados bens indisponíveis, tais

como a dignidade, a liberdade e a autonomia da vontade permaneceram em

seu estado de indisponibilidade e inalienabilidade. Também permaneceram

indisponíveis e inalienáveis a vida, o corpo, e partes deste corpo, dos agentes

da troca. O homem, ambos os homens do processo de troca, deste modo,

permanece sendo visto, tratado e conservado como uma finalidade-em-si-

mesma.

Apesar de o egoísmo e o interesse próprio serem os únicos elos de

ligação entre os agentes da troca, a troca foi feita em vista das necessidades

de consumo de ambos os agentes tendo sido preservada, ainda, a

personalidade humana de ambos. Ambos os agentes permanecem como

legítimos proprietários de sua própria personalidade humana, que continua

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existindo no seu ser-aí-essencial, inviolável, inalienável, irrenunciável,

intransmissível, inapropriável, indisponível, não objetivada e, assim, não

coisificada.

Por estar fundada na autonomia da vontade de ambos os agentes, a

troca parece estar situada fora de qualquer determinação que esteja para além

desta autonomia, fora de qualquer relação causal e necessária. Porém, a coisa

trocada não tem qualquer valor-de-uso para o agente titular da coisa. Para seu

titular, a coisa só tem valor na medida em que possua, ao mesmo tempo, valor-

de-troca e que possa, assim, ser trocada por outra coisa ou, especialmente, por

outra coisa sumamente boa para ele: o dinheiro.

Caso um dos agentes da relação de troca for um capitalista, a troca não

poderá ser realizada em vista da obtenção de uma coisa útil para o uso e

satisfação humanas, mas, sim, em vista da obtenção de dinheiro e,

fundamentalmente, de mais dinheiro. Para que o processo de troca possa ser

um processo vantajoso para o capitalista ele precisará ser, impreterivelmente,

então, um processo desigual, um processo de troca de mais-por-menos ou de

menos-por-mais. Como ao empresário capitalista não interessa o processo

tautológico da troca, o processo fundado sobre o princípio da equivalência,

será necessário então, para compreendermos racionalmente o processo social

e efetivo das trocas, incluir nele os princípios da diferença e da desigualdade

quantitativas. O ingresso da figura do capitalista no processo de troca

desfigura, então, toda a beleza e a moralidade do processo de troca fundado

sobre os princípios da troca simples. Com o ingresso da figura do capitalista,

ingressa junto, assim, o princípio do mais e da diferença no processo de troca.

Com a entrada do capitalista no processo de troca, ingressa junto com ele,

ainda, sua própria diferença essencial, o trabalhador como produtor e vendedor

de força de trabalho.

Como podemos ver, o processo de troca guarda em seu próprio interior

um conjunto de forças e potências negativas que o impulsionam, necessária e

logicamente, violentamente, para fora-de-si-mesmo, para o além de um novo e

mais fundamental mercado: o mercado de força de trabalho. Para que o

empresário capitalista possa transformar dinheiro em mais dinheiro, será

necessário, então abandonarmos as determinações abstratas e as fantasias

ideológicas da troca mercantil simples e analisarmos em detalhes as

determinações deste novo mundo: o da compra e venda de corpos e mentes

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humanas para o trabalho. Neste novo mundo, tudo o que era inalienável,

essencial e sagrado será, então, profanado e convertido em coisa para a troca:

especialmente o corpo e o espírito humano em suas formas vivas e atuantes.

2. DIFERENÇA

Seção II: análise e crítica das contradições da fórmula geral do capital = D - M -

D’ (Dinheiro – Mercadoria – maisDinheiro). O processo contraditório começa a

ser desvelado e o capital começa a surgir do trabalho.

a) A fórmula geral do capital e suas contradições: D-M-D’.

b) Compra e venda da força de trabalho: FT-D-M.

Instância ainda mercantil, porém, bem mais determinada que a anterior.

Aqui a troca já aparece como troca entre duas figuras bem determinadas. De

um lado aparece o proprietário do dinheiro não mais como simples comprador

de mercadorias em geral, mas, sim, como determinada figura que tem como

meta valorizar o dinheiro, isto é, surge aqui o capitalista. Como estamos ainda

na esfera da circulação mercantil e supomos sempre que as mercadorias são

compradas e vendidas pelo seu valor, como supomos sempre que a troca de

equivalente é inviolável para todos os personagens de nossa história, então, a

fórmula do capital aparece nesta forma insossa: D-M-D’. Dada a

impossibilidade da troca de não-equivalentes, a fórmula geral do capital expõe

suas inevitáveis contradições.

De outro lado aparece o trabalhador não mais como vendedor de

mercadorias em geral, como anteriormente, mas, sim, como vendedor de uma

mercadoria bem determinada: sua própria força de trabalho. Por isso a fórmula

anterior, e abstrata, da circulação simples (M-D-M) se converte nesta fórmula

mais determinada: Ft-D-M. Aqui, o vendedor já aparece como livre vendedor de

sua própria força de trabalho, como trabalhador separado da propriedade dos

meios objetivos de realização do trabalho e de si mesmo como trabalhador,

como vendedor que não possui nenhuma outra mercadoria para vender senão

a si mesmo. Nesta altura da exposição, a abstração do momento inicial foi

parcialmente superada e a relação de troca ganhou um primeiro conteúdo

determinado.

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O mercado não é mais o mercado de mercadorias em geral, mas, sim, o

mercado de força de trabalho. A troca entre capital e trabalho, contudo,

continua sendo apresentada como uma troca entre equivalentes. O

trabalhador, porém, enganado pelo caráter mercantil da relação, acredita que

vendeu trabalho ao patrão e não sua força de trabalho. A relação entre capital

e trabalho, apesar de não aparecer mais como inicialmente aparecia, como

uma relação entre vendedor e comprador simplesmente, ainda continua

aparecendo como uma relação entre proprietários livres e iguais.

Como a relação de troca entre capital e trabalho esconde a diferença

importante entre trabalho e força de trabalho, o trabalhador não percebe ainda

a diferença de classe que há entre ele e o patrão. Como não houve coação

direta do patrão sobre o trabalhador, como o trabalhador é proprietário de sua

própria força de trabalho e como esta força foi posta e vendida no mercado

pelo próprio trabalhador, a transação continua aparecendo, enganosamente,

como uma transação entre homens livres e iguais entre si, como no começo da

exposição.

Neste nível, portanto, a sociedade capitalista e suas contradições

fundamentais permanecem ainda veladas pelo véu da troca de equivalentes.

As classes sociais aparecem mistificadas na forma de indivíduos livres, iguais e

proprietários, um do trabalho e outro do dinheiro. As contradições de classe

ainda estão ocultas pela forma monetária da transação, o que aparece neste

nível é uma relação harmoniosa entre os indivíduos, de um lado está o patrão e

de outro o trabalhador, ambos reciprocamente dependentes.

Neste nível se forma a base para todas as concepções fantasiosas e

democráticas sobre a sociedade burguesa e para a falsa consciência do

trabalhador, que permanece se concebendo tão livre e igual quanto seu patrão.

Neste nível, por isso, se forma a base para a charlatanice dos direitos

inalienáveis do homem e para os discursos de salão da social-democracia, seja

petista ou não.

Este nível deve ser considerado como uma transição entre o nível

anterior abstrato, o nível da circulação simples, e o nível seguinte mais

determinado, o da produção da mais-valia.

Nesta seção surgem as primeiras contradições da fórmula geral do

capital na esfera da circulação e a crítica à noção dos economistas de que a

mais-valia surge desta esfera. O dinheiro nesta seção surge como dinheiro

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exatamente e não mais como moeda e meio de circulação como aparecia na

seção anterior. O dinheiro surge agora como valor que deve se valorizar na

circulação e como o fim do processo de troca. O problema aqui é explicar como

o dinheiro, seguindo a lei do valor e da equivalência entre as mercadorias,

segundo a lei de comprar e vender pelo valor, pode se valorizar no processo. O

problema é explicar como o dinheiro (D), ao se converter em M (uma massa de

valor igual a D), sai ao final do processo de troca quantitativamente maior do

que entrou no começo sem violar as leis da troca de mercadorias.

