a exclusÃo na inclusÃo de crianÇas com transtorno … · jerônimo de a. mendes ribeiro et al.,...

44
Ano 7 • n°3 • Mai/Jun 2017 ISSN 2236-918X doi: 10.25118/2236-918X-7-3 A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLA REGULAR SERÁ QUE AS MEDICAÇÕES ANTICOLINÉRGICAS ESTÃO SENDO BEM UTILIZADAS? UMA REVISÃO SISTEMÁTICA NARCOLEPSIA: O DESPERTAR PARA UMA REALIDADE SUBESTIMADA TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE ÁLCOOL E AS MULHERES: IMPACTO NOS CIRCUITOS INTEGRATIVOS E DE NEURORREGULAÇÃO DO ESTRESSE TRANSTORNO DE PERSONALIDADE HISTRIÔNICA E TRANSTORNO CONVERSIVO: RELATO DE CASO EM ADOLESCENTE

Upload: others

Post on 12-Mar-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

Ano 7 • n°3 • Mai/Jun 2017ISSN 2236-918Xdoi: 10.25118/2236-918X-7-3

A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLA REGULAR

SERÁ QUE AS MEDICAÇÕES ANTICOLINÉRGICAS ESTÃO SENDO BEM UTILIZADAS? UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

NARCOLEPSIA: O DESPERTAR PARA UMA REALIDADE SUBESTIMADA

TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE ÁLCOOL E AS MULHERES: IMPACTO NOS CIRCUITOS INTEGRATIVOS

E DE NEURORREGULAÇÃO DO ESTRESSE

TRANSTORNO DE PERSONALIDADE HISTRIÔNICA E TRANSTORNO CONVERSIVO: RELATO DE CASO EM ADOLESCENTE

Page 2: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo
Page 3: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

3Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

/////////// APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃOPrezado leitor,Temos o prazer de apresentar a terceira edição de 2017 da Revista Debates em Psiquiatria. Nesta edição temos uma

novidade muito especial: nossos arti gos agora têm DOI! Essa iniciati va alinha a revista com práti cas internacionais de publicação online e facilitará o registro e a citação dos arti gos. Convidamos os leitores a conferirem os códigos no rodapé da folha de rosto de cada arti go e a citarem/usarem esses códigos! Trata-se de uma importante inovação que merece ser presti giada e bem uti lizada.

No que diz respeito aos arti gos, esta edição inicia com um arti go original de autoria de Márcia Cristi na Maciel de Aguiar e Milena Pereira Pondé, que tratam da exclusão sociocultural de que comumente são víti mas crianças com transtorno do espectro auti sta ao serem incluídas no sistema escolar regular. Trinta mães e pais são entrevistados, e a análise das narrati vas revela uma inclusão escolar permeada por sofrimento e, paradoxalmente, exclusão. Os autores destacam a importância da forma como essas crianças são recebidas e tratadas na escola, assim como do preparo dos técnicos de educação para o processo de inclusão.

A seguir, fazendo uma revisão sistemáti ca, Simão Kagan et al. questi onam: será que as medicações anti colinérgicas estão sendo bem uti lizadas no manejo dos transtornos mentais? Os autores focam nos efeitos adversos do uso de anti psicóti cos (especialmente distúrbios do movimento) e nas abordagens possíveis para amenizar esses sintomas (redução ou troca do anti psicóti co e/ou introdução de medicação anti colinérgica), a fi m de melhorar a adesão ao tratamento. Os autores recomendam que redução de dose e/ou troca de anti psicóti co sejam testados antes de se iniciar o uso de uma medicação anti colinérgica, e salientam a importância de se revisar a necessidade de uso de anti colinérgicos periodicamente, reti rando-os gradualmente, quando possível.

Na sequência, o primeiro arti go de atualização desta edição é assinado por Almir Tavares Júnior et al. e dedicado à narcolepsia. Os autores discorrem sobre esta condição subesti mada na práti ca clínica, a despeito de seu grande impacto na qualidade de vida dos pacientes (comparável ao da epilepsia ou da esquizofrenia). Sintomas, testes diagnósti cos, comorbidades e abordagens terapêuti cas são discuti dos, oferecendo ao leitor uma visão bastante completa deste importante transtorno.

Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo os autores, uma gama cada vez maior de estudos demonstra que existem diferenças entre os sexos na prevalência de transtornos relacionados ao estresse e que mulheres com transtornos por uso de álcool têm diferentes desfechos negati vos no funcionamento cerebral e em mecanismos de neuroadaptação quando comparadas aos homens. Tais diferenças, segundo os autores, deveriam ser uti lizadas no desenvolvimento de estratégias terapêuti cas gênero-específi cas contra o uso de álcool.

Finalmente, Mariana Gianola Arruda et al. descrevem um caso de transtorno de personalidade histriônica e transtorno conversivo em uma adolescente. Os autores defi nem os transtornos diagnosti cados na paciente, discutem classifi cações diagnósti cas, descrevem o manejo do caso e comentam outros aspectos relevantes. Os autores salientam que psiquiatras e clínicos devem estar atentos aos sintomas apresentados e realizar o diagnósti co através de critérios cientí fi cos, sem se descuidar do preconceito, a fi m de evitar o esti gma e sofrimentos desnecessários para o paciente.

Boa leitura!

Antônio Geraldo da Silva e João Romildo BuenoEditores Seniores, Revista Debates em Psiquiatria

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-7-3-1

Page 4: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

4 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

DIRETORIA EXECUTIVA

Presidente: Carmita Helena Najjar Abdo - SP

Vice-Presidente: Alfredo José Minervino - PB

Diretor secretário: Claudio Meneghello Martins - RS

Diretor secretário adjunto: Maria de Fátima Viana de

Vasconcellos - RJ

Diretor tesoureiro: Antônio Geraldo da Silva - DF

Diretor tesoureiro adjunto: Maurício Leão de Rezende - MG

DIRETORES REGIONAIS

Diretor Regional Norte: Cleber Naief Moreira - AM

Diretor Regional Adjunto Norte: Kleber Roberto da Silva

Gonçalves de Oliveira - PA

Diretor Regional Nordeste: André Luis Simões Brasil

Ribeiro - BA

Diretor Regional Adjunto Nordeste: Everton Botelho

Sougey - PE

Diretor Regional Centro-Oeste: Renée Elizabeth de

Figueiredo Freire - MT

Diretor Regional Sudeste: Érico de Castro e Costa - MG

Diretor Regional Adjunto Sudeste: Marcos Alexandre

Gebara Muraro - RJ

Diretor Regional Sul: Eduardo Mylius Pimentel - SC

Diretor Regional Adjunto Sul: Carla Hervê Moran Bicca - RS

CONSELHO FISCAL

Titulares:

Itiro Shirakawa – SP

Alexandrina Maria Augusta da Silva Meleiro – SP

Ronaldo Ramos Laranjeira – SP

Suplentes:

Francisco Baptista Assumpção Junior – SP

Marcelo Feijó de Mello – SP

Sérgio Tamai - SP

ABP - Rio de JaneiroRua Buenos Aires, 48 – 3º Andar – Centro

CEP: 20070-022 – Rio de Janeiro - RJTelefax: (21) 2199.7500

Rio de Janeiro - RJE-mail: [email protected]

Publicidade: [email protected]

//////////// EXPEDIENTEEDITORES SENIORES Antônio Geraldo da Silva - DF João Romildo Bueno - RJ

EDITORES-CHEFES Marcelo Feijó de Mello - SPBreno Satler Diniz - TX, USAJosé Carlos Appolinário - RJValeria Barreto Novais - CE

EDITORES ASSOCIADOSAlexandre Paim Diaz - SCAntonio Peregrino - PECarmita Helena Najjar Abdo - SPÉrico de Castro e Costa - MGItiro Shirakawa - SPMarcelo Liborio Schwarzbold - SC

EDITORES JUNIORESAlexandre Balestieri Balan - SCAntonio Leandro Nascimento - RJCamila Tanabe Matsuzaka - SPEmerson Arcoverde Numes - RNIzabela Guimarães Barbosa - MGLarissa Junkes - RJ

CONSELHO EDITORIALAlmir Ribeiro Tavares Júnior - MG Ana Gabriela Hounie - SPAnalice de Paula Gigliotti - RJCésar de Moraes - SPElias Abdalla Filho - DFEugenio Horácio Grevet - RSFausto Amarante - ESFlávio Roithmann - RSFrancisco Baptista Assumpção Junior - SPHelena Maria Calil - SPHumberto Corrêa da Silva Filho - MGIrismar Reis de Oliveira - BAJair Segal - RSJoão Luciano de Quevedo - SCJosé Cássio do Nascimento Pitta - SPMarco Antonio Marcolin - SPMarco Aurélio Romano Silva - MGMarcos Alexandre Gebara Muraro - RJMaria Alice de Vilhena Toledo - DFMaria Dilma Alves Teodoro - DFMaria Tavares Cavalcanti - RJMário Francisco Pereira Juruena - SPPaulo Belmonte de Abreu - RSPaulo Cesar Geraldes - RJRicardo Barcelos - MGSergio Tamai - SPValentim Gentil Filho - SPValéria Barreto Novais e Souza - CEWilliam Azevedo Dunningham - BA

CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONALAntonio Pacheco Palha (Portugal), Marcos Teixeira (Portugal), José Manuel Jara (Portugal), Pedro Varandas (Portugal), Pio de Abreu (Portugal), Maria Luiza Figueira (Portugal), Julio Bobes Garcia (Espanha), Jerónimo Sáiz Ruiz (Espanha), Celso Arango López (Espanha), Manuel Martins (Espanha), Giorgio Racagni (Italia), Dinesh Bhugra (Londres), Edgard Belfort (Venezuela)

Jornalista Responsável: Brenda Ali LealRevisão de Textos e Editoração Eletrônica: Scientific LinguagemProjeto Gráfico e Ilustração: Daniel Adler e Renato OliveiraProdução Editorial: Associação Brasileira de Psiquiatria - ABPGerente Geral: Simone PaesImpressão: Gráfica Editora Pallotti

Page 5: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

5Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

//////////////// SUMÁRIOMAI/JUN 2017

* As opiniões dos autores são de exclusiva responsabilidade dos mesmos.

SUMÁRIO6/original

A exclusão na inclusão de crianças com transtorno do espectro autista em escola regular

MÁRCIA CRISTINA MACIEL DE AGUIAR, MILENA PEREIRA PONDÉ

13/revisãoSerá que as medicações anticolinérgicas estão sendo bem utilizadas? Uma revisão sistemática

SIMÃO KAGAN, BRUNO BERTOLUCCI ORTIZ, ANDRÉ MALBERGIER, ANDRÉ GUSTAVO FEITOSA

FURTADO, BERNARDO BANDUCCI RAHE

22/atualizaçãoNarcolepsia: o despertar para uma

realidade subestimada

ALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIOR, RENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHI, FERNANDO

MORGADINHO SANTOS COELHO

34/atualizaçãoTranstornos relacionados ao uso de álcool e as

mulheres: impacto nos circuitos integrativos e de neurorregulação do estresse

JERÔNIMO DE A. MENDES RIBEIRO, JOEL RENNÓ JR., HEWDY LOBO RIBEIRO,

JULIANA PIRES CALVASAN, AMAURY CANTILINO, GISLENE VALADARES, RENAN

ROCHA, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA

39/relatoTranstorno de personalidade histriônica e transtorno

conversivo: relato de caso em adolescente

MARIANA GIANOLA ARRUDA, ANA SOFIA PONTES TRILLO, VIVIAN PAULIN CORREIA, ALINE ROMÃO

DA SILVA, SONIA MARIA MOTTA PALMA

Page 6: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

6 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO ORIGINALMÁRCIA CRISTINA MACIEL DE AGUIARMILENA PEREIRA PONDÉ

ResumoIntrodução: O transtorno do espectro autista (TEA)

é classificado na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais como um transtorno do neurodesenvolvimento. A definição biomédica do transtorno, contudo, não abarca o sentido sociocultural dessa condição.

Objetivo: Este estudo analisa como se processa a inclusão escolar de crianças com diagnóstico de TEA a partir da perspectiva dos pais.

Método: Estudo qualitativo de narrativa de histórias orais, eliciadas a partir de entrevistas semiestruturadas. Foram feitas 30 entrevistas com mães e pais de pessoas com diagnóstico prévio de TEA. As entrevistas foram gravadas, transcritas e categorizadas após análise de conteúdo.

Resultados: A análise indica que a inclusão escolar de pessoas com TEA é permeada pelo sofrimento da criança, dos pais e dos profissionais da educação; além disso, a maioria dos pais entrevistados considerou que os profissionais da escola excluem os seus filhos.

Conclusão: A inclusão de crianças com TEA em escolas regulares pode vir a ser mais um instrumento de exclusão e sofrimento para os envolvidos. O processo de inclusão escolar não pode se resumir a um procedimento normativo; deve envolver a forma como essas crianças são recebidas e tratadas na escola, assim como o preparo dos técnicos de educação para o processo de inclusão.

Palavras-chave: Transtorno do espectro autista, escola, inclusão.

AbstractIntroduction: The Diagnostic and Statistical Manual of

Mental Disorders, 5th edition (DSM-5) classifies autism spectrum disorder (ASD) as a neurodevelopmental disorder. The biomedical definition of this disorder, however, does not encompass the sociocultural implications of this condition.

Objective: The current study analyzes the process of including children with a diagnosis of ASD in the regular school system from the perspective of the parents.

Method: This study consisted of the qualitative analysis of oral narratives obtained through semi-structured interviews. Thirty interviews were conducted with mothers and fathers of children with a previous diagnosis of ASD. The interviews were recorded, transcribed and categorized after content analysis.

Results: The analysis indicates that school inclusion of people with ASD is permeated by the suffering of the child, parents and education professionals; In addition, the majority of parents interviewed considered that school staff exclude their children.

Conclusion: The inclusion of children with ASD in regular schools may become another source of exclusion and suffering for all the parties involved. The process of school inclusion cannot be limited to a normative procedure; rather, it should involve the way how these children are received and treated at school, as well as the training of educational technicians for the inclusion process.

Keywords: Autism spectrum disorder, school, inclusion.

A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLA REGULAR

EXCLUSION WITHIN THE INCLUSION OF CHILDREN WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER IN THE REGULAR SCHOOL SYSTEM

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-7-3-2

Page 7: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

7Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

MÁRCIA CRISTINA MACIEL DE AGUIAR1, MILENA PEREIRA PONDÉ2

1 Professora auxiliar, Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, BA. Professora, Faculdade de Tecnologia e Ciências; doutoranda, Programa de Pós-Graduação, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. Pesquisadora, Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Autismo (LABIRINTO), Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. 2 Professora adjunta, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. Coordenadora, LABIRINTO, Salvador, BA.

intRoduçãoO auti smo infanti l foi descrito pela primeira vez por

Kanner, em 19431. Desde então, houve mudanças na defi nição do auti smo: de doença a transtorno; de ser ligado a um comprometi mento afeti vo a ser considerado como um défi cit neurológico; de eti ologia psicogênica a eti ologia biológica; do tratamento com anti psicóti cos ao tratamento de sintomas-alvo; da psicoterapia analíti ca para abordagens pedagógicas cogniti vo-comportamentais; de doença rara a uma prevalência de até 1%1.

Na 5ª edição do Manual Diagnósti co e Estatí sti co de Transtornos Mentais (DSM-5)2, o transtorno do espectro auti sta (TEA) é classifi cado como um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social, padrões restriti vos e repeti ti vos de comportamento, interesses ou ati vidades. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, devem limitar ou prejudicar o funcionamento diário, e as perturbações presentes não são explicadas por defi ciência intelectual ou por atraso global do desenvolvimento2.

No campo da educação especial no Brasil, a Políti ca Nacional de Educação Especial na Perspecti va da Educação Inclusiva de 2008 determinou que alunos com TEA fossem incluídos na rede regular de ensino3. A inclusão permite a convivência da criança com TEA com crianças sem transtorno da mesma faixa etária, esti mulando as suas capacidades interati vas e reduzindo a tendência ao isolamento contí nuo4.

A parti r de 2008, houve um aumento da presença de crianças com TEA em escolas regulares, que não foi acompanhado de estratégias pedagógicas específi cas, o que pode resultar em poucos efeitos na aprendizagem e mesmo na integração dessa população3. Apesar de algumas pesquisas descreverem os benefí cios da inclusão, o tema ainda é controverso, principalmente quanto à possibilidade de as escolas oferecerem respostas adequadas às necessidades desses alunos3. Isso se deve à falta de preparo de escolas e de treinamento dos professores para atender às demandas do processo de inclusão4. A políti ca de inclusão, além de ter defl agrado a visibilidade das condições de pessoas historicamente excluídas, tornou visíveis as contradições presentes no projeto referente ao acolhimento da diferença5.

As percepções sobre o auti smo infl uenciam a forma de lidar com essa condição. Indivíduos com auti smo precisam ser vistos como membros de grupos sociais, com competências e difi culdades relacionadas às expectati vas sociais e culturalmente defi nidas6. Pais e profi ssionais de saúde podem ter visões discordantes em relação às crianças com TEA. É comum que os pais, sobretudo as mães, percebam as potencialidades e pontos positi vos dos seus fi lhos, enquanto os profi ssionais fi cam mais preocupados em identi fi car as difi culdades e sintomas7.

