a essencial arte de parar 1999

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Page 1: A essencial arte de parar 1999
Page 2: A essencial arte de parar 1999

Dr. David KundtzPrefácio de Richard Carlson,

autor de Não Faça Tempestade em Copo D'Água

A EssencialArte

de PararUm método

revolucionário

(e simples)

para a paz

e o encontro

consigo mesmo

4ª Edição

Page 3: A essencial arte de parar 1999

© edição original, 1998 David J. Kundtz, S.T.D.© edição brasileira, 1999 David J. Kundtz, S.T.D.

traduçãoPaulo Sérgio Moraes Rego Reis

preparo de originaisRegina da Veiga Pereira

capaRaul Fernandes

revisãoJosé Tedin Pinto e Sérgio Bellinello Soares

fotolitosMergulhar Serviços Editoriais Ltda.

impressãoLis Gráfica e Editora Ltda.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

K98e Kundtz, David } . , 1937-A essencial arte de parar : o método revolucionário

(e simples) para a paz e o encontro consigo mesmo / David J. Kundtz ;prefácio de Richard Carlson ; tradução de Paulo Sérgio Moraes RegoReis. — Rio de Janeiro : Sextante, 1999.

1. Quietude. 2. Paz de espírito. I. Título

99-1451. CDD 158CDU 159.947

Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.Av. Nilo Peçanha, 155 - Gr. 301 - Centro20020-100 - Rio de Janeiro - RJTel.: (21) 524-6760 - Fax: (21) 533-1622Serviço de Atendimento a Clientes: 0800 22 6306E-mail: [email protected]

A memória do meu pai,

cujo exemplo me ensinou a Parar.

A memória da minha mãe,

que sempre me incentivou a escrever.

Page 4: A essencial arte de parar 1999

Sumário

Prefácio, 11

I

Parando à Velocidade da Luz

1. Enfrentando a Montanha do Demais, 14

2. Por que Não Adianta Comprimir e Cortar, 19

3. Não Fazer Nada, 22

4. Um Trem Rápido no Trilho Rápido, 26

5. Parando à Velocidade da Luz, 29

6. Vivendo com um Propósito: da Rotina à Escolha, 31

7. Parando antes de Tudo, 36

8. A Contemplação Contemporânea, 39

9. Descobrindo as Pausas entre as Notas, 43

10. Parado: Desperto e Recordando, 46

11. Pare e Vá em Frente!, 49

II

Os Três Modos de Parar

12. Pausas Breves, Escalas de Viagem e Paradas Gerais, 54

13. Pausas Breves: Essência do Processo de Parar, 56

14. A Respiração E uma Inspiração, 59

Page 5: A essencial arte de parar 1999

15. Pausas Breves num Mundo em Torvelinho, 63

16. Escalas de Viagem: Mais Coisas Boas, 69

17. Escalas de Viagem durante o Caminho, 72

18. Esse É o Seu Corpo Falando, 77

19. Desculpas, Desculpas!, 79

20. Os Divisores de Águas e as Marés da Vida, 83

21. As Paradas Gerais São Boas para Você, 88

22. Crescendo "Como o Milho durante a Noite", 94

23. Descobrindo e Libertando a Sua Verdade, 96

24. A Espiritualidade Cotidiana, 99

III

Os Frutos de Parar

25. Os Benefícios de Parar, 106

26. O Fruto da Atenção, 108

27. O Fruto do Relaxamento, 113

28. O Fruto da Solidão, 118

29. O Fruto da Abertura, 123

30. O Fruto dos Limites, 129

31. O Fruto de Abraçar a Sua Sombra, 132

32. O Fruto do Propósito, 136

IV

Explorando os Desafios de Parar

33. Descendo até às Raízes, 140

34. Quando a Sociedade Diz "Não", 143

35. - Tenho Medo!, 147

36. Vendo o Inimigo, 151

37. Tomando Posse do Seu Medo, 157

38. Um Alívio Revelador, 162

39. O Pensamento Impensável do Médico, 166

40. Contando a Deus, 169

41. Uma Ajuda para Obter Ajuda, 172

42. Sim, mas..., 175

V

Descobrindo a Sua Maneira de Parar

43. "Parando num Bosque num Fim de Tarde com Neve", 184

44. Permissão Concedida para Simplesmente Ser, 188

45. A Trilha para o Seu Bosque de Parada, 192

46. Parando enquanto se Vai Daqui para Ali, 204

47. Parando em Movimento, 207

48. Os Jovens, os Velhos e os Violentos, 210

49. Parar É se Importar e Cuidar, 215

50. Confie em Você Mesmo, 217

Bibliografia, 220

Agradecimentos, 224

Créditos, 225

Page 6: A essencial arte de parar 1999

Prefácio

A primeira vez que li A Essencial Arte de Parar: O método re-volucionário (e simples) para a paz e o encontro consigo mesmo,vi imediatamente que estava em terreno familiar. De fato nãodemorei muito a localizar no meu próprio trabalho uma expres-são ligada ao tema deste livro: "Virtualmente todo dia eu paroo que quer que esteja fazendo para apreciar o pôr-do-sol..."(Não Faça Tempestade em Copo d Água) E esse é apenas umentre muitos exemplos. Sim: Parar, tal como definido pelo Dr.Kundtz — não fazer nada, a fim de acordar e recordar quem vo-cê é -, faz parte da minha vida há muito tempo.

Nossa dívida para com David Kundtz é ele ter formuladouma realidade simples, porém profunda, e nos oferecido uminstrumento elegante e poderoso para encontrar a serenidadee a placidez que tão facilmente escapam ao lidarmos com nos-sas vidas excessivamente atarefadas.

Parar é um feliz casamento entre os tesouros de muitas dastradições místicas e contemplativas do mundo e a percepçãoe a consciência da psicologia contemporânea. Acho que é exa-tamente disso que o mundo precisa no momento atual.

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Por fim, ao nos dar uma perspectiva, ao nos encorajar a pri-orizar as coisas importantes e ao nos manter alertas e cons-cientes, A Essencial Arte de Parar é a maneira ideal de fazer-nos lembrar uma coisa fundamental a respeito da vasta maio-ria das coisas que nos aborrecem e perturbam: é tudo tem-pestade em copo d'água.

Richard Carlson, Ph.D.

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I

Parando àVelocidade da Luz

Page 8: A essencial arte de parar 1999

Os dogmas do passado tranqüilo são inadequadospara o presente tempestuoso...

Como o nosso caso é novo, temos que pensarde maneira nova e agir de maneira renovada.

ABRAHAM LINCOLN

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Enfrentando a Montanha do Demais

— É demais - disse Mary Helen -, é coisa demais. Eu sim-plesmente não consigo lidar com tudo isso! - Aí ela começoua chorar. Mary Helen, uma mulher de trinta e oito anos,inteligente e bem-sucedida, com uma carreira promissora euma família amorosa, estava quase roendo a corda.

Qualquer observador que estivesse no meu consultório na-quele dia teria visto claramente que Mary Helen tinha pro-blemas: ansiosa, estressada, desatenta, irritável, incapaz dedormir, sufocada pela vida e frustrada pela sua incapacidadede administrá-la. Ela estava irritada com a sua própria in-competência e zangada comigo porque fora a mim que ela oadmitira.

Embora não tivesse consciência disso, no fundo ela sabiaque o problema estava relacionado com a primeira coisa que

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ela dissera: demais. Prosseguindo no exame, não descobri ne-nhuma psicose subjacente, nenhum distúrbio debilitante dapersonalidade, nenhuma disfunção de origem familiar, nemtampouco uma crise conjugai de maiores proporções. Sim-plesmente a vida se tornara demais.

A vida se tornara demais! O que quer dizer isso? Embora oproblema pareça ser conhecido, ainda não conseguimos ava-liar bem sua amplitude, profundidade e implicações a longoprazo. Como qualquer inimigo oculto, o problema do demaisestá hoje em dia presente em todos nós. O dano é tão sério,que às vezes chega a transformar-se numa ameaça à vida.

Será que você às vezes se sente como Mary Helen, sufoca-do ou emocionalmente atordoado pelo ritmo e pela quanti-dade de coisas na sua vida? Não consegue manter as suas ver-dadeiras prioridades, devido a uma agenda sobrecarregada?Você se sente incapaz de fazer tudo o que precisa fazer eainda ter tempo para você mesmo? Já percebeu que há muitotempo você não usufrui um lazer verdadeiro, satisfatório e re-gular? Se sua resposta é afirmativa, você encontrou o livro certo.

Você deseja dar mais atenção aos aspectos espirituais da suavida - seus significados e valores fundamentais -, mas vem sefrustrando ao tentar transformar esse desejo numa prática real?Se é isto o que você quer, aqui você vai encontrar a solução.

Ou você anda frustrado porque as meditações e métodos aque apelou para reduzir o ritmo eram tão complicados, demo-rados e pouco práticos, que acabaram não funcionando comvocê? Se é assim, pode ter certeza de que as sugestões encon-tradas neste livro vão lhe ajudar muito.

Neste mundo acelerado, cheio de e-mails e respostas instan-

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tâneas, muitos de nós andamos possuídos pelo mesmo senti-mento de sobrecarga que minha cliente Mary Helen expressa-va. Na realidade, nesse mundo de fim de milênio o principaldesafio à felicidade humana é o desafio do demais: há coisasdemais para fazer, distrações demais, barulho demais, coisasdemais exigindo a nossa atenção, ou, para muitos de nós,oportunidades demais e escolhas demais. Para o tempo e aenergia de que dispomos, é tudo demais da conta.

Todos nós andamos sentindo, pelo menos num nível subli-minar, que as escolhas, exigências e complexidades aumentama cada ano que passa. Precisamos ser mais, fazer mais, ir amais lugares, querer e realizar mais coisas. Mas o dia conti-nua tendo vinte e quatro horas e o ano, os mesmos doze me-ses. A quantidade de atividade cresce constantemente, mastanto a quantidade de tempo na qual ela deve encaixar-sequanto a energia humana com a qual ela deve ser enfrentadacontinuam as mesmas, na melhor das hipóteses.

Embora minha cliente Mary Helen tivesse apontado o seuproblema - "É coisa demais. Eu simplesmente não consigolidar com tudo isso" -, ela não achou que fosse algo muitosério e muito menos algo novo. Pensou que fosse mais umadessas coisas irritantes que acontecem na vida, com a qual eladeveria ser capaz de lidar. Essa atitude revela uma caracterís-tica perigosíssima do problema do demais: ele se faz passarpor algo que não é. Ele diz: "Eu sou aquele velho problemacom o qual você vem lidando durante toda a sua vida. Por issosou fácil de resolver." Mas isto é um engano: nós não pode-mos resolver, e achar que podemos faz parte do problema.

Por que não percebemos a sua chegada? A resposta é tão

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simples quanto clara: o demais se disfarça, justamente paranos fazer pensar que ele é outra coisa. Somos todos comoMary Helen, dizendo a nós mesmos: "Isso não deve ser umproblema sério!" Como ele dá a impressão de ser apenas ovelho problema de sempre, e como no passado já conse-guimos lidar com ele usando as estratégias de que dispúnha-mos, deixamos de reconhecer sua seriedade e força.

Chegou a hora de arrancar o disfarce do problema dodemais e revelar o monstro seriamente prejudicial que estádestruindo tantas vidas e famílias. Não é possível levar a vidamoderna com os métodos que aprendemos quando crianças ejovens.

Sabe por quê? Porque quando o demais aumenta, ele setorna uma coisa completamente diferente. Vamos explicar comum exemplo: se você tem um monte de pedras que vai au-mentando, chega um momento em que ele deixa de ser ummonte de pedras e se transforma numa montanha. Quandoacontece isso, exatamente? É difícil determinar o ponto exatoda transição. O mesmo acontece com o problema do demais:ele se transformou no que é no decorrer de um longo perío-do de tempo. Para a maioria de nós, o ponto em que o demaisse transformou numa montanha já ficou muito para trás. Oque costumava ser um monte de pedras tornou-se a Montanhado Demais.

É fundamental reconhecer que essa montanha é uma reali-dade nova, porque é isso que torna necessário adotar estraté-gias diferentes para escalá-la. Os instrumentos para escalar ummonte de pedras são muito diferentes dos exigidos por umamontanha. Um par de sapatos resistentes pode bastar para um

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monte de pedras, mas o pico majestoso de uma montanhaexige grampos, sistemas de amarração e treinamento com téc-nicas específicas.

Mary Helen, minha cliente inteligente e normalmente diver-tida e competente, estava realmente intrigada: "Por que eu nãoconsigo lidar com isso? Sempre consegui, mesmo quando ascoisas andavam difíceis. Por que agora não consigo?" Mas elanão percebia que aquela era uma montanha nova e desafia-dora, e não mais o velho monte de pedras sobre o qual pisa-ra tantas vezes antes. E era isso que ela precisava enxergar.

O mesmo acontece com todos nós: continuamos a lidar como problema do demais usando os velhos métodos que apren-demos antes de o monte de pedras se transformar numa mon-tanha. Por isso ficamos estressados, sobrecarregados, exauri-dos e incapazes de resolver os sérios problemas e desafiosque são o resultado direto do nosso ritmo de vida acelerado.Chegou a hora de aprender uma nova maneira de enfrentar anossa Montanha do Demais e de trocar os nossos velhos méto-dos de abordagem por outros mais novos.

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Não importa a velocidade com que avançamosnem a quantos confortos renunciamos...

nunca parece haver tempo suficiente.

JAY WALLJASPER

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Por que Não AdiantaComprimir e Cortar

No passado usávamos dois meios para lidar com o desafiodo demais: ou comprimíamos as coisas ou cortávamos as coi-sas. Eram reações naturais, normais e eficazes quando a vidaadquiria um determinado ritmo.

Comprimir é tentar encaixar cada vez mais coisas nos mes-mos limites de tempo e espaço, usando os mesmos limites deenergia e capacidade de resistência. Enquanto o monte de pe-dras não se transformava na Montanha do Demais, a compres-são funcionava muito bem e nós nos tornávamos mais efi-cientes e mais produtivos. Aprendemos a gerenciar melhor onosso tempo, a agir com mais rapidez e a passar o dia todocorrendo sem parar para respirar. Mas isso foi antes do pontocrítico. Agora o que acontece é que ficamos sobrecarregadose entupidos até o pescoço, frustrados e com a sensação de

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não termos espaço para nós mesmos. Acabo sempre demons-trando essa sensação de entupimento com mau humor, irri-tabilidade e impaciência.

Imagine que você está arrumando a sua maleta. Já tentoucomprimir as coisas dentro dela? Você comprime, comprime,chega até a se sentar em cima da maleta para fechá-la à força,mas há um momento em que basta botar mais um par demeias para ela não fechar. E mesmo que consiga apertar atéfechá-la, você se arrisca a arrebentar as costuras ou a vê-la es-tourar no meio da viagem. Pense em si mesmo como se fosseaquela maleta: suas costuras estão arrebentando e seu conteú-do emocional está estourando e se espalhando pelo meio doseu dia. É o ponto a que chegou. A compressão não funcionamais porque há coisas demais para encaixar dentro de você.

Cortar é excluir coisas da nossa vida para abrir espaço paranovas exigências. Nós nos tornamos peritos em eleger priori-dades: abandonamos velhos amigos para abrir espaço para le-var nossos filhos ao futebol, eliminamos o almoço para traba-lhar um pouco mais, reduzimos nossos dias de folga para ter-minar um relatório e cortamos uma hora de sono para ter tem-po para a ginástica. Mas isso funciona até certo ponto. No finalnão conseguimos cortar mais nada porque estamos quase sacri-ficando as coisas essenciais: o trabalho, as responsabilidadespessoais e uma quantidade mínima de sono e de atividades so-ciais. Quando alguma exigência por parte do trabalho ou decrises familiares aparece, o lazer, a ginástica, a vida social e osdias de folga são atirados pela janela. Até que chega uma horaem que não há mais nada para cortar e ainda há coisas demaispara fazer. Nossa saúde - mental e física - sofre. Começamos

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a nos queixar daquilo que ouço com maior freqüência nosmeus workshops sobre estresse: sentimos como se estivéssemossendo levados de roldão pela vida, sem realmente vivê-la. Co-mo você provavelmente sabe por sua própria experiência,constatamos que cortar simplesmente não funciona mais.

A Montanha do Demais é nova e portanto exige que aban-donemos os antigos métodos e adotemos novas técnicas. Osvelhos métodos já funcionaram e por isso nos apegamos aeles. São também uma forma de disfarçar a gravidade da situa-ção. E, pior de tudo, como não servem mais, eles nos roubamo prazer de viver.

Mas há uma coisa nova que você pode aprender a fazer.

Dar uma parada. Parar.

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Page 12: A essencial arte de parar 1999

Eu levo uma vida muito cheia e atarefada,

e de vez em quando me perguntam:

- Scotty, como é que você consegue fazer tudo o que faz?

A melhor resposta que eu posso dar é:

— Passando pelo menos duas horas por dia sem fazer nada.

M. SCOTT PECK

3

Não Fazer Nada

A primeira vez que tomei consciência do processo de Parar,eu estava me escondendo. Estava fugindo e me sentia perdi-do. Estava tentando descobrir o que fazer da minha vida e nãosabia realmente o que estava acontecendo comigo, nem comotudo aquilo iria acabar.

Eu fora um padre católico bem-sucedido e feliz durantequinze anos, mas de repente entrei em crise. Nada mais davacerto. O entusiasmo pela minha vocação me abandonara. Pelaprimeira vez na vida eu me sentia solitário. Evitava responsa-bilidades, negava o que estava acontecendo e tomava decisõeserradas. Finalmente, não sabendo o que fazer, parei de fazerqualquer coisa. Fugi durante um mês para uma cabana peque-na, isolada, pendurada no alto de uma colina com vista para

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o oceano Pacífico na costa norte da Califórnia, para pensarsobre aquilo tudo.

Eu simplesmente parei. E fazendo isso, descobri meu cami-nho de novo. Não parei de propósito, mas foi a melhor coisaque poderia ter feito por mim mesmo. Foi só muito mais tarde,depois de muitas ocasiões em que Parei - algumas vezes porapenas dez segundos e outras durante um mês -, que tomeiconsciência do valor daquilo e consegui encontrar umadefinição:

Parar é ficar sem fazer nada o máximo possível, porum período definido de tempo (de um segundo a ummês), com o propósito de se tornar mais totalmente des-perto e saber quem você é.

Essa é a prática simples em que se baseia este livro, umatécnica nova para substituir a compressão e o corte e para aju-dar a enfrentar a Montanha do Demais. Não se deve confundirficar sem fazer nada com uma falta total de atividade. Nãofazer nada é de fato fazer algo muito importante. É permitirque a vida aconteça - a sua vida. Não fazer nada é algo muitoprofundo.

O principal objetivo de Parar é fazer com que, quandoavançarmos, avancemos na direção que queremos e que, emvez de estarmos apenas sendo empurrados pelo ritmo dasnossas vidas, estejamos escolhendo, a cada momento, o que émelhor para nós. A principal razão que deve nos levar a Pararé querer ir em frente. Ir em frente é aquilo em que nós, domundo ocidental industrializado, somos especialistas: tocar osnegócios, fazer com que as coisas aconteçam, ter alto desem-penho e assumir papéis de liderança e poder. Por isso, à

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primeira vista, pode parecer que Parar vá contra nossos valo-res fundamentais. Mas Parar, além de não ser contra esses va-lores, os preserva e os cultiva. Sem Parar, para recordar quemnós somos - nossos valores e nossa identidade -, vai ficarmuito problemático ir em frente. Parar, mesmo por um segun-do, faz com que você perceba os significados essenciais desua vida e recorde constantemente o que é realmente impor-tante para você, de modo a poder manter suas prioridades emordem e em dia. Parar ajuda a saber o que você quer realizare como você quer se comportar. Parar funciona onde compri-mir e cortar não adiantam mais. Dá a você tempo para ser, nãoapenas para fazer.

Parar nasceu de uma experiência pessoal e, como muitasidéias úteis, ocorreu-me porque eu precisava muito disso. Namaioria dos casos, nós só paramos quando nos sentimos so-brecarregados e não sabemos para onde nos virar. Por algumarazão, quando cheguei ao fim da linha, eu simplesmente nãofiz nada e esperei, não por virtude própria, nem porque eupensava que esperar iria resolver alguma coisa, mas porquenão sabia mais o que fazer.

Agora posso olhar para trás e ver o valor daquele tempo deespera: houve momentos curtos e longos (mas a maioria cur-tos), durante os quais eu recordei alguma informação impor-tante sobre mim mesmo, fiquei mais atento à minha vida etomei consciência de todos os aspectos do problema com oqual estava lidando. Parar me ajudou a ir em frente nova-mente, mas ir em frente de forma concentrada e determinada,e não dispersiva e caótica.

De modo que este livro é sobre Parar, e mais especificamen-

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te sobre Parar quando você sente que tem que continuar emfrente. Esse tipo de calma e tomada de consciência beneficiaqualquer pessoa, mas visa especificamente atender às necessi-dades das que precisam viver suas vidas em velocidade cadavez maior, assoberbadas por um número avassalador de exi-gências. Como essa descrição se aplica a muitos de nós, háuma grande probabilidade de você estar se sentindo sobre-carregado e quase deprimido, sem saber qual a saída e pro-curando alguma coisa - qualquer coisa - capaz de aliviar apressão. Se é assim, você veio ao lugar certo. Parar vai ajudar.E é fácil. Você pode fazer isso em qualquer local, a qualquerhora.

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Page 14: A essencial arte de parar 1999

O ritmo acelerado da vida moderna nos condiciona

a roçar levemente a superfície das experiências

e depois passar rapidamente para algo novo.

STEPHAN RECHTSCHAFFEN

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Um Trem Rápido no Trilho Rápido

Parar não é desacelerar. Há muitos livros sobre como desa-celerar o ritmo frenético da vida. Este não é um deles, embo-ra um aspecto importante de Parar - até mesmo uma das ra-zões para Parar - seja, de fato, desacelerar. O processo deParar é muito diferente do processo de desacelerar. Tentardesacelerar não faz você desacelerar. Andamos tentando fazerisso há muitos anos e sabemos que geralmente não funciona.É como tentar deixar de fumar: em pouco tempo você acabaonde começou, só que mais frustrado.

Desacelerar não funciona porque tudo à nossa volta andamuito depressa. Pisamos fundo, mesmo quando não quere-mos. No seu livro Timeshifting, o doutor Stephan Rechtschaf-fen escreve sobre o engate, que ele descreve como um "pro-cesso inconsciente que governa a forma como ritmos diversosentram em sincronia uns com os outros". Por exemplo, se vo-

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cê colocar dois relógios de pêndulo fora de sincronia um aolado do outro, em pouco tempo eles entrarão em sincroniaperfeita. "O mesmo princípio funciona" - diz Rechtschaffen -"com as partículas atômicas, com as marés e com os sereshumanos." Com seres humanos? Esta é uma idéia notável. Nóspegamos os ritmos uns dos outros e os ritmos acumulados domundo à nossa volta. Se os ritmos à nossa volta forem em suamaioria rápidos, os nossos automaticamente também serão.Isso é o engate.

Estamos todos a bordo de um trem que corre rápido numtrilho rápido, e o processo de engate não está sob nosso con-trole consciente. É por isso que tentar desacelerar não nos fazdesacelerar. Não é porque tenhamos pouca força de vontadeou sejamos covardes, mas porque estamos num trem rápidoonde somos os passageiros e não os maquinistas.

Estamos todos viajando nesse trem muito rápido que estácorrendo num trilho predeterminado, ganhando velocidade nopercurso, e estamos nele há muito tempo. Não podemoschegar até o maquinista porque ele está protegido por guardasleais. Ou talvez porque na verdade não haja maquinista al-gum: o trem é guiado por um computador. Muitos querem de-sacelerar, alguns querem mesmo saltar do trem. Outros estãotão habituados à velocidade, que nem a notam. Uns poucosamam a velocidade e querem aumentá-la. Estes são os únicosque ficam satisfeitos. Quase todos os outros olham aparvalha-dos pela janela, mal vendo o mundo passar voando lá fora,sentindo-se desamparados.

Felizmente, há algo que pode ser feito. Parar pode nos fazersaltar do trem, pode nos separar dos ritmos frenéticos dos que

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nos cercam e nos levar a ritmos de nossa própria escolha. Éimportante observar que podemos até escolher ficar algumtempo no trem rápido. Parar é capaz de nos levar suavementeà oficina de reparos para nos recuperarmos, acalmarmos e ter-mos certeza de que, quando partirmos novamente, estaremosno trilho certo, indo na direção certa e intimamente ligados aomaquinista na escolha do rumo a tomar.

O processo de engate ajuda a explicar a espantosamentetênue capacidade de concentração da maior parte das pessoasnos dias atuais. Recebemos informações em pílulas sonoras:muitos fatos de forma esquelética e resumida. Simplesmentenão temos tempo para ler com mais profundidade ou mesmonos demorarmos mais detidamente nas matérias dos jornais. Amesma coisa parece acontecer com nossa sociedade impelidapor modismos. Idéias, tendências, modas ou pessoas são rapi-damente abandonadas em troca de quaisquer outras que cha-mem a atenção. Tanto faz se o que vem a seguir tem valor oué vulgar. Basta ser a próxima vista que temos da janela daque-le trem acelerado. Uma cultura impelida por modismos produzcidadãos frenéticos que se vêem involuntariamente a bordodaquele trem rápido, gritando noite afora o que tentam desco-brir: - Como foi que eu vim parar aqui?

Parar pode nos trazer tanto uma resposta quanto uma so-lução.

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É bom ter um objetivo para a viagem;mas, afinal, é a viagem que importa.

URSULA K. LEGUIN

5

Parando à Velocidade da Luz

Parar é algo paradoxal. Porque, à primeira vista, parar, istoé, não fazer nada, pode parecer uma perda de tempo. As pes-soas se referem ao ato de não fazer nada como "perda detempo". E quando você se sente estressado, mas tem muito oque fazer, não fazer nada parece a pior solução. Mas, parado-xalmente, a forma de Parar de que trata este livro não é umaperda de tempo, mas um dos períodos de tempo mais signifi-cativos da sua vida, mesmo que você pare só por um minuto.

A Parada que estou sugerindo é feita enquanto nos movemosà velocidade da luz. Parar à velocidade da luz leva em contaque o processo de Parar ocorre no contexto de um mundomuito rápido que não espera por ninguém, de tal forma que, sevocê não puder acompanhá-lo, irá ficar para trás. Leva tambémem conta algo que muitas pessoas que ensinam espiritualidadese negam a aceitar: mover-se depressa não é algo necessaria-mente ruim. "Muitas das tecnologias que estimulam a velocida-

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de são essencialmente boas. Os registros históricos mostramque os seres humanos nunca, jamais, optaram pela lentidão",diz Jay Walljasper, um editor de The Utne Reader. Quando ouçoamigos se queixarem de que suas vidas andam muito rápido,percebo que eles não estão falando de uma rejeição da veloci-dade, e sim de um desejo de poderem passar uma parte maiordo seu tempo envolvidos com atividades contemplativas. Oproblema, naturalmente, é que há excesso de uma e falta de ou-tro. Parar é algo que pode restaurar esse equilíbrio.

"Muitos amam a batida acelerada da dance music, a açãoalucinante do basquete ou a emoção veloz da montanha-rus-sa, mas não querem viver toda a vida nesse ritmo" - continuaWalljasper. "Uma vida equilibrada com intervalos de frenesicriativo dando lugar a uma tranqüilidade relaxada: é por issoque as pessoas anseiam." Sim, e Parar é exatamente isso.

A finalidade última de Parar é ir em frente. Mas Parar à velo-cidade da luz não é um pingue-pongue fútil e incessante entreir depressa demais e ficar inteiramente parado. Em vez disso,Parar traz seus resultados - seus benefícios - à pessoa, e nãoao ritmo da velocidade. Seus efeitos maravilhosos agem na al-ma e se tornam parte da pessoa, não importa a velocidade domomento.

Parar dez vezes num dia frenético e emocionalmente carre-gado não dá a sensação de movimentos bruscos, mas de umfluxo suave movendo-se de maneira equilibrada através dodia. O resultado é que em vez de chegar ao fim do dia depau-perado, exausto e deprimido, você chega em forma. E se tivero repouso apropriado, estará pronto para continuar com entu-siasmo.

30

Se as famílias não reagirem à cultura,acabarão gordas, viciadas, falidas,

com uma casa cheia de bagulhos e sem nenhum tempo.

MARY PIPHER

6

Vivendo com um Propósito:da Rotina à Escolha

O que acontecia antigamente é que as pessoas não preci-savam Parar porque o ritmo natural da vida gerava tempo sufi-ciente para que elas se equilibrassem entre o trabalho calmoe o trabalho ativo. Havia tempos atarefados e tempos folga-dos, e eles se compensavam uns aos outros. A vida simples-mente era assim.

Nossos avós e bisavós usufruíram provavelmente desseequilíbrio. O ritmo da vida permitia intervalos de tempo entreos eventos: o tempo de caminhada até a escola, até o vizinhoou até a igreja, e o tempo de trabalho solitário na casa, na lojaou na fazenda. A vida no campo era dura, mas nos países maisfrios havia longos períodos de inverno em que as pessoas fi-cavam presas em casa e o ritmo desacelerava até quase searrastar.

31

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Eu me lembro que quando menino adorava ir de carro commeu avô até a sua criação de porcos na zona rural do nortede Ohio. Era no fim da década de 1940. Meu avô era sério,mas muito bom e afetuoso comigo. Ele levava horas exami-nando os porcos e conversando com o encarregado. E o queeu fazia era realmente mágico. Eu perambulava pela fazendae explorava tudo: o celeiro, a maquinaria velha e enferrujada,os porcos (eu nunca chegava muito perto) e os campos. Eunão estava fazendo nada, senão me agitar, bisbilhotar, vaga-bundear, ficar de bobeira e me divertir. Acho triste pensar quesão muito poucas as crianças de hoje que podem ter este privi-légio.

Para a maioria de nós, tais momentos não acontecem maiscom muita freqüência, pois não fazem parte do ritmo da vida.Simplesmente estamos quase sempre ocupados demais. Tentevisualizar as seguintes cenas:

Numa rua arborizada de uma cidade pequena, uma mu-lher de olhar tranqüilo, usando um vestido caseiro simples eum avental, está sentada numa cadeira de balanço na varan-da da frente da casa. Seus filhos brincam na parte de trás, eseu marido conserta o carro. De vez em quando ela ouve asrisadas e os gritos das crianças. Ela está debulhando ervilhasfrescas para o jantar. O trabalho é tão familiar, que ela o fazautomaticamente, sem ter que pensar nele. Balança devagar acadeira. Em alguns momentos ela pensa nas coisas que pre-cisam ser feitas no quintal: cortar a grama, adubar o canteirode gerânios. Em seguida, seu pensamento voa longe e ela selembra de um acontecimento de infância. O carteiro chega,interrompendo essas divagações e ela pergunta sobre sua artri-

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te. Entre as quatro correspondências há uma carta de sua ir-mã. Ela a coloca sobre uma mesinha para ler depois que ter-minar o trabalho. Toda essa cena leva talvez vinte minutos oumeia hora.

O banqueiro está escrevendo. A tinta da caneta acaba. Elecuidadosamente seca com o mata-borrão o trabalho que estáfazendo e o coloca de lado. Abre o tinteiro, desatarraxa o tam-po da caneta e a mergulha com cuidado no tinteiro. Pressionaa alavanca que suga tinta para o reservatório e faz umapausa para que o excesso de tinta pingue de volta no tinteiro.Depois pega na gaveta um pequeno pedaço de pano macio,manchado de tinta, e limpa com ele a tinta da superfície dacaneta. Dobra e guarda novamente o pano na gaveta, juntaas duas partes da caneta, coloca no lugar o tinteiro e volta aotrabalho. Essa cena toda toma talvez dois ou três minutos.

Não quero com isso supervalorizar a lentidão e calma des-sas tarefas, mas mostrar como estamos distanciados desseritmo e chamar a atenção para o que se passava nas mentes enas almas das pessoas enquanto viviam os momentos tranqüi-los de suas vidas.

Enquanto eu perambulava pela fazenda do meu avô, iarecebendo informações muito importantes, não apenas sobreo meu mundo físico - a terra, os porcos e os tratores -, massobre quem eu era: "Estou com meu avô hoje. Ele é o pai deminha mãe, é irlandês, fala com sotaque, gosta de cavalos ede porcos. Acho que ele gosta de sair comigo." Talvez não fos-se com essas palavras, mas você pode ter certeza de que euestava aprendendo essas coisas e muitas outras.

A mulher debulhando ervilhas passava esse tempo numa

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espécie de contemplação. Conforme ia em pensamento do seujardim para a vizinhança, desta para a infância e de lá para acarta da irmã, ela também estava incorporando informaçõesimportantes sobre si mesma: quem era e o que queria. Nem ainterrupção do carteiro a impediu de voltar à sua contem-plação.

O banqueiro reabastecendo a caneta seca vê naquilo umametáfora de si mesmo como executivo atarefado: é como seele mesmo estivesse secando e, para se reabastecer de ener-gia, precisasse mergulhar no poço da alma.

Todos esses são momentos de Parada. Momentos de recor-dação, percepção e contemplação. O que quero enfatizar éque esses momentos - momentos estimulantes porque desa-celeram a vida para que não percamos as partes mais impor-tantes - são hoje em dia raros. Mas, apesar de a vida não nosoferecer essas pausas naturalmente, podemos criá-las inten-cionalmente. Podemos colocar alguns espaços aparentementevazios — os espaços que nos ajudam a aprender coisas impor-tantes - entre os acontecimentos da vida. Da mesma formacomo tivemos que fazer escolhas conscientes para conseguirdesenvolver algum exercício físico, agora temos que fazerescolhas para colocar espaços nas nossas vidas, espaços semnada para fazer. A finalidade de Parar é criar esses espaços.