Ainda no interior desta segunda seção surge a resposta ao problema da

valorização do valor com o surgimento de uma mercadoria determinada, a

força de trabalho, e um vendedor, também determinado, o trabalhador, que

ainda não apareciam na seção anterior, que na verdade apareciam misturados

sem se diferenciar com uma miríade de outros vendedores. A fórmula FT - D -

M (Força de Trabalho – Dinheiro – Mercadoria) surge como a mediação

dialética entre o começo abstrato e indeterminado e a esfera da produção que

virá logo mais à frente. O mercado, por isso, está agora mais determinado que

no começo, pois agora estamos no mercado de força de trabalho. Aqui é o

momento da venda da força de trabalho (FT) pelo operário ao capitalista. É o

momento da conversão da força de trabalho em D (dinheiro) e, mais tarde, em

meios de subsistência (M) do trabalhador. D só pode se converter em D’ caso

entrar em relação com um vendedor de uma mercadoria determinada, a força

de trabalho (FT) do trabalhador, com uma mercadoria que possui a

peculiaridade de gerar uma soma de valor acima de seu próprio valor.

Na seção anterior predominava o princípio da troca entre coisas, e

somente entre coisas, entre bens patrimoniais alienáveis. Agora, contudo, não

se trocam mais coisas externas e alienáveis, agora são trocados homens, vida,

esforço, vontade e capacidades humanas por dinheiro. Na seção anterior, o

dinheiro comprava apenas coisas e produtos fabricados pelas mãos e cérebros

humanos. O princípio jurídico e moral daquele mundo impedia e condenava

totalmente qualquer troca que ultrapassasse a coisidade das coisas. Aquele

princípio moral, abstrato, impedia totalmente que o dinheiro pudesse comprar,

além das coisas fabricadas, também a vida, a vontade, o esforço, a

capacidade, o cérebro e as mãos do fabricante. Agora, então, longe daquele

princípio moral abstrato, compram-se homens por dinheiro e os pagam em

salários.

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Agora, então, surge uma diferença essencial, social, real e efetiva, entre

os agentes do mercado. Um deles aparece agora não mais na figura de

simples comprador de uma coisa qualquer e indeterminada, mas, sim, na figura

de patrão e comprador da força de trabalho do trabalhador. O outro aparece

agora também não mais na figura de um simples vendedor de uma coisa

qualquer e indeterminada, o outro aparece agora na figura do trabalhador que

vende a si próprio em troca de dinheiro. Agora, então, são postas frente a

frente duas figuras reais do processo de troca real fundado na divisão social do

trabalho e na propriedade individual e privada dos meios de produção. Agora,

então, temos duas figuras reais de um processo social real, e não mais duas

figuras irreais de um processo social irreal, como na seção anterior.

Para que o contrato de trabalho entre capitalista e trabalhador possa ser

realizado, será necessário o preenchimento das seguintes condições reais:

Primeira:

1) Existência de relações de dependência meramente

econômicas e mercantis; ausência de relações de dependência

pessoal;

2) Que a mercadoria força de trabalho seja vendida no mercado

por seu próprio possuidor; pela pessoa da qual ela é a força de

trabalho;

3) Seu possuidor deve dispor dela como livre proprietário de sua

pessoa;

4) Que comprador e vendedor apareçam no mercado como

pessoas juridicamente iguais, um como possuidor de dinheiro e

o outro como possuidor de sua própria pessoa;

5) Que o proprietário da força de trabalho só a venda

provisoriamente, por determinado tempo e nunca em bloco;

nunca sua própria pessoa por inteira; nunca a si mesmo como

mercadoria mas somente sua faculdade de trabalhar;

6) O proprietário da força de trabalho renuncia apenas ao uso

desta força por ele mesmo, alienando apenas esta força ao

comprador e não a si próprio como pessoa, que permanece

livre e proprietário de si próprio;

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7) O comprador compra a faculdade da pessoa para o trabalho e

não a própria pessoa.

Segunda:

1) Que o possuidor da força de trabalho venda apenas sua

capacidade para o trabalho como mercadoria e não

mercadorias em que seu trabalho encontre-se realizado;

2) Que o possuidor venda sua corporalidade viva para o trabalho

e não os produtos criados por este trabalho; que venda sua

capacidade para o trabalho e não o trabalho criado por esta

capacidade;

3) Que o possuidor desta força de trabalho apareça como pessoa

duplamente livre: primeiro como pessoa que pertence a si

própria, que tem a si mesmo como sua propriedade e,

segundo, como pessoa não proprietária de todas as demais

coisas necessárias ao exercício de suas capacidades para o

trabalho.

A existência desta força de trabalho supõe, por isso, a decadência de

todos os modos de produção em que o produtor apareça colado aos meios de

produção e subsistência, que ele apareça solto e solteiro no mercado de

trabalho e alienado de todas as condições objetivas para o trabalho. O

pressuposto e ponto de partida do capital aparece, ao mesmo tempo, como

resultado de um desenvolvimento histórico anterior, como produto de muitas

revoluções econômicas, decadência de toda uma série de formações sociais

mais antigas e de uma história mundial do gênero humano. Como resultado

deste processo, o trabalhador aparece então no mundo do mercado alienado

das 1) terras de cultivo; 2) matéria prima e fontes de energia naturais; 3) meios

e instrumentos de produção; 4) meios de transporte; 5) meios de subsistência;

6) dinheiro. Separado da propriedade destes meios, o trabalhador será, então,

obrigado pela força impiedosa da necessidade, a oferecer sua força de trabalho

como mercadoria em troca de dinheiro.

Apesar do caráter evidentemente desumano deste momento, o

intercâmbio e a circulação simples de mercadorias, dentro dos quais aparece o

intercâmbio entre trabalhador e capitalista, continuarão aparecendo,

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ideologicamente, como o paraíso dos direitos naturais do homem, como o

paraíso moderno da liberdade, da propriedade, da igualdade e de Bentham, diz

ironicamente Marx em O Capital.

Liberdade: os indivíduos ainda aparecem ilusoriamente como

reciprocamente livres e independentes onde ambos se apropriam da riqueza do

outro mediante o livre consentimento de sua vontade; ambos contratam como

pessoas livres juridicamente iguais; não há comércio de corpos e pessoas mas

apenas de faculdades humanas renováveis e utilizadas por um tempo acertado

previamente entre os contratantes; não há ofensa à dignidade da pessoa

humana já que apenas as faculdades humanas são alienadas e não os

homens, a sua vontade e a sua pessoa natural.

Propriedade: os indivíduos aparecem como verdadeiros proprietários

dos bens ofertados para troca; cada um vende apenas o que é seu por um

direito natural; o capitalista aparece como proprietário de dinheiro e

mercadorias e o trabalhador como proprietário de sua própria pessoa.

Igualdade: ambos aparecem como igualmente proprietários de

mercadorias e trocam equivalente por equivalente; ninguém se apropria de

coisa alheia sem devolver algo em troca e de valor equivalente; o trabalhador

recebe do capitalista um salário equivalente ao valor de sua força de trabalho;

aparente ausência de troca de não equivalentes, de mais-por-menos ou

menos-por-mais.

Bentham: cada um dos contratantes cuida apenas de si próprio; o único

poder que os reúne e os leva a se relacionar na troca é o proveito próprio, a

vantagem particular, o interesse privado; mediante a realização de ambos os

interesses particulares alcança-se o bem comum e o interesse geral.

Encerrado o processo de troca entre capital e trabalho, assinado o

contrato de trabalho, acertados o salário e a duração da jornada de trabalho,

seu começo, suas pausas e seu término, a exposição prossegue, então, para a

análise do processo de produção realizado no interior da fábrica, onde, ali,

novas determinações aparecerão para deitar por terra as abstratas e

ideológicas determinações deste momento que ainda permanecem e se

conservam.

