a fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas ......conhecimento: psicologia. 1....

6
Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2013 A fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas desen- volvidas na área de psicologia e educação. Guilherme Siqueira Arinelli Pontifícia Universidade Católica de Campinas Centro de Ciências da Vida [email protected] Vera Lúcia Trevisan de Souza Processos de Constituição do Sujeito em Práticas Educativas Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: O presente trabalho teve por objetivo realiz- ar uma revisão bibliográfica sobre o tema da fala e da escuta, focalizando o campo de produção científi- ca nas áreas de Psicologia e Educação nos últimos cinco anos. Uma vez que fora evidenciado em tra- balhos científicos de pesquisa e intervenção, a ne- cessidade do aprofundamento de estudos da psico- logia sobre o papel mediador da linguagem no desenvolvimento do psiquismo. Este trabalho é parte integrante de um estudo maior, intitulado “A di- mensão afetiva nas interações de práticas educa- tivas: o papel da linguagem na promoção do desen- volvimento”, desenvolvido pelo grupo de pesquisa: Processos de Constituição do Sujeito em Práticas Educativas (PROSPED). Como aporte teórico- metodológico adotou-se os pressupostos da Psicolo- gia Histórico-Cultural, sobretudo os conceitos de Lev Semionovitch Vigotski. A investigação resultou em uma análise de resumos de dezessete (17) tra- balhos, entre dissertações e teses, além de dez (10) artigos científicos. Como instrumentos de coleta de dados, foram utilizados os sites de busca do Banco de Teses da Capes, para trabalhos de mestrado e doutorado; e BVSpsi e Scielo, para a busca de arti- gos científicos. Os resultados indicam que há um interesse recente de se ampliar a discussão sobre a temática. Contudo, os trabalhos identificados demonstram um movimento de enfoque na interação de determinados atores do contexto escolar, não oferecendo subsídio às práticas profissionais de ed- ucadores e outros especialistas. Portanto, as pesquisas identificadas não aparentam estar in- vestindo efetivamente na promoção da fala e escuta entre alunos, professores e gestão, promovendo o desenvolvimento destes sujeitos. Palavras-chave: fala e escuta, interação na escola, psicologia histórico-cultural. Área do Conhecimento: Grande Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Sub-Área do Conhecimento: Psicologia. 1. INTRODUÇÃO Estudos indicam a necessidade do aprofundamento de estudos da psicologia sobre o papel mediador da linguagem no desenvolvimento do psiquismo [1]. Os resultados revelam ainda, que há uma predominân- cia de gestos em detrimento do uso das palavras, e que constituem as interações que se estabelecem no contexto escolar, principalmente entre os adolescen- tes [1]. Deste modo, o que a um primeiro olhar parecem ser atos agressivos, após uma observação mais cuidadosa revela-se como um modo de funciona- mento dos sujeitos que tem em sua base a falta de domínio e uso do diálogo nas relações [2]. O re- sultado desse jeito de se relacionar parece estar alicerçado a um só tempo na escassez de vo- cabulário e na abundância do contato físico entre os adolescentes [2]. Contudo, se por um lado os adolescentes parecem não saber como se comunicar por meio das pa- lavras, por outro tampouco os professores têm con- seguido atuar como mediadores no processo de apropriação e domínio deste instrumento psicológico primordial produzido pela cultura humana [3]. Os professores muitas vezes apontam os alunos como culpados das falhas que existem nos processos de ensino e aprendizagem [1]. Como forma de interação, a linguagem promove práticas em que professores e alunos refletem a cul- tura e contextos sociais e se constituem como su- jeitos, construindo sua própria cultura [4]. O que nos leva à questão: de que modo as situações de fala e escuta, enquanto promotoras do desenvolvimento do psiquismo, tal como as concebem a Psicologia Histó- rico-cultural, têm sido abordadas em pesquisas desenvolvidas no campo da Psicologia? Tal condição indica a necessidade em se realizar uma leitura minuciosa das pesquisas desenvolvidas na área da psicologia e da educação, que abordam a

Upload: others

Post on 26-Oct-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas ......Conhecimento: Psicologia. 1. INTRODUÇÃO Estudos indicam a necessidade do aprofundamento de estudos da psicologia sobre

Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

25 e 26 de setembro de 2013

A fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas desen-volvidas na área de psicologia e educação.

