a espiritualidade na educação: algumas questões

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Comunicação elaborada para ser apresentada no V SEMINÁRIO ARTE E IMAGINÁRIO NA EDUCAÇÃO - tema: IMAGINÁRIO, ARTE E EDUCAÇÃO DA ALMA, na UFMA, em 2014.

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Page 1: A espiritualidade na educação: algumas questões

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

V SEMINÁRIO ARTE E IMAGINÁRIO NA EDUCAÇÃO

IMAGINÁRIO, ARTE E EDUCAÇÃO DA ALMA

A espiritualidade na educação: algumas questões

Adilson Marques – doutor em Educação/ USP

Professor da Fundação Educacional São Carlos

Eixo três: educação e espiritualidade

Resumo:

Esta comunicação apresenta algumas questões para se pensar o tema

espiritualidade na educação, sobretudo, na educação de adultos e idosos. Partindo das

reflexões de Feyerabend que sugere que a educação deve ser independente das religiões

e também da ciência, a espiritualidade pode ter sua cidadania reescrita no processo

educativo. E aqui apresentamos uma proposta de curso, fundamentada no que estamos

chamando de Gerontagogia Holonômica, com duração de 15 horas, no qual o tema

espiritualidade é discutido com idosos, sem alienação ou tentativa de doutrinação.

O curso possui quatro temas gerais: 1 - o conceito de espírito, refletindo sobre os

vários sentidos em que o termo foi utilizado ao longo da história; 2 - o conceito de

consciência, refletindo se este é um epifenômeno do cérebro, ou se ela é independente,

um atributo do espírito; 3 - na hipótese do espírito existir, se ele “evolui” ou se ele já é

“perfeito”, refletindo a partir das contribuições das principais religiões; 4 - a relação

entre a faticidade e a transcendência na vida cotidiana, refletindo sobre alguns

fenômenos como a telepatia, a clarividência etc. Todos os encontros terminam com

algum exercício bioenergético: meditação, visualização curativa, chi kung etc.

Em mais de 10 anos de experiência com a Gerontagogia Holonômica o tema

espiritualidade, dentro da perspectiva apresentada acima, atrai pessoas das mais

diferentes religiões, em um ambiente que prioriza e favorece a cultura de paz e o

respeito pela diversidade religiosa.

Palavras-chaves: Educação. Espiritualidade. Cultura de paz

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Introdução:

Em seu mais famoso livro “Contra o método”, Paul Karl Feyerabend (2007)

questiona a valoração da ciência no mundo moderno ocidental. Entendendo-a como

fruto de uma ideologia repressiva, na qual se encontra, de forma dissimulada, atitudes

elitistas e racistas, ele defende a seguinte ideia: uma sociedade pluralística deveria

também se proteger do cientificismo.

Um de seus argumentos é de vital importância para se pensar também o processo

educativo. Ele afirma que as suposições científicas não são suficientes para determinar

quais problemas merecem ser resolvidos ou julgar o mérito de outras fontes de saber,

como a religião, a arte e as chamadas pseudociências, por exemplo. Dentro desta

perspectiva, da mesma forma que o estado laico não se vincula a uma religião, deveria

também se separar da ciência para a consolidação de uma sociedade livre, ou seja, para

que todas as tradições passassem a ter iguais direitos e igual acesso aos centros de poder

e decisão.

No caso da educação, sobretudo de idosos, colocar em prática as ideias de

Feyerabend é permitir também aos próprios alunos decidir sobre o conteúdo das

disciplinas, aprofundando temas que possuem interesse, mesmo que não sejam aqueles

elegidos por psicólogos, pedagogos, filósofos ou cientistas racionalistas, quase sempre

presos a um cientificismo de cunho ideológico e partidário. A proposta da Gerontagogia

Holonômica, compreendendo que o cotidiano, a história de vida, os valores pessoais e a

singularidade de cada aluno devem ser valorizados no processo educativo, pois seu

axioma básico parte da aceitação que a parte também contém o Todo, valoriza essa

iniciativa e, quando isso é feito, o tema espiritualidade costuma se destacar.