O drama do trabalhador aqui neste momento consiste no fato de que a

mercadoria vendida, a força de trabalho, ainda que seja uma coisa alienável,

temporariamente alienável, não é uma coisa separável da corporalidade viva

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do vendedor, obrigando-o, o trabalhador, a seguir junto dela para o lugar, para

a fábrica, onde, como instrumento vivo de trabalho, será consumida e devorada

pelo comprador – o empresário capitalista.

3. OPOSIÇÃO

. Seções III a VI: análise e crítica das relações de produção na fábrica

capitalista = D - M [FT + MP] ... P... M’ - D’ (Dinheiro – Mercadoria [Força de

Trabalho e Meios de Produção]... Processo de Produção ... mais-Mercadoria –

mais-Dinheiro, onde ... significam as pausas do processo de troca).

c) O duplo caráter do processo de produção: D-M (ft + mp)...P...M’-D’.

c.1) O momento positivo, abstrato e idealizado: o processo de

trabalho concreto.

c.2) O momento negativo e determinado: o processo de valorização

do valor.

Saímos agora da esfera enganosa e iluminada da circulação simples e

entramos na esfera fundamental e enegrecida da produção. Entramos agora,

então, num nível menos imediato, mais determinado e concreto de exposição

que os níveis anteriores. Primeiro momento negativo e superior da exposição,

pois supõe a negação do nível anterior da circulação simples como nível real e

verdadeiro em si mesmo. Este nível supõe já a crítica e superação dialética do

nível anterior. Superação que simultaneamente nega e conserva as

determinações do nível anterior. Aqui, no interior da fábrica (o contrato de

trabalho já foi assinado e foi acertado o salário e a jornada de trabalho) o

trabalhador se converte de vendedor de força de trabalho em operário e o

capitalista, do mesmo modo, se converte de comprador em patrão. O

trabalhador, assim como a exposição, não pode passar a este nível mais

fundamental sem antes passar pelo nível da esfera das trocas, por isso este

nível é uma superação dialética da esfera anterior porque não apenas supera

este nível mais imediato e abstrato, mas, ainda, o conserva como momento

seu.

As contradições da esfera anterior não apenas são negadas, mas são,

ainda, e sobretudo, conservadas no interior deste novo nível. As contradições

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que encontramos até aqui nunca serão verdadeiramente resolvidas até o final

da exposição, elas serão sempre apenas duplicadas e lançadas a um nível

mais fundamental e explosivo de existência. Todas as contradições que

encontramos até aqui, como entre valor de uso e valor, mercadoria e dinheiro,

trabalho concreto e trabalho abstrato, preço da força de trabalho e trabalho vão

continuamente se desdobrando em novas formas de existência. As

contradições não desaparecem ou são resolvidas, elas apenas se desdobram

em novas formas mais determinadas e explosivas. Nesta esfera, portanto,

surgem novas formas da contradição mais básica encontrada no início da

exposição, a contradição entre valor de uso e valor. Deste modo, assim como a

fórmula inicial da circulação simples (M-D-M) se desdobrara, e se invertera, na

fórmula geral do capital (D-M-D’), esta, por sua vez, se converte noutra forma

mais determinada e complexa: D-M (ft + mp)...P...M’-D’.

Segundo momento crítico e negativo da exposição e a primeira negação

determinada do começo. A valorização do valor é exposta na esfera da

produção capitalista. Os operários surgem como uma categoria determinada da

sociedade, reunidos pelo capital em torno de uma grande fábrica e lutando por

reivindicações positivas e de caráter sindical. Dinheiro (D) se converte em

certas mercadorias determinadas (força de trabalho e meios de produção). ...

P... indica a paralisia transitória do processo de valorização do valor na esfera

da produção. O valor ressurge valorizado ao final do processo de produção

com M’. O valor, porém, ressurge valorizado numa forma determinada e rígida

da produção social, ressurge sob a forma de M’ com valor superior ao valor

adiantado inicialmente. D’ representa a transmutação do valor de sua forma

determinada e particular para a forma indeterminada e universal da riqueza.

Com D’ o dinheiro retorna ao seu ponto de partida mais elevado

quantitativamente. O fim do processo, valorizar o valor, foi atingido. D se

converteu em capital e em D’, isto é, o dinheiro se converteu em mais-dinheiro

mediante extração de mais-trabalho do operário. A sede insaciável do

capitalista por mais-dinheiro surge conduzindo a relação entre patrões e

trabalhadores a um divórcio cada vez mais inevitável e necessário. A aparente

relação de troca de equivalentes entre capital e trabalho da primeira e da

segunda seção é negada pelo surgimento da mais-valia. O trabalhador

descobre que a troca entre ele e o patrão é uma troca desigual e sem

equivalência alguma para ele. O trabalhador descobre que a mais-valia

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apropriada pelo patrão não possui nenhuma relação de equivalência com o

salário recebido. A relação de troca entre capital e trabalho se mostra, então,

como uma relação assimétrica, desigual e não equivalente. Ou seja: a

equivalência da troca é negada pelo surgimento da mais-valia.

Aqui surge a mais-valia e a contradição entre trabalho pago e não-pago,

entre trabalho necessário e trabalho excedente, entre jornada que o

trabalhador realiza para si mesmo e jornada que realiza gratuitamente para o

patrão. Aqui surgem então, a mais-valia, a exploração e a contradição entre

trabalhador e patrão como uma contradição entre classes sociais, entre quem

trabalha e quem se apropria do trabalho. A aparente harmonia e dependência

recíproca entre trabalhador e patrão posta no começo da exposição começa a

ser desmascarada. A face sorridente e satisfeita do trabalhador no ato da

assinatura do contrato de trabalho, face que começa a desaparecer logo que é

levado ao brete da produção, desaparece para dar lugar à dor torturante do

trabalho alienado. O sorridente capitalista converte-se num vampiro que

engorda quanto mais sangue e energia sugar do trabalhador.

A consciência de classe do trabalhador sofre sua primeira e importante

modificação: as ilusões de liberdade, igualdade e fraternidade dão lugar ao

despotismo de fábrica. O trabalhador percebe que não possui nenhum controle

sobre sua atividade e que o ritmo da máquina e da produção é dado pelo

patrão. Longas, estafantes e penosas jornadas diárias de trabalho, emprego

massivo de mulheres e crianças ocupa o lugar fantástico e luminoso do

mercado. O trabalhador entrega seu tempo de vida, sua subjetividade, suas

faculdades físicas e intelectuais a serviço da valorização incessante do valor, a

serviço da insaciável voracidade do ser-capital por sangue e energia humanos.

A exposição, apesar deste avanço, continua abstrata, pois o trabalhador

não é ainda apresentado como classe, mas como indivíduo, ou um grupo

deles, que se relaciona com um patrão determinado. A totalidade das classes

e da luta entre elas permanece ainda pressuposta. A luta de classes que surge

nesta altura da exposição é ainda uma luta positiva, afirmativa e conservadora.

O trabalhador, ou um grupo numeroso deles, se põe em luta contra o patrão

reivindicando a aplicação das leis gerais da produção de mercadorias na

relação entre ambos. Dado o caráter vivo da mercadoria que o trabalhador

vende ao patrão, a reivindicação gira aqui em torno da duração do tempo de

consumo normal desta força de trabalho. Isto é, a reivindicação gira aqui em

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torno da regulamentação do tempo diário em que a força de trabalho pode ser

posta em atividade pelo capitalista. O resultado desta luta se consolida na

regulamentação da jornada diária de trabalho dentro de certos limites mais

racionais.

Como o trabalhador não vende trabalho, mas força de trabalho, e a

vende como mercadoria, o trabalhador reivindica aqui de seu patrão que sua

força de trabalho seja comprada pelo seu valor, como ocorre com todas as

mercadorias de propriedade do patrão. O trabalhador, ao reivindicar um salário

que corresponda ao valor de sua força de trabalho, não faz mais que reivindicar

que seu patrão aplique na relação entre ambos a lei da troca de equivalentes.