Talvez você não debulhe ervilhas, mas provavelmente lavapratos, corta verduras, rega as plantas, guarda a roupa limpa.Se você não tiver uma caneta-tinteiro para usar como metáfo-ra de reabastecimento do seu reservatório, provavelmente temo tanque de gasolina. Os momentos que nos chegam natural-mente talvez não sejam tão tranqüilos quanto eram antiga-

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mente, nem conduzam naturalmente à contemplação, mas nãofaz mal. Se estivermos Parados o suficiente para notá-los, po-deremos transformar muitos desses momentos aparentementedesinteressantes em oportunidades estimulantes da vida.

A principal finalidade de Parar é viver intencionalmente,conscientemente. É o mesmo propósito que tinha o naturalistae poeta americano Henry David Thoreau quando, em 1845, foiviver perto de um lago: "Fui para a natureza porque queriaviver deliberadamente, lidando apenas com os fatos essenciaisda vida, e ver se podia aprender o que ela tinha para me ensi-nar. Não queria, na hora da morte, descobrir que não tinhavivido." Como a maioria de nós não pode ir viver perto de umlago, temos que criar, no tumulto de nosso cotidiano, momen-tos especiais de Parada.

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Milhões de pessoas que anseiam pela imortalidadenão sabem o que fazer com elas mesmas em

uma tarde chuvosa livre.

SUSAN ERTZ

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Parando antes de Tudo

Parar é uma arte delicada e essencial para tomarmos asdecisões e fazermos as escolhas certas: as que realmente que-remos e as que estimulam a vida. Podem ser grandes decisões,transformadoras da vida, como uma mudança de carreira, oinício e o fim de um casamento ou a transferência para umaoutra cidade. Podem ser pequenas decisões, como as do dia-a-dia: o que vou fazer para o jantar? De que cor pinto a sala?Quem é que contrato para fazer esse trabalho? Conto a elaagora ou espero até mais tarde? Seja qual for o caso, Parar de-ve vir sempre antes de tudo. Parar deve preceder cronologi-camente tudo o que fazemos, e ter prioridade.

Para a maioria de nós, isso não é tão simples assim. É umamudança de comportamento que afetará todos os aspectos denossa vida. Mas não tenho medo de afirmar que Parar podeser difícil, porque os resultados são tão positivos que sei que

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você irá me dizer: - É pedir demais. Acho que não vou que-rer me meter nisso. - Pode ter certeza de que não só vocêconquistará uma paz muito maior no seu dia-a-dia como vaipassar a compreender melhor sua vida e irá até redescobri-la.Há coisa mais importante? E poderia haver coisa pior do quechegar ao fim da vida ou mesmo ao fim de um dia sem terpercebido o principal?

Nas minhas duas áreas de trabalho - o sacerdócio e o acon-selhamento -, tive muitas ocasiões de acompanhar pessoasque estavam morrendo. Nesses momentos, as palavras maistristes que ouvi freqüentemente foram: - Se pelo menos eusoubesse! - ou - Se pelo menos alguém me tivesse dito! - Oque significa que elas teriam vivido de maneira muito diferen-te e de acordo com a verdade que só percebiam no momen-to da morte. E então elas sabem que é tarde demais e essa per-cepção leva a uma tristeza profunda.

Isso me fez perguntar: será que elas realmente teriam muda-do, se soubessem antes o que sabem agora? E se alguém lhestivesse revelado a verdade? Teria feito alguma diferença? Mi-nhas perguntas ficaram sem resposta até que as dirigi a mimmesmo: O que é que eu preciso saber agora para evitar essasituação na hora da morte? O que é que eu devo dizer a mimmesmo? São perguntas que só podem ser respondidas nummomento de calma, permitindo que se ouçam verdades difí-ceis, e num ritmo que permita que elas sejam absorvidas.

Isso nos leva a outro ponto que geralmente escapa à nossaatenção. É o seguinte: o ritmo mais lento estimula a recorda-ção, e a velocidade favorece o esquecimento. O romancistaMilan Kundera defende essa opinião de modo eloqüente no

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seu romance A Lentidão. É uma questão não apenas funda-mental para a compreensão do processo de Parar, mas essen-cial para se viver bem no mundo de hoje: "Há um elo secretoentre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esqueci-mento. Pense nessa situação extremamente comum: um ho-mem vem descendo a rua. Num certo momento, ele tenta serecordar de algo, mas a lembrança lhe escapa. Automatica-mente, ele anda mais devagar. Enquanto isso, uma pessoa quequer esquecer um incidente desagradável pelo qual acabou depassar começa inconscientemente a apressar seu passo, comose estivesse tentando se distanciar do que aconteceu."

Essas situações não lhe parecem familiares? Pense nos mo-mentos em que você está tentando se lembrar de algumacoisa: em geral você fica muito quieto, olhando para o espaço.E quando você quer esquecer uma coisa que incomoda? Cor-re, se movimenta, se agita! Kundera coloca essa verdade soba forma de equação: "O grau de lentidão é diretamente pro-porcional à intensidade da memória; o grau de velocidade édiretamente proporcional à intensidade do esquecimento."

Quanto mais rápido andamos, mais esquecemos. E o queacontece freqüentemente é que esquecemos que esquecemos.Que situação! Mas quando Paramos, nós nos lembramos denovo e aí nós nos encontramos.

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Se não conseguir meditar, vegete.

MEN'S HEALTH MAGAZINE

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A Contemplação Contemporânea

Parar não é meditar, tal como se entende meditação. É umaprática destinada às pessoas que não têm tempo para parar esentir o perfume das rosas, nem tempo e disposição para me-ditar diariamente. É para pessoas que já não conseguemencaixar todas as suas obrigações no tempo de que dispõem,e muito menos tentar encaixar coisas extras, como meditarduas vezes por dia. Parar é o que chamamos de "contempla-ção contemporânea". É uma variedade de meditação paraquem está ocupado demais ou indo depressa demais parameditar.

Parar é especialmente recomendado para pessoas que estãoprocurando uma maneira simples, descomplicada e não-dog-mática, embora eficaz, de lidar com uma vida excessivamenteatarefada. Parar é feito sob medida para a cultura ocidental: érápido, simples de aprender e eficaz.

A meditação sempre foi um desafio para mim. Não é que eunão goste de meditar. Pelo contrário, eu gosto muito, e meditei

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com êxito durante alguns períodos de tempo, além de ter lidomuitos livros sobre o assunto. Sei com certeza que me benefi-cio quando medito. O problema é que muito freqüentementeminha resistência à meditação é maior do que a minha moti-vação. Para mim, ainda é difícil meditar, por mais que eu saibao quanto me faz bem.

Parar funciona melhor para mim e para muitos de meusclientes, embora os resultados finais e alguns dos processossejam quase os mesmos da meditação. Apesar de ocasional-mente meditar, estou sempre Parando - muitas vezes por dia,muito mais vezes por mês, muito, muito mais vezes por ano.Não resisto ao processo de Parar, como acontece com a medi-tação. Na verdade, repito as Paradas com grande prazer.

Uma das finalidades de qualquer tipo de contemplação énos despertar e ajudar a viver plenamente o momento presen-te para podermos seguir no caminho certo. A palavra contem-plação tem raízes latinas, significando um tempo intensivopassado no templo para tomar consciência dos sinais e pressá-gios dos tempos. A contemplação nos prepara para o momen-to presente e para tudo de que precisamos tomar consciênciaagora a fim de sermos bem-sucedidos no que formos fazer emseguida e no que estivermos começando.

Aprendi a duras penas que se eu me engajasse num proje-to espiritual ou de auto-aperfeiçoamento - desde tentar perderalguns quilos ou parar de fumar até tentar ser mais pacientecom um colega problemático ou menos raivoso e agressivo aodirigir no trânsito - o projeto estaria destinado ao fracasso seeu não o iniciasse a partir de uma posição Parada. Desse mo-do, Parar é uma preparação para os desafios com que nos

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deparamos a cada instante, e até para os desafios que nósmesmos criamos.

A razão pela qual tantos dos nossos projetos bem-intencio-nados fracassam não é falta de boa vontade, nem falta de forçade vontade ou determinação, muito menos fraqueza moral oufalha de caráter. É que nós iniciamos esses projetos a partir deuma posição excessivamente atarefada, distraída e dispersa.Não é de admirar que eles freqüentemente fracassem. De mo-do que Parar é o primeiro passo, um começo, um prelúdio. Éa condição em que precisamos estar no ponto de partida paraque nossos projetos tenham êxito.

Uma vida excessivamente atarefada, distraída e dispersatambém mata o poder da imaginação, que é uma parte essen-cial de qualquer vida saudável. Se não pudermos imaginar oque sonhamos ou desejamos apaixonadamente, nunca sere-mos capazes de realizá-lo. O ato de Parar é amigo da imagi-nação. Durante o tempo em que Paramos, nossa imaginaçãoganha espaço e coragem para voar.

Parar é também uma forma de nos prepararmos melhorpara compreender e absorver o conteúdo dos inúmeros livrose sistemas espirituais oferecidos hoje em dia. Parar permiteque você fique mais receptivo, critique de maneira mais posi-tiva, apreenda e tenha mais êxito em qualquer coisa que dese-je adotar ou praticar.

Parar pode ajudar você a encontrar o professor certo, areconhecer o seu professor quando ele aparecer e a saber queos bons professores devem respeitar a sua sabedoria e nãopodem levar-se muito a sério. Dentro dessa linha, devo dizerque se Parar não fizer por você o que estou dizendo que pode

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fazer, ou seja, se não colocá-lo em contato com suas questõesfundamentais, ajudando-o a ficar mais desperto e a recordarquem você é e o que quer, então é claro que você deverejeitá-lo imediatamente.

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Eu sou a pausa entre duas notas...

RAINER MARIA RILKE

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Descobrindo as Pausas entre as Notas

Você deve ter notado que eu cito muitos poetas. Isso éporque acho que eles são as pessoas mais capazes de obser-var, ver com clareza e expressar as coisas da vida. De modoque você vai me encontrar citando gente como Frost e Rilke,Neruda e Angelou, além dos antigos Horácio e Cícero. Eles es-tão sempre olhando para a vida, e olhar nos leva a ver edescobrir.

Rainer Maria Rilke era um poeta apaixonado. No poemaabaixo ele nos dá uma linda expressão do significado de Pa-rar. O poema consta do seu Livro das Horas:

Eu sou a pausa entre duas notas,que de certa forma estão sempre em dissonânciapois a nota da Morte quer prevalecer -mas no intervalo escuro, reconciliadas,lá ficam elas tremendo.E a canção continua, linda.

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O que podemos aprender com isso?Ele diz ser "a pausa entre duas notas" de uma canção. Pense

nisso. Pense não nos timbres ricos e belos das notas. Notas sãoaquilo que ouvimos, são as coisas maravilhosas em nossasvidas: os acontecimentos e as pessoas. Mas "a nota da Mortequer prevalecer" ou dominar, e assim as notas "de certa formaestão sempre em dissonância". Sem a pausa entre elas, sem o"intervalo escuro" onde valores e significados têm suas ori-gens, a nota da Morte venceria. Mas ela não tem que vencer.Durante a pausa, a vida acontece, o valor e o significadoadquirem forma, a alma aprofunda o seu alcance e a cançãoé salva mais uma vez. E continua a ser salva em todas as pau-sas, grandes e pequenas, da canção que cada um de nós estácantando. Porque é justamente durante a pausa que a quali-dade das notas - e a verdadeira vida - nasce.

O poeta nos pede para ser definido como a pausa entre asnotas e quer que sejamos como ele: aquele momento breve emedido entre o tempo em que uma nota da música cessa e aoutra se inicia. Sem essa pausa, tudo seria um alarido caótico."A Morte" - isto é, a distração e o esquecimento - dominariatudo se você enchesse a sua vida só com notas. Se só hou-vesse notas e nenhuma pausa, haveria uma Babel. O som nãosoaria como música, pois seria mais parecido com uma sirene.Mas, na reconciliação do "intervalo escuro", a canção "conti-nua, linda" porque é lá que todas as notas se tornam organi-zadas e melódicas. É lá que elas adquirem o seu significado evalor.

Aqui está um exemplo prático para se compreender o quesejam as pausas entre as notas: você pulou para dentro do

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carro depois de despachar um embrulho no correio e vai a ca-minho de um compromisso. Está pensando no que acabou defazer ou no que terá que fazer em breve. Despachar o em-brulho e ir ao tal compromisso são "notas". Isso você faz bem.Você se preocupa em tocar as notas certas. Mas o que vocêprovavelmente perde é o agora, o intervalo, o tempo entre asnotas, o tempo dentro do carro enquanto vai de uma coisapara outra. É este tempo que eu quero que você perceba. Éesse tempo que o poeta chama de valioso.

O pianista Artur Schnabel, falando de sua música, enfatizaexatamente esse ponto: "Não trato as notas melhor do quemuitos pianistas. Mas as pausas entre as notas... ah, aí é quereside a arte!" É também onde reside a arte de viver e ondetransformamos ruídos dissonantes na música das nossas vidas.

Parar é tomar consciência do espaço entre as notas. Parar édar importância ao espaço entre as notas. Parar é transformaro espaço entre as notas num despertar e num recordar queestimulem a sua vida, dando-lhe um novo significado.

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Além de viver e sonhar,há algo mais importante: despertar.

ANTONIO MACHADO

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Parado: Desperto e Recordando

Visualize um viajante em sua viagem solitária, parado numaencruzilhada da estrada, refletindo sobre o momento, inteira-mente desperto, equilibrado, sem pressa, consciente de suaforça e, na hora certa, escolhendo a estrada e continuando ajornada. Uma decisão assim tomada dificilmente pode estar er-rada. A jornada será bem-sucedida, qualquer que seja o resul-tado. O peregrino está desperto e recorda as respostas para asquestões importantes da vida.

Agora imagine outro viajante seguindo pela estrada aostrancos e barrancos, num frenesi de ansiedade, disperso, dei-xando cair coisas ao longo do caminho, incapaz de distinguirorientações precisas de orientações falsas, esfarrapado, exaus-to e, sem pensar, tomando o lado mais próximo da encruzi-lhada. Não é um modelo atraente, nem o que escolheríamos.E ainda assim, quantas vezes fazemos isso. Correndo de coisapara coisa ou de nota para nota, numa tentativa frenética de

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manter o ritmo ou descontar o atraso, perdemos nossas cha-ves, a passagem de avião, a agenda de compromissos, nósmesmos.

Aqui está um exemplo tirado dos meus anos de faculdade:Eu andava tão entusiasmado com os gritos de "revolta!", queum dia larguei corajosamente as aulas, com centenas de calou-ros. Já nem me lembro mais contra o que era a revolta. O fatoé que pusemos a boca no mundo em passeata pelo campo defutebol, desafiando os burocratas da universidade.

Aí Joe Rock apareceu. Era um padre jesuíta de 120 quiloscom uma carranca esculpida sob medida para incutir terror esubmissão em qualquer calouro de coração vacilante. Ele nospassou um sermão de quinze minutos com gestos estudadose rugidos quase descontrolados. Foi durante aquele sermãoque me lembrei de uma coisa: eu não era um revolucionário,na verdade não queria ser um revolucionário e seria uma dro-ga de revolucionário.

Eu pegara o bonde andando, tinha começado aquela revol-ta sem estar desperto ou consciente. Eu não tinha Parado, nemeu nem meus companheiros. Simplesmente fomos pegos nocalor do momento. De modo que a atitude de Joe Rock fun-cionou com facilidade. "De fato", pensava eu enquanto ele fa-zia o sermão, "ele tem razão, isso é uma idiotice, não faz sen-tido algum..." Grande revolucionário!

Estar desperto, ou saber quem você é e prestar atenção aoque está ocorrendo tanto dentro quanto fora de você, é algopróximo do que as tradições espirituais do Oriente chamamde autoconsciência. Implica estar muito presente ao momentoatual, ao que você está fazendo na hora, ao seu sentimento

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interior e à pessoa na sua frente. É notar o tom de voz de al-guém e sua linguagem corporal, observando o mesmo em vo-cê. É ver as inúmeras coisas que ocorrem no decorrer do seudia e rapidamente avaliar se elas são importantes ou triviais. Éentrar em sintonia com outras pessoas e com você mesmo.Estar desperto é um ato do agora. É o oposto de estar distraí-do e disperso.

Parar faz você ficar desperto e consciente do momento pre-sente. Mas também o ajuda a reunir os fios do seu histórico,das suas histórias. Ajuda-o a recordar quem você é, de ondevem, para onde está indo e aonde quer ir. Ajuda a recordarseus objetivos, ideais e sonhos originais, e a recordar por quevocê começou a fazer o que está fazendo, para poder ver seisso ainda é o que você quer fazer. Mesmo que você não ob-tenha respostas claras para muitas das grandes perguntas davida, é vital continuar a recordar quais são as suas perguntas.Perder as suas perguntas é certamente se perder no caminho.

Parar é recordar. Isto é, trazer de novo para o coração (cor-dum) todas as partes do seu eu que foram deixadas para trásou espalhadas na pressa, e reunir de novo todas as suas "cor-das" num todo coeso. O poeta Robert Bly fala de "uma bolsaque arrastamos atrás de nós" cheia de partes nossas, cujo usoesquecemos - nossa inocência, nossa espontaneidade e nossajovialidade. Parar é recuperar essas partes que não queríamosperder, as partes que colocamos na bolsa talvez há muitosanos, e que estão escondidas e esquecidas.

Essas duas pérolas - despertar e recordar - são os elemen-tos essenciais de Parar.

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Carpe diem!

HORÁCIO, ODES

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Pare e Vá em Frente!

Parar é simples de compreender. É um período de tempogasto sem fazer nada a fim de conseguir tudo. É dar tempo su-ficiente e criar placidez suficiente para poder recordar as per-guntas importantes da sua vida, bem como as respostas quevocê está dando a elas atualmente.

Parar é uma moça sentada num banco de jardim banhadopelo sol acariciando seu gato; uma mulher com um livro aber-to no colo olhando pela janela para um mundo distante; umhomem caminhando descalço por uma praia deserta, sentindoo vento no rosto; um motorista parado num sinal de trânsitorespirando fundo e relaxando com um pensamento conforta-dor, em vez de ficar desejando que o sinal mude; uma enfer-meira atarefada respirando fundo e depois sorrindo para aque-le paciente irritante; um vendedor pensativo almoçando numbanco de praça enquanto olha para o céu.

Parar é criar espaço suficiente na sua vida, seja por trinta se-gundos ou por trinta dias, para ter certeza de que você colo-

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cará as coisas importantes em primeiro lugar, que você não sedistrairá a ponto de perder os momentos significativos da suavida, seja o que for que você esteja ganhando em troca.

Observe que a definição de Parar é "Não fazer nada, tantoquanto possível". "Não fazer nada" é nesse caso uma expres-são relativa. Algumas vezes poderá significar não fazer muito,fazer algo que exija muito pouca energia, ou fazer algo quevocê adora fazer. Paradoxalmente, não fazer nada é fazer algomuito benéfico. Repito, não confunda Parar com ficar inativo.

Parar não é fugir da vida nem evitar responsabilidades. Pelocontrário, é entrar na vida e nas suas responsabilidades deuma maneira nova. É ter a coragem de ir justamente onde es-tão nossos significados e valores e passar um tempo lá. Pararé como um abraço: é segurar com afeto os momentos maisimportantes para você.

Carpe diem significa "aproveite o dia" e são palavras de Ho-rácio, um poeta romano que viveu pouco antes da mudançadas eras (65-8 a.C). Carpe diem nos estimula a aproveitar omomento presente, a assumir as chances que a vida nos dáporque talvez não se reproduzam, a assumir o risco.

Aproveite o dia. Corra atrás. Siga seus sonhos. Assuma o ris-co. Carpe diem é uma expressão que se tornou popular, so-bretudo depois que foi citada no filme A Sociedade dos PoetasMortos. Parar e carpe diem parecem estar em extremidadesopostas. Numa delas temos: "Pare, fique quieto, dê um tempoaté ficar espiritualmente desperto e lembre-se das coisas im-portantes." Na outra se encontra: "Aproveite o dia, saia e corraatrás, consiga o que você quer, e faça isso agora." Será que sãocomandos opostos? Absolutamente.

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Eu diria que eles diferem na seqüência de aplicação. Em ou-tras palavras, antes de aproveitar alguma coisa, correr atrás dealguma coisa, sonhar, seguir ou arriscar alguma coisa, é me-lhor você saber o que é que está querendo, atrás do que estácorrendo, ou se arriscando. Como há coisas demais para resol-ver, temos a tendência de ser impulsivos, de agir antes de pen-sar, ou melhor, de ir antes de parar. É como o executivo queestava tão ocupado em subir na escada da hierarquia da em-presa, que só quando chegou perto do alto é que descobriuque a escada estava encostada do lado errado. De modo que,antes de ir em frente, é melhor Parar para evitar que o nossomovimento, tal como a minha "revolta" de calouro na univer-sidade, seja resultado de uma escolha impulsiva, executado demodo defeituoso, finalizado com insucesso, acabando numgrande fracasso.

A combinação de não fazer nada e carpe diem é exatamentea essência de Parar. Assim, com nossas desculpas a Horácio,digo que é melhor que saibamos qual é o dia que queremosaproveitar antes de aproveitá-lo, ou provavelmente terminare-mos mal o dia. Antes de aproveitar o dia, pare por um dia. Oumesmo por um minuto.

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II

Os TrêsModos de Parar

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Finalmente a coisa penetrou na minha cabeça dura.Esta vida — este momento - não é um ensaio geral.

E para valer!

F. KNEBEL

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Pausas Breves, Escalasde Viagem e Paradas Gerais

Parar tem três níveis. Eles se baseiam na duração do tempo:Pausas Breves, Escalas de Viagem e Paradas Gerais. Todos sãoeficazes, mas cada um é adequado a um momento diferenteda vida.

Uma Pausa Breve é Parar rapidamente e não fazer nada du-rante apenas um instante. É rápida, e pode ser usada a qual-quer hora, todo dia e muitas vezes por dia. As Pausas Brevessão essencialmente muito curtas: poucos segundos ou poucosminutos. Destinam-se a aproveitar os momentos aparente-mente vazios: enquanto o microondas esquenta o café, esco-vando os dentes ou parado num sinal de trânsito. Devem tam-bém ser usadas em momentos de estresse: ao entrar para umaentrevista, durante um acesso de raiva ou quando você per-cebe que vai chegar atrasado a um compromisso.

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Um pouco menos freqüentes são as Escalas de Viagem, quesão períodos de tempo maiores que as Pausas Breves: de umahora a vários dias. Essas Paradas são maravilhosas, porquevocê tem a sensação de que esteve fora e tirou mini-férias parao espírito. A Escala de Viagem pode se dar em uma tarde, umdia ou um fim de semana, quer você vá a algum lugar ou não.

As Paradas Gerais provavelmente acontecerão poucas vezesna vida da maior parte das pessoas. São períodos que vão deuma semana a um mês - ou mais. Obviamente, essas Paradasprecisam de mais planejamento, de uma disponibilidade detempo e energia maiores e mais profundas, e em geral acon-tecem nas épocas de transição em nossas vidas.

São estes os três níveis do Parar. Todos são eficazes, masquanto mais freqüentemente forem repetidos ou maiores osperíodos de tempo, mais duradouros serão os efeitos. Pensenos três níveis como um mergulho cada vez mais profundonos recessos mais íntimos do seu ser, permitindo que você, demaneira criativa e alegre, não faça nada e fique mais despertoe cheio de recordações. Essas experiências o ajudarão a tomardecisões corretas e a manter o seu verdadeiro rumo na vida.

Todos os três níveis de Parar - Pausas Breves, Escalas deViagem e Paradas Gerais - destinam-se a ajudá-lo a manteruma coisa em mente: tudo que você tem é o "agora". O "an-tes" já passou, o "depois" ainda não aconteceu e talvez nuncaaconteça. Como nos lembra a citação no início deste capítulo,você não está em um ensaio geral da sua vida real, que vaiacontecer daqui a algum tempo, quando você estiver maispreparado. Você não está esperando que alguma coisa acon-teça. Está no meio dela.

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Não fosse a pausa em ponta,

a Pausa Breve,

não haveria dança,

e há apenas a dança.

T. S. ELIOT, FOUR QUARTETS

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Pausas Breves:Essência do Processo de Parar

As Pausas Breves são a forma de Parar que pode ser usadacom mais freqüência e que constitui a base, ou o alicerce, detodo o processo de Parar. As Pausas Breves são rápidas e bemfocalizadas. Criar Pausas Breves durante o dia é fundamentalpara a incorporação do processo de Parar à nossa vida. Elasvão se acumulando e criando a espinha dorsal que mantém aestrutura. Um dia com quinze Pausas Breves fará com quevocê fique muito mais pacífico, satisfeito e calmo, não impor-ta o que você tenha que fazer, quantas pessoas tenha queatender ou quantos incêndios tenha que apagar. As PausasBreves também nos preparam alegremente para as Paradasmais longas.

A enorme vantagem das Pausas Breves - especialmente se

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comparadas com a meditação e outros sistemas para atingir apaz interior - é que elas conseguem ser incorporadas à suavida com um mínimo de trabalho e um máximo de eficácia.Você pode passar o dia todo com alguém sem que essa pes-soa saiba que naquele dia você fez quinze ou vinte PausasBreves para descansar e se renovar.

Já conduzi workshops para quarenta enfermeiras, em que fizuma Pausa Breve pelo menos dez vezes durante o trabalho.Respirei fundo, me concentrei, recordei o que queria realizarnaquele workshop e o que desejava oferecer às participantes,e aí voltei ao que estava fazendo. Levou poucos segundos,que pareceram às enfermeiras apenas como um rápido inter-valo.

O que você faz durante uma Pausa Breve é simples: vocêpára o que está fazendo, fica sentado ou de pé, respira fundocom os olhos abertos ou fechados, focaliza sua atenção inte-riormente e recorda o que precisar recordar. Pare, respire erecorde. A parte da recordação é muito flexível, podendoreferir-se à lembrança de uma coisa em que você crê ou deum fato que o motiva. Mas também pode ser a recordação deuma prece pedindo força ou paz, uma mensagem que vocêprecisa ouvir naquele momento, do tipo "você pode fazerisso", ou um auto-encorajamento, como "você está indo muitobem". Pare, respire e recorde. Eis alguns exemplos de PausasBreves:

Você está num ônibus (ou num trem, ou num avião) e olhapara a frente, talvez focalizando as costas do encosto da pol-trona. Comece simplesmente prestando atenção à sua respi-ração por alguns instantes. Aí traga à mente algumas das pes-

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soas que são muito importantes para você: pais, filhos, seuparceiro, namorada, ou amigos. Depois de fazer isso por umou dois instantes, sorria suavemente.

Você está na copiadora (ou no fax, ou no computador, ouaguardando numa fila) esperando que um trabalho seja reali-zado. Relaxe os músculos dos ombros, respire bem fundo edevagar, com os olhos abertos ou fechados, e pense em algoque lhe causa alegria, como por exemplo: "Que bom ter umaamiga como Andréa."

As palavras do poema de T. S. Eliot no início deste capítu-lo são extremamente adequadas à compreensão das PausasBreves. Para que a dança exista, é preciso haver pausas. Adança não pode continuar indefinidamente. Tem que haverum ponto no qual o corpo dançante pare e descanse. É esseponto e esse momento de placidez que dão energia à dança.

De modo que as Pausas Breves têm uma parte física (ficarimóvel e respirar) e uma espiritual (recordar, rezar, expressargratidão ou quaisquer palavras que lhe façam bem). Simples,não é? A própria essência das Pausas Breves é uma respiraçãoprofunda e deliberada e um momento de recordação silencio-so. Como a respiração é a essência das Pausas Breves, este éum bom momento para aprendermos a respirar deliberada-mente.

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Você deve estar pensando: "Eu não precisoaprender a respirar. Venho fazendo isso

desde o dia em que nasci... sem uma única lição."

IAN JACKSON

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A Respiração E uma Inspiração

Jamais me esquecerei do momento em que aprendi a respi-rar. Não, não foi quando o médico deu uma palmada nosmeus fundilhos e eu engoli meu primeiro sopro de ar. Foi cer-ca de quarenta anos mais tarde, durante meu curso de terapiade associação de imagens interativas. Numa das sessões fomosorientados a fazer um exercício de respiração. A mulher quedirigia o grupo falou devagar, calma e claramente sobre o pro-cesso de respiração e sobre como a maioria das pessoas res-pira de forma superficial.

Aquele ensinamento mudou a minha vida. Acho que nin-guém em volta percebeu (talvez estivessem sendo educados ediscretos), mas quando inspirei profundamente e depois expi-rei completamente, envolvendo todos os mecanismos internosda respiração diafragmatica, comecei imediatamente a suar,tão inédita e avassaladora foi aquela experiência. Enquanto

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nue a inspirar, e quando a mão direita estiver o mais longepossível sem causar desconforto, conduza o ar inspirado parao peito e deixe que sua mão esquerda também se afaste. De-pois, ao soltar o ar, acontece um movimento inverso: primeirosua mão esquerda se aproxima do corpo, seguida pela mãodireita. Ao respirar assim sucessivamente, você verá que háum movimento ondulatório quando o ar se desloca de baixopara cima e de cima para baixo: do estômago para o peito edo peito para o estômago.

Essa respiração consciente traz vários benefícios: aprofundanossa percepção daquele momento específico, pondo-nos emcontato com o presente; massageia internamente os principaisórgãos, relaxando-os; aumenta a percepção que você tem desi mesmo e leva-o a expandir-se espiritual e fisicamente. Es-pírito e respiração têm a mesma raiz: inspiração significa res-pirar para dentro. A respiração é uma inspiração.

Como posso convencê-lo do poder de uma respiração pro-funda e consciente? A respiração é uma das atividades invo-luntárias do corpo humano e pode parecer bobagem querertreiná-la ou aperfeiçoá-la. Mas o fato é que muitos de nós res-piramos de maneira superficial e às vezes, principalmentequando estressados, prendemos a respiração de modo a quasedeixar de respirar. A fim de experimentar o poder da respira-ção consciente, comece observando como você respira: o queacontece quando você prende e comprime o ar (isto aconteceprincipalmente quando você está concentrado em algumacoisa ou tentando fazer um trabalho detalhado) e como vocêse sente quando respira de modo profundo e deliberado.

Uma linda história do Velho Testamento vem a calhar aqui.

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continuava a respirar profunda e conscientemente, comecei atremer, pois aquela experiência era extremamente revolucio-nária do ponto de vista físico e emocional. Sei que pode pare-cer estranho, mas era como se fosse a minha primeira respi-ração, como se eu nunca tivesse respirado profundamenteantes. Nos dias e semanas que se seguiram, passei a respirarconscientemente, treinando com freqüência e aprendendo asnuances da respiração.

Respirar conscientemente significa respirar profunda e deli-beradamente. Respirar profundamente é começar a respiraçãolá no fundo da barriga e ir levando-a até o peito.

Para aprender a fazer isso, comece colocando sua mão es-querda sobre o coração e a mão direita em cima do umbigo.Ao inspirar, sua mão direita deve se afastar do corpo à medi-da que seus pulmões se enchem de ar, e a mão esquerda devepermanecer imóvel. Esse movimento deve fazer com que vocêpareça "mais gordo" do que é: o estômago deve ficar protube-rante. Depois, conforme você solta o ar, ou expira, sua mãodireita deve retornar ao encontro do corpo e a mão esquerdapermanecer imóvel. A inspiração do ar movimenta o seu estô-mago para fora, e não o seu peito.

Freqüentemente, o que acontece é que quando você respi-ra fundo a mão esquerda se afasta do peito, o que significaque o ar está entrando superficialmente na parte superior dopeito, sem levar oxigênio aos pulmões de maneira eficiente.

Prosseguindo, para conseguir uma respiração ainda maiscompleta, comece com as mãos colocadas como acima: mãoesquerda sobre o coração e mão direita sobre o umbigo. Ins-pire e observe a mão direita se afastar. Mas desta vez conti-

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Naaman era um poderoso general do exército que caiu muitodoente. Consultou vários médicos e curandeiros e nenhum de-les conseguiu restaurar-lhe a saúde. Soube, através de uma jo-vem serva, que Elias, um profeta sábio e poderoso de um paísvizinho, podia curá-lo. Em desespero, Naaman e seu séquitoviajaram ao encontro de Elias. Ao encontrá-lo, Naaman pediuhumildemente que o profeta usasse seus poderes para curá-lo.

Elias simplesmente mandou Naaman banhar-se sete vezesno rio Jordão para curar-se. O general ficou furioso: "Temosrios na nossa terra e eu me banho neles todos os dias. Quebem poderia me fazer um simples banho de rio! Isso é bo-bagem. Desperdiçamos nosso tempo e esforço." E Naaman sepreparou para partir. Seus criados, entretanto, pensando quetinham vindo de tão longe e que não haveria mal em tentar,convenceram o relutante general a se banhar sete vezes no rioJordão. Ele o fez e imediatamente se viu curado da doença.

Como Naaman, nós tendemos a subestimar o poder das coi-sas comuns como banhar-se num rio ou inspirar o ar. A exem-plo de Naaman, talvez ficássemos tentados a dizer: - Respirar?Venho respirando desde o dia em que nasci e acho que nãopreciso aprender a respirar a essa altura da vida. Além disso,como é que algo simples como inspirar e expirar pode fazeralguma diferença na minha vida? - Eu, como seu servo, talvezinsista: - Bem, Vossa Excelência veio de tão longe, isso nãolhe fará mal e quem sabe talvez faça diferença. Portanto, sim-plesmente conceda-me esse favor: por que não tentar?

