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11 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DO MARANHÃO MARIA DAS GRAÇAS SARAIVA BARROSO A ESCRAVIDÃO E A CRISE DO ESCRAVISMO NO ANTIGO MUNICÍPIO DE PICOS - MA. São Luís 2006

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DO MARANHÃO

MARIA DAS GRAÇAS SARAIVA BARROSO

A ESCRAVIDÃO E A CRISE DO ESCRAVISMO NO ANTIGO

MUNICÍPIO DE PICOS - MA.

São Luís 2006

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MARIA DAS GRAÇAS SARAIVA BARROSO

A ESCRAVIDÃO E A CRISE DO ESCRAVISMO NO ANTIGO MUNICÍPIO DE PICOS - MA.

Monografia apresentada ao Curso de História do Centro

de Ciências Exatas e Naturais da UEMA, Campus de São

Luís, como parte dos requisitos para obtenção do grau de

Especialista em História do Maranhão.

São Luís

2006

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CERTIFICADO DE APROVAÇÃO

Barroso, Maria das Graças Saraiva

Escravidão e a crise do escravismo no antigo município de Picos - MA. Maria das Graças Saraiva Barroso. -São Luís, 2006 xi, 80 f.:il; 15 Monografia (Especialização em História do Maranhão). - Universidade Estadual do Maranhão, 2006. 1. Escravidão. 2. Crise. 3. Lei do ventre livre. 4. Abolição. 5. Memória oral. I. Barroso, Maria das Graças Saraiva. II Título

CDU 94(812.1).063

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MARIA DAS GRAÇAS SARAIVA BARROSO

A ESCRAVIDÃO E A CRISE DO ESCRAVISMO NO ANTIGO MUNICÍPIO DE PICOS - MA.

Monografia apresentada ao Curso de História do

Centro de Ciências Exatas e Naturais da UEMA,

Campus de São Luís, como parte dos requisitos para

obtenção do grau de Especialista em História do

Maranhão.

Orientador: Prof. MSc. Josenildo de Jesus Pereira Aprovado em, ____/____/______

Banca examinadora:

________________________ Presidente da banca

________________________ 2º examinador

________________________ 3ª examinador

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Dedicatória

In memória

A minha mãe

Ao meu marido João

Francisco. Obrigada pelo

companheirismo, dedicação e

apoio na busca de um sonho.

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AGRADECIMENTOS

À Deus pelo dom e preservação da vida;

À meu pai e irmã pelo carinho;

À minha sogra pelas orações ao nosso favor;

À meus filhos:

Marcio Jerry, Leny Régia, João Haroldo, Márcia Rejane, Dinorá Elisa,

Wendeel, João Filho, Samuel e Silas André, obrigada por acreditarem em mim.

Às minhas noras: Kátia, Katiane, Eliane, Paula Fernanda e os genros Sérgio Paulo,

Péu e André. Obrigada por ser parte da nossa família.

Ao cunhado Haroldo e seu aluno Carlos pela força nos momentos

difíceis na formatação do trabalho.

À Ana Lúcia pelo cuidado dispensado a nossa casa.

Às netas: karolliny, Thalita, Rafisa, Camila, Dandara, Paula Andréia,

Raiza, Gabriela, Rebeca, Mariane, Iara Thalita, Régia Milena, Ana Elisa e aos netos

Caetano, Lucas André e João Ricardo, obrigado por trazerem alegria a nossa casa.

Ao professor Josenildo, obrigada pela atenção e orientação do

trabalho.

Aos senhores Antonio Farias, João Santana, Maria da Paixão, Antônia

Ferreira, Francisca Dias Ferreira, obrigada pelos depoimentos valiosos ao nosso

trabalho.

À Simone, pelo carinho e atenção na digitação dos textos.

Aos cartórios de Colinas, obrigada Jardânia, Júnior, João e Helenilde

pelo acesso aos livros de notas.

Ao cartório de passagem franca, obrigada tia Valdeci pelo acolhimento

dispensado.

Obrigada a todos que direto ou indiretamente cooperaram para que

esse trabalho fosse realizado.