As lutas que surgem neste nível, por salário equivalente ao valor da força de

trabalho e jornada diária regulamentada de trabalho, são ainda lutas positivas e

conservadoras, pois não fazem mais que afirmar a lei geral da produção de

mercadorias: de comprar e vender pelo valor. Até aqui, portanto, a lei da troca

de equivalentes aparece como uma verdade na relação econômica entre

capital e trabalho e que a injustiça da relação aparece apenas quando a

equivalência é violada pelo patrão. Veremos em seguida que na verdade não

há troca de equivalentes entre capital e trabalho, veremos que na verdade não

existe nem mesmo troca entre ambos, que a troca entre ambos é uma mera

aparência, que o que existe entre capital e trabalho é uma pilhagem

permanente e uma circulação de produtos sem troca. E onde não há troca não

faz sentido pensar a equivalência dela.

A partir destas passagens, podemos perceber quão distantes estamos

de nosso ponto de partida inicial, onde as relações de troca apareciam em sua

forma mística e ideologizada na forma de trocas mercantis simples,

transparentes e racionais. Ao contrário daquela aparente ausência das classes,

da diferença e da luta entre elas, nesta nossa terceira divisão surgem então,

em toda a sua negatividade e radicalidade, a luta aberta entre capital e

trabalho, especialmente em torno da determinação do salário e da duração da

jornada de trabalho.

O que é, porém, uma jornada normal de trabalho? Para o capitalista,

uma jornada normal é uma jornada de 24hs de trabalho. Nesta concepção, o

trabalhador é visto como mero meio de produção, devendo existir apenas para

o trabalho. Nesta concepção, não existe tempo livre dedicado ao

desenvolvimento do trabalhador como membro da sociedade, da cultura e da

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espécie humana. Nesta concepção predominam o roubo capitalista do tempo

livre do trabalhador e o atropelamento dos limites morais e físicos da jornada

de trabalho. Surgem, assim, o desgaste abusivo da força de trabalho e o

encurtamento do tempo de vida útil e natural do trabalhador. Surge, assim, a

necessidade de se acrescentar ao salário do trabalhador os custos de

depreciação com este desgaste abusivo da vida do trabalhador individual. Para

não pagar estes gastos o capitalista aparece interessado na formação de uma

superpopulação operária disponível a viver uma vida ilimitada de trabalho.

Toda jornada de trabalho deve se desenvolver dentro de limites naturais

e morais suportáveis. Porém, tais limites não aparecem diante da voracidade e

da sede insaciável do capitalista como limites absolutamente intransponíveis.

Sua ampliação pressupõe, portanto, a violação e a revolução destes limites por

uma vontade insaciável contrária à vontade do trabalhador. Estes limites serão

violados seja racionalmente, aumentando-se a eficiência do trabalho produtor

dos meios de subsistência, físicos e sociais, do trabalhador, seja

irracionalmente, roubando-se parte do tempo livre destinado à recreação do

espírito ou do tempo dedicado ao repouso do corpo do trabalhador, ou

roubando do trabalhador a parte do tempo que pertence ao consumo dos bens

culturais da sociedade, empurrando-o, assim, para o nível da mera

subsistência e animalidade. Com este segundo método, surge o

desenvolvimento deteriorado e atrofiado do trabalhador física e socialmente e o

trabalhador passa a viver abaixo dos limites físicos e morais necessários e

adequados a todo homem livre e racional.

O que é e como se determina, portanto, a duração de uma jornada diária

de trabalho? Sem dúvida, dura menos que um dia de vida natural. Quanto

menos, porém? O capital tem sua própria visão sobre este menos. Para ele, a

jornada total de trabalho deve estar sempre próxima, se não igual, à duração

do dia natural de 24 horas. Para ele, o tempo total de vida do trabalhador deve

ser igual ao tempo total dedicado ao trabalho. Como diz Marx nesta seção

sobre a formação da jornada de trabalho:

“Como capitalista ele é apenas capital personificado. Sua alma é

a alma do capital. O capital tem um único impulso vital, o impulso

de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte

constante, os meios de produção, a maior massa possível de

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mais-trabalho. O capital é trabalho morto, que apenas se reanima,

à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto

mais quanto mais trabalho vivo chupa. O tempo durante o qual o

trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista

consome a força de trabalho que comprou. Se o trabalhador

consome seu tempo disponível para si, então rouba ao capitalista.

O capitalista apoia-se pois sobre a lei do intercâmbio de

mercadorias. Ele, como todo comprador, procura tirar o maior

proveito do valor de uso de sua mercadoria” (pp. 179-180). [p. 347

AC]

As palavras vigorosas de Marx deixam claro, como dissemos, quão

distante estamos de todos aqueles princípios morais abstratos da primeira

seção de O Capital, o quão distante estamos daquele falatório vazio dos

direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade,

do homem como um fim em si mesmo, da liberdade, da igualdade e da justiça

entre os homens. O capitalista aqui, nosso personagem real e efetivo do

mundo das trocas, aparece descrito em toda a sua vivacidade dramático-

poética. O capitalista, como todo comprador, deseja tomar para si todos os

poderes úteis da mercadoria que comprou. Como legítimo detentor do valor-de-

uso da mercadoria comprada, ele deseja desfrutar de todos os seus poderes,

de todas as suas capacidades úteis e produtivas. Apoiado sobre a lei de

intercâmbio de mercadorias, lei que agora o favorece, o capitalista deseja se

apossar da alma, da vontade, do corpo e do tempo de vida do trabalhador

totalmente para si. A abstrata liberdade e autonomia da vontade de nosso

ponto de partida converte-se, agora, em dominação e escravidão reais e

efetivas de uma vontade sobre a outra. A abstrata igualdade entre os homens

converte-se agora em desigualdade e exploração. O paraíso dos direitos do

homem converte-se em paraíso dos direitos do capitalista.

De repente, porém, levanta-se a voz, não mais a do próprio Marx,

redator de O Capital, nem muito menos a do capitalista, mas a do próprio

trabalhador que como diz Marx, até aqui estava emudecida pelo estrondo do

processo de produção:

“A mercadoria que te vendi distingue-se da multidão das outras

mercadorias pelo fato de que seu consumo cria valor e valor

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maior do que ela mesma custa. Essa foi a razão por que a

compraste. O que do teu lado aparece como valorização do

capital é da minha parte dispêndio excedente de força de

trabalho. Tu e eu só conhecemos, no mercado, uma lei, a do

intercâmbio de mercadorias. E o consumo da mercadoria não

pertence ao vendedor que a aliena, mas ao comprador que a

adquire. A ti pertence, portanto, o uso de minha força de trabalho

diária. Mas por meio de seu preço diário de venda tenho de

reproduzi-la diariamente para poder vendê-la de novo. Sem

considerar o desgaste natural pela idade etc., preciso ser capaz

amanhã de trabalhar com o mesmo nível normal de força, saúde e

disposição que hoje. Tu me predicas constantemente o evangelho

da “parcimônia” e da abstinência”. Pois bem! Quero gerir meu

único patrimônio, a força de trabalho, como um administrador

racional, parcimonioso, abstendo-me de qualquer desperdício tolo

da mesma. Eu quero diariamente fazer fluir, converter em

movimento, em trabalho, somente tanto dela quanto seja

compatível com a sua duração normal e seu desenvolvimento

sadio. Mediante prolongamento desmesurado da jornada de

trabalho, podes em 1 dia fazer fluir um quantum de minha força de

trabalho que é maior do que o que posso repor em 3 dias. O que

tu assim ganhas em trabalho, eu perco em substância de

trabalho. A utilização de minha força de trabalho e a espoliação

dela são duas coisas totalmente diferentes”. [pp. 347-348 Abril

Cultural]

Diante dos poderes opressores e despóticos do capitalista levanta-se

agora, então, a voz firme e decidida do trabalhador que, ainda no nível da

consciência sindical, opõe-se não ao emprego capitalista de suas capacidades

de trabalho enquanto tais, mas, sim e somente, por enquanto, ao emprego

desrespeitoso, desmedido e irracional destas forças.

