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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROGRAMA A VEZ DO MESTRE A ÉTICA NA FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS MARIA LAURA FREITAS DE LIMA RIO DE JANEIRO, 1 DE ABRIL DE 2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROGRAMA A VEZ DO MESTRE

A ÉTICA NA FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS

MARIA LAURA FREITAS DE LIMA

RIO DE JANEIRO, 1 DE ABRIL DE 2002

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROGRAMA A VEZ DO MESTRE

A ÉTICA NA FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS

MARIA LAURA FREITAS DE LIMA

Monografia apresentada à Universidade Candido

Mendes do Curso de Pós-Graduação lato

sensu em Gestão Estratégica e Qualidade

do Programa a Vez do Mestre sob a orientação

da Professora Maria Esther de Araújo Oliveira

RIO DE JANEIRO, 1 DE ABRIL DE 2002

2

SUMÁRIO

RESUMO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 05

CAPÍTULOS

1. ÉTICA..................................................................................................................... 07

1.1. DEFINIÇÃO.................................................................................................... 07

1.2. UM BREVE HISTÓRICO............................................................................... 07

1.3. DOUTRINAS ÉTICAS EM CADA PERÍODO HISTÓRICO....................... 09

1.3.1. ÉTICA GREGA....................................................................................... 10

1.3.1.1. SOFISTAS....................................................................................... 10

1.3.1.2. SÓCRATES..................................................................................... 10

1.3.1.3. PLATÃO.......................................................................................... 11

1.3.1.4. ARISTÓTELES............................................................................... 11

1.3.1.5. ESTÓRICOS E EPICURISTAS...................................................... 11

1.3.2. ÉTICA CRISTÃ MEDIEVAL.............................................................. 12

1.3.2.1. ÉTICA RELIGIOSA...................................................................... 12

1.3.2.1. ÉTICA CRISTÃ FILOSÓFICA..................................................... 12

1.3.2.2. ÉTICA MODERNA........................................................................ 13

1.3.2.3. ÉTICA ANTROPOCÊNTRICA NO MUNDO MODERNO......... 13

1.3.2.4. ÉTICA DE KANT........................................................................... 13

1.3.3. ÉTICA CONTEMPORÂNEA................................................................ 14

1.3.3.1. KIERKEGAARD AO EXISTENCIALISMO.................................. 14

1.3.3.2. PRAGMATISMO............................................................................ 15

1.3.3.3. PSICANÁLISE E ÉTICA................................................................ 15

1.3.3.4. MARXISMO................................................................................... 16

1.3.3.5. NEOPOSITIVISMO E FILOSOFIA ANALÍTICA........................ 17

2. ÉTICA E TRABALHO............................................................................................ 19

2.1. EVOLUÇÃO DO TRABALHO.......................................................................... 20

2.2. A CRISE ÉTICA DO TRABALHO.................................................................... 25

3

3. ÉTICA NAS EMPRESAS.......................................................................................... 27

4. ÉTICA PROFISSIONAL............................................................................................ 30

4.1. COMPETÊNCIAS............................................................................................... 31

4.2. CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL............................................................. 32

5. ÉTICA NA FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS...................................... 33

5.1. EDUCAÇÃO ÉTICA NAS EMPRESAS........................................................... 35 CONCLUSÃO................................................................................................................ 36 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 38

4

RESUMO

A proposta desse trabalho é de evidenciar a importância da ética na formação dos

Recursos Humanos inicialmente através de uma abordagem conceitual, apresentando um

breve histórico, onde as doutrinas éticas são descritas em cada período.

O primeiro capítulo é fundamental, pois nos ajuda a compreender o

desenvolvimento do pensamento ético até os dias de hoje. Serve, então, como base

conceitual para a monografia.

Na continuação dos capítulos descrevemos a ética e o trabalho, ambos em sinergia.

Uma abordagem que combina a evolução do trabalho sob o aspecto do contexto ético.

Os capítulos seguintes têm sua seqüência natural, enfocando a ética em relação à

empresa e profissionais.

De posse de todo o subsídio fornecido ao longo do trabalho, fechamos com uma

questão central: a "educação ética” na formação dos Recursos Humanos, através das

empresas, escolas e universidades.

5

INTRODUÇÃO

Discutir uma conduta ética em todos os aspectos no mundo contemporâneo é

necessário, pois hoje os comportamentos valorizados excluem qualquer possibilidade de

cultivo de relações éticas. A competição, a possessão, o consumo desenfreado, o poder...

levam a valores não éticos, onde tudo é permitido, não importando de que forma é

alcançado.

A Ética ilumina a consciência humana, levando a uma reflexão sobre os

comportamentos e valores praticados. Sustenta e nortea as ações do Homem como

indivíduo, e em interface com os vários segmentos da sociedade. É um resultado

histórico-cultural e, como tal, define conceitos do que é certo ou errado, bom ou mau,

permitido ou proibido, para sociedade.

Sendo universal, a ética estabelece um código de condutas morais que irá orientar o

Homem a viver em sociedade de forma saudável em todos os aspectos sócio, político,

econômico e cultural.

Com a globalização a responsabilidade ética passou a ser cada vez mais debatida,

porque a sociedade necessita manter um equilíbrio nas relações humanas. O neoliberalismo

leva o Homem a ser individualista. Ser ético é assumir um papel de cidadão, com objetivo

de conviver de forma harmônica consigo e com o mundo.

Uma das áreas mais carentes em princípios éticos é o do trabalho. Por este motivo,

executivos e estudiosos em administração de empresas têm voltado suas atenções para

questões éticas. São os próprios pressupostos da disputa empresarial que forçam a adoção

de uma consciência ética.

A Ética é inerente à vida humana e sua importância é clara na vida profissional,

nas responsabilidades individuais e sociais, pois as pessoas são base para qualquer

iniciativa de resgate ético. Na ação humana o “fazer” e o “agir” estão interligados. O fazer

diz respeito à competência, à eficiência que todo profissional deve possuir para exercer

bem a sua profissão. O agir é a conduta do profissional, através do conjunto de atitudes que

deve assumir no desempenho de sua profissão

A falta de ética pessoal tem levado alguns profissionais a defender interesses

particulares em detrimento aos objetivos traçados pelas empresas que trabalham,

colocando-as em risco nos mercados em que atuam. Casos de corrupção e investimentos

duvidosos em empresas públicas e privadas são os maiores exemplos de profissionais que

agem sem princípios éticos.

6

Nas organizações a ética empresarial é concebida lentamente. Há algumas

empresas que hoje possuem um código de ética e que o praticam, mas que implantaram

este sistema depois de um escândalo que lhe custou caro financeira e moralmente.

Através do estudo da Ética é que podemos verificar a amplitude e valor agregado à

formação dos Recursos Humanos e no equilíbrio das relações no trabalho.

Grande parte dos currículos adotados em escolas e universidades não dão ênfase ao

estudo da Ética, e os programas de treinamento e desenvolvimento nas empresas dão muito

destaque aos assuntos técnicos e motivacionais, desconsiderando a necessidade de abordar

aspectos éticos, tão imprescindíveis para a dinâmica de qualquer atividade profissional.

A proposta desse trabalho é evidenciar a necessidade da presença de um

comportamento ético no exercício profissional e sua importância na formação de Recursos

Humanos, através de uma pesquisa bibliográfica e documental.

Serão analisadas questões que envolvem a conduta humana nas relações pessoais,

profissionais e empresariais, e o papel das empresas neste processo de formação de uma

consciência Ética.

7

1. ÉTICA

1.1. DEFINIÇÃO

É o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de

qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada

sociedade, seja de modo absoluto, para qualquer tempo ou lugar.

Um espécie de teoria sobre a prática moral, onde se analisa e critica os fundamentos

e princípios que orientam o comportamento humano.

Não se pode confundir ética e a moral. A ética não cria a moral. A ética se defronta

com uma série de práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar a

essência da moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes

de avaliação moral, função dos juízos morais...

Moral é o conjunto de hábitos e costumes, efetivamente vivenciados por um grupo

humano. Que pode ser considerado moralmente bom ou não.

A ética estuda a moralidade dessas ações humanas, se apoiando em outras áreas do

conhecimento, para imprimir ao conteúdo moral um tratamento teórico e, por esta razão, é

parte vital na produção da realidade social dessas ações.

