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A ÉTICA NA REESTRUTURAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: UM DEBATE NECESSÁRIO?
Autora: Márcia I.A.Oliveira1
Orientadora: Terezinha Oliveira2
Resumo
Este trabalho tem como pressuposto a reestruturação do Projeto Político Pedagógico por meio da Ética, recuperando o legado que alguns dos Educadores Clássicos nos deixaram, bem como a Função Social da Escola na construção da pessoa, legitimando o espaço específico desta instituição na construção de saberes cientificamente produzidos na história pelos homens. Em função destas questões, achamos pertinente recuperar o papel da Ética, em especial, Aristóteles, com a Ética a Nicômaco’, para ampliarmos o debate acerca do conhecimento.
Palavras Chave: Ética; Reestruturação; Projeto Político Pedagógico.
INTRODUÇÃO
Este artigo é destinado a uma exposição dos resultados de uma proposta
prático-teórica, realizada no Colégio de Aplicação Pedagógica da UEM, como parte
das atividades do PDE. A proposta intitulada A Ética na Reestruturação do Projeto
Político Pedagógico: um debate necessário?, foi desenvolvida com base em
pesquisa bibliográfica, cujos resultados foram apresentados em forma de mini-curso
aos docentes e membros da comunidade escolar do referido colégio.
Uma das questões atuais que se apresentam no campo educacional é a das
constantes reestruturações dos projetos político-pedagógicos nas escolas (PPP). A
ela se relacionam as angústias acerca da prática pedagógica, das questões
1 Especialista em Fundamentos da Educação, graduada em Pedagogia pela UEM, atua no Colégio de Aplicação Pedagógica da UEM.
2 Professora Doutora em História do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Universidade Estadual de Maringá – UEM
recorrentes que a equipe técnico/administrativa precisa decidir sem o tempo
necessário para consultar o coletivo da escola, dos enfrentamentos entre professor e
aluno, da falta de respeito para com os agentes de apoio e administrativo; da
dificuldade de entrosamento entre os pais, a escola e os filhos, etc.
Embora reconhecendo a necessidade de mudanças nesse quesito, o que se
observa é que, a exemplo do que ocorre num domínio mais amplo com as políticas
públicas, nem sempre as reestruturações dos PPP se fazem com base em
categorias éticas. Por isso, elegemos como tema a necessidade da ética na
implantação de mudanças nas escolas por parte das diferentes gestões.
Para desenvolver o tema, consideramos necessário retomar o debate sobre a
função social da escola e sobre as bases legais educacionais no Brasil, já que, como
procuraremos mostrar, as questões do conhecimento no decorrer da história sempre
oscilaram entre os interesses predominantes nas instâncias de poder e as
necessidades dos homens em geral.
A função social da escola tem sido objeto de pesquisas, estudos e reflexões
há décadas. Dermeval Saviani, por exemplo, afirma que a principal função social da
escola é transmitir os conhecimentos cientificamente acumulados pela humanidade.
ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, e uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber é aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso também aprender a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais, historia e geografia humanas. ( SAVIANI,1992, p. 56)
Entendemos que, além de propiciar o conhecimento erudito, a escola também
é um espaço de convivência pessoal, no qual, portanto, se concretizam as relações
sociais. Evidentemente, nesse espaço o papel do professor é imprescindível. Como
evidenciou Oliveira, ministrando aulas no curso do PDE, o conhecimento, a ética, a
moral, a consciência, a sabedoria são elementos essenciais que os homens
constroem ou se apropriam. Tais elementos são necessários especialmente aos
educadores, pois estes são responsáveis pela prática de ‘professar ’.
Tendo em vista a função social da escola, é necessário considerar os
aspectos políticos e legais subjacentes aos encaminhamentos educacionais. No
Brasil, a questão do Projeto Político Pedagógico está definida em várias leis e
documentos oficiais, como Constituição Federal do Brasil de 1988; Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional de 1996; Plano Decenal para Todos resultante da
reunião organizada pela UNESCO, em Jomtien, na Tailândia em 1993; Plano
Nacional de Educação; Documentos do Conselho Nacional de Educação,
especialmente as Diretrizes Curriculares.
É importante destacar que o Brasil, representado por autoridades do MEC,
participa de uma agenda definida em relação aos acordos internacionais que
financiam a educação. Assim, a globalização econômica redimensiona o papel da
educação: não é mais só a escola que debate sobre o seu papel, mas toda a
sociedade sente esta necessidade na medida em que as contradições na mesma se
intensificam. Nesse sentido, os gestores, em sua maioria, sentem-se obrigados a
cumprir as metas exigidas pelos acordos acima mencionados, ou seja, tornam-se
interlocutores de interesses que extrapolam a real necessidade do cotidiano escolar.