Do caráter especial da mercadoria vendida, do desejo do

vendedor de ver sua mercadoria sendo usada e empregada de

modo racional e comedido, e do direito legítimo do comprador de

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usar, usufruir e abusar livremente desta força, surge um conflito

violento que tende a aniquilar a relação entre ambos os agentes.

Da natureza do próprio intercâmbio de mercadorias não resulta,

porém, diz Marx, nenhum limite à jornada de trabalho, portanto,

nenhuma limitação ao mais-trabalho. Ocorre aqui, portanto, uma

antinomia, direito contra direito, ambos apoiados na lei de

intercâmbio de mercadorias. E entre direitos iguais decide a força,

[diz Marx]. (p. 181).

Como podemos perceber, o trabalhador, neste nível do processo de

produção, concorda com a legitimidade da relação capitalista de trabalho e

aceita ser usado e usufruído pelo patrão, o trabalhador não aceita apenas ser

abusado por ele. Abusar é fazer uso da coisa além de suas medidas e funções

naturais. Abusar é usar a coisa de modo irracional. É contra este emprego

abusivo, e não contra o emprego enquanto tal da força de trabalho pelo

capitalista, que nosso trabalhador se opõe aqui neste nível da exposição. A

consciência que aqui se manifesta é a consciência sindical do trabalhador, que

ainda aceita a relação capitalista de trabalho, que ainda não a concebe como

injusta em si mesma, que ainda a compreende como injusta somente em seu

excesso e abuso irracional, que ainda a compreende como injusta somente em

seu modo de ser e não ainda em sua essência, que ainda luta, ingenuamente,

para corrigir o defeito desta injustiça a adequá-la aos princípios e limites da

natureza e da razão.

A partir deste ponto, Marx passa a descrever o processo de lutas

travadas pela classe trabalhadora inglesa pelo direito a uma regulamentação

da jornada de trabalho diário e o surgimento das Leis Fabris. Tais leis, diz,

Marx, não abolem nem eliminam a perversidade da vontade do capitalista pela

alma e pela vida do trabalhador, estas leis apenas põem um freio legal, um

freio positivo e externo, a esta disposição insana do capitalista, um freio jurídico

posto, ironicamente, pelo Estado que os próprios patrões dominam e

controlam.

Marx explica que o capital não inventou o mais trabalho. O capital

inventou a prática da elevação desmedida e irracional do mais-trabalho. Tal

prática não tem sua origem numa propensão natural do homem para a

desmedida, mas, sim, no caráter e na alma da própria produção capitalista.

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Nas sociedades pré-capitalistas há um limite natural e moral para esta

desmedida. Exceto em ramos da produção voltados diretamente para o valor

de troca do produto, como nas minas de ouro e prata da antiguidade, e

naquelas partes do mundo ainda atrasadas mas submetidas ao mercado

mundial capitalista, como na escravidão americana, nos principados do

Danúbio e nas províncias romenas da Valáquia e da Moldávia.

A partir do nascimento da grande indústria na última terça parte do

século XVIII surge um assalto desmedido e violento como uma avalanche

sobre a jornada diária de 12hs. Nasce, assim, a partir do nascimento da

mecânica, a possibilidade técnica de se estender a jornada de trabalho noite

adentro. Com a ciência mecânica e a Revolução Industrial do século XVIII,

“toda barreira interposta pela moral e pela natureza, pela idade ou pelo sexo,

pelo dia e pela noite foi destruída” diz Marx.(211). Surgem, assim, uma

revolução e uma adulteração jurídica dos conceitos de dia e noite.

Na Inglaterra, a partir da edição da Lei Fabril de 1833, a jornada de

trabalho cai para 15hs. Com a Lei Fabril de 8 de junho de 1848 ela cai para

11hs. Com a Lei Fabril de 1º de maio de 1848 chega-se à limitação definitiva

de 10hs. Surge, assim, diz Marx, um renascimento físico e moral dos

trabalhadores fabris. Na França, a Revolução de Fevereiro (1848) decreta a

legalização da jornada de 12hs. Nos EUA surge a agitação da jornada de 8hs

após a guerra civil e o fim da escravidão nos estados do sul.

Com estas vitórias, surge uma nova classe trabalhadora, mais vigorosa,

mais esclarecida e mais consciente de seus poderes políticos e

revolucionários. Do ponto de vista fenomenológico, o ponto de vista que por ora

nos interessa, surge um trabalhador diferente, diz Marx:

“É preciso reconhecer que nosso trabalhador sai do processo de

produção diferente do que nele entrou. No mercado ele, como

possuidor da mercadoria “força de trabalho”, se defrontou com

outros possuidores de mercadorias, possuidor de mercadoria

diante de possuidores de mercadorias. O contrato pelo qual ele

vendeu sua força de trabalho ao capitalista comprovou, por assim

dizer, preto no branco, que ele dispõe livremente de si mesmo.

Depois de concluído o negócio, descobre-se que ele não era

“nenhum agente livre”, de que o tempo de que dispõe para vender

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sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la, de

que, em verdade, seu explorador não o deixa, “enquanto houver

ainda um músculo, um tendão, uma gota de sangue para

explorar”. Como “proteção” contra a serpente de seus martírios,

os trabalhadores têm de reunir suas cabeças e como classe

conquistar uma lei estatal, uma barreira social intransponível, que

os impeça a si mesmos de venderem a si e à sua descendência,

por meio de contrato voluntário com o capital, à noite e à

escravidão! No lugar do pomposo catálogo dos “direitos

inalienáveis do homem” entra a modesta Magna Charta de uma

jornada de trabalho legalmente limitada que “finalmente esclarece

quando termina o tempo que o trabalhador vende e quando

começa o tempo que a ele mesmo pertence”. (pp. 228/229).

Neste nível, como podemos perceber, passamos da gritaria pomposa da

dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos, da reivindicação dos

chamados direitos civis e humanos, dos direitos pela igualdade entre os

homens, passamos do Direito Civil para o Direito Trabalhista e a Magna Carta

que regulamenta juridicamente a duração da jornada de trabalho do

trabalhador. Neste nível passamos, ainda, da liberdade e autonomia da

vontade individuais da pessoa humana, dou eu individual, para um eu coletivo,

o eu da classe trabalhadora, o eu das muitas cabeças individuais agora

reunidas em torno de uma luta contra o mesmo opressor, de uma mesma meta

e de um mesmo modo de ser, de um modo de ser coletivo e não mais

atomizado e fragmentado como no mercado geral de mercadorias.

A conquista de uma jornada regulamentada de trabalho, porém, sua

fixação entre oito e dez horas diárias, é uma vitória de Pirro. Quantum mutatus

ab illo! Que grande mudança! Diz Marx citando a Eneida de Virgílio [Livro

Segundo. Verso 274]. Todas estas lutas, todas estas energias gastas, todas

estas vidas que se perderam nestes combates, conseguiram somente aplicar

um regime de trabalho da época das corporações de ofício e da Idade Média já

destruída pela modernidade, diz Marx.

4. NEGAÇÃO

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Seção VII: análise e crítica do processo global do capital = D - M [FT +

MP] ... P ... M’ - D’ – D - M [FT + MP] ... P ... M’ - D’ – D - M [FT + MP] ... P ...

M’ - D’. O dinheiro se reproduz incessantemente retornando sempre ao seu

ponto de partida elevado quantitativamente. D se converte em D’ mediante

extração de mais-valia do operário, D’, por sua vez, retorna à circulação e se

converte novamente em D que se converte, por sua vez, numa massa

acrescida de M [FT + MP] que ao ser posta em atividade no interior da fábrica

(... P ...) se converte numa massa maior de mercadorias (M’), que, posta para

circular no mercado, se converte novamente em D’, que reinicia novamente

todo o processo numa escala mais elevada que no começo e assim sempre de

novo como num círculo vicioso.