Guilherme Siqueira Arinelli Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Centro de Ciências da Vida [email protected]

Vera Lúcia Trevisan de Souza Processos de Constituição do Sujeito em Práticas

Educativas Centro de Ciências da Vida

[email protected] Resumo: O presente trabalho teve por objetivo realiz-ar uma revisão bibliográfica sobre o tema da fala e da escuta, focalizando o campo de produção científi-ca nas áreas de Psicologia e Educação nos últimos cinco anos. Uma vez que fora evidenciado em tra-balhos científicos de pesquisa e intervenção, a ne-cessidade do aprofundamento de estudos da psico-logia sobre o papel mediador da linguagem no desenvolvimento do psiquismo. Este trabalho é parte integrante de um estudo maior, intitulado “A di-mensão afetiva nas interações de práticas educa-tivas: o papel da linguagem na promoção do desen-volvimento”, desenvolvido pelo grupo de pesquisa: Processos de Constituição do Sujeito em Práticas Educativas (PROSPED). Como aporte teórico-metodológico adotou-se os pressupostos da Psicolo-gia Histórico-Cultural, sobretudo os conceitos de Lev Semionovitch Vigotski. A investigação resultou em uma análise de resumos de dezessete (17) tra-balhos, entre dissertações e teses, além de dez (10) artigos científicos. Como instrumentos de coleta de dados, foram utilizados os sites de busca do Banco de Teses da Capes, para trabalhos de mestrado e doutorado; e BVSpsi e Scielo, para a busca de arti-gos científicos. Os resultados indicam que há um interesse recente de se ampliar a discussão sobre a temática. Contudo, os trabalhos identificados demonstram um movimento de enfoque na interação de determinados atores do contexto escolar, não oferecendo subsídio às práticas profissionais de ed-ucadores e outros especialistas. Portanto, as pesquisas identificadas não aparentam estar in-vestindo efetivamente na promoção da fala e escuta entre alunos, professores e gestão, promovendo o desenvolvimento destes sujeitos. Palavras-chave: fala e escuta, interação na escola, psicologia histórico-cultural.

Área do Conhecimento: Grande Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Sub-Área do Conhecimento: Psicologia.

1. INTRODUÇÃO Estudos indicam a necessidade do aprofundamento de estudos da psicologia sobre o papel mediador da linguagem no desenvolvimento do psiquismo [1]. Os resultados revelam ainda, que há uma predominân-cia de gestos em detrimento do uso das palavras, e que constituem as interações que se estabelecem no contexto escolar, principalmente entre os adolescen-tes [1]. Deste modo, o que a um primeiro olhar parecem ser atos agressivos, após uma observação mais cuidadosa revela-se como um modo de funciona-mento dos sujeitos que tem em sua base a falta de domínio e uso do diálogo nas relações [2]. O re-sultado desse jeito de se relacionar parece estar alicerçado a um só tempo na escassez de vo-cabulário e na abundância do contato físico entre os adolescentes [2]. Contudo, se por um lado os adolescentes parecem não saber como se comunicar por meio das pa-lavras, por outro tampouco os professores têm con-seguido atuar como mediadores no processo de apropriação e domínio deste instrumento psicológico primordial produzido pela cultura humana [3]. Os professores muitas vezes apontam os alunos como culpados das falhas que existem nos processos de ensino e aprendizagem [1]. Como forma de interação, a linguagem promove práticas em que professores e alunos refletem a cul-tura e contextos sociais e se constituem como su-jeitos, construindo sua própria cultura [4]. O que nos leva à questão: de que modo as situações de fala e escuta, enquanto promotoras do desenvolvimento do psiquismo, tal como as concebem a Psicologia Histó-rico-cultural, têm sido abordadas em pesquisas desenvolvidas no campo da Psicologia? Tal condição indica a necessidade em se realizar uma leitura minuciosa das pesquisas desenvolvidas na área da psicologia e da educação, que abordam a

Page 2: A fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas ......Conhecimento: Psicologia. 1. INTRODUÇÃO Estudos indicam a necessidade do aprofundamento de estudos da psicologia sobre

Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

25 e 26 de setembro de 2013

fala e a escuta da perspectiva da psicologia histórico-cultural. A questão sobre o desenvolvimento do psiquismo e em como este é marcado pela relação com o meio em que o sujeito se encontra, é uma problemática que demarca discussões ao longo de toda a obra de Vigotski. Este assume desta posição o seu método, e ainda, utilizando-se do pensamento marxista, afirma sobre as modificações na consciência e no compor-tamento dos homens através da relação destes com as mudanças históricas na sociedade e na vida so-cial do indivíduo [5]. Assim, pode-se entender o processo de constituição do psiquismo como contínuo, histórico e socialmente determinado, estendendo-se ao longo de toda a vida do sujeito. A partir disso, Vigotski desenvolve instru-mentos, também recorrendo à linguística, que lhe possibilitam discutir a influência da origem da lin-guagem no desenvolvimento do pensamento hu-mano [5]. Sendo, os processos de fala e escuta, es-tabelecidos ao longo da vida do sujeito, estes repre-sentam a possibilidade de desenvolvimento do psiquismo, uma vez que estes processos se es-tabelecem por meio de um movimento dialético, que os constitui e ao mesmo tempo constituem o outro [6].

2. OBJETIVOS Como objetivo geral, este estudo se propõe a realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema da interação em contexto escolar, focalizando a fala e da escuta, tal como as concebe a psicologia histórico-cultural. O levantamento tomará como base o campo de produção científica na área de Psicologia e Edu-cação nos últimos cinco anos. Pretende-se, portanto, identificar, compreender e analisar de que forma a fala e a escuta são abordadas em pesquisas realiza-das nos cursos de pós-graduação e em artigos científicos das áreas em questão. Para isso, será tomado como fonte de análise, os resumos ou textos na íntegra, as questões investigadas nas pesquisas, ou centrais nos artigos, a metodologia e procedimen-tos utilizados, o referencial teórico adotado, a con-cepção de fala e escuta assumida pelos autores e as principais conclusões apresentadas. Por fim, deve-se discutir a relevância desses estudos para as práticas educativas.

3. MÉTODO Na busca por uma visão do universo da produção científica envolvendo a temática da interação em contexto escolar, fundamentalmente a questão da fala e da escuta, assume-se como referencial teó-rico-metodológico a Psicologia Histórico-Cultural,

principalmente as concepções desenvolvidas por Vigotski. Como fonte de dados, os resumos ou textos na íntegra de dissertações, teses e artigos científicos das áreas de Psicologia e Educação, publicados nos últimos cinco anos.

3.1. Procedimento O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de natureza bibliográfica. Nesta, pode-se compreender, em um primeiro momento, a busca por definição de descritores, são eles: fala e escuta na escola, relação professor-aluno, linguagem e educação, sen-tidos e significados nas práticas escolares, interação na escola, leitura e escrita na psicologia histórico-cultural, práticas dialogadas em sala de aula e práticas discursivas na escola. Estes, por sua vez, foram utilizados nos instrumentos de busca do Banco de Teses da CAPES (MEC), com a finalidade de identificar dissertações e teses, e nas bases de dados SCIELO e BVSpsi, para o levanta-mento de artigos científicos. Contudo, a busca com os referidos descritores resultou em oito mil quatro-centos e sessenta e nove (8.469) trabalhos, entre dissertações e teses, e cento e cinquenta e oito (158) artigos, publicados em periódicos. Portanto, para que se obtivesse um número reduzido de resultados, optou-se por selecionar o tipo de bus-ca “expressão exata”, e ainda, limitar os descritores em três: fala e escuta na escola, interação na escola e práticas dialogadas na escola. Assim, observou-se um número limitado de trabalhos que dedicam enfoque à fala e a escuta, de modo que tal restrição impossibilitaria uma revisão bibliográfica eficiente. Para tanto, assumiu-se também os tra-balhos que focalizam a “interação”, uma vez que se pressupõe que por meio desta haja uma relação face a face, em que se emprega o uso da fala e da escu-ta. Com a conclusão da coleta de dados em Janeiro de 2013, deu-se início à atividade de organização destes. Fez-se necessária a construção de duas planilhas, uma dedicada à organização das dis-sertações e teses – em que se totalizam dezessete trabalhos - e outra, para os artigos – que completam dez resultados. Nos meses de fevereiro, março e abril de 2013, deu-se início à análise dos dados. Em que se desen-volveu em duas etapas, uma de cunho mais quantita-tivo, envolvendo categorias de análise como: título, ano, revista, nível (mestrado ou doutorado), institui-ção e linha de pesquisa; e outra de abordagem mais