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As relações entre senhores de escravos são

frutos das ações de senhores e de escravos, enquanto

sujeitos históricos tecidas nas experiências desses

homens e mulheres diversos, imersos em uma vasta rede

de relações pessoais de dominação e exploração.

Thompson

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RESUMO

Neste trabalho estuda-se a Escravidão e a Crise do Escravismo no processo de

formação do município de Picos, atual Colinas – Maranhão. Analisa-se a

desagregação do sistema no contexto da vigência da Lei do ventre Livre, relação

senhores escravos, Fundo de Emancipação e Caminhos da Abolição com ênfase na

memória oral.

Palavras – Chaves: Escravidão, crise, Lei do Ventre Livre, Abolição, memória oral.

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ABSTRACT

In this work studies it Slavery and the Crisis of the Escravismo in the process of

formation of the city of Peaks, current Hills - Maranhão. It is analyzed disaggregation

of the system in the context of the validity of the Law of the Free, relation enslaved

gentlemen, Deep womb of Emancipation and Ways of the Abolition with emphasis in

the verbal memory.

Words - Keys: Slavery, crisis, Law of the Free Womb, Abolition, verbal memory.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11

2. PICOS NO CONTEXTO MARANHENSE ............................................................ 12

2.1 O Porto de Picos e o desenvolvimento do Alto Itapecuru .................................. 23

3. A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL MARANHÃO E PICOS. ................. 25

3.1 O comércio ......................................................................................................... 36

3.2 As relações sociais nos primórdios da conquista .............................................. 38

4. A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO E MEMÓRIAS DE REMANENCENTES DE

ESCRAVOS EM COLINAS ..................................................................................... 41

4.1 Memórias de remanescentes de escravos em Colinas ..................................... 56

5. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 67

REFERENCIAS .................................................................................................. 69

ANEXOS

1. Relação de senhores de escravos.

2. Relação de compra e venda de escravos.

3. Mapa da população escrava de Picos, 1883.

4. Carta de Liberdade.

5. Relação de senhores que registraram escravos a serem libertos pelo fundo de

emancipação.

6. Fotos de remanescentes de escravos.

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1. INTRODUÇÃO

As novas pesquisas da historiografia brasileira vêm demonstrando que

a escravidão apresentou viv6encias e experiências diversas e o escravo não foi um

sujeito passivo, mas sim um agente de sua história. É dentro dessa perspectiva que

se busca estudar a escravidão no contexto da formação da antiga vila de Picos no

Maranhão.

O interesse pelo tema deu-se em função da necessidade de um estudo

que contemple a história da escravidão negra no processo de formação do município

e a utilização da mão-de-obra escrava na agroexportação, ao lado da pecuária

extensiva, no contexto da desagregação do sistema escravista.

A pesquisa teve inicio com a leitura de trabalhos da historiografia

negra, brasileira e maranhense, bem como fontes primárias em cartórios e

paróquias. Consultou-se livros de notas e inventários nos cartórios de passagem

franca e colinas, registros de batismos e registro de escravos. A documentação

trouxe a tona varias informações que diz respeito à idade, propriedade, condição

jurídicas sendo estas fontes para analisar as relações escravistas. A memória oral

oriunda dos remanescentes de escravos foi uma preciosa fonte que esclareceram

várias perguntas sobre os documentos.

O recorte temporal do trabalho corresponde às décadas de 70 e 80 do

século XIX, época que nasce Picos na crise de desagregação do escravismo. O

presente trabalho foi construído com base na teoria da historia social que tem como

objetivo compreender o social na sua pratica, o método utilizado foi o histórico critico

com base na teoria de E. P. Thompson segundo o qual os sujeitos sociais constroem

suas experiências cotidianas.

O trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, Picos no

contexto maranhense esboça-se o processo e formação de Picos inserido na

colonização brasileira e nela a do Maranhão. No segundo capítulo, A Escravidão

Africana no Brasil, Maranhão, Picos, destaca-se o cenário econômico e social do

Maranhão focalizando a vida dos escravos, o trabalho na agricultura e pecuária, bem

como as relações sociais. No terceiro capitulo a abolição e memória dos

remanescentes de escravos em Colinas destaca-se o processo de abolição

desenvolvido a partir da criação da lei 2040, atuação do fundo de emancipação,

registro das memórias daquilo que ficou cristalizado pelos remanescentes.