Por enquanto, confie nos benefícios da respiração profundapara o seu estado físico e emocional e me faça esse pequenofavor, experimentando. Você ficará grato pelos benefícios.

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Você tem que aprender a ficar imóvel no meio da atividadee a estar vibrantemente vivo quando estiver em repouso.

INDIRA GANDHI

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Pausas Breves numMundo em Torvelinho

Você agora já tem uma idéia do que são as Pausas Brevese começa a compreender a respiração consciente, que é a suapedra de toque. Chegou a hora de começar a incorporá-las aoseu cotidiano. Eis algumas das maneiras que eu e meus clien-tes descobrimos para fazer isso:

Respirando no banheiroSim, o banheiro é um dos melhores lugares (especialmen-

te quando você não precisa ir) para fazer uma Pausa Breve.- Quando tudo fica frenético, com todo mundo esperandoalguma coisa de mim, vou para o banheiro - diz Tom, um ge-rente administrativo. - Tranco a porta, me olho no espelho esorrio. Depois fecho os olhos, relaxo o corpo, respiro algumasvezes e passo os trinta segundos seguintes quieto. Terminocom outro sorriso para mim mesmo, talvez com uma declara-

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ção do tipo: "Cuida bem de você mesmo." Jogo um pouco deágua fria no rosto e volto ao trabalho. Levo ao todo de dois atrês minutos, mas que diferença faz no modo como eu encaroo trabalho!

Num intervalo programadoCecília, uma recepcionista, explica: - Pego o comecinho do

intervalo do lanche e me afasto para ficar sozinha, respirarfundo algumas vezes e conseguir um momento de calma.Depois me divirto tomando café com os outros. Às vezes usoo intervalo inteiro para fazer isso.

Caminhando de uma tarefa para outra- O hospital onde trabalho é enorme e tenho que percorrer

uma grande parte dele várias vezes por semana - diz Carol,uma médica. - Geralmente estou sozinha. A caminhada é umexercício, mas também é tempo para uma Pausa Breve, embo-ra eu esteja em movimento. Respiro conscientemente e recor-do o que é importante para mim. Depois de algum tempo,realmente faz diferença. Se não fizesse isso, eu desperdiçariaesses momentos tão importantes.

Numa situação tensaVocê certamente já esteve numa situação difícil como, por

exemplo, participar de uma reunião em que alguém levanta avoz agressivamente ou diz algo mesquinho e injusto. É bemprovável que você tenha ficado tenso, prendendo a respiraçãoe vasculhando desesperadamente a cabeça em busca da me-lhor forma de reagir. Isto já aconteceu comigo no local de tra-

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balho. Um dia me defrontei com uma explosão súbita, irada eabsurda. A primeira coisa que fiz foi respirar fundo. Na segun-da respiração, enquanto inspirava, imaginei o ar entrando eme trazendo carinho, compreensão e amor. Depois, ao expi-rar, dirigi o ar com essas energias através dos meus olhos, en-quanto olhava diretamente para os olhos do homem que mehavia agredido. O efeito foi imediato. A violência pareceu dis-solver-se e o conflito pôde ser resolvido mais tarde através deum processo normal.

Observe que nessa Pausa Breve o poder estava comigo.Pode estar com você também. Você pode inspirar o que preci-sa e expirar o que for necessário. As palavras que imaginei du-rante a segunda inspiração foram "carinho, compreensão eamor". Na expiração, o efeito das palavras foi conciliatório epoderoso. Você pode fazer isso em casa, quando estiver pres-tes a explodir com o seu filho ou com seu cônjuge, ou logodepois de eles terem explodido com você. Como mostra esteexemplo, as Pausas Breves não só são uma maneira sadia decuidar de você mesmo como também permitem que você tra-te melhor os outros.

Quando você se sente empacadoTente isto na próxima vez em que estiver tendo dificuldade

com alguma tarefa. Feche os olhos por um instante e se imagi-ne inalando as energias da concentração e do relaxamento.Depois abra os olhos e, ao soltar o ar, dirija o poder da respi-ração para a tarefa que tem à sua frente. Repita esse processopara construir um ciclo de energia circulante.

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Indo e voltando do trabalhoQuando estou falando sobre Parar para um grupo, freqüen-

temente os participantes se lembram do tempo gasto no trans-porte duas vezes por dia. - Chamo isso de "período de des-compressão" - disse um homem ao nos contar o que faziapara ajudar a fazer a transição do trabalho para casa. - Minhaviagem dura entre vinte e quarenta e cinco minutos, depen-dendo do trânsito. Logo que entro no carro, minha transfor-mação começa. Afrouxo a gravata, ponho uma fita de músicarelaxante, não ouço o noticiário e faço todo o possível parapensar na minha casa e na minha família: em como minha es-posa passou o dia e no que as crianças talvez estejam fazen-do. Quando finalmente chego lá, entro com muito mais facili-dade no mundo da minha casa.

Há várias coisas que você pode fazer para intensificar opoder de uma Pausa Breve. Você pode acrescentar diálogosconsigo mesmo ou declarações simples e curtas no início ouno fim. Eis alguns exemplos: "Eu estou legal, posso resolverisso"; "Essa aflição vai terminar logo, provavelmente dentro depoucas horas, e eu consigo agüentar qualquer coisa por algu-mas horas"; ou "Hoje à noite vou me dar de presente umamaravilhosa...".

Outra boa forma de estímulo é perguntar: "O que Fulano ouFulana (coloque o nome de alguém, morto ou vivo, a quemvocê admira) faria nessa situação?" Depois imagine que vocêestá recebendo a energia dele ou dela nesse exato momentoe inspire essa energia para dentro. Outra ferramenta é visua-lizar a situação difícil com a qual você está se defrontando: fe-che os olhos e "veja" a situação com os olhos da mente. Na

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sua visualização, você faz tudo acontecer exatamente comoquer que aconteça. Muitos atletas podem atestar a eficácia des-sa visualização ensaiada quando estão competindo.

Por favor, não subestime o poder de uma Pausa Breve, nemmesmo a de poucos segundos. Uma olhada para o céu tomatalvez um segundo e meio, mas é só você colocar sentido epoder nela, dizendo por exemplo para si mesmo: "Quandoolho para o céu (e mesmo para o teto), lembro da presençade Deus na minha vida e sinto que a graça divina está dis-ponível aqui e agora."

Um gesto que mal seja percebido pelas pessoas à sua voltapode fortalecê-lo da mesma maneira. Aqui está um que usoquando estou numa situação estressante e desconfortável: sim-plesmente junto o polegar com os outros dedos da mão, demodo a fazer um círculo, e repito para mim mesmo: "Isto tam-bém vai passar." Este gesto me traz reconforto, coragem e estí-mulo.

Bernie Siegel, autor de Love, Medicine, and Miracles, nosconta a história de uma mulher seriamente doente que muitasvezes era tomada pelo medo. Ela sabia que estava nas mãosde Deus, mas às vezes se esquecia disso e se amedrontava.Nesses momentos, ela simplesmente estendia a mão e, comesse gesto, lembrava a si mesma que estava nas mãos deDeus. Seu medo desaparecia.

Os momentos e as formas para Pausas Breves são incon-táveis. Pense na sua vida e escolha os seus momentos e asmaneiras de usá-los. Pense nos acontecimentos do seu dia co-mo as notas de uma canção. Para a música ser melodiosa demodo a não soar como uma sirene, você precisa pôr as pausas

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no lugar. Durante o intervalo de uma Pausa Breve, o objetivoé conseguir um período de placidez, de "não fazer nada", detomar consciência de quem você é e do que você quer. Aí asua canção continua, linda.

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Gaste a tarde.

Você não pode levá-la com você.

ANNIE DILLARD

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Escalas de Viagem: Mais Coisas Boas

Embora as Pausas Breves sejam o modo mais comum, maisbásico e mais obviamente benéfico de se Parar, o verdadeirodesafio para a maioria de nós é o nível que vem logo a seguir:as Escalas de Viagem. São períodos de tempo maiores sem fa-zer nada: uma ou muitas horas, um dia, um fim de semana, ouvários dias.

Pense nas Escalas de Viagem como as estações numa via-gem de trem longa e tranqüila, onde você desembarca, olhaem torno, aprecia a paisagem, respira o ar fresco e retoma aviagem sentindo-se descansado, como se tivesse passado poruma mudança. Fazer uma Escala de Viagem é cair fora durantealgum tempo e com isso sentir-se renovado e pronto para par-tir novamente.

Como terapeuta familiar, preciso ser capaz de manter oequilíbrio, concentrando-me profundamente no que estáacontecendo com meus clientes sem levar as dores deles para

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minha própria vida. Com freqüência, a maneira que encontropara fazer isso é uma Escala de Viagem de uma hora. Quandovejo que não vou conseguir tempo num dia sobrecarregado,deixo uma hora livre entre as consultas para ser a pausa entreas notas que são os meus clientes. Geralmente caminho, em-bora às vezes vá até um bar e fique observando as pessoasenquanto tomo um chá.

- Meu trabalho é muito intenso - disse uma mulher que su-pervisiona uma grande unidade de saúde. - No trabalho estousempre "ligada", e quando chego em casa preciso de umtempo para me ajustar à vida familiar. Por isso tenho uma re-gra que sigo fielmente: quando chego em casa fico sozinhadurante meia hora antes de começar qualquer coisa. Essa é aEscala de Viagem do meu dia. Deu um bocado de trabalhofazer as crianças compreenderem por que eu necessito disso,mas aos poucos elas foram aceitando.

Apesar de as Escalas de Viagem serem importantes paraqualquer um, elas exigem uma forte motivação para seremrealizadas. Por isso é fundamental lembrar dos objetivos destaforma de Parar: despertar para o que está acontecendo com asua vida, manter as coisas mais importantes em primeiro lugar,recordar quem você é e quem deseja tornar-se, e recordar seusprincipais valores. Se você pensar nos benefícios das Escalasde Viagem, elas lhe parecerão indispensáveis.

Para muitos de nós talvez a melhor forma de experimentarpela primeira vez uma Escala de Viagem, ou seja, um períodomaior sem fazer nada, seja um fim de semana. Escolha um fimde semana, talvez daqui a alguns meses para que você possair se acostumando com a idéia, marque a data no calendário,

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e planeje passar a noite sozinho. Deixe que o não fazer nadalhe pareça positivo: - Não vou ter realmente nada para fazerdurante um dia e meio. Absolutamente nenhuma pressão enenhuma expectativa.

Falando de modo prático, muitas Escalas de Viagem acon-tecem durante o período de férias. Se você sai de férias coma família, talvez possa tirar um dia para ficar sozinho. O tempode férias do trabalho não é necessariamente uma Parada. Mui-ta gente entulha as férias com tanta coisa, num ritmo tão rápi-do, que destrói o descanso e a renovação. Por isso, pense emtirar umas férias Parado. Podem ser as melhores férias de suavida.

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[Fazer um retiro] tem algo a ver com umaspecto que existe dentro de cada um de nós...

desconhecido da ciência... que anseia pela paz.

DAVID A. COOPER

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Escalas de Viagemdurante o Caminho

As experiências apresentadas a seguir são Escalas de Via-gem reais, feitas por gente real. As histórias foram colhidas emconversas telefônicas, por correio, e-mail e fax. Foram vividaspor pessoas que leram sobre meu trabalho sobre o processode Parar ou assistiram a um dos meus workshops. Você vaiconstatar a generosidade dessas pessoas ao compartilharemsuas experiências:

Um retiro de fim de semana organizado- Eu geralmente não gosto da maioria dos retiros organizados

- disse Barry G. numa conversa telefônica -, mas isso foi antesque eu descobrisse o retiro de que vou falar. Eu estava apreen-sivo quando parti para aquele fim de semana, pensando emtodo aquele tempo sem nada planejado e com poucas pessoas.

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Mas foi tão maravilhoso, que eu recomendo a todo mundo.Hoje em dia faço isso todo ano, porque se não fizer parece quefico atrapalhado e tenho dificuldade para manter as coisas norumo certo, principalmente em relação à minha família. Achoque é isso o que você chama de Escala de Viagem.

O seu próprio retiro de fim de semanaVocê não precisa procurar um centro de retiro. Janet, antes

mesmo de conhecer meu método de Parar, hospedou-se emum hotel simples numa comunidade rural perto de umas tri-lhas de caminhadas. Passou um fim de semana sozinha, per-correndo as colinas, comendo comida caseira e descansandomuito. - Quando penso naquilo agora - disse ela - perceboque era o que você está descrevendo como uma Escala de Via-gem. É claro que na época eu não via aquilo assim. Simples-mente fiquei lá e me fez um enorme bem.

Num ônibusUm professor aposentado há muito, Howard L., já com mais

de oitenta anos, fez uma viagem de três dias de ônibus paravisitar sua filha. Ele me escreveu: - Não planejei aquilo comouma Escala de Viagem, mas quando li seu artigo sobre Pararpercebi que era exatamente o que eu tinha feito. Foi tão dife-rente. Não falei com quase ninguém no ônibus, mas recordeimuitos momentos e tive a sensação de ter encontrado a me-lhor forma de me preparar para os poucos que ainda virão.

Um devaneio noturnoLucy é enfermeira. Ela escreveu sobre a "Escala de Viagem

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que mudou sua vida" depois de participar de um dos meusworkshops. Descreveu o seu trabalho no hospital nos seguintestermos: - Todo mundo vivia muito estressado e havia um cli-ma de insegurança e raiva. Eu estava sentindo os sintomas deum colapso iminente: odiava ir para o trabalho, passava osdias de folga pensando no trabalho, não aproveitava o des-canso e, o que era pior, descontava no meu marido e no meufilho de um ano e meio. Tinha um sentimento de fracasso pornão conseguir lidar com isso e estava a ponto de explodir. Foiquando decidi Parar.

- Uma noite, já bem tarde, ao voltar para casa após o traba-lho, absolutamente exaurida, depois de chorar muito, sentei-me à mesa da cozinha e me perguntei: "O que é realmente im-portante para mim? O que me faz feliz?" Assim foram se pas-sando as horas daquela longa noite, enquanto Lucy ficava ali,sozinha com suas perguntas, fazendo uma pausa entre asnotas, a sua Escala de Viagem.

- Ao alvorecer estava claro que minha prioridade número. um era ser a melhor das mães, e a número dois era ser uma

esposa companheira, carinhosa e compreensiva. A família eramais importante para mim do que o trabalho. Pode parecerpieguice, mas eu sentia que naquela noite tivera uma espéciede despertar espiritual. Aquela Escala de Viagem promoveumudanças fundamentais na minha vida. Odeio pensar emcomo eu estaria agora se não tivesse parado naquela noite.

Simplesmente ficando em casaUma gerente editorial, extremamente atarefada, descobriu

sua maneira ideal de fazer uma Escala de Viagem: - Agora, por

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duas vezes, já tirei uma semana de folga e simplesmente fiqueiem casa... sem telefonemas, sem visitas e sem ir a lugar ne-nhum. Dormi muito, li um pouco, "não fiz nada", limpei vaga-rosamente meus armários e trabalhei em silêncio no jardim.

Uma oportunidade espontâneaPouco depois de ouvir falar em Parar, Beatrice, uma mulher

na casa dos quarenta, ligou para dizer que a Escala de Viagema havia pego desprevenida: - De repente tive um compromis-so cancelado e fiquei com toda a tarde sem absolutamentenada planejado. As crianças estavam na escola, meu maridotinha viajado, o dia estava lindo e eu tinha quatro horas só pa-ra mim. Fui direto para minha praia favorita, quase sem pen-sar no que estava fazendo. Foi como se eu soubesse que pre-cisava fazer aquilo. Fiquei em outra dimensão durante aquelashoras, e no correr dos dias seguintes constatei que as coisasficaram mais claras para mim.

Um presente de aniversário para você mesmoNo seu aniversário, Reid disse à esposa que queria simples-

mente passar o dia com ela e Bob, o filho de treze anos. Que-ria que todos ficassem sem fazer nada. - Mas papai, são osseus sessenta anos! - protestou o filho. - Não quer nem umpresente?

- O presente que quero - respondeu Reid - é passar o diainteiro exclusivamente com vocês dois. - Depois de algumaresistência, a esposa e o filho concordaram. Ele recebeu car-tões de ambos com mensagens de amor. Jogaram cartas, elapreparou seu prato preferido e os três conversaram como não

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faziam há muito tempo. - Você também não vai fazer nadaano que vem, papai? - perguntou-lhe o filho na hora de dor-mir. Reid quis saber por quê. - Ah, não fazer nada é maisdivertido do que eu pensei que fosse - respondeu Bob.

Um dia de folga para descanso e rejuvenescimentoUm número recente do Men 's Health Magazine trouxe um

artigo intitulado "Quero Ficar Sozinho". O editor-executivo JoeKita sugeria um dia sozinho, cheio de atividades sadias. Ele re-conhece que, para os leitores, "passar um dia sozinho, cui-dando apenas de você mesmo, provavelmente soa como coisaestranha e até um pouco vergonhosa". O retiro de um dia in-clui silêncio, uma caminhada, alimentação simples, uma so-neca, ginástica, banho quente e ir para cama cedo.

Estas histórias mostram que as Escalas de Viagem cobremuma grande variedade de experiências: indo a um lugar dife-rente ou ficando em casa; uma hora ou vários dias; um even-to planejado ou uma reação aos desafios da vida; um períodotranqüilo de introspecção ou uma decisão que muda o cursoda vida; uma viagem de ônibus ou um fim de semana numacasa de retiro.

Ao planejar uma Parada, principalmente uma Escala de Via-gem mais longa, procure não pensar nos resultados que podeobter. Deixe de lado suas expectativas. Ter expectativas muitoespecíficas pode causar frustração. Parte dos frutos do proces-so de Parar é a descoberta de coisas que antes você não vinhapercebendo. A atitude ideal na Escala de Viagem é: "Vamos vero que acontece." O que acontece em todas as Escalas de Via-gem é que, ao final, você estará mais desperto e consciente.

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A prevenção é melhor que a cura.

ERASMUS, 1509

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Esse E o Seu Corpo Falando

Provavelmente todos nós já fizemos Escalas de Viagem du-rante nossas vidas. Mas algumas vezes, em vez dessas Escalasde Viagem serem uma escolha consciente, foram o resultadode uma doença. A doença é freqüentemente o modo que ocorpo tem de falar conosco e nos obrigar a parar quando nos-sas mentes e corações estão excessivamente sobrecarregados.Uma Escala de Viagem provocada por uma doença é a manei-ra de o corpo dizer: "Se você não decidir parar, terei que for-çá-lo a parar."

Mas a doença é um meio ineficaz e ineficiente de viver umaEscala de Viagem. Quando você está se sentindo doente, é di-fícil apreender ou valorizar qualquer coisa, pois sua mentenão está receptiva, e geralmente você fica deitado, sentindo-se péssimo e esperando que aquilo tudo acabe para poder selevantar e sair correndo novamente.

Tenho um amigo, Harry, que trabalha muitas horas seguidase tem pouco tempo para si mesmo. Poderíamos dizer que é

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quase um maníaco. Ele fica doente cerca de três vezes por anoe é obrigado a passar uma semana de cama, praticamenteincapaz até de conversar ou ler, e depois volta a pisar fundono trabalho. Para ele a doença serve como Escala de Viagemforçada. Mas essa é uma maneira nociva de Parar: ele perde amaioria dos benefícios e - o que é mais importante - não usu-frui nenhum dos prazeres. Acho que, se ele pegasse a mesmaquantidade de tempo que passa doente e usasse para umaEscala de Viagem programada, não apenas ficaria doente commenos freqüência como aproveitaria mais a vida.

Nossos corpos falam conosco de muitas maneiras diferen-tes. Se você parar com freqüência, vai acabar aprendendo a lera linguagem do seu corpo antes de ficar doente. Você notaráos primeiros sintomas da doença e identificará as diversas par-tes do seu corpo que o afligem. Parar o leva a fazer pergun-tas corporais: "O que é que essa dor nas costas está me dizen-do? Será que eu estou 'carregando' algo que não quero ou nãopreciso carregar? Por que estou sempre com dor de gargantae com tosse? Será que preciso dizer algo que está preso naminha garganta?" As respostas para esse tipo de pergunta - eas próprias perguntas - aparecem no silêncio da Parada, quenos permite observar nosso atual estado de saúde e cuidardela, evitando muitos males.

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Uma desculpa é pior e mais terrível que uma mentira;pois uma desculpa é uma mentira disfarçada.

ALEXANDER POPE

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Desculpas, Desculpas!

A incorporação consciente das Escalas de Viagem nas nos-sas vidas não é uma tarefa fácil. Exige determinação, motiva-ção clara e muita garra, porque as Escalas de Viagem exigemuma quantidade de tempo significativa. Por isso usam-se vá-rias desculpas para evitá-las, inclusive as de falta de tempo:"tenho coisas demais para fazer esta tarde, vou ficar tempo de-mais afastada do meu marido, da família, do trabalho ou deum parente doente".

Mas se você é como eu, seu maior medo é você mesmo. Eraisso que me assustava antes de uma das minhas Escalas deViagem, um retiro silencioso de uma semana. As perguntas meassombravam: "E se eu descobrir que sou tão medíocre quan-to tenho medo de ser? E se eu me lembrar de algo horrível queme aconteceu há muitos anos? E se eu descobrir que sou umfracasso?"

A melhor maneira de enfrentar meus medos não foi evitando

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essas perguntas, mas perguntando diretamente: "Tá legal, e daí?E se eu realmente descobrir problemas quando estiver Parado?É melhor saber disso logo e ver o que eu posso fazer a respeitodo que ficar convivendo com isso e me prejudicando." Se en-contrasse um problema, seria mais fácil pedir ajuda agora doque quando o problema assumisse uma dimensão maior. Acimade qualquer outra coisa, porém, eu queria viver plenamenteminha vida, e se houvesse algum obstáculo para eu me tornaraquilo que podia ser, eu precisava saber, para resolvê-lo.

Os primeiros dias foram perturbados por um amigo quemorava perto da casa de retiro e que estava se recuperandode uma cirurgia séria. Fui visitá-lo no hospital quatro vezesnaquela semana - numa grave infração às regras do retiro.Cheguei a pensar em abandonar o retiro, achando que não iriafuncionar. E aí, quando eu menos esperava, os dois últimosdias foram os mais espiritualmente reconfortantes da minhavida até aquele momento.

A percepção que ficou clara naquele retiro silencioso meacompanhava desde os quinze anos. Eu percebia, no maisfundo da minha alma, que não aproveitara aquilo que maisqueria. Acho que, aos quinze anos, eu não saberia dizer o quemais queria, mas sabia que era algo de importância vital e denatureza espiritual.

Se você começar a sentir medo do encontro consigo mesmoao planejar uma Escala de Viagem, é porque você é como eue como quase todos nós. Esses medos são naturais. Falarei so-bre como lidar com esses medos muito mais detalhadamentena Parte IV do livro. Por enquanto, fique sabendo que elespodem ser enfrentados e vencidos.

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A pessoa que incorpora as Escalas de Viagem está conside-rando a vida como uma aventura espiritual. Se você que lê es-tas palavras tem cinqüenta anos ou mais, lembre-se por favorde que nunca é tarde. Agora é o melhor momento para desco-brir quem você é e o que é mais importante para você.

Procure pensar na Escala de Viagem como uma expressãode amor e carinho consigo mesmo. Porque é isso o que ela é.Mas se o amor a si mesmo não for uma razão suficiente paramotivá-lo, pense no seguinte: uma Escala de Viagem é um atode generosidade para quem convive com você e para com omundo em geral. Uma alma harmoniosa é um tesouro inesti-mável para todo o planeta, um grande presente para os queconvivem com você e um exemplo desesperadamente neces-sário nesse mundo em desequilíbrio.

Muitas vezes na relação amorosa é difícil perceber o que re-cebemos. Tendemos a nos concentrar em dar bondade, semtomar consciência de que também precisamos recebê-la. Umapessoa Parada consegue perceber e apreciar os gestos e atosgenerosos que lhe são dirigidos. Uma pessoa apressada, aflitae estressada não consegue. E como o amor é uma via de mãodupla, quando os outros observam as nossas qualidades deharmonia, calma e paz, isso os estimula a explorar a mesmatrilha.

Há toda uma pressão social atentando contra nossas Escalasde Viagem. Quando você comunica que vai tirar um tempo defolga - seja uma hora, um dia ou uma semana -, é bem capazde ouvir coisas do tipo: "Como é que ela pode deixar a famíliadurante tanto tempo?" ou "Ele deve ter um bocado de dinheiropara poder se afastar do trabalho por tanto tempo" ou "Que

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retiro é esse? Será que não é um problema com bebida?". Seusfilhos talvez digam: "Mamãe, você vai ficar longe todo essetempo? Quem vai me ajudar no dever de casa?" ou "Papai, vo-cê está se sentindo bem? Talvez fosse melhor ir ao médico". Eseus pais irão acrescentar: "Acho que é uma perda de tempoboba, você devia é tentar arranjar um emprego melhor."

Que duração deve ter a sua Escala de Viagem? Para obteruma resposta, siga esta receita: pegue o estado de cansaço eestresse, junte com a quantidade de tempo que você pode tirarde folga, combine com o que você está realmente a fim defazer no momento. Bata tudo junto até que a resposta apareça.Mas posso garantir que quanto mais longa a duração, melhor.

As Escalas de Viagem incluem um certo sacrifício - semprede tempo, às vezes de dinheiro -, mas, como todo sacrifíciovalioso, há um benefício a ser alcançado. Neste caso, trata-sede assegurar que a sua vida esteja no rumo em que você querque ela esteja. Não é um resultado pequeno para o investi-mento de um dia - ou de uma semana.

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Nunca troque de cavalo quando estiver cruzando um rio.

PROVÉRBIO AMERICANO

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Os Divisores de Águase as Marés da Vida

As Pausas Breves e as Escalas de Viagem são úteis paraqualquer um e podem ser incorporadas numa freqüência diá-ria ou semanal. Uma Parada Geral é diferente. É um períodode tempo extenso que acontece poucas vezes numa vida intei-ra e que talvez não seja necessário para todos. Isto não querdizer que uma Parada Geral não seja possível ou não seja be-néfica. Aqueles que a vêem como um meio eficaz de resolveruma crise a usam com mais freqüência.

Geralmente uma Parada Geral marca uma transição ou deci-são significativa na vida de alguém. Essa transição tanto podeser chamada de divisor de águas - simbolizando um pontocrítico que faz com que tudo passe a fluir para um sistemadiferente - quanto de maré, indicando uma mudança de ên-fase profunda e generalizada, mais vagarosa, com efeitosduradouros e penetrantes.

Minha crise no sacerdócio foi uma época em que a Parada

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Geral se tornou fundamental. Minha vida antiga não fazia maissentido e eu não tinha idéia do rumo que queria seguir.

- A vida se resume a isso? - foi a pergunta que eu me fizantes da primeira e mais importante Parada Geral da minhavida. A Parada Geral foi o momento em que pude perceberque conseguiria realmente realizar algo que na época pareciaalém da minha capacidade: abandonar o sacerdócio católico.

Aos quarenta anos, eu estava à frente de uma grande paró-quia. Adorava o lugar e vinha trabalhando ali feliz, desde aminha ordenação em 1963. Subitamente a crise da meia-idademe acertou em cheio. Eu já não estava mais feliz nem realiza-do com o meu trabalho na igreja. O que costumava ter muitosentido para mim agora não tinha mais, e os sentimentos posi-tivos aos quais eu dava valor no passado tinham se transfor-mado em dúvida e confusão. Nem a celebração da missa nema condução dos serviços do culto dominical com a paróquiame sensibilizavam. A oração deixara de ser uma alegria paratornar-se um fardo.

Minha primeira tática foi fugir. Fugi das responsabilidadesda paróquia e da escola, tentando fazer com que outros mesubstituíssem. Tornei-me um bom jogador de squash e encai-xei uma hora de preparação antes do jogo diário e uma horade descanso depois. Esses eram comportamentos estranhospara mim. Até então eu havia trabalhado duro e com muitoentusiasmo, chegando de tempos em tempos a beirar o work-aholic. Agora eu estava fugindo da minha verdade.

Minha pergunta - "A vida se resume a isso?" - sugeria quedevia haver outras áreas da minha vida que eu precisava ex-plorar. Para mim era uma indicação clara de que os valores.e

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significados importantes até então não me sensibilizavammais. Era isso sobretudo o que me apavorava. Ao mesmo tem-po havia outras perguntas: "Será que essa crise é simplesmenteum estágio no meu crescimento como padre?" e "Será que nãoé melhor enfrentar a crise segurando a barra e me mantendofirme?". Muita gente ajuizada me aconselhou nesse sentido.

Eu me atormentava com perguntas que geravam ansiedade,culpa, medo de perda e do que eu podia descobrir: será queeu dou valor ao celibato com o qual me comprometi? Será queele tem sentido para mim? Mesmo que não tenha, não prometiviver assim para sempre? Por que estou me sentindo tão sozi-nho agora, quando há apenas um ano isso não acontecia? Seráque as amizades que estou procurando agora estão me levan-do a um tipo de relacionamento mais sério? Qual é realmentea vontade de Deus na minha vida? O que é melhor fazer?

Eu precisava parar. E parei. Tive a sorte de poder fazer isso.Conversei com meu bispo, que eu respeitava muito, e elefinalmente me perguntou: - Dave, você está me pedindo ouestá me dizendo que vai embora? - Eu achava que estava pe-dindo, ele percebeu que eu estava comunicando. Acho que oque me deu força para encarar aquelas perguntas foi a doremocional provocada pela perda de sentido no que eu vinhavivendo.

Passei minha Parada Geral - um mês numa cidadezinha iso-lada no litoral norte da Califórnia - tendo aulas de pintura, oque para mim era uma forma totalmente nova de não fazerliada. Não fiz mais nada e me mantive isolado. Minhas per-guntas, que agora já não eram tao prementes, foram se esvain-do no horizonte. Eu sentia que meu computador interno esta-

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va examinando minuciosamente todos os arquivos, momen-tos, fatos e sentimentos da minha existência até aquele mo-mento, e que essa investigação funcionava o tempo todo, au-tomaticamente, fora do meu controle consciente.

A finalidade desse exame era assegurar que eu não esque-cesse nenhum elemento necessário no momento em que fossetomar uma decisão capaz de mudar minha vida. A placidezimpedia que qualquer distração viesse perturbar o processo. Etudo isso ocorria enquanto tentava misturar pigmentos de tintapara capturar o verde único dos ciprestes da costa da Califór-nia, buscando retratar a paisagem daquele litoral deslum-brante.

Já chegando ao fim da minha estada, a investigação estavaterminada. Voltei aos meus deveres paroquiais por um ano, aofim do qual tomei minha decisão. Larguei meu cargo, volteipara a faculdade, obtive meu diploma e comecei vida novacomo terapeuta familiar. Esse foi, realmente, um momento dedivisão de águas: uma linha divisória que continuará sendoum dos pontos mais importantes de transição no curso daminha vida.

Quando reflito sobre essa experiência, percebo que minhaParada Geral não teria sido possível - eu simplesmente nãoteria tido forças para levá-la a cabo - se não tivesse de algu-ma forma, nos anos anteriores, incorporado à minha vida oque agora chamo de Pausas Breves. Foi o acúmulo daquelesmomentos que me deu coragem para fazer o que eu tinha quefazer naquela encruzilhada moral. Foi uma decisão que mu-dou minha vida e me obrigou a decepcionar muita gente, aquebrar votos que eu fizera junto a Deus e ao mundo, a vio-

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lar regras familiares muito antigas e a assumir o risco dedescobrir se eu podia agüentar o tranco e me dar bem nomundo, em termos pessoais.

Não posso dizer que minha transição tenha se dado semproblemas, arrependimento ou dor. Só posso afirmar que eusei que tudo teria sido muito pior - mais confuso e mais do-loroso para mim e para os outros - sem aquela Parada Geral.Posso também dizer que em todos os estágios dessa transiçãotive a impressão de estar, mesmo que em grau mínimo, cons-ciente dos elementos em jogo. E foi uma decisão feliz, graçasao processo de Parar.

Durante as grandes transições, a influência do espiritual temuma força enorme, quase magnética, porque essas mudançasmaiores sempre dizem respeito a nossos valores e significadosde vida. Durante o processo de mudança nos preocupamos,com razão, com a possibilidade de perdê-los. Logo depois queabandonei o sacerdócio, uma paroquiana atenciosa me man-dou um santinho que infelizmente se perdeu no decorrer dosanos. Mas recordo claramente a idéia contida nas palavrasescritas no verso: "Não perca os ideais que o conduziram comsegurança até aqui." Receber aquilo foi uma das pequenasdádivas da vida. Espero que um dia eu esteja folheando umlivro e me depare com o santinho.

Quais são os seus momentos divisores de águas? Quais sãoas marés no oceano da sua vida? Você está atravessando algoassim agora? Há alguma crise ou questionamento surgindo nohorizonte? Talvez seja hora de fazer uma Parada Geral. E senão for agora, muito provavelmente será em algum momentodo seu futuro.

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Sem recuo. Sem recuo.

Aqueles que não têm como recuar

devem conquistar ou morrer.