A defi nição biomédica do TEA não abarca o senti do sociocultural dessa condição, que inclui as representações sociais do auti smo, assim como a experiência de conviver com o transtorno8. O sofrimento emocional deve ser compreendido a parti r de uma abordagem polissêmica, observando que os senti dos que se manifestam no corpo, nas emoções, na família e no contexto social arti culam o indivíduo com as noções comparti lhadas de sofrimento em um contexto social mais amplo8.

No ensino regular, existem limitações sobre como atuar com a criança com TEA em função das salas lotadas, da falta de adaptação do material didáti co e da falta de treinamento do professor, gerando denúncias frequentes da existência de alunos segregados em classes inclusivas9. Ações governamentais desacompanhadas de equipamento técnico adequado têm gerado, portanto, práti cas contraditórias e segregadoras3.

Diante desse quadro, este estudo objeti va compreender, sob a perspecti va dos pais, como se dá o processo de inclusão dos seus fi lhos portadores de TEA no processo educati vo em escolas regulares.

MétodoEstudo qualitati vo baseado nas narrati vas de mães e de

pais de pessoas com diagnósti co psiquiátrico prévio de TEA. A população foi consti tuída por pais de portadores de TEA matriculados em uma escola especial.

Os pais foram convidados a parti cipar deste estudo na escola especial. Foram incluídos nove pais e 21 mães. Os parti cipantes foram entrevistados seguindo um roteiro semiestruturado, em sala reservada. As entrevistas foram gravadas e posteriormente digitadas de modo fi dedigno e serão guardadas com o pesquisador por 5 anos. O roteiro de perguntas pretendia eliciar a percepção dos pais sobre os seus fi lhos, a forma

Page 8: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

8 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO ORIGINALMÁRCIA CRISTINA MACIEL DE AGUIARMILENA PEREIRA PONDÉ

como eles lidam com os mesmos, o diagnóstico e a influência da criança sobre a vida das mães e dos pais. O tema escola regular não fez parte desse roteiro, porém surgiu na maior parte das narrativas, diante do questionamento sobre que tipo de ajuda/tratamento/terapia procurou-se como forma de auxílio para as dificuldades apresentadas pelo(a) filho(a).

A análise das entrevistas buscou aprofundar os significados dos informantes, para melhor compreender as suas representações, entendendo que a análise qualitativa, muito mais do que classificar a opinião dos informantes, descobre seus códigos sociais a partir das falas, símbolos e observações10.

Iniciou-se com uma “leitura flutuante”11 das entrevistas, sem buscar nenhuma categoria específica, possibilitando uma primeira impressão do texto a ser estudado. Em seguida, foram codificadas categorias de análise, que constituíram os seus eixos norteadores. Entre essas, foi identificada a “exclusão na inclusão escolar”. Todo texto nas entrevistas que se referia a esse tema foi selecionado12, e subcategorias foram delineadas a partir de uma leitura atenta baseada no conteúdo.

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética do Programa de Pós-Graduação da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, tendo sido aprovado em 13.07.2015, sob Parecer nº 1.146.792, CAAE 44094515.9.0000.5544, de acordo com os requisitos éticos da Resolução nº 466/1213 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes foram informados sobre o estudo e autorizaram previamente a sua participação por meio do Termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados e discussãoAs mães e os pais, em suas narrativas, trouxeram

espontaneamente o tema escola regular, dando maior relevância aos seus aspectos negativos, o que não significa que aspectos positivos não existam; apenas não foram significativamente apontados em nossa amostra.

Na categoria selecionada “exclusão na inclusão escolar”, identificamos quatro subcategorias: 1) o sofrimento para a criança com TEA; 2) o sofrimento para mães e pais; 3) o sofrimento para profissionais da educação; 4) profissionais da escola excluem. Selecionamos algumas falas dos informantes, colocando a letra M para a fala de uma mãe e a letra P para a fala de um pai. Os números

que se seguem às letras referem-se à numeração das entrevistas (de 1 a 30).

1) Sofrimento para a criança com TEA

Ele não queria ir pra escola, e ter que forçar ele era a pior parte... Teve um dia que botaram ele no chão da sala, e estavam linchando ele, tanto que o professor entrou, achou aquilo absurdo e veio relatar, e uma aluna disse que chamou o pessoal da secretaria da escola e ninguém ligou. (M3)

O pessoal deixava ele se arrastando no chão, aí eu acabei tirando. (M7)

Os meninos chamam ele de bobo. (M11)

Ele vai feliz pra tudo, a escola não suporta, gruda no muro e não quer entrar. (M11)

Quando ele estava acostumando com a professora, ela saiu, veio outra, ele ficou nervoso. Eu chegava lá, ele só ficava na quadra, a professora dizia, ele fugiu, só que ela não pegava ele logo... Onde era a quadra tinha o banheiro dos maiores, eu fui lá uma vez e ele estava no banheiro sozinho, aí fiquei com medo, falei com o pai dele. Ele estava de férias e estava indo lá pra acompanhar, só que ele não queria ficar quando o pai ia embora... (M21)

No colégio do governo, o pessoal ia massacrar o meu filho... Aquela rapaziada ia chacoalhar meu filho, bullying, e eu não ia aceitar isso... Eu já vi pessoa levando menino especial e sofrendo horrores lá, aí eu disse: eu não vou levar meu filho, não, jamais. (P8)

As falas selecionadas deixam patente o sofrimento gerado nas crianças a partir da experiência de frequentar uma escola regular, pois ainda não são de fato incluídas, sendo vistas como diferentes, sendo às vezes maltratadas. Subentende-se a presença de estigma e preconceito, dificultando a aceitação dessas crianças e, certamente, o seu desenvolvimento. Segundo Camargo4, quando não há um ambiente apropriado e condições adequadas à inclusão, a possibilidade de ganhos no desenvolvimento cede lugar ao prejuízo para todas as crianças. Serra14, em sua pesquisa com autismo em dois municípios fluminenses, identificou como uma das barreiras no

Page 9: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

9Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

MÁRCIA CRISTINA MACIEL DE AGUIAR1, MILENA PEREIRA PONDÉ2

1 Professora auxiliar, Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, BA. Professora, Faculdade de Tecnologia e Ciências; doutoranda, Programa de Pós-Graduação, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. Pesquisadora, Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Autismo (LABIRINTO), Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. 2 Professora adjunta, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. Coordenadora, LABIRINTO, Salvador, BA.

processo de inclusão ati tudes segregacionistas dos colegas.

2) Sofrimento para mães e pais

Eu chegava em casa, telefonavam pra eu ir buscar, era um desgaste... Não deram conta, e mesmo assim ainda deixei 2 anos, depois resolvi ti rar. Vi que era perda de tempo, era pra ele interagir e na verdade ele estava sendo excluído. (M1)

Esse negócio dessa exclusão, inclusão obrigatória, nenhuma mãe gosta, é horrível, esse preconceito acaba matando a gente. (M11)

Eu não queria deixar ele forçado, dói meu coração. (M12)

Aí fi ca nessa agonia, a gente leva pro colégio, gasta gasolina, demora uma horinha, já estão ligando pra ir buscar, aí vou buscar, fi co com medo de estar acontecendo alguma coisa. (P5)

É notória, nas falas citadas, a inclusão na escola regular como geradora de sofrimento também para os pais; eles não confi am na escola, sentem medo do que lá pode acontecer aos seus fi lhos, pensam ser uma perda de tempo que não trará os resultados esperados no desenvolvimento e na socialização.

O estudo de Goes15 identi fi cou insegurança dos pais de alunos incluídos, o que conduziu à evasão da escola comum e ao retorno para escolas especiais em municípios paulistanos. De acordo com Serra16, a escola é o único espaço social que divide com a família a responsabilidade de educar; entretanto, no âmbito da inclusão, na aquisição de comportamentos sociais aceitáveis, devem ser respeitadas as característi cas daquele que deve ser incluído, sem deixar de observar as suas necessidades especiais. A fala das mães deste estudo aponta o oposto; a experiência de inclusão é desgastante, sendo vista como mais um espaço de expressão de preconceito e exclusão.

3) Sofrimento para profi ssionais da educação

A diretora disse que pra ela não sofrer, nem eu, era pra eu levar ele só de vez em quando. (M11)

A professora disse: mãe, eu estou tentando ler, mas eu não estudei pra isso. (M11)

Eu sinto que os profi ssionais não querem. (M12)

Nota-se sofrimento por parte dos profi ssionais da educação que se deparam com a inclusão como um desafi o, sem terem sido capacitados para tal. Parece que “a precariedade na formação de professores representa uma importante barreira na efeti vação da proposta de inclusão escolar”17. De acordo com Matt os5, a falta de preparo geralmente apontada pelas professoras assume um caráter de justi fi cati va autoexplicati va para a sua inoperância. Essa perspecti va foi apontada na fala de M12 em nosso estudo.

4) Profi ssionais da escola excluem

Numa escola, a mulher disse que eles eram possuídos por espíritos, eram demônios. (P2)

A maioria tem difi culdade de encontrar um colégio que aceite o aluno, sabe da lei, mas ninguém aceita, o preconceito é monstruoso... O governo diz que pode botar uma auxiliar, mas não tem... (P5)

É uma inclusão de fachada. (P6)

Passou 3 anos na escola e não faziam nada por ele, só sabiam reclamar, ele tá assim, tá assado, não fez os exercícios, quebrou isso... Aí a gente ti rou dessa escola. (P9)

A professora não se esforça, bota o lugar dele excluído, pra ele fazer o lanche só, isso não é inclusão, é exclusão. (M11)

A diretora disse: essa inclusão você não vai achar em lugar nenhum. (M11)

Difi culdade de uma escola aceitar ele. (M12)

Nota-se que a inclusão, em nosso estudo, está permeada pela exclusão, pelo preconceito. O estudo de Goes15 refere que muitos pais de crianças com auti smo, embora favoráveis à educação inclusiva, revelaram que ti veram matrículas de seus fi lhos negadas em insti tuições

Page 10: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

10 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO ORIGINALMÁRCIA CRISTINA MACIEL DE AGUIARMILENA PEREIRA PONDÉ

de ensino regular no Distrito Federal, por preconceito dos professores e gestores.

Nunes apontou que os pais dizem que a inclusão se resume à convivência dos seus filhos com os demais alunos, já que eles não participam da maior parte das atividades e, por vezes, ficam à margem do que ocorre em sala de aula3. Segundo Camargo & Bosa4, as dificuldades dos professores, de um modo geral, aparecem na forma de ansiedade e conflito ao lidar com o “diferente”.

Segundo Mattos5, a inclusão educacional ainda reflete o modelo binário de escola regular e especial, no qual cabe ao aluno incluído adequar-se ao que a escola oferece.

“Para não dizer que não falei de flores”, na fala de uma minoria dos entrevistados, encontramos relatos positivos relativos à experiência de inclusão escolar:

A escola que me ajudou a tirar a fralda, a escola ajuda bastante. Não a gente jogando a responsabilidade na escola, mas a gente ali participando lado a lado... Sempre tô na escola, no Dia do Autismo eu vou, eu converso com os coleguinhas, aí qualquer evento que tem na sala dela eu participo, no Dia das Crianças eu levo uma merendinha pros coleguinhas, peço apoio, peço ajuda, peço desculpa, e muito obrigada... A professora, ela é minha amiga... (M14)

O relato acima é parcialmente positivo, pois a professora agia de modo diferenciado por ser amiga da mãe da criança a ser incluída, sem falar que a mãe se esmerava em agradar os coleguinhas de seu filho, como se estes estivessem lhe fazendo um favor em conviver com o seu filho portador de TEA.

A professora disse que ela tem paciência com meu filho, que aos pouquinhos vai conseguir tirar o hábito dele de sentar na mesma cadeirinha. (M16)

Aqui observamos uma experiência isolada, relacionada à aparente boa vontade da professora em questão.

conclusãoEste estudo qualitativo, dando voz às mães e aos pais

de portadores de TEA, aponta que a inclusão de crianças com TEA em escolas regulares é vista pela maioria dos entrevistados como mais um instrumento de exclusão e sofrimento para os envolvidos. A inclusão não se resume

a um procedimento normativo, envolve a forma como essas crianças são recebidas e tratadas na escola, o que, por sua vez, pode gerar experiências negativas na prática da tentativa de escolarização.

Os professores e demais técnicos do processo de escolarização são formados para lidar com crianças sem transtornos do desenvolvimento, desconhecendo as demandas e especificidades daquelas com estes transtornos. As crianças com TEA podem ter comportamentos disruptivos e alterações sensoriais que exijam intervenções específicas, devendo, portanto, haver um treinamento que capacite a escola para lidar com tais situações. Os professores igualmente devem ser treinados em relação a métodos pedagógicos adaptados para pessoas com TEA. Finalmente, a inclusão social deve passar por um processo de adaptação das outras crianças em relação ao portador de TEA, de outro modo, a exclusão do diferente se perpetuará no ambiente escolar.

Como limitação, as mães e os pais entrevistados têm seus filhos matriculados em escola especial e em escola regular; talvez encontrássemos outras informações se entrevistássemos pais e mães com filhos matriculados apenas em escola regular.

Entende-se que são necessários outros estudos na mesma direção para aprimorar o entendimento da problemática aqui levantada e fomentar políticas públicas em benefício dos portadores do TEA.

AgradecimentosAgradecemos aos informantes deste estudo, que,

narrando suas experiências, ajudaram a ampliar nossos conhecimentos.

Artigo submetido em 01/11/2016, aceito em 15/03/2017.Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.Fontes de financiamento inexistentes.Correspondência: Márcia Cristina Maciel de Aguiar, Av. Dom João VI, 275, Brotas, CEP 40290-000, Salvador, BA. E-mail: [email protected]

Referências1. Tamanaha AC, Perssinoto J, Chiari BM. Uma breve

revisão histórica sobre a construção dos conceitos

Page 11: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

11Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

MÁRCIA CRISTINA MACIEL DE AGUIAR1, MILENA PEREIRA PONDÉ2

1 Professora auxiliar, Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, BA. Professora, Faculdade de Tecnologia e Ciências; doutoranda, Programa de Pós-Graduação, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. Pesquisadora, Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Autismo (LABIRINTO), Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. 2 Professora adjunta, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. Coordenadora, LABIRINTO, Salvador, BA.

do auti smo infanti l e da síndrome de Asperger. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13:296-9.

2. Associação Americana de Psiquiatria. Transtornos do neurodesenvolvimento. In: Associação Americana de Psiquiatria. Manual Diagnósti co e Estatí sti co de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-5). Porto Alegre: Artmed; 2014. p. 50-9.

3. Nunes DRP, Azevedo MQO, Schmidt C. Inclusão educacional de pessoas com auti smo no Brasil: uma revisão da literatura. Rev Educ Esp. 2013;26:557-72.

4. Camargo SPH, Bosa CA. Competência social, inclusão escolar e auti smo: revisão críti ca da literatura. Psicol Soc. 2009;21:65-74.

5. Matt os NM. Docência, coti diano escolar e inclusão: a percepção do professor sobre o medo e o preconceito na sala de aula. In: Meireles MM, Fernandes MCR. Educação, diversidade e diferenças: olhares (des)colonizados e territorialidade múlti plas. Curiti ba: CRV; 2015. p. 255-76.

6. Ochs E, Kremer-Sadlik T, Sirota KG, Solomon O. Auti sm and the social world: an anthropological perspecti ve. Discourse Stud. 2004;6:147-83.

7. Pondé MP, Rousseau C. Immigrant children with auti sm spectrum disorder: the relati onship between the perspecti ve of the professionals and the parents’ point of view. J Can Acad Child Adolesc Psychiatry. 2013;22:131-8.

8. Darghouth S, Pedersen D, Bibeau G, Rousseau C. Painful languages of the body: experiences of headache among women in two Peruvian communiti es. Cult Med Psychiatry. 2006;30:271-97.

9. Serra D. Sobre a inclusão de alunos com auti smo na escola regular. Quando o campo é quem escolhe a teoria. Psicologia. 2010;1:163-76.

10. Minayo MCS. O desafi o da pesquisa social. In: Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, método e criati vidade. 26ª ed. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 9-29.

11. Caregnato RCA, Mutti R. Pesquisa qualitati va: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto Contexto Enferm. 2006;15:679-84.

12. Gibbs G. Análise de dados qualitati vos. Porto Alegre: Artmed; 2009.

13. Brasil, Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466/12 [Internet]. 2012 Dez 12 [cited 2017 Apr 12]. bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html

14. Serra D. Entre a esperança e o limite: um estudo sobre a inclusão de alunos com auti smo em classes regulares [tese de doutorado]. Rio de Janeiro: Ponti fí cia Universidade Católica do Rio de Janeiro; 2008.

15. Goes RS. A escola de educação especial: uma escolha para crianças auti stas e com defi ciência intelectual associada de 0 a 5 anos [dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2012.