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2. PICOS NO CONTEXTO MARANHENSE

Colinas, cidade maranhense que integra a região do Alto Itapecuru teve

na sua origem o nome Picos. Este foi mudado em razão da Legislação Federal que

impedia a duplicidade de nomes a vilas ou cidades brasileiras. Desse modo Picos do

Maranhão perdeu para Picos do Piauí por ser esta a cidade mais velha. A partir do

Decreto Lei nº. 331, do dia 02 de fevereiro de 1943, a cidade passou a denominação

de Colinas. 1

O processo de formação histórica do município está inserido no

chamado território de Pastos Bons, vinculado, portanto, ao povoamento da Corrente

Baiana, a qual atravessando e povoando o Piauí estabeleceu as primeiras

povoações de Pastos Bons. É importante lembrar que a colonização do Maranhão

ocorreu através de duas frentes de expansão; uma foi a litorânea que se expandiu

sobre o controle do Estado português. A outra corrente povoadora penetrou o

interior e ocupou o território que envolve desde o Alto Itapecuru, Rio Balsas e

alcança o Tocantins – o então chamado território de Pastos Bons. 2

A fazenda de gado constituiu a unidade básica da conquista da região,

como também determinou a força de ocupação do solo. 3. Em 1839 a região atraiu

os balaios que fizeram trincheiras em pontos estratégicos, aterrorizando assim os

proprietários que temiam perder os negros a sua principal mão de obra. 4

A região de Pastos Bons embora com seu processo de colonização

desvinculado do litoral, a violência praticada em relação aos nativos não foi

diferente. O comando de Pastos Bons representado por Manuel Lopes e depois pelo

seu filho Domingos Lopes, entre 1793 a 1801, organizaram expedições no sentido

de aprisionar índios, fazendo em toda região inúmeros prisioneiros. Os índios

Timbiras do sexo feminino e os meninos eram os seus alvos principais.

___________________

1 Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. XV vol. IBGE, Rio de Janeiro, 1959, p. 159.

2 CABRAL, Maria do Socorro Coelho. Caminhos do gado: Conquista e ocupação do Sul do Maranhão.

São Luis, SIOGE, 1992, P. 101. 3 Id. Ibid.P. 144.

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4 Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Op.Cit, p. 158.

Em represália a essas atrocidades, os nativos Timbiras lutaram como

puderam no sentido de preservar o seu espaço. Chegaram a assolar e despovoar

por algum tempo as fazendas de gado que ficavam nas proximidades do Alpercatas.

Dentre estas fazendas pode-se citar: Maté, Maravilha, Gameleira, Salinas e Fazenda

Grande. 5

Em relação ao povoamento do território que hoje é situado a cidade de

Colinas, sabe-se que o Governo Provincial de D. Francisco de Melo Manuel da

Câmara (1806-1809), pretendendo promover a navegação do Rio Itapecuru,

incumbiu Francisco de Paula Ribeiro da Construção de um povoado na confluência

do Rio Alpercatas com o Itapecuru. Estava-se no ano de 1807, época que a família

real portuguesa transferia-se para o Brasil e em sua homenagem, o povoado foi

chamado de Arraial do Príncipe Regente. 6

O local do referido povoado era habitado pelos nativos “os Timbiras

Canelas Finas”, que no processo traumático de violência praticada pelo branco,

impediram o desenvolvimento do Arraial do Príncipe Regente. 7 Em 1808, nas

proximidades do local citado, em um riacho, a 6 km da atual cidade de Colinas, um

menino de 10 anos, trabalhando como servente dos duzentos homens comandados

por Manuel.

Lopes foi assassinado pelos Timbiras, em represália aos ataques

constantes. Após o “crime” retiraram as orelhas e levaram como troféu pela vitória.