Obviamente que não estamos aqui defendendo a reintrodução no processo

educativo de um ensino voltado para doutrinação ou para proselitismo religioso, mas

compreendendo que a espiritualidade é um dos assuntos que mais intrigam a

humanidade, refletindo diretamente sobre questões básicas como Quem somos? De

onde viemos? Para onde vamos?, a Gerontagogia Holonômica não pode deixar de lado o

tema em nome de uma pretensa educação laica que confunde a busca espiritual

autêntica com doutrinação religiosa.

Métodos e resultados

Page 3: A espiritualidade na educação: algumas questões

Em 2003, partindo das teorias sobre a imaginação de Kant (1994), interpretadas

por David-Ménard (1996) e Kneller (2010), até chegar à proposta de Gilbert Durand

(1992, 1995 e 1996) de uma arquetipologia do imaginário, idealizei um programa de

Gerontagogia Holonômica com o objetivo de auxiliar no processo de individuação na

pessoa idosa, trabalhando com o seu imaginário e sua relação com o sagrado e o

transcendental, entre outros temas, inserindo, assim, a dimensão simbólica do

envelhecimento no processo antropolítico que passei a chamar de (re)envolvimento

humano, apresentado, originalmente, na tese de doutorado “nossas lembranças mais

pessoais podem vir morar aqui”, defendida em 2003, na Faculdade de Educação da

USP.

Colocando em prática este programa na Universidade Aberta da Terceira idade

(UATI), em São Carlos, a partir de 2004, foi possível constatar o valor e a importância

do tema espiritualidade e da religião para os idosos. E, apesar da maioria dos

participantes relatar a opção pelo catolicismo (82 %, em dados coletados em 2011), os

idosos que se inscrevem no curso manifestam interesse em conhecer outras doutrinas

religiosas ou filosofias espiritualistas, inclusive, visitar locais sagrados, como templos

budistas, e não se incomodam em participar de atividades normalmente associadas ao

movimento esotérico “nova era”, como meditação, yoga, tai chi chuan etc.,

reconhecendo o benefício destas práticas em suas vidas, mesmo quando não concordam

com suas concepções teóricas ou doutrinárias.

E a principal conclusão a que chegamos, neste dez anos de trabalho, é que a

dimensão espiritual não pode ser menosprezada no processo de envelhecimento, pelo

menos no cenário “pós-moderno” em que nos encontramos, onde, apesar de tantas

mudanças tecnológicas e processos de secularização e profanação da vida, a consciência

da (in)finitude e a busca espiritual autêntica que os idosos manifestam não parece ser

apenas “ópio” ou uma fuga para velhos indefesos, mas a afirmação de uma forma de

pensar e agir no palco da vida humanizada onde a metanoia, ou o processo de

individuação, realizou-se completamente ou caminha para esse fim.

Um estudo de caso: A espiritualidade na perspectiva da Gerontagogia Holonômica

O envelhecimento humano se tornou uma preocupação socioeconômica e

cultural na sociedade contemporânea. O aumento da expectativa de vida é acompanhado

por novos campos de trabalho, como é o caso da Gerontologia, e uma infinidade de

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serviços surge diariamente visando oferecer opções para o uso e ocupação do tempo

livre da população idosa.

Dentro desse contexto apresentamos a proposta de uma Gerontagogia

Holonômica, ou seja, uma proposta educativa que valoriza o processo de individuação

(Carl Gustav Jung, 1991, 1994 e 1998) vivenciado pela pessoa idosa buscando a

integração de sua personalidade (ego) ao Self, sua essência anímica, estimulando e

auxiliando na sua autorrealização.

Além da técnica da criação de textos ficcionais ou autobiográficos, apresentada

no artigo Educação, Espiritualidade e Envelhecimento (Marques, 2014), que valoriza a

imaginação ativa, colocando a pessoa idosa em contato com os estágios importantes de

sua vida, outra atividade realizada com os alunos da Universidade Aberta da Terceira

Idade (UATI), na cidade de São Carlos, é um curso que aborda o tema espiritualidade,

dividido em quatro módulos, totalizando 15 horas de duração.

No primeiro módulo discutimos alguns usos para a palavra espírito, deixando

que os participantes apresentem suas opiniões. Frequentemente, a palavra espírito é

utilizada pelos alunos como sinônimo de ser incorpóreo, fantasma de um morto,

desencarnado.