JOHN GAY

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As Paradas GeraisSão Boas para Você

A necessidade de dar uma Parada Geral indica que algo im-portante está acontecendo. Muitas vezes ela se torna neces-sária, como foi o meu caso, para evitar um resultado indese-jado. Como a epígrafe indica, se não podemos nos afastar du-rante algum tempo para permitir que uma idéia ou força aindanão manifestada se apresente, só nos resta "empreender aguerra ou morrer". As Paradas Gerais nos oferecem um tempoprodutivo para chegarmos a uma alternativa sadia. Essas alter-nativas não precisam ter a dimensão radical da minha e po-dem acontecer de inúmeras maneiras. Eis algumas:

Uma estada numa ilha- Meu nome é John. Há vários anos, durante a primavera e

após meses de planejamento, aluguei uma cabana simples em

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uma ilha. Preparei-me para essa viagem com bastante ante-cedência avisando a todos que só me procurassem se hou-vesse uma emergência. Levei comigo apenas um livro e umdiário. Eu tinha uma bicicleta e comida suficiente. Caminhavamuito, andava de bicicleta, lia um pouco, escrevia um pouco,meditava duas vezes por dia e ficava a maior parte do tempobasicamente sobrevivendo, sem fazer nada. Raramente falavacom alguém, e passei alguns dias absolutamente calado. Porduas semanas eu simplesmente existi.

- Escolhi essa maneira de fazer uma Parada Geral por diver-sas razões. Já tinha feito um retiro em silêncio, de uma sema-na de duração, e queria algo diferente e mais longo. Alémdisso, sentia-me atraído pela vida numa ilha. Era um lugaronde minha alma se sentia em casa.

- Fiz isso naquela época porque era um momento de tran-sição na minha vida, e eu queria estar o mais desperto pos-sível para tomar a decisão certa. Eu não sabia ainda se deviaabandonar o centro de assistência social onde trabalhava co-mo terapeuta familiar para me lançar na clínica particular. Mui-tas dúvidas antigas me atormentavam: será que eu consegui-ria? Será que não seria mais seguro e prudente ficar com algoconhecido, mas limitado, em vez de ir em frente e assumir umrisco?

- De volta da ilha, minha confiança pareceu voltar e opteipor arriscar. A mudança foi bem-sucedida. Será que eu teriatomado essa decisão sem uma Parada Geral? Acho que não.

Para entender o que se passa numa Parada Geral, vou usaro computador como metáfora. Pelo que entendo, um compu-tador examina minuciosa e constantemente numerosos bits de

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informação, selecionando apenas o que precisa para realizar atarefa pedida. É o que acontece no decorrer de uma ParadaGeral. Seu computador interno esquadrinha sua vida, tudoque já se passou antes, todos os caminhos percorridos, todosos ensinamentos recebidos, todos os valores e significados davida, para tomar a decisão desejada. Uma parte dessa investi-gação é bastante consciente e deliberada, mas a maior parte éinconsciente e automática. Acontece enquanto você anda debicicleta, prepara suas refeições e contempla o mar.

Um retiro de nove diasSally é uma mulher casada de trinta e tantos anos, mãe de

dois filhos, professora em regime de tempo parcial e que fre-qüentemente trabalha como voluntária na igreja. De repentetomou consciência de que sua vida tinha se tornado insupor-tável. Na realidade, a sua vida parecia bastante satisfatória,mas, segundo ela mesma: - Eu estava ficando emocionalmenteentorpecida, sem conseguir me concentrar no que queria.Mesmo quando eu conseguia me concentrar, era como se umaoutra pessoa estivesse fazendo aquilo. Eu me sentia afastadade mim mesma.

Sua Parada Geral se deu durante nove dias de silêncio eplacidez num local de retiro, a poucos quilômetros da sua ca-sa. Sua maior dificuldade foi com o marido e os filhos. Ela de-dicou bastante tempo e energia para explicar o que estavaacontecendo e como aquilo era importante para seu bem-estare para a família. O marido relutou a princípio, mas depoisapoiou-a e mais tarde fez a sua própria Parada.

- Eu sei o quanto isso foi importante para mim - disse Sally

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mais tarde. - É difícil explicar exatamente o que eu consegui,mas posso dizer que me senti mais segura por me conhecermelhor, por ter de alguma forma reforçado o meu relaciona-mento com Deus, e por saber que, independente do que eufizesse dali em diante, não iria me sentir isolada ou alienadada vida. Mal posso esperar para repetir a experiência. Talvezdaqui a alguns anos e por um tempo ainda maior.

A experiência de Sally chegou num momento de crise espi-ritual e numa fase crítica da sua vida. Observe que a sua gran-de mudança não implicou uma ruptura radical com nenhumasituação de vida, nem provocou uma grande mobilizaçãoemocional. Foi um tipo de transição semelhante à maré, vaga-rosa e tranqüila.

Um tempo sozinho na montanhaJeffrey é um estudante de pós-graduação que trabalha meio

expediente como catedrático-assistente e tem um namorofirme. - Destroçado, totalmente estressado - foi como ele sedescreveu na época. - Tinha muito pouco dinheiro e absolu-tamente nenhum tempo. - Mas estava se deparando com duasgrandes decisões que envolviam amor e trabalho. E tinha umgrande desejo de despertar espiritualmente.

Ele armou uma Parada Geral que exigiu certa coordenação,mas valeu o trabalho que deu. Planejou-a para as férias da pri-mavera, gastou uns meses economizando dinheiro e conseguiuque a namorada o encorajasse. - Ela achou uma ótima idéia -disse ele -, pois sabia que eu precisava daquilo. - Passou dozedias num acampamento isolado, morando numa barraca.

- Eu lia a Bíblia, caminhava, tomava notas, cozinhava no fo-

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gão de campanha, e dessa forma mudei minha vida. Até o fimdos meus dias levarei a lembrança daquele tempo sozinho nasmontanhas.

A volta ao mundoAnn havia galgado vários postos até chegar a diretora de

marketing de uma companhia pequena. Estava indo muitobem. Aí, sem mais nem menos, largou tudo. Passou três mesesviajando pelo mundo, trabalhando por onde passava, "para to-mar contato com meu próprio eu". Quando voltou, conseguiuo cargo de diretora de marketing de uma das maiores com-panhias da sua área. Sua Parada Geral lhe trouxera clareza e,em última instância, um cargo melhor.

Doença e morteÀs vezes, Parar vem como reação a um acontecimento dila-

cerante. Bárbara é uma mulher de cinqüenta e nove anos, ca-sada há trinta e sete com Jerry. Ela me escreveu: "Há três anosmeu marido Jerry ficou seriamente doente. Após cinco mesesterríveis, descobrimos que ele estava com AIDS. POUCO depoisconstatou-se que eu também era soropositiva. Há um ano emeio, depois de muito sofrimento, Jerry morreu. O futuroparecia se abrir diante de mim como um abismo negro e eusenti muito medo." Ela decidiu fazer alguma coisa a respeitodaquilo.

"A tradição religiosa do meu marido tem um cerimonialfunerário muito elaborado, incluindo um culto de quarentadias. Depois desse período, a família e os amigos voltaram aviver suas vidas e me deixaram sozinha. Então eu me fechei.

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Afastei-me do mundo o mais possível. Não ia a lugar nenhum,exceto à igreja. Durante esse tempo eu não me senti solitária.Tinha tempo de sobra para ler, pensar e divagar, meditar epassar por diversos estágios de desgosto e dor.

"Surpreendentemente, o que resultou daquilo foi a percep-ção maravilhosa de um fato muito simples e puro: Deus meama incondicionalmente. Toda a minha vida mudou. Acreditofirmemente que, se eu não tivesse tido a oportunidade deParar quando o fiz, essa grande revelação, essa enorme dádi-va de Deus, não teria entrado na minha vida. Pude abrir-mepara isso sem perceber conscientemente o que eu estavafazendo e por quê.

"Agora sinto que minha vida está apenas começando.Coisas maravilhosas aconteceram e portas se abriram."

Esses são os testemunhos. Pense a respeito. É bem possívelque você já tenha feito uma Parada Geral em algum momen-to da vida. Mas se nunca fez e se sente atraído pela idéia, elavai acontecer um dia naturalmente. Se você não se entusiasmacom a idéia ou fica meio cético, peço apenas que se mante-nha aberto para não perder a oportunidade, se perceber a ne-cessidade de uma Parada Geral. Se isto acontecer, me contedepois os resultados.

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A maneira de fazer é sendo.

LAO-TSÉ

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Crescendo "Como o Milhodurante a Noite"

Como é que Parar - sejam Pausas Breves, Escalas de Viagemou Paradas Gerais - funciona? Já usei a metáfora do compu-tador e da minuciosa investigação interna que ele realiza.Quando estamos Parados, essa investigação acontece por sisó, simplesmente porque nós nos damos tempo. O mais fasci-nante desse processo é que ele não precisa ser consciente. Vo-cê não tem que analisar nada para achar uma saída. Basta vo-cê abrir um pouco de espaço e tempo ao seu redor, e suamente e alma maravilhosas resolverão o problema.

Henry David Thoreau descreve como se deu seu crescimen-to durante o processo de Parar. Aqui estão suas palavras escritasna década de 1840 e que servem de apoio ao processo de Pararque estou incentivando cento e cinqüenta anos mais tarde.

Ele começa descrevendo um dos momentos mais esplêndi-dos, ao ir morar sozinho perto da lagoa Walden, em Massachu-setts, a fim de "viver deliberadamente" e despertar:

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"Eu ficava sentado na soleira da porta do alvorecer até omeio-dia, mergulhado em devaneios, entre os pinheiros e asnogueiras, numa solidão e placidez totais, enquanto os pás-saros cantavam em torno ou esvoaçavam silenciosamente pelacasa, até que o sol, entrando pela janela do oeste... me lem-brava da passagem do tempo."

Aí está uma maravilhosa descrição de uma forma contem-plativa de Escala de Viagem: "do alvorecer até o meio-dia,mergulhado em devaneios".

Ele continua seu relato:"Naquelas temporadas eu crescia como o milho durante a

noite, e elas foram muito melhores do que se estivesse reali-zando qualquer trabalho manual. Não foram períodos de tem-po subtraídos à minha vida, pelo contrário... eu não me impor-tava com o passar das horas... era manhã e logo era noite enada de memorável fora realizado... eu sorria silenciosamentediante da minha incessante felicidade."

"Como o milho durante a noite" é uma imagem maravilho-sa, cheia de força. Você consegue se imaginar dentro da espi-ga, crescendo, absorvendo os nutrientes da terra, tendo retidona sua carne o calor do sol escaldante do dia, bebendo a umi-dade do orvalho e combinando tudo isso para criar o milagredaquele alimento amarelo e brilhante? É assim que nós cresce-mos quando estamos Parados. A coisa acontece por si só. Nósnão temos que fazer nada.

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Buscar a verdade profunda da vida,

levantar o véu dos seus segredos fascinantes...

MARIA MONTESSORI

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Descobrindo e Libertandoa Sua Verdade

Espero que a esta altura você já tenha percebido que Parar- em todas as suas formas - funciona porque permite e facili-ta o surgimento da verdade, a sua verdade. Na realidade, Pararnão pode falhar nem dar errado, porque não contém nada queesteja certo ou errado. Não tem doutrinas, dogmas, crenças oualgum sistema a ser adotado. É apenas um afastamento dascoisas que estão bloqueando a sua verdade. E quando a suaverdade é libertada, identificada e recebe asas, sua vida ganhaforça, profundidade e riqueza. De modo que Parar é um meio,um meio muito simples, de chegar até a sua verdade.

Quero incentivar a libertação da verdade que é mais essen-cialmente você, a identificação daquilo que você é chamado aser e a conseqüente resposta, porque acredito que essa é umaconquista fundamental. É assim que você mais claramentedescobre e desenvolve os valores e significados da sua vida.

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O que você vai encontrar durante uma Parada é algo exclu-sivamente seu. É extremamente valioso e estimulante para suavida, mesmo que traga à consciência questões dolorosas e difí-ceis. O fato mais significativo é (ah, como o mundo seria dife-rente se todos nós acreditássemos nesta verdade!) que não hánada de errado com você. Um objetivo importante ao se Pararé perceber esse fato: saber que não há nada de errado co-nosco. Isso é verdade, embora você (como a maioria) possaidentificar muitas áreas em que precisa se aperfeiçoar: hámomentos em que você não é tão maravilhoso e até determi-nadas situações em que você é decididamente horrível. Issomostra apenas que você é humano, que você não é Deus. Te-nha certeza: não há nada de errado com você!

Mas Parar inclui também uma outra dimensão que equilibrae completa o processo de libertação. É a descoberta da suaverdade. Aqui eu estou me referindo à necessidade que todosnós temos de nos livrar das nossas limitações, de nos superar-mos, de sairmos de nós mesmos e de encontrarmos aquelealgo mais que dá uma dimensão especial à vida.

A finalidade última, ao encontrarmos a verdade, é descobrirpara que fomos feitos. Abençoados são os que sabem, pelomenos até certo ponto, a razão de sua existência e as respostaspara perguntas como "Por que estou aqui?". Mas também sãoabençoados, e talvez ainda mais, os que têm consciência dasperguntas e buscam as respostas, mesmo que não consigamobtê-las. Preste atenção porque vou dizer uma coisa impor-lante: é na busca que se encontra o nosso valor. A finalidadede Parar é servir a essa busca.

Se o importante é o processo da busca, Parar não pode dar

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errado, mesmo que traga desafios, dor e confusões. É muitomais provável que saiam errados os projetos e planos quevocê empreende antes de estar pronto para empreendê-los,como também a busca por um objetivo quando você estádesatento, porque não se preparou ficando Parado. É quasecerto que vá entrar no rumo errado. E talvez o mais grave se-jam os projetos e planos valiosos que você nunca empreende-rá porque não está Parado o suficiente para conseguir reco-nhecê-los.

Quando você está ativamente engajado nesses dois proces-sos, o de descobrir a sua verdade e o de libertar a sua verda-de, aí a vida - por mais frenética que seja - pode avançar.

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Temos que encontrar alguma base

espiritual para viver, senão morreremos.

BILL WILSON

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A Espiritualidade Cotidiana

A esta altura já está evidente que Parar é essencialmente umprocesso espiritual. Espiritualidade é uma palavra complicada.Muita gente não gosta dela porque é muito geral e corre o ris-co de ser distorcida. Reconheço que a palavra é desafiadora,mas não consigo encontrar outra para o que eu quero dizer.Para definir o que entendo por espiritualidade baseei-me nu-ma descrição do teólogo David Griffin e numa idéia do psicó-logo James Hillman:

"A espiritualidade são os significados e valores últimos segun-do os quais vivemos nossa vida em todas as suas dimensões."

Isto é, a espiritualidade consiste naquilo pelo qual nos sacri-ficamos, no que colocamos em primeiro lugar e no que aban-donamos por último. São nossas respostas para as grandesquestões da vida e nossas verdades no leito de morte. É a es-piritualidade que forma os significados e valores que influen-ciam o modo como vivemos no dia-a-dia, de década em déca-

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da e durante a vida toda. Nossa moralidade é baseada nanossa espiritualidade. O juízo de certo ou errado que atribuí-mos a nossas ações é baseado naquilo a que damos valor eonde encontramos sentido.

Gosto de chamar essa definição de "espiritualidade cotidia-na" porque ela é útil para a vida acelerada que levamos atual-mente. A espiritualidade cotidiana é acessível a literalmentetodo mundo, o tempo todo: para aqueles que têm uma filiaçãoreligiosa com valores muito transcendentais, para os que cul-tivam apenas valores mundanos, e para qualquer combinaçãodesses dois. Isso permite uma gama bem ampla: desde a orto-doxia severa de uma religião antiga e organizada até um siste-ma criado pela própria pessoa, que inclua música, leitura,exercício físico e serviço voluntário, ou uma combinação qual-quer dessas coisas. Deus não pode ser limitado. Para os quetêm olhos para ver, tudo é sagrado.

Quando uso as palavras "espírito, espiritual e espirituali-dade", estou falando tanto dos aspectos transcendentais quan-to das chamadas questões mundanas. Estou falando da silen-ciosa claridade de um instante de contemplação e do intensoprazer erótico da relação com o ser amado. Do monge isola-do disciplinando sua natureza humana a fim de conseguir umaunião mais elevada com Deus, e da mãe que com amor e ale-gria prepara uma refeição para a família.

Nunca esquecerei um momento abençoado na minha vida,que incluiu essas duas dimensões. Eu tinha dezesseis anos epartira em uma excursão de canoagem com uma dúzia de ou-tros jovens, na vastidão pontilhada de lagos do Canadá. Eraaquela hora entre a tardinha e a noite que, naquelas latitudes

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setentrionais, é abençoada com uma luz única e surpreenden-te. Armado o acampamento e terminadas as tarefas, saí de ca-noa pelo lago, sozinho.

Por uma razão qualquer, eu parei (sim, Parei!) no meio dolago, deitei-me no fundo da canoa e fiquei completamenteimóvel. Ouvia (consigo ouvi-la até hoje!) a água batendo sua-vemente na madeira do barco, o barulho distante e ocasionalde meus colegas de acampamento e o som de um peixe pu-lando na outra ponta do lago. Via apenas o céu azul-rosado.Sentia o frio da água contra minhas costas através do forro delona da canoa e a dureza da armação. Naquele momento per-cebi profundamente algo de enorme importância, que até hojeé extremamente difícil colocar em palavras. Foi algo como:"tudo está certo e eu faço parte disso". Sinto profunda gratidãopor aquele momento.

Como freqüentemente acontece, aquele pico transcendentalfoi logo transformado num vale cheio de confusão. Fui reman-do devagar de volta e, quando me aproximei do acampamen-to, o guia começou a berrar comigo: - Nunca faça isso! Vocênos matou de susto! Vimos a canoa vazia no meio de um lagoe pensamos que você tinha se afogado! - Compreendi a afli-ção dele, mas é claro que eu nem tinha pensado nisso.

O outro ponto a lembrar acerca da espiritualidade é que nóstodos somos espirituais, mesmo que não sejamos religiososou não nos consideremos assim. Pode ser que não tenhamosconsciência disso, mas todos possuímos valores e significadosque determinam nossas ações e o rumo que damos à nossavida. Nesse sentido, a espiritualidade é como a saúde. Todosnós temos saúde, boa ou ruim, cuidada ou negligenciada. As-

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sim também acontece com a espiritualidade. A questão impor-tante não é se temos espiritualidade ou não, mas se nossa es-piritualidade está nos levando ou não à integração, ao conhe-cimento e à plenitude dentro do que somos chamados a ser.

Acho que é bom para todo mundo ter uma prática espiritualcomposta de rituais, orações, músicas, hábitos, costumes, me-ditações, leituras, ações, tradições, celebrações, símbolos, atosde bondade, seja o que for que, praticado regularmente, odesligue da balbúrdia do cotidiano e o coloque em maior con-tato consigo mesmo e com o transcendente.

Ter uma prática espiritual vai ajudá-lo a Parar. Parar é algoessencialmente espiritual porque lida com significados e valo-res. Se você já tem uma prática espiritual, no momento em quetransformar Parar num hábito estará melhor preparado pararealizar concretamente os resultados. Imagine que duranteuma Parada você descobriu que desejava dedicar-se a um tra-balho voltado para crianças carentes, ou queria romper umaligação doentia que vinha mantendo há anos. Se já tiver umaprática espiritual, ela poderá ajudá-lo a realizar esses desejoscom mais facilidade.

Com o processo de Parar quero levar você a tomar possedos seus desejos mais profundos, sejam eles quais forem, eque podem resumir-se no desejo de ser mais feliz. Quero quevocê descubra os desejos que tantas vezes se acham bloquea-dos e frustrados pela pobreza - do bolso e do espírito -, pelomedo, ou até mesmo pelas igrejas e instituições que muitasvezes impõem ou determinam o que devemos desejar.

Acredito que todo desejo profundo e ardente é de certa for-ma um anseio por integração e unidade com o mundo e, em

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última análise, com Deus ou o que quer que você considerecomo sendo a realidade divina.

Parar tem por objetivo ligar você ao desejo do seu coraçãoe ajudar a identificá-lo, dar-lhe um nome, persegui-lo e reali-zá-lo. Parar lhe dá a oportunidade de ficar quieto o suficientepara poder ouvir a sua própria sabedoria. Na realidade, nãoserá o ato de Parar que fará isso: será você. Parar pode ajudá-lo a chegar a um ponto onde você reconhecerá as suas pró-prias maravilhas.

Não há garantia absoluta, mas é a melhor chance que todosnós temos.

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III

Os Frutosde Parar

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Eu me recos to e devaneio...

observando uma folha de relva no verão.

WALT WHITMAN, LEAVES OF GRASS

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Os Benefícios de Parar

Parar é uma experiência rica e multifacetada. É como,depois de viver numa maravilhosa mansão antiga por muitosanos, um dia descobrir uma ala inteiramente nova, comaposentos desconhecidos, cheios de coisas maravilhosas.Nós somos essa casa antiga e grande, e temos alguns aposen-tos maravilhosos esperando para serem descobertos e explo-rados.

A pessoa que dá uma Parada usufrui muitos benefíciosdiferentes que, como os quartos da mansão, sempre estiveramlá, mas ficaram desconhecidos porque estávamos ocupadosdemais para explorá-los.

Tentei escolher os benefícios mais importantes que Pararpode trazer. Certamente existem outros, mas estes sete pare-cem ser os essenciais:

Concentrar a Atenção; conseguir um verdadeiro Relaxa-mento; usufruir a Solidão; Abertura para o que é, como é; es-

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tabelecer Limites fortes, mas flexíveis; abraçar a própria Som-bra; e identificar e viver o seu Propósito.

São esses os frutos que Parar oferece para aqueles queacreditam nele e o praticam. Esses frutos podem estar sendodescobertos pela primeira vez, ou redescobertos depois deterem sido perdidos ou colocados no lugar errado, e, commaior freqüência, já estão presentes e necessitando apenas serapreciados. Parar faz tudo isso.

Vamos examinar juntos cada um dos frutos de Parar, comalgumas sugestões sobre a maneira de desenvolvê-los.

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Alguém nos traiu — mas só

quando paramos de prestar atenção.

TlMOTHY FlNDLEY, THE TELLING OF LlES

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O Fruto da Atenção

A atenção nos faz ficar despertos e recordar. Ela nos ajudaa perceber o que existe dentro de nós, o que é importante pa-ra nós e o que nos atrai. Ela torna a pessoa Parada conscientedo que está se passando naquele exato momento e recordan-do tudo o que é significativo para ela.

As distrações são o arquiinimigo da atenção. E quando fala-mos em distrações, nos referimos ao que desvia nossa atençãodo essencial. Muitos de nós estamos tão ocupados, tão sobre-carregados e portanto tão espiritualmente adormecidos, quepassamos a nos mover sem pensar de uma distração para ou-tra: acordar, tomar o café da manhã, correr para o trabalho,trabalhar o dia inteiro, voltar para casa, comer, assistir tevê eir para a cama. Embora esteja se movimentando, você podepassar o dia todo como se estivesse dormindo, sem saber porque está seguindo essa rotina incessantemente e nem mesmose quer realmente segui-la. Ou talvez seu dia todo seja gasto

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dando atenção aos outros: seus filhos, parceiro, fregueses,clientes ou patrão. E assim passa a vida. O tempo para vocêmesmo fica perdido, esquecido. Perder a noção do tempo edas datas é um sinal de distração.

Num estado desses, acabamos sendo impelidos por aquiloque fizer mais barulho ou pela demanda mais exigente. Se nãotemos consciência dos nossos objetivos, se não percebemos oque estamos fazendo ou por que estamos fazendo, ao menosparcialmente, estamos distraídos. Isso nos faz colocar as coisasmenos importantes em primeiro lugar, preterir as prioritárias ebotar o carro na frente dos bois.

As mentiras que atraem sua atenção e motivam suas esco-lhas também são distrações. Algumas propagandas constituemgrandes exemplos de distração. O anúncio afirma enfatica-mente: "Isso é importante, você não pode passar sem isso", ena maioria das vezes mente, e até nos insulta, pressupondoque não percebemos que aquilo é mentira. Crescemos acostu-mados a isso, o que dá ainda mais poder à publicidade. Escutesó: "Torne-se mais maravilhosa usando este sabonete", "Fiquepor cima comprando este carro" e "Seja amado tendo este car-tão de crédito". Como se um sabonete pudesse fazê-la maravi-lhosa, ou dirigir uma marca de carro pudesse colocá-lo notopo de qualquer coisa de valor. E se o amor resulta de umcartão de crédito, é melhor descartar os dois. Quando estamosatentos, sabemos quais são as nossas maravilhas, o que é queconstrói uma verdadeira relação de amor e o que tem valor navida. Quando não estamos atentos, acabamos sendo guiadose manipulados por quem não dá a mínima pela nossa felici-dade.

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Distraídos, não percebemos que estamos prestando atençãoao que não nos dá vida, saúde ou prazer, na esperança de queo produto anunciado, a pessoa sedutora, o bem cobiçado fa-çam por nós aquilo que desejamos. Distraídos, deixamos queos momentos importantes passem por nós sem notá-los: otelefonema de um velho amigo, a lua cheia nascendo atrás dasárvores, uma observação feita por uma criança, ou a luz e acor de uma tarde de outono - tudo ignorado, desperdiçado,sem uso e perdido. Não chegamos nem a notar que não nota-mos.

O importante então é estar desperto. E as perguntas-chavesão sempre: O que é que está realmente acontecendo aqui?Qual é a verdade dessa situação?

Imagine uma pessoa que vive um casamento monótono,passa o dia em um trabalho aborrecido, volta ao lar para umanoite de televisão entorpecedora e começa tudo de novo nodia seguinte. Uma existência triste. Entretanto, um casamento,um trabalho e um programa de televisão podem ter significa-dos completamente diferentes e serem muitíssimo enriquece-dores. Tudo depende da nossa atitude. Então, é preciso repe-tir sempre: "Acorde! Preste atenção! Veja bem o que está acon-tecendo com você. Será que eu estou fazendo o que realmentequero fazer?"

Quando meu amigo Bill morreu de AIDS, fui tomado porvários sentimentos, mas o principal foi o propósito de prestaratenção à minha vida. A morte dele me fez lembrar de maneiramuito profunda que a vida, apesar de extremamente valiosa,é curta, muitas vezes difícil, imprevisível, e composta de al-guns aspectos importantes e outros irrelevantes. De modo que

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é melhor colocá-la toda em ordem imediatamente. Amanhãpode ser tarde.

O esquecimento provém diretamente da distração. Esque-cemos de onde viemos, como viemos, a direção para ondevamos e por que estamos indo para lá. Esquecemos nossosvalores, nossas tradições e nossas raízes.

Há dois anos, meu irmão mais velho deu à família um pre-sente maravilhoso. Encorajou o genro a pesquisar, escrever epublicar um livro sobre nosso avô paterno que migrou daHungria para os Estados Unidos, onde chegou menino, semtostão, e tornou-se um dos mais importantes cidadãos de Cle-veland. A história dele é uma corrida louca, com todos os altose baixos de uma verdadeira saga.

Mas, além disso, o presente que esse livro deu à nossafamília foi fazer cada um de seus membros conhecer-se me-lhor. Sabíamos algumas histórias, mas muitas nunca haviamsido contadas. O fato de nos lembrarmos de onde viemos ecomo chegamos a este lugar e a este momento fortaleceunossa identidade. Nossa história ficou enriquecida, e quandoos membros da família folheiam o livro, ganham muitos mo-mentos de Parada.

Quando não prestamos atenção, corremos o risco de con-fundir o valor das coisas. Um vestido elegante ou uma raque-te de tênis podem dar muito prazer, mas não acrescentamnada ao que somos ou valemos essencialmente. Isso não querdizer que devemos deixar de admirar, desejar e usufruir coisasmateriais: o vestido ou a raquete dão alegria, mas devemosmantê-los em sua devida dimensão. É só uma questão deequilíbrio.

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Quando estamos distraídos e esquecemos o que é verda-deiro e importante para nós, tendemos a cometer erros: eu es-queço onde coloquei um documento necessário, trago o livroerrado para a reunião, ou compro a bateria errada, apesar desaber o tamanho de que preciso. Quando seguimos em frentesem Parar, aumentamos as chances de cometer um erro aolongo do caminho.

Prestar atenção tem a ver com observar. Gosto muito daexpressão observar porque ela nos fala de calma e serenidade.Quando observamos coisas ou momentos, nós os absorvemos,os levamos em consideração e tomamos nota deles. Tornam-se nossos, não de maneira possessiva, mas de modo amigávele útil. Ao refletir sobre a semana que passou, vou notando al-guns momentos. Meu sobrinho de dois anos veio me anunciarglorioso: - Eu "nadi" na piscina sozinho! - A caminho do tra-balho vi na estrada um ipê todo florido. O telefonema que deipara um amigo que não via há algum tempo coincidiu, poracaso, com a festa do seu quadragésimo aniversário. Terça-feira o dia começou frio e enevoado, mas ao meio-dia abriuum sol magnífico. No sábado, em vez de sair de casa, fiqueiouvindo música e lendo um bom livro no aconchego do meuescritório.

Todos esses são apenas pequenos momentos entre os mi-lhares de minha vida, tal como você na sua. Por que notá-los?Eles são lembretes, eles o formam, aprofundam sua alma, aju-dam a pôr as coisas na ordem correta, ligando-o ao mundo emantendo-o desperto. E, ainda por cima, eles lhe trazem imen-so prazer.

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A saúde exige esse relaxamento,essa vida sem rumo.

Essa vida no presente.

HENRY DAVID THOREAU

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O Fruto do Relaxamento

Este é o fruto que vem da tranqüilidade física e mental noseu corpo, na sua casa, no seu país e no mundo. Sem umaquantidade mínima de relaxamento verdadeiro, qualquer ini-ciativa nossa começa mal. Os seres humanos simplesmentenão foram feitos para permanecer em estado de estresse otempo todo.

O estresse hoje em dia é muito mais psicológico ou espiri-tual do que físico. O que é que você pode fazer se for avalia-do injustamente por seu chefe que o inveja? Lutar (o que signi-fica enfrentar o chefe e outras autoridades, mesmo sabendoque vai perder) ou fugir (o que significa largar o emprego ecomeçar de novo)? Geralmente não podemos fazer nem umacoisa nem outra porque ambas vão dar mau resultado.

Mas nossos corpos foram feitos para lutar ou fugir ante umaagressão, e os hormônios estão correndo nas nossas veias com

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essa missão. Essa energia de estresse negativa tem que ir paraalgum lugar e fazer alguma coisa. Ela não desaparece sozi-nha. Na maior parte das vezes, o que ela faz é atacar seu hos-pedeiro: você. Você fica doente ou irritado, tem dores nascostas ou nos ombros, fica gripado ou resfriado, engorda ouemagrece. Seu estresse pode ser somatizado de várias formas.A não ser que você faça alguma coisa a respeito.

Acredito que a maioria das pessoas vive com uma tensão eum estresse acumulados desde a infância que as impedem deatingir um verdadeiro relaxamento e comprometem todos osseus projetos. Talvez nem se apercebam do que estão carre-gando, de forma que o estresse lhes parece normal. Este é umproblema sério. Aprender a relaxar é crucial para o nossobem-estar físico e emocional.

Uso o termo relaxamento tanto no seu significado comum,que é o que usamos quando queremos dizer que estamos nossentindo bem, como no seu significado mais clínico, que é avolta da pessoa ao seu equilíbrio normal, ou repouso, depoisde um período de estresse. Em outras palavras, quando vocêvive um período de estresse na vida, precisa fazer algo comessa energia negativa do estresse para atingir um equilíbrio.Sem um tempo de relaxamento, você não consegue voltar aonormal para se recuperar verdadeiramente do estresse. Lem-bre-se: a energia negativa do estresse não desaparece sozinha,ela se acumula, e, se não for equilibrada com um período derelaxamento, continua a lhe fazer mal. Compreender isso é achave para o verdadeiro relaxamento.

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(Baseado num modelo de Emmett Miller, M.D.)

Use o diagrama acima para visualizar o processo grafica-mente. A linha pontilhada que começa à esquerda no ponto ae termina à direita no ponto b é a sua linha de vida normal.Acima dessa linha você está no território do estresse e abaixodessa linha está no território do relaxamento. Sua vida começano ponto a e caminha na direção do ponto b. Um pouco adi-ante ocorre um agente estressante (ponto c): digamos quealguém lhe dá uma fechada no trânsito, quase causando umacidente sério e assustando-o a ponto de seu coração bateracelerado e seus músculos se contraírem com a descarga deadrenalina. Este acontecimento o faz entrar no território do es-tresse. Comumente sentiríamos o estresse causado por um fatodesses durante dias ou até semanas. O estágio de resistência

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REAÇÃO AO ESTRESSE

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(de d para e) é o tempo que você realmente gasta lidando comesse estresse. Pode durar de uns poucos momentos a anos.

Agora observe uma coisa importante: se você simplesmentevolta à sua linha de vida normal e segue em frente, não estáinteiramente recuperado desse estresse. Embora não o perce-ba, ainda está carregando os seus efeitos, que se somam aosde outras situações estressantes. Para uma recuperação verda-deira, você tem que passar algum tempo abaixo da linha, den-tro do território de relaxamento, para depois retornar à sua li-nha de vida normal no ponto f. Somente aí você estará verda-deiramente recuperado desse estresse. Para cada período detempo passado acima da linha (no território do estresse) vocêprecisa do contrapeso de um período de tempo passadoabaixo da linha (no território do relaxamento). Os períodosgastos em cada um dos territórios não precisam necessaria-mente ser iguais, mas você tem forçosamente que passar al-gum tempo em ambos os territórios para ter uma recuperaçãoverdadeira.