O assassinato dessa criança mostra o grau da violência imposta pelo

colonizador branco, que utilizava menores indefesos na busca dos seus objetivos.

Para os nativos, o assassinato de um menino usado nessa “guerra” não

compensaria as inúmeras perdas que tinham de mulheres e filhos feito prisioneiros.

Era sim uma vingança em uma luta que sem dúvida sairiam vencidos, pela

inferioridade que tinham suas armas em relação ao agressor.

_______________________

5 RIBEIRO, Francisco de Paula, memória do sertão maranhense. Editora Siciliano, p. 176 6 MEIRELES, Mário. História do Maranhão, Fundação Cultural do Maranhão, São Luís, 1980, p. 207-

208. 7 RIBEIRO, op. cit. p. 172

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Em 1815, quando Francisco de Paula Ribeiro foi encarregado de fazer

a divisão limítrofe do Maranhão com a Capitania de Goiás, iniciou sua viagem pela

foz do Rio Itapecurú, na canoa denominada Graça Divina, que o conduziria até o

último porto navegável, no mesmo rio. Passou por Caxias e de lá chegou até o

arraial do Príncipe Regente, que se encontrava totalmente deserto.

É possível que diante da violência do conquistador na ânsia de ocupar

o espaço dos nativos, os poucos sobreviventes terminaram fugindo para a mata

deserta.

Diante da resistência dos nativos e o isolamento que havia entre as

igrejas Matrizes, no território de Pastos Bons, em 1822 foi criado a Freguesia de

Almeida D’el Rei, cuja povoação situava-se a margem direita do Itapecuru. 8

É importante lembrar que a Igreja Católica desde a vinda dos

portugueses ao Brasil, tinha uma estreita relação com o estado. Esta relação se

aperfeiçoou cada vez mais estando sempre a Igreja a serviço do Estado, na defesa

dos seus interesses. À medida que as freguesias se expandiam, sem dúvida o

controle do Estado seria maior.

A criação da Freguesia de Almeida D’el Rei promoveu uma maior

integração com o litoral maranhense através do rio Itapecuru. O porto construído a

margem direita do rio até meados do século XIX serviu a Pastos Bons e Passagem

Franca.

Com o afluxo de trabalhadores rurais de diversas regiões, logo foi

plantado um núcleo colonial e foi edificada a Capela de São Miguel. O Pároco

indicado para a Freguesia foi Francisco da Rocha, que atendia toda a jurisdição de

Almeida D’el Rei, que corresponde as atuais paróquias e municípios de Colinas,

Buriti Bravo, Passagem Franca, São João dos Patos, Barão de Grajaú, São

Francisco, Sucupira do Riachão. 9

_______________________

8 RIBEIRO, op. cit. , p. 172 9 SANTOS, Neto, Antonio Fonseca dos, Memória das Passagens... Editora EDUFPI, Teresina 2006,

p. 66.

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O local que hoje é Colinas, foi um pouso de viajantes de Passagem

Franca e Pastos Bons que se dirigiam a Almeida D’el Rei. Os viajantes que por lá

passavam atraídos pelas vantagens naturais fixaram-se construindo suas moradias,

pois as terras devolutas eram importantes áreas para expansão da colonização.

Nesse contexto Germano Pereira de Sá obteve por meio de Sesmaria uma vasta

área de terra, a partir da qual, se desenvolveu o povoado da chamada Fazenda

Grande10.

Em 1835, pela Lei Provincial nº. 07 de 29 de abril, foi criada a Comarca

de Pastos Bons, que ficou dividida em dois municípios: Passagem Franca e Pastos

Bons. A Fazenda Grande de Germano Pereira de Sá ficou pertencendo ao município

de passagem Franca e ganhando cada vez mais admiradores daqueles que

passavam para transportar suas produções pelo porto de Almeida. A principal

produção embarcada para Caxias era o algodão e de lá eram trazidas Mercadorias

que abasteciam o mercado das vilas de Pastos Bons e Passagem Franca.