1.2. UM BREVE HISTÓRICO

A palavra Ética vem do grego – Ethos – Propriedades do Caráter. As reflexões

éticas se originaram na Grécia antiga onde acentuava-se o caráter público das questões,

relativas aos valores. Os gregos inferiram que os juízos sobre o bem, a verdade, a justiça

eram ditados pela consciência moral ( individual ), mas resolvidos de maneira livre e

racional em praça pública, na pólis.

A pólis, para os gregos, era o lugar onde os Homens, por meio do debate, do

diálogo, pelo uso da palavra praticavam a Cidadania, ou seja, decidiam sobre o destino

comum.

Para Sócrates, filósofo grego, a ética estava ligada ao conceito de alma ( psyché).

Com isto surge o sujeito moral, que sob forma de consciência moral se tornará uma das

categorias antropológicas básicas da Ética ocidental. Para Sócrates este sujeito moral não

tinha uma conotação individualista ou interiorista, sua virtude (areté) tinha por perspectiva

a sociedade política.

Na Idade Média, os princípios da ética antiga sofrem uma expressiva mudança,

devido ao poder exercido pela Igreja. As normas de convivência social da Idade Média

passam a ser controladas pelo princípios do Cristianismo.

8

Desse modo, a dimensão ética já não se dá na ação, no comportamento, no agir

social, mas nas boas intenções e no desejo de alcançar o bem para atender à vontade

divina.

Na Ética cristã o objetivo da prática de valores é encaminhar as relações dos

indivíduos com o juiz das ações humanas, Deus, pois o que passa a ser avaliado é a

interioridade, a consciência.

Cria-se a idéia de culpa pessoal, que funciona como um juiz particular que “sabe”

quando a fé foi insuficiente. Esse juiz é implacável na avaliação.

Nesse momento há o rompimento do vínculo entre a Ética e Política. A conduta

ética apresenta-se , agora, como capacidade de obediência à lei divina, à determinação da

autoridade, e não mais, pela vontade livre e racional ( crítica ).

Entra em vigor princípios que desvalorizam a autonomia e a deliberação humana,

provocando a fragilização da responsabilidade pessoal. Se tudo está predeterminado por

uma ordem superior, divina, limitamos nossa possibilidade de escolha, de decisão.

A Igreja detinha o saber e mantinha os princípios de obediência que regulavam

essas relações.

A Idade Média se organiza seguindo o modelo de produção feudal, onde as relações

sociais são caracterizadas pela rígida hierarquia entre os senhores – proprietários de Terras

– e os servos – aqueles que as cultivavam, cabendo aos servos parte da produção necessária

à subsistência familiar.

Ocorreram grandes transformações no período de transição da Idade Média para à

modernidade, tais como: a intensificação do comércio, o descobrimento de novas terras,

importantes invenções... Produzindo mudanças radicais na ordem econômica e,

conseqüentemente, na ordem das idéias e valores da sociedade da época.

Entre o século XII e o século XVI, começa a desagregação da antiga ordem feudal.

O comércio se intensifica. Os servos libertos saem do campo para os burgos,

começando a dedicar-se à atividade comercial, onde estabelecem relações mais igualitárias

fundadas nos valores do trabalho, da honestidade, da palavra empenhada. Surgindo uma

nova classe social – a dos burgueses. Eram chamados assim porque viviam nos burgos.

Os burgos eram pequenas vilas fundadas à beira das estradas por servos que

escapavam do senhor feudal. A base econômica destas vilas era fundamentada no

comércio. Muitas se transformaram em cidades.

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Nasce uma nova classe social, a burguesia, com divisões distintas. Uma era a alta

burguesia – detentora dos meios de produção – e em média e pequenas burguesias –

designadas, no século XX, com classe média.

A burguesia corresponde o desenvolvimento de uma nova ordem de valores, que

passa a nortear as relações entre os homens, favorecendo a passagem da antiga ordem

feudal para o capitalismo moderno. Instaurando-se uma nova ética.

Os interesses dessa nova classe, dependentes do desenvolvimento da produção e da

expansão do comércio, exigiam mão-de-obra livre e dedicação ao trabalho capazes de

aumentar a produtividade e de contribuir para a prosperidade dos negócios.

Esta nova classe tem como características as virtudes de laboriosidade, honradez,

puritanismo, amor à pátria e à liberdade.

O trabalho, na modernidade, é visto como fator social determinante na

humanização do homem.

A sociedade moderna vê o trabalho como uma expressão de liberdade, pois ele é

um meio para o homem modificar a natureza, inventar a técnica, criar nova realidade,

modificar o curso das coisas, mudando a si próprio e a sociedade em que vive.

O trabalho é identificado como fator econômico e de necessidade psicológica da

humanidade.

Com base no papel atribuído à atividade humana, a sociedade moderna desenvolve

uma ética do trabalho.

1.3. DOUTRINAS ÉTICAS EM CADA PERÍODO HISTÓRICO

As doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em diferentes períodos

e Sociedades, como respostas aos problemas básicos apresentados pelas relações entre os

homens e em particular pelo seu comportamento moral efetivo. Por este motivo, há uma

estreita ligação entre os conceitos morais e a realidade humana, social, sujeita

historicamente à um processo de mudança.

Em toda moral efetiva se formam certos princípios, valores ou normas que mudam

radicalmente a vida social e moral. Os princípios, valores ou normas incorporados nela,

entram em crise, exigindo uma legitimação ou uma substituição por outros.

Surge a necessidade de novas reflexões, pois os conceitos, valores e normas

vigentes se tornaram um problema. Justificando, assim, a aparição e sucessão de doutrinas

éticas fundamentais ligadas a mudança e a sucessão de estruturas sociais, e dentro delas, da

vida moral.

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1.3.1. ÉTICA GREGA

Quando se democratiza a vida política da antiga Grécia, em particular, em

Atenas, os problemas éticos recebem uma especial atenção na filosofia grega.

Os filósofos do primeiro período ( os pré-socráticos ) tinham uma

preocupação com os problemas do homem, e, principalmente, com os problemas políticos

e morais.

O triunfo da democracia escravista sobre o domínio da velha aristocracia,

com a democratização da vida política e o desenvolvimento da vida pública, deram origem

à filosofia política e moral.

As idéias de Sócrates, Platão e Aristóteles estão relacionadas com a

realidade de uma comunidade democrática limitada e local ( polis ).

1.3.1.1. OS SOFISTAS

Era um movimento intelectual na Grécia do século V. A palavra Sofista

originalmente significa mestre ou sábio. O sofista se interessa por um saber a respeito do

homem, particularmente político, jurídico, prático, tendente a influir na vida pública. Por

este motivo, eles se tornaram mestres na arte de convencer, através da retórica.

Mas esta arte de persuadir é desenvolvida e transmitida pondo em dúvida

não só a tradição, mas a existência de verdades e normas universalmente válidas.

Não existe nem verdade nem erro, e as normas – por serem humanas – são

transitórias.

1.3.1.2. SÓCRATES

Em Atenas nasce em 470 (a.n.e.), Sócrates, o opositor da democracia

ateniense e mestre de Platão. Comungava com os sofistas o desprezo ao conhecimento da

natureza, e criticava a tradição, mas não aceitava o relativismo e o subjetivismo que eles

pregavam.

Para Sócrates o saber essencial é o saber a respeito do homem, que se

caracterizava por três elementos: 1) é um conhecimento universalmente válido;

2) conhecimento moral; e 3) conhecimento prático. Logo, a ética socrática é racionalista.

Na concepção de Sócrates bondade, conhecimento e felicidade se entrelaçam

estreitamente.

11

1.3.1.3. PLATÃO

Discípulo de Sócrates e “inimigo” da democracia ateniense. A ética de

Platão está relacionada intimamente com a sua filosofia política, onde a polis ( cidade ) é

o terreno próprio da vida moral.

Na ética platônica encontramos uma estreita unidade da moral e da política,

onde o homem se forma espiritualmente somente no Estado e mediante a subordinação do

indivíduo à comunidade na qual está inserido.

1.3.1.4. ARISTÓTELES

A ética de Aristóteles – como a de Platão – está aliada à sua filosofia

política, onde a comunidade social e política é o meio necessário da moral. Somente nela

pode realizar-se o ideal da vida teórica na qual se baseia a felicidade. O homem só pode

viver na cidade, sendo , por natureza, um ser político, ou seja, social.

1.3.1.5. ESTÓRICOS E EPICURISTAS

Surgem no processo de decadência do mundo antigo grego-romano, que se

Caracteriza pela perda de autonomia dos Estados gregos e pela organização,

desenvolvimento e queda dos grandes Impérios ( Macedônio e o Romano ).