Parar é passar um tempo abaixo da linha. Para alguns, Pararirá proporcionar um relaxamento verdadeiro pela primeira vezem suas vidas. Isso é particularmente verdadeiro para pessoasque vêm convivendo com agentes estressantes prolongados,como doenças crônicas (próprias ou de outros), relaciona-mentos difíceis, situações de trabalho injustas, crueldadesinevitáveis, famílias ou negócios complicados, ou situaçõessociais tão caóticas e descontroladas, que todo momento é ummomento de crise onde a ansiedade é a regra. É também ver-dadeiro para os workaholics. Estamos tão acostumados a viveracima da linha, no território do estresse, que não nos damos

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conta, não conseguimos conceber por que teríamos necessi-dade de passar um tempo abaixo da linha, muito menos sabercomo chegar lá!

Que significa para você passar um período abaixo da linha?Lembre-se das Escalas de Viagem. Isso irá variar para cadapessoa, e variar até em épocas diferentes da sua vida. É cami-nhar, nadar, perambular a esmo, observar as árvores ou lerpoesia? Escolha o que preferir, sabendo que a característica es-sencial do tempo passado abaixo da linha é a recuperação doequilíbrio.

As Pausas Breves são boas companheiras do relaxamento.Respirar e recordar são relaxantes naturais: fazem com que osistema nervoso autônomo do corpo relaxe e se recupere. Pa-ra intensificar o fator de relaxamento, inclua alguns alonga-mentos, observe onde há tensão no seu corpo e depois respirecom a intenção de mandar a energia relaxante para esseslocais.

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Ao contrário da busca de coisas que valha a pena ter,

a busca de coisas que valha a pena ser

geralmente exige longos períodos de solidão.

MEYER FRIEDMAN E RAY ROSENMAN

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O Fruto da Solidão

O fruto da solidão é você sentir-se bem quando está sozi-nho. Isso inclui também o fruto da introspecção, que é a capa-cidade de olhar para dentro de si mesmo. O silêncio é outrobenefício precioso. A vida que levamos permite muito poucasolidão e, apesar disso, períodos de tempo a sós são essen-ciais para uma vida equilibrada.

"A solidão é uma necessidade humana básica. Precisamosnos afastar do barulho e da companhia de outras pessoas", dizAnthony Storr, um psicólogo inglês que já escreveu extensa-mente sobre a solidão.

Muita coisa acontece quando você está sozinho. Lembre-sedas palavras do poeta Rilke: "Eu sou a pausa entre duas no-tas", que se "reconciliam" naquele "intervalo escuro". O queacontece num intervalo escuro é algo sutil e lento, com nuan-ces suaves. Você precisa confiar no intervalo escuro entre duas

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notas numa peça musical, porque você tem que largar a notaque já terminou e que não é mais necessária, quando a notanova ainda não surgiu. É também um lugar de solidão no qualvocê fica imaginando: será que a nota nova virá mesmo? Seráque é o que eu espero e preciso neste momento?

O intervalo escuro é um lugar de transformação. No mo-mento de pausa, sua canção chegou até determinado ponto.Quando essa pausa momentânea terminar, a canção estará re-novada, transformada, e não será mais a mesma. Depois dessapausa, será uma canção nova e diferente.

A verdade é que a solidão transforma. Quando você sai deum período passado sozinho, você já é um ser diferente. Osucesso da sua vida depende em grande parte da qualidadedas pausas entre os acontecimentos da sua vida. O efeitocumulativo das pausas determina não apenas a grandeza damúsica, mas também, o que é mais importante, se é essa acanção que você quer cantar.

Não é por acaso que os grandes líderes espirituais dahistória passaram muito tempo recolhidos, afastados ou sozi-nhos, isto é, Parados.

Um dos objetivos da solidão é ficar à vontade em sua pró-pria companhia, conhecer-se e gostar mais de si mesmo, eapreciar a maravilhosa obra de arte que você é. Você já pen-sou em si mesmo desta forma? Se não, por favor tente. A soli-dão vai ajudar. Muitas vezes a diferença entre a solidão e oisolamento é a estima que você tem por si mesmo.

Não quero em absoluto dar a entender que aqueles que nãogostam de solidão têm baixa auto-estima. O temperamentodas pessoas também influencia: as introvertidas são por natu-

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reza mais interessadas na atividade interna da alma, enquantoas extrovertidas são mais atraídas pelas expressões da almaligadas ao mundo exterior. Uma coisa não é melhor que a ou-tra, são simplesmente diferentes. Os introvertidos talvez pro-curem a solidão mais facilmente e com maior freqüência, mastodos nós necessitamos dela em certa medida.

Anthony Storr também diz que "a capacidade de estar sozi-nho... relaciona-se com a autodescoberta, a autopercepção e atomada de consciência de nossas necessidades, sentimentos eimpulsos mais profundos". A agitação, o barulho e a presençade outros dificultam esse processo.

A solidão é o lugar indicado para a introspecção: olhar paradentro da sua própria alma e descobrir quem você é, exami-nar a sua vida e fazer um inventário. É o lugar que permiteque a investigação minuciosa do ato de Parar aconteça, e nes-se sentido talvez por isso a solidão seja o mais amedrontadordos sete frutos: porque permite que as coisas venham à tona.Mas é também o fruto que pode lhe trazer uma paz e umacalma antes desconhecidas, por revelar aspectos seus muitomelhores do que você imaginava.

Se ficar sozinho o assusta, tente fazê-lo aos poucos. Comececom uma Pausa Breve de apenas alguns instantes sozinho e váaumentando até uma Escala de Viagem de algumas horas nu-ma praia ou parque isolado. Cada progresso aumentará o seuconforto, paz e calma.

Alguns confundem solidão com isolamento dos outros, emvez de vê-la como solidão consigo mesmo. O que pode serconsiderado como um afastamento ou rejeição em relação aosoutros é um terreno fértil para gerar uma amizade maior, um

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envolvimento mais profundo. O propósito da solidão é me-lhorar os momentos de companheirismo. Assim como o obje-tivo de Parar é ir em frente, o propósito da solidão é deixá-lomais presente e receptivo quando você estiver com alguém.

Muitas vezes me perguntam: - É possível Parar junto comalguém? - Prefiro dizer que você pode Parar ao mesmo tempoque outra pessoa, mas a natureza do ato de Parar é solitáriaem todas as suas três formas. Seja por um minuto ou um mês,trata-se de uma volta para si mesmo, o que por natureza é umato individual.

Outra pergunta comum sobre o ato de Parar é: - Assistir te-levisão pode ser chamado de Parar? - Para crianças e jovens,decididamente não. Para adultos? Minha primeira resposta é:provavelmente não. Certamente não é para mim, pois quandoa TV está ligada não consigo deixar de assisti-la. Mas tenho umamigo que consegue se abstrair totalmente da televisão. A coi-sa pode estar berrando lá agressivamente e ele realmente écapaz de não vê-la nem ouvi-la. Para pessoas como ele, talvezassistir televisão seja uma maneira inferior, "melhor-do-que-nada", de Parar.

Detesto barulho. Ele nos rouba a atenção, o relaxamento ea solidão. Infelizmente, é algo que está à nossa volta por todaparte, tanto no campo quanto na cidade. De modo que umdos mais valiosos resultados da solidão é o silêncio. "O silên-cio é um dos instrumentos mais simples e mais valiosos pararelaxar", diz Edwin Kelley, diretor da Sociedade de MeditaçãoIntrospectiva. Por sua própria natureza, o silêncio nos levapara baixo da linha do estresse. Tente pensar em lugares pró-ximos onde há silêncio e procure-os.

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- O silêncio vale ouro - era dito para as crianças pelos adul-tos que queriam paz e tranqüilidade. Agora sabemos o que is-so significa. O silêncio também se apresenta de uma formadiferente, mas nem por isso menos valiosa: a ausência de pala-vras. O romancista inglês George Eliot afirmava: "Abençoadoé o homem que, não tendo nada para dizer, se abstém deapresentar verbalmente esse fato." No meu consultório deaconselhamento mantenho num quadro um pequeno lem-brete para mim mesmo: "Não dizer nada freqüentemente de-monstra um excelente domínio da língua."

Fique consigo mesmo. Fique quieto. Simplesmente seja. Sãoesses os frutos da solidão e do silêncio que a acompanha.

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Seja lá o que você possa fazer,

ou sonhe que pode,

comece.

A ousadia tem gênio, poder

e magia dentro de si.

Comece agora.

GOETHE

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O Fruto da Abertura

Parar também nos traz uma abertura, que é a capacidade dereceber os frutos que o mundo tem para oferecer, e de apren-der as lições da vida, porque você pode notá-las. O que euquero transmitir usando a palavra abertura está contido nasseguintes palavras dirigidas a um jovem poeta pelo poetaRainer Maria Rilke: "Se aquele anjo se dignar a vir, será porquevocê o convenceu, não por meio de lágrimas, mas pela suahumilde resolução de estar sempre começando: de ser umprincipiante."

Ser um principiante é fundamental. O principiante sabe quetem algo a aprender e se abre para isso. O perito já "sabe" asrespostas, e assim se isola e se fecha.

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Estar aberto inclui estar disposto a aprender. Para muitos denós, isso pode ser um desafio. Dizer "não sei", perguntar "oque é, como é, por que é" pode ser interpretado como fraque-za ou inferioridade, dando a impressão de que você entregaao outro sua decisão. Mas eu respeito profundamente as pes-soas capazes de admitir sua ignorância em um assunto, as quenão se apegam às suas próprias opiniões, porque elas estãoem busca de crescimento, de maior compreensão através deoutras perspectivas. Elas certamente poderão reconhecer oque é melhor para elas e para aqueles com quem convivem.

Ser receptivo também faz parte de estar aberto. É a capaci-dade de trazer algo ou alguém para dentro do seu coração eda sua mente. Isso talvez seja um desafio maior ainda em nos-sa cultura que valoriza os ultra-ativos e agressivos e consideraa receptividade uma qualidade menor ou até mesmo umafraqueza.

Nossa atitude diante da receptividade se apóia muito nomachismo. Sob um ponto de vista estereotipado, o feminino éreceptivo, o masculino é ativo. O ideal, claro, é um equilíbrioe uma complementaridade. Mas a cultura - homens e, infeliz-mente, mulheres - certamente valoriza, privilegia e recom-pensa os agressivos. As profissões mais abertas e receptivas -a assistência social, o aconselhamento, o magistério e a enfer-magem, por exemplo - estão na extremidade mais baixa daescala econômica, o que indica o valor que a sociedade dá aessas qualidades.

Por que a receptividade é necessária? Porque é o meio maisimportante de obter informações, perspectiva, conhecimentosou qualquer outra coisa. Uma vida bem-sucedida exige dispo-

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sição para aprender e receptividade. Quem está fechado - osdonos da verdade - não avança. Para obter qualquer coisa,você tem que estar receptivo a ela. Se não ficamos receptivos- abertos -, perdemos muito do significado daquilo que surgeem nosso caminho. Simplesmente não o vemos, embora possater aparecido diante de nossos olhos.

Tente conceber a coisa da seguinte maneira: se você só forativo, nunca terá o retorno de que tanto precisa para com-preender o resultado da sua ação. A essência do aprendizadoé saber o que aconteceu como resultado do que você fez. En-tão, quando voltar ao modo ativo, você estará agindo com ba-se na informação que obteve por estar receptivo. Por teraprendido.

A pessoa se enriquece ao ser capaz de receber o que estádisponível: expressões espontâneas da vida, surpresas e coisasnovas.

Minha festa favorita no calendário litúrgico é a festa da Epi-fania. É comemorada no início de janeiro e assinala o momen-to em que o Menino Jesus foi apresentado aos Reis Magos doOriente e, no seu sentido mais amplo, mostrado ou manifes-tado ao mundo. Epifania é a palavra grega para aparição oumanifestação. Gosto dessa festa porque ela leva a um signifi-cado mais amplo: epifanias são todos aqueles momentosgrandes ou pequenos em que percebemos algo, obtemos algopela primeira vez, temos uma "visão", vemos algo se manifes-tar de maneira nunca vista antes ou obtemos uma nova com-preensão do que a vida é e de como nos encaixamos nela.Aqueles que estão abertos podem comemorar muitas epifaniasdurante o ano.

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ção (e não o comentário) e o aprender (e não o ensinar). Achoimportante esclarecer que as características entre parêntesesnão são de forma alguma negativas. Simplesmente não são oque se precisa fazer quando se quer Parar.

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Limites saudáveis são flexíveis o suficiente

para podermos escolher o que deixar entrar

e o que manter de fora.

ANNE KATHERINE

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O Fruto dos Limites

Limites emocionais são um assunto psicológico complexo.A capacidade de saber onde você termina e a outra pessoa co-meça, de ter clareza sobre o que é seu emocionalmente e oque não é, e de ter as pessoas da sua vida colocadas nos lu-gares em que você quer que elas estejam: tudo isso é benéfi-co para o ato de Parar. Ter limites emocionais fortes, mas fle-xíveis, é ser capaz de viver com sucesso em comunidade. Essefruto encoraja o seu envolvimento com o mundo, mas o ajudaa evitar um envolvimento doentio nele.

Para compreender melhor isso, pense em si mesmo comouma casa. Quando a casa do outro lado da rua pega fogo, vo-cê se sente mal, mas não foi você que pegou fogo, e por issotoca a sua vida para a frente. Quando alguém pinta a casa vizi-nha, você pode até ficar feliz pela casa, mas não fica se van-gloriando, porque a pintura nova não é sua.

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No caso das pessoas (continuando a usar a casa como metá-fora), pode haver algumas que você quer fora do seu portão,algumas que você quer na sala de visitas, umas poucas quevocê quer na cozinha, há uma que você quer no seu quarto,e assim por diante. Ter limites saudáveis é receber todas essaspessoas onde você as quer, e não necessariamente onde elasquerem estar. E o que é que isso tem a ver com Parar?

Na verdade, é somente com um certo grau de Parada, espe-cialmente com Escalas de Viagem e Paradas Gerais, que vocêpode descobrir onde cada pessoa está colocada na sua casa.Parar é como dizer: "Tá legal, sai todo mundo um instante queeu vou dizer para vocês quando e se podem voltar, e onde euvou querer que cada um esteja!" Talvez você descubra quenão há absolutamente ninguém na sua casa, nem mesmo dolado de dentro do portão do jardim, e que você gostaria de teralgumas pessoas nesses lugares. Só quando notamos ondeestão (ou não estão) os nossos limites é que podemos fazerescolhas a respeito deles.

As três formas de Parar ajudam a clarear outra questão rela-tiva a limites: quais são os seus sentimentos e quais não são.Outro modo de dizer isso é que Parar o ajuda a saber a dife-rença entre você mesmo e todos os demais.

Uma vez fiquei observando uma família num parque, fazen-do um piquenique: mãe, pai e duas crianças pequenas. Ospais começaram a discutir. Quando começaram a berrar umcom o outro, percebi que o estado emocional das criançaspassou a imitar o dos pais: elas começaram a choramingar, fo-ram num crescendo e acabaram berrando. Quando os pais re-solveram a questão, as crianças voltaram a um estado pacífi-

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co. Elas não conseguiam separar seus próprios sentimentosdos sentimentos dos pais. Isso é próprio de crianças, mas nãoé saudável para adultos. A sua dor e a sua alegria não são mi-nhas, nem as minhas são suas. Podemos nos preocupar comos outros, ser solidários e ter compaixão sem perder nossoslimites.

Aliás, é só com o estabelecimento de limites claros que seconsegue construir uma comunidade harmoniosa. E aqui es-tou falando de marido e mulher, pais e filhos, amigos, com-panheiros de trabalho, vizinhos, e assim por diante. Podeparecer estranho, mas precisamos definir bem nossos limites,determinando com precisão o que nos separa dos outros, paraganharmos realmente a capacidade de nos aproximarmos,com benefício para toda a comunidade. Caso contrário, surgeum estado de enredamento onde ninguém sabe quem é quem,nem o que é de quem. Descobrir como estabelecer e manternossos limites individuais é a forma de nos tornarmos umcasal, um grupo, uma comunidade.

Durante o processo de Parar, principalmente durante a partede recordação, nossa identidade é fortalecida. O ato de recor-dar de onde você veio e quem você é reforça seus limites: aosaber quem é, você não se confunde com os outros e não per-mite que eles se confundam com você. Quando estamos jun-tos dessa maneira, temos mais chances de construir umarelação harmoniosa e feliz.

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Mantenha seu rosto voltado para o sol

e você não conseguirá ver a sombra.

ATRIBUÍDO A HELEN KELLER

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O Fruto de Abraçar a Sua Sombra

Sombra é uma palavra que nos foi legada pelo psicólogoCarl Jung. Ele a chamou de arquétipo, ou um padrão de per-cepção que todos nós temos na consciência. Refere-se à partesecreta e freqüentemente amedrontadora de nós mesmos, queem geral gostamos de manter oculta e fingir que não existe. Omérito de Jung foi identificar essa sombra como uma forçapositiva e um caminho para a autocompreensão. Uma sombraoculta pode causar problemas, pois é um inimigo que não co-nhecemos. Mas se olharmos para essa parte escondida de nósmesmos e aprendermos a abraçá-la, aumentaremos nossa au-tocompreensão e transformaremos um inimigo num fruto ma-ravilhoso.

O processo de Parar nos dá tempo de encontrar e por fimabraçar a sombra. Quando dou uma Parada, vejo coisas den-tro de mim que normalmente ignoro. As conversas comigomesmo, dentro da minha cabeça, se passam mais ou menos

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assim: "Vejo que minha sombra é na realidade uma déspotainvejosa e ciumenta. Não gosto dessa parte de mim, mas souobrigado a admitir que ela existe. Geralmente meus sentimen-tos de inveja ficam sob controle, mas às vezes pulam para forae me criam problemas. Ou então eu faço e digo coisas quenão faria nem diria se pudesse escolher racionalmente. Se eutomar contato com esse meu eu invejoso e ciumento e tentardescobrir o que ele quer e precisa me dizer, eu talvez possatransformar essa energia e aproveitá-la positivamente."

Abraçar a sombra é reconhecer que nada é só branco oupreto, mas um pouco de cada. Quando projetamos nossa som-bra para fora - isto é, quando apontamos a outra pessoa comosendo a única causadora do problema -, estamos negando asombra dentro de nós. A verdade é que não há um "impériodo mal", nem um grupo, grupos ou indivíduos que sejam acausa de nosso sofrimento e dos males do mundo. Todos nóssomos responsáveis. Quando negamos ou evitamos nossasombra, ela não apenas nos domina de forma perversa, comopode causar grande mal - até mesmo a morte - a nós e a ou-tras pessoas.

Encarar nossa sombra durante o processo de Parar pode seralgo assustador. "Quando se vê a sombra claramente pela pri-meira vez", diz o estudioso junguiano John A. Sanford, "fica-se horrorizado." Quando eu era menino, meu irmão e eu cos-tumávamos ouvir o programa O Sombra no rádio. A parte doprograma que eu recordo vivamente é o começo, com aquelamúsica apavorante e a voz profunda e sinistra de um homemdizendo: "Quem sabe o mal que se esconde no coração doshomens? O Sombra sabe." A voz se esvaía em meio a risadas

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L

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Mantenha seu rosto voltado para o sol

e você não conseguirá ver a sombra.

ATRIBUÍDO A HELKN KELLER

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O Fruto de Abraçar a Sua Sombra

Sombra é uma palavra que nos foi legada pelo psicólogoCarl Jung. Ele a chamou de arquétipo, ou um padrão de per-cepção que todos nós temos na consciência. Refere-se à partesecreta e freqüentemente amedrontadora de nós mesmos, queem geral gostamos de manter oculta e fingir que não existe. Omérito de Jung foi identificar essa sombra como uma forçapositiva e um caminho para a autocompreensão. Uma sombraoculta pode causar problemas, pois é um inimigo que não co-nhecemos. Mas se olharmos para essa parte escondida de nósmesmos e aprendermos a abraçá-la, aumentaremos nossa au-tocompreensão e transformaremos um inimigo num fruto ma-ravilhoso.

O processo de Parar nos dá tempo de encontrar e por fimabraçar a sombra. Quando dou uma Parada, vejo coisas den-tro de mim que normalmente ignoro. As conversas comigomesmo, dentro da minha cabeça, se passam mais ou menos

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assim: "Vejo que minha sombra é na realidade uma déspotainvejosa e ciumenta. Não gosto dessa parte de mim, mas souobrigado a admitir que ela existe. Geralmente meus sentimen-tos de inveja ficam sob controle, mas às vezes pulam para forae me criam problemas. Ou então eu faço e digo coisas quenão faria nem diria se pudesse escolher racionalmente. Se eutomar contato com esse meu eu invejoso e ciumento e tentardescobrir o que ele quer e precisa me dizer, eu talvez possatransformar essa energia e aproveitá-la positivamente."

Abraçar a sombra é reconhecer que nada é só branco oupreto, mas um pouco de cada. Quando projetamos nossa som-bra para fora - isto é, quando apontamos a outra pessoa comosendo a única causadora do problema -, estamos negando asombra dentro de nós. A verdade é que não há um "impériodo mal", nem um grupo, grupos ou indivíduos que sejam acausa de nosso sofrimento e dos males do mundo. Todos nóssomos responsáveis. Quando negamos ou evitamos nossasombra, ela não apenas nos domina de forma perversa, comopode causar grande mal — até mesmo a morte — a nós e a ou-tras pessoas.

Encarar nossa sombra durante o processo de Parar pode seralgo assustador. "Quando se vê a sombra claramente pela pri-meira vez", diz o estudioso junguiano John A. Sanford, "fica-se horrorizado." Quando eu era menino, meu irmão e eu cos-tumávamos ouvir o programa O Sombra no rádio. A parte doprograma que eu recordo vivamente é o começo, com aquelamúsica apavorante e a voz profunda e sinistra de um homemdizendo: "Quem sabe o mal que se esconde no coração doshomens? O Sombra sabe." A voz se esvaía em meio a risadas

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Page 68: A essencial arte de parar 1999

Mantenha seu rosto voltado para o sol

e você não conseguirá ver a sombra.

ATRIBUÍDO A HELEN KELLER

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O Fruto de Abraçar a Sua Sombra

Sombra é uma palavra que nos foi legada pelo psicólogoCarl Jung. Ele a chamou de arquétipo, ou um padrão de per-cepção que todos nós temos na consciência. Refere-se à partesecreta e freqüentemente amedrontadora de nós mesmos, queem geral gostamos de manter oculta e fingir que não existe. Omérito de Jung foi identificar essa sombra como uma forçapositiva e um caminho para a autocompreensão. Uma sombraoculta pode causar problemas, pois é um inimigo que não co-nhecemos. Mas se olharmos para essa parte escondida de nósmesmos e aprendermos a abraçá-la, aumentaremos nossa au-tocompreensão e transformaremos um inimigo num fruto ma-ravilhoso.

O processo de Parar nos dá tempo de encontrar e por fimabraçar a sombra. Quando dou uma Parada, vejo coisas den-tro de mim que normalmente ignoro. As conversas comigomesmo, dentro da minha cabeça, se passam mais ou menos

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assim: "Vejo que minha sombra é na realidade uma déspotainvejosa e ciumenta. Não gosto dessa parte de mim, mas souobrigado a admitir que ela existe. Geralmente meus sentimen-tos de inveja ficam sob controle, mas às vezes pulam para forae me criam problemas. Ou então eu faço e digo coisas quenão faria nem diria se pudesse escolher racionalmente. Se eutomar contato com esse meu eu invejoso e ciumento e tentardescobrir o que ele quer e precisa me dizer, eu talvez possatransformar essa energia e aproveitá-la positivamente."

Abraçar a sombra é reconhecer que nada é só branco oupreto, mas um pouco de cada. Quando projetamos nossa som-bra para fora - isto é, quando apontamos a outra pessoa comosendo a única causadora do problema -, estamos negando asombra dentro de nós. A verdade é que não há um "impériodo mal", nem um grupo, grupos ou indivíduos que sejam acausa de nosso sofrimento e dos males do mundo. Todos nóssomos responsáveis. Quando negamos ou evitamos nossasombra, ela não apenas nos domina de forma perversa, comopode causar grande mal — até mesmo a morte — a nós e a ou-tras pessoas.

Encarar nossa sombra durante o processo de Parar pode seralgo assustador. "Quando se vê a sombra claramente pela pri-meira vez", diz o estudioso junguiano John A. Sanford, "fica-se horrorizado." Quando eu era menino, meu irmão e eu cos-tumávamos ouvir o programa O Sombra no rádio. A parte doprograma que eu recordo vivamente é o começo, com aquelamúsica apavorante e a voz profunda e sinistra de um homemdizendo: "Quem sabe o mal que se esconde no coração doshomens? O Sombra sabe." A voz se esvaía em meio a risadas

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ameaçadoras. Aquilo nos apavorava e ainda apavora as pes-soas. O que realmente a minha sombra sabe? Será que eu tam-bém sei? Será algo que irá me surpreender e amedrontar? E seeu não conseguir lidar com isso? É aí que entra a coragem.

Alexander Solzhenitsyn, dissidente e romancista russo, afir-mou: "Seria bom que houvesse pessoas más em algum lugarcometendo insidiosamente atos vis e que bastasse separá-lasdo resto de nós e destruí-las. Mas a linha que divide o bem domal passa pelo coração de todo ser humano." Isso inclui omeu e o seu. Se tivéssemos a coragem de abraçar nossas som-bras assustadoras, estaríamos dando um passo gigantesco paracurar nossas dores mais profundas e duradouras.

Parar é um processo através do qual você pode - principal-mente se isso for assustador para você - ir gradualmente aper-tando a mão da sua sombra. O importante é reconhecer, emprimeiro lugar, o seu desejo de em algum momento abraçarsua sombra. A partir daí você pode, com maior segurança,controlar o processo, levando-o no seu próprio ritmo.

O problema principal do que chamamos de "pecado" não éo mal em si, mas a recusa em reconhecê-lo. Tanto o bemquanto o mal estão sempre em nossos corações. Só quandoconseguimos reconhecer isso é que somos capazes de passarda infância para a maturidade, da correria e da fuga para a paze a justiça.

Às vezes, o medo da Sombra nos faz acreditar que estamostão ocupados, que não podemos parar. Na empresa de umamigo meu, ele percebeu que uma das funcionárias, apesar dedeclarar-se extremamente estressada e sobrecarregada, nuncatirava folga nem as férias a que tinha direito. Além de dar per-

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missão, meu amigo insistia para que ela tirasse uma folga. Masa resposta era sempre a mesma: "Não posso. Tenho muita coi-sa para fazer." Vejo isso como prova de que a sombra ocultae não abraçada tem muita força, e de que muitos de nós fare-mos tudo o que pudermos para não olhar para ela.

Trata-se também de uma embusteira. Pode fazer com queuma mentira pareça verdade, uma ficção pareça um fato euma dúvida pareça uma convicção. Como é embusteira, podeassumir muitas formas, até mesmo a da inocência.

Vamos falar dessa "inocência perigosa e terrível". Inocênciaterrível é aquela atitude em que, mesmo face a face com omal, nós o negamos, o evitamos, fingimos que não o estamosnotando, ou simulamos ignorância, apesar de no fundo donosso coração sabermos realmente o que está acontecendo. Éterrível e perigosa porque nos permite ficar inertes na pre-sença do mal.

É essa Sombra que Parar pode nos ajudar a revelar e curar.

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Um chamado pode ser adiado, evitado, perdido...

Mas um dia ele se manifestará.

JAMES HILLMAN

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O Fruto do Propósito

Esse maravilhoso fruto do Parar, que é ter um propósito,nos encoraja a sair de nós mesmos, a escutar o que o univer-so tem a nos dizer e a descobrir na vida o papel que é só nos-so. Podemos entender isso como chamado e vocação. Parar éalgo que ajuda você a clarear e até mesmo a descobrir o seupropósito, a ouvir o seu chamado e a encontrar sua vocação.

Ter um propósito é saber que há algo muito além de nós. Esaber disso significa ter consciência de que existem inúmerosacontecimentos, momentos e realidades em nossa vida quenão conseguimos identificar imediatamente, nem explicar apartir do que podemos ver e provar. A sensação de termos umpropósito traz equilíbrio para a nossa condição humana: nãoapenas tomamos consciência do divino - seja qual for o nomeque damos a ele - quando olhamos para dentro de nós mes-mos, mas nos momentos de Parada também o percebemos nochamado que vem de fora de nós. O fato de vir de fora de nós

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é o que diferencia e acentua a importância desse fruto do pro-cesso de Parar.

Ter um propósito é reconhecer que você está destinado aser algo que só você pode ser. O seu desafio é fazer o que fornecessário para descobrir o que é.

James Hillman, um autor perspicaz e controverso, expõeessa idéia afirmando que nós nascemos com um chamado, eo objeto de toda a vida é descobrir esse chamado. Em vez deolharmos para dentro, em busca do nosso potencial interior,ele sugere que olhemos para o chamado que recebemos aonascer, até mesmo antes de nascer, e que tentemos deixá-lodesabrochar. Perceber o chamado, segundo ele, é olhar tantopara o mundo exterior em busca de sinais quanto para o domcom o qual nascemos.

Acredito que ele esteja na pista certa. Se negligenciarmosesse elemento nas nossas experiências de Parada, ou se nosconcentrarmos apenas em realizar nossos desejos e anseiosmais pessoais, corremos o sério risco de ver o mundo de ma-neira puramente subjetiva e de um ponto de vista estreito, tor-nando-nos egoístas, autoritários e até farisaicos. Iremos maisfacilmente culpar outras pessoas pelos nossos problemas,além de nos levarmos excessivamente a sério.

Tentar identificar o nosso propósito, o nosso chamado, e res-ponder a ele, nos faz elevar os olhos para os horizontes domundo e para um poder transcendente - que muitos chamamde Deus — para descobrirmos como podemos realizar nossosserviços, nossa ajuda, nossa alegria, nossa diversão ou seja láo que for que só nós podemos realizar. E nos faz examinar commais atenção nossas histórias pessoais em busca de pistas.

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Page 71: A essencial arte de parar 1999

Um chamado pode ser adiado, evitado, perdido...Mas um dia ele se manifestará.

JAMES HILLMAN

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O Fruto do Propósito

Esse maravilhoso fruto do Parar, que 6 ter um propósito,nos encoraja a sair de nós mesmos, a escutar o que o univer-so tem a nos dizer e a descobrir na vida o papel que é só nos-so. Podemos entender isso como chamado e vocação. Parar éalgo que ajuda você a clarear e até mesmo a descobrir o seupropósito, a ouvir o seu chamado e a encontrar sua vocação.

Ter um propósito é saber que há algo muito além de nós. Esaber disso significa ter consciência de que existem inúmerosacontecimentos, momentos e realidades em nossa vida quenão conseguimos identificar imediatamente, nem explicar apartir do que podemos ver e provar. A sensação de termos umpropósito traz equilíbrio para a nossa condição humana: nãoapenas tomamos consciência do divino - seja qual for o nomeque damos a ele - quando olhamos para dentro de nós mes-mos, mas nos momentos de Parada também o percebemos nochamado que vem de fora de nós. O fato de vir de fora de nós

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é o que diferencia e acentua a importância desse fruto do pro-cesso de Parar.

Ter um propósito é reconhecer que você está destinado aser algo que só você pode ser. O seu desafio é fazer o que fornecessário para descobrir o que é.

James Hillman, um autor perspicaz e controverso, expõeessa idéia afirmando que nós nascemos com um chamado, eo objeto de toda a vida é descobrir esse chamado. Em vez deolharmos para dentro, em busca do nosso potencial interior,ele sugere que olhemos para o chamado que recebemos aonascer, até mesmo antes de nascer, e que tentemos deixá-lodesabrochar. Perceber o chamado, segundo ele, é olhar tantopara o mundo exterior em busca de sinais quanto para o domcom o qual nascemos.

Acredito que ele esteja na pista certa. Se negligenciarmosesse elemento nas nossas experiências de Parada, ou se nosconcentrarmos apenas em realizar nossos desejos e anseiosmais pessoais, corremos o sério risco de ver o mundo de ma-neira puramente subjetiva e de um ponto de vista estreito, tor-nando-nos egoístas, autoritários e até farisaicos. Iremos maisfacilmente culpar outras pessoas pelos nossos problemas,além de nos levarmos excessivamente a sério.

Tentar identificar o nosso propósito, o nosso chamado, e res-ponder a ele, nos faz elevar os olhos para os horizontes domundo e para um poder transcendente - que muitos chamamde Deus - para descobrirmos como podemos realizar nossosserviços, nossa ajuda, nossa alegria, nossa diversão ou seja láo que for que só nós podemos realizar. E nos faz examinar commais atenção nossas histórias pessoais em busca de pistas.

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Tentar descobrir o seu chamado é ir em busca de algo alémde você, que não é você. Na sua juventude, talvez tenha havi-do um momento em que você entrou em contato com essealgo vindo de fora. Você sabia que queria fazer alguma coisae ser alguma coisa. É fundamental lembrar que nunca é tardedemais para ouvir o seu chamado e ir em busca da suavocação.

Hillman conta uma história sobre a mundialmente famosacantora Ella Fitzgerald. Quando jovem, ela participou de umprograma de calouros. Foi apresentada assim: "Agora, a Srta.Fitzgerald vai dançar para nós... Espera aí, espera aí. O que éque está havendo, meu bem?... Ah, a Srta. Fitzgerald mudoude idéia. Em vez de dançar, ela vai cantar." E Ella Fitzgeraldtirou o primeiro lugar e seguiu cantando pelo resto da vida.Embora pretendesse dançar, algo lhe disse para cantar, e aque-le foi o começo de uma carreira longa e bem-sucedida.

Como o fruto do propósito diz respeito às questões maisprofundas do chamado e da vocação, ele é descoberto princi-palmente durante os períodos mais longos, as Escalas de Via-gem e as Paradas Gerais.