A partir de 1835, Almeida D’el Rei foi anexada a freguesia de São

Sebastião de Passagem Franca. O porto de Almeida D’el Rei foi sem dúvida um dos

fatores que mais contribuiu para o desenvolvimento da Fazenda Grande. Outras

fazendas inseridas no município também se destacavam, como é o caso da Maté,

Gameleira, São Félix e Maravilha.

Em 1838, a Balaiada penetrou em parte da província, chegando à

cidade de Caxias, que rende-se aos revolucionários. Foi nesse contexto que a

Fazenda Grande, do município de Passagem Franca, como muitas outras, foram

invadidas pelos Balaios.

Na época, o dono herdeiro da Fazenda Grande era o senhor José

Pereira de Sá, que temendo que seus escravos se unissem aos balaios pediu

socorro às autoridades de Caxias, vindo reforço sob o comando do Tenente Joaquim

Eloi de Queirós. Houve combates no povoado Piquete, onde o Srº. Pereira de Sá

morreu. Muitas outras vidas foram ceifadas, onde os seus restos mortais jazem num

cemitério no Bairro Piquete.

_______________________

10 Enciclopédia dos Municípios brasileiro XV, IBGE, Rio de Janeiro 1959, p. 159.

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Com o fim da Guerra da Balaiada o tenente Joaquim Eloi de Queirós

passou a residir na Fazenda Grande, integrando a família de Dona Cândida Xavier

de Monte Serrat, a viúva do Srº José Pereira de Sá. Outros genros integravam a

família, entre eles José Caminha Trajano Brandão e Francisco Figueira.

O ex-tenente Queirós passou a ser um ponto de apoio à viúva,

inclusive sendo professor das filhas menores. Essa relação de amizade e

consideração logo suscitou o ciúme e rivalidades na família. Diante das intrigas,

Dona Cândida antes de dividir os bens resolveu doar a data da Fazenda Grande à

Nossa Senhora da Conceição, a qual compreendia meia légua de terras em quadra,

onde na época já havia uma capela de adoração à Padroeira do lugar. Esse ato de

Dona Cândida cooperou para o apaziguamento da família e José Trajano Caminha

Brandão, passou a ser uma das lideranças da família e do lugar, cooperando

sempre para seu engrandecimento.

Aos 28 de maio de 1868, através da Lei Provincial nº. 1338, a Fazenda

Grande foi elevada à categoria de Distrito Administrativo, com o nome de

Consolação 11 Com as vantagens que a referida povoação oferecia, muitos dos

criadores e produtores de Passagem Franca transferiram suas residências

prosperando assim cada vez mais o povoado.

_______________________

11 IBGE, op. cit. 1959, p.158

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Esses novos moradores cooperaram para que o então Distrito de

Consolação fosse transformado em vila, a qual recebeu o nome de Picos, nome este

sugerido pelo Drº Francisco Dias Carneiro, que foi um político e respeitado homem

de letras da região. Veja o que diz a lei:

“Lei nº. 879 de 04 de junho de 1870. O Drº. José da Silva Maia, vice-presidente da providência do Maranhão: fácil

saber a todos os seus habitantes que a assembléia

legislativa providencial decretou e eu sancionei a lei seguinte:

Art. 1 - Fica elevada à categoria de vila a povoação

dos Picos à margem direita do Itapecuru, no município de

Passagem Franca.

Art. 2 - Para esta vila fica transferida a rede do

município de Passagem Franca.

Art. 3 - Na mesma vila fica criado um distrito de pais

cujos limites ficam sendo os mesmo da subdelegacia que já

ali existe por portaria de 24 de abril de 1869.

Art. 4 - Fica extinta a vila de Passagem Franca

passando a ser o 2º distrito de paz do esmo município.

Art. 5 - Os limites de4sse município com o de Pastos

Bons continuam a ser a linha imaginária da foz do rio

Alpercatas em direção à Inhumas e às cabeceiras do riacho

fundo conforme a lei providencial n° 13 de 08 de maio de

1835

. Art. 6-ficam pertencendo ao município de Picos os

lugares denominados presidi de baixo,

Maravilha,Jenipapeiro, Floresta, Suçuarana, Maté, Peixe e os

mais que com estes estão debaixo da mesma linha divisória.