Repetição sem fim de todo o processo anterior e unidade sintética de

todos os momentos da circulação com o da produção e reprodução do capital.

A exposição cai numa repetição circular e sem fim, por isso, surge a

necessidade de se marchar para além dela e de transpor a esfera insossa da

reprodução social buscando a gênese histórica e o princípio original do capital

e do capitalismo.

O momento sintético e a negação da negação: o processo de

acumulação do capital (o processo contraditório está completamente

desvelado, o princípio pressuposto está finalmente posto e o capital é então

negado pela sua própria negação).

a) A reprodução do capital social.

a.1) Negação do salário como adiantamento do capitalista.

a.2) Negação do capital acumulado como conservação do capital

original.

a.3) Negação da lei da troca de equivalentes e sua conversão em

troca sem equivalência alguma para o trabalhador.

a.4) Negação do capital acumulado como criação do capitalista.

a.5) Negação do consumo do trabalhador como consumo individual.

a.6) Negação do trabalho assalariado como trabalho livre.

a.7) A reprodução do capital como reprodução do capitalista

enquanto capitalista e do trabalhador enquanto trabalhador.

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Neste nível de exposição avançamos para além de toda referência

sensível às classes e às contradições entre elas. Começamos nossa exposição

pela esfera da circulação simples de mercadorias, avançamos até a esfera da

compra e venda da força de trabalho e a encerramos com a análise da esfera

da produção da mais-valia. Agora, teremos quer recomeçar novamente a partir

de nosso ponto inicial, a esfera da circulação simples de mercadorias, e repetir

novamente todo o processo. Teremos que repetir novamente todo o processo

anterior. Teremos que avançar, portanto, para a esfera da reprodução do

capital, para a esfera da repetição contínua dos momentos anteriores, já que o

capital tem como fim a valorização incessante e sem fim do valor. Tomamos

como suposto, portanto, que M’, a mercadoria grávida de mais-valia, foi

realizada normalmente no mercado. A realização do valor e suas contradições

serão analisadas por Marx apenas no Livro Segundo.

O processo recomeça e se encerra, portanto, sempre no mesmo ponto

dos momentos anteriores. D-M (FT + MP)...P...M’-D’-D-M (FT + MP) ...P... M’-

D’-D-M (FT + MP)...P...M’-D’ e assim infinitamente (até a crise, onde o

processo se interrompe). Este nível da reprodução social do capital é uma

mera repetição dos níveis anteriores. Contudo, esta simples repetição produz

alterações notáveis na exposição e no processo de desvelamento das

fantasmagorias da sociedade capitalista. Neste nível são definitivamente

superadas as hipóteses burguesas, provisoriamente aceitas como verdades

por Marx, sobre a troca de equivalentes entre capital e trabalho, do salário

como desembolso próprio (como adiantamento) do patrão ao operário, do

salário como custo de produção, das leis de apropriação baseadas na

produção de mercadorias e sua transmutação em leis de expropriação

capitalista. Neste nível Marx demonstra a falsidade completa da troca de

equivalentes entre capital e trabalho, demonstra que o capital sobrevive

mediante aplicação desenfreada e sem limites da lei do valor. Demonstra que

esta mesma lei quando levada ao seu desenvolvimento extremo se converte

em troca sem equivalência para o trabalhador, ou melhor, se converte na

ausência de troca, se converte em mera circulação de produtos sem troca, e

sem equivalência, portanto, pois o trabalhador recebe do patrão na forma de

salário uma riqueza que ele mesmo produziu no processo anterior.

Neste nível, nesta mera repetição do processo anterior, Marx demonstra

que no segundo período de produção (seja dia, semana ou mês), o patrão

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paga o operário, na forma de salário, com a riqueza que o próprio operário

produziu no período anterior. Demonstra também que os novos operários

adicionais contratados pelo capitalista no processo de expansão do capital são

pagos com mais-valia produzida pelos primeiros operários do momento anterior

e nunca pelo capital do próprio capitalista, como prega a ideologia burguesa.

Marx demonstra, ainda, mediante mera repetição do processo global, que após

certo número de anos todo o capital original foi consumido pelo capitalista e

sua família na forma de renda do capitalista e que todo o capital ainda existente

é mais-valia acumulada no processo, é trabalho excedente do trabalhador que

se converteu em capital. Marx demonstra neste nível que todas as noções de

equivalência entre capital e trabalho são puras ilusões, puras aparências, puras

fantasmagorias surgidas da circunstância de que a relação monetária entre

capital e trabalho esconde a fundamental diferença entre trabalho e força de

trabalho.

A crise aparece em suas formas mais concretas e explosivas que nas

seções anteriores, aparecendo claramente como uma crise nas relações de

produção entre as classes e num divórcio impossível de ser evitado. Se as

seções anteriores haviam negado o princípio de equivalência na troca entre

capital e trabalho, agora é negada a própria troca entre capital e trabalho. Ao

comprar trabalho com mais-valia o capitalista compra na verdade trabalho com

trabalho, negando, portanto, que o trabalho seja comprado com capital e que

haja reciprocidade e equivalência nas trocas entre ele e o trabalhador. As leis

da troca de mercadorias baseadas na equivalência entre elas transformam-se,

desta maneira, em leis da apropriação capitalista sem troca. A riqueza

acumulada pelo capitalista aparece, portanto, como expropriação, saque,

pilhagem e roubo sobre o trabalhador. A crise se mostra, desta maneira, como

crise social, como crise que emana das relações sociais antagônicas entre

capital e trabalho.

Marx revela com sua dialética impiedosa que liberdade, igualdade,

fraternidade e propriedade no polo do trabalhador são puras ilusões

provocadas pela forma salário da remuneração do trabalhador, revela que a

reprodução do capital reproduz necessariamente, não de forma casual,

portanto, o trabalhador como trabalhador e o patrão como patrão, mais rico e

poderoso a cada repetição do processo. A exposição ganha neste nível uma

determinação importante que ainda não surgira nos momentos anteriores.

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Enquanto nos níveis anteriores estavam contrapostos frente a frente um

capitalista individual e determinado e um operário individual, e do mesmo modo

determinado (base das ilusões de escolha livre do operário), agora estão

contrapostas frente a frente a totalidade das classes, a totalidade da sociedade.

Postas as classes em sua totalidade, dissolve-se então a falsa concepção que

o trabalhador tinha sobre sua liberdade de escolha e de movimentos. Caso

nenhum capitalista particular comprar sua força de trabalho, então o

trabalhador será desterrado para o charco do desemprego, da superpopulação

excedente e do exército industrial de reserva e separado, portanto, dos meios

de subsistência que lhe garantem a vida.

Neste nível quase todas as hipóteses vazias da economia burguesa

foram varridas pela dialética impiedosa de Marx, quase todas as falsas

explicações da apologética burguesa foram destruídas pela dialética da

exposição. A força do negativo e do pensamento dialético mostram aqui todo o

seu vigor crítico e destrutivo. A exposição, contudo, permanece ainda abstrata,

ela parece girar em círculos sem sair para fora dela mesma. Dinheiro se

converte em mercadorias e daí em mais dinheiro, que por sua vez se converte

em mais mercadorias e em mais dinheiro ainda e assim incessantemente. Falta

ainda destruir uma última, e sagrada, concepção da economia burguesa, falta

ainda demonstrar a origem do primeiro capital, e do primeiro capitalista, que

funda e impulsiona todo o processo, falta ainda explicar a origem do capital. A

apologética burguesa procura explicar que este primeiro capital surge com a

emergência de um novo tipo de homem em fins da Idade Média, extremamente

parcimonioso e frugal, empreendedor e perseverante que, a partir de sua

própria genialidade, a partir de seu próprio trabalho individual, fundou e

impulsionou todos os progressos do capitalismo.

5. NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO

b) A assim chamada acumulação originária de capital:

b.1) a gênese violenta do capital e do capitalista.

b.2) A tendência histórica da produção capitalista:

1) momento positivo: a expropriação violenta do produtor direto

e independente pelo capital enquanto tal.