O estoicismo tem como seus principais representantes Zenão de Cítio, na

Grécia, e Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio, em Roma; o epicurismo está representado por

Epicuro , na Grécia, e por Tito Lucrécio Caro, em Roma.

Para ambos, a moral não se define em relação à pólis, mas ao universo. O

problema moral é posto sobre o âmago da necessidade física, natural, do mundo, sendo a

física a premissa, o princípio da ética.

Para os estóicos o que acontece no mundo é com interferência de Deus, não

existindo liberdade nem acaso. O destino do homem já está traçado.

O estóico vive moralmente como cidadão do cosmos e não da polis.

Os epicuristas acreditavam que tudo o que existe, inclusive a alma, é

formado de átomos materiais que possuem um certo grau de liberdade. Não há

interferência divina nos fenômenos físicos, e nem na vida do homem.

O bem é alcançado, sem temor do sobrenatural. Ë encontrado em si mesmo,

ou através de um pequeno círculo de amigos, a tranqüilidade da alma e a auto-suficiência.

A ética epicurista e estóica surgem da decadência e de crise social, onde a

moral e a política fundamentada pela ética grega anterior se dissolve.

12

1.3.2. ÉTICA CRISTÃ MEDIEVAL

Cristianismo surge das ruínas da sociedade antiga e termina por impor a sua

supremacia durante dez séculos. Com a decadência do mundo antigo, a escravidão cede o

lugar ao regime de servidão. A sociedade medieval se organiza como um sistema de

dependências e de vassalagens que se caracteriza com um aspecto estratificado e

hierárquico, com uma profunda fragmentação econômica e política, devido à existência de

uma multidão de feudos. A religião garante uma certa unidade social.

A moral concreta, efetiva e a ética – como doutrina moral – estão

impregnadas de um conteúdo religioso que encontramos em todas as manifestações da vida

medieval.

1.3.2.1. ÉTICA RELIGIOSA

A ética religiosa parte de um conjunto de premissas reveladas a respeito de

Deus, criador do mundo e todo-poderoso.

Na religião cristã o homem é definido essencialmente em relação a Deus. O

comportamento do homem – incluindo a moral – vem de Deus.

As teologias ( fé, esperança e caridade ) regulam as relações entre o homem e Deus e são,

por conseguinte, virtudes em escala divina.

O cristianismo pretende elevar o homem para uma ordem sobrenatural, na

qual possa viver plenamente e feliz, sem as desigualdades e injustiças terrenas.

Introduzindo a idéia de enorme riqueza moral: a da igualdade dos homens, onde todos os

homens são iguais diante de Deus.

Na Idade Média, a igualdade só podia ser espiritual ou uma igualdade para o

amanhã num mundo sobrenatural, ou ainda, uma igualdade limitada no mundo real e em

algumas comunidades religiosas.

1.3.2.2. ÉTICA CRISTÃ FILOSÓFICA

O cristianismo não é uma filosofia, mas uma religião. Mas na Idade Média

toda abordagem filosófica se derivava de questões teológicas. Naquele tempo a filosofia

era serva da teologia. Subordinando-se a filosofia à teologia, também se subordina a ética.

Onde transparece especialmente na ética de Santo Agostinho (354-430) e de Santo Tomás

de Aquino.

Santo Agostinho se afasta do pensamento grego antigo ao sublimar valor da

experiência pessoal, da interioridade, da vontade e do amor. A ética agostiniana se

contrapõe ao racionalismo ético dos gregos.

13

A ética tomista coincide nos seus traços gerais com a de Aristóteles. Para o

Santo Tomás Deus é o fim supremo, que causa gozo ou felicidade, que é um bem subjetivo

( nisto se afasta de Aristóteles para quem a felicidade é o fim último.

A doutrina político-social atém-se à tese do homem como ser social ou

político, o poder é derivado de Deus e o poder supremo cabe à Igreja.

1.3.3. ÉTICA MODERNA

O período da ética moderna é considerado desde o século XVI até os

começos do século XIX. Neste período destacamos uma tendência antropocêntrica – em

contraste com a ética teocêntrica e teológica da Idade média – que atinge o seu ponto

culminante na ética de Kant.

1.3.3.1. ÉTICA ANTROPOCÊNTRICA NO MUNDO MODERNO

A ética moderna surge da nova sociedade que sucede à sociedade feudal da

Idade Média. Uma série de mudanças surgem em todas as ordens: política, econômica,

espiritual,...

Descartes (século XVII) esboça claramente a tendência de basear a filosofia

no homem. Em Kant, o homem é um ser ativo, criador e legislador, tanto no plano do

conhecimento quanto no da moral.

No mundo moderno tudo contribui para que a ética seja libertada dos

pressupostos teológicos, tornando-se antopocêntrica, isto é, tenha o seu centro e

fundamento no homem, embora este ainda se conceba de uma maneira abstrata, dotado de

uma natureza universal e imutável. A ética de Kant é a maior expressão da ética moderna

pela mudança decisiva que representa dentro da evolução do pensamento ético.

1.3.3.2. ÉTICA DE KANT

Kant (1724-1804) toma como ponto de partida da sua ética o factum

( o fato ) da moralidade , onde o homem pertence ao mundo como um ser moral, agindo

conforme sua consciência moral – legislador de si mesmo.

A ética kantiana é uma ética formal e autônoma. Por ser autônoma aparece

como a culminação da tendência antropocêntrica iniciada no Renascimento, em oposição à

ética medieval.

14

1.3.4. ÉTICA CONTEMPORÂNEA

Na ética contemporânea incluímos não só as doutrinas éticas atuais, como

também, aquelas surgidas no século XIX, continuam exercendo influência nos dias de

hoje.

As doutrinas éticas posteriores a Kant e a Hegel surgem num mundo social,

que depois da Revolução de 1789, não só conheceu a instauração de uma ordem social,

como uma sociedade na qual afloram e se aguçam as contradições profundas que

explodirão nas revoluções sociais do século passado e presente.

A ética contemporânea floresce, igualmente, numa época de contínuos

progressos científicos e técnicos. Um novo sistema social é criado – o socialismo. Uma

reavaliação de comportamentos, princípios e heranças que não se enquadram no legado

ocidental tradicional.

No campo filosófico, a ética contemporânea se apresenta como uma reação

contra o formalismo e o racionalismo abstrato kantiano e a forma de racionalismo absoluto

de Hegel.

Busca-se o homem concreto (indivíduo/social ), o reconhecimento do

irracional no comportamento humano e a procura da origem da ética no próprio homem.

1.3.4.1. KIEKEGAARD AO EXISTENCIALISMO

Kiekegaard é considerado o pai do existencialismo. Este era contrário ao

racionalismo absoluto hegeliano. Para ele o que é relevante é o indivíduo com sua

subjetividade, porque este existe unicamente no seu comportamento plenamente subjetivo.

Existem três estágios na existência individual: estético, ético e religioso. No ético o

indivíduo deve pautar o seu comportamento por normas gerais e, por isso, perde em

subjetividade, ou seja, em autenticidade.

Max Stirner ( 1806 - 1856 ), pode ser considerado como um dos precursores

do anarquismo moderno, recuperando o homem concreto. Se em Kiekgaard a moral ocupa

um setor limitado da individualidade autêntica, em Stirner ela torna-se impossível.

O existencialismo de Jean-Paul Sartre ( 1905 - 1980 ) renova em nossos dias

a orientação individualista e irracionalista. Dois componentes fundamentais se articulam,

de maneira peculiar na filosofia de Sartre: o seu individualismo radical e o seu liberalismo.

Segundo Sartre o homem é liberdade. Cada um de nós é absolutamente livre

e mostra a sua liberdade sendo o que escolheu ser, criando o seu valor.

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1.3.4.2. PRAGMATISMO

O pragmatismo como filosofia e doutrina ética nasce e se difunde nos

Estados Unidos no último quarto do século passado e nas primeiras décadas do séc. XX.

Seus principais expoentes são: CH. S. Pierce, W. James e J. Dewey.

O progresso científico e técnico e o desenvolvimento do “espírito de empresa” na USA,

bem como a correlativa mercantilização das várias atividades humanas, criavam condições

favoráveis para a aparição e difusão de uma filosofia antiespeculativa como o

pragmatismo.

O pragmatismo caracteriza-se pela identificação da verdade com o útil. Os

valores, princípios e normas são esvaziados de um conteúdo objetivo, e o valor do bom,

varia de acordo com cada situação.

Reduzindo o comportamento moral aos atos que levam ao êxito pessoal, o

pragmatismo se transforma numa variante utilitarista marcada pelo egoísmo, rejeitando a

existência de valores ou normas objetivas.