Todos nós temos um propósito. Ele pode não se revelar deforma tão clara ou precoce como aconteceu com Ella Fitzge-rald. Temos que ficar parados, quietos, sem interferências edespertos o bastante para ouvir o chamado. Pois não ouvi-loseria trágico.

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IV

Explorando osDesafios de Parar

Page 73: A essencial arte de parar 1999

Há mais coisas no viverdo que acelerar o seu ritmo.

MAHATMA GANDHI

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Descendo até às Raízes

Chegamos agora num ponto crítico cie nossa jornada, por-que já temos informações suficientes para ver que Parar nospede para fazer algo radical. Parar não é complicado, não édifícil de entender e nem é difícil de fazer. Mas é radical. Pararnão é desacelerar. Parar é parar. É claro que iremos desacele-rar, mas o principal é não fazer nada, cessar toda a atividadee ficar imóvel.

Você pode reagir ao termo "radical". "Eu não faço nada radi-cal!" Mas o radical pode ser muito simples. Não estou falandode greves de fome, distúrbios de rua ou movimentos de ex-trema esquerda ou direita. Quando eu falar "radical", estou mereferindo ao que está ligado às suas raízes.

É isso que radical realmente significa. Aqui está a definiçãodo dicionário Webster para radical: "de uma raiz ou relaciona-do à origem; fundamental". Parar leva você às suas origens eàquilo que é fundamentalmente seu. Traz você ao seu verda-

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deiro lar. Alcança as profundezas da sua alma, onde você e amaioria das pessoas não vão com muita freqüência. E sabe porquê? Porque o problema do demais nos mantém distraídos.

Pare um instante e visualize uma árvore. A imagem mentalque lhe aparece é na verdade apenas parte da árvore: a parteque você vê. Mas a árvore toda inclui uma estrutura de raízestão ampla e profunda quanto a altura e largura dos galhos.Uma árvore inteira é na realidade um tronco entre duas mas-sas iguais de galhos e raízes.

Parar é uma energia radical porque leva você para baixo,até às raízes da árvore que você é, até às fontes da sua vida.Essas raízes, que, apesar de não serem evidentes, são essen-ciais, fornecem o equilíbrio necessário para os galhos da vida,mais ativos, externos e aparentes.

Então, se Parar é algo tão grandioso e fantástico, se é fácilde realizar e traz tantos benefícios, por que todos nós não ofazemos, simplesmente? Porque a sociedade nos manda po-derosas mensagens anti-Parar, dizendo-nos que faz mal. Etambém porque a maioria de nós tem medo do que vai desco-brir lá embaixo, nas raízes de nós mesmos. Como não estamosfamiliarizados com esse território, queremos, se possível,evitá-lo.

O objetivo dos próximos capítulos é ajudá-lo a se sentir ca-paz e competente para lidar com os desafios que você podeencontrar ao Parar. Para conseguir isso, por favor, mantenhaem mente o seguinte: os medos com que talvez você vá sedefrontar ao Parar não são tão ruins quanto você imagina. Hámeios seguros e eficazes de lidar com esses medos. Se eles fo-rem excessivos, você pode conseguir ajuda. E sobretudo, não

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Page 74: A essencial arte de parar 1999

enfrentar os seus medos é deixar inexplorada uma parteimportante de uma vida vibrante e repleta de frutos que existeem você.

Nosso primeiro desafio são as poderosas e intensas men-sagens anti-Parar que nossa cultura vem nos transmitindodesde a infância.

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A vida se mede não pelo

número de anos que passamos na Terra,

mas pelo que usufruímos.

HENRY DAVID THOREAU

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Quando a Sociedade Diz "Não"

Vivemos num inundo que não encara com simpatia o ato deParar. As vozes da nossa sociedade insistem em nos dizer. "Váem frente, não pare!" Por isso, se queremos Parar, precisamosnos libertar da imposição que essas mensagens da nossa cultu-ra, muitas vezes mudas mas extremamente poderosas, exer-cem sobre nós. Aqui estão algumas das idéias que se escon-dem por trás das vozes anti-Parar:

• O lazer é um luxo a que você não tem direito.• Os que buscam o prazer acabam no inferno.• Para progredir, você tem que trabalhar mais horas.• Siga o exemplo do seu bem-sucedido colega de classe.• Não fazer nada é igual a preguiça e indolência.• Quanto mais rápido, melhor.• Crescer é sempre bom.

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Page 75: A essencial arte de parar 1999

• O dinheiro é sempre o objetivo final.• Mais é sempre melhor do que menos.• Brincar é coisa de criança.

A lista de mentiras é infindável e fica muito difícil não acre-ditar nelas. Soam bem, são bem aceitas. Freqüentemente asouvimos saindo de nossos próprios lábios.

Quando paramos para pensar nelas, vemos que essas decla-rações não ,são verdadeiras. Mas é só quando Paramos parapensar nelas. Se não Paramos, corremos o risco de aceitá-lase deixar que elas nos dominem. Repare que todas elas seopõem a Parar e dedicar um tempo a você mesmo e aos queestão à sua volta.

Há também muitas vozes dizendo que a vida é um negóciomuito sério. Mas que significa sério, exatamente? O dicionáriomostra que o seu primeiro e mais importante significado é "oque merece atenção, cuidado". Nesse caso, sim, a vida deveser séria, pois só podemos vivê-la com cuidado e atenção. Masnão com severidade. A palavra sério, com seus significados de"severo, pesado, é-proibido-se-divertir", não se aplica ao atode Parar.

As religiões organizadas freqüentemente podem dar a idéiade que a vida é séria, no sentido de "severa, triste". É só pen-sar no tom imperioso dos pronunciamentos do Vaticano, nosSete Pecados Capitais e nas regras, regulamentos e proibiçõesde muitas religiões. Sem falar no fogo do inferno.

Quero ser o primeiro a defender as religiões em seu esforçopara fazer-nos refletir melhor sobre a maneira como vivemosnossas vidas. Mas também quero ser o primeiro a falar contra

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essa atitude infeliz de oprimir as pessoas com regras e crençasseveras. A vida em si já é difícil o suficiente. Não vamos mul-tiplicar nossos pecados sem necessidade.

Aprendi uma lição sobre isso com minha mãe. Eu tinhaacabado de ser ordenado sacerdote e, numa tentativa equivo-cada para fazer tudo certo, estava me levando excessivamentea sério. Ao visitar minha mãe, num domingo depois da missa,ela me apresentou a duas criancinhas. Quando fui cumpri-mentá-las, elas se esconderam atrás do pai, visivelmente ame-drontadas. Todos fingiram educadamente que não haviamnotado, mas mais tarde minha mãe me disse com o seu jeitotranqüilo: "Acho que você anda um pouco severo demais." Foiessa a palavra que ela usou: severo. Era o modo gentil de mi-nha mãe dizer: "Relaxe, você não é tão importante assim!" Seeu tivesse Parado o suficiente para reconhecer meu próprioexcesso de seriedade e conseguisse ter feito uma cara maisalegre, as crianças teriam sentido isso imediatamente e pode-ria ter se estabelecido entre nós uma ligação afetiva, em vezde um afastamento assustado.

Por isso é tão importante você conseguir Parar e passar umtempo com você mesmo, se possível algumas Escalas de Via-gem e uma ou outra Parada Geral. Só assim você será capazde relativizar as coisas e não se levar tão a sério.

O autor Mark Matousek nos conta de um momento mara-vilhoso da sua vida que demonstra essa idéia. Ele estava hámeia hora tentando explicar a espiritualidade a um amigo, dis-sertando sobre todas as complexidades do eu, sobre a libera-ção e o esclarecimento, e sobre os ensinamentos de gurus esantos inspirados. Quando terminou, seu amigo fez uma longa

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pausa, sorriu e perguntou: - Você está falando de bondade?G. K. Chesterton, romancista e poeta inglês, traduz essa

idéia de uma forma linda: "A razão pela qual os anjos voam éque eles não dão muito peso a si mesmos."

Parar não tem medo de responder com um "Não!" às vozesque afirmam: "É egoísmo gastar tempo com você mesmo", "Avida é, por natureza, severa e triste" ou "Ria das dificuldadesdos outros, mas não das suas próprias". É algo que o estimu-la a descobrir sua própria voz, suas prioridades, sua própriasabedoria e sua própria alegria, em vez de seguir as impo-sições da sociedade.

Freqüentemente sabemos exatamente o que é bom para nóse o que, no momento ideal, nós escolheríamos. Nosso proble-ma é aquele sobre o qual S. Paulo reclamava em carta a umacomunidade de Roma: "As coisas que eu quero fazer, eu nãofaço; as que eu quero evitar, essas eu faço." (Rom. 7:17-19.)Parar é uma maneira de conseguir que você faça realmente ascoisas que quer.

Por falar em S. Paulo, eis um bom exemplo de como é ne-cessário incorporar o ato de Parar à sua vida. Paulo era tãoapressado, impulsivo e concentrado no trabalho, que precisouser Parado. Ele foi literalmente derrubado do cavalo e ficoucego, o que o obrigou a passar um tempo numa Escala de Via-gem em Damasco, sem fazer nada, a fim de ficar mais desper-to e recordar quem era. Isso lhe parece familiar? Quando eledespertou e recordou, sua visão voltou, ele mudou o rumo desua vida e transformou o mundo.

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Sobrevivi! Tenho que descobrir

o que vou fazer agora!

AGNES GOOCH, EM AUNTIE MAME

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- Tenho Medo!

"Tenho medo do mundo inteiro", disse o poeta Pablo Ne-ruda. "O medo da vida é a doença favorita do século vinte",acrescenta o autor William Lyon Phelps. De modo que quan-do deslocamos nossa energia e nosso foco para nossas raízes,é provável que o primeiro sentimento que venha à tona sejao medo.

Todos os sistemas de sabedoria, religião e filosofia concor-dam em constatar que o maior desafio de nossas vidas somosnós próprios. Se temos medo? É claro que sim. De novo é umpoeta que enxerga o que todos nós precisamos ver.

Escolha um lugar silencioso, respire fundo duas ou três ve-zes e leia em voz alta este poema de Pablo Neruda. A leiturairá desacelerá-lo, fazendo com que ele se cale mais profunda-mente dentro de você.

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Medode Pablo Neruda

Ficam todos atrás de mim para eu me exercitar,entrar em forma, jogar futebol,me apressar, até ir nadar e voar.Bastante razoável.

Ficam todos atrás de mim para eu me acalmar.Todos marcam consultas médicas para mim,me olhando daquele jeito inquiridor.O que é isso?

Ficam todos atrás de mim para eu fazer uma viagem,entrar, partir, não viajar,morrer, e de forma alternativa, não morrer.Não importa.

Ficam todos vendo coisas esquisitasnas minhas entranhas, subitamente chocadoscom os radiopavorosos diagramas.Não concordo com eles.

Ficam todos escarafunchando a minha poesiacom seus garfos e facas incansáveis,tentando, sem dúvida, encontrar uma mosca.Tenho medo.

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Eu tenho medo do mundo inteiro,medo da água fria, medo da morte.Sou como todos os mortais,incapaz de ser paciente.

E assim, nesses dias breves e fugazes,vou tirá-los da cabeça.Vou me abrir e me encarcerarcom meu inimigo mais traiçoeiro,Pablo Neruda.

O que é que Neruda nos diz sobre o medo? Eis como inter-preto esse poema: "Todo mundo está tentando me dar conse-lhos. 'Faça isso, faça aquilo! Não faça isso, não faça aquilo!' Seique estou doente, mas ainda estou aqui e ainda estou no co-mando! De modo que vou ignorar todos vocês e fazer o queé mais importante num momento como esse: encarar os meusmedos e encarar o que sempre foi o meu desafio mais sério -eu mesmo."

Visualizo Neruda com seu semblante velho e sábio, incli-nando-se para nós e murmurando nos nossos ouvidos: "Estouescrevendo para você, você que está lendo este poema. Façaisso já. Dedique tempo para si mesmo agora, enquanto aindapode."

Talvez você se pergunte: "Agora que estou Parado, nem queseja por um instante, como posso ter certeza de ficar legal enão ter que enfrentar mais do que posso?"

Pois eu lhe respondo: Parar será absolutamente seguroquando os medos não o dominarem mais. Isto não quer dizer

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que eles vão desaparecer, mas que não irão controlá-lo. E pormais paradoxal que pareça, ao ir ao encontro dos seus medos,você se libertará deles.

Saímos de nossos medos entrando neles. Entrar neles envol-ve três processos simples: observar, identificar e contar. Seusmedos diminuirão gradualmente e perderão a força à medidaque você for aprendendo esses três processos. Primeiro obser-ve os seus medos; depois identifique-os; e por fim conte a his-tória desses medos para outra pessoa.

Lembre-se da história de Naaman. Era o grande general quehesitava em curar sua doença seguindo o conselho do profe-ta, banhando-se sete vezes no rio, porque aquilo lhe pareciasimples demais. Eis uma boa hora para recordar a lição queaquela história nos transmite: a importância de respeitar o po-der dos atos simples. Por favor, não subestime a força dessesatos simples da alma: observar, identificar e contar.

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Inimigos silenciosos e ocultos devem ser mais temidos

do que aqueles que se expressam abertamente.

CÍCERO

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Vendo o Inimigo

Qual é a primeira coisa que você nota durante o ato de Pa-rar? Bom, se você é como eu, perceberá que seu corpo podeestar Parado, mas sua mente continua correndo. E como corre!A tagarelice interna parece interminável.

Atualmente há na televisão americana um anúncio de pilhas.É um coelhinho mecânico que nunca pára de marchar, indosempre em frente, em frente... batendo o seu tambor e queren-do transmitir, é claro, que suas pilhas são de longa duração.

Esse coelhinho é uma boa metáfora para toda a tagareliceinterna. Tal como o coelhinho, a ruidosa conversa consigomesmo não pára, quer você a perceba ou não, quer esteja ounão escutando, e mesmo que você pareça ou não se importar.O propósito tanto do coelhinho quanto do ruído interno équase sempre funcionar como um disfarce, isto é, alguma coi-sa que o distraia para que você não preste atenção a outracoisa: como encarar os seus medos.

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Portanto, simplesmente observe. A partir de agora, de tem-pos em tempos e sempre que se lembrar, observe o que a suatagarelice interna está dizendo.

Observando-a, você conseguirá um mínimo de controle so-bre ela e talvez seja até capaz de aquietá-la de vez em quan-do. Aquietar a tagarelice interna é um dos objetivos do Parar- compreender isso foi um verdadeiro marco para mim -, masé um objetivo que ninguém conseguirá jamais alcançar inteira-mente. É uma tarefa desafiadora. Todos os santos, monges emestres espirituais nos dizem que ainda estão em busca desseobjetivo, de modo que temos que ir com calma. Mesmo que asilenciemos, a tagarelice voltará. É da natureza do ser humano.

Aqui estão algumas perguntas para você observar e identi-ficar melhor seu barulho interno: sua tagarelice tem a formade palavras e frases? Tem a voz de alguém que você conhece?Talvez seu pai ou sua mãe, o patrão ou um amigo? Acontecemais em certas ocasiões do que em outras? Sua tagarelice separece mais com imagens ou cenas de cinema que ficam cor-rendo pela sua cabeça? Talvez sua tagarelice assuma o aspec-to de "ciclos de preocupação", em que a mente fica repassan-do incessantemente os mesmos pensamentos que só servempara prejudicar a saúde. Qual é o conteúdo da sua tagarelice?Trabalho, família, passado, futuro, relacionamentos ou triviali-dades? Simplesmente observe-a e identifique-a, mas, por favor,sem julgá-la.

Observar e identificar significa que você não está atribuin-do um juízo de valor ao que aparece. É assim que deve sercom todas as suas experiências durante o processo de Parar.Surja o que surgir, a primeira coisa a fazer é simplesmente dei-

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xar que ela surja e fique ali. Isso é que é observar e identificar.Muitas vezes eu me vejo querendo julgar o que identifico,arruinando tudo. Não adianta achar que eu não deveria estarouvindo todo esse barulho interno. Ele simplesmente existe,só isso. E é moralmente neutro: não há virtude nem culpaenvolvidas. Para os que foram criados em sistemas religiososque condenavam os chamados "maus pensamentos", pode sermais difícil não se julgarem por experiências, emoções e senti-mentos que surgem espontaneamente.

Minha própria tagarelice interna é muitas vezes musical.Pode me levar à loucura. A maioria das vezes acontece quan-do estou sozinho, especialmente quando estou caminhando,coisa que adoro fazer. Saio caminhando alegremente, queren-do me livrar dos problemas, encantado com a natureza. E aícomeça a maldita música. Fica na minha cabeça, não é repou-sante e tenho muita dificuldade para fazê-la parar.

O que os mestres me dizem é: "Simplesmente observe-a,David. Só isso. Observe-a." Observar é valioso. Observar é efi-caz. Observar é um meio mais poderoso do que pode parecerà primeira vista. Ao observar e identificar sua tagarelice inter-na, ela começa a perder força. Quando localizamos qualquerinimigo que esteja conspirando contra nós - no caso, a tagare-lice interna -, enfraquecemos sua posição, porque ele perde opoder que tinha quando estava escondido, atuando sem serpercebido. A emboscada já não é mais possível.

O que você com certeza notará a respeito de observar eidentificar é que isso também é um meio de criar uma PausaBreve. Respire uma ou duas vezes mais profundamente e seconcentre em descobrir qual é a natureza da tagarelice inter-

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na. Esta pode ser uma boa forma de fazer a maioria das suasPausas Breves, enquanto vai incorporando o processo de Pa-rar ao seu cotidiano.

Quando a sua tagarelice interna se acalmar um pouco, vocêpoderá identificar melhor os seus medos que ela está tentan-do esconder, evitando que você os note e fazendo com queeles continuem a dominá-lo.

De modo que o próximo passo é identificar os seus medos.Simplesmente observe-os e identifique-os. Só isso. Observar éo oposto de reprimir ou afastar os medos. Em vez disso, é ape-nas reconhecer a sua existência: "Ah, sim, tenho medo de gen-te agressiva. Tenho medo de altura, de cachorros, do escuro ede lugares isolados..."

Quero dizer o seguinte sobre os medos: não se surpreendase não encontrar nenhum! A experiência com pessoas em tera-pia me ensinou que isso acontece muitas vezes. Elas acabamdescobrindo que aquilo que mais temem é o próprio medo.Como Henry David Thoureau, elas são capazes de afirmarhonestamente: "Nada deve ser tão temido quanto o medo emsi." Oitenta anos mais tarde, Franklyn D. Roosevelt diria a mes-ma coisa no seu discurso de posse: "Nada temos a temer, ex-ceto o próprio medo."

- Eu achava que todos aqueles monstros saltariam sobremim vindos do meu poço psíquico profundo e escuro — dissemeu cliente Roger ao tentar descobrir por que seus relaciona-mentos pareciam não funcionar como ele esperava. No casode Roger, a percepção de que não havia monstros horríveisescondidos à sua espreita deu-lhe muita confiança e modifi-cou seu modo de se relacionar com as pessoas. Não é que ele

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não tivesse nenhum medo, pois todos nós tememos algumacoisa, mas seus medos já não eram monstros incontroláveis,eram simplesmente medos domésticos e comuns, com osquais ele podia lidar.

Alguns clientes mencionam uma experiência secreta e ame-drontadora de sua vida atual ou passada, querendo ver comoeu reajo, para verificar se aquilo é algo que devam realmentetemer. Quando balanço a cabeça compreensivamente e digo"É, muita gente tem esse tipo de experiência", ouço um suspi-ro de alívio e sei que um medo possivelmente sério e trauma-tizante se transformou numa parte administrável das suasvicias.

Mas vamos dizer que você de fato encontre alguns medos.O que significa observá-los e identificá-los? Como se faz paraidentificar um medo? Se você pudesse ler minha mente quan-do observei meus medos antes de abandonar o sacerdócio,teria ouvido algo assim: "Tenho medo de perder os valoresque vêm sustentando a minha vida até aqui. Estarei perdendoa minha fé? Tenho medo de romper com meus votos públicose solenes. O que minha família e meus colegas irão pensar demim? Tenho medo de ser um fracasso e ser chamado de padrefracassado. Tenho medo de não ser capaz de me sustentar, jáque só fui treinado para ser padre. Será que encontrareialguém com quem poderei construir um relacionamento paratoda a vida? Eu me sinto muito por fora nessa área e morro depavor de ter um encontro amoroso." A lista seria interminável.Como disse Neruda, eu poderia ter dito: "Tenho medo. Tenhomedo do mundo inteiro."

Durante a minha Parada Geral de um mês, consegui obser-

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var e identificar meus medos. Simplesmente deixei-os vir enotei sua presença. Registrei-os, dizendo: "Aqui está um, aliestá outro e acolá está mais outro." Eles apareciam espon-taneamente porque eu não os estava escondendo. Sabia queeles estavam lá, e eles sabiam que eu sabia.

Observar e identificar é como estar aberto: você simples-mente absorve a informação e assinala a presença dos dados,tomando ciência deles, notando-os e guardando-os. Tenhocerteza de que você vai ficar surpreso com a força e os resul-tados desse processo.

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AROLDO: Quando você se defronta com a placidez da

natureza, consegue até se ouvir pensando.

CALVIN: Isto está me deixando nervoso. Vamos entrar.

BILL WATTERSON, CALVIN E AROLDO

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Tomando Posse do Seu Medo

O segundo passo é nomear os seus medos. Nomear paramim é qualquer processo em que você fale com ou sobre suatagarelice interna e seus medos ocultos. Às vezes, nomear édar um nome ao medo (Seu nome é "Medo do Fracasso"!),conversar com a sua tagarelice interna pedindo que fiquequieta (Silêncio, por favor!), ou mudar as palavras que vocêusa para falar sobre os medos (em vez de dizer "Tenho umgênio terrível e ele me apavora", diga "Esse meu gênio é umatremenda energia. Como é que quero usá-la?"). Freqüentemen-te nomear é personificar os sentimentos, transformando-os em"pessoas", para que você possa interagir com eles: "Oi, Medoda Censura, aí está você de novo! Ah, aqui está o Medo deNão Corresponder às Expectativas, ele é um velho conhecido!Ah, é você, Medo de Acontecer o Pior, pensei que você tinhasumido de vez!"

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Nomear é importante porque nos dá poder sobre o objetonomeado. Quando você nomeia um bicho de estimação, umbarco ou - principalmente - seus próprios filhos, você assumeuma posição de poder e responsabilidade sobre eles. O mes-mo acontece com os ruídos e medos internos, se você osnomear.

Ao nomear, você também está aceitando a propriedade. Narealidade, está dizendo: "Estes são os meus ruídos internos. Euos reconheço e aceito como sendo os meus medos, e de maisninguém." Pense nisso: se eles pertencem a você, como defato pertencem, então você pode ter poder sobre eles.

Ruídos nomeados e medos encarados são ruídos e medosenfraquecidos. Agora eles são seus, não é você que é deles.

Uma das maneiras em que uso o ato de nomear é a se-guinte: meu incessante e indesejado ruído interno - ou con-certo musical involuntário - muitas vezes quase me leva à lou-cura. Fico farto dele e me exaspero. Na realidade, há vezes emque sinto vontade de massacrar aquele coelhinho corredor,tanto o da televisão quando o da minha cabeça. De modo que,quando começo a me sentir assim, eu paro, respiro e observo- uma Pausa Breve. Continuo observando. Depois nomeio.Por exemplo, converso com minha tagarelice e música inter-nas. O que digo freqüentemente é algo que aprendi com meupai.

Quando eu era menino e ficava brincando ruidosamentecom um amigo lá em cima no quarto, às vezes meu pai grita-va do andar térreo: "Abaixa aí essa matraca!" Aquilo produziaefeito porque ele não o fazia sempre, por isso a coisa me cha-mava a atenção e eu parava imediatamente de fazer barulho.

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De modo que hoje repito as palavras de meu pai, dizendo:"Abaixa aí essa matraca!" para a minha tagarelice incessante eminha música indesejada. Ocasionalmente isso ajuda. Outrasvezes eu simplesmente resolvo continuar a observá-las, ten-tando novamente mais tarde.

Assim, usar uma frase ou uma palavra - especialmente umaque tenha significado para você - é algo que pode ajudar.Concentrar-se nela e repeti-la baixinho para você mesmo podesilenciar o barulho. Se não funcionar, simplesmente observe.Observar e nomear têm o efeito de enfraquecer esses hós-pedes invasores.

Um meio eficaz de nomear durante as suas Paradas, mesmoas mais breves, é dar nome aos medos que você tem nocorpo. Muitas vezes o corpo se lembra do que a mente esque-ce. Nesses casos, ele pode segurar os medos e apresentá-los avocê através de dor, tensão, machucados, rigidez e pontosdoloridos. Quando você sente um desconforto inusitado noestômago, às vezes pensa: "O que será que havia naquelesanduíche de atum que eu comi no almoço?" Para descobrir acausa real talvez fosse melhor perguntar: "Com quem eu almo-cei?" ou "Sobre o que conversamos?" Quando a tensão no seupescoço e ombros se torna insuportável, talvez não seja sim-plesmente falta de exercício, mas o medo que você está car-regando ali. Quando identificamos o medo, ele fica enfraque-cido. Ao dar nome ao medo, você consegue fazer as pergun-tas certas.

Carolyn Myss, uma médica dotada de grande intuição, nosdá um precioso conselho: "Uma das melhores formas de lidarcom o medo é mudar o seu vocabulário. Comece por aí e veja

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os resultados. O poder da linguagem é maior do que sepensa." Há pessoas que se consideram vítimas da vida e falamcontinuamente de seus sofrimentos. "Se resolvo não pensarmais em mim mesma como uma vítima", continua Myss, "nãousarei o vocabulário de vítima e isso trará uma grande mu-dança em minha vida. Quando você pára de usar palavras devítima, fica mais atento. Isso mudará a sua percepção, comconseqüências diretas para os seus sentimentos e a sua auto-estima. Você vai ficar surpreso com a transformação."

Este procedimento funciona como uma profecia. Se, ao mereferir a mim mesmo, ainda que internamente, eu continuarusando um vocabulário tal como "com medo de não me darbem", "com medo de nunca encontrar o parceiro certo", ou"preciso sempre da aprovação dos outros", é provável que eupersista nos meus medos. A percepção de Myss é que mudai-as palavras que usamos para descrever nossos medos é umgrande passo para nos livrarmos deles.

Há um medo de que precisamos falar aqui: é o medo quequase sempre faz parte de todos os outros medos, especial-mente daqueles que surgem quando estamos Parados. Seunome é Medo da Morte. E mais forte ainda, seu nome é Medoda Minha Morte. Lembre-se do poema de Neruda, "Medo". Opoeta percebe que provavelmente está morrendo e é isso quefaz surgir o medo. Lembre-se também do que ele faz com essemedo: convive com ele e o acolhe.

Aqui eu quero apenas dar um nome a esse medo: "Você éo Medo da Minha Própria Morte." Ao dizer-lhe para chamareste medo pelo nome, espero ajudá-lo a reconhecer a sua pre-sença e a ficar - se ainda não ficou - à vontade e familiariza-

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do com ele. O fato de todos nós estarmos em processo demorte não precisa ser triste ou deprimente. Na verdade, aceitaressa realidade pode se tornar algo maravilhosamente liberta-dor. Nosso princípio ainda - e talvez principalmente - se man-tém verdadeiro aqui: ao enfrentar seus medos, você se livradeles.

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Fico me perguntando como é que aquelesque não escrevem, compõem ou pintam

conseguem escapar do medo,que é inerente à condição humana.

GRAHAM GRKKNE

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Um Alivio Revelador

Talvez a coisa mais importante e eficaz que podemos fazerem relação aos nossos medos seja compartilhá-los com outrapessoa. É isso que quero dizer quando falo em contar: revelara alguém os seus medos. Revelar é algo que alivia. E quantomais secreto e escondido o medo, maior a eficácia e o alívioda revelação. Na realidade, essa é uma das maneiras de se en-xergar o processo da psicoterapia: uma pessoa revelando,confiando e compartilhando a sua vida com outra.

Para mim, um dos momentos mais fortes da literaturacontemporânea sobre psicoterapia é um capítulo do livro deIrving Yalom, Love's Executioner. Ele fala de uma cliente, umamulher que precisava aprender a confiar de novo. Um dia, du-rante uma das sessões, ela simplesmente esvaziou o conteúdode sua bolsa e passou a contar histórias - significados, valores,

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sentimentos - relacionadas a todos aqueles itens que estavatirando para mostrar ao terapeuta. Foi incrivelmente simples eincrivelmente profundo, e ela saiu da sessão mais capaz deconfiar, menos sobrecarregada, menos temerosa. E IrvingYalom considerou aquela a melhor sessão de terapia que já fi-zera até então.

Aprendi o poder de compartilhar o medo com minha irmãmais velha. Eu tinha cerca de oito anos e estava começando aouvir e a usar a linguagem proibida dos adultos (pecaminosa,suja e blasfema), o que me dava um grande medo e muita cul-pa. Numa noite de verão, minha irmã perguntou casualmentese eu já dissera algo horrível, como "Que bosta!". Ainda possosentir o enrubescimento do meu rosto infantil ao ouvir aque-la pergunta que me encheu de culpa. Por alguma razão eu res-pondi "Já", talvez por perceber a boa vontade dela e me sen-tir seguro. Lembro-me claramente do que ela disse: "Ah, tudobem, não se preocupe, às vezes eu também faço isso." Foi umdaqueles momentos de surpresa e descoberta. Ao comparti-lhar meu medo culpado, eu o perdi. Pensei: "Minha irmã é tãoboa que, se ela diz essa coisa, isso não pode ser tão ruimassim." E imediatamente depois: "Eu sou que nem todo mun-do." Que alívio enorme eu senti! Nesse dia eu comecei a meaceitar melhor.

A quem você pode revelar os seus medos? Esta não é umapergunta fácil e as respostas serão diferentes para cada um. Aseu parceiro ou a seu sócio? Muitas vezes estes são os confi-dentes mais difíceis, seja por estarem envolvidos no medo,seja por ficarem ameaçados demais para poderem compreen-der. A um pai, mãe, irmão ou irmã? Não são muitas as pessoas

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de sorte que têm um relacionamento assim com um membrode sua família mais próxima. Na maior parte das vezes será umamigo com quem você possa abrir completamente seu cora-ção. Que dádiva! Uma dádiva a ser guardada como um tesou-ro, se você a possui. Algo a ser buscado e cultivado, se vocêainda não tem.

Antes de compartilhar seu medo com outra pessoa, é comose você estivesse sozinho em casa e ouvisse alguém mexendona porta da frente. O apoio que um amigo lhe dá é como umavoz familiar à porta: "Não tenha medo. Sou eu, pode abrir."Que afirmação reconfortante! O medo se transforma imediata-mente em conexão. Você já não está mais sozinho com seusmedos. Que maravilha é poder revelar para alguém o fardoque carrega. O peso é aliviado e o medo se dissipa.

O medo nunca nos abandona completamente. E, de certomodo, é até necessário para a nossa segurança. O medo nosajuda a tomar cuidado. Por exemplo, não vale a pena perderinteiramente o seu medo de altura, de substâncias perigosas,de gente agressiva ou de animais ferozes. Fazer isso seria colo-car-se em perigo. Não, os medos de que estamos falando aquisão os irracionais, inibidores e autodestrutivos.

Alguns dos anos mais maravilhosos do meu sacerdócioforam passados servindo numa missão paroquial na Colômbia,América do Sul. Eu e alguns dos meus companheiros vivemosuma experiência amedrontadora lá. Levamos muita pedrada.

A equipe religiosa de nossa paróquia estava indo de carropara o aeroporto. Recentemente houvera um boicote de todosos ônibus públicos devido a um drástico aumento das tarifas.As pessoas simplesmente deixaram de usar os ônibus, que pa-

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raram de circular e a cidade ficou paralisada. Noticiavam-sesurtos de violência e muitas vezes os carros particulares eramatacados. Mas achamos que o tumulto tinha passado e que jáera seguro sair.

Passamos por uma experiência terrível. Fico espantado atéhoje quando penso que escapamos ilesos. A multidão jogavapedras, que atingiram mais de cem vezes o carro, estilhaçan-do as vidraças. Quando tudo terminou, começamos a contar aexperiência uns para os outros e para qualquer pessoa quenos escutasse. Até hoje, quando nos encontramos, falamossobre isso. Foi através dessa narrativa que nós nos recupera-mos, aprendemos uma lição e tentamos encaixar aquelaexperiência no contexto de nossas vidas. Imagine tentar silen-ciar a respeito de uma experiência dessas! Até agora, ao escre-ver sobre ela, e portanto contá-la de novo, descubro novossignificados e novas lições.

O medo pode ser contado de muitas maneiras, não apenaspara outra pessoa, mas para o mundo. No decurso da históriahumana, os medos sempre motivaram grandes expressõesartísticas e científicas. Como o romancista Graham Greene noslembra na epígrafe que abre este capítulo, o medo motiva osartistas a falarem ao mundo sobre suas percepções mais pro-fundas. Será essa uma maneira de você falar do seu medo? Deque forma seu medo pode levá-lo a se expressar artistica-mente, revelando para todos nós as suas percepções?

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A coisa mais aterrorizante ése aceitar completamente.

CARL JUNG

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O Pensamento Impensável do Médico

Em sua autobiografia Memories, Dreams, Reflections, CarlJung, um dos mais eminentes médicos e psicólogos do séculoXX, conta uma história da época em que tinha cerca de dozeanos de idade. A história fala de superar o medo entrando ne-le, observando, identificando, dando nome e contando:

- Num belo dia de verão... saí do colégio ao meio-dia e fuipara a praça da catedral. O céu estava incrivelmente azul, odia era de uma claridade radiante. O telhado da catedral bri-lhava, com o sol faiscando nas novas telhas brilhantes.