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2) momento negativo: a expropriação violenta do pequeno

capital pelo grande.

3) momento da negação da negação: a revolução socialista e a

expropriação violenta do capital enquanto tal pelo

proletariado.

c) Um novo princípio é posto a partir da revolução socialista. A

humanidade finalmente sai da sua pré-história e avança em direção

ao futuro reconciliada consigo mesma e com a Natureza. É o fim da

propriedade privada e da irracionalidade do capital. É o começo da

planificação econômica pelos produtores diretos agora livremente

associados.

Para fugir da viciosa exposição circular dos capítulos anteriores é

necessário sair fora dela e recuar às origens históricas do capitalismo,

mostrando que todo o processo de valorização do valor se apoia na mais

bárbara violência dos homens sobre os próprios homens. É o momento de

revelar o princípio fundador do capital e das tendências gerais da sociedade

capitalista. É o momento da negação da negação. Os operários se elevam

acima de sua mera condição fabril e produtiva tornando-se uma classe social

mundialmente revolucionária. A luta de classes se eleva acima das lutas

meramente sindicais e positivas das seções anteriores transformando-se em

luta revolucionária e em torno do poder político da sociedade. Nesta seção, a

crise é finalmente resolvida e abolida pela tomada do poder pelo proletariado e

pela instauração de uma economia socialista planificada. Da aparente unidade

e ausência de crise entre as classes na primeira seção de O Capital, na última

seção chega-se, finalmente, à crise absoluta da sociedade capitalista e à luta

de classes com toda a sua força e atualidade.

Neste nível de exposição Marx atinge o ápice do processo dialético de

desvelamento das contradições da sociedade burguesa. Agora é revelado o

princípio histórico que funda o capital, o capitalista e sua sociedade: a violência

aberta e bárbara da luta de classes. Agora a apologética burguesa sofre seu

último golpe: a origem violenta da propriedade privada é desvelada. Por

acumulação originária Marx entende o processo de separação violento do

trabalhador de seus meios de produção fundamentais (da terra, dos

instrumentos de trabalho e dos meios de subsistência) e sua transformação em

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força de trabalho livre, em trabalhador assalariado. Esta acumulação originária

forma a pré-história do capital e nela desempenha papel central a mais pura e

indisfarçada violência direta sobre a classe trabalhadora em formação e sobre

os povos retardatários da história.

Ao desvelar a gênese histórica e o princípio fundante do capital, a

violência aberta da luta de classes, Marx pode entender as tendências futuras

do capital. Ao compreender a gênese do passado pode desvendar o sentido

das tendências futuras. A tendência histórica da acumulação capitalista pode,

assim, ser compreendida em seus três momentos fundamentais:

1) Momento afirmativo/positivo do capital: é o momento da expropriação

dos produtores diretos (servos de gleba, camponeses, colonos livres,

mestres e artesãos corporativos de fins da Idade Média européia) e sua

conversão em trabalhadores assalariados. Expropriação da propriedade

privada baseada no trabalho e sua conversão em propriedade capitalista

pelos capitalistas ingleses dos séculos XIV-XVII. Transformação do

trabalho individual e disperso pelo campo e em pequenas oficinas

urbanas em trabalho social nas grandes manufaturas urbanas. Fim do

isolamento dos trabalhadores e sua reunião em grandes centros

industriais urbanos.

2) Momento negativo do capital: expropriação da pequena propriedade

capitalista pelo grande capital, ruína do pequeno capital pela

concorrência no interior da própria sociedade capitalista já desenvolvida.

Formação dos grandes monopólios internacionais, controle consciente

das forças da natureza e sua aplicação na produção. Formação de uma

economia verdadeiramente mundial baseada na interdependência entre

as nações e superação do isolamento entre os homens em todas as

nações. Formação de uma única nação capitalista mundial. Formação

de uma vasta classe operária mundial reunida em torno das grandes

fábricas multinacionais e grandes centros urbanos industriais.

Superação da propriedade privada por meio do sistema de ações,

superação da necessidade histórica do capitalista individual frente ao

processo de produção e sua substituição por gerentes executivos

assalariados. Negação da propriedade privada à maioria da

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humanidade. Sobrevivência da propriedade privada sob forma antitética,

como Sociedade Anônima. O capital gesta, no interior de si mesmo, uma

forma de produção social que contradiz seu princípio privado. Gesta,

ainda, seus futuros coveiros reunidos em torno da grande indústria e

responsáveis pela negação deste segundo momento.

3) Momento da negação da negação: é o momento da expropriação dos

expropriadores pela massa dos trabalhadores, é o momento da

expropriação da minoria reduzidíssima da população que ainda

permanece proprietária, como sócia acionista, pela maioria da

população. É o momento da revolução operária e a formação de um

novo modo de produção, é o momento da economia planificada, da

ditadura revolucionária do proletariado e o começo da verdadeira história

humana. A violência usada pelo capital se volta contra ele para fundar

uma nova história, sem capital, sem propriedade privada, sem classes e

sem exploração de classes. Com a revolução operária as contradições

da sociedade capitalista são finalmente abolidas e resolvidas. Surgem

novas contradições, mas não de caráter capitalista. Com a negação da

negação se dissolve e se encerra não apenas o processo de exposição

das contradições do capital, mas se encerra, ao mesmo tempo, a

história da própria sociedade capitalista. A partir daí um novo princípio é

posto e com ele se desenvolve uma nova história.

RESUMINDO OS PASSOS DA EXPOSIÇÃO

1) M – D – M: começo puramente formal e abstrato da exposição. Momento

positivo da exposição. Os operários aparecem como indivíduos livres e

dispersos pelo mercado. M (uma mercadoria qualquer) se converte em D

(dinheiro) que será reconvertido noutra mercadoria (M) qualquer. O dinheiro

não aparece ainda como dinheiro, mas como moeda, como meio de circulação.

O dinheiro não aparece ainda como o fim do processo de troca. O fim da troca

aparece, ilusoriamente, como M, como a satisfação de uma necessidade

humana qualquer. Consciência de classe alienada: esfera jurídica dos Direitos

Humanos.

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2) D – M – D’: surgem as primeiras contradições da fórmula geral do capital na

esfera da circulação (crítica à noção de que a mv surge desta esfera). O

dinheiro surge como dinheiro exatamente, como valor que deve se valorizar na

circulação. O dinheiro aparece agora como o fim do processo. O problema aqui

é explicar como o dinheiro pode, seguindo a lei do valor (comprar e vender pelo

valor) se valorizar no processo. O problema é explicar como o dinheiro (D), ao

se converter em M (uma massa de valor igual a D), sai ao fim do processo

maior do que entrou no começo sem violar as leis da troca de mercadorias.

3) FT – D – M: mediação dialética entre o começo abstrato e indeterminado e a

esfera da produção (o mercado está mais determinado, é mercado de força de

trabalho). Momento da venda da força de trabalho (FT) pelo operário ao

capitalista, momento da conversão da força de trabalho em D (dinheiro) e, mais

tarde, em meios de subsistência (M) do trabalhador. D só pode se converter em

D’ caso entrar em relação com uma mercadoria determinada, a força de

trabalho (FT) do trabalhador, com uma mercadoria que possui a peculiaridade

de gerar uma soma de valor acima de seu próprio valor. Momento da

consciência sindical do trabalhador e da criação do Direito Trabalhista.