1.3.4.3. PSICANÁLISE E ÉTICA

A psicanálise como corrente psiquiátrica e psicoterapêutica foi fundada por

Sigmund Freud (1856-1939). Da escola freudiana desprende-se um série de ramos –

representados, entre outros, por Adler, Jung, Sullivan e Fromm – onde as teses da

psicanálise de Freud são submetidas a um processo de revisão.

Não se pode falar de uma ética psicanalítica, mas é inegável que algumas

descobertas sobre o papel da motivação inconsciente no comportamento humano têm

conseqüências importantes para as investigações éticas.

O pressuposto básico da psicanálise é a afirmação de que existe uma zona

da personalidade, da qual o indivíduo não tem consciência, onde se armazenam

recordações, desejos ou impulsos reprimidos que lutam para escapar desse fundo obscuro,

ludibriando a “censura” exercida pela consciência. O inconsciente é ativo e dinâmico,

influindo no comportamento real do sujeito.

Para Freud, a energia que se manifesta nessa atividade inconsciente é a da

natureza sexual e se chama libido.

Freud distingue três zonas da personalidade: o id ( inconsciência ); o ego

(consciência ) e o superego ( conjunto de normas impostas ao sujeito de maneira autoritária

e inconsciente) .

16

O superego se manifesta pelos valores e normas morais adquiridos no

período da educação. É uma espécie de consciência inconsciente que entra em conflito com

a consciência moral (consciente ).

Freud dá uma contribuição importante à ética. Se levarmos em consideração

que o comportamento moral do homem, que se apresenta como consciente, obedece a

forças ou impulsos que escapam ao controle da sua consciência. Podemos concluir que,

segundo Freud, esta motivação deverá ser considerada da seguinte forma: se o ato

propriamente moral é aquele no qual o indivíduo age consciente e livremente, os atos

praticados por uma motivação inconsciente devem ser excluídos do campo moral.

Fromm considera que o comportamento humano, incluindo a moral, não

possa ser explicado somente pelas forças dos instintos, mas pelas relações do homem com

o mundo externo. Ao analisar a relação entre os fatores inconscientes e os fatores sociais,

tendo como base da sua análise a sociedade capitalista, Fromm nega que os primeiros

tenham o papel decisivo que Freud lhes atribuía e imprime à psicanálise uma orientação

social.

Ao passar da vida instintiva para o social Fromm caia em concepções

antropológicas abstratas do homem, bem como uma visão utópica da mudança social, é

claro que a sua visão da psicanálise – em certos aspectos influenciada por Max – oferece

mais contribuições à ética do que a psicanálise clássica de Freud.

1.3.4.3. MARXISMO

O Marxismo como doutrina ética oferece uma explicação a uma crítica das

morais do passado, ao mesmo tempo que põe em evidência as bases teóricas e práticas, de

uma nova moral.

Os fundamentos da teoria marxista da moral, se apresentam nas tentativas

de Marx de recuperar também o homem concreto que se tinha transformado numa série de

abstrações: em Hegel (Idéia), em Stirner ( Único) e em Feuerbach ( como homem em

geral ).

Segundo Marx, o homem real é antes de tudo, práxis: isto é, um ser

produtor, transformador, criador. Com o seu trabalho, transforma a natureza externa, nela

se plasma, e ao mesmo tempo, cria um mundo à sua medida, à medida de sua natureza

humana.

17

O homem é um ser social. Ele produz através das relações sociais, as quais

se elevam as demais relações humanas, sem excluir a superestrutura ideológica da qual faz

parte a moral.

O homem é também um ser histórico, que sofre as influências de uma

determinada época. Mas, em cada época histórica, o agente principal da mudança é a classe

ou as classes cujos interesses coincidem com a marcha ascendente do movimento histórico.

Destas premissas, deduzem-se as seguintes teses fundamentais para a ética:

. A moral, como toda forma de superestrutura ideológica, cumprindo uma

função social;

. A inexistência de um único sistema moral válido para todos os tempos e

para todas as sociedades e classes;

. A moral de cada sociedade, com um caráter relativo, mas na medida em

que nela ocorrem, se integram num processo de conquista de uma moral verdadeiramente

humana e universal;

. A moral na transformação da sociedade;

. Um nova moral – para regular as relações dos indivíduos;

1.3.4.3. NEOPOSITIVISMO E FILOSOFIA ANALÍTICA

Partindo da necessidade de libertar a ética do domínio da metafísica, o

Neopositivismo e a Filosofia Analítica acabam por concentrar atenção na análise da

linguagem moral.

A publicação de Principia Ethica, de G. E. Moore, em 1903, costuma ser

considerada como o ponto inicial destas correntes. Tendo posteriormente como principais

“porta-vozes”: Ayer, Steveson, Hare, Nowell-Smith e Toulmin.

Reduzindo a tarefa das investigações éticas a uma análise das proposições

morais ou da linguagem sobre o comportamento moral ( moralética ), estes filósofos,

particularmente os analíticos – declaram-se neutros no terreno da moral e se negam a

tomar posição nas grandes questões morais que tradicionalmente preocuparam a ética.

Moore se insurge contra toda ética que pretenda definir o bom como uma

propriedade natural, quando se trata de algo que não pode ser definido, e que só pode ser

captado por meio de intuição.

O que Moore faz com o conceito de bom, outros intuicionistas (como

Princhard e Ross ) estendem a ética a outros conceitos, como os de dever, reto ou justo,

obrigação.

18

As contribuições dos filósofos analíticos na investigação da linguagem

moral são inegáveis. Mas não se pode reduzir a tarefa da ética à análise da linguagem

moral, evitando-se as grandes questões da moral.

Os juízos morais e a linguagem moral estão relacionados com a moral

existente na vida social.

19

2. ÉTICA E TRABALHO

Consiste entender essa atividade – o Trabalho – como fator fundamental à

construção da identidade e da realização pessoal e ao estabelecimento de uma ordem

social, onde prevaleçam relações fundadas na dignidade, na liberdade e na igualdade entre

os homens.

Para a sociedade moderna o trabalho é uma expressão de liberdade, uma vez que,

através dele ( seja pela força física, pela ciência, pelas artes,... ) o homem modifica a

natureza, inventa a técnica, cria nova realidade, altera o curso das coisas, modificando a si

próprio e a sociedade onde ele vive.

É como se pelo trabalho o homem, na condição de transformador da natureza,

pudesse atingir seu mais elevado ideal de realização, com consciência e liberdade. Quando

o homem age, cria e empreende, produzindo objetos e saberes, bens materiais e simbólicos,

está atuando não somente no campo do fazer, isto é, no âmbito do trabalho, mas também

no campo do saber e do poder, ou seja, no campo da cultura e da política. Tais dimensões

estão entrelaçadas e carregam um forte componente ético.

Paralelamente a essa visão idealizada, ao trabalho são ainda relacionados outros

valores que manifestam o espírito do capitalismo, tais como: disciplina, subordinação,

aplicação e segurança pessoal.

Esses valores oriundos do Capitalismo são diferentes e até mesmo se contrapõe às

idéias de trabalho como expressão de liberdade, criação, solidariedade e princípio de

transformação do próprio homem e da sociedade.

Ao lado do valor positivo do trabalho, a modernidade afirma que a igualdade e a

liberdade entre os homens são condições inerentes da natureza humana, na qual devemos

considerar como fatores necessários ao pleno desenvolvimento da ética do trabalho.

Criam-se os Direitos Civil, político e social. O Direito Civil tem como regra

máxima o princípio de que todos são iguais perante a Lei; o Direito Político determina o

pluralismo partidário e as eleições livres; o Direito Social assegura o trabalho remunerado,

a previdência social, saúde e educação.

Para firmar uma postura ética temos que promover a igualdade de direitos entre os

homens, sem, entretanto, deixar de reconhecer a diferença natural, como: sexo, raça,

desejos...

Na defesa desses direitos o homem moderno se apoia na teoria liberal, que utiliza

os conceitos de igualdade e de liberdade natural para justificar sua prática social, sua

ordem econômica e a forma de organização do Estado moderno.

20

2.1. EVOLUÇÃO DO TRABALHO

De uma forma simplificada, podemos entender o trabalho como sendo a

aplicação da energia humana (física e mental) em uma atividade determinada e útil. Pelo

trabalho o homem se torna capaz de modificar a própria natureza, colocando-a a seu

serviço.