- Fiquei arrebatado pela beleza daquela vista, pensando: "Omundo é lindo, a igreja é linda, Deus fez tudo isso e está sen-tado lá em cima, longe, num trono dourado no céu azul e...",nesse momento surgiu um grande buraco nos meus pensa-mentos e eu me senti sufocado. Fiquei paralisado, repetindopara mim mesmo: "Não continue a pensar! Alguma coisa ter-rível está vindo, algo em que eu não quero pensar, algo de

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que nem ouso me aproximar... porque isso seria cometer omais pavoroso dos pecados."

Jung, filho piedoso de um clérigo, descreve então tudo oque fez para afastar aquela visão e não ceder a ela. Conta co-mo sua mãe ficou preocupada com o seu comportamento es-tranho, como ele perdeu o sono e teve muito medo de que,se deixasse o pensamento se aproximar, estaria mergulhandodiretamente no inferno. Ficou realmente aterrorizado.

Depois de passar por uma grande ansiedade, sentindo-secompletamente sozinho em sua angústia sofrida, ele final-mente conseguiu resolver o conflito: "Deus também desejaque eu mostre coragem. E se é assim... ele me concederá suagraça... Reuni toda a minha coragem, como se estivesse pres-tes a mergulhar no fogo do inferno, e deixei o pensamento seaproximar."

- Vi à minha frente a catedral, o céu azul. Deus sentado noSeu trono dourado, muito acima do mundo. De repente, dedebaixo do trono um cocô enorme cai sobre o novo telhadobrilhante, estilhaça-o e quebra em pedaços as paredes da cate-dral. Então era isso! Senti um alívio enorme, indescritível.

É claro que muita coisa poderia ser dita sobre o significadodessa imagem. Mas o que importa para nós é que ele supe-rou o seu medo entrando nele e deixando-o vir. Ele diz: "Porque Deus maculou Sua catedral? Para mim, este era um pen-samento terrível." Mas foi também um pensamento importantepara ele, um elemento-chave no desenvolvimento dos seusensinamentos sobre o arquétipo da Sombra que é fundamen-tal para a visão que muitos têm da natureza humana.

Essa história de Jung demonstra de maneira bem clara os

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três passos para se lidar com os desafios do processo de Parar.Observar: Algo está vindo aí... Algo em que não quero pensar.Identificar para dar um nome: Então era isso!

A narração desta história nos faz lembrar que não estamossozinhos no desafio de revelar nossos medos a outros. DizJung sobre essa experiência: "Jamais teria me ocorrido falarabertamente da minha experiência... jamais conseguiria falarsobre ela com meus amigos." Ele conta que acabou falandodela com a esposa, mas isso foi muitos anos depois. A nar-ração mais completa se deu ao incluí-la em suas memórias.Levou muito tempo, mas ele finalmente a revelou.

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Senhor! Ensinai-me a arte de tirar pequenas fériaspara que eu possa saber... que a vida é mais

do que medir a sua velocidade.

ORAÇÃO AMERICANA ANÔNIMA

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Contando a Deus

Rezar é algo que pode nos ajudar a encontrar a coragemnecessária para lidar com nossos medos. Lembro-me da con-versa que tive com uma mulher há alguns anos, quando eu erapadre. Ela estava doente e tinha medo do que poderia acon-tecer. Falávamos da doença, quando ela mudou um tantoabruptamente de assunto, dizendo: - Padre, estou há bastantetempo preocupada porque acho que não sei rezar muito bem.- Conversamos sobre isso por uns instantes, e então pergun-tei: - Como é que você reza? - Com uma expressão um poucoconstrangida ela respondeu: - Bom, eu fico sentada na frentede Deus, e a gente fica olhando um para o outro. É só issoque eu tenho vontade de fazer.

Lembro-me dessa conversa porque ela me ensinou uma li-ção tardia sobre o ato de rezar e uma lição precoce sobre oprocesso de Parar. Aquela mulher era contemplativa, embora

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não tivesse a menor idéia disso. Ela revelava a Deus todos osseus medos simplesmente (simplesmente?) estando aberta àpresença de Deus. Rezar pode ser apenas pôr-se em contatocom Deus. Isso é capaz de diminuir os medos.

Atualmente está sendo publicada uma enxurrada de artigose estudos, alguns provenientes de fontes médico-científicas,que dizem que os pacientes que rezam, ou têm médicos querezam com eles ou por eles, ficam curados mais rápido e com-pletamente. O Dr. Herbert Benson divulgou uma pesquisacujo resultado indica que a capacidade de combinar um méto-do simples de meditação com "o sistema pessoal de crença dapessoa pode produzir... efeitos internos poderosos". O que oscientistas descobriram, os santos e os fiéis já sabem há muitotempo: rezar é algo que atua nos medos da alma e até mesmono corpo.

Rezar é muito mais simples e imensamente mais amplo doque é freqüentemente admitido pelas religiões. Em geral com-plica-se demais o ato de rezar. Eu gosto muito da descrição daminha antiga paroquiana: "A gente simplesmente fica sentadoolhando um para o outro." Há muitas outras descrições: falarcom Deus, comunicar-se com o Divino, conversar com Deus,conectar-se ao seu poder superior ou estar aberto e receptivoa Deus. Mahatma Gandhi disse: "Rezar não é pedir, rezar é umanseio da alma." O Papa João XXIII considerava todos os as-pectos de todos os momentos de sua vida como uma oração.Seja qual for o nome com que você se refere ao Divino, umtempo passado em sua presença cura e diminui os medos.Simplesmente, rezar é uma atitude do coração, e essa atitude émais intensamente cultivada durante os momentos de Parada.

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Aldous Huxley escreveu: "Apreendemos (Deus)... no espa-ço que separa os traços salientes de um quadro... nas pausase intervalos entre as notas de música." Sua declaração encaixaperfeitamente o ato de rezar na idéia fundamental do Parar:encontramos as partes mais importantes da vida nos espaçosentre as notas. Deus está ali, assim como Deus está nos espa-ços da sua própria vida. Huxley acrescenta uma dimensão vi-sual quando fala do espaço entre os traços de um quadrocomo um lugar onde se pode achar a presença divina. O quena arte é chamado de espaço negativo, ou seja, o espaço entreos traços, transforma-se em espaço positivo para aqueles queestão Parando.

Rezar, como Parar, é o espaço entre as notas da vida. Sevocê consegue rezar - contar a Deus -, talvez encontre o me-lhor caminho para lidar com os medos durante suas Paradas.

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Nós Já Temos Cem Anos de

Psicoterapia e o Mundo Está Piorando

TÍTULO DE UM I.IVRO DE JAMES HILLMAN E MICHAEL VENTURA

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Uma Ajuda para Obter Ajuda

Às vezes observar, nomear, c:ontar e rezar não bastam, e vo-cê precisa de ajuda. Se você precisar de ajuda para enfrentarseus medos, vou lhe dar algumas sugestões sobre terapia:

Primeiro, a terapia não precisa durar muito tempo. Talvez oque hoje em dia se chama "terapia rápida" (de três a quinzesemanas, uma vez por semana) seja tudo de que você precisa.A terapia pode apressar a cura, contribuindo para o seu cresci-mento e para a solução dos seus problemas.

Segundo, você pode obter ajuda competente a preços ra-zoáveis. Já existem clínicas que fazem atendimento a um customais baixo. Os departamentos de psicologia das universidadestambém são alternativas interessantes.

Se você pertencer a uma igreja e houver nela uma pessoaem quem você confie, peça sua ajuda. Fique bem atento parao seguinte: não pode ser alguém que o julgue ou diga o quevocê tem que fazer. A função do conselheiro é ouvir com

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abertura e empatia, tentando descobrir com você qual o cami-nho de solução do problema. Pode não ser um terapeuta pro-fissional, mas alguém com experiência e sabedoria a quemvocê pode procurar regularmente em busca de encorajamen-to, conselho ou simplesmente para ser ouvido com afeto einteligência.

Quarto, a maior parte das terapias não se dirige a pessoascom distúrbios profundos, mas a pessoas como você e eu, emmomentos de crise, para ajudar-nos a superar as dificuldades.De modo que, por favor, não se sinta constrangido ou enver-gonhado em procurar uma terapia. Tem muito valor alguémque, em vez de conformar-se com o próprio sofrimento oudificuldade, procura auxílio para sair da situação. De um mo-do geral, as pessoas que mais precisam de tratamento são asque o tratam com preconceito. Não se importe com elas, cuidede si.

Quinto, pesquise. Se por alguma razão você não estiver sesentindo bem com o terapeuta que o atende, tenha coragemde deixá-lo e procure outro de que você goste. Não é vocêquem tem que se adaptar ao terapeuta, mas ele a você. É fun-damental sentir-se compreendido e acolhido, entender o queé dito e perceber que isso o ajuda. Confie na sua intuição.

E por fim eis uma resposta à pergunta freqüente: "Quandovou saber que chegou a hora de fazer terapia?" É hora de pro-curar terapia quando você sente que não consegue mais avan-çar ao lidar com seus medos. Quando você está realmenteempacado.

Recordo-me da primeira vez que fiz terapia. Estava estudan-do para me tornar terapeuta, e para minha formação era obri-

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gatório passar por uma terapia. Não fosse isso, eu certamentenão a teria feito naquela época. Levei três meses para acharum terapeuta, e quando o encontrei foi uma dádiva. Jovem,inteligente, sério e judeu. A princípio fiquei imaginando seaquilo ia funcionar: terapeuta judeu e cliente padre. Será queele entenderia os meus problemas? Mas ele era habilidoso einteligente. Quando não entendia um ou outro aspecto domundo católico, pedia para eu explicar. De modo que eu esta-va sempre lhe contando as minhas histórias, o que é a melhorforma de terapia.

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Tenho medo de nunca conseguir

começar de novo se eu parar!

ENFERMEIRA ESTRESSADA

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Sim, mas...

Deixe-me antecipar algumas das possíveis objeções a Pararque podem estar passando pela sua cabeça neste ponto do livro.

Objeção: - Olhe, já sei o que vai acontecer quando eu Parar.Vai aparecer a mesma coisa, aquela velha dor (ou raiva, culpaou medo) que eu conheço e detesto. Por que é que eu vouquerer pensar nisso? Já acabou, passou, e só vai doer mais.

Resposta: Pode ter certeza de que, quanto mais você tomarcontato com o sentimento que está dentro de você, menosforça ele terá para fazê-lo sofrer. A razão pela qual ele conti-nua a surgir é que nunca foi enfrentado para valer, ou nuncafoi encarado completamente. Quando você mantém a portatrancada contra o lobo mau, ele fica do lado de fora, rugindo,rosnando e fazendo você lembrar constantemente que ele estáali. Será que você está se acostumando a tê-lo bem ao lado daporta? Será que, de certa forma, você gosta dele ali?

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Tive no seminário um diretor espiritual maravilhoso, queera ao mesmo tempo sábio e engraçado. Quando eu confes-sava a ele, na linguagem piedosa daqueles dias, "Eu entretivepensamentos impuros", ele respondia: "Ei, ei! Vamos falar cla-ro, garoto, você não entreteve nada, eles é que entretiveramvocê!" Assim, talvez você esteja acostumado a manter as coisasfora do seu alcance apenas para que elas, de certo modo, "oentretenham". Abra a porta, convide o lobo mau a entrar, dêum nome a ele, acabe com isso logo e vá era frente! (Ficoimaginando o que o meu confessor teria dito se eu sugerisseeste plano em relação aos meus pensamentos "impuros"!)

Há outra idéia que devemos ter em mente como resposta aessa objeção: a negação criativa. A negação não é sempre má,e em alguns casos pode até ser benéfica. A negação salutardifere da negação doentia porque ela não é realmente umanegação: é uma abstenção temporária. Você pode ver issoclaramente em alguns doentes terminais. "Esta tarde não tenhocâncer. Não quero que ninguém fale nada sobre isso" - dissea menina de doze anos para sua família, quando saiu do hos-pital para passar uma tarde no zoológico. Este é um exemplode negação criativa que, por ser usada temporariamente paradiminuir a intensidade de uma realidade dolorosa, ou mesmofugir momentaneamente dela, é saudável. De modo que umaEscala de Viagem de negação salutar talvez não se pareçanada com uma Escala de Viagem, mas é.

Objeção: - Já tentei várias coisas parecidas com a medi-tação antes, e, para falar com franqueza, fico enormementeentediado. Não é que eu tenha medo de alguma coisa, mas

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não fazer nada me chateia tanto, que eu sempre passo paraoutra atividade que mantenha o meu interesse ou que seja útil.

Resposta: Comece com as Pausas Breves. Elas são tão cur-tas, que é impossível ficar entediado. Mas quero que vocêpense numa coisa: muitas vezes o tédio é um disfarce. Por is-so, como deve fazer com qualquer sentimento, comece sim-plesmente observando-o. Fique com ele durante algum tempo.Depois dê-lhe um nome, pois há vários tipos de tédio: "abor-recido", "desesperado", "irritante" ou "que-dá-sono". Concen-tre-se no tédio em vez de deixá-lo concentrar-se em você.Penetre nele. Personifique-o. "O que é que você quer comigo,Tédio? Do que é que você me está afastando?"

Repare que quando digo isso estou supondo que você nãoestá realmente entediado. Estar entediado significa estar desin-teressado, cansado e aborrecido. Ora, quando você está Para-do, você está sozinho com você mesmo e você certamentenão é uma pessoa desinteressante nem aborrecida. Mesmoque você se veja dessa forma, você não é. Ninguém é de fato,por mais que possa parecer!

Objeção: - Como filho de mãe alcoólatra, eu me sentia in-seguro e ficava sempre vigilante, à espreita do perigo. Minhatendência natural é dar atenção ao que está fora, a outras pes-soas, e não ao que está dentro, a mim mesmo. Fechar os olhose prestar atenção em mim são coisas que me assustam muito.Tenho medo de que Parar me faça ficar nervoso.

Resposta: A primeira resposta é que você pode ficar comos olhos abertos. Fechar os olhos não é essencial para Parar.Se isso ajudar, em vez de fechar os olhos, fixe o olhar em

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algum ponto do chão, da parede ou de algum objeto. Tente fi-xar sem olhar nem ver nada. Também sugiro que você comececom rápidas Pausas Breves e inclua nelas uma mensagem deauto-incentivo, um lembrete de que, nesse momento e lugar,você confia na segurança que deve existir em você. Comovocê se sente desconfortável ao voltar-se para dentro de si, eurecomendo que inicie os períodos mais longos de Parada con-centrando-se nos frutos da abertura e do propósito, e obser-vando a vida nas suas formas externas mais agradáveis: ao arlivre, escutando e recebendo. Depois, e apenas gradualmente,desloque o foco para dentro de si.

Objeção: - Eu simplesmente não tenho condição de fazerisso. Sim, é uma grande idéia num mundo ideal. Quem nãoadoraria simplesmente não fazer nada? Mas o mundo não éideal e o fato é que há coisas mais importantes para fazer doque o que você descreve como Parar. Pode ser até benéfico,mas me parece uma coisa frívola, se comparada com outras.

Resposta: É óbvio que Parar desafia o padrão fortementeenraizado em nossa cultura e conseqüentemente em nós mes-mos: o dinamismo, a pressa, o trabalho excessivo, a ginásticaviolenta, o olhar sempre voltado para a frente. O que eu reco-mendo neste caso são as Pausas Breves: tirar uns tantos minu-tos por dia, alguns segundos de cada vez, de forma a não tera sensação de estar desperdiçando tempo. Entretanto descon-fio que quando se diz que Parar é uma coisa frívola, talvez seesteja usando este argumento para esconder o medo ou a difi-culdade de olhar para sua própria vida interior. Então insisto:se você tem essa dificuldade, comece bem devagar, com ape-

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nas algumas Pausas Breves por dia, durante alguns meses. Váse acostumando vagarosamente com o ato de olhar para den-tro. Procure aos poucos desenvolver os três processos: obser-var, nomear e contar. Especialmente observar.

Objeção: - Tenho medo de que se eu parar, realmenteParar, como numa Escala de Viagem ou numa Parada Geral,nunca mais vá conseguir começar de novo. Nunca mais consi-ga voltar ao ritmo rápido exigido pela minha profissão. Tenhomedo de ficar permanentemente Parada!

Resposta: Se você se identifica com essa objeção, sugiro-lhe que avalie se essa afirmação não se deve mais a uma sen-sação do que a um fato concreto. Com isso quero dizer queessa objeção, da maneira como é formulada, revela um grandecansaço. As pessoas correm sempre o risco de interpretar osentimento momentâneo, decorrente de alguma situação espe-cial, como um fato permanente. Provavelmente você já fez al-guma coisa parecida com uma Escala de Viagem em algummomento da sua vida atarefada, e assim mesmo sobreviveu.

Essa distinção entre a sensação momentânea e o fato real éimportante para você ultrapassar sua resistência. Além domais, não é obrigatório passar para as Etapas de Viagem e Pa-radas Gerais, a menos que se queira. Para muitos, as PausasBreves serão suficientes. Comece por elas.

Objeção: - Quando faço algo, tenho que fazê-lo comple-to, até o fim. Se não for assim, parece que a coisa simples-mente não funciona. O mesmo acontece com Parar. Minhatendência é fazer imediatamente uma Parada Geral de três

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meses. Fazer o máximo. Fazer o melhor. O resto não vale apena.

Resposta: Essa objeção, que chamo de "Tudo ou Nada",parte em geral de pessoas que vão fundo nas coisas, que enca-ram a vida com grande energia e entusiasmo. Mas é impor-tante saber que Parar não vai num crescendo qualitativo, oque significa que as Pequenas Pausas não são inferiores às Es-calas de Viagem e que a Parada Geral seja superior às outras.Cada um escolherá a forma que mais lhe convier. Para certaspessoas, uma Parada Geral de três meses não é necessaria-mente melhor do que umas poucas Pausas Breves distribuídasdurante o dia. Poderia até ser menos benéfica. Você vai esco-lher o modo de dar sua Parada de acordo com seu tempera-mento, suas necessidades, o tempo disponível e todas as ou-tras variáveis do momento. Mais uma vez, comece com PausasBreves.

Objeção: - Eu quero fazer Pausas Breves, começo todo diacom a intenção de fazê-las, mas esqueço. Chego ao fim do diasem ter feito uma só.

Resposta: Aqui está uma idéia que pode ajudar: use artifí-cios que o ajudem a fazer uma Pausa Breve. Por exemplo, to-da vez que o telefone tocar, faça uma Pausa Breve antes deatender. Sempre que levantar da sua mesa de trabalho, façauma Pausa Breve. Faça isso toda vez que for ao banheiro, forbeber água, usar a copiadora ou abrir uma correspondência.Você pode incluir um lembrete para uma Pausa Breve no seuprotetor de tela ou em um bilhete fixado em sua mesa. Ensineesse processo aos seus colegas de trabalho ou a membros da

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família: o exemplo de uns estimulará os outros. Quando entrarno carro, antes de dar a partida ou antes de sair do carro, tireum instante para uma Pausa Breve.

A resposta a essa objeção tem muito a ver com a idéia deviver com propósito, de que tratamos no Capítulo 6. Como asPausas Breves não acontecem mais naturalmente como antiga-mente, temos que colocá-las intencionalmente nas nossasvidas. Sobretudo não desanime, pois seria uma pena perder aoportunidade de beneficiar-se com essas pequenas Paradas.Pode levar um certo tempo para incorporar o processo deParar à sua vida. Mas lembre-se dos benefícios e mantenha-sefirme.

Espero que as respostas a essas objeções acentuem a im-portância que as Pausas Breves têm no processo de Parar. Elassão a chave, o corpo e a alma do Parar. Na realidade, muitosusarão apenas as Pausas Breves, deixando as Escalas de Via-gem e as Paradas Gerais para uma época posterior, quandosua conveniência e possibilidade se tornarem mais claras. Massão as Pausas Breves que irão mudar a sua vida. Suavemente,à medida que as for fazendo, esses momentos preciosos lhetrarão os frutos do Parar. Também o convencerão, aos poucos,do valor das Escalas de Viagem e das Paradas Gerais, levan-do-o a desejar utilizá-las em sua vida.

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V

Descobrindo a SuaManeira de Parar

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Dia normal, deixe-me perceber

o tesouro que você é.

Deixe-me aprender com você, amá-lo,

abençoá-lo antes da sua partida.

MARY JEAN IRON

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"Parando num Bosquenum Fim de Tarde com Neve"

Como será o ato de Parar na sua vida? O que irá ajudá-lo aintegrar as três formas de Parar, adaptando-as a você, desco-brindo como, quando e onde você prefere exercer o ato deParar? Esta última parte do livro irá ajudá-lo a descobrir comoParar se encaixará nas suas rotinas diárias, mensais e anuais.

Este é o ponto crucial. Porque se você não Parar de verda-de, este processo não vai conseguir ajudá-lo. A escolha é sua:ou continuar sobrecarregado pelo seu ritmo frenético e peloproblema do demais, sem saber o que é realmente importantepara você, convencido de que não dispõe de tempo nem parauma Pausa Breve de trinta segundos, ou passar a ter uma qua-lidade nova e melhor de vida que trará paz e calma ao seucotidiano atarefado.

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Na intenção de reservar o melhor para o fim, aqui está umpoema que tem Parar no título: "Parando num Bosque numFim de Tarde com Neve", de Robert Frost. É um poema per-feito para nós a esta altura da jornada. Leia-o lentamente emvoz alta.

Parando num Bosque num Fim de Tarde com Nevede Robert Frost

Acho que sei de quem é esse bosque.Mas a casa do dono fica na cidade-,Ele não vai me ver parado aquiObservando seu bosque cheio de neve.

Meu cavalinho deve achar esquisitoParar sem uma casa de fazenda por perto.Entre o bosque e o lago congeladoNo fim de tarde mais escuro do ano.

Ele sacode os guizos do arreioPara perguntar se não há um engano.O único outro som é o soproDo vento tranqüilo e do floco macio.

O bosque é adorável, escuro e profundo.Mas eu tenho promessas a cumprir,E quilômetros a percorrer antes de dormir,E quilômetros a percorrer antes de dormir.

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Que maravilhoso exemplo de Parar! O poeta não faz nada,simplesmente pára e observa o bosque cheio de neve. Isso éo mais próximo que se pode chegar de não fazer nada. Já liesse poema tantas vezes, que formei uma imagem do narradorna minha mente. Ele está desperto e atento ao que o rodeia,ao seu isolamento no bosque e à ausência do proprietário. Esimplesmente senta-se em silêncio na neve que cai. Ouve osguizos e os interpreta como um questionamento por parte doseu cavalo. Sente o bosque e o nomeia: escuro, profundo eadorável.

Depois ele se lembra: tenho promessas a cumprir e qui-lômetros a percorrer antes de dormir. Isso é uma parte impor-tante de quem eu sou, alguém com compromissos e quilôme-tros pela frente. E aí, podemos imaginar, ele retoma seu movi-mento em direção ao seu destino, depois de ter parado paraobservar, recuperado do cansaço pela sua Parada.

Todos os elementos da nossa definição estão aqui: Parar énão fazer nada, é ficar totalmente desperto e recordar quemvocê é. Às vezes eu tomo o lugar do narrador, e sou eu quemestá sentado lá no meu trenó... observando a neve. Por isso,ler o poema se transforma numa Pausa Breve.

Esse poema também nos lembra que estamos longe da vidasimples descrita pelo poeta. Para ele, a Parada se dá à veloci-dade de uma viagem de trenó, enquanto que as nossas são àvelocidade da luz. Em qualquer dos dois casos, a escolha deveser Parar.

Então, todos nós precisamos descobrir nosso caminho pró-prio e único - os modos, tempos, lugares, lembretes, ocasiõese oportunidades - rumo ao que eu chamo de nosso "Bosque

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de Parada". Lá chegando, ficaremos simplesmente observandoo que está acontecendo: o barulho do vento nas árvores, o solque se põe, a relva que cresce ou apenas o que há do lado defora da janela. Pense um pouco: o que poderá levá-lo aos cur-tos momentos de Pausas Breves, aos períodos maiores de Es-calas de Viagem e à extensão maior, ocasional, de uma ParadaGeral?

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Se você é o que você faz,quando não faz, você não é.

CITADO POR WILLIAM J.BYRON, S.J.

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Permissão Concedida paraSimplesmente Ser

Em meus workshops sobre o processo de Parar, descobrique antes de viajar pelo caminho do Bosque de Parada é ne-cessário dar a todo mundo permissão para Parar, permissãopara não fazer nada e permissão para não sentir culpa. Im-pregnados como somos por uma rigorosa ética do trabalho,uma atitude severa em relação à religião e uma crença geralno progresso, é compreensível que ainda nos sintamos de cer-ta forma culpados ou errados quando não fazemos nada. Afim de incorporar o ato de Parar às nossas vidas, muitas vezesprecisamos de permissão. Assim, se você quiser e me der au-toridade para isso, eu agora lhe concedo permissão para nãofazer nada. Aqui estão algumas vozes que me apoiam:

"Todos temos que parar para contemplar nossa vida, antesde rir ou chorar. Estamos morrendo por isso, literalmente mor-rendo por isso", disse o poeta William Carlos Williams em

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1960, pouco antes de morrer. Note que ele nos encoraja parao ato de Parar, ou "fazer uma pausa diante da contemplaçãode nossas vidas", especificamente a fim de poder experimen-tar os sentimentos da vida humana "antes de podermos rir ouchorar". Quando ele diz "estamos morrendo por isso", acredi-to que o faça tanto no sentido literal quanto no sentido poéti-co: estamos arruinando nossa saúde porque não fazemos isso.

Uma poetisa mais contemporânea, Maya Angelou, tem asseguintes palavras para conceder-lhe a permissão de Parar:"Todos nós precisamos nos afastar das preocupações que nãose afastam de nós. Precisamos passar horas Perambulandosem rumo ou períodos de tempo sentados num banco de par-que, observando o mundo misterioso das formigas e a cober-tura das copas das árvores." Gosto muito dessa imagem "preo-cupações que não se afastam de nós", como se estivessemgrudadas em nós e a única maneira de nos livrarmos delasfosse com "horas Perambulando sem rumo".

Note que ambos os poetas usam o verbo precisar. Não setrata de uma opção. Por favor, tome nota: nós - eu e os poe-tas - agora concedemos a você permissão para Parar. Será quevocê é capaz de concedê-la a si mesmo de forma tão espon-tânea e alegre? Essa é a verdadeira questão.

Na tradição judaico-cristã, Deus designou o sábado comodia de descanso. O que aconteceu com isso? O sábado e o do-mingo ficaram tão atribulados quanto qualquer segunda-feira.Jesus, que freqüentemente passava períodos isolado, ficoutambém quarenta dias e quarenta noites no deserto, afastadoe sozinho. Uma vez chegou até a advertir Marta, que corria deum lado para o outro fazendo coisas, dizendo que sua irmã

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Maria, que permanecia sentada em silêncio, tinha "escolhido amelhor parte". Num dos meus workshops, uma freira contoucomo sua comunidade interpreta essas palavras: "Pare aí edescanse um pouco. Porque se não descansar, você vai serobrigada a parar." É um bom slogan para Parar.

São Francisco sempre saía sozinho para contemplar e falarcom os animais, ficando calado e isolado. A iluminação veio aBuda quando ele estava em contemplação, sentado tranqüila-mente debaixo de uma árvore, sem fazer nada. De fato, todasas tradições religiosas não apenas concedem permissão para oque eu chamo de Parar, mas estimulam enfaticamente essa ati-tude e falam dela como algo necessário para qualquer vidamais plena.

A citação de William Byron na abertura deste capítulo mos-tra o perigo que todos nós corremos de nos tornarmos um "fa-zer humano": se você se identifica tanto com o que faz - pro-fessor, enfermeira, técnico, doméstico, médico, faxineira,motorista, advogado ou negociante -, quando não está fazen-do esse trabalho específico, você perde a noção de quem é.Você pára de ser e se perde. Por outro lado, se você desempe-nha o seu trabalho como algo que, embora importante, é ape-nas algo que você faz, fica livre para continuar a ser quemvocê sempre foi e continuará a ser, mesmo que mude de tra-balho ou profissão.

Os professores de medicina David Waters e Terry Saundersnos contam a história de uma mulher que, frustrada, pergun-tou ao marido, um médico excessivamente atarefado: "O queé que você tem no trabalho que não tem em casa?" Ele pen-sou por um minuto e respondeu: "É o único tempo em que eu

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realmente sinto que sei quem eu sou." Eis um homem paraquem ser e fazer são a mesma coisa. Esse problema, extrema-mente comum, se torna evidente num momento de troca deemprego ou profissão, e depois da aposentadoria.

Na região noroeste do Pacífico, recentemente ocorreramdiscussões muito acaloradas sobre o abate de árvores: os am-bientalistas de um lado e os ativistas defendendo os direitosdos lenhadores do outro. Numa recente entrevista na televi-são, ouvi um lenhador, furioso com a possibilidade de perdero emprego, dizer com ardor: "Eu sou lenhador. É isso que eusou!" Creio que ele estava dizendo, em outras palavras: "Senão puder mais ser lenhador, não sei o que eu vou ser. E issome deixa assustado, em pânico." Porque ele não sabia quemera, apenas o que fazia. E confundia as duas coisas.

Ao recordar meu processo de renúncia ao sacerdócio, con-sigo me identificar com os sentimentos tanto do médico quan-to do lenhador. Aquilo era algo que eu era ou algo que eufazia? Continuo procurando uma resposta completa para essapergunta, embora tenha certeza de uma coisa: em sua essên-cia, nem o lenhador, nem o médico, nem o padre se identifi-cam com o trabalho que fazem ou a com a profissão que têm.

De modo que, por favor, conceda a si mesmo freqüente-mente a permissão para não fazer nada e dar uma Parada. Éuma permissão que o levará a ser quem você é e quer se tor-nar, para depois fazer o que escolher.

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Minha alma não consegue encontrar uma escada para o céuque não seja através da beleza do mundo.

MlCHELANGELO

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A Trilha para oSeu Bosque de Parada

Para encontrar mais respostas sobre como incorporar natu-ralmente Parar em sua vida, siga comigo pela trilha, através da"beleza do mundo", até o seu Bosque de Parada. Nele, Pararse tornará uma coisa tão fácil e prazerosa, que você não terádificuldade em realizá-la. Ao longo do caminho encontrare-mos muitas sugestões que irão ajudá-lo não apenas a alcançaro Bosque de Parada com segurança, mas também a poder visi-tá-lo sempre que você quiser.

Vá pegando tudo aquilo que possa ajudá-lo a criar suas pró-prias Paradas. Sugiro que você faça uma lista das coisas queatraem sua atenção ou que lhe dêem prazer: as que você jásabe que o ajudaram no passado, as que você quer cultivar eas que você for se lembrando à medida que seguirmos. Essascoisas irão ajudá-lo a chegar ao seu Bosque de Parada. Faça asua escolha com critério, e ao fim dessa curta jornada você

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provavelmente perceberá que sabe qual é a sua melhor ma-neira de Parar.

LerQuais são as leituras que o ajudam a Parar ou que o fazem

refletir sobre seus valores? Todas as tradições espirituais im-portantes têm seus escritos sagrados: o Tora, o Antigo e o No-vo Testamento, o Corão, os Upanishades, o Bhagavad Gita eoutros. Você escolheria um desses ou parte de um desses, taiscomo os Salmos do Velho Testamento, as Quatro VerdadesNobres do budismo ou o Evangelho de S. Marcos do NovoTestamento? Livros de orações com preces familiares, salmose outros textos sagrados também podem lhe ajudar. A leiturafreqüente de seus textos favoritos traz uma sensação de conti-nuidade e familiaridade importante para muitos.

Livros com pensamentos diários ou aforismos breves tor-naram-se populares nesses últimos anos. São companheirosperfeitos para o ato de Parar. Cada dia traz uma afirmação no-va, instigante e curta, que você pode usar nas suas Pausas Bre-ves no decorrer do dia. Abra um livro ao acaso e leia o que estáali como se fosse o seu pensamento para aquele dia. Cada vezque você fizer uma Pausa Breve, recorde esse pensamento.

A expressão latina lectio divina, literalmente "leitura divina",se refere a qualquer leitura que aprofunde sua vida espiritual,sua ligação com o divino ou sua vida de significados e valores.Para alguns, serão obras escritas especificamente com umafinalidade religiosa ou espiritual; para outros, serão romances,contos ou qualquer coisa que os leve mais para perto de Deus.

Como você já pôde perceber, a poesia é lectio divina para

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mim. Freqüentemente passo uma tarde fazendo uma Escala deViagem ao ler um poema curto e ficar refletindo sobre ele,deixando que ele me penetre

Quais são as leituras que lhe fazem bem, as suas lectio divi-na? Cada um tem a sua, não existe receita pronta.

EscreverAlguém ainda escreve cartas de verdade hoje em dia? Man-

ter uma correspondência regular com um amigo pode ser umaajuda maravilhosa para o processo de Parar, porque você temque fazer pausas regulares no processo para pensar no quequer dizer e na forma de fazê-lo.

Os faxes e e-mails estão substituindo as cartas enviadas pelocorreio. Afinal, nossas Paradas são à velocidade da luz e essesmeios de comunicação são rápidos. Mas lembre-se: só porquesão rápidos, eles não precisam ser irrefletidos ou apressados.

Em vez de ler um poema, você pode passar uma Escala deViagem escrevendo um poema. Por que não criar um livrocom as suas próprias poesias?