Page 3: A fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas ......Conhecimento: Psicologia. 1. INTRODUÇÃO Estudos indicam a necessidade do aprofundamento de estudos da psicologia sobre

Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

25 e 26 de setembro de 2013

qualitativa, que envolve a análise de categorias co-mo: fundamentação teórica, questão, objetivos, método e resultados. Por fim, os meses de maio, junho e julho de 2013, foram dedicados à elaboração final do presente relatório e de artigo para decorrente publicação.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Dados levantados Em um primeiro levantamento realizado no banco de teses da capes utilizando-se dos descritores: fala e escuta na escola, relação professor-aluno, linguagem e educação, sentidos e significados nas práticas es-colares, interação na escola, leitura e escrita na psi-cologia histórico-cultural, práticas dialogadas em sala de aula e práticas discursivas na escola; foram local-izados oito mil quatrocentos e sessenta e nove (8.469) trabalhos, entre dissertações e teses, real-izados nos últimos cinco anos (2007-2011), fato que permite considerar que este tema é de grande inter-esse dos pesquisadores, o que justifica sua relevân-cia. Já no levantamento de artigos científicos, utilizando-se dos mesmos descritores, pode-se observar o mesmo movimento de concentração de trabalhos, totalizando cento e cinquenta e oito (158) artigos. Sendo evidente a maior concentração de resultados no descritor “Interação na Escola”, totalizando sessenta e cinco (65) trabalhos. Deste modo, neste primeiro levantamento é possível ter uma visão geral do universo das pesquisas que abordam o tema da fala e da escuta de diferentes áreas do conhecimento. No levantamento realizado no banco de teses da capes, observou-se o grande número de concentração de resultado no descritor “Interação na Escola”, totalizando três mil quinhentos e oitenta e sete (3.587). Contudo, ao se modificar o modo de pesquisa “todas as palavras” para o modo “expressão exata”, o número de trabalhos identifica-dos utilizando-se deste descritor, diminuiu consider-avelmente, atingindo o número de trinta e três (33) trabalhos entre dissertações e teses. Assim como o modo de pesquisa por assunto passou a ser selecio-nado como “expressão exata”, também se notou a necessidade de redução do número de descritores. Tais movimentos foram adotados principalmente devido ao tempo limitado em que se desenvolve este estudo de iniciação científica, além da tentativa de focalizar de maneira mais efetiva o tema proposto. Assim, três descritores foram eleitos: interação na escola, práticas dialogadas na escola e fala e escuta

na escola. Quando se utilizou destes, no banco de teses da CAPES, foi possível localizar onze (11) diferentes áreas do conhecimento que se dedicam ao estudo da temática em questão, sendo a maior concentração da produção na área de Educação, e em seguida, no campo da Psicologia. O presente estudo também estabeleceu como fonte de investigação as bases de dados: Scielo e o BVSpsi; com o propósito de acessar artigos científi-cos sobre o tema da fala e escuta na escola. No mesmo movimento observado entre as dissertações e teses, são muitas as áreas que se interessam pelo tema das interações na escola. Sendo também sem-elhante a concentração dos estudos na área da edu-cação, entretanto, outras áreas se sobrepõem à psi-cologia, que no caso das dissertações e teses aparece em segundo lugar. Uma vez apresentado um panorama geral da produ-ção em pesquisas sobre o tema da linguagem, que focalizamos como a fala e a escuta, fazendo opção pelas interações na escola, nos dedicaremos, a se-guir, na análise dos resumos dos artigos, disserta-ções de mestrado e teses de doutorado, visando ofe-recer um panorama com considerações de cunho mais qualitativo sobre estas produções.