16. Serra D. Auti smo, família e inclusão. Polêmica. 2010;9:40-56.

17. Glat R, Pletsch MD. Inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. Rio de Janeiro: EDUERJ; 2011.

Page 12: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

ARTIGO

ANÚNCIO

ARTIGO

ANÚNCIO

Page 13: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

13Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

ARTIGO

ResumoAnti psicóti cos são uti lizados em diversos transtornos

mentais, o que torna imperati vo o estudo de seus efeitos adversos, de maneira a amenizá-los e permiti r melhor adesão ao tratamento. Distúrbios do movimento são adversidades comuns, e sua abordagem, em geral, se baseia na redução da dose, troca do anti psicóti co e/ou introdução de uma medicação anti colinérgica. O objeti vo deste estudo é realizar uma revisão sistemáti ca sobre o uso de medicações anti colinérgicas na abordagem de sintomas extrapiramidais causados por anti psicóti cos. Através desta revisão, será realizada uma análise críti ca sobre esse uso. A busca bibliográfi ca foi realizada através das bases de pesquisa PubMed e SciELO. Foram incluídos 24 dos 318 arti gos encontrados. Os arti gos foram organizados nos seguintes temas: efeitos anti colinérgicos de anti psicóti cos; distúrbios do movimento; anti psicóti cos tí picos e atí picos; polifarmácia de anti psicóti cos; uso crônico e desconti nuação de anti colinérgicos. O anti psicóti co em uso e a associação desses fármacos podem infl uenciar na prescrição de medicações anti colinérgicas e no aparecimento de sintomas extrapiramidais. Antes de iniciar o uso de uma medicação anti colinérgica, é importante que o clínico considere trocar o anti psicóti co em uso ou reduzir sua dose. A necessidade de uso de medicações anti colinérgicas deve ser revisada periodicamente e, quando possível, sua reti rada deve ser realizada de forma gradual. O uso profi láti co desses fármacos é contraindicado, e o uso terapêuti co deve ser evitado em idosos e em pacientes com discinesia tardia.

Palavras-chave: Antagonistas colinérgicos, anti psicóti cos, transtornos dos movimentos.

AbstractAnti psychoti cs are used to treat several mental disorders,

making it imperati ve to study their adverse eff ects in an att empt to alleviate symptoms and thus improve treatment adherence. Movement disorders are common adverse eff ects of these drugs, and their approach is generally based on dose reducti on, change of anti psychoti c drug, and/or introducti on of an anti cholinergic medicati on. The objecti ve of this study was to perform a systemati c review on the use of anti cholinergic medicati ons for the management of extrapyramidal symptoms caused by anti psychoti cs. This review will enable a criti cal analysis of such use. The literature was searched using the PubMed and SciELO databases. Out of 318 arti cles retrieved, 24 were included in the review. The papers were organized according to the following topics: anti cholinergic eff ects of anti psychoti cs; movement disorders; typical and atypical anti psychoti cs; anti psychoti c polypharmacy; chronic use and disconti nuati on of anti cholinergics. The anti psychoti c drug in use and the combined use of these medicati ons may infl uence the prescripti on of anti cholinergic medicati ons and the presence of extrapyramidal symptoms. Before starti ng to use an anti cholinergic medicati on, it is important that the clinician consider changing the anti psychoti c in use or reducing its dose. The need for anti cholinergic medicati ons should be regularly revised, and, whenever possible, gradually withdrawn. Prophylacti c use of these drugs is contraindicated, and its therapeuti c use should be avoided in the elderly and in pati ents with tardive dyskinesia.

Keywords: Cholinergic antagonists, anti psychoti c agents, movement disorders.

SERÁ QUE AS MEDICAÇÕES ANTICOLINÉRGICAS ESTÃO SENDO BEM UTILIZADAS? UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

ARE ANTICHOLINERGIC MEDICATIONS BEING WELL USED? A SYSTEMATIC REVIEW

ARTIGOARTIGO DE REVISÃOSIMÃO KAGANBRUNO BERTOLUCCI ORTIZANDRÉ MALBERGIERANDRÉ GUSTAVO FEITOSA FURTADOBERNARDO BANDUCCI RAHE

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-7-3-3

Page 14: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

14 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE REVISÃOSIMÃO KAGANBRUNO BERTOLUCCI ORTIZANDRÉ MALBERGIERANDRÉ GUSTAVO FEITOSA FURTADOBERNARDO BANDUCCI RAHE

intRoduçãoOs antipsicóticos (ATP) foram descobertos através

de observações clínicas casuais, na década de 1950, e sua introdução na prática psiquiátrica revolucionou a abordagem de diversas patologias1. O uso desses fármacos é frequente na prática médica, o que torna imperativo o estudo de seus efeitos indesejados, de maneira a amenizá-los e permitir melhor adesão medicamentosa. O primeiro ATP, a clorpromazina, recebeu a denominação de neuroléptico por induzir catalepsia em animais. Esse termo atualmente não se justifica, visto que não diz respeito aos efeitos terapêuticos desses fármacos, e sim a um efeito adverso.

Entre a diversidade de possíveis efeitos adversos causados pelos ATP, os distúrbios do movimento ocupam uma posição de destaque e decorrem do bloqueio de um número substancial de receptores D2 na via nigroestriatal do sistema nervoso central. Entre os distúrbios do movimento, destacam-se os sintomas extrapiramidais (SEP), que são efeitos colaterais comuns e podem gerar desconforto ao paciente e estigma social, além de prejudicar a adesão e a qualidade de vida2-4. Os termos alta potência e baixa potência são utilizados com frequência para discutir efeitos adversos de ATP, não para indicar sua efetividade clínica, mas sua afinidade pelos receptores dopaminérgicos D24.

A abordagem para SEP, em geral, baseia-se em redução de dose, troca de ATP e/ou introdução de uma medicação anticolinérgica (MAC), como o biperideno. O uso de fármacos com ação anticolinérgica deve ser ponderado com cautela, principalmente em idosos, sendo eles mais propensos aos efeitos colaterais por possíveis prejuízos no metabolismo ou eliminação dos fármacos, bem como alterações associadas à idade na transmissão colinérgica5,6.

Uma vez introduzida a MAC, há uma tendência a mantê-la por longos períodos sem reavaliações periódicas7. O uso prolongado de MAC é, com frequência, desnecessário e prejudicial ao paciente. Há também um consenso na comunidade médica de que a profilaxia com esses fármacos geralmente não é indicada para pacientes em uso de ATP1,8. As MAC são utilizadas no Brasil e no mundo, de forma aguda ou crônica, profilática ou terapêutica, em atendimentos de urgência e até mesmo como substâncias de abuso.

Este estudo tem por objetivo fazer uma revisão sistemática sobre o uso de MAC na abordagem de sintomas extrapiramidais causados por ATP. Através desta revisão, será realizada uma análise crítica sobre esse uso.

MétodosA busca bibliográfica para essa revisão foi realizada

através das bases de pesquisa PubMed e SciELO.Na PubMed, a busca foi realizada no dia 23 de Julho

de 2016, e os termos utilizados foram: anticholinergic ou biperiden associados a antipsychotic, com o filtro nos últimos 10 anos. A busca foi repetida no dia 02/01/2017, com os mesmos termos, à procura de artigos mais recentes.

Na SciELO, foram realizadas duas buscas no dia 06/01/2017, à procura de artigos publicados a partir de 2006, a primeira com o termo biperiden, e a segunda com anticholinergic.

Foram incluídos artigos na língua inglesa ou portuguesa, em pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, que tinham como temas centrais as MAC na abordagem de doenças mentais crônicas e/ou efeitos anticolinérgicos de ATP. Foram excluídos artigos realizados sobre o uso de MAC para doenças orgânicas ou em modelos animais. Artigos que não se enquadraram nos critérios de inclusão ou exclusão foram avaliados individualmente, com base na experiência dos autores deste estudo.

ResultadosOs resultados da busca bibliográfica e a seleção de

artigos encontram-se na Figura 1. Os artigos incluídos nesta revisão foram organizados nos seguintes temas: efeitos anticolinérgicos de ATP; distúrbios do movimento; ATP típicos e atípicos; polifarmácia de antipsicóticos (PAP); e uso crônico e descontinuação de MAC.

Efeitos anticolinérgicos de antipsicóticosDiversos psicotrópicos apresentam atividade

anticolinérgica e potencial para gerar efeitos adversos, como visão borrada, boca seca, constipação, retenção urinária, delirium, prejuízo cognitivo, entre outros4,6. Essa ação anticolinérgica é relevante em alguns ATP, como tioridazina, clorpromazina, olanzapina e clozapina4,6,9, e pode impactar na aderência ao tratamento e na

Page 15: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

15Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

SIMÃO KAGAN1, BRUNO BERTOLUCCI ORTIZ2, ANDRÉ MALBERGIER3, ANDRÉ GUSTAVO FEITOSA FURTADO1, BERNARDO BANDUCCI RAHE1

1 Departamento de Psiquiatria, Casa de Saúde Santa Marcelina, São Paulo, SP. 2 Programa de Esquizofrenia (PROESQ), Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP. 3 Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA), Departamento de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.ARTIGO

qualidade de vida de forma negati va5,6. As MAC podem potencializar os efeitos adversos anti colinérgicos que ocorrem no uso de ATP.

Distúrbios do movimentoEntre os possíveis efeitos adversos apresentados pelos

ATP, os distúrbios do movimento ocupam uma posição de destaque. Como já mencionado, sua abordagem baseia-se em redução da dose, troca do ATP e/ou introdução de uma MAC. Na práti ca da psiquiatria, as MAC são uti lizadas principalmente para tratamento de transtornos induzidos por ATP1,10,11. Por outro lado, o uso de MAC apresenta divergências na literatura quanto aos seus benefí cios na abordagem de acati sia e discinesia tardia.

Acati sia aguda induzida por ATP é um SEP descrito como uma inquietação desagradável e estressante ao paciente e pode, inclusive, prejudicar aderência ao tratamento3,12. Caso o estado clínico da patologia de base não permita troca ou redução de dose do ATP em uso, a associação de fármacos como

propranolol, benzodiazepínicos ou mirtazapina deve ser considerada3,12. O uso de MAC é descrito como uma possível abordagem, mas alguns estudos demonstram seu aparente valor terapêuti co limitado3,8,12.

Ao estudar SEP com foco em seu tratamento com MAC, é importante apontar que há estudos que sugerem que tais fármacos podem piorar discinesia tardia e que a redução de dose desses fármacos ou sua desconti nuação podem levar a alguma melhora dessa condição1,7,8.

Anti psicóti cos tí picos e atí picosComo uma classe, os ATP de primeira geração, ou

tí picos, são muitas vezes descritos como mais associados a distúrbios do movimento, mas isso é primariamente verdadeiro para medicações de alta potência e parece não ter relação com a geração do fármaco4,6. Ensaios clínicos randomizados e metanálises que consideraram os ATP de segunda geração como medicações de menor risco para SEP uti lizaram haloperidol, um ATP de alta potência, como comparati vo. Por outro lado, estudos recentes, que compararam ATP tí picos de menor

Figura 1 - Resultados da busca bibliográfi ca e seleção de arti gos.

Page 16: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

16 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE REVISÃOSIMÃO KAGANBRUNO BERTOLUCCI ORTIZANDRÉ MALBERGIERANDRÉ GUSTAVO FEITOSA FURTADOBERNARDO BANDUCCI RAHE

potência com ATP de segunda geração ou atípicos, não mostraram essa diferença4,13.

Peluso et al.13 realizaram uma análise secundária dos dados do estudo Cost Utility of the Latest Antipsychotics in Schizophrenia Study Band 1 (CUtLASS-1), que mostrou equivalência quanto a SEP entre ATP típicos e atípicos. Por outro lado, a prescrição de MAC foi mais frequente para pacientes em uso de fármacos de primeira geração. Os clínicos podem ser mais propensos a prescrever MAC para primeira geração por presumirem que eles geram mais SEP e/ou possuírem um menor limiar na detecção desses sintomas nesse grupo13,14. Em um estudo naturalístico com 1.215 pacientes realizado por De Hert et al.14, o uso de MAC foi maior em pacientes tratados com ATP de primeira geração com alta potência (em combinação com segunda geração ou não) quando comparados a pacientes tratados somente com segunda geração e combinação de segunda geração com primeira geração com baixa potência.

É possível que ATP de alta potência (como haloperidol, pimozida, risperidona e amissulprida) apresentem maior potencial de induzir SEP clinicamente significativos e maior prescrição simultânea de MAC. Tais situações parecem ocorrer mais frequentemente pelo fato de os ATP de alta potência apresentarem alta afinidade com neurorreceptores dopaminérgicos e baixa afinidade com muscarínicos, isto é, baixa atividade anticolinérgica6.

Polifarmácia de antipsicóticosA associação de psicotrópicos na abordagem dos

transtornos mentais é uma prática em expansão realizada por médicos generalistas e psiquiatras. A escolha do tratamento farmacológico com dois ou mais ATP recebe o nome de PAP e pode ser utilizada com expectativa de abreviar o tempo de início do efeito terapêutico, tratar sintomas residuais, reduzir a dose e efeitos colaterais da primeira medicação, e como medida após falha de clozapina e/ou eletroconvulsoterapia15. Por outro lado, permanece, em geral, desaconselhada por diretrizes de tratamento para esquizofrenia14,16.

A PAP está associada a aumento de uso de MAC15,17-19, talvez pelo aumento de dose equivalente de clorpromazina vinculado à PAP (≥ 1.000 mg de equivalentes de clorpromazina)18-20. Apenas um estudo

analisado21 não observou associação entre PAP e uso de MAC. Pacientes em polifarmácia ou em uso de MAC foram preditores de alta dosagem22. O uso elevado de MAC, encontrado em diversos estudos sobre PAP, pode indicar que clínicos apresentam risco de induzir SEP clinicamente relevante ao utilizar PAP17.

Além de influenciar a prescrição de fármacos com ação anticolinérgica, a polifarmácia aparenta carregar um peso maior de efeitos colaterais em comparação com o tratamento em monoterapia. Estudos avaliados encontraram associação entre PAP e parkinsonismo15, prejuízo cognitivo15, prejuízo em qualidade de vida23, redução de aderência por aumento de complexidade do tratamento20,23,24, aumento nos custos de saúde17,20,23,24, risco de interações medicamentosas23 e aumento de tempo de hospitalização17.

Megna et al.19 descreveram que a associação de ATP parece ser muito utilizada para pacientes refratários, inclusive antes do uso da clozapina. Nesse estudo, os clínicos prescritores não foram entrevistados quanto ao processo de decisão, o que torna possível que a clozapina aparente ser subutilizada por possuir riscos potencialmente graves, por opção do paciente ou dos familiares e/ou por ausência de adesão do paciente.

Em estudo realizado por Shinfuku et al.16, foi observado que associações de psicotrópicos na prática clínica são realizadas frequentemente sem tempo suficiente para ação do ATP e que a droga psicotrópica concomitante apresenta tendência a ser mantida. Há evidências que suportam a ideia de que a maioria dos pacientes ou uma considerável parcela poderiam ser convertidos de PAP para monoterapia15,17.

Uso crônico e descontinuação de medicações anticolinérgicasO uso prolongado de MAC é comum na prática

clínica em diversos países1. A necessidade de terapia continuada com MAC é com frequência não reavaliada, e muitos pacientes mantêm seu uso por anos e até décadas7. Um período de 3 meses de tratamento com MAC é citado como adequado para iniciar tentativas de descontinuação para pacientes com SEP controlado, e esses fármacos devem ser reduzidos de forma gradual para evitar rebote colinérgico e reemergência de SEP e limitar o risco de síndrome neuroléptica maligna7.

Page 17: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

17Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

SIMÃO KAGAN1, BRUNO BERTOLUCCI ORTIZ2, ANDRÉ MALBERGIER3, ANDRÉ GUSTAVO FEITOSA FURTADO1, BERNARDO BANDUCCI RAHE1

1 Departamento de Psiquiatria, Casa de Saúde Santa Marcelina, São Paulo, SP. 2 Programa de Esquizofrenia (PROESQ), Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP. 3 Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA), Departamento de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.ARTIGO

Estudos recentes sugerem prescrição de MAC com prudência, pois seu uso extensivo é com frequência desnecessário e prejudicial ao paciente, com potencial para afetar memória, atenção, função cogniti va e qualidade de vida, além de gerar boca seca, alterações urinárias e consti pação. A desconti nuação dessas medicações pode trazer benefí cios nessas esferas1,11,23.

Desmarais et al.7 realizaram um estudo de revisão que explorou a desconti nuação de MAC em pacientes em uso de ATP. Observaram que os estudos avaliados reportaram retorno de SEP entre 4 e 80%. Os estudos mostraram-se heterogêneos, e em muitos deles a reti rada da medicação foi abrupta.

Desmarais et al.8 realizaram um outro estudo prospecti vo com 20 pacientes em uso crônico de ATP e MAC, e 90% dos pacientes desconti nuaram os últi mos de forma gradual e sem efeito signifi cati vo no distúrbio do movimento ou psicopatologia. Dois pacientes foram reti rados do estudo por conta de acati sia.

Ogino et al.11 também conduziram um estudo prospecti vo com 34 pacientes, em que foi realizada redução gradual do biperideno em 24 deles. Os 10 pacientes restantes foram considerados como controles. O fármaco pôde ser desconti nuado em 95,8% dos pacientes sem efeitos colaterais signifi cati vos. Um paciente necessitou readministração do fármaco em dose baixa por sintomas suaves de reti rada, como humor ligeiramente elevado e leve agitação.

Além do biperideno, a orfenadrina foi um fármaco com ação anti colinérgica uti lizado na Noruega até 2005, quando foi reti rada do mercado por ser parti cularmente tóxica em doses elevadas. Gjerden et al.10 avaliaram 39.758 pacientes da região em 2004 e em 2007 e observaram que 28,4% dos pacientes persisti ram sem trocar o fármaco por outra MAC, reduzir dose ou trocar de ATP. O estudo também informa que os pacientes pareceram não precisar da medicação e até tolerar um leve aumento no uso de ATP sem necessidade de MAC.