Após essa introdução, costumo apresentar o uso do termo em diferentes

doutrinas e filosofias, entre elas, o espiritismo, a teosofia e o cristianismo. Também

conversamos sobre a visão budista que não crê na sobrevivência de um Eu após a morte

e que se constitui em uma filosofia espiritualista não-teísta, o que não significa que seja

ateia. Além do conceito metafísico de espírito, analisamos também o conceito

metafórico da palavra, como nos casos em que aparece relacionada aos valores, cultura

e a mentalidade de um período histórico quando se fala, por exemplo, em “espírito da

época”; em seu sentido psicológico, representando “o conjunto das faculdades

intelectuais” ou no político, quando se fala em “espírito da lei” para se identificar os

interesses que ela defende.

Também buscamos apresentar algumas interpretações religiosas e espiritualistas

que distinguem espírito e alma (em grego pneuma/psyque e, em latim, spiritus/anima)

sem defender uma como sendo a “verdadeira” e outras como “falsas”, como se uma

fosse o “trigo” e as demais o “joio” que deve ser arrancado. Essa atitude vale para

doutrinação e não em um trabalho educativo laico.

O segundo módulo suscita muitas discussões e é mais extenso. O tema proposto

é a relação matéria/consciência. No curso é apresentada a concepção cartesiana, que

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fundamentou boa parte da ciência moderna, inclusive no século XX e as concepções

denominadas não-cartesianas ou pós-cartesianas, entre elas, a do “indeterminismo

quântico”, presente em boa parte das filosofias e práticas espiritualistas denominadas

Nova Era. Neste módulo costumo apresentar também a concepção metafísica da

Animagogia, uma prática de educação espiritual transreligiosa que vem sendo elaborada

e colocada em prática desde 2003, na cidade de São Carlos, pela ONG Círculo de São

Francisco.

Neste módulo comparamos a Animagogia com os ensinamentos de Edgar Morin

presentes no livro “O método 4 – as ideias” e também com as principais teses do

movimento identificado como “indeterminismo quântico”. Em linhas gerais, a

Animagogia parte também do pressuposto que a vida na Terra só foi possível após o Big

Bang e que a sequência do processo evolutivo é aquele descrito por Jacques Monod

(2006) no livro “O acaso e a necessidade”, tese praticamente aceita por toda a

comunidade científica: vazio quântico – reino das subpartículas – átomos e moléculas –

reino inorgânico – vida orgânica – consciência. Porém, a Animagogia tem como axioma

que o Bing Bang não marcou, necessariamente, o início da criação do Universo, mas

uma expansão. O pressuposto teórico da Animagogia é que o Universo, criado por Deus

ou um demiurgo, já existiria em outra dimensão, processando-se em uma velocidade

superior a da luz e sendo formado por “matéria” espiritual.

E a consciência, que Morin, no livro supracitado, associa à noosfera, e que é

pensada, na linha de Monod, como um epifenômeno do cérebro, uma vez que a

noosfera, em sua proposta, está imersa na biosfera e se decompõe junto com a morte

física, tem outro sentido na Animagogia. Aqui é a biosfera que está imersa na noosfera e

o cérebro passa a ser compreendido como uma forma necessária de antena para captar

as vibrações mentais e espirituais provenientes da noosfera. Portanto, não seria o

cérebro o criador dos pensamentos, mas o organismo necessário para a manifestação das

criações mentais no plano material. Na perspectiva da Animagogia a consciência

permanece existindo em outra dimensão, mesmo com a morte física.

Apesar dessa inversão paradigmática, reconhecendo a antecedência da

consciência sobre a matéria, a Animagogia também se distingue do “indeterminismo

quântico”, que ressuscita a filosofia idealista para a qual a realidade exterior não passa

de uma projeção mental e que, através do pensamento e da intenção, seria possível

manipular a matéria que forma o mundo exterior. Essa concepção que vem sendo

chamada também de “misticismo quântico”, e que tem na obra de Fritjof Capra (1983)

Page 6: A espiritualidade na educação: algumas questões

uma de suas inspirações teóricas, associa o Tao dos taoistas, o deus Brahman do

hinduísmo ou a realidade última (a causa primária de todas as coisas) como sendo o

vazio quântico. Nessa perspectiva, Deus se confunde com a chamada “energia cósmica”

que constituiria o mundo material.