O trabalho exercido de forma qualificada, mediante um preparo

técnico-científico, específico para determinada atividade, é comumente chamado de

profissão. A profissão supõe continuidade e não uma atividade ocasional e também status

social.

Podemos dizer que, considerado o "potencial de mão-de-obra" de uma

sociedade, ou seja, suas forças produtivas, o trabalho usa para o desempenho de seu papel

elementos materiais como a terra, animais, metais, ferramentas, energia, máquinas e outros

insumos, também conhecidos como meios de produção. De acordo com a estruturação da

propriedade e da manipulação desses meios de produção na sociedade em cada etapa

histórica, configura-se o seu modo de produção, que, em outras palavras, se funda no tipo

de relacionamento ou relações de produção existentes entre o trabalho e os detentores dos

meios de produção.

Nas sociedades primitivas o homem sentiu necessidade de lançar mão

do trabalho que em sua função mais primordial, era a defesa da unidade do clã, numa luta

constante contra os perigos oferecidos pela natureza, seu clima hostil e os animais

selvagens.

Foi pelo trabalho, ainda na era Neolítica, que o homem descobriu que agia

melhor em comunidade do que sozinho ou em seu pequeno grupo familiar. Constatou que

era um ser social, e adotou um estilo de vida comunitário, com fortes reflexos sobre a vida

moral da época.

Há milênios, desde o surgimento da propriedade privada dos meios de

produção, a prática dominante nas relações de trabalho ocidentais foi o escravismo, ou

seja, o emprego do trabalho escravo na agropecuária, extração mineral e comércio.

Os gregos antigos, desprezavam o trabalho, deixando-o para os

escravos, valorizando a única atividade considerada digna de um homem livre, que era o

ócio dos filósofos. Buscavam inclusive inúmeras justificativas éticas para a escravidão.

Para Aristóteles a diferença entre os homens era natural, não havendo

qualquer contradição na divisão existente, entre o trabalho manual e as atividades

intelectuais e políticas.

21

Durante cerca de mil anos, período que foi da desagregação do Império

Romano à Idade Média, as relações de produção na Europa Ocidental evoluíram do

escravismo puro ao servilismo, ou seja abrandava-se a sujeição homem-homem,

passando-se a outra menos direta, transformadora do homem em "servo de gleba", virtual

prisioneiro da terra em que vivia, consumindo quase tudo que produzia, e produzindo por

suas próprias mãos quase tudo de que necessitava.

A Igreja Católica, pregando a adoração a Deus defendia o desapego às

riquezas terrenas. Preocupada em organizar e manter seu poder temporal, ela condenava o

trabalho como forma de enriquecimento. O trabalho era visto apenas como meio de

subsistência, de disciplina do corpo e purificação da mente. Assim servia como

instrumento de dominação social e de condenação a qualquer rebeldia contra a ordem

estabelecida.

A partir do século XI a sociedade medieval européia sofreu profundas

transformações. O renascimento do comércio e das cidades afetou e foi afetado pelas

transformações do trabalho e das relações de produção. Daí até os séculos XVI e XVII a

economia ampliou-se sucessivamente do restrito âmbito local ao regional, deste ao

nacional (com a formação dos chamados estados nacionais modernos) e ao internacional:

do quase nenhum mercado e escassa circulação monetária da Idade Média, chega-se a

economia do dinheiro e dos múltiplos mercados dos séculos XVII-XVIII, com base no

crescimento agrícola, na exploração colonial da América-África-Ásia e na diversificação

do artesanato, cada vez mais se diferenciando em indústria.

A crise da ordem feudal, fundada na subsistência e na servidão, e o

desenvolvimento do comércio e das atividades manufatureiras deu origem a uma nova

estrutura social: a sociedade capitalista.

O crescimento do mercado não só irá conviver por algum tempo com antigas

formas de servidão, como fará renascer a escravidão: o trabalho compulsório de africanos

nas colônias da América.

Mas, para as elites que comandavam a implantação desse sistema, o trabalho

livre era a forma ideal.

Essa é por excelência a concepção burguesa da liberdade individual do

homem: ele é livre para usar a força de seu corpo como uma máquina natural e para

escolher de forma soberana o que deseja para si mesmo. Se ao escravo na América não era

dada a oportunidade da escolha, ao trabalhador europeu era concedido o direito soberano

da liberdade.

22

Porém a busca da produção de excedentes para a troca no mercado mediante

a introdução de novas técnicas de produção e de organização do trabalho fazia desaparecer

a propalada livre escolha. Afinal, como seria possível o trabalhador sobreviver numa

economia de mercado, senão submetendo-se às imposições de quem detinha os recursos

que o sistema exigia? Aquele artesão, que na manufatura medieval detinha as ferramentas e

uma autonomia no uso de seu tempo, desaparece, submetendo-se ao capital.

Ocorre, portanto, a separação entre o trabalhador e a propriedade dos meios

de produção (capital, ferramentas, máquinas, matérias-primas, terras). Desse modo,

podemos afirmar que a essência do sistema capitalista encontra-se na separação entre o

capital e o trabalho.

Essa separação criou dois tipos de homens livres: o trabalhador livre

assalariado, que vive exclusivamente de seu trabalho, ou seja, da venda de sua força de

trabalho, e o burguês, ou capitalista, proprietário dos meios de produção. A novidade em

relação aos modelos anteriores de sociedade é que, ao conceder a liberdade para todos os

indivíduos, a sociedade estabeleceu uma espécie de contrato social, em que ficavam

definidos os direitos e deveres de cada parte.

Com o Capitalismo o trabalho deixa de existir apenas para atender às

necessidades humanas básicas. Sua finalidade principal é produzir riqueza acumulada. Max

Weber, em sua "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" diz que esta necessidade de

acumulação de riquezas ultrapassou os limites do bom senso comercial e passou a ser um

fim em si mesmo, uma concepção de vida, um ethos.

Teóricos do novo sistema descobriram no trabalho a fonte de toda riqueza

individual e coletiva. Em 1776, Adam Smith (1723-1790), afirmava que a riqueza de uma

nação dependia essencialmente da produtividade baseada na divisão do trabalho. Por essa

divisão, as operações de produção de um bem, que antes eram executadas por um único

homem (artesão), são agora decompostas e executadas por diversos trabalhadores, que se

especializam em tarefas específicas e complementares.

Com a produção mecanizada, o trabalho é glorificado como a essência da

sociedade do trabalho. Não se concebe mais a possibilidade de existir ordem social fora da

moral do trabalho produtivo.

A ética capitalista defende a idéia de que o bem estar da coletividade é

melhor obtido se apelarmos não ao altruísmo das pessoas, mas à defesa de seus interesses

em relações de mercado. Desta forma o egoísmo (defesa do interesse próprio) é

apresentado como a melhor forma de solucionar os problemas de um grupo social.

23

A eficácia econômica do sistema de mercado passou a ser o critério

supremo para todos os juízos morais. A eficácia (critério técnico) passou a ser o critério

ético fundamental. A ética capitalista é uma "ética" reduzida a uma questão puramente

técnica.

Com a revolução tecnológica dos séculos XVIII e XIX, mais do que um

progresso, significou a generalização de um projeto de controle social. As teses das classes

dominantes revelam que o desejo de expansão de mercado e de aumento de suas riquezas

passava pela necessidade da universalização dessa nova ordem social.

O que estava em jogo era o fim da autonomia do trabalho artesanal e a

reunião e domesticação dos trabalhadores na fábrica. A divisão do trabalho defendida por

Adam Smith teria a função de destruir o saber-fazer do artesão, subordinando-o à nova

tecnologia da maquinofatura.

Com a implantação do sistema fabril dá-se a organização do capitalismo

onde os trabalhadores já não dispõem da matéria-prima nem dos instrumentos de trabalho.

Fica instituída a divisão social do trabalho com ritmo e horários preestabelecidos.

Entende-se por divisão social do trabalho a distribuição das tarefas inerentes

à produção de acordo com as diferenças de conhecimento, habilidade e força física

necessários à sua execução. Essa divisão, na sociedade moderna, se faz segundo o

princípio da diferenciação entre o fazer e o pensar, da distinção entre os trabalhadores que

concebem e aqueles que executam a produção.

Uma nova classe social surge: o proletariado. Que significa a camada social

formada por indivíduos caracterizados por sua qualidade permanente de assalariados e por

seus modos de vida, atitudes e reações decorrentes de tal situação.