A desconti nuação de biperideno em 1 mg a cada 2-4 semanas parece apresentar bons resultados11, e a redução em 4 semanas parece uma boa opção para outras MAC, sendo o fármaco reduzido para aproximadamente 75% de sua dose inicial na primeira semana, 50% na segunda, 25% na terceira, 12,5% na quarta e suspenso a parti r da quinta semana8. A desconti nuação destes fármacos

pode apresentar vantagens cogniti vas em alguns pacientes, e é importante realizar uma cuidadosa revisão das medicações e redução daquelas com propriedades anti colinérgicas antes de realizar outras medidas para melhorar a cognição8,11.

discussãoConforme observamos nos arti gos, o ATP em uso e a

associação de ATP podem infl uenciar na prescrição de MAC e no aparecimento de SEP. Parece haver uma equivalência entre ATP tí picos e atí picos quanto à probabilidade de gerar SEP, com exceção aos fármacos com alta afi nidade dopaminérgica, que são mais associados a esse grupo de sintomas. Ainda assim, como dito acima, os clínicos podem ser mais inclinados a prescrever MAC para ATP tí picos por presumirem que eles geram mais SEP e/ou por possuírem um menor limiar na detecção desses sintomas nesse grupo13,14. A PAP está associada ao aumento de uso de MAC, o que pode indicar que essa estratégia clínica apresenta maior risco de induzir SEP17. Os psicotrópicos podem apresentar alta afi nidade a receptores colinérgicos, e os clínicos devem fi car atentos para efeitos colaterais anti colinérgicos, principalmente se houver necessidade de associar uma MAC.

Em termos de implicações clínicas, a presente revisão sugere que, antes de associar uma MAC na abordagem para SEP, o clínico considere reduzir a dose ou trocar o ATP em uso. Além disso, a prescrição de MAC deve ser reservada para tratamento de efeitos colaterais de ATP, sendo o seu uso profi láti co evitado, já que o uso crônico é com frequência desnecessário e prejudicial ao paciente. É também importante considerar que as MAC devem ser evitadas em idosos, parecem ter efeito terapêuti co limitado em acati sia, e seu uso é contraindicado na abordagem de discinesia tardia, podendo inclusive piorar esse efeito adverso.

O uso de MAC por 3 meses é citado como um período adequado para iniciar tentati vas de desconti nuação em pacientes com SEP controlado, sendo esses fármacos reduzidos de forma gradual para evitar rebote colinérgico e reemergência de SEP e limitar o risco de síndrome neurolépti ca maligna7.

A principal limitação do presente estudo é que a busca bibliográfi ca pode não ter incluído arti gos relevantes anteriores ao período avaliado, que não se encontram

Page 18: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

18 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE REVISÃOSIMÃO KAGANBRUNO BERTOLUCCI ORTIZANDRÉ MALBERGIERANDRÉ GUSTAVO FEITOSA FURTADOBERNARDO BANDUCCI RAHE

nas bases de dados utilizadas ou utilizam diferentes palavras-chave.

AgradecimentosAgradecemos à equipe de saúde mental do Hospital

Santa Marcelina do Itaim Paulista, à Dra. Emi Carneiro Bragiato, à Suely Pfeferman Kagan, à Angela Alves Correia de Souza e à Paula Brumer Franceschini pelo apoio e colaboração.

Artigo submetido em 24/01/2017, aceito em 15/03/2017.Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.Correspondência: Simão Kagan, Hospital Santa Marcelina do Itaim Paulista, Av. Marechal Tito, 6035, Itaim Paulista, CEP 08115-100, São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

Referências1. Ogino S, Miyamoto S, Miyake N, Yamaguchi

N. Benefits and limits of anticholinergic use in schizophrenia: Focusing on its effect on cognitive function. Psychiatry Clin Neurosci. 2014;68: 37-49.

2. Schoretsanitis G, Haen E, Hiemke C, Gründer G, Stegmann B, Schruers KR, et al. Risperidone-induced extrapyramidal side effects: is the need for anticholinergics the consequence of high plasma concentrations? Int Clin Psychopharmacol. 2016;31:259-64.

3. Laoutidis ZG, Luckhaus C. 5-HT2A receptor antagonists for the treatment of neuroleptic-induced akathisia: a systematic review and meta-analysis. Int J Neuropsychopharmacol. 2013;17:823-32.

4. Muench J, Hamer AM. Adverse effects of antipsychotic medications. Am Fam Physician. 2010;81:617-22.

5. Ozbilen M, Adams CE, Marley J. Anticholinergic effects of oral antipsychotic drugs of typicals versus atypicals over medium- and long-term: systematic review and meta-analysis. Curr Med Chem. 2012;19:5214-8.

6. Ozbilen M, Adams CE. Systematic overview of cochrane reviews for anticholinergic effects of

antipsychotic drugs. J Clin Psychopharmacol. 2009;29:141-6.

7. Desmarais JE, Beauclair L, Margolese HC. Anticholinergics in the era of atypical antipsychotics: short-term or long-term treatment? J Psychopharmacol. 2012;26:1167-74.

8. Desmarais JE, Beauclair L, Annable L, Bélanger MC, Kolivakis TT, Margolese HC. Effects of discontinuing anticholinergic treatment on movement disorders, cognition and psychopathology in patients with schizophrenia. Ther Adv Psychopharmacol. 2014;4:257-67.

9. Chew ML, Mulsant BH, Pollock BG, Lehman ME, Greenspan A, Mahmoud RA, et al. Anticholinergic activity of 107 medications commonly used by older adults. J Am Geriatr Soc. 2008;56: 1333-41.

10. Gjerden P, Slørdal L, Bramness JG. The use of antipsychotic and anticholinergic antiparkinson drugs in Norway after the withdrawal of orphenadrine. Br J Clin Pharmacol. 2009;68: 238-42.

11. Ogino S, Miyamoto S, Tenjin T, Kitajima R, Ojima K, Miyake N, et al. Effects of discontinuation of long-term biperiden use on cognitive function and quality of life in schizophrenia. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2011;35:78-83.

12. Baskak B, Atbasoglu EC, Ozguven HD, Saka MC, Gogus AK. The effectiveness of intramuscular biperiden in acute akathisia: a double-blind, randomized, placebo-controlled study. J Clin Psychopharmacol. 2007;27:289-94.

13. Peluso MJ, Lewis SW, Barnes TR, Jones PB. Extrapyramidal motor side-effects of first and second-generation antipsychotic drugs. Br J Psychiatry. 2012;200:387-92.

14. De Hert M, Wampers M, van Winkel R, Peuskens J. Anticholinergic use in hospitalised schizophrenic patients in Belgium. Psychiatry Res. 2007;152: 165-72.

15. Gallego JA, Nielsen J, De Hert M, Kane JM, Correll CU. Safety and tolerability of antipsychotic polypharmacy. Expert Opin Drug Saf. 2013;11: 527-42.

Page 19: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

19Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

SIMÃO KAGAN1, BRUNO BERTOLUCCI ORTIZ2, ANDRÉ MALBERGIER3, ANDRÉ GUSTAVO FEITOSA FURTADO1, BERNARDO BANDUCCI RAHE1

1 Departamento de Psiquiatria, Casa de Saúde Santa Marcelina, São Paulo, SP. 2 Programa de Esquizofrenia (PROESQ), Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP. 3 Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA), Departamento de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.ARTIGO

16. Shinfuku M, Uchida H, Tsutsumi C, Suzuki T, Watanabe K, Kimura Y, et al. How psychotropic polypharmacy in schizophrenia begins: a longitudinal perspecti ve. Pharmacopsychiatry. 2012;45:133-7.

17. Gallego JA, Bonetti J, Zhang J, Kane JM, Correll CU. Prevalence and correlates of anti psychoti c polypharmacy: a systemati c review and meta-regression of global and regional trends from the 1970s to 2009. Schizophr Res. 2012;138:18-28.

18. Ghio L, Natt a W, Gotelli S, Ferrannini L; Research Group. Anti psychoti c uti lisati on and polypharmacy in Italian residenti al faciliti es: a survey. Epidemiol Psychiatr Sci. 2011;20:171-9.

19. Megna JL, Kunwar AR, Mahlotra K, Sauro MD, Devitt PJ, Rashid A. A study of polypharmacy with second generati on anti psychoti cs in pati ents with severe mental illness. J Psychiatr Pract. 2007;13:129-37.

20. Konti s D, Theochari E, Kleisas S, Kalogerakou S, Andreopoulou A, Psaras R, et al. Doubtf ul associati on of anti psychoti c polypharmacy

and high dosage with cogniti on in chronic schizophrenia. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2010;34:1333-41.

21. Lerma-Carrillo I, de Pablo Brühlmann S, del Pozo ML, Pascual-Pinazo F, Molina JD, Baca-García E. Anti psychoti c polypharmacy in pati ents with schizophrenia in a brief hospitalizati on unit. Clin Neuropharmacol. 2008;31:319-32.

22. Adesola A, Anozie I, Erohubie P, James B. Prevalence and correlates of “high dose” anti psychoti c prescribing: Findings from a hospital audit. Ann Med Health Sci Res. 2013;3:62-6.

23. Chakos MH, Glick ID, Miller AL, Hamner MB, Miller DD, Patel JK, et al. Baseline use of concomitant psychotropic medicati ons to treat schizophrenia in the CATIE trial. Psychiatr Serv. 2006;57:1094-101.

24. Kim HY, Lee HW, Jung SH, Kang MH, Bae JN, Lee JS, et al. Prescripti on patt erns for pati ents with schizophrenia in Korea: a focus on anti psychoti c polypharmacy. Clin Psychopharmacol Neurosci. 2014;12:128-36.

19Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

Page 20: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

ANÚNCIOANÚNCIO

Page 21: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

ANÚNCIO

Page 22: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

22 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIORRENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHIFERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO

ResumoA narcolepsia é uma doença subestimada, e o

tempo para o seu diagnóstico é de cerca de 10 anos. O objetivo do presente trabalho é trazer, para os médicos – particularmente os psiquiatras – e para todos os profissionais da área da saúde, a necessária conscientização acerca da importância de se levar em conta a narcolepsia em seus pacientes na prática clínica diária. O impacto negativo da narcolepsia na qualidade de vida é significativo e comparável àquele da epilepsia ou da esquizofrenia. O diagnóstico se caracteriza pela presença de cinco sintomas cardiais: sonolência excessiva diurna; cataplexia; paralisia do sono; alucinações; e fragmentação do sono noturno. O teste de latências múltiplas do sono, após uma polissonografia basal, se presta para confirmar o diagnóstico. A associação com transtornos depressivos, bipolares e ansiosos é muito prevalente em pacientes com narcolepsia. O tratamento desses pacientes se dá com estimulantes e doses baixas de antidepressivos. Interessantemente, a retirada abrupta de antidepressivos pode gerar uma síndrome transitória assemelhada à cataplexia. Outro achado comum em pacientes com narcolepsia é o transtorno comportamental do sono REM após o uso de antidepressivos. O emprego de psicoestimulantes, usados na narcolepsia para controle da sonolência excessiva diurna, pode acompanhar-se de uma psicose paranoide, assemelhada à esquizofrenia. O diagnóstico, o tratamento e o manejo da narcolepsia associada com comorbidades representam um desafio a ser valorizado.

Palavras-chave: Narcolepsia, cataplexia, hipersonolência, hipocretina (orexina), alucinação, paralisia do sono.

AbstractNarcolepsy is an underestimated disease that takes

about 10 years to be diagnosed. The objective of the present study was to raise the awareness of physicians in general, and psychiatrists in particular, about the importance of considering narcolepsy in their patients in daily clinical practice. The negative impact of narcolepsy on quality of life is significant and comparable to that of epilepsy or schizophrenia. Diagnosis is characterized by the presence of five cardinal symptoms: excessive daytime sleepiness; cataplexy; sleep paralysis; hallucinations; and fragmentation of nocturnal sleep. The multiple sleep latency test is used after a baseline polysomnography to confirm diagnosis. Associated depression, bipolar and anxiety disorders are highly prevalent in patients with narcolepsy. Patients with narcolepsy are treated with stimulants and low doses of antidepressants. Interestingly, the abrupt withdrawal of antidepressants can cause a transient syndrome similar to cataplexy. Another common finding in patients with narcolepsy is REM sleep behavior disorder after the use of antidepressants. The use of psychostimulants, employed in narcolepsy for excessive daytime sleepiness control, can be accompanied by paranoid psychosis, similar to schizophrenia. The diagnosis, treatment, and management of narcolepsy associated with comorbidities are a challenge and should be given due consideration.

Keywords: Narcolepsy, cataplexy, hypersomnolence, hypocretin (orexin), hallucination, sleep paralysis.

intRoduçãoA narcolepsia é uma doença multissistêmica crônica

que cursa com recorrentes episódios de sono irresistível,

NARCOLEPSIA: O DESPERTAR PARA UMA REALIDADE SUBESTIMADA

NARCOLEPSY: AWAKENING TO AN UNDERESTIMATED REALITY

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-7-3-4

Page 23: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

23Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

ALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIOR1,3, RENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHI1,2, FERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO1,2

1 Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Departamento de Saúde Mental, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.ARTIGO

manifestações neurológicas e psiquiátricas. Seu impacto na qualidade de vida é bastante relevante e pode ser comparado àquele da epilepsia ou da esquizofrenia. Embora tenha início geralmente na segunda ou terceira décadas de vida, cerca de 10% dos casos se iniciam na infância. A narcolepsia ocorre igualmente em ambos os sexos.

A demora para o diagnósti co é esti mada em cerca de 10 anos, período assemelhado àquele para o diagnósti co do transtorno bipolar. Interessantemente, o tempo do diagnósti co pode ser o dobro nas mulheres em comparação aos homens em alguns locais do mundo, dependendo da cultura e da religião. Muitos médicos – psiquiatras aqui incluídos – e outros profi ssionais da área da saúde não estão familiarizados com a narcolepsia. A incapacidade para reconhecer os seus sintomas é a razão subjacente mais provável ao subdiagnósti co. Esti ma-se que cerca da metade dos narcolépti cos permaneça sem diagnósti co1,2. A prevalência esti mada da narcolepsia é de 1/4.000 em indivíduos brancos, chineses e árabes (Arábia Saudita); 1/2.000 em judeus (talvez devido à elevada prevalência do alelo HLA-DR2 nessa população); e chega a 1/1.600 no Japão3.

O objeti vo deste arti go é mostrar, ao médico – parti cularmente ao psiquiatra – e a outros profi ssionais da área da saúde, a dimensão da relevância de se reconhecer um quadro de narcolepsia em sua práti ca clínica diária. Atualmente, durante o longo lapso de tempo até um diagnósti co de narcolepsia ser fi rmado, esses pacientes estão expostos a tratamentos psicofarmacológicos sintomáti cos (esti mulantes, anti depressivos, ansiolíti cos, neurolépti cos e outros), muitas vezes em complexas associações, visando aos múlti plos sinais e sintomas psiquiátricos apresentados pelos narcolépti cos. Se o diagnósti co de narcolepsia for mais precoce, haverá maior racionalidade no emprego de psicofármacos nessa população. Ancorada nas perturbações do ciclo sono-vigília e em suas conexões com o metabolismo das hipocreti nas – neuropeptí deos que regulam a estabilidade da vigília e da consciência, integrando informações homeostáti cas, metabólicas e límbicas –, a insti gante fi siopatologia da narcolepsia representará uma abertura para novos conceitos, fazendo com que se amplie ainda mais o campo da psicopatologia4.

HistóRicoGélineau (1888) descreveu ataques (lepsia) de sono

(narco); Lowenfi eld (1902) demonstrou paralisia muscular relacionada à emoção, sem alteração da consciência (cataplexia); Wilson (1928) descreveu pacientes com a paralisia do sono; Lhermite (1928) relatou pacientes com alucinações hipnagógicas; e Daniels (1930) associou os quatro quadros para cunhar a tétrade de Gélineau: sonolência excessiva diurna (SED), cataplexia, paralisia do sono e alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas5.

nosologia atualA 5ª edição do Manual Diagnósti co e Estatí sti co

de Transtornos Mentais (DSM-5), em seu capítulo “Transtornos do sono-vigília”, traz uma seção denominada “Transtorno de hipersonolência” (780.54, G47.10)6. A fi losofi a, no DSM-5, é agrupar, sob um único guarda-chuva, os diversos quadros clínicos conhecidos nessa área. Já a Classifi cação Internacional dos Distúrbios do Sono, em sua 3ª edição (ICSD-3), a mais recente (2014), trabalha com uma fi losofi a de distribuir em vez de agrupar7. A ICSD-3 considera as seguintes hipersonolências de origem central: 1) narcolepsia ti po I; 2) narcolepsia ti po II; 3) hipersonolência idiopáti ca; 4) síndrome de Kleine-Levin; 5) hipersonolência devida a um distúrbio médico; 6) hipersonolência devida a medicação ou substância; 7) hipersonolência associada a transtornos psiquiátricos; 8) síndrome do sono insufi ciente.

alteRação do sono ReMUm signifi cati vo fenômeno patológico na narcolepsia

é a desregulação do controle do sono REM (rapid eye movement). O sono REM normal caracteriza-se por: a) sonhos vívidos e que podem ter um enredo; b) movimentos rápidos dos olhos; e c) atonia de quase toda a musculatura esqueléti ca, à exceção daquela respiratória e extrínseca dos olhos. Em pessoas normais, o sono REM ocupa ao redor de 20 a 25% do sono noturno, habitualmente. Em pacientes com narcolepsia, surgem intrusões do sono REM na vigília, a qualquer momento de seu dia, gerando estados de consciência intermediários entre a vigília e o sono, com fenômenos relacionados ao sono REM, como a cataplexia, a paralisia do sono e alucinações8,9.