4.2. A questão da fala e da escuta como tema de pesquisa Na análise dos resumos dos trabalhos identificados, percebe-se que o tema da fala e da escuta enquanto funções primordiais no desenvolvimento do sujeito, como concebido pela psicologia histórico-cultural, encontra-se pouco presente como temática central das investigações. O tema é foco de atenção apenas quando o sujeito do estudo apresenta alguma deficiência que com-prometa diretamente o uso da linguagem falada, co-mo por exemplo, a dissertação: “Interações discursi-vas envolvendo crianças com Síndrome de Down: diálogos com mães e professores” [7]. Como forma de interação, a linguagem possibilita a vivência da educação enquanto prática social, em que profes-sores e alunos promovem reflexões sobre a cultura e os contextos sociais, em um movimento dialético que permeia a constituição dos sujeitos e de sua própria cultura [4]. Diante desta constatação, optamos por analisar os estudos referentes ao tema “interação”, uma vez que a interação pressupõe a relação face-a-face, em que se requer fundamentalmente o exer-cício da fala e da escuta enquanto processos medi-adores.

Page 4: A fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas ......Conhecimento: Psicologia. 1. INTRODUÇÃO Estudos indicam a necessidade do aprofundamento de estudos da psicologia sobre

Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

25 e 26 de setembro de 2013

4.3. A questão da fala e da escuta como tema de pesquisa Ao buscar localizar, nos resumos, o aporte teórico em que se sustentam os estudos, deparamo-nos com a ausência desta informação em grande parte dos textos. Este fato, além de dificultar a análise que se propõe o presente estudo, denuncia uma falha na produção de resumos de pesquisas científicas. Isto porque, sendo o resumo fonte de investigação sobre as produções de pesquisas, disponível para busca no sítio da CAPES, não constar o referencial teórico constitui-se elemento que dificulta a compreensão da relevância do estudo realizado. Mesmo nos resumos dos artigos, em que se pressupõe uma avaliação mais cuidadosa feita por pareceristas que aprovam a produção, ainda encontramos textos em que não consta esta informação, como é o caso de dois (2) artigos da área da psicologia e três (3) da educação, resultando em 50% do total de artigos identificados. Nos resumos que fazem menção ao aporte teórico adotado na pesquisa, sete (7), duas (2) das dis-sertações da área da psicologia que focalizam a in-teração apresentam, respectivamente, a teoria histó-rico-cultural e a teoria “sócio-histórica de Vygotsky”, fato que pode ser um indicativo de diferentes com-preensões da teoria à luz do mesmo autor. Já na área da educação, nenhum dos trabalhos seleciona-dos utiliza-se da psicologia Histórico-cultural como aporte teórico à compreensão das interações na es-cola. É possível observar uma maior dispersão teó-rica nas pesquisas da área da educação, possivel-mente devido à grande complexidade que caracteri-za a área. No que concerne aos artigos, dos quatro (4) relativos à área da psicologia, apenas dois (2) explicitam seus fundamentos teóricos, quais sejam: a abordagem sociocultural construtivista e a psicanálise, respec-tivamente. Assim, é possível observar o mesmo pa-drão dos estudos da área de educação, de modo que dos seis (6) artigos que apresentam a temática da interação, três (3) apontam as seguintes funda-mentações: teoria da experiência da aprendizagem mediada, sociocultural construtivista e “Vygotsky”. Em conjunto com as análises a serem desenvolvidas de outras categorias aqui estabelecidas, questiona-se se tais fundamentações até então identificadas nos estudos analisados, teriam lastro para a expli-cação do papel da interação no desenvolvimento humano, sobretudo quando se focaliza as institui-ções. Cabe afirmar, em relação ao aporte teórico adotado para fundamentar pesquisas que visam à compreensão das interações na escola, que segundo

o que consta nos resumos dos trabalhos analisados, localizados no banco de dados da CAPES e nas ba-ses Scielo e BVSpsi, não é possível definir o enfoque epistemológico que tem norteado a análise desta importante categoria das interações sociais na promoção do desenvolvimento do sujeito. Esta afirmação, no entanto, deve ser relevada se consid-erarmos a qualidade dos resumos, visto acreditar-mos que os textos completos das pesquisas devem fazer menção ao referencial teórico, contudo, não foi possível analisá-los devido ao objetivo deste estudo e de sua natureza, iniciação científica.