Na ótica da Animagogia, o vazio quântico seria o campo para a criação do Prâna

(hinduísmo) ou do Ki (taoismo). Como o Tao Te Ching (1988) afirma ser o Tao

incognoscível e Brahman, em várias upanishads (Tinoco, 1996), não pode ser atingido

pelo pensamento, para a Animagogia não seria possível associá-los ao campo

quantizável da física atômica.

A proposta metafísica da Animagogia é monista, compreendendo um continuum

espirito/matéria, de forma análoga ao fenômeno físico do som e da luz. Em outras

palavras, seu axioma é que, ao se diminuir a velocidade de ação do plano espiritual, este

vai originar a energia presente no vazio quântico e, consequentemente, a matéria. O

processo inverso também ocorre, porém, enquanto a ciência acadêmica e o misticismo

quântico aceitam que da desagregação atômica da matéria surge a energia, a

Animagogia tem como pressuposto que a energia também se desagrega para voltar a ser

um elemento constituinte do universo espiritual, onde se encontra a noosfera.

Na perspectiva da Animagogia não haveria uma dicotomia matéria/espírito, mas

um processo contínuo de transformação de um sistema no outro.

E no terceiro módulo do curso, abordamos a reflexão sobre a possível evolução

do espírito ou não. As filosofias e religiões como o espiritismo e a umbanda se

fundamentam na crença que o espírito é criado simples e ignorante e que, ao longo das

encarnações vai evoluindo até se tornar um espírito puro e perfeito. As abordagens

orientalistas, de forma geral, distinguem o espírito, considerado como um ser perfeito, e

o ego, a personalidade humana. Nesta outra concepção acredita-se que não haveria

necessidade de evoluir, mas de despertar a consciência espiritual. Esse despertar

também é chamado de processo de iluminação. Ou seja, a “luz” interior que se encontra

apagada precisaria apenas ser acesa. O importante, porém, é salientar que

independentemente de uma ou outra concepção espiritualista, evoluir ou iluminar-se se

processa através da compaixão e da solidariedade, que se intensificam com a metanoia,

ou seja, com a mudança consciencial e de sentimentos.

E, no último módulo, abordamos alguns eventos considerados anômalos,

transpessoais ou parapsicológicos como a clarividência, a premonição, a experiência de

quase morte etc. Os alunos que participam do curso, em sua totalidade, já vivenciaram

Page 7: A espiritualidade na educação: algumas questões

ou conhecem algum parente ou amigo que vivencia tais fenômenos e, raramente, são

acontecimentos, mas sim parte da rotina da vida cotidiana dessas pessoas. É muito

comum encontrar um idoso católico que tem um filho que atua como médium em algum

centro espírita. Neste caso, estes idosos costumam afirmar que passaram a aceitar ou

superaram o preconceito que manifestavam em relação a religiões como o espiritismo e

a umbanda quando algum familiar começou a manifestar sinais de mediunidade e

encontraram o equilíbrio psíquico em tais religiões. É comum encontrar idosos que vão

às missas católicas dominicais e também receber um “passe” em um centro espírita.

Entre os anos de 2008 e 2010, entrevistei alguns destes alunos e seus parentes para uma

pesquisa denominada “História oral e transcendentalismo: imagens e imaginário do

invisível”, apresentada no III colóquio internacional sobre educação, utopia e

imaginário, na UFF, na cidade de Niterói. Alguns dos depoimentos foram gravados em

vídeo e podem ser acessados no youtube, como o da senhora Pompéia, que faz

comentários muito instrutivos sobre a sua clarividência, um fenômeno transpessoal ou

anomalístico que ela diz vivenciar desde a infância. Um dos vídeos pode ser acessado

através do link: http://youtu.be/6uxYvjn_Rck?list=PL2E5F9C933250E80C.

Considerações finais

Em 10 anos de atuação com a Gerontagogia Holonômica, a hipótese que

lançamos em 2004 parece cada vez mais próxima de se confirmar. A espiritualidade, ou

a sua busca, é um aspecto pulsional presente no inconsciente coletivo e parece ser

independente do condicionamento da infância e da vida. Como a Gerontagogia

Holonômica considera importante a interação do consciente com o inconsciente, como

também aceita o irracional, o paradoxo e a presença da dimensão espiritual no esquema

universal das coisas, é impossível deixar de fora uma reflexão sobre a morte e o morrer.