Para que essa sociedade voltada para o trabalho se viabilizasse, houve

necessidade de construir um corpo disciplinar que envolvesse todos os indivíduos dentro e

fora da fábrica. A ordem burguesa da produtividade tornava-se a regra que deveria gerir

todas as instâncias do social. Para isso, instituiu-se um discurso moralizante que visava

cristalizar no conjunto da sociedade a ética do tempo útil.

O tempo útil do trabalho produtivo deveria funcionar como um "relógio

moral" que cada indivíduo levaria dentro de si.

O uso do tempo que não de forma útil e produtiva, conforme o ritmo

imposto pela fábrica, passou a ser sinônimo de preguiça e degeneração. Só o trabalho

produtivo, fundado na máxima utilização do tempo dignificava o homem.

24

Para tornar vitoriosa a nova ordem, procurou-se eliminar qualquer forma de

resistência. Impôs-se um modelo de sociedade em que só o trabalho produtivo fabril

imperava. Quem se encontrasse fora desse modelo era expurgado da sociedade. A grande

massa de europeus que imigraram para América no século XIX pode ser tomada como

exemplo desse expurgo.

Ao processo de industrialização seguiu-se o fenômeno conhecido como

revolução pós-industrial, caracterizada pela ampliação dos serviços, que passam a

compreender o setor terciário da economia. Essa ampliação, iniciada em meados do século

XIX, é uma decorrência direta tanto da evolução tecnológica como da própria

complexidade das organizações industriais, cujas atividades passam a depender, cada vez

mais, das técnicas de informação e comunicação.

No início do século XX, Henry Ford introduziu na indústria automobilística

o sistema de linha de montagem, têm início novas modificações no processo produtivo.

Nesse sistema, a produção passa a ser administrada cientificamente, com

base em teoria elaborada por Frederick Taylor.

Para Taylor, o trabalhador usava inadequadamente os movimentos, desperdiçando tempo e

diminuindo a produtividade das empresas. Por isto, o controle racional do processo de

produção seria absolutamente necessário para garantir essa produtividade.

O modelo taylorista-fordista – numa referência ao autor da teoria e ao

empresário que primeira a adotou – esse sistema de gerenciamento da produção provoca a

intensificação da divisão social do trabalho, através da rigorosa separação entre as fases de

concepção e execução do processo produtivo, rígida hierarquia funcional e extremo

controle e burocratização.

O avanço científico-tecnológico, que se acentuou a partir da década de 70,

veio alterar os padrões de concorrência das empresas, permitindo que fossem repensadas as

formas de organização de produção.

A exigência de uma nova forma de gerenciamento, decorrente das inovações

tecnológicas e da globalização da economia, vem substituir o modelo taylorista-fordista de

produção por uma administração baseada no uso da informação e na flexibilização dos

processos de trabalho.

Esta nova forma de administração da produção introduz dois aspectos

fundamentais à reorganização do mundo do trabalho: a redução da divisão social do

trabalho e a exigência de elevação da qualificação do trabalhador.

25

Na década de 80, o processo de redução das hierarquias dentro das

empresas, fez com que funcionários de diversos setores ganhassem mais autonomia com

menos austeridade por parte dos dirigentes.

A reengenharia provocou demissões e tornou as promoções mais raras,

gerando uma concorrência interna dentro das empresas. O resultado desse processo foi o

aumento de comportamentos antiéticos dentro das empresa em busca de status, aumento de

salário, promoções.

Ao acompanhar as diferentes fases da organização do mundo do trabalho,

verifica-se que o estágio atual da economia capitalista, além das exigências de

reorganização de ordem interna e externa às empresas, traz grandes desafios para a

sociedade com um todo.

Novas formas alternativas de convivência social deverão ser buscadas para

redimensionar a ética do trabalho e os próprio valores da modernidade.

2.2. A CRISE ÉTICA DO TRABALHO

Essa crise caracteriza-se pelo declínio da ética do trabalho, manifestado na

descrença de que a atividade produtiva seja fonte de justiça social, de dignidade e de

realização social.

A obsessão pelo vencer − que é a mesma pelo poder − é uma das principais

características das sociedades modernas. A partir dela, torna-se muito difícil qualquer ética

de convivência solidária. A vontade individual de vencer predomina, não importando os

meios para realizá-la.

Na sociedade em que vivemos, torna-se nítida a falência dos valores

cristãos-capitalistas e a ausência de verdades e modelos que orientem a visão do mundo,

tanto dos indivíduos como da sociedade.

Como já ocorrido na sociedade medieval, a ética, hoje, desviou-se do que

lhe é mais próprio: a dimensão pública, comum, social das normas e regras que norteiam as

relações entre os homens em sociedade.

Retomar a questão ética na sua dimensão pública é um grande desafio para os homens da

modernidade, como um caminho para o estabelecimento de formas mais humanas de

convivência social.

Através da linguagem, as relações sociais são estabelecidas num processo

comunicativo, onde cabem a negociação, os acordos, os consensos que serão estabelecidos

pela capacidade de argumentação dos sujeitos envolvidos.

26

É muito importante que o trabalhador busque ampliar seus conhecimentos,

desenvolva sua capacidade de comunicação, de argumentação, de diálogo, fatores que

contribuem para a qualidade das relações e a melhoria dos processos de trabalho.

A humanização do trabalho está relacionada às questões de ordem

econômica e ao próprio processo de produção, mas passa também pela melhor formação do

trabalhador.

27

3. ÉTICA NAS EMPRESAS

Na maioria das empresas, o simples levantar-se de uma consideração ética numa

discussão, exige coragem, já que a questão costuma ser considerada pela administração

mais como fonte de problemas que de oportunidades, pois existe a crença de que a conduta

ética pode não ser a melhor para os negócios.

Em contrapartida, tem surgido uma necessidade cada vez maior na campo dos

negócios e das empresas, que não é só auferir qualidade a seus produtos ou serviços, mas

ter uma postura ética.

O estudo da ética empresarial tem um papel importante no mundo dos negócios. Os

pesquisadores americanos O. C. Ferret, John Fraedrich e Lidia Ferret afirmam que agir de

maneira ética e transparente para as empresas é mais essencial do que ter bons produtos ou

serviços .

Os desafios do mercado de hoje e as sérias falhas éticas que ocorrem em quase

todos os setores empresariais exigem uma abordagem mais séria dos dilemas éticos, pois

há uma infinidade de valores importantes e quase sempre conflitantes. De um lado a

moralidade pessoal e de outro as preocupações gerenciais.

Os funcionários são os clientes internos da empresa e o compromisso que ela tem

com eles é manter princípios éticos que respeitem os direitos e deveres de cada um dentro

da organização, criando uma sinergia.

Seguindo esta lógica, onde o próprio capitalismo necessita redescobrir suas regras,

ter padrões éticos significa ter bons negócios e parceiros a longo prazo, pois o consumidor

está cada vez mais atento ao comportamento das empresas.

Alguns líderes empresariais descobriram que a ética passou a ser um fator de

competitividade.

A crescente preocupação, entre alguns empresários, com a adoção de padrões éticos

para suas organizações, é sem dúvida, porque os consumidores, fornecedores, sociedade...

analisarão o comportamento e as ações por eles praticadas, tomando como base um

conjunto de princípios e valores.

Da mesma forma que o indivíduo é analisado pelos seus atos, as empresas (que são

formadas por indivíduos) passaram a ter sua conduta mais controlada e analisada,

sobretudo após a edição de leis que visam a defesa de interesses coletivos.

A credibilidade de uma instituição é o reflexo da prática efetiva de valores como a

28

integridade, honestidade, transparência, qualidade do produto, eficiência do serviço,

respeito ao consumidor, entre outros.

Existe um intenso metabolismo no relacionamento entre as empresas e as

sociedades em que estão inseridas. Códigos de conduta, regulamentos, responsabilidade

social, políticas, contratos e liderança, são exemplos de como as empresas podem

desenvolver sua ética no contato com a sociedade.

Há quem afirme que as organizações de sucesso devem estabelecer altíssimos

padrões de integridade e depois aplicá-los sem incertezas.

Nessa dimensão ética distinguem-se dois grandes planos de ação que são

propostos como desafio às organizações:

. de um lado, em termos de projeção de seus valores para o exterior, fala-se em

empresa cidadã, no sentido de respeito ao meio ambiente, incentivo ao trabalho voluntário,

realização de benefícios para a comunidade, responsabilidade social...

. de outro lado, sob a perspectiva de seu público mais próximo, como executivos,

empregados, colaboradores, fornecedores, acionistas, envidam-se esforços para a criação

de um sistema que assegure um modo ético de operar, sempre respeitando os princípios

gerais da organização e do direito. Onde a participação de todos neste processo é de suma

importância.