Page 24: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

24 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIORRENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHIFERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO

HipocRetina (oRexina)A hipocretina-1 e a hipocretina-2 são distintos

neuropeptídeos neurotransmissores, produzidos em cerca de 100.000 a 200.000 neurônios, localizados nos núcleos, no hipotálamo lateral. A hipocretina está intimamente relacionada à regulação de sono e vigília. O sistema hipocretinérgico interage com os sistemas monoaminérgico e colinérgico para gerar a manutenção da vigília e com o sistema GABAérgico para gerar a manutenção do sono10. A deficiência de hipocretina causa uma instabilidade regulatória com excessivas passagens rápidas da vigília para o sono e do sono para a vigília. Durante o dia, há ataques de sono e de cataplexia, e, à noite, há a fragmentação do sono.

A narcolepsia em cães é causada por alterações na estrutura do receptor da hipocretina-2, com padrão genético mendeliano bem conhecido. Entretanto, na maioria dos casos de narcolepsia humana, existe uma produção insuficiente de hipocretina no hipotálamo lateral, com uma redução mensurável no nível de hipocretina-1 liquórica (≤ 110 pg/mL), o que representa uma redução nas conexões em todo o sistema nervoso central. A destruição das células produtoras de hipocretina por mecanismo autoimune, após interação com infecções por vírus ou bactérias, é a teoria fisiopatológica mais aceita11. A narcolepsia se associa fortemente ao alelo HLA-DQB1*0602 do sistema HLA (human leucocyte antigen), principalmente em pacientes com narcolepsia e cataplexia, chegando ao redor de 95%.

Os agonistas dos receptores hipocretinérgicos, no futuro, poderão substituir os estimulantes de hoje, com menos efeitos indesejáveis, pela maior especificidade. Os antagonistas duais dos receptores hipocretinérgicos (dual orexin receptor antagonists – DORA) bloqueiam a atividade dos receptores de hipocretina-1 e hipocretina-2. Prestam-se para o tratamento de insônia, sendo que o suvorexant já se encontra disponível no mercado. Os DORA promovem tanto o sono REM quanto o sono não REM, diferindo, portanto, das drogas hipnóticas que modulam GABA12. Também há interessantes estudos sobre o seu potencial para a neuroproteção na doença de Alzheimer e para o controle da obesidade13.

sintoMatologiaCinco sintomas cardiais formam a base clínica para

o diagnóstico da narcolepsia: 1) SED; 2) cataplexia; 3) paralisia do sono; 4) alucinações do sono; 5) fragmentação do sono noturno2,7-9. Diversos outros sintomas podem estar presentes, como o comportamento automático14,15, e outros sintomas psiquiátricos, como ansiosos e depressivos16.

sonolência excessiva diuRnaEm geral, é o primeiro sintoma a surgir. É também o

sintoma mais prevalente na narcolepsia, ocorrendo em até 91% desses pacientes17. A ociosidade, a prática tão somente de atividades sedentárias em ambientes fechados, a temperatura ambiente elevada e uma refeição pesada são quatro fatores que caracteristicamente potencializam os irresistíveis e indesejados ataques de sono. A duração desse sono varia entre alguns poucos minutos até, menos frequentemente, mais que 1 hora, se o paciente se deitar confortavelmente. Sem que o paciente tenha completo conhecimento, curtos episódios de sono podem ocorrer repetidas vezes por dia, piorando o desempenho no trabalho, causando esquecimentos e gerando automatismos da linguagem, gestuais e deambulatórios. O paciente pode ficar irresistivelmente sonolento e adormecer em horários e lugares muito inapropriados. Também pode haver prolongado cansaço durante todo o dia. A SED pode surgir mesmo após uma noite completa de sono, pois os narcolépticos não conseguem obter um sono profundo e restaurador. Breves cochilos (ao redor de 20 minutos), programados ao longo do dia, geram sensação de bem-estar e alívio temporário da sonolência. É importante ressaltar que são muitas as causas de SED e que várias destas são mais encontradiças nos pacientes com narcolepsia. Entre as causas de SED listadas na Tabela 1, há que se dar destaque especial, por sua elevada frequência, à privação de sono e ao uso de substâncias sedativas, como o álcool e os medicamentos sedativos. A escala de sonolência de Epworth (Figura 1) é empregada tanto para se quantificar a SED como para se mensurar a melhora clínica de um paciente narcoléptico após o início do tratamento18. Sua pontuação varia de 0 a 24, sendo normais os valores até nove.

Page 25: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

25Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

ALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIOR1,3, RENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHI1,2, FERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO1,2

1 Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Departamento de Saúde Mental, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.ARTIGO

Tabela 1 - Diagnósti co diferencial da sonolência excessiva diurna1 Privação de sono2 Uso de sedati vos3 Transtornos psiquiátricos

Transtornos depressivos (depressão atí pica) e bipolares, transtornos ansiosos, transtornos aditi vos/relacionados a substâncias, transtornos de sintomas somáti cos e outros

4 Desordens próprias do sonoApneia obstruti va de sono, insônia, síndrome de pernas inquietas, desordens do ritmo circadiano e outras

5 Doenças médicasAnemias, defi ciências de vitaminas, doença renal crônica, obesidade, hipoti reoidismo, diabetes mellitus, encefalopati a hepáti ca e outras

6 Condições neurológicas e neurocirúrgicasTraumati smo cranioencefálico, tumores do sistema nervoso central, distrofi a miotônica, doença de Parkinson, esclerose múlti pla e outras

7 Narcolepsia e outros transtornos de hipersonolência central

Escala de sonolência de Epworth Qual a probabilidade de você cochilar ou dormir, e não apenas se senti r cansado, nas seguintes situações?

Considere o modo de vida que você tem levado recentemente. Mesmo que você não tenha feito algumas destas coisas recentemente, tente imaginar como elas o afetariam. Escolha o número mais apropriado para responder cada questão.

0 = nunca cochilaria1 = pequena probabilidade de cochilar2 = probabilidade média de cochilar3 = grande probabilidade de cochilar

1. Sentado e lendo:2. Vendo TV:3. Sentado em um lugar público, sem ati vidade (sala de espera, cinema, reunião):4. Como passageiro de trem, carro ou ônibus andando uma hora sem parar:5. Deitado para descansar à tarde, quando as circunstâncias permitem:6. Sentado e conversando com alguém:7. Sentado, calmamente, após almoço sem álcool:8. Se esti ver de carro, enquanto para por alguns minutos no trânsito intenso:

Figura 1 - Escala de sonolência de Epworth. Adaptado de Bertolazi et al.18.

Page 26: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

26 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIORRENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHIFERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO

cataplexiaA cataplexia (do grego κατά, kata, para baixo, e πληξία,

plēxis, ataque) se caracteriza por episódios de curta duração de paralisia da musculatura voluntária, com perda do tônus muscular, parcial ou completa, também relatada como segmentar ou generalizada, que surgem de modo abrupto e desencadeados por emoções fortes. Muitas vezes, são emoções positivas, como o riso por uma piada ou a alegria de encontrar um amigo. Mas também podem se dar por emoções negativas, como a raiva e a frustração. O episódio de cataplexia ocorre em câmera lenta e não é comum haver ferimentos, como se dá em crises epilépticas9. O paciente permanece no episódio de fraqueza muscular com a consciência inteiramente intacta e a musculatura respiratória preservada. Com frequência, a paralisia se inicia pela face e pescoço, para depois evoluir para o tronco e os membros, ao

longo de vários segundos. Quando a fraqueza muscular é incompleta, em um episódio catapléxico parcial, a fala é arrastada ou há uma fraqueza generalizada, com acometimento dos músculos da face. Crianças narcolépticas podem permanecer longos períodos com o tônus muscular reduzido, o que gera movimentos orais (abertura da boca, com protusão lingual e caretas) e marcha instável. No início da doença na criança, a cataplexia pode ter características atípicas, sem ainda se desencadear pelas emoções fortes. A presença de cataplexia caracteriza clinicamente o paciente com narcolepsia tipo I. A cataplexia é aquele sintoma que mais prediz a deficiência de hipocretina no líquido cefalorraquiano. Estima-se a prevalência da cataplexia em cerca de 60 a 90% dos pacientes narcolépticos19. Na Tabela 2, relacionam-se as drogas que podem ajudar no tratamento da narcolepsia.

Tabela 2 - Tratamento farmacológico da narcolepsia no adultoDrogas anti-hipersonolência Drogas anticataplexia

Medicação Dose diária Medicação Dose diáriaMetilfenidato 10-60 mg Imipramina 25-200 mg

Modafinil 50-400 mg Clomipramina 25-200 mgLisdexanfetamina 30-50 mg Fluoxetina 20-60 mg

Atomoxetina 10-25 mg Duloxetina 30-60 mgOxibato de sódio 6-9 g Citalopram 20-40 mg

Venlafaxina 75-300 mg

paRalisia do sonoA paralisia do sono ocorre na entrada ou na saída do

sono. O paciente desperta durante a atonia do sono REM. O paciente se mantém acordado e consegue se lembrar do fenômeno posteriormente, mas, paralisado, não consegue mover os membros, falar ou inspirar profundamente. A paralisia do sono pode ser completa ou parcial20. Costuma ser um fenômeno assustador, particularmente quando acompanhado de fenômenos alucinatórios, muitas vezes com alucinações vívidas, como em um filme ou um sonho21. Diversos pacientes relatam medo de morrer, particularmente nas primeiras vezes em que esse fenômeno se dá. Deve-se orientar

o paciente a valer-se da capacidade de movimentar os olhos para os lados, a qual não está impedida pela atonia do REM. A partir desses movimentos laterais dos olhos, os demais movimentos gradualmente vão surgindo. A paralisia do sono também pode ocorrer em pacientes não narcolépticos ou que não apresentam outros problemas médicos, sendo então considerada uma paralisia de sono isolada, podendo ser recorrente22.

alucinações Hipnagógicas e HipnopôMpicasQuase sempre desagradáveis, as alucinações hipnagógicas

(ao entrar no sono) e as alucinações hipnopômpicas (ao sair do sono) na narcolepsia são geralmente mais visuais e táteis.

Page 27: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

27Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

ALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIOR1,3, RENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHI1,2, FERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO1,2

1 Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Departamento de Saúde Mental, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.ARTIGO

Considera-se que as alucinações hipnopômpicas sejam mais característi cas da narcolepsia que aquelas hipnagógicas. Os elementos mais frequentes nas alucinações visuais são formas simples e coloridas, constantes ou em modifi cação. As alucinações hipnopômpicas podem ser multi ssensoriais e muito vívidas, com um conteúdo semelhante àquele de um sonho, levando o paciente a agir ao despertar, por vezes tomando providências, como, por exemplo, buscar ajuda contra um intruso em sua casa. Muitas vezes, é muito difí cil disti nguir aquilo que é conteúdo de sonho daquilo que é fenômeno alucinatório, sendo que a vividez intensa tende a aproximar ambos ti pos de experiência. Hobson et al. observam que o engajamento do campo visual ajuda a disti nguir entre sonho e alucinação hipnagógica visual23. O sonho tende a preencher todo o campo visual e conta com a parti cipação ati va do sonhador em seu interior. A alucinação visual tende a ocupar o centro, fi cando o alucinador como um observador à parte. As alucinações que se dão no sono da noite tendem a ser mais relacionadas com a narcolepsia, mas na narcolepsia há os cochilos diurnos (e com presença de sono REM). Os fenômenos alucinatórios que aparecem nesses pacientes durante o dia podem ter origem na própria narcolepsia ou em transtornos psicóti cos. O predomínio de alucinações visuais falará a favor da narcolepsia. As alucinações táteis na narcolepsia incluem sensações de receber toques leves no corpo e esfregar. Embora ainda pouco estudado, o conteúdo das alucinações na narcolepsia tende a ser afeito a ataques e agressões, similares a pesadelos do sono REM. É incomum na narcolepsia a presença de alucinações auditi vas complexas ou de alucinações associadas a delírios fi xos, elementos psicopatológicos mais encontrados em transtornos psicóti cos. Foram descritas alucinações sexuais complexas e alucinações com levitação e experiências extracorporais24. Esti ma-se que alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas estão presentes em cerca de 30 a 40% dos pacientes narcolépti cos19.

FRagMentação do sono notuRnoCaracteristi camente, o sono do narcolépti co é

interrompido por repeti dos despertares. Além da difi culdade primária de manutenção do sono, própria da defi ciência de hipocreti na, pode haver, em associação, difi culdades secundárias de se manter o sono, devido a certos transtornos de sono associados à narcolepsia,

como, por exemplo, a síndrome da apneia obstruti va de sono, os movimentos periódicos dos membros e o transtorno comportamental do sono REM, que são comuns nesses pacientes25.

diagnósticoPara quanti fi cação da sonolência diurna, usamos

a escala de sonolência de Epworth (Tabela 3). O diagnósti co da narcolepsia é estabelecido por critérios clínicos, eletrofi siológicos e pelo nível de hipocreti na-1 no líquido cefalorraquidiano. A ICSD-3 defi ne o critério para narcolepsia como: teste de múlti plas latências do sono (TMLS) com média das latências menor ou igual a 8 minutos, além de dois ou mais episódios de sono REM nos cochilos (sleep onset REM period – SOREMP), podendo ser somado um REM precoce (menor do que 15 minutos) da polissonografi a (PSG) que antecede o TMLS. O TMLS é realizado no dia seguinte a uma PSG noturna com duração de pelo menos 6 horas. Somente é realizado se não houver nessa PSG a presença de transtornos respiratórios ou de movimento que expliquem a SED do paciente. A montagem da PSG é parcialmente desfeita, à exceção das montagens eletroencefalográfi ca, eletromiograma mentoniano e eletro-oculograma. O TMLS consiste em cinco oportunidades de cochilos, sendo o primeiro 2 horas após despertar. A seguir, a cada 2 horas, é dada ao paciente uma nova oportunidade de dormir, que terminará após 15 minutos em caso de haver sono e após 20 minutos em caso de não haver sono. Uma média das latências para o sono inferior a 10 minutos nas cinco oportunidades para dormir é anormal. Nos cochilos diurnos, normalmente não há sono REM. O diagnósti co de narcolepsia é confi rmado com a média das múlti plas latências abaixo de 8 minutos e com a presença de dois ou mais SOREMP.

A dosagem de hipocreti na-1 no líquido cefalorraquidiano deve ser realizada sempre que houver dúvida, clínica ou eletrofi siológica26. A hipocreti na-1 abaixo de 110 pg/mL ou a queda de um terço do valor de uma dosagem anterior (crianças e adolescentes iniciando a doença) são característi cas de narcolepsia ti po I. Os pacientes com narcolepsia ti po II possuem, usualmente, níveis de hipocreti na-1 maior do que 200 pg/mL e não apresentam cataplexia. Atualmente, a presença do alelo HLA-DQB1*0602 não faz parte dos critérios diagnósti cos para narcolepsia e é tão somente objeti vo de pesquisa.

Page 28: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

28 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIORRENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHIFERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO

naRcolepsia e tRanstoRnos depRessivos/bipolaRes e ansiososÉ elevada a prevalência da narcolepsia com sintomas

e transtornos depressivos, bipolares e ansiosos. Ohayon comparou um grupo de pacientes narcolépticos (n = 320) com uma amostra representativa da população geral (n = 1.464), usando critérios diagnósticos da 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – versão revisada (DSM-IV-TR) (Tabela 3)27. Constatou que 27% dos narcolépticos apresentavam algum transtorno depressivo – sendo que, destes, 17% tinham transtorno depressivo maior, em comparação com 6,4% dos controles – e que 37% usavam medicamentos antidepressivos, números cerca de três vezes superiores àqueles da população geral. O transtorno bipolar aparece em 8,5% dos narcolépticos e em 1,9% dos controles, havendo aqui um elevado odds ratio de 4,6. A elevada prevalência de transtorno de ansiedade social – 21% dos narcolépticos, contra 8,7 dos controles – também se impõe como um fenômeno a ser destacado. Ao estudar 51 pacientes narcolépticos consecutivos em Innsbruck, Zamarian et al. detectaram que os sintomas depressivos e a SED exercem relevante papel na gênese das queixas cognitivas e atencionais desses pacientes28. A sintomatologia depressiva, mesmo quando leve, se associa a essas queixas. Assim, recomendam orientar esses pacientes quanto à subjetividade dessas percepções de problemas cognitivos, apontando que é

Tabela 3 - Transtornos mentais em narcolépticos e controles

Transtorno Narcolepsia (%) Controles (%)

Odds ratio ajustado

Transtorno depressivo maior 17,1 6,4 2,7Transtorno bipolar 8,5 1,9 4,6Transtorno de estresse pós-traumático 11,3 5,3 2,1Transtorno de pânico 12,5 3,9 3,2Agorafobia 8,5 1,3 6,5Fobia específica 5,2 1,3 4,1Transtorno de ansiedade social 21,1 8,7 2,4Transtorno obsessivo-compulsivo 3,7 1,0 3,8Transtorno de ansiedade generalizada 5,5 1,7 3,3

p < 0,001.Adaptado de Ohayon27.

improvável um real comprometimento cognitivo objetivo e direcionando-os para o tratamento de seus problemas depressivos. É interessante apontar que as doses de antidepressivos (doses baixas) (Tabela 2) usadas para o controle de cataplexia podem ser insuficientes para o tratamento de transtornos depressivos em pacientes narcolépticos29. Estudando a qualidade de vida, Vignatelli et al. constataram que a presença de sintomas depressivos foi o principal preditor independente estável em 5 anos da qualidade de vida relacionada à saúde, enfatizando a relevância de se acompanhar detidamente o humor dos pacientes narcolépticos30.