4.4. Questão de pesquisa Nenhum dos resumos dos artigos produzidos no campo da psicologia e selecionados no levantamento realizado apresenta a questão da pesquisa que rela-ta, e, no caso das teses e dissertações, apenas uma apresenta sua questão de pesquisa no resumo. Já nas pesquisas da área da educação, em três (3) resumos de artigos dos seis (6) selecionados não constam a questão de pesquisa. E nas dissertações e teses desta área, em cinco (5) trabalhos não foram identificadas as questões de pesquisa, em um total de quinze (15). A função metodológica do problema de pesquisa é organizar sistematicamente o conjunto de fatores que definirão todo o processo de pesquisa [8]. Tendo em vista a importância do problema de pesquisa, e considerando que sua ausência nos re-sumos pode decorrer de falha de em sua elaboração, cabe destacar que este fato compromete a com-preensão dos estudos realizados, visto o papel do resumo na socialização das produções acadêmicas.

4.5. Objetivos A análise dos objetivos dos estudos levantados traz uma importante contribuição para o entendimento do foco de tais pesquisas, levanta-se o questionamento sobre o que o trabalho aspira realizar, sendo um im-portante indicativo para compreender como os recen-tes estudos tem se debruçado sobre a questão da interação na escola e, assim, a fala e a escuta. Deste modo, ao se voltar a atenção às produções da área da educação, é possível identificar que a grande maioria dos estudos, objetiva estudar as in-terações entre família e escola, ou ainda em como as relações entre ambas as instituições podem colaborar para o melhor desempenho do aluno na escola. Estas, repetem o padrão já evidenciado em outras categorias, ou seja, os estudos não se dedi-cam ao entendimento da interação dos alunos para

Page 5: A fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas ......Conhecimento: Psicologia. 1. INTRODUÇÃO Estudos indicam a necessidade do aprofundamento de estudos da psicologia sobre

Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

25 e 26 de setembro de 2013

com os outros atores presentes na escola enquanto promotora do desenvolvimento, uma vez que essa interação pressupõe o uso da fala e da escuta. Como se pode observar, os estudos, de maneira geral, voltam-se ao diálogo e à compreensão da fala e da escuta enquanto promotora do desenvolvimento apenas quando há uma defasagem da fala. Referente aos artigos levantados, observa-se o mesmo movimento, os artigos da psicologia não ob-jetivam a fala e a escuta em suas interações. O que se observa é que apesar das temáticas rela-cionarem-se à interação, e entendê-la como con-dição fundamental ao desenvolvimento de seus es-tudos, estes não a desenvolvem enquanto temática associada à fala e a escuta, promotores do desen-volvimento da consciência, como pressupõe a psico-logia histórico-cultural.

4.6. Método Para a análise da presente categoria, é interessante se observar que todas as dissertações e teses se-lecionadas, da área da psicologia e educação, apresentam a descrição da mesma. Contudo, en-tende-se que o método é apontado fundamentalmen-te com base no objetivo a que conduz [9], portanto, é importante lembrar que se trata de trabalhos que focalizam a temática da interação, pressupondo a relação face a face, para tanto, o procedimento ade-quado consistiria na observação, o que não se verifi-ca como procedimento ou técnica de pesquisa dos trabalhos analisados. Ao voltar-se a atenção para a área da educação, é possível perceber que a maioria dos estudos opta pelo procedimento da entrevista, essencialmente, a semiestruturada, seguido pela opção do ques-tionário. Aparentemente apenas dois trabalhos nesta área adotam a observação, sendo um deles de base fenomenológica. A análise dos resumos dos artigos com foco no método revela certa dicotomia entre os objetivos da pesquisa e o método utilizado, estando ausente dos procedimentos, por exemplo, a observação. Dos arti-gos da área da psicologia, nenhum descreve a ob-servação como um instrumento utilizado, nestes a escala é significativamente abordada, além do uso de entrevistas e inventários. Dentre os da área de educação, dos seis (6) artigos, um (1) não consta a metodologia empregada e, os outros fazem uso de escalas, análise de entrevistas, análise de estudos e estudo de parâmetros teóricos. Ocorre que na concepção da psicologia histórico-cultural, o emprego de tais procedimentos não con-

sistiria na melhor metodologia a ser construída, uma vez que os estudos visam a análise da interação, e assim, a relação face a face. Quando Vigotski desenvolve a discussão sobre as potencialidades humanas, este afirma que estas só estão passíveis de desenvolvimento, e se ampliam, no sentido da ação coletiva [9], para tanto, a utilização de escalas e inventários, nesse caso, não resultam em dados que sejam significativos para o desenvolvimento e en-tendimento do todo, de acordo com a perspectiva adotada.