São muito pesados os ônus impostos às empresas que, despreocupadas com a ética,

enfrentam situações que muitas vezes, em apenas um dia, destroem uma imagem que

consumiu anos para ser conquistada. Multas elevadas, quebra da rotina normal,

empregados desmotivados, fraude interna, perda da confiança na reputação da empresa,

são exemplos desses ônus.

Por causa dos transtornos causados pela falta de um comportamento ético, muitas

empresas adotaram elevados padrões pessoais de conduta para seleção

de seus empregados, cientes de que, atualmente, a integridade nos negócios exige

profissionais altamente capazes de compaginar princípios pessoais e valores empresariais.

É perfeitamente plausível e absolutamente necessário aliar lucros, resultados,

produtividade, qualidade e eficiência de produtos e serviços, além de outros valores típicos

de empresa, com valores pessoais, tais como: honestidade, justiça, cooperação, tenacidade,

compreensão, exigência, prudência, entre outros.

29

Por essa razão muitas empresas de respeito empreendem um esforço organizado, a

fim de encorajar a conduta ética entre seus empregados. Para tanto, elegem princípios e

valores que são erigidos como baluartes da organização. Sob a égide desses postulados,

implantam códigos de ética, idealizam programas de treinamento para seus executivos e

empregados, criam comitês de ética, capacitam líderes que percorrem os estabelecimentos

da organização incentivando o desenvolvimento de um clima ético, além de outras ações.

Tal política visa à autodeterminação e o crescimento de todos os envolvidos no processo de

trabalho nas organizações, através de uma dimensão ética.

Hoje, as expectativas sociais criadas em torno da empresa moderna, é identificar os

compromissos e responsabilidades da organização empresarial, assim como dos

trabalhadores, na construção de um ética comprometida com a humanização do mundo do

trabalho.

Pode-se dizer que a cultura ética das organizações passa por um entendimento do

trabalho e pela construção de relações baseadas nesta compreensão, onde deve haver o

envolvimento da administração empresarial e do trabalhador, através da proposição e

manutenção de um código de valores.

30

4. ÉTICA PROFISSIONAL

Muitos autores definem a ética profissional como sendo um conjunto de normas de

conduta que deverão ser postas em prática no exercício de qualquer profissão. Seria a ação

"reguladora" da ética agindo no desempenho das profissões, fazendo com que o

profissional respeite seu semelhante quando no exercício da sua profissão.

A ética profissional estuda e regula o relacionamento do profissional com sua

clientela, visando a dignidade humana e a construção do bem-estar no contexto

sócio-cultural onde exerce sua profissão.

O homem, ao exercer sua profissão, atua segundo motivações extrínsecas

(sustentar-se), intrínsecas (vencer um desafio pessoal) e transcendentais (colaborar na

realização de um ideal). É destas últimas motivações que cuida a ética profissional.

Muito mais do que aquele que respeita um código de normas de honorabilidade,

ético é o profissional que orienta a sua conduta, no exercício da profissão, segundo valores

que o realizam enquanto homem e com fins à colaboração ao bem comum.

Nesta concepção, aristotélico-tomista, a conduta ética não se resume somente a não

faltar com a verdade, ser honesto, respeitar os colegas de profissão... É muito mais que

isso, a conduta ética exige do profissional que faça o melhor que puder para desempenhar a

sua profissão, para realizar o seu papel na sociedade, para colaborar com o exercício de sua

atividade profissional visando a construção de um mundo melhor.

A ética profissional atinge todas as profissões. Com um caráter normativo e até

jurídico, regulamenta determinadas profissões a partir de estatutos e códigos específicos.

Assim temos a ética médica, do advogado, do biólogo...

Não é uma ética empobrecida e de restrições que ordena "cumpra o código e isso

basta". A ética profissional chama o homem no exercício de sua profissão, através do uso

de sua liberdade a praticar o bem, ter comprometimento com sua profissão.

Portanto, falar de ética profissional é falar da realização do homem, da felicidade de

cada um enquanto partícipe na construção do bem de todos pelo desempenho de uma

atividade profissional.

Sendo a ética inerente à vida humana, sua relevância é evidente na vida

profissional, pois cada profissional tem responsabilidades individuais e sociais, que

envolvem pessoas que dela se beneficiam.

31

A ética é imprescindível ao profissional, porque na ação humana "o fazer" e "o

agir" estão interligados. O fazer diz respeito à competência. O agir se refere à conduta do

profissional, ao conjunto de atitudes que deve assumir no desempenho de sua profissão.

Verifica-se que há uma forte conteúdo ético presente no exercício profissional e

na formação dos recursos humanos.

Não obstante os deveres de um profissional, os quais são obrigatórios, devem ser

levadas em conta as qualidades pessoais que também concorrem para o enriquecimento de

sua atuação profissional, algumas delas facilitando o exercício da profissão.

Muitas destas qualidades poderão ser adquiridas com esforço e boa vontade,

aumentando neste caso o mérito do profissional que, no decorrer de sua atividade

profissional, consegue incorporá-las à sua personalidade, procurando vivenciá-las ao lado

dos deveres profissionais, tais como: responsabilidade, lealdade, honestidade, competência,

prudência, coragem, perseverança, confiança, humildade, imparcialidade, otimismo...

4.1. COMPETÊNCIAS

Competência, sob o ponto de vista funcional, é o exercício do conhecimento de

forma adequada e persistente a um trabalho ou profissão. Devemos buscá-la sempre.

É de extrema importância a busca da competência profissional em qualquer área de

atuação. Os recursos humanos devem ser incentivados a buscar sua competência e maestria

através do aprimoramento contínuo de suas habilidades e conhecimentos.

O conhecimento da ciência, da tecnologia, das técnicas e práticas profissionais é

pré-requisito para a prestação de serviços de boa qualidade.

Nem sempre é possível acumular todo conhecimento exigido para uma determinada

tarefa, mas é necessário que se tenha a postura ética de recusar serviços quando não se tem

a devida capacitação para executá-lo.

Pacientes que morrem ou ficam aleijados por incompetência médica, causas que são

perdidas pela incompetência de advogados, prédios que desabam por erros de cálculo em

engenharia, são apenas alguns exemplos de quanto se deve investir na busca da

competência.

32

4.2. CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL

Quando se fala em virtudes profissionais, é importante mencionar a existência

dos códigos de ética profissional.

As relações de valor que existem entre o ideal moral traçado e os diversos campos

da conduta humana podem ser reunidos em um instrumento regulador.

É uma espécie de contrato de classe, onde os órgãos de fiscalização do exercício da

profissão passam a controlar a execução, através de condutas de um indivíduo perante seu

grupo e o todo social.

Tem como base as virtudes que devem ser exigíveis e respeitadas no exercício da

profissão, abrangendo o relacionamento com usuários, colegas de profissão, classe e

sociedade.

Cria-se a necessidade de uma mentalidade ética e de uma educação pertinente que

conduza à vontade de agir, de acordo com o estabelecido.

33

5. ÉTICA NA FORMAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS

Os recursos humanos devem ter uma visão global, no que diz respeito a decisões

éticas. Para isso torna-se necessário que tenham tido a oportunidade de exercitar e ampliar

seus horizontes cognitivos sobre ética desde cedo.

A idéia de se estudar formalmente a questão ética não é recente. Aristóteles chegou

mesmo a definir virtude como questão de hábito ou faculdade treinada de escolha.

Platão criou uma espécie de "pedagogia" para o desenvolvimento das virtudes. Na

escola as crianças aprenderiam primeiramente a controlar seus desejos, desenvolvendo a

temperança, para depois incrementar a coragem e finalmente trabalhar para atingir a

sabedoria.

Desde a infância, estamos sujeitos à influência de nosso meio social, por intermédio

da família, da escola, dos amigos, dos meios de comunicação... Vamos adquirindo, aos

poucos, idéias morais. É o aspecto social da moral se manifestando e, mesmo ao nascer, o

homem já se defronta com um conjunto de regras, normas e valores aceitos em seu grupo

social.

A moral, porém, não se reduz apenas a seu aspecto social, pois a medida que

desenvolvemos nossa reflexão crítica passamos a questionar os valores herdados, para

então decidir se aceitamos ou não as normas. A decisão de acatar uma determinada norma

é sempre fruto de uma reflexão pessoal consciente, que pode ser chamada de

interiorização. É essa interiorização das normas que qualifica um ato como sendo moral. É

interessante notar que Aristóteles já havia interpretado essa ausência de interiorização das

normas, do fato de que algumas pessoas só cumprem as normas morais por medo de

punições.