É interessante observar que a estimulação do hipotálamo perifornical – onde se concentram os neurônios sintetizadores de prepro-hipocretina – produz autorrelato de ataques de pânico e medo de morrer. O sistema hipocretinérgico desempenha papel crítico na coordenação de sistemas neurais relacionados a ansiedade, pânico e estresse31-34. Os antagonistas seletivos do receptor de hipocretina-1 (selective orexin1 receptor antagonist – SORA1) estão sendo estudados como ansiolíticos, não apresentando a sedação que se vê com os benzodiazepínicos35.

naRcolepsia/cataplexia associada à RetiRada de antidepRessivos anticatapléxicosNissen et al. estudaram pacientes não narcolépticos,

portadores de transtornos afetivos, nos quais uma

Page 29: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

29Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

ALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIOR1,3, RENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHI1,2, FERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO1,2

1 Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Departamento de Saúde Mental, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.ARTIGO

reti rada abrupta do medicamento anti depressivo venlafaxina gerou uma síndrome transitória assemelhada à narcolepsia, com ataques de cataplexia36. Os pacientes foram estudados com PSG e o diagnósti co confi rmado em TLMS, que se normalizou após alguns meses. A hipocreti na-1 não se alterou.

A reti rada de drogas para o controle de cataplexia (Tabela 2) deve ser lenta em pacientes com diagnósti co de narcolepsia. Phelps propõe que, em narcolépti cos, a reti rada de anti depressivos precisa ser mais lenta do que em pacientes depressivos ou ansiosos não narcolépti cos, exigindo período de tempo de gradual desconti nuação superior a 3 meses37. A reti rada abrupta de drogas potentes no controle de cataplexia – como os anti depressivos tricíclicos e o mazindol – pode gerar o chamado status cataplecti cus, caracterizado por conti nuada sucessão de ataques de cataplexia, sem um gati lho identi fi cável, e que pode durar horas ou dias. O status cataplecti cus também pode relacionar-se com o início do uso da droga prazosina – agonista inverso de adrenoceptores α1 –, prescrita para tratar uma hipertensão arterial concomitantemente à reti rada de um medicamento para o controle de cataplexia38.

tRanstoRno coMpoRtaMental do sono ReM e naRcolepsiaUma parassonia de ocorrência comum em

narcolépti cos, o transtorno comportamental do sono REM (TCSREM) caracteriza-se pelo comportamento de promulgar e representar os sonhos, que emerge durante a perda da atonia própria do sono REM39. O comportamento inclui desde gestos benignos com as mãos a agressões violentas, com socos e chutes, com riscos para o cônjuge e para o próprio paciente. Causado por múlti plos ti pos de falha da inibição de neurônios espinhais, o TCSREM aparece como manifestação prodrômica nas α-sinucleinopati as (doença de Parkinson, demência de Lewy e atrofi a de múlti plos sistemas) e em outras desordens neurodegenerati vas40. Surge também em lesões estruturais do tegmento ponti no e como efeito colateral do uso de algumas drogas. A metade dos pacientes com narcolepsia apresenta TCSREM, que é ainda mais comum naqueles com narcolepsia ti po 1 (com cataplexia). Nos narcolépti cos, a promulgação com representação dos sonhos tende a se dar mais cedo na

noite e com movimentos mais simples e menos violentos que nas α-sinucleinopati as. A defi ciência de hipocreti na instabiliza a transição sono-vigília e gera uma difi culdade de estabilizar o sono REM, com resultante intrusão de tônus muscular próprio da vigília. O uso de medicamentos anti depressivos (parti cularmente inibidores da monoamina oxidase, tricíclicos, inibidores seleti vos da recaptação de serotonina e inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina) é uma importante causa de TCSREM, em especial em jovens. Possivelmente, isso se dá por conta de seu efeito serotonérgico, já que os núcleos serotonérgicos ponti nos da rafe possuem um efeito ati vador nos núcleos REM-off serotoninérgicos-noradrenérgicos. Assim, é importante monitorar com cuidado o emprego de anti depressivos em narcolépti cos. Pequenas doses de melatonina (iniciar com 3 mg) ou de clonazepam (iniciar com 0,5 mg) costumam suprimir o TCSREM nesses pacientes, mas também foram tentados os inibidores da colinesterase rivasti gmina e donepezila, com sucesso transitório.

naRcolepsia e esQuiZoFRenia/outRos tRanstoRnos psicóticosA SED e as alterações do ciclo sono-vigília dos

narcolépti cos causam comportamentos pouco usuais, alterações psíquicas atí picas e intensa incapacidade funcional. A esses três aspectos clínicos, adiciona-se a presença de alucinações, para completar a superposição de sintomas e a difi culdade de disti nção com os transtornos do espectro da esquizofrenia/outros transtornos psicóti cos (E/OTP). É importante salientar que a SED, por si mesma, favorece a desorganização conceitual, o pensamento desorganizado e o pensamento confuso, sintomatologias que aproximam narcolepsia e E/OTP. A similaridade dos sintomas pode fazer com que a narcolepsia permaneça inicialmente diagnosti cada como sendo esquizofrenia por longo período41. Como não existe uma desregulação do processo de controle do sono REM na E/OTP, o estudo clínico do sono, a PSG e o TMLS ajudarão a separar narcolepsia e E/OTP. Ademais, há que se ter em conta que, na narcolepsia, as alucinações mais comuns são hípnicas – relacionadas ao sono –, enquanto que, na E/OTP, as alucinações mais signifi cati vas se dão mais comumente na vigília. Embora a presença de cataplexia favoreça a disti nção entre um

Page 30: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

30 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIORRENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHIFERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO

quadro narcoléptico e um quadro de E/OTP, deve-se lembrar que algumas medicações neurolépticas podem normalizar a cataplexia sem reduzir o sono REM. Na narcolepsia, pode existir dificuldade de julgar o conteúdo alucinado, estando o paciente convencido de que o material psíquico presente em sua alucinação é parte do mundo real42. Embora sejam poucos, existem casos em que a narcolepsia chegou a ser diagnosticada como esquizofrenia refratária, o que poderia levar a tratamentos agressivos e inadequados. Aspectos relacionados ao tratamento da narcolepsia também aproximam as duas condições: os tratamentos com estimulantes realizados na narcolepsia podem acompanhar-se de uma psicose paranoide como efeito colateral, que pode assemelhar-se à E/OTP. Kondsiella & Arlien-Soborg lembram que uma psicose associada a uma narcolepsia constitui um dilema terapêutico: os psicoestimulantes, para tratar a SED da narcolepsia, geram uma elevação da dopamina central e, assim, aumentam os riscos de sintomas psicóticos; enquanto que os neurolépticos, para tratar a psicose, antagonizam receptores dopaminérgicos e geram sedação43,44. Contudo, em alguns narcolépticos, o metilfenidato, além de melhorar a SED, melhora inteiramente as alucinações hipnagógicas e outros sintomas psicóticos. Por isso, alguns chegaram a propor a existência de uma forma nuclear psicótica da narcolepsia44. Era costumeiro considerar-se que uma verdadeira associação entre a narcolepsia e a E/OTP fosse muito rara ou devida a erros de diagnóstico. Essa realidade pode estar se transformando e, recentemente, em pacientes de Stanford e da Coreia do Sul, Canellas et al. conseguiram identificar e estudar 10 casos em que havia a concomitância da narcolepsia e da E/OTP, sendo seis casos de esquizofrenia, dois do transtorno esquizofreniforme, um de transtorno delirante e um esquizoafetivo45. Essa associação se torna ainda mais interessante quando se tem em vista que, ultimamente, o sistema HLA, importante para a narcolepsia, também vem sendo considerado na esquizofrenia, em diversos genome wide analysis studies (GWAS)46. Não se conhece a prevalência de deficiência de hipocretina em pacientes com E/OTP. Mas é possível especular-se acerca da possibilidade de deficiência de hipocretina na E/OTP, pois há hipóteses autoimunes similares para a destruição neuronal em ambas condições. É

interessante observar que Tsutsui et al. encontraram anticorpos antirreceptor N-metil D-Aspartato (NMDA) em três de cinco pacientes portadores de narcolepsia e sintomatologia psicótica grave47. Também não se pode excluir a possibilidade de uma imunidade citotóxica causada por células T, inferida na narcolepsia e nos transtornos relacionados à dopamina, esta hoje considerada um legítimo neuroimunotransmissor48.

conclusãoOs recentes avanços na compreensão da

fisiopatologia da narcolepsia determinaram uma melhor identificação da interface entre suas variadas manifestações clínicas, sobretudo as diretamente relacionadas com os circuitos biológicos do sistema nervoso central. Entre elas, os quadros psiquiátricos se destacam como de grande relevância, devido à sua alta prevalência e à morbidade que adicionam a esse complexo distúrbio do sono. Como parte essencial do tratamento, é fundamental que tais transtornos psiquiátricos sejam prontamente reconhecidos na prática diária e amplamente abordados, evitando o agravamento da condição clínica dos pacientes. Por outro lado, a constatação, no paciente com problemas mentais, de sintomas compatíveis com a narcolepsia, reforça ainda mais a necessidade de uma maior atenção para a possibilidade de um distúrbio primário do sono ser uma comorbidade associada nos pacientes com comprometimentos psiquiátricos.

Artigo submetido em 14/11/2016, aceito em 26/01/2017.Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.Fontes de financiamento inexistentes.Correspondência: Fernando Morgadinho Santos Coelho, Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, Universidade Federal de São Paulo, Rua Napoleão de Barros, 925, 2º andar, Vila Clementino, CEP 04024-002, São Paulo, SP. Tel.: (11) 4323.4079. E-mail: [email protected]

Referências1. Thorpy MJ, Krieger AC. Delayed diagnosis of

narcolepsy: characterization and impact. Sleep Med. 2014;15:502-7.

Page 31: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

31Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

ALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIOR1,3, RENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHI1,2, FERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO1,2

1 Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Departamento de Saúde Mental, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.ARTIGO

2. Thorpy MJ. Diagnosti c criteria and delay in diagnosis of narcolepsy. In: Goswami M, Thorpy MJ, Pandi-Perumal SR. Narcolepsy. a clinical guide. 2nd ed. Switzerland: Springer Internati onal Publishing; 2016. p. 45-9.

3. Hale L, Guan S, Emanuele E. Epidemiology of narcolepsy. In: Goswami M, Thorpy MJ, Pandi-Perumal SR. Narcolepsy: a clinical guide. 2nd ed. Switzerland: Springer Internati onal Publishing; 2016. p. 37-44.

4 Li SB, Jones JR, de Lecea L. Hypocreti ns, neural systems, physiology, and psychiatric disorders. Curr Psychiatry Rep. 2016;18:7.

5. Jacob L, Mignot E. Histoire de la narcolepsie de 1877 à 1980 émergence d’une nouvelle enti té Clinique. Hist Sci Med. 2016;50:69-74.

6. American Psychiatric Associati on. Diagnosti c and Stati sti cal Manual of Mental Disorders, Fift h Editi on (DSM-5). Arlington: American Psychiatric Publishing; 2013.

7. American Academy of Sleep Medicine. The internati onal classifi cati on of sleep disorders. 3rd ed. Chicago: American Academy of Sleep Medicine; 2014.

8. Cao MT, Guilleminault C. Narcolepsy: diagnosis and management. In: Kryger M, Roth T, Dement WC. Principles and practi ce of sleep medicine. 6th ed. Philadelphia: Elsevir; 2017. p. 873-82.

9. Scammell TE. Narcolepsy. N Engl J Med. 2015;373:2654-62.

10. Chow M, Cao M. The hypocreti n/orexin system in sleep disorders: preclinical insights and clinical progress. Nat Sci Sleep. 2016; 8:81-6.

11. Lopes DA, Coelho FM, Pradella-Hallinan M, de Araújo Melo MH, Tufi k S. Infancy narcolepsy: streptococcus infecti on as a causal factor. Sleep Sci. 2015;8:49-52.

12. Coleman PJ, Gott er AL, Herring WJ, Winrow CJ, Renger JJ. The discovery of suvorexant, the fi rst orexin receptor drug for insomnia. Annu Rev Pharmacol Toxicol. 2017;57:509-33.

13. Roh JH, Jiang H, Finn MB, Stewart FR, Mahan TE, Cirrito JR, et al. Potenti al role of orexin and sleep modulati on in the pathogenesis of Alzheimer’s disease. J Exp Med. 2014;211:2487-96.

14. Stores G. The protean manifestati ons of childhood narcolepsy and their misinterpretati on. Dev Med Child Neurol. 2006;48:307-10.

15. Peterson PC, Husain AM. Pediatric narcolepsy. Brain Dev. 2008;30:609-23.

16. Butt oo KSR, Pandi-Perumal SR, Guilleminault C. Narcolepsy and mental illness. In: Goswami M, Thorpy MJ, Pandi-Perumal SR. Narcolepsy: a clinical guide. 2nd ed. Switzerland: Springer Internati onal Publishing; 2016. p. 265-76.

17. Carter LP, Acebo C, Kim A. Pati ents’ journeys to a narcolepsy diagnosis: a physician survey and retrospecti ve chart review. Postgrad Med. 2014;126:216-24.

18. Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Pedro VD, Menna Barreto SS, Johns MW. Portuguese-language version of the Epworth sleepiness scale: validati on for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2009;35:877-83.

19. Frauscher B, Ehrmann L, Mitt erling T, Gabelia D, Gschliesser V, Brandauer E, et al. Delayed diagnosis, range of severity, and multi ple sleep comorbiditi es: a clinical and polysomnographic analysis of 100 pati ents of the Innsbruck narcolepsy cohort. J Clin Sleep Med. 2013;9:805-12.

20. Anic-Labat S, Guilleminault C, Kraemer HC, Meehan J, Arrigoni J, Mignot E. Validati on of a cataplexy questi onnaire in 983 sleep-disorders pati ents. Sleep. 1999;22:77-87.

21. Sharpless BA. A clinician’s guide to recurrent isolated sleep paralysis. Neuropsychiatr Dis Treat. 2016;12:1761-7.

22. D’Agosti no A, Limosani I. Hypnagogic hallucinati ons and sleep paralysis. In: Goswami M, Thorpy MJ, Pandi-Perumal SR. Narcolepsy: a clinical guide. 2nd ed. Switzerland: Springer Internati onal Publishing; 2016. p. 81-94.

23. Hobson JA, Pace-Schott EF, Sti ckgold R. Dreaming and the brain: toward a cogniti ve neuroscience of conscious states. In: Pace-Schott EF, Solms M, Blagrove M, Harnad S, editors. Sleep and dreaming: scienti fi c advances and reconsiderati ons. Cambridge: Cambridge University; 2003. p. 1-51.

Page 32: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

32 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIORRENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHIFERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO

24. Coelho FMS, Moszczynski A, Narayansingh M, Parekh N, Pradella-Hallinan M. Sexual hypnagogic hallucinations and narcolepsy with cataplexy: a case report. Sleep Sci. 2011;4:110-2.

25. Sasai-Sakuma T, Kinoshita A, Inoue Y. Polysomnographic assessment of sleep comorbidities in drug-naïve narcolepsy-spectrum disorders -- a Japanese cross-sectional study. PLoS One. 2015;10:e0136988.

26. Mignot E, Lammers GJ, Ripley B, Okun M, Nevsimalova S, Overeem S, et al. The role of cerebrospinal fluid hypocretin measurement in the diagnosis of narcolepsy and other hypersomnias. Arch Neurol. 2002;59:1553-62.

27. Ohayon MM. Narcolepsy is complicated by high medical and psychiatric comorbidities: a comparison with the general population. Sleep Med. 2013;14:488-92.

28. Zamarian L, Högl B, Delazer M, Hingerl K, Gabelia D, Mitterling T, et al. Subjective deficits of attention, cognition and depression in patients with narcolepsy. Sleep Med. 2015;16:45-51.

29. Dauvilliers Y, Paquereau J, Bastaji H, Drouot X, Weil JS, Viot-Blanc V. Psychological health in central hypersomnias: the French Harmony study. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2009;80:636-41.

30. Vignatelli L, Plazzi G, Peschechera F, Delaj L, D’Alessandro R. A 5-year prospective cohort study on health-related quality of life in patients with narcolepsy. Sleep Med. 2011;12:19-23.

31. Ferguson AV, Samson WK. The orexin/hypocretin system: a critical regulator of neuroendocrine and autonomic function. Front Neuroendocrinol. 2003;24:141-50.

32. HeydendaelW, Sengupta A, Beck S, Bhatnagar S. Optogenetic examination identifies a context-specific role for orexins/hypocretins in anxiety-related behavior. Physiol Behav. 2014;130:182-90.

33. Johnson PL, Truitt W, Fitz SD, Minick PE, Dietrich A, Sanghani S, et al. A key role for orexin in panic anxiety. Nat Med. 2010;16:111-5.