4.7. Resultados A análise desta importante categoria mostra que na área da psicologia, ambas as dissertações identifica-das apresentam em seus resumos os resultados de maneira explícita. Deste modo, esses estudos per-mitem que o leitor acesse os resultados que obti-veram e revelam que tais interações sociais, em con-textos diversos, podem contribuir para uma melhor compreensão desses sujeitos, corroborando a com-preensão de Vigotski, de que as potencialidades hu-manas só se desenvolvem na relação com o outro, no âmbito da ação coletiva e na alteridade [9]. Na área da educação, dos quatorze (14) estudos, dois (2) não apresentaram seus resultados nos re-sumos, fato este que reforça a importância de se construir resumos de qualidade, visto que são estes que constituem o primeiro contato do leitor com o trabalho, além de facilitar o acesso à produção científica. Deste modo, ainda é possível de se identi-ficar uma (1) dissertação e duas (2) teses que trazem em seus resultados a interface da relação entre a família e a escola, sendo este um indicativo de que as produções dos últimos anos têm se debruçando sobre esta interação, com interesse em se apro-fundar a temática. Com relação aos artigos identificados, tanto os da área da psicologia, quanto da educação, apresentam de forma clara os resultados das pesquisas. Ao ob-servar os trabalhos da área da psicologia, é possível identificar uma tendência dos artigos em dar enfoque à interação entre a família e a criança, constituindo três (3), entre quatro (4) artigos, esta temática. Já os demais artigos identificados na área da educação, refletem os resultados presentes nas dissertações e teses, em que dois (2) afirmam sobre o processo de interação entre o professor e o aluno com autismo e a relação entre alunos surdos, respectivamente.

Page 6: A fala e a escuta na escola: uma análise das pesquisas ......Conhecimento: Psicologia. 1. INTRODUÇÃO Estudos indicam a necessidade do aprofundamento de estudos da psicologia sobre

Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

25 e 26 de setembro de 2013

5. CONCLUSÃO Os resultados indicam que há um interesse recente de se ampliar a discussão sobre a temática. Contudo, os trabalhos identificados demonstram um movimento de enfoque na interação de determinados atores do contexto escolar, não oferecendo subsídio às práticas profissionais de educadores e outros es-pecialistas. Portanto, as pesquisas identificadas não aparentam estar investindo efetivamente na promoção da fala e escuta entre alunos, professores e gestão, promovendo o desenvolvimento destes sujeitos.

AGRADECIMENTOS Agradecimento à FAPIC/Reitoria, que concebeu a bolsa para a realização desta pesquisa, à PUC-Campinas, à Profa. Dra. Vera Lúcia Trevisan de Souza e ao grupo de pesquisa PROSPED.

REFERÊNCIAS [1] Souza, V. L. T. (2011). A dimensão afetiva nas interações de práticas educativas: o papel da lin-guagem na promoção do desenvolvimento. Projeto de pesquisa, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil. [2] Bordignon, J. C & Souza, V. L. T (2011). Comuni-cação e afetos de adolescentes na escola. O teatro como mediação. Iniciação Científica, Pontifícia Uni-versidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

[3] Petroni, A. P. (2008). Autonomia de professores: um estudo da perspectiva da psicologia. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil. [4] Abdalla, M. F. B. (1998). Linguagem, Educação e Formação de Professores. Nuances Revista do Cur-so de Pedagogia Unesp, Presidente Prudente / SP, v. 4, n. 4, p. 15-19. [5] Palangana, I. C. (1998). Desenvolvimento & Aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a Relevância Social. 2ªEd. São Paulo: Plexus. [6] Vigotski, L. S. (2011) Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. [7] Texeira, A. C. B. J. (2010). Interações discursivas envolvendo crianças com Síndrome de Down: diálogos com mães e professores. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, PE, Brasil. [8] González Rey, F. (2005). Diferentes Momentos do Processo de Pesquisa Qualitativa e suas Exigências Metodológicas. In F. González Rey (Ed.). Pesquisa Qualitativa e Subjetividade: os processos de con-strução da informação (pp.79-113). São Paulo: Pio-neira Thomson Learning. [9] Delari JR., A. (2009). Vigotski e a prática do psicólogo: em percurso da psicologia geral à aplica-da. Umuarama: Mimeo. 40 p. (2ª versão).