O psicólogo e pedagogo Jean Piaget realizou, a partir de uma pesquisa com crianças

dos bairros de Genebra (Suíça), um estudo sobre o desenvolvimento do critério moral.

Segundo ele, a formação da consciência moral na pessoa segue basicamente em quatro

etapas:

1a - "Anomia" (do grego: a = negação e nomos = lei - sem lei). É a etapa do

comportamento puramente instintivo, que se orienta apenas pelo prazer e pela dor. A

criança procura o prazer e foge da dor, sem relacioná-los a qualquer norma moral.

2a - "Heteronomia" (do grego: héteros = outros e nomos = lei - lei estabelecida ou

imposta por outrem). Nessa fase, a criança obedece às ordens para receber a recompensa

ou para evitar o castigo.

34

3a - "Socionomia" (do latim: socius = companheiro, colega e do grego: nomos = lei

- lei interiorizada no indivíduo). Nessa etapa, os critérios morais da criança vão se

afirmando por meio de suas relações com outras crianças. Ela vai interiorizando as noções

de responsabilidade, justiça, obrigação e respeito. Começa a não fazer aos outros o que não

gostaria que fizessem a ela. Agem sempre buscando a aprovação ou evitando a censura dos

outros.

4a - "Autonomia" (do grego: autós = próprio e nomos = lei - lei própria). Nesta fase

a criança já interiorizou as normas morais e passa a comportar-se de acordo com elas. É a

etapa mais elevada do comportamento moral.

Durante muito tempo, o ensino da ética e dos valores era legitimando por uma

determinada religião. Hoje é cada vez mais difícil enfrentar o problema ético a partir do

paradigma religioso.

A educação deve despertar a atenção dos indivíduos para o cultivo dos valores

éticos, criando um mecanismo de auto-educação, onde o próprio educando vá traçando o

seu caminho.

Toda educação é uma ação interativa: se faz mediante informações, comunicação,

diálogo entre seres humanos. Na educação há um outro em relação. Por tudo isso, a ética

está implicada. Uma educação pode ser eficiente enquanto processo formativo e ao mesmo

tempo, eticamente má, como foi a educação nazista, por exemplo. Pode ser boa do ponto

de vista da moral vigente e má do ponto de vista ético.

A educação ética acontece quando os valores no conteúdo e no exercício do ato de

educar são valores humanos e humanizadores: a igualdade cívica, a justiça, a dignidade da

pessoa, a democracia, a solidariedade, o desenvolvimento integral de cada um e de todos.

Há vários desafios para o educador, entre eles o de buscar competência. Só pelo

saber o professor adquire a autoridade necessária para conduzir um processo de

ensino-aprendizagem. A preparação dos professores, deve ser conduzida não só

intelectualmente, mas também no que se refere ao testemunho dialogal e ao compromisso

político.

Portanto, os educadores devem desenvolver uma ação pedagógica virada para o

futuro, baseada numa ética viva e sentida do existir concreto do ser humano, com a

perspectiva de um sistema social à escala humana. Uma educação fiel ao homem, com o

sentimento de comunidade e de respeito ao próximo.

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A ética deve fazer parte da formação do indivíduo desde quando ele nasce, na

convivência familiar, nas escolas, empresas, enfim, em todos os momentos de sua

existência.

5.1. EDUCAÇÃO ÉTICA NAS EMPRESAS

Cada vez mais as empresas estão investindo em treinamento de funcionários, na

elaboração de manuais de conduta e na contratação de consultores especializados em

questão ética. Hoje, ética é tema central de congressos e seminários realizados em

praticamente todos os países do mundo.

Os esforços de empresas para cultivar valores éticos incluem palestras inspiradoras,

treinamento em ética e educação aos empregados que estão confusos em relação às

questões éticas.

Cabe lembrar que por mais perfeito que seja o programa de treinamento em ética

empresarial, ele nunca funcionará se os dirigentes e gerentes da organização não derem o

exemplo de boa conduta, caso contrário ocorrerá a perda na confiança e na integridade

moral da alta administração.

Os gerentes devem assumir o papel de “educadores” para seus colaboradores, e

como tal, ser um referencial no que diz respeito à valores e atitudes éticas.

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CONCLUSÃO

O debate sobre a Ética na política, nas questões sociais e econômicas, ressurgiu

com muita força nos últimos anos. O estudo e a preocupação com a ética também passou a

ser tema de discussão nos meios empresariais. Já existe uma grande bibliografia sobre

"Ética nas Empresas" e muitos cursos de Graduação estão incluindo em seus currículos a

disciplina "Ética".

A Sociedade industrial cresceu arraigada no materialismo e na supremacia do

homem sobre a natureza. Vem daí a ênfase na competição, na autopreservação e no

consumo. Parece que perdemos a capacidade de agir eticamente, exatamente como

verificamos em algumas aplicações irresponsáveis da ciência, tecnologia e política que

ameaçam a paz e a vida no planeta, causando: poluição, crimes, perversa distribuição de

riquezas, desigualdade social...

As últimas duas décadas registraram um estado de profunda crise mundial. É uma

crise complexa, multidimensional, cujas facetas afetam todos os aspectos de nossa vida - a

saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia,

tecnologia e política. É uma crise intelectual, moral e espiritual; uma crise de escala e

premência sem precedentes em toda a história da humanidade.

Dentro desse novo contexto só teremos chances de sobrevivência se dedicarmos

algum tempo a olhar por cima de nossos próprios ombros, se de fato nos preocuparmos

com os outros e vivermos além dos limites de nossas próprias famílias e instituições.

Há uma necessidade de mudança, que nos conduza a uma nova visão de mundo.

Hoje em dia, as exigências do cidadão/consumidor não recaem apenas por produtos ou

serviços de qualidade, mas são também de natureza ética.

Existirá uma procura crescente por empresas não apenas voltadas para a produção e

lucro, mas que também estejam preocupadas com a solução de problemas mais amplos,

como preservação do meio ambiente e o bem estar social dos seus empregados e da

comunidade na qual está inserida.

Nesse trabalho sobre a importância da ética na formação de recursos humanos,

identificamos a relevância da reformulação do papel das empresas e das organizações no

que diz respeito à educação, treinamento e desenvolvimento de seus empregados.

Para sobreviverem essas organizações terão de estar aptas a se ajustarem às

exigências do seu tempo, às velozes mudanças que estão ocorrendo, dentro de uma

racionalidade ética, para que essas organizações não desapareçam nesse turbilhão de

transformações aceleradas.

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Verificamos a necessidade de mudança de paradigmas na cultura organizacional

das empresas que hoje não agem de forma ética, pois na administração contemporânea

esses valores e princípios serão a nova maneira de gerenciar a vida das organizações para o

terceiro milênio, devolvendo ao trabalho humano sua dignidade e caráter sagrado.

O debate quanto às questões éticas deve ser ampliando cada vez mais e temos de

extrapolar os limites de nossas áreas de conhecimento para podermos responder as

questões que estão surgindo.

Sob a ótica da ética no trabalho, as empresas, escolas e universidades deverão estar

envolvidos no processo de treinamento, educação e desenvolvimento dos seres humanos,

criando espaços para o crescimento pessoal, profissional e existencial das pessoas.

Devem ser criados serviços de apoio, para o autodesenvolvimento de recursos

humanos, evitando sempre o paternalismo, o clientelismo e o assistencialismo.

Investir continuamente em saúde, lazer, aperfeiçoamento profissional contínuos é

uma forma de fortalecer as virtudes profissionais e, conseqüentemente, a auto-estima dos

empregados.

Falar de educação para a ética é falar também de educação para a cidadania. Uma

empresa é feita por cidadãos que vivem numa comunidade, por isso, ela também precisa

participar positivamente da vida da comunidade.

Espero que esse trabalho possa levar a discussão ética para o campo do trabalho e

das empresas, com a intenção de fortalecer a reflexão sobre a humanização nas relações de

trabalho, através de uma postura ética permanentemente preocupada com a formação do

indivíduo.

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BIBLIOGRAFIA

GONÇALVES, Maria H. B., WYSE, Nely. Ética e Trabalho. Rio de Janeiro: SENAC,

1996.

MOTTA, Nair de Souza. Ética e Vida Profissional. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural

Edições, 1984.

SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

RIOS, Terezinha Azerêdo. Ética e Competência. São Paulo: Cortez Editora, 1999.

VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.