A maioria das Gestões Educacionais, quando se apropriam do poder a elas
concedido legalmente, nem sempre se comportam com base nos propósitos da
Gestão Democrática, Colegiada e Participativa.
A Gestão Democrática implica que a dinâmica dos processos de organização
seja coletiva e participativa, ou seja, os processos decisórios para o
desenvolvimento dos cidadãos e da democracia devem ser baseados na
participação e na deliberação pública.
É por isso que consideramos interessante fazer uma breve referência a
alguns clássicos da História do pensamento, bem como a alguns autores
contemporâneos, os quais nos mostram que os encaminhamentos educacionais,
voltados para as necessidades dos homens em geral, não são alheios aos
interesses predominantes nas instâncias de poder. De nosso ponto de vista, esse
procedimento metodológico subsidia nossa discussão sobre o processo do
conhecimento em sua relação com a dinâmica das Políticas Públicas atuais.
1 Revisitando clássicos: em busca da necessidade da ética
Sabe-se que, desde os tempos primitivos, os homens guerreiam pela
sobrevivência de seus clãs, bem como para demarcar seus territórios. Também é do
conhecimento da humanidade que a Idade Antiga foi construída paulatinamente pela
escravidão dos povos em guerras de conquistas. Destaca-se a supremacia dos
gregos nessas guerras. No entanto, os gregos não se destacaram apenas por suas
conquistas: eles são considerados fundamentais também pela construção do
pensamento e pela tentativa de explicar, já naquele período, os fenômenos da
natureza.
Um exemplo das condições contraditórias que cercam a produção do
conhecimento e as lutas pelo poder é oferecido por Platão, discípulo de Sócrates.
Ele cresceu vivenciando as encenações políticas de seus familiares e talvez seja por
isso que ele manifestava desapreço pelos políticos de seu tempo e fazia severas
críticas à democracia ateniense. Além disso, a injustiça sofrida por seu mestre, que,
perseguido por difundir ideias contrárias à religião tradicional e ao governo de sua
época, foi acusado de corromper a mocidade e abalar a ordem, tendo sido
condenado a morrer bebendo cicuta, fez com que se desiludisse com aquela forma
de democracia política: Vendo isso e vendo os homens que conduziam a política,
quanto mais considerava as leis e os costumes, quanto mais avançava em idade,
tanto mais difícil me pareceu administrar os negócios do Estado (Carta VII).
Também Aristóteles, fundador do Liceu, e que em alguns aspectos se
contrapunha às ideias de Platão, que havia sido seu mestre, faz menção à
necessidade da ética nas ações políticas. Em sua obra, ‘ Ética a Nicômaco’, uma de
nossas fontes de estudo, destaca o resultados das ações virtuosas, justas e
temperantes. Vejamos:
Por conseguinte, as ações são chamadas justas e temperantes quando tais são como as que praticaria o homem justo ou temperante; mas não é temperante o homem que as pratica, e sim o que as pratica tal como o fazem os justos e temperantes. É acertado, pois, dizer que pela prática de atos justos se gera o homem justo, e pela prática de atos temperantes, o homem temperante; sem essa prática, ninguém teria melhor sequer a possibilidade de tornar-se bom.Mas a maioria das pessoas não procede assim. Refugiam-se na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira. Nisto se portam, de certo modo, como enfermos que escutassem atentamente os seus médicos, mas não fizessem nada do que lhes prescrevessem. “Assim como a saúde destes últimos não pode restabelecer-se com tal tratamento, a alma dos segundos não se tornara melhor com semelhante curso de filosofia. (ARISTÓTELES, 1987, p. 31).
Com base nessa citação, em que Aristóteles vincula a temperança à
conquista da Ética podemos verificar que, desde tempos remotos, aquela foi uma
constante preocupação.
2 Educação e ética
Retomamos, aqui também, alguns clássicos, porque estes nos auxiliam no
desenvolvimento de nossa questão: a de que, em nossa perspectiva, o Projeto
Político Pedagógico é uma maneira de construirmos, coletivamente, a identidade da
escola e com base nas necessidades de nossa sociedade.
Comecemos pelas ideias renascentistas. O século XV caracteriza-se por
grandes transformações sociais, culturais, intelectuais, juntamente com as quais
surgem novas ideias na sociedade. Essas ideias transformadoras influenciam no
surgimento de um novo projeto educacional para a sociedade; ao mesmo tempo, por
meio da interlocução de vários filósofos, a ciência toma impulso.