Art.7-ficam revogadas as disposições em

contrário.Mando portanto a todas as autoridades a quem o

conhecimento e execução da referida lei pertence que a

cumpram e façam cumprir tão inteiramente com nela se

contém. O secretário do governo a faça imprimir, publicar e

correr. Palácio do governo do Maranhão, 4 de junho de 1870.

a) José da Silva Maia.

( Publicada no jornal ‘Publicador Maranhense’ de 10 de

junho de 1870”.12

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A elevação de Picos a Vila causou ciúme dos moradores de Passagem

Franca, os quais através da Câmara Municipal, fizeram reclamações ao então

Presidente da Província.

A elevação de Picos a Vila causou ciúme dos moradores de Passagem

Franca, os quais através da Câmara Municipal, fizeram reclamações ao então

Presidente da Província.

A 30 de dezembro de 1870, o Presidente dava resposta negativa aos

passagenses, dizendo que a Lei já estava em vigor. 13

Aqueles moradores que eram a favor da transferência da vila de

Passagem Franca a Picos, justificavam com o discurso que a força da lavoura

estava no Itapecuru e que sendo melhoradas as cachoeiras, poderia chegar até

Picos a navegação a vapor, a qual beneficiaria toda a Comarca, especialmente

Picos e Mirador.14

Já aqueles que eram contrários a elevação da Vila de Picos

argumentavam que só a força do partido é que poderia descobrir a importância em

elevar a vila uma povoação com 18 ranchos, como se fez pela Lei Provincial de 04

de junho de 1870.

O político e articulador responsável por essa transferência foi o Drº

Francisco Dias Carneiro, o qual nasceu em 1837 em Passagem Franca. Foi

deputado e vice-presidente do Maranhão Provincial e um dos grandes nomes do

Partido Conservador.

Dias Carneiro foi um empreendedor rural que se destacou na

exportação do algodão. O seu pai era o Coronel Dias Carneiro que juntamente com

outros produtores e criadores de Passagem Franca construíram um patrimônio,

concentrando em seu poder grandes áreas de terras e gado.

_______________________

12 – IN Reis JR, Minha terra minha gente, p. 153, 154. 13-MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico e geográfico da história do MA. Ri J., fon fon

Seleta, 197012.

14 Id. Ibid

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Para se ter uma idéia, em 1894 Dona Rufina Dias Carneiro, na partilha

que fez após a morte do seu marido, o Coronel Antonio Regino de Carvalho, ficou

registrado no seu inventário 2.500 bois distribuídos em 12 fazendas nos termos de

Passagem Franca e Picos, além dos bens móveis a família possuía títulos e ações

da Companhia Industrial Caxiense.15

Todo esse poder econômico vai proporcionar a família o poder político

na região. O Drº Dias Carneiro foi o articulador responsável pela mudança da

Fábrica de Tecidos de São Luís para Caxias, por onde o poder econômico da família

se alastrava. 16

Pelos registros do Livro de Notas do 1º Tabelionato de Picos pode-se

perceber a liderança política de Francisco Dias Carneiro na região, onde sempre o

apresentavam como procurador na resolução de negócios em Caxias, São Luís e

até na capital do Império.

________________________

15 Livro de Notas do Cartório do Segundo Ofício de Picos 16 CALDEIRA, José de Ribamar. ORIGEM DA INDÚSTRIA NO SISTEMA AGRO-EXPORTADOR

MARANHENSE. 1875-1895. p.189.

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Com a elevação de Picos a categoria de Vila, a sede do município que

era em Passagem Franca passou a ser instalado em Picos. Aos 12 de outubro de

1871 o Juiz de Direito Doutor Salvador Pires Carvalho e Albuquerque faz a abertura

do Livro de Audiências, com a primeira audiência no dia 26 de outubro de 1871,

aberta pelo primeiro Oficial de Justiça de Picos, o senhor Adauto José de Sousa. O

Doutor Salvador Pires de Albuquerque ficou no cargo até 16 de agosto de 1872. E,

em 1873 foi criada a comarca do alto itapecuru pelo referido juiz. Es a lei de criação

da comarca do alto Itapecuru.