Os idosos sabem e esperam, muito mais que os jovens, o momento em que a

foice de Cronos virá ceifar mais uma existência. Todos os anos a morte encontra algum

aluno da escola.

O processo de individuação ou de reencontro com a própria essência, o Self, não

se processa se as emoções, os sentimentos de perda ou luto etc. não fizerem parte dele.

A experiência de vida se enriquece com a busca espiritual e a crença em uma realidade

transcendental, não importa qual, é um instrumento importante para superar frustrações

e sofrimentos, encontrando um sentido para a vida.

Page 8: A espiritualidade na educação: algumas questões

Uma das principais características do período que vem sendo denominado como

“pós-moderno” é a (re)descoberta da espiritualidade. O sentimento religioso dogmático,

alienante e conservador parece que perdeu força com a modernidade iluminista, porém,

ao invés do ateísmo, a pós-modernidade parece valorizar um sentimento espiritual

pleno, independente de vínculos religiosos ou doutrinações. Jovens, adultos e idosos

parecem necessitar e buscam respostas para suas inquietações espirituais, refletindo

sobre as questões básicas da humanidade: de onde viemos? Para onde vamos? E o que

estamos fazendo aqui?

O idoso da pós-modernidade não se parece tanto com o idoso estudado por Ecléa

Bosi (1987), na década de 1970, em seu clássico livro “Memória e sociedade:

lembranças de velhos”. Atualmente, o idoso demonstra ser bem menos desarmado e

parece interessado em reinventar o tempo ocioso de forma constante e não-entrópica,

sem descuidar de sua vida espiritual.

Assim, pensar a terceira idade dentro da perspectiva proposta pela Gerontagogia

Holonômica é trabalhar também pelo processo de (re)envolvimento humano, ou seja,

buscando uma forma mais harmônica de vivenciar a natureza, a comunidade, o corpo e,

sobretudo, a alma. E este trabalho não compete, mas complementa aquele que o idoso

vivencia no seio de sua religião ou seita. Nelas o idoso também busca algo que o

fortaleça para enfrentar o mundo desencantado, violento e secularizado. Nelas também

encontra acolhimento e calor humano, pois não é tratado como mais um número, como

acontece frequentemente em hospitais e outros locais públicos.

Porém, no seio da religião ou da seita, o idoso não se encontra com o Outro, com

o diferente. É fácil viver em paz com quem tem os mesmos pensamentos e crenças.

Nesse sentido, conhecer e aprender a respeitar quem tem crenças diferentes é o que

ajudará a criar uma cultura de tolerância e de respeito pelas diferentes buscas espirituais.

Ninguém precisa deixar suas crenças e nem precisa concordar com as crenças alheias,

mas é de fundamental importância que aprenda a respeitar, sobretudo quem professa

uma religião não dominante, inclusive, quem não professa nenhuma.

Quando começamos este trabalho em 2004, notamos como a Umbanda era

vítima de preconceito por parte dos alunos. Quando discutíamos um local para

visitação, todos escolhiam um tempo budista, por exemplo, mas diziam que em um

terreiro não entrariam. Gradativamente, porém, alunos que frequentavam a Umbanda

foram perdendo a vergonha e passaram a assumir sua religiosidade frente aos demais,

fato que foi muito positivo.

Page 9: A espiritualidade na educação: algumas questões

Além do aspecto espiritual, o mais importante, obviamente, podemos dizer

também que o curso acima descrito se transformou em um evento importante de defesa

da diversidade religiosa e de valorização da cultura de paz, sem, em nenhum momento,

desrespeitar a laicidade do Estado.

Referências bibliográficas

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Page 10: A espiritualidade na educação: algumas questões

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TINÔCO, Carlos Alberto. As upanishads. São Paulo: Ibrasa, 1996.

Nota sobre o autor:

Adilson Marques é graduado em Geografia, pela USP (1987-1992) e mestre (1993-

1996) e doutor (1999-2003) em Educação, pela USP. Atuou como animador cultural no

SESC (1996-1998), realizando atividades sócioculturais com idosos, e é educador da

Universidade Aberta da Terceira Idade desde 2003, na cidade de São Carlos, onde foi

também membro do conselho municipal do idoso. Tem 33 livros publicados, abordando

temas como envelhecimento, espiritualidade e cultura de paz.