Dentre esses filósofos, destaca-se João Amós Comenius, que escreveu
‘Didática Magna: A arte de Ensinar Tudo a Todos’ (cap.XVI). Nessa obra o autor
deixa claro que se deve ensinar com base em objetivos.
Requisitos gerais para ensinar a aprender:Como se deve ensinar e aprender com a certeza de atingir o objetivo [...] Portanto, aqueles que educam a juventude têm apenas a tarefa de espalhar bem as sementes das ciências nos espíritos, e de irrigar cuidadosamente as plantinhas de Deus: o céu se encarregará de fazê-las crescer e amadurecer. [...] Quem, porém, trabalha com destreza e paixão, sabendo o que, onde, quando e como é necessário fazer e deixar fazer, não terá desenganos. No entanto, é verdade que às vezes até os mais experientes não obtêm resultados (pois para o homem é quase impossível realizar tudo com tal precisão que não lhe escape algum erro de um modo ou de outro), mas aqui não nos ocupamos da perícia ou do acaso, porém da arte, ou seja, do modo como é possível prevenir os acidentes. (COMENIUS, p.145-146)
Essa citação de Comenius nos induz a pensar em que termos o PPP deve ser
pensado e que seus objetivos devem ser compartilhados pela comunidade escolar.
Esta prática deve ser entendida como atemporal, na medida em que os educadores
(pais e mestres), na condição de possuidores do conhecimento, se conduzam com
paixão e rigor, planejando suas ações.
No século seguinte, com o apogeu da Revolução Industrial, o projeto precisa
se alterar, pois, nesse momento, a sociedade requer um novo modelo de homem.
Este deve ser educado para operar as máquinas e suprir as necessidades de uma
sociedade produtora de mercadorias. Entra em cena a modernidade, impulsionada
pelas transformações da maquinaria.
Kant (1724-1804), uma das maiores autoridades do século XVIII e início do
XIX, ressalta a necessidade de se educar as crianças não só para o momento
presente, mas, também, para o futuro. Vejamos:
Um princípio da pedagogia, o qual principalmente os homens que propõem planos para a arte de educar deveriam ter ante os olhos, é: não se devem educar as crianças segundo o presente estado da espécie humana, mas segundo um estado melhor, se possível no futuro, isto é, segundo a idéia de humanidade e da sua inteira destinação. Esse princípio é da máxima importância. De modo geral,o os pais educam seus filhos para o mundo presente, ainda que seja corrupto. Ao contrário, deveriam dar-lhes uma educação melhor para que possa acontecer um estado melhor no futuro (KANT,1996, p. 20- 23).
Assim, com base nas idéias de Comenius e Kant, podemos perceber a
relevância da ética no processo de formação tanto de nossas crianças, quanto dos
professores. Desta forma, a construção do Projeto Político Pedagógico de uma
escola não pode ser vista como um mero roteiro pedagógico, mas como um
mecanismo de formação integral, que propicie condições para a inserção do (a)
educando (a) na sociedade e o prepare para o futuro.
Não podemos deixar de fazer uma menção à Revolução Francesa porque é
na França que se inicia a Educação Pública. Após a Revolução Francesa, o Estado
burguês, ao assumir o governo da sociedade, toma a frente na concepção de um
projeto educacional nacional, ou seja, de planos para um sistema de ensino. De
acordo com LOPES (1981), em ‘Origens da Educação Pública’
Os princípios fundamentais da visão de mundo da burguesia do século XVIII, a liberdade, o individualismo e a igualdade jurídica, estão presentes no discurso pedagógico- revolucionário-burguês. A liberdade, exigida para as relações
econômicas e interpessoais, se expressa pedagogicamente em dois sentidos: liberdade para ser educado e liberdade para educar. Ou seja, o conteúdo acadêmico deveria ser livre, desamarrado do formalismo feudal-eclesiástico e nele ser imprimidos a moral burguesa e a Razão. A liberdade política, declarada em legislação, tornar-se-ia real mediante a liberdade na instrução e a difusão da instrução (LOPES, 1981, p.114).
Enfim, esses autores permitem-nos perceber que o projeto educacional,
independentemente do período histórico, está atrelado às necessidades do
momento, embora Kant nos alerte para a necessidade de educar as crianças para o
futuro.
Em termos de Brasil, segundo Oliveira, temos que considerar que a LDB/96
legisla e regula os propósitos da educação nacional, os quais se encontram
expressos nos projetos políticos pedagógicos das escolas de todo o país.