34. Johnson PL, Molosh A, Fitz SD, Truitt WA, Shekhar A. Orexin, stress, and anxiety/panic states. Prog Brain Res. 2012;198:133-61.

35. Johnson PL, Federici LM, Fitz SD, Renger JJ, Shireman B, Winrow CJ, et al. Orexin 1 and 2 receptor involvement in co2-induced panic-associated behavior and autonomic responses. Depress Anxiety. 2015;32:671-83.

36. Nissen C, Feige B, Nofzinger E, Riemann D, Berger M, Voderholzer U. Transient narcolepsy-cataplexy syndrome after discontinuation of the antidepressant venlafaxine. J Sleep Res. 2005;14:207-8.

37. Phelps J. Tapering antidepressants: is 3 months slow enough? Med Hypotheses. 2011;77:1006-8.

38. Guilleminault C, Mignot E, Aldrich M, Quera-Salva MA, Tiberge M, Partinen M. Prazosin contraindicated in patients with narcolepsy. Lancet. 1988;2:511.

39. Schenck CH, Mahowald MW. Motor dyscontrol in narcolepsy: rapid-eye-movement (REM) sleep without atonia and REM sleep behavior disorder. Ann Neurol. 1992;32:3-10.

40. Iranzo A, Molinuevo JL, Santamaría J, Serradell M, Martí MJ, Valldeoriola F, et al. Rapid-eye movement sleep behavior disorder as an early marker for a neurodegenerative disorder: a descriptive study. Lancet Neurol. 2006;5:572-7.

41. Talih FR. Narcolepsy presenting as schizophrenia: a literature review and two case reports. Innov Clin Neurosci. 2011;8:30-4.

42. Szucs A, Janszky J, Holló A, Migléczi G, Halász P. Misleading hallucinations in unrecognized narcolepsy. Acta Psychiatr Scand. 2003;108:314-6; discussion 316-7.

43. Kishi Y, Konishi S, Koizumi S, Kudo Y, Kurosawa H, Kathol RG. Schizophrenia and narcolepsy: a review with a case report. Psychiatry Clin Neurosci. 2004;58:117-24.

44. Kondziella D, Arlien-Soborg P. Diagnostic and therapeutic challenges in narcolepsy-related psychosis. J Clin Psychiatry. 2006;67:1817-9.

45. Canellas F, Lin L, Julià MR, Clemente A, Vives-Bauza C, Ollila HM, et al. Dual cases of type-1 narcolepsy with schizophrenia and other psychotic disorders. J Clin Sleep Med. 2014;10:1011-8.

46. Debnath M, Cannon DM, Venkatasubramanian G. Variation in the major histocompatibility

Page 33: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

33Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

ALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIOR1,3, RENATA MARIA DE CARVALHO CREMASCHI1,2, FERNANDO MORGADINHO SANTOS COELHO1,2

1 Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Departamento de Saúde Mental, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.ARTIGO

complex [MHC] gene family in schizophrenia: associati ons and functi onal implicati ons. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2013;42:49-62.

47. Tsutsui K, Kanbayashi T, Tanaka K, Boku S, Ito W, Tokunaga J, et al. Anti -NMDA-receptor anti body detected in encephaliti s, schizophrenia,

and narcolepsy with psychoti c features. BMC Psychiatry. 2012;12:37.

48. Levite M. Dopamine and T cells: dopamine receptors and potent eff ects on T cells, dopamine producti on in T cells, and abnormaliti es in the dopaminergic system in T cells in autoimmune, neurological and psychiatric diseases. Acta Physiol (Oxf). 2016;216:42-89.

Page 34: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

34 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOJERÔNIMO DE A. MENDES RIBEIROJOEL RENNÓ JR.HEWDY LOBO RIBEIROJULIANA PIRES CALVASANAMAURY CANTILINOGISLENE VALADARESRENAN ROCHAANTÔNIO GERALDO DA SILVA

ResumoDisfunções na resposta ao estresse podem exercer

um importante papel em alguns transtornos mentais. Uma gama cada vez maior de estudos demonstra que existem diferenças entre os sexos na prevalência de transtornos relacionados ao estresse e que mulheres com transtornos por uso de álcool têm diferentes desfechos negativos no funcionamento cerebral e em mecanismos de neuroadaptação quando comparadas aos homens. O consumo de álcool tem sido associado a alterações sutis e em longo prazo no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que afetam a resposta adaptativa nos circuitos de neurorregulação do estresse. Pesquisas futuras nesse campo podem impactar positivamente o desenvolvimento de estratégias terapêuticas que levem em consideração abordagens gênero-específicas.

Palavras-chave: Álcool, mulheres, resposta ao estresse, diferenças entre os sexos.

AbstractDysfunctional stress response can play a key role in

some mental disorders. An increasing number of studies have demonstrated sex differences in the prevalence of stress-related disorders. In particular, women with alcohol use disorders (AUDs) present different negative outcomes whe compared to men in terms of brain function e neuroadaptative mechanisms. Alcohol consumption has been associated with subtle, long-term hypothalamic-hypophysis-adrenal (HPA) axis alterations, affecting the adaptive response of stress neuroregulatory

circuits. Future research in this field may positively influence the development of treatment strategies that take gender-specific approaches into consideration.

Keywords: Alcohol, women, stress response, sex differences.

Disfunções na resposta ao estresse podem exercer um importante papel em alguns transtornos mentais1. Embora no Brasil e no mundo homens bebam mais que as mulheres, até há pouco mais de uma década, praticamente não havia dados acerca do consumo de álcool entre as mulheres, exceto os provenientes de estudos epidemiológicos2-4. Programas de apoio e assistência a usuários de álcool pouco levam em consideração particularidades relativas ao gênero. Muitas mulheres abandonam o tratamento, mesmo em centros especializados, por não se sentir à vontade em um ambiente predominantemente masculino e praticamente com inexistência de programas que deem suporte a mulheres com problemas transtornos relacionados ao uso de álcool5,6.

Atualmente, as mulheres bebem em quantidade e frequência muito parecidas às da população masculina, principalmente em amostras de mulheres mais jovens7,8. A literatura sugere diferenças bastante distintas entre os sexos. Alguns transtornos mentais são mais prevalentes no sexo feminino, entre eles os transtornos depressivos, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de estresse pós-traumático9. Em todos esses transtornos, o estresse exerce um papel importante na neurobiologia,

TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE ÁLCOOL E AS MULHERES: IMPACTO NOS CIRCUITOS INTEGRATIVOS E DE NEURORREGULAÇÃO DO ESTRESSE

ALCOHOL RELATED DISORDERS AND WOMEN: IMPACT ON STRESS-INTEGRATIVE NEUROREGULATORY CIRCUITS

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-7-3-5

Page 35: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

35Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

JERÔNIMO DE A. MENDES RIBEIRO1, JOEL RENNÓ JR.2, HEWDY LOBO RIBEIRO3, JULIANA PIRES CALVASAN3, AMAURY CANTILINO4, GISLENE VALADARES5, RENAN ROCHA6, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA7

1 Psiquiatra. Clinical Fellow in Women’s Mental Health, Mood Disorders Program and Women’s Health Concerns Clinic, St. Joseph’s Healthcare Hamilton, McMaster University, Hamilton, ON, Canadá. 2 Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher (Pro-Mulher), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 3 Psiquiatra, Pro-Mulher, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 4 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher, UFPE, Recife, PE. 5 Membro fundadora, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG; Seção de Saúde Mental da Mulher, WPA; e International Association of Women’s Mental Health. 6 Coordenador, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC. 7 Diretor científi co, PROPSIQ. 7 Presidente, APAL.

além de possuir alta comorbidade com transtornos do uso de substâncias, especialmente o álcool10.

Em termos culturais, no passado, as mulheres tendiam a beber escondidas, enquanto o homem, em grupos de amigos. Porém, atualmente, fatores como alta escolaridade e ocupar cargos de chefi a estão associados a um maior uso de álcool entre as mulheres7.

Existem diferenças entre os sexos no metabolismo do álcool no sistema nervoso central. A mulher tem menor ati vidade da álcool desidrogenase no estômago; uma mesma quanti a ingerida por um homem e uma mulher causa maior concentração de álcool no plasma e, consequentemente, no cérebro da mulher, pois o álcool atravessa facilmente a barreira hematoencefálica11,12.

Também se observou, em estudos com populações clínicas, que as mulheres tendiam a iniciar mais tardiamente o uso de álcool que os homens, a desenvolver problemas clínicos de maneira mais precoce (tais como cirrose e miocardiopati a dilatada), além de ter dano cerebral

maior. Essa aparente sensibilidade aumentada aos efeitos nocivos do álcool e um caminho mais curto entre o uso abusivo do álcool e a dependência deram origem ao termo telescoping eff ect13. Em populações mais jovens, há dados bastante heterogêneos em relação a esse efeito, principalmente com relação à idade de início de uso14. A progesterona está associada, de forma bem documentada na literatura, em estudos pré-clínicos, a um menor efeito positi vo no sistema de recompensa cerebral, sugerindo a infl uência dos hormônios gonadais tanto na neurobiologia quanto na sensibilidade ao álcool. Além disso, a terapia hormonal e o uso de anti concepcionais orais podem também infl uenciar o sistema de recompensa cerebral15.

Diversos estudos têm demonstrado a interferência do estresse em todo o ciclo da adição: na primeira exposição, na transição para um padrão de uso abusivo e repeti do, no desenvolvimento de dependência, nos sintomas ansiosos e depressivos causados pela absti nência e como desencadeante ou facilitador de recaída16 (Figura 1).

Figura 1 - Diagrama ilustrando a interferência do estresse no ciclo da adição. O estresse impacta em todo o ciclo da adição, infl uenciando o início do consumo de álcool, o beber compulsivo, a dependência e a absti nência, além de agir como facilitador de recaída, através de mecanismos adaptati vos nos circuitos de neurorregulação do estresse.

Page 36: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

36 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOJERÔNIMO DE A. MENDES RIBEIROJOEL RENNÓ JR.HEWDY LOBO RIBEIROJULIANA PIRES CALVASANAMAURY CANTILINOGISLENE VALADARESRENAN ROCHAANTÔNIO GERALDO DA SILVA

O início do uso de álcool estimula mecanismos de recompensa no cérebro, principalmente em estruturas mesolímbicas, como o córtex frontal tegmental ventral. Entretanto, com o uso repetido e continuado, alterações na plasticidade neuronal passam a ocorrer de maneira gradual e sutil, através de mudanças de padrões de transcrição gênica, mecanismos epigenéticos, sensibilização e tolerância17. Assim como os benzodiazepínicos, o álcool atua como modulador da transmissão GABAérgica, colocado em sítios de neuropeptídios, como no núcleo central da amígdala, ricos em fatores de liberação da corticotrofina, fator-chave na modulação da resposta ao estresse. O núcleo central da amígdala é uma região envolvida tanto na sensibilidade ao stress e quanto no abuso de substâncias16,18.

O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) é via neural primária da resposta ao estresse. A partir do núcleo paraventricular do hipotálamo, é liberado o fator liberador da corticotrofina, que através da sinalização à hipófise anterior libera o hormônio adrenocorticotrófico na circulação sistêmica, que atinge as glândulas adrenais, estimulando a síntese de glicocorticoides e modulando a resposta fisiológica através de feedback negativo16,19.

O álcool, tanto em curto como em logo prazo, promove profunda alteração no eixo HHA. O uso agudo de álcool ativa o eixo HHA, resultando em níveis elevados de glicocorticoides e diminuindo a ansiedade, ao passo que a exposição prolongada ao álcool promove hipertrofia adrenal e embotamento da resposta ao estresse, tendo efeito ansiogênico20,21. Também tem sido demonstrado que a desregulação do eixo HHA permanece mesmo após longos períodos de abstinência, interferindo nos mecanismos de coping frente a novos estressores e facilitando a recaída22.

Além disso, estudos pré-clínicos e clínicos têm demonstrado que ocorrem mudanças duradouras no eixo HHA que podem ser passadas de forma transgeracional para a prole, e que mecanismos epigenéticos estariam implicados16.

Concluindo, pode-se dizer que, combinados, os achados envolvendo o conhecimento de como o estresse afeta cada fase do uso de álcool e as diferenças cada vez mais consistentes entre os sexos nos circuitos integrativos de neurorregulação do estresse fazem dos estudos envolvendo o uso crônico de álcool e seus efeitos nesses circuitos um

tema bastante relevante. O entendimento dos conceitos que envolvem a resposta regulatória a um estímulo estressante envolvendo a manutenção da homeostase vem sendo substituído pelos conceitos de alostase ou carga alostática16. Além disso, a experiência estressante pode produzir mudanças celulares e moleculares sutis, que alternam os sistemas de recompensa para um padrão de uso abusivo e continuado.

Importantes contribuições quanto à diferença de resposta ao estresse entre os sexos em amostras expostas ao álcool têm sido demonstradas em estudos pré-clínicos e clínicos, que têm se mostrado essenciais na busca do preenchimento de lacunas no entendimento dos mecanismos que possam estar envolvidos no desenvolvimento de transtornos de uso de álcool, na vulnerabilidade da mulher aos chamados transtornos relacionados ao estresse, assim como na busca de novos alvos de tratamento dessas condições. Futuras pesquisas e suas consequentes aplicações práticas devem contribuir para a promoção de abordagens terapêuticas individualizadas, gênero-específicas e com impacto favorável, baseado em evidências, no plano terapêutico.

Artigo submetido em 24/01/2017, aceito em 16/02/2017.Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.Fontes de financiamento inexistentes.Correspondência: Joel Rennó Jr., Rua Teodoro Sampaio, 352/127, CEP 05406-000, São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

Referências1. Gonzalez P, Martinez KG. The role of stress and

fear in the development of mental disorders. Psychiatr Clin North Am. 2014;37:535-46.

2. Wolle CC, Sanches M, Zilberman ML, Caetano R, Zaleski M, Laranjeira RR, et al. Differences in drinking patterns between men and women in Brazil. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33:367-73.

3. Cheng HG, Cantave MD, Anthony JC. Taking the first full drink: epidemiological evidence on male-female differences in the United States. Alcohol Clin Exp Res. 2016;40:816-25.

4. Macinko J, Mullachery P, Silver D, Jimenez G, Libanio Morais Neto O. Patterns of alcohol

Page 37: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

37Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

JERÔNIMO DE A. MENDES RIBEIRO1, JOEL RENNÓ JR.2, HEWDY LOBO RIBEIRO3, JULIANA PIRES CALVASAN3, AMAURY CANTILINO4, GISLENE VALADARES5, RENAN ROCHA6, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA7

1 Psiquiatra. Clinical Fellow in Women’s Mental Health, Mood Disorders Program and Women’s Health Concerns Clinic, St. Joseph’s Healthcare Hamilton, McMaster University, Hamilton, ON, Canadá. 2 Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher (Pro-Mulher), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 3 Psiquiatra, Pro-Mulher, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 4 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. Diretor, Programa de Saúde Mental da Mulher, UFPE, Recife, PE. 5 Membro fundadora, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG; Seção de Saúde Mental da Mulher, WPA; e International Association of Women’s Mental Health. 6 Coordenador, Serviço de Saúde Mental da Mulher, Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC. 7 Diretor científi co, PROPSIQ. 7 Presidente, APAL.

consumpti on and related behaviors in Brazil: evidence from the 2013 Nati onal Health Survey (PNS 2013). PLoS One. 2015;10:e0134153.

5. Zaleski M, Laranjeira RR, Marques ACPR, Ratt o L, Romano M, Alves HNP, et al. Diretrizes da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) para o diagnósti co e tratamento de comorbidades psiquiátricas e dependência de álcool e outras substâncias. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28:142-8.

6. Chander G, McCaul ME. Co-occurring psychiatric disorders in women with addicti ons. Obstet Gynecol Clin North Am. 2003;30:469-81.

7. Cheng HG, Cantave MD, Anthony JC. Taking the fi rst full drink: epidemiological evidence on male-female diff erences in the United States. Alcohol Clin Exp Res. 2016;40:816-25.

8. Ruiz SM, Oscar-Berman M. Closing the gender gap: the case for gender-specifi c alcoholism research. J Alcohol Drug Depend. 2013 Sep;1(6). pii: e106. Epub 2013 Aug 27.

9. Steiner M, Dunn E, Born L. Hormones and mood: from menarche to menopause and beyond. J Aff ect Disord. 2003;74:67-83.

10. Blaine SK, Milivojevic V, Fox H, Sinha R. Alcohol eff ects on stress pathways: impact on craving and relapse risk. Can J Psychiatry. 2016;61:145-53.

11. Bobzean SAM, DeNobrega AK, Perrotti LI. Sex diff erences in the neurobiology of drug addicti on. Exp Neurol. 2014;259:64-74.

12. Erol A, Karpyak VM. Sex and gender-related diff erences in alcohol use and its consequences: contemporary knowledge and future research considerati ons. Drug Alcohol Depend. 2015;56:1-13.

13. Randall CL, Roberts JS, Del Boca FK, Carroll KM, Connors GJ, Matt son ME. Telescoping of landmark events associated with drinking: a gender comparison. J Stud Alcohol. 1999;60:252-60.

14. Keyes KM, Marti ns SS, Blanco C, Hasin DS. Telescoping and gender diff erences in alcohol dependence: new evidence from two nati onal surveys. Am J Psychiatry. 2010;167:969-76.