Meu irmão escreveu um livreto de quarenta páginas comvinte histórias tiradas de sua vida e distribuiu cópias para a fa-mília. Esses livretos se tornaram um tesouro para nós e prin-cipalmente para as gerações futuras, porque contêm a memó-ria da família. Para muitos autores de histórias pessoais, o atode escrever é mais importante do que o fato de alguém leraquilo ou não. É um lembrete que faz recordar.

Os diários são um maravilhoso meio de registrar os signifi-cados e valores da sua vida, tornando-se os companheirosperfeitos do processo de Parar, especialmente nos seus perío-

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dos mais longos. O ato de colocar por escrito os acontecimen-tos e sentimentos da vida nos faz observá-los, dar-lhes impor-tância e conservá-los.

Talvez você simplesmente queira reunir suas próprias fra-ses e epígrafes favoritas (como as do início de cada capítulodeste livro) e mantê-las num lugar especial, num diário ou noseu computador.

Beleza visual"Sem beleza há pouca alegria e menos humor", diz James

Hillman. A isso eu acrescentarei: sem beleza, a espiritualidadefica empobrecida. Para a vida humana madura, a beleza emtodas as suas formas é essencial, e acredito que negligenciar abeleza seja uma das nossas faltas mais sérias. A beleza nãoprecisa de intermediário para chegar à alma humana. Vai dire-to ao alvo e estimula o que existe de melhor, mais nobre emais prazeroso em nós. As pessoas capazes de criar beleza sãoverdadeiros tesouros.

Como é que você pode reunir beleza em torno de si? Nãose limite apenas às sugestões aqui apresentadas. Há quadrosbonitos em sua casa e no seu local de trabalho? O preço nãoé desculpa, pois há lindas reproduções a custo baixo. Comque freqüência você vai a um museu de arte, a uma bela igre-ja ou a um prédio que seja uma jóia arquitetônica na sua ci-dade? Você sabe de onde pode ver um magnífico pôr-do-solou nascer da lua? Procura andar na natureza observando seusrequintes? A beleza em suas mais variadas formas é essencialem seu cotidiano para que você tenha uma vida equilibrada eé a porta de entrada para o ato de Parar. O que é belo para

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você? A beleza está no olho de quem olha. Acrescente-a à suavida.

Quais são as cores de que você gosta, as que lhe fazembem? Procura tê-las à sua volta? Que jeito melhor de levantaro seu ânimo do que pintar o seu quarto!

Pendure uma fotografia ou um quadro perto do seucomputador e deixe que esse lembrete visual o conduza amomentos - ou horas - de Parada.

TocarHá muitas ocasiões em que podemos tocar uns nos outros.

Apertos de mão, tapinhas afetuosos nas costas ou uma mãosuave encostada no braço: todos esses momentos podem serde pausa e, se ficarmos atentos, cada um pode se tornar umaPausa Breve. Aqui está uma sugestão: transforme cada abraçonuma Pausa Breve. Respire, observe onde está e o que é im-portante para você.

A textura do tecido na palma da mão, o gosto e consistên-cia da comida em sua boca, um perfume adocicado ou maisseco, qualquer contato sensorial pode sugerir complexidade,simplicidade, envolvimento ou afastamento. Ao apalpar umacalça de tecido mais grosso ou um xale de seda macia, suamensagem de Pausa Breve poderia ser: "tal como na texturadesta calça, também há pontos ásperos na minha vida, mas euvou ficar bem, vou cuidar de mim mesmo", ou então, "que osdesafios do meu dia acabem se revelando tão macios quantoesta seda".

Fazer uma refeição pode ser um momento de plácido re-conhecimento da nossa necessidade de nutrir-nos e de nossa

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gratidão por ter o alimento. O início de uma refeição é umahora especialmente boa para fazer uma pausa e dar graças. Aocomer com outras pessoas, família ou amigos, procure convo-car todos para um momento de prece, pausa ou reflexão -que tal uma Pausa Breve compartilhada?

Não faça nada automaticamente, procure sempre tomarconsciência do que significa aquele momento.

Freqüentemente comemos em lanchonetes, onde o ritmo doesquema de fast food pode nos impedir de observar e recor-dar. Mas se você não tiver alternativa, ao agarrar aquele ham-búrguer, engolir aquele refrigerante e morder aquela pizza,lembre-se de fazer uma "Pausa Breve de lanchonete". Seuestômago vai lhe agradecer e as pessoas com quem você con-vive também.

Veja bem: fazer uma refeição rápida não é necessariamenteruim. Creio que é possível alimentar-se de maneira saudávelem dez ou quinze minutos, se isso for feito com atenção e deforma relaxada. Comer depressa demais, sem pequenos inter-valos conscientes entre uma porção e outra, engolindo a comi-da quase sem mastigar e sentir-lhe o sabor, com gestos auto-máticos - isso é que faz mal.

A sexualidade pode se expressar não apenas quando se fazamor, mas em todos os momentos da vida. Você a pode expe-rimentar sempre, como homem ou como mulher, através dossentidos - ouvir, ver, tocar, sentir perfumes e gostos. É só usá-los com a intenção de expressar sexualidade. A energia eróti-ca tem feito e continuará a fazer maravilhas pela humanidadee pode levá-lo a momentos encantadores e deliciosos de deva-neios: Pausas Breves cheias de paixão. Afirmo isso convicta-

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mente, a partir de minha experiência como ser humano e te-rapeuta.

Sons e perfumesConcordo com Nietzsche, que disse: "A vida seria um erro

sem música"; e com Aldous Huxley, que afirmou: "Depois dosilêncio, o que melhor expressa o inexprimível é a música."Não posso imaginar a vida sem ela. E você?

Gloria, de Vivaldi, é uma música que sempre tem um im-pacto direto sobre mim. Quando os coros combinados vão au-mentando num crescendo de sons gloriosos, sinto-me trans-portado a um momento de puro prazer: uma Pausa Brevetranscendental. É um exemplo do impacto direto que a belezaproduz na alma. Não precisa ser filtrada pelo intelecto. É ale-gria pura, vivenciada.

O som de um determinada voz que canta: isso leva você aum momento de Parada? E que tal os sons do oceano, do ven-to nas árvores, grilos cantando, dos pássaros, o apito longín-quo de um trem? São sons capazes de nos levar a uma PausaBreve das mais prazerosas.

A aromaterapia, apesar de popular hoje em dia, certamentenão representa nada de novo. Seres humanos e animais sem-pre usaram o olfato para se atraírem. Quais são os seus perfu-mes favoritos? O do incenso queimando, da terra molhada pe-la chuva, de uma determinada flor? Quais são os aromas queirão levá-lo a Parar?

Uma fragrância pode ser um poderoso lembrete do passa-do, evocando emoções e memórias que nos conduzem a tran-qüilos momentos de devaneio.

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SacramentaisUma das qualidades que aprecio na religião católica é o seu

princípio da sacramentalidade, ou como o define o teólogo Ri-chard McBrien, "a noção de que toda realidade, tanto anima-da quanto inanimada, é potencialmente ou de fato portadorada presença de Deus". De modo que o alimento, as árvores, osol, a lua, as estrelas, sapatinhos de bebê, pedras preciosas -coisas que podemos provar, tocar ou cheirar - são capazes denos pôr em contato com o divino. Outras tradições religiosasincorporam o mesmo princípio.

Os sacramentais são também objetos materiais pessoais quesimbolizam algo de grande valor ou significado espiritual paranós. O relógio do seu avô ou o anel da sua mãe. Qualquercoisa que na verdade represente um valor afetivo ou moral.Entre as coisas que você possui, qual delas é um sacramentaipara você? Toda vez que vi-la ou tocá-la, faça uma PausaBreve.

Os talismãs e amuletos são tipos de sacramentais que po-demos segurar para nos lembrarmos do que simbolizam. Nosmeus workshops dou aos participantes uma pequena placa deplástico verde onde está escrito pare, para ser carregada nobolso como um lembrete e para ser segura quando necessárionuma Pausa Breve.

RituaisEm Rituais for Our Times, os terapeutas Janine Roberts e

Evan Imber-Black descrevem os rituais como "tempo e espaçoprotegidos para parar e refletir sobre as transformações da vi-da" e "oportunidades para extrair significado do familiar e do

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misterioso ao mesmo tempo". Há os rituais familiares comunscomo as festas de aniversário, celebrações de casamento, con-tar histórias na hora de ir para a cama e beijos de boa-noite,bem como os rituais religiosos como o batismo, o bar mitzvah,o misar, o seder e as muitas formas de oração como as nove-nas, as adorações e o sinal-da-cruz. Se você parar um instante,tenho certeza de que lembrará de rituais que são únicos para asua família. Todas essas coisas podem ser expressões de Pararporque o levam a um momento ou momentos de placidez elembram quem você é, despertando-o assim para o presente.

Mas que tal criar rituais para momentos mais comuns davida, em torno dos acontecimentos que têm significado paravocê? Procure criar rituais para fazer exercício físico, comer,dormir, tirar férias, para as manhãs de domingo ou para o diaem que tomou uma decisão que mudou a sua vicia. Não pre-cisa ser nada complicado: talvez parar e tomar consciência doque está acontecendo, fazer uma prece, uma rápida visita aum lugar ou acender uma vela. No jantar, fale para sua famíliaou companheiros de refeição sobre o que está sendo celebra-do e convide todos para um momento de reflexão silenciosa,fazendo-os viver uma Pausa Breve juntos.

Quando você estiver comendo sozinho, é especialmentegratificante recordar algum evento ou pessoa significativa eritualizar a ocasião, seja fazendo um brinde discreto com seucopo de refrigerante, seja convidando a pessoa a juntar-se avocê em espírito nessa refeição.

Espaços e lugaresNum certo ponto da trilha que freqüentemente percorro, no

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parque perto da minha casa, há um lugar de onde posso vero monte Malpais a oeste e o monte Diablo a leste. É um lugarsagrado para mim. Toda vez que chego a esse ponto, eu paroe faço uma Pausa Breve.

Montanhas? Mar? O que é que o atrai? Onde é que você sesente mais em casa e mais você? Para qual dos lugares danatureza você vai quando precisa de reconforto, consolação eaceitação?

Para muitas pessoas, os lugares sagrados são de origem hu-mana: museus ou igrejas, por exemplo. Para mim, a abóbadada National Gallery of Art, em Washington, é um lugar assim.Quando chego lá, eu me sinto transportado a um outro nívele tenho uma sensação de calma e emoção. Por quê? Não sei.Quem não fica em êxtase ao entrar na catedral de Florença?Ou talvez até numa pequena igreja do seu bairro?

AnimaisQue alegria os animais podem trazer às nossas vidas! É só

observar um menino com seu cachorro ou talvez você com oseu bicho de estimação para perceber o poder da ligação como animal. Sabemos que segurar um animal pode trazer calmae uma sensação de bem-estar. Se você tem um animal de esti-mação, tocá-lo, brincar com ele ou observá-lo pode ser a ma-neira mais consistente e agradável de integrar Pausas Brevesno seu cotidiano. Toda vez que você se relacionar com seu bi-cho, respire fundo, tomando consciência do momento e tra-zendo à mente aquilo que você precisa recordar.

Os animais podem também servir como símbolos de virtu-des ou qualidades específicas que queremos incorporar às

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nossas vidas: a coragem do leão, a lealdade do cão ou a liber-dade do pássaro. Assim, a visão do animal e de sua represen-tação podem nos convocar a uma Pausa Breve e à lembrançada qualidade que desejamos imitar.

Estações do ano, o tempo e os movimentos da TerraO inverno, a primavera, o verão, o outono, a chuva, o sol,

o vento, o nevoeiro, a neve, o granizo, a névoa, os dias santi-ficados, as estações litúrgicas ou os aniversários de família:tudo isso e muito mais pode ser ocasião para uma Pausa Brevee às vezes também para uma Escala de Viagem. As estaçõessão cheias de significado: o aconchego do inverno, a vida queirrompe na primavera, o espírito lúdico do verão e a suavida-de do outono.

No meu aniversário jantei com minha família e amigos emum lugar privilegiado. O jantar começou num lindo fim detarde de primavera, límpido, revigorante. Estávamos sentadosna varanda externa do restaurante, enquanto o fogo crepitavanuma lareira próxima. De um lado, a lua cheia nascia, nooutro havia um resquício rosado do pôr-do-sol. A combinaçãodo esplendor da natureza, do afeto da minha família, do queestava sendo celebrado e da beleza do lugar me forneceramnão apenas diversas Pausas Breves naquela noite, mas muitasoutras até hoje, ao recordar aquele momento mágico.

Todas essas coisas são lembretes que podem convocá-lo aum período de Parada. Tente fazer uma lista das coisas quetêm um apelo especial para você e não se importe se parece-rem esquisitas. Eu, por exemplo, sou estimulado a parar quan-do vejo um laguinho de peixes. Quando eu tinha quatro ou

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cinco anos, um menininho que morava na mesma rua afogou-se no laguinho de peixes do quintal. Foi o meu primeiro en-contro com a morte e aconteceu num lugar onde eu freqüen-temente brincava. Aquilo teve um profundo efeito sobre mim.Desde aquele dia, não posso ver ou ouvir falar de um lagui-nho de peixes sem pensar no menino, na fragilidade da vidae na necessidade de fazer com que cada momento conte: umaPausa Breve.

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Você não pode chegar lá partindo daqui.

OGDEN NASH

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Parando enquantose Vai Daqui para Ali

Se você está pensando que as palavras do poeta Ogden Nashfazem realmente sentido, e tem a impressão de que não vai con-seguir Parar onde se encontra agora, é importante lembrar doseguinte: freqüentemente a Parada acontece com mais facilidadedurante a transição de um evento para outro ou de um lugarpara outro. Pode ser sob a forma de uma Pausa Breve entre doiscompromissos, a caminho ou voltando do trabalho, de uma Es-cala de Viagem de fim de semana ou de uma Parada Geral entrefases da vida. Identificar a sua transição mais comum é um pas-so importante para incorporar o ato de Parar à sua vida.

Suponho que essa transição seja o deslocamento diário en-tre casa e trabalho. Parar pode transformar esse tempo de hor-ror numa coisa celestial. Se você encarasse esses momentos(ou, para alguns, horas) de transição como pausas ou descan-sos bem-vindos onde pode Parar, seria até capaz de começara aguardá-los com alegria.

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Se você vai dirigindo para o trabalho, provavelmente estáagora pensando, tal como eu freqüentemente pensava: "Comoé possível aguardar com alegria aquele trânsito horrível, como calor que está fazendo, depois de um dia em que quase tudodeu errado?" Mas é possível incorporar Pausas Breves enquan-to você está dirigindo. E acredite: você vai se sentir melhor.

É óbvio que você não vai poder fechar os olhos e desviarsua atenção, pois é fundamental permanecer alerta e atento aoato de dirigir. Mesmo assim, há muita coisa que você pode fa-zer. A Pausa Breve ao dirigir será menos introspectiva e maisvoltada para o seu conforto físico e mental.

Lembre-se daquela idéia da Parte I sobre viver com propósi-to: em vez de fazer as coisas do cotidiano de forma rotineirae automática, vivê-las como uma escolha consciente. Essaidéia se aplica aqui: você pode transformar intencionalmenteo tempo ao volante num tempo de Parada. Escolha respirarconscientemente cada vez que chegar a um sinal vermelho, auma placa de pare, ou quando alguém lhe der uma fechada.Selecione uma música repousante, escolha a mensagem daPausa Breve que você necessita ouvir, decida colocar essetempo nas mãos de Deus, escolha usar um vocabulário posi-tivo quando estiver falando e pensando no deslocamento en-tre a casa e o trabalho, e por último escolha encarar esse tem-po de deslocamento não como algo horrível que você tem queaturar, mas como um espaço valioso e estimulante, a sua pau-sa poderosa e o seu repouso entre as notas. De hoje em dian-te: tempo dirigindo é tempo de Pausa Breve.

Trens, ônibus, aviões e barcos são todos lugares ideais paraPausas Breves. Com a vantagem de deixar a direção a cargo

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de outras pessoas, fazendo com que as suas Pausas Brevessejam mais completas e eficazes.

Quais são outros momentos de transição na sua vida? Cadadia é cheio deles: de adormecido a desperto, do banheiro aoquarto de dormir, do café da manhã ao carro, da escola ao tra-balho e do dia útil ao fim de semana. Em outras palavras, otempo de transição vai de uma coisa, lugar ou tempo qualquerpara outra coisa, lugar ou tempo.

Portanto, sempre que você achar que não vai conseguirParar, pense nas transições. De onde você está vindo e paraonde está indo? O que veio por último e o que está por vir?Quando as suas transições estiverem identificadas, o modoespecífico de Parar também ficará claro.

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Toda caminhada é de descoberta.

A pé, nos damos tempo

de ver as coisas por inteiro.

HAL BORLAND

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Parando em Movimento

Há pessoas que têm muita dificuldade de ficar paradas, istoé, de manter seu corpo sem movimento por um período detempo qualquer. Minha amiga Carla é assim. Quando estoucom ela, percebo que ela nunca pára de balançar as pernas,indo para cá, para lá, gesticulando sem cessar. Ela tem muitadificuldade de ficar quieta. Não há absolutamente nada de er-rado nisso: é apenas a sua natureza. Quando fico ansioso, meidentifico com Carla: não quero ficar sentado quieto, isso meaborrece e preciso me mexer.

Henry David Thoreau também compreende Carla. No seuensaio Caminhando, ele afirma: "Acho que só consigo preser-var minha saúde e meu bom humor se passar ao menos quatrohoras por dia, e geralmente mais do que isso, Perambulandopelo bosque e pelos campos." Para essas pessoas, bem comopara todos nós, Parar é algo que pode ser feito em movimento.

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E que tal Parar-correndo? Isso parece mais difícil, pelo me-nos para mim, mas talvez não seja para você. Acho que é difí-cil manter um certo grau de calma e atenção enquanto a gentese movimenta rapidamente, sobretudo se recordarmos que "avelocidade está para o esquecimento assim como a lentidãoestá para a recordação". Malhar num ginásio ou em casa pare-cem pertencer à mesma categoria de velocidade. Há muitoexercício físico e concentração envolvidos. Acho que essas ati-vidades com alto dispêndio de energia podem ser iniciadascom uma Pausa Breve, ter outra no meio e terminar com umaterceira, transformando a experiência do exercício em algoalém de desenvolvimento físico. Mas isso é, naturalmente,uma questão de preferência individual.

Durante um workshop recente perguntei como as pessoashaviam vivenciado o processo de Parar em suas vidas. Ime-diatamente Bill respondeu: "No campo de golfe." Ele des-creveu seu estado de espírito, voltado para dentro, sua tran-qüilidade, e como ao se concentrar para golpear a bola ele sedesliga de todo o resto. "Freqüentemente meus parceiros têmque me lembrar que é a minha vez de jogar."

Há outra maneira importante de se movimentar e Parar aomesmo tempo: andar de forma compassada. Descobri issoquando era seminarista e venho utilizando com regularidadedesde então. Andar compassadamente é caminhar devagarnum percurso predeterminado e repetitivo, enquanto mental-mente nos concentramos em outra coisa. Descobri o valordisso ao andar em círculos enquanto rezava o terço. No semi-nário, o sino tocava às cinco horas da tarde todo dia. As con-versas cessavam imediatamente, os seminaristas pegavam seus

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terços, baixavam os olhos e começavam a caminhar pelo ter-reno, compassadamente, em silêncio. Os budistas chamamessas caminhadas de meditação.

Você talvez goste de tentar andar compassadamente. Achoisso especialmente útil quando estou me sentindo ansioso ounervoso por qualquer razão. Escolha um percurso seguro, pre-visível e passível de repetição dentro de casa ou ao ar livre.Ande de lá para cá no seu quarto ou escritório, em círculos nopátio, num parque ou em qualquer lugar, mesmo que não sejagrande. Em vez de fechar os olhos, você pode baixá-los parao chão. Este movimento parece acalmar a ansiedade, e comoo percurso é seguro e previsível, você pode manter a calmainterior imóvel: uma Pausa Breve.

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já fomos crianças e adolescentes e tivemos essa mesma capaci-dade. Apenas a perdemos.

Acima de tudo, nós adultos podemos ajudar criando tem-pos, lugares e oportunidades de Parada para os jovens. Ajudá-los a notar as pausas entre suas notas e o valor delas. É claroque o primeiro comentário sobre a sua investida pode ser algodo tipo: "Mamãe, isso é chato!" ou "Papai, não tenho nadapara fazer!" - mas, com persistência e exemplo da nossa parte,eles talvez aprendam o valor de Parar.

Os idososOs verdadeiros profissionais de Parada são os velhos. Na

dedicatória deste livro assinalo que meu pai foi um exemplode como usar o ato de Parar. Isso se deu nos seus últimosanos. Ele viveu vinte anos aposentado e tinha grande prazerem fazer muito pouco, passando muitas horas simplesmenteParado. À medida que ia enfrentando as perdas - capacidadede jogar golfe, visão suficiente para ler e audição adequada auma conversa normal -, ele simplesmente foi ficando quieto,contemplando e recordando.

Meu pai não era uma pessoa de expor seus sentimentos,mas valia a pena prestar atenção quando o fazia. Minha mãeconta a seguinte história: certa noite, poucos anos antesda morte de papai, aos noventa e um anos, os dois esta-vam sentados nas suas cadeiras, como faziam todas as noites.Provavelmente minha mãe lia e papai simplesmente estavaali, quieto. De repente, ele disse: "Sabe, querida, acho quepreciso de um computador." Minha mãe literalmente deixoucair o livro, espantada, e exclamou: "Um computador? Mas

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para quê?" Meu pai respondeu: "Para anotar minhas bênçãos."É importante nos desenvolvermos antes de ficarmos velhos

demais - velhos demais para aprender ou mesmo para mudar.Se nos dedicarmos ao processo de Parar agora, nossos anos develhice serão provavelmente muito mais doces e tranqüilos.Você se tornará um velhinho ou uma velhinha adorável seestiver continuamente investindo para ser uma pessoa querida.

Os violentosNão tenho idéia sobre o que fazer em relação à incrível vio-

lência que deixamos que seja lançada sobre nós. Observo comespanto e horror as chamadas de tevê sobre filmes e os pro-gramas cheios de terrível violência humana, e leio as inúmerasnotícias a respeito de assassinatos e roubos. A maioria das pes-soas com quem falo sente a mesma coisa. Deve ser porque aspessoas que têm poder e que acreditam que o dinheiro é sem-pre a meta final consideram que essas coisas vendem. Mas porque vendem? Ainda não tenho uma resposta... a não ser Parar.Pelo menos é um começo.

À primeira vista, essa resposta parece, até para mim, muitoingênua. Mas, ao pensar melhor, chego a uma convicção: paraque haja uma mudança no padrão e no hábito de violência énecessário aquilo que sempre transformou moralmente as pes-soas: a conversão, isto é, uma meia-volta na maneira com quevemos as coisas. A fim de fazer isso, temos que ajudar as pes-soas a Parar, porque Parar é uma condição necessária parauma mudança de visão e de propósito. Você não conseguirámudar se não ficar imóvel o suficiente, e por tempo suficiente,para recusar o que lhe está sendo imposto e descobrir que

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existe um caminho diferente ou melhor. As pessoas violentas- ou todos nós, potencialmente - encontram-se tão imensa eprofundamente alienadas, que fica impossível imaginar queexiste um caminho muito melhor.

Que os jovens na rua Parem. Que os executivos das redesde comunicação Parem. Que os atores que representam esseshorrores Parem. Que os editores de jornais Parem. Que os paisParem. Que os professores Parem. Que os homens Parem.Que as mulheres Parem. Que as crianças Parem. Que eu e vo-cê Paremos.

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Cuidar é o mais importante,cuidar é o que mais interessa.

FRIEDRICH VON HUGEL

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Parar E se Importar e Cuidar

Acredito que a esta altura já tenha ficado claro que Parar éalgo que tem como objetivo conhecer e tomar posse das ques-tões, sentimentos e verdades mais íntimas e pessoais que seencontram no coração e na alma de cada um de nós. O conhe-cimento dessas questões, sentimentos e verdades vai nos ajudara perceber nossos propósitos e nos fazer saber quem somos eo que e quem são importantes para nós. Mas Parar, principal-mente quando você persiste por algum tempo, vai além disso eatinge as questões mais amplas que afetam o mundo. Na reali-dade, ao olharmos para nossos problemas e desejos pessoais,somos naturalmente tirados de dentro de nós e levados a tomarcontato com as necessidades das comunidades mundiais.

Um dos resultados naturais de Parar é adquirirmosuma consciência mais elevada daquilo que nos cerca, tan-to perto quanto longe. É um resultado inevitável, pois ao Pa-rar começamos a notar um número cada vez maior de coisas,

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o que inclui o meio ambiente, tanto local quanto global.O naturalista Bill McKibben compreende o que é Parar. Ele

descreve uma viagem de uma semana com mochila às costas:começa com o desafio do ruído da tagarelice interna, passapelo período em que essa tagarelice começa a diminuir e che-ga no ponto, ao cair da noite, em que, enquanto observavauma garça-azul, "o céu escureceu, as estrelas se espargirampelo firmamento, brilhantes e insistentes. Nós éramos inimagi-navelmente pequenos, eu e a garça, conscientes do momentoespecial". São palavras de alguém que nota, e principalmentede alguém que se importa. Parar leva você a se importar. Equando você se importa com alguma coisa, você cuida dela.

Importar-se invariavelmente leva a perguntas. McKibben pos-tula duas perguntas essenciais para os nossos dias. A primeiraquestiona a Era da Informação, os computadores e todos os sis-temas de comunicação rápidos: "Como posso ouvir meu pró-prio coração?" A segunda, que me parece fluir da primeira, é di-rigida a todos nós que fazemos parte da sociedade de consumo:"Quanto é suficiente?" Será que o desenvolvimento constante éo que existe de melhor para nós? A doença da Era da Ansiedade- o câncer - serve como símbolo valioso e provocante para nos-sos tempos: o câncer é o crescimento descontrolado.

Essas duas perguntas - "Como posso ouvir meu próprio co-ração?" e "Quanto é suficiente?" - são exemplos maravilhososdos tipos de perguntas que podemos examinar, compreender,intuir e apreender. São sobretudo perguntas que servem paranos desinstalar e fazer refletir, e que talvez sejamos capazes deresponder se nos dedicarmos com persistência à prática deParar.

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A única coisa que nos impede de sair flutuandono vento são as nossas histórias.

Elas nos dão um nome e nos põem num lugar,nos permitem continuar em contato.

TOM SPANBAUER

THE MAN WHO FELL IN LOVE WITH THE MOON

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Confie em Você Mesmo

Acima de tudo, espero que Parar ajude você a reunir na suaconsciência todas as maravilhosas histórias da sua vida - e elassão todas maravilhosas. São essas histórias que o levarão àssuas verdades e, assim, ao que é melhor para o mundo. Essashistórias são uma "ligação com nossas raízes, com o lugar deonde viemos. "Através dessas histórias podemos compreendernossas vidas", diz Joe Bruchac, escritor e contador de histórias.Contar histórias é "quase como chamar os deuses. Uma pre-sença espiritual poderosa se faz sentir e podemos ser literal-mente arrebatados por ela".

Mas freqüentemente deixamos de lado as histórias que sãonossas e que vêm de nossos ancestrais porque, acrescenta acontadora de histórias Laura Simms, "a vida moderna, com a

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sua barulheira e suas distrações, torna difícil ouvir as histó-rias". Parar é algo que nos prepara para ouvi-las.

Bruno Bettleheim, psicólogo infantil e educador, considera-va os contos de fadas como um remédio para a alma. O contode fadas é terapêutico "porque o paciente encontra as suaspróprias soluções, ao contemplar aquilo que na história pa-rece se identificar com ele e com seus conflitos internos".

Um de seus filhos anda perturbado? Talvez o remédio este-ja num livro de histórias. Tente escolher uma que fale ao cora-ção dele ou dela. E você? De que história você precisa para serecordar, quando fica perturbado? Uma Pausa Breve pode evo-car a história certa para você: talvez uma da qual você não serecorde há muito tempo, tirada de um livro ou da sua vida, ouuma que você não considerava como história.

Uma das maneiras de olharmos para a vida é vê-la comouma história depois da outra e como histórias que estamoscontando tanto para nós quanto para os outros. Por exemplo,tente a História de Ontem, o seu ontem, começando com omomento em que acordou e terminando com a hora em quevoltou para a cama.

Espero que Parar possa ajudá-lo a descobrir as histórias dasua vida. Fazer uma pausa é algo que invoca a lembrança dehistórias, e as histórias de certa forma querem ser contadas.Uma das maneiras de expressar amizade é contar um ao outroas suas histórias, bem como viver algumas delas juntos. Não éisso o que uma família faz? Peça a seus pais e avós para con-tarem as histórias deles. Conte as suas para seus filhos. Com-partilhe-as com seus amigos. Afinal de contas, o que é um serhumano sem uma história?

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Outra de minhas esperanças é que Parar reforce de tal for-ma sua confiança em você mesmo que, quando se depararcom a pergunta "A história que estou contando é maluca ou oresto do mundo é que é maluco?", você possa responder comtranqüilidade: "É o resto do mundo!" Carl Jung reconheceuisso há alguns anos: "A loucura foi institucionalizada hoje emdia. Nossos cidadãos, individualmente, são em sua maioriamentalmente sãos e sensatos. As nossas instituições é que sãomalucas! E nós absorvemos essa maluquice porque temos quetrabalhar dentro da estrutura dessas instituições." Esperemosque a maluquice e o absurdo das regras e procedimentos demuitas empresas, que dão prioridade à instituição sobre aspessoas, sejam apenas um estágio necessário para que alcan-cemos sistemas humanos que ponham a pessoa em primeirolugar. Desenvolver o hábito de Parar irá ajudá-lo a se conven-cer da sua sanidade.

Essa idéia é importante para pessoas que são responsáveispor crianças. Uma família que Pára é uma família mais prepa-rada para enfrentar essa realidade contemporânea e ultrapas-sar suas contradições, fazendo de seus filhos seres mais livrespara escolher o que é melhor para eles e para sua comuni-dade.

Por fim, espero que já tenha ficado claro a esta altura: Pararé algo fundamentalmente otimista e cheio de esperança. Oprocesso de Parar é baseado na crença de que você é umapessoa ótima e que só será capaz de descobrir mais sobre asua própria verdade, beleza e bondade se arranjar tempo paraParar.

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Agradecimentos

Desejo expressar meus sinceros agradecimentos e apreço:A Mary Elyn Bahler, pelas muitas horas agradáveis de dis-

cussão e estímulo no Imperial Café. A Jeft Kunke, que gostoude minhas idéias e que foi a pessoa certa com a capacidadecerta para me ajudar a encontrar o tom certo. A Tom West, queleu o manuscrito e ofereceu sugestões e apoio valiosos. A Joe,Michael e Tom, três companheiros do nosso grupo de leitura,que, além de falar de livros, compartilharam suas vidas.Obrigado, rapazes. A Chilton Thomson, um professor extra-ordinário que muitos anos atrás foi o primeiro a despertar naminha alma o desejo de ler e escrever. E a Robert Stenberg,em quem eu primeiro reconheci e apreciei o uso é o valor dasPausas Breves.

Quero agradecer também à minha agente, Carol Susan Roth,que me ajudou no desenvolvimento do livro, que me orientoucom bom humor para a editora certa e que merece a fama de"a melhor amiga de um escritor". A Kevin Davis, cuja oficinaNSA foi um imenso salto no meu processo de aprendizagem.E a Mary Jane Ryan - fui apresentado a ela ano passado, masa conheço desde que nasci -, da Conari Press. Eu não pode-ria desejar uma editora mais capaz, perspicaz e atenta. E atodo o pessoal bárbaro da Conari Press, obrigado.

Créditos

O autor agradece aos autores e editores que lhe deram per-missão para citar as seguintes obras:

"Parando num Bosque num Fim de Tarde com Neve", de ThePoetry of Robert Frost, editado por Edward Connery La-them. ©1951 por Robert Frost, © 1923, 1969 por Henry Holt & Co., Inc.Republicado com a permissão de Henry Holt & Co., Inc.

Citações de C. G. Jung no Capítulo 39 de Memories,Dreams, Reflections, de C. G. Jung, tradução de Richard &Clara Winston. © da tradução 196l, 1962, 1963 e renovado em1989, 1990, 1991 pela Random House, Inc.

Sloumess, de Milan Kundera © 1995 por Milan Kundera. ©da tradução 1996 por Linda Asher. Publicado pela HarperCollins, Inc.

"Beyond living and dreaming...", republicado de Times Alo-ne: Selected Poems of Antônio Machado, tradução de RobertBly, Wesleyan University Press, Middletown, CT 1983. © 1983por Robert Bly. Republicado com sua permissão.

O gráfico de "Reação ao Estresse" se baseia em modeloscontidos em Professional Manual and Desk Reference, deEmmett Miller, M.D. Usado com sua permissão.

"Medo", de Extravagaria, de Pablo Neruda, traduzido porAlastair Reid. © da tradução 1974 por Alastair Reid. Republi-cado com a permissão de Farrar, Straus & Giroux, Inc.

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"Minha vida não é essa hora fortemente inclinada...", deSelected Poems of Rainer Maria Rilke, editado e traduzido porRobert Bly. © 1981 por Robert Bly. Republicado com permis-são de HarperCollins Publishers, Inc.

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"Minha vida não é essa hora fortemente inclinada...", deSelected Poems of Rainer Maria Rilke, editado e traduzido porRobert Bly. © 1981 por Robert Bly. Republicado com permis-são de HarperCollins Publishers, Inc.

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