Segundo Severino, esta lei foi criada no período da globalização e da política
neoliberal, demonstrando um vínculo entre a educação e as novas condições
históricas:
A discussão, votação e promulgação da atual LDB, se deram num momento específico da história político-econômica do Brasil, marcado por uma tendência apresentada como inovadora e capaz de trazer a modernidade ao país. Assim, no contexto da globalização de todos os setores da vida social, as elites responsáveis pela gestão político administrativa do país rearticulam suas alianças com parceiros estrangeiros, investindo na inserção do Brasil na ordem mundial desenhada pelo modelo neoliberal (SEVERINO, 1988, p. 61).
De acordo com esse autor, a promulgação desta lei é semelhante à das
demais que já foram realizadas no país desde o período colonial. A diferença é que,
no Brasil, o direito de todos não é contemplado nas leis como nos EUA, ou seja,
nossos legisladores, na maioria representantes da classe dominante, fazem leis
copiadas de modelos internacionais, sem levar em consideração que a realidade
nacional não é a mesma.
Saviani (1999) aponta a grande distância entre as propostas contidas na Lei
9.394/96 e a realidade nacional:
As medidas tomadas pelo governo, ainda que partam de necessidades reais e respondam com alguma competência a essas necessidades, padecem de uma incapacidade congênita de resolvê-las. Isto por que a lógica que as preside as torna presas de um círculo vicioso eivado de paradoxos: as crianças pobres teriam melhor rendimento escolar se seus pais participassem mais ativamente da educação escolar dessas crianças; mas para isso eles deveriam ter uma melhor e mais alto nível de instrução, precisamente o que lhes foi negado. As crianças pobres teriam êxito na escola se não precisassem trabalhar; mas elas precisam trabalhar exatamente porque são pobres. Esses paradoxos se manifestam também no próprio campo econômico: os trabalhadores seriam mais produtivos se tivessem maior nível de instrução; mas por não terem maior nível de instrução eles precisariam ser mais produtivos para que a economia dos pais pudesse gerar os recursos que permitiriam maior investimento em educação ( p. 4 ).
Assim o autor ressalta que as condições reais da sociedade brasileira não
comportam a execução das propostas contidas na nova LDB. Para ele, seria
necessário um maior investimento de recursos para que a lei se efetivasse. Nesta
perspectiva, entendemos que a LDB é a expressão das novas tendências
educacionais mundialmente postas pelo sistema capitalista.
Oliveira nos auxilia a compreender estas questões, quando evidencia que as
diferenças econômicas, culturais, raciais, políticas, religiosas afloram a todo instante
e em todas as relações, vejamos:
[...] Dada esta complexidade das relações entre as pessoas, faz-se necessária uma nova prática pedagógica inserida nessa mesma complexidade global. A educação, mais do que em qualquer outra época, deve estar amalgamada às questões diversificadas dos homens e mulheres das mais distintas culturas e etnias.(OLIVEIRA, p. )
Do ponto de vista da autora, portanto, a nova prática pedagógica deveria
estar inserida na própria complexidade global.
Diante dessas reflexões, podemos nos manifestar a respeito das questões
educacionais atuais, especialmente no tocante às reformulações nos PPP.
Precisamos considerar que as práticas pedagógicas não podem desconhecer
a realidade da globalização. Elas precisam ser revisadas e direcionadas, de forma a
oferecer condições para que os educandos se tornem cidadãos críticos, conscientes
e capazes de se inserir e transformar a sociedade, que não é local, mas global.
Cabe, quanto a este aspecto, mencionar Edgard Morin. Em ‘Os sete saberes
necessários à educação do futuro’, ele afirma que a Ética não poderia ser ensinada
por meio de lições de moral, mas ser formada nas mentes com base na consciência
de que o humano é, ao mesmo tempo, individuo, ou seja, parte da sociedade, parte
da espécie. Carregamos em nós esta tripla realidade, resultante do caráter ternário
da condição humana, na qual o homem é, ao mesmo tempo,
individuo/sociedade/espécie; em seus termos, a realidade antropo-ética. Desse
modo, todo desenvolvimento verdadeiramente humano deve compreender o
desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações
comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana.
No início deste artigo, mencionamos que Sócrates foi obrigado a beber cicuta
por difundir ideias contrárias à religião tradicional e ao governo de sua época.
Mencionamos também Aristóteles, para quem é pelas atitudes, pelas ações, que os
homens se relacionam com o conhecimento; por meio delas, especialmente pela
temperança na aplicação dos conhecimentos, eles podem se tornar imunes ou não
aos males. Quando o poder se sobrepõe à Ética, destila-se cicuta a gotas.