4) D – M (FT + MP) ... P ... M’ – D’: negação determinada do começo. A

valorização do valor é exposta na esfera da produção capitalista. Momento

negativo da exposição. Os operários surgem como um categoria determinada

da sociedade, estão reunidos pelo capital em torno de uma grande fábrica,

também determinada, e lutam por reivindicações ainda positivas e de caráter

sindical. Dinheiro (D) se converte em certas mercadorias determinadas (força

de trabalho e meios de produção). ...P... indica a paralisia transitória do

processo de valorização do valor na esfera da produção. O valor ressurge

valorizado ao final do processo de produção com M’. O valor, porém, ressurge

valorizado numa forma determinada e rígida da produção social, ressurge sob

a forma de M’ com valor superior ao valor adiantado inicialmente. D’

representa a transmutação do valor de sua forma rígida e determinada para a

forma líquida, fluente, indeterminada e universal da riqueza. Com D’ o dinheiro

retorna ao seu ponto de partida mais elevado quantitativamente. O fim do

processo, valorizar o valor, foi atingido. D se converteu em D’, isto é, dinheiro

se converteu em mais-dinheiro, mediante extração de mais-trabalho do

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operário. Momento da consciência de classe combativa do proletariado.

Surgimento das greves e ocupações de fábricas.

5) D – M (FT + MP) ... P ... M’ – D’ – D – M (FT + MP) ... P ... M’ – D’ – D – M

(FT + MP) ... P ... M’ – D’: unidade sintética dos dois momentos anteriores (da

circulação e da produção). A exposição cai numa repetição circular sem fim,

surge a necessidade de ir além dela, de transpor a esfera insossa da

reprodução social e buscar a gênese e princípio do capital. O dinheiro se

reproduz incessantemente, retornando sempre ao seu ponto de partida elevado

quantitativamente. D se converte em D’ mediante extração de mais-valia do

operário, D’, por sua vez, retorna à circulação e se converte novamente em D

que se converte, por sua vez, numa massa acrescida de M (ft + mp) que ao

ser posta em atividade no interior da fábrica (...P...) se converte numa massa

maior de mercadorias (M’), que, posta para circular no mercado, se converte

novamente em D’, que reinicia novamente todo o processo numa escala mais

elevada que no começo e assim sempre de novo como num círculo vicioso.

6) Acumulação originária: exposição do princípio fundador do capital e das

tendências gerais da sociedade capitalista. É o momento da negação da

negação. Os operários se elevam à condição de classe social, estão

internacionalmente ligados pela grande indústria multinacional e lutam pela

revolução internacional. Para fugir da exposição circular é necessário sair fora

dela e recuar às origens históricas do capitalismo e mostrar que todo o

processo de valorização do valor se apóia na mais bárbara violência do homem

sobre o próprio homem. Momento da consciência revolucionária do

proletariado, da dualidade de poderes e da revolução socialista.

A exposição (pôr para fora o que está apenas pressuposto, não posto,

implícito, escondido e velado), avança, assim, negativa e gradualmente, do

começo abstrato e indeterminado, da imediatez abstrata do mercado, a níveis

cada vez mais profundos, complexos e determinados da realidade. A exposição

avança cada vez mais dialeticamente do começo para o fim, mas para um fim

que é na verdade princípio determinado, fundamento e gênese de tudo e segue

em direção ao futuro socialista, à negação da negação, em escala mundial e

verdadeiramente universal. Assim, no método de exposição dialético, avançar é

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um retroceder ao princípio que funda e rege todo o processo, avançar a

exposição é expor, por meio de uma série complexa de mediações, o princípio

que está pressuposto e ainda velado, avançar é conduzir o leitor

pedagogicamente do começo indeterminado e abstrato aos níveis mais

profundos e verdadeiros da realidade, avançar a exposição é avançar o leitor

de O Capital da passividade e alienação do mercado em direção à atividade

prática revolucionária.

O princípio, ponto de chegada da análise, contudo, é ponto de chegada

apenas na aparência. Na verdade ele está posto, desde o começo da

exposição, como pressuposto velado que rege todo o processo. O princípio é

ponto de chegada na exposição apenas para aqueles que realizam pela

primeira vez a leitura de O Capital. Para Marx, seu autor, e para a vanguarda

conhecedora do processo, ele está desde o começo como pressuposto, como

aquilo que ainda deve ser exposto, isto é, como aquilo que ainda dever ser

posto explicitamente, como a meta a ser desvelada lenta e gradualmente ao

longo do processo de exposição.

Assim, o recém-iniciado na leitura de O Capital começa sua leitura sem

pressuposto, isto é, sem conhecer o princípio e o fim almejado pela exposição,

e o fim almejado pela exposição é converter o leitor comum, passivo e alienado

na esfera do mercado, em um ativista revolucionário. Para Marx e para a

vanguarda, o princípio e o fim, contudo, são conhecidos desde o começo da

exposição, o princípio e o fim estão postos desde o começo como meta a ser

alcançada. A meta da leitura dialética de O Capita deve ser, por isso, encurtar

a distância que existe entre a vanguarda teórica e conhecedora do processo e

os novos militantes do movimento socialista que ainda se encontram confusos

pela leitura sociológica de O Capital e militando a esmo sem logos e sem

qualquer arkhé.

Uma vez conhecido o princípio, torna-se possível a superação dialética e

revolucionária do capital desde o começo da exposição, desde a dispersão dos

operários na instância imediata do mercado até a revolução socialista.

Conhecido o princípio e posto ele, como pressuposto, desde o começo da

exposição torna-se possível à vanguarda revolucionária conduzir o proletariado

em luta, dialeticamente, como faz Marx com seus leitores, desde a instância

alienante e fetichizada do mercado até a revolução socialista e a negação da

negação.

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Para isso será necessário, porém, uma vanguarda conhecedora do

processo que tenha o princípio (meta) como pressuposto, que tenha um

programa transitório, um programa-ponte. Para isto será necessário um

programa-ponte, um programa que ligue dialeticamente, por meio de uma série

complexa de mediações, a consciência falsa e enganosa dos trabalhadores

com a consciência revolucionária da vanguarda, que ligue a condição e a

consciência dadas e objetivas dos trabalhadores com a necessidade histórica

de superação da sociedade capitalista pela luta de classes.

Ao longo da exposição Marx vai lentamente expondo, portanto, não

apenas a natureza contraditória da realidade capitalista, mas vai expondo,

ainda, como as contradições do sistema são insolúveis no interior das relações

capitalistas de produção. Ao longo da exposição Marx demonstra, científica e

dialeticamente, que a solução definitiva e total para a crise do sistema

capitalista só pode ser alcançada com a revolução operária e a planificação

socialista da produção.

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APARENTE ESQUEMA EXPOSITIVO DE O CAPITAL

Ponto de partida aparente Mediações Ponto de chegada

M-D-M. A mercadoria aparece

como um universal abstrato,

aparente ausência das classes e

da luta de classes, aparente

ausência de pressuposto. As

classes aparecem mistificadas

sob a forma de indivíduos livres.

D-M-D’; Ft-D-M; D-M

(ft+mp)...P...M’-D’;

repetição insossa do

processo. O

pressuposto é lenta e

gradualmente

desvelado. A classe

trabalhadora se eleva a

um grau superior, mas

aparece ainda como

determinada categoria

que luta por direitos

positivos e de caráter

sindical.

Acumulação originária: a

violência da luta de classes é

posta como pressuposto. A

classe trabalhadora é elevada à

condição de universal concreto.

Descrição das tendências gerais

do capitalismo. A revolução

operária surge como negação da

negação do processo total.

VERDADEIRO ESQUEMA EXPOSITIVO DE O CAPITAL

Ponto de partida de Marx

e da vanguarda

Ponto de partida

do leitor alienado

Mediações Ponto de chegada nosso e

do leitor

O princípio está

pressuposto para Marx e

a vanguarda desde o

começo. As classes, a

luta de classes e a

revolução estão

pressupostas desde o

começo da exposição.

Aparente

ausência de

classes, de luta

de classes e de

revolução. As

classes, a luta

entre elas e a

revolução estão,

contudo,

pressupostas na

exposição e para

a vanguarda.

Idem esquema

anterior.

Idem esquema anterior. A

consciência alienada do

leitor se eleva junto à

consciência revolucionária

de Marx e da vanguarda e

é possível reiniciar

novamente o processo em

um novo patamar dialético.

O princípio, agora

conhecido, é posto

dialeticamente no começo

como pressuposto e torna-

se possível desenvolver

uma luta consciente contra

a sociedade capitalista.

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