15. Devaud LL, Risinger FO, Selvage D. Impact of the hormonal milieu on the neurobiology of alcohol dependence and withdrawal. J.Gen.Psychol. 2006;133:337-56.

16. Retson TA, Sterling RC, Van Bockstaele EJ. Alcohol-induced dysregulati on of stress-related circuitry: the search for novel targets and implicati ons for interventi ons across the sexes. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2016;65:252-9.

17. Mons N, Beracochea D. Behavioral neuroadaptati on to alcohol: from glucocorti coids to histone acetylati on. Front Psychiatry. 2016;7:165.

18. Zorrilla EP, Logrip ML, Koob GF. Corti cotropin releasing factor: a key role in the neurobiology of addicti on. Front Neuroendocrinol. 2014;35:234-44.

19. Edwards S, Litt le HJ, Richardson HN, Vendruscolo LF. Divergent regulati on of disti nct glucocorti coid systems in alcohol dependence. Alcohol. 2015;49:811-6.

20. Huang MM, Overstreet DH, Knapp DJ, Angel R, Wills TA, Navarro M, et al. Corti cotropin-releasing factor (CRF) sensiti zati on of ethanol withdrawal-induced anxiety-like behavior is brain site specifi c and mediated by crf-1 receptors: relati on to stress-induced sensiti zati on. J Pharmacol Exp Ther. 2010;332:298-307.

21. Retson TA, Hoek JB, Sterling RC, Van Bockstaele EJ. Amygdalar neuronal plasti city and the interacti ons of alcohol, sex, and stress. Brain Struct Funct. 2015;220:3211-32.

22. Sinha R, Shaham Y, Heilig M. Translati onal and reverse translati onal research on the role of stress in drug craving and relapse. Psychopharmacology (Berl). 2011;218:69-82.

Page 38: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo
Page 39: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

39Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

ResumoO transtorno de personalidade histriônica é caracterizado

por autodramatização, teatralidade e expressão exagerada de emoções, labilidade emocional, comportamentos inadequados, sexualmente provocadores ou sedutores. Já os transtornos dissociativos/conversivos caracterizam-se pela perda parcial ou completa da integração normal entre as memórias do passado, a consciência de identidade, as sensações imediatas e o controle dos movimentos corporais. Este estudo relata o caso de uma adolescente de 14 anos de idade, do sexo feminino, diagnosticada com quadro de transtorno dissociativo. Os autores descrevem o manejo do caso e discutem aspectos relevantes.

Palavras-chave: Histeria, transtorno dissociativo, histrionismo.

AbstractHistrionic personality disorder is characterized by self-

dramatization, theatricality and exaggerated expression of emotion, emotional lability, and inappropriate, sexually provocative, or seductive behaviors. Dissociative or conversion disorders, in turn, are characterized by partial or complete loss of the normal integration between memories of the past, awareness of identity, immediate sensations, and control of bodily movements. This study reports the case of a 14-year old female adolescent diagnosed with a dissociative disorder. The authors describe patient management and discuss relevant aspects.

Keywords: Hysteria, dissociative disorder, histrionic disorder.

intRoduçãoQuadros clínicos caracterizados por sintomas

somáticos não explicados por condições médicas gerais têm sido continuamente relatados ao longo da história da medicina e até hoje fazem parte do cotidiano não só dos psiquiatras, mas também dos clínicos.

Esses pacientes apresentam incapacitação desproporcional aos achados do exame físico, inexistência de anormalidades laboratoriais e aparente associação a fatores psicossociais1. Mesmo que a gravidade dos casos muitas vezes possa ser questionada, o incômodo e as limitações desencadeadas justificam sua aceitação como transtorno2. Esses transtornos correspondem aos quadros tradicionalmente chamados de histéricos, exigindo uma releitura dos textos sobre a histeria. Os sintomas dessas manifestações são conhecidos desde a Antiguidade, sendo atribuídas a Hipócrates algumas de suas primeiras descrições. A própria história das neuroses confundiu-se por muito tempo com a da histeria.

A histeria, ao longo do tempo, foi descrita principalmente em mulheres e tem caráter multifacetário, já que a descrição do caso depende tanto da perspectiva daquele que interpreta como da maneira que o paciente descreve seus sintomas, geralmente representado pelo que é chamado hoje de doenças psicossomáticas. O traço prevalente é o “histrionismo”. A palavra, que significa teatralidade, surge na Roma Antiga para designar como histrião o comediante que representava papéis3. Portanto, o histrionismo do histérico é representado por seu caráter exagerado, principalmente nos pensamentos e sentimentos.

TRANSTORNO DE PERSONALIDADE HISTRIÔNICA E TRANSTORNO CONVERSIVO: RELATO DE CASO EM ADOLESCENTE

HISTRIONIC PERSONALITY DISORDER AND CONVERSION DISORDER: CASE REPORT IN AN ADOLESCENT

RELATORELATO DE CASOMARIANA GIANOLA ARRUDAANA SOFIA PONTES TRILLOVIVIAN PAULIN CORREIAALINE ROMÃO DA SILVASONIA MARIA MOTTA PALMA

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-7-3-6

Page 40: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

40 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

RELATORELATO DE CASOMARIANA GIANOLA ARRUDAANA SOFIA PONTES TRILLOVIVIAN PAULIN CORREIAALINE ROMÃO DA SILVASONIA MARIA MOTTA PALMA

Com a 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) em 1993 e com a 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) em 1994, ficou estabelecido o fim da categoria histeria, com sua redesignação sob novas nomenclaturas, incluindo transtorno de personalidade histriônica (TPH) e transtornos dissociativos/conversivos (TD/C).

Tendo por referência, neste artigo, a CID-10, o TPH (F 60.4) é caracterizado por autodramatização, teatralidade e expressão exagerada de suas emoções, assim como labilidade emocional, comportamentos inadequados, sexualmente provocadores ou sedutores.

Os TD/C (F44), segundo a CID-10, caracterizam-se pela perda parcial ou completa da integração normal entre as memórias do passado, a consciência de identidade, as sensações imediatas e o controle dos movimentos corporais. Nos transtornos conversivos, há transposição de um conflito psíquico em sintomas somáticos, presentes basicamente nos sistemas neuromuscular voluntário (paralisias) ou sensório-perceptivo (anestesias)4.

MétodoTrata-se de um estudo de caso de uma adolescente

de 14 anos de idade, do sexo feminino, com quadro de transtorno dissociativo, acompanhada no Ambulatório de Psiquiatria Infantil da Universidade de Santo Amaro (Unisa). Os pais concordaram em participar do estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.

descRição do casoPaciente do sexo feminino, 14 anos, natural e

procedente de São Paulo, solteira, cursando 9º ano do ensino fundamental em escola pública, encaminhada pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade de Taboão da Serra ao Ambulatório de Psiquiatria Infantil da Unisa, devido à distância do CAPS até sua residência.

Compareceu à primeira consulta em março de 2016, acompanhada pela mãe, que referiu que, em outubro de 2014, a filha terminou um relacionamento de 8 meses com o namorado por ele ter se interessado por outra garota. Segundo sua genitora, a paciente apresenta, em geral, comportamento extrovertido e sedutor, principalmente com os meninos, atitudes de caráter teatral (expressão emocional superficial e com rápidas mudanças), muito

sensível às opiniões alheias e usando a aparência física para chamar a atenção. A paciente relatou histórico de relacionamentos breves e facilidade de se apaixonar. Abalada com o rompimento do namoro, faltou às aulas e passava a maior parte do dia sozinha em seu quarto, chorando. Passou a apresentar instabilidade emocional, dilemas “existenciais” e incertezas.

Um mês após, durante a aula de teatro, ficou subitamente agitada e agressiva, ouviu vozes que não soube caracterizar, viu as pessoas com os olhos inteiramente pretos, além do pai e do avô, que vinham em sua direção, causando-lhe repulsa. Gritava muito e agredia quem tentava contê-la. Levada ao hospital geral da cidade, permaneceu internada por 15 dias. Nesse período, alegava ter sido violentada sexualmente pelo avô e pelo pai. A equipe iniciou investigação e optou pela profilaxia contra doenças sexualmente transmissíveis. Foi aberto processo policial, mas, segundo a mãe, a acusação era falsa e não foi confirmada pelo exame clínico. No 15º dia, despertou repentinamente, sem se lembrar de nada sobre o ocorrido, inclusive negou ter sido violentada e ter feito tal acusação. Relatou estar “fora de si”. Durante a internação, foram realizados exames clínicos, laboratoriais e tomografia computadorizada de crânio, todos sem alterações.

Após alta hospitalar, iniciou acompanhamento no CAPS de Taboão da Serra, em dezembro de 2014. Utilizou irregularmente sertralina 50 mg/dia pelos 5 meses seguintes, pois acreditava que deveria usá-la apenas nos dias em que se sentisse pior. Apesar disso, relatou discreta melhora com o tratamento. Não apresentou mais os sintomas prévios, porém iniciou episódios, também súbitos, de medo de ficar sozinha e frequentar lugares fechados com muitas pessoas, principalmente ônibus. Nesses episódios, gritava, sentia-se sufocada e tinha medo de que as pessoas a tocassem. Abandonou o tratamento no CAPS devido à distância deste até sua casa, uma vez que parou de utilizar o transporte público. Ficou aproximadamente 1 ano sem tratamento até decidir procurar ajuda.

Em março de 2016, compareceu ao ambulatório da Unisa sem uso de medicação e relatou que manteve os episódios de medo. À noite, tinha dificuldade de iniciar o sono e quase sempre se sentia angustiada e profundamente entristecida, chorando por horas. Perdeu

Page 41: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

41Mai/Jun 2017 - revista debates em psiquiatria

MARIANA GIANOLA ARRUDA, ANA SOFIA PONTES TRILLO, VIVIAN PAULIN CORREIA, ALINE ROMÃO DA SILVA, SONIA MARIA MOTTA PALMA

Universidade de Santo Amaro (Unisa), São Paulo, SP.

a vontade de ver amigos, sair de casa e não queria mais frequentar a escola. Foi reintroduzida sertralina 50 mg/dia, com remissão parcial dos sintomas. Tornou-se um pouco mais ati va, porém os outros sintomas prevaleciam. Aumentou-se a dose para 100 mg/dia, e, assim, voltou a sair sozinha de casa e a frequentar a escola diariamente, a qualidade do sono melhorou, e foram reduzidos os sintomas de tristeza. Foram orientadas sessões de psicoterapia, com indicação de acompanhamento em longo prazo.

discussãoNo âmbito da psiquiatria, com a substi tuição do termo

histeria por outras nomenclaturas, ganhou-se um maior rigor descriti vo, com sintomas devidamente enumerados e catalogados, e favoreceu-se uma diferenciação mais efeti va entre patologias psiquiátricas e orgânicas, podendo ter suscitado um melhor manejo clínico dos doentes.

Do ponto de vista eti ológico, o TPH pode estar associado a outros transtornos, como o de somati zação, o conversivo e o depressivo maior, que podem ser confundidos com outros transtornos de personalidade, por apresentarem característi cas em comum. Já os pacientes com TD/C tendem a ser subdiagnosti cados, e o diagnósti co pode levar anos para ser corretamente estabelecido, existi ndo ainda muita incompreensão a respeito entre os profi ssionais de saúde mental4-7. O transtorno dissociati vo está associado com comorbidades psiquiátricas, como abuso e dependência de substâncias, além de transtornos de personalidade borderline ou TPH. Assim, como no caso descrito, temos uma comorbidade entre os dois transtornos.

Descrevemos aqui uma paciente com TPH, segundo a CID-10, que desenvolveu um quadro de TD/C e depressão. Ainda que algumas pesquisas sugiram que a proporção seja próxima entre os sexos, esse diagnósti co tem sido muito mais frequente em mulheres1,8. A causa do TPH não é defi nida, porém, em sua grande maioria, há relatos de trauma psíquico, muitas vezes na infância1. No caso da paciente, o término do namoro culminou em uma experiência psíquica capaz de produzir o quadro dissociati vo numa base de personalidade histriônica. O seu quadro cursou com agitação, agressividade e perturbação da consciência, controle motor, memória,

percepção, emoção e representação corporal, além de amnésia dissociati va, e remiti u em duas semanas5,6,8,9. Esses sintomas são comparti lhados por transtornos dissociati vos ou de conversão e tendem a remiti r após algumas semanas ou meses, parti cularmente se o seu início está associado a um evento traumáti co da vida10.

Durante a internação, diversos exames foram realizados, não justi fi cando o quadro. Segundo a CID-10, para preencher o critério, o exame médico e a investi gação não devem revelar a presença de qualquer perturbação fí sica ou neurológica conhecida. Deve haver evidências de que a perda de função é uma expressão de confl itos ou necessidades emocionais. Os sintomas podem desenvolver-se em estreita relação com o estresse psicológico e muitas vezes aparecem repenti namente (CID-10). Há poucos estudos de neuroimagem aplicados à histeria. Esses estudos, entretanto, sugerem alterações variáveis na ati vidade de determinadas regiões corti cais e subcorti cais, principalmente dos córti ces pré-frontal e parietal, do tálamo e dos núcleos da base, possivelmente ligados aos transtornos10,11. Um achado importante nesses transtornos é de que testes eletrofi siológicos indicam vias motoras e sensoriais inalteradas12.

A paciente apresentou quadro depressivo comórbido, e essa associação entre transtornos de personalidade e depressão, incluindo o TPH, é mais comum do que em controles saudáveis13. Os diagnósti cos diferenciais, neste caso, seriam com transtornos neurológicos, como epilepsia e traumati smo crânio-encefálico14, os quais foram descartados.

O tratamento foi realizado baseado na comorbidade com depressão, sendo prescritos benzodiazepínicos e anti depressivos14. No caso, optou-se pela prescrição de sertralina, visando melhorar os sintomas depressivos. A paciente foi encaminhada para psicoterapia.

conclusãoA parti r do advento dos manuais psiquiátricos e

de suas sucessivas edições, nota-se que a histeria se adaptou às transformações diagnósti cas e aos avanços cientí fi cos da neurologia e da psiquiatria até adquirir seu status atual. O desaparecimento da histeria dos manuais diagnósti cos está relacionado à adoção de novos sistemas classifi catórios dos transtornos mentais. No entanto, a histeria é um fenômeno questi onável.

Page 42: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

42 revista debates em psiquiatria - Mai/Jun 2017

RELATORELATO DE CASOMARIANA GIANOLA ARRUDAANA SOFIA PONTES TRILLOVIVIAN PAULIN CORREIAALINE ROMÃO DA SILVASONIA MARIA MOTTA PALMA

A capacidade mimética e a multiplicidade de sintomas passam a alimentar os quadros de outras psicopatologias relativamente distantes da organização inicial da histeria apresentada nos manuais de psiquiatria.

Psiquiatras e clínicos devem estar atentos aos sintomas apresentados e realizar o diagnóstico através de critérios científicos, estando atentos também ao preconceito, evitando, assim, o estigma da doença e sofrimentos desnecessários para o paciente.

Artigo submetido em 25/10/2016, aceito em 01/02/2017.Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.Fontes de financiamento inexistentes.Correspondência: Mariana Gianola, Rua Luís Correia de Melo, 86/602, Vila Cruzeiro, CEP 04726-220, São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

Referências1. Kroenke K. Patients presenting with somatic

complaints: epidemiology, psychiatric comorbidity and management. Int J Methods Psychiatr Res. 2003;12:34-43.

2. Nimnuan C, Hotopf M, Wessely S. Medically unexplained symptoms. An epidemiological study in seven specialities. J Psychosom Res. 2001;51:361-7.

3. Shorter E. A historical dictionary of psychiatry. Oxford: Oxford University; 2005.

4. Matos EGde, Matos GMGd, Matos TMGd. Histeria: uma revisão crítica e histórica do seu conceito. J Bras Psiquiatr. 2005;54:49-56.

5. Rocca RE. [Hysterical psychoneurosis and its psychopathological and clinical limits]. Acta Psiquiatr Psicol Am Lat. 1981;27:209-18.

6. Sadock BJ. Kaplan & Sadock synopsis of psychiatry: behavioral sciences, clinical psychiatry. 9th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2003.

7. Gabbard GO. Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.

8. Associação Americana de Psiquiatria. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-5). Porto Alegre: Artmed; 2014.

9. Avila LA. Somatization or psychosomatic symptoms? Psychosomatics. 2006;47:163-6.

10. Organização Mundial da Saúde. CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª ed rev. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997.

11. Vega LMC, Madariaga AA, García-Campayo. La complejidad de los fenómenos de somatización - cartas ao director. Aten Primaria. 1997;20:154.

12. Dale KY, Flaten MA, Elden A, Holte A. Dissociative identity disorder and prepulse inhibition of the acoustic startle reflex. Neuropsychiatr Dis Treat. 2008;4:653-62.

13. Yucens B, Kuru E, Safak Y, Karadere ME, Turkcapar MH. Comparison of personality beliefs between depressed patients and healthy controls. Compr Psychiatry. 2014;55:1900-5.

14. Gottlieb RM. Psychosomatic medicine: the divergent legacies of Freud and Janet. J AM Psychoanal Assoc. 2003;51:857-81.

Page 43: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo

ANÚNCIOANÚNCIO

Page 44: A EXCLUSÃO NA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO … · Jerônimo de A. Mendes Ribeiro et al., por sua vez, trazem um panorama atualizado sobre o uso de álcool em mulheres. Segundo