Por meio das questões elencadas, queremos ressaltar que o papel das
Gestões Educacionais deveria ser o de atender prioritariamente aos reais problemas
enfrentados pela Comunidade Escolar e que uma das formas de fazê-lo seria por
meio da legitimação do Projeto Político Pedagógico, nos termos em que já nos
referimos. Para que consigamos este objetivo, ainda temos muito a fazer, em
especial, compreender que as políticas públicas estão vinculadas a outros
interesses, os quais não necessariamente são os da comunidade escolar.
Mencionamos a este respeito, a contribuição de NAGEL (2001), em ‘Em Educação
Via Banco Mundial: Imposição ou Servidão Necessária ?
Pelo mesmo esquema de separação do todo das partes, a negação da reprovação escolar, afirmada apenas como produto de professores mal qualificados, escondendo-se como a condição necessária para repasses financeiros dos organismos internacionais, ainda não foi examinada em suas consequências sociais e/ou culturais para os pais. A aprovação compulsória como decisão anterior a aferição de conhecimentos, a correção de fluxo como meta estatística para comprovar a eficiência de um sistema falido, na prática vigente, já garantiu um descompromisso com as futuras gerações, só admissível quando se perde a historia como horizonte possível (p. 13 )
De acordo com as colocações da autora, entendemos que o descompromisso
com a geração futura e o atrelamento às necessidades imediatas significa destilar
cicuta no terreno educacional.
Gostaríamos aqui de reproduzir parte da primeira meditação de Descartes, o
qual, discutindo a questão da autonomia do sujeito diante do que é considerado
verdadeiro, pode dar motivo de uma reflexão a respeito de nossa prática educativa.
Há algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências. Mas parecendo-me ser muito grande essa empresa, aguardei atingir uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar outra após ela (...)Agora, pois, que meu espírito está livre de todos os cuidados, e que consegui um repouso assegurado numa pacifica solidão, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade em destruir em geral todas as minhas antigas opiniões. Ora, não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas, uma vez que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir-me de dar crédito as coisas que não são inteiramente certas e indubitáveis, do que as que nos parecem manifestadamente ser falsas, o menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar todas. E, para isso, não é necessário que examine cada uma em particular, o que seria trabalho infinito; mas visto que a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifício, dedicar-me-ei inicialmente aos princípios sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam apoiadas. (DESCARTES, 1983, p. 17).
Acima, o autor, em nosso entendimento, reitera a necessidade de buscarmos
o conhecimento através dos fundamentos das ciências para que tenhamos êxito em
nossas ações.
Considerações Finais
Ao final, reafirmamos que a reconstrução do Projeto Político Pedagógico deve
ser realizada com o coletivo da escola, pois democratização implica uma prática
conjunta que envolva todas as relações de poder: professores(as), alunos (as),
funcionários(as) e equipe técnica ( direções e pedagogos). A melhor forma de rever
e transformar a prática cotidiana é repensar sobre ela de forma permanente. É esta
a Ética que deve permear as relações na escola.
Diante deste contexto, entendemos que a reestruturação do Projeto Político
Pedagógico nas instituições de ensino, deva ser uma prática constante, tendo como
pressuposto fundamental a escolha da leitura dos clássicos.
Referências Bibliográficas:
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DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Trad. J.Guinsburg e Bento Prado Junior. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
KANT, I. Sobre a Pedagogia. Piracicaba : UNIMEP,1986.
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LOPES, Eliane M.S.T. Origens da Educação Pública : A instrução na Revolução Burguesa do Século XVIII. São Paulo Edições Loyola,1981.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNESCO,2000.
NAGEL, Lizia Helena. Educação via Banco Mundial: Imposição ou Servidão Necessária ? www.pde.pr.gov.br
OLIVEIRA, Terezinha. Origem e Memória das Universidades Medievais. VARIA HISTÓRIA. Belo Horizonte,vol.23,n.37: p.113-129,Jan/un 2007.
SAVIANI, Demerval. Da nova LDB ao novo plano nacional de educação : por uma outra política. Campinas: Autores Associados,1999.
_______. Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras aproximações. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992. ( Coleção Polêmicas do Nosso Tempo)
SEVERINO, A. J. Os embates da cidadania: ensaio de uma abordagem. In:BRZEZINSK (org.) LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez,1988.
VEIGA, Ilma passos A. (Org.) Projeto Político-pedagógico da Escola: UmaConstrução Possível. Campinas: Papirus, 1985.( Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).