Artigo 1 fica desmembrado da comarca de pastos

bons, o termo judicial dos picos, com parte do de São

Francisco, das comarcas de São Jose dos matões elevado

a categoria de comarca com denominação de comarca do

alto itapecuru.

Artigo 2 os limites da comarca são os seguintes:

§1- Da BARRA DO RIO CORRENTE ATÉ DO

RIACHO S.DOMINGOS e por este acima até suas

cabeceiras do brejo da onça até a estrada real que vai para

PARANAGUÁ passando na fazenda –POR ENQUANTO –

até o porto dos VEADOS no rio Parnahyba; e por este

acima até de fronte da fazenda BURITY.

§2- Da fazenda – seguira uma linha reta passando

pelas fazendas SERRA GRANDE, TABOLEIRAO,

GENIPAPO, PÉ DE SERRA, UNIÃO, MARAVILHA,

PRESIDIO DE BAIXO, e BARRA DOS ALPERCATAS.17

Com sede da comarca instalado em Picos ocorreu, em 1879 a eleição

de deputados provinciais para o biênio de 1880 a 1881. O Colégio Eleitoral reuniu-se

na casa da Câmara Municipal no dia 16 de novembro do referido ano composto de

24 eleitores, sendo presidido por Feliciano Joaquim Carneiro para eleição de 30

deputados provinciais. 18

_______________________

17 JACOBINA, Apud,SANTOS, Neto, Antonio Fonseca dos, p 115 18 Livro de Notas. Cartório do 1º Oficio, p. 116-118

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31

Segundo a ata da Eleição o resultado foi logo publicado recebendo

cada candidato apresentado dezesseis votos, visto que cada eleitor podia escolher

vinte nomes.19

É importante lembrar que o voto por todo o Período Imperial era restrito

a uma pequena parcela da população. Aos escravos e negros libertos era negado o

direito ao voto, assim como também as mulheres. A idade mínima do eleitor era de

25 anos de acordo com a constituição de 1824, exceto os casados, oficiais militares

maiores de 21 anos. O voto também era censitário, isto é, exigia-se uma renda

mínima para ser eleitor ou candidato. 20

Em 1869, quando Picos era vinculado a Passagem Franca, uma carta

desta Vila foi divulgada por César Marques no seu dicionário. Em relação à renda foi

comunicado que o Município tinha cento e tantos proprietários, mais ou menos

abastados e aptos para concorrer aos cargos públicos, sendo cadastrado 138

jurados para aquele ano. Portanto, o Colégio Eleitoral de 1879, reunido em Picos,

comprovou as inúmeras restrições ao voto nesta Vila.

É importante frisar que a Igreja na defesa dos interesses do Estado,

tinha grande influência no processo eleitoral nesse período. Geralmente era no

interior da Igreja que ocorriam as eleições. Após a Missa, assistida pelo Pároco, este

era quem indicava os nomes de dois cidadãos para integrar a mesa eleitoral como

os Secretários e escrutinadores. Além disso, os candidatos às eleições deveriam

professar a religião oficial do Estado – a Católica.21

A eleição de 1879 em Picos foi uma exceção, sendo realizada na Casa

da Câmara Municipal, porque segundo a Ata, o Padre da Paróquia se encontrava

doente, onde foi justificada a não ocorrência da Missa do Espírito Santos como

também foram justificadas as faltas de três eleitores, inclusive o padre Francisco

Maximiano da Costa, Pároco da Freguesia.

_______________________

19 Ibid, pág. 116 20 PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil – Da Colônia a Quinta República. História Eleitoral do

Brasil, 3º Vol. Brasília – DF, 1989, pág. 25 21 Ibid. 1992, pág. 53

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32

Em razão da sede da comarca ter sido transferido de Passagem

Franca a Picos, a partir daí o comércio ganhou impulso assim como todas as demais

áreas.

A vila de Picos, a partir de 1870 passou a ter uma estação de Correios,

a qual teve como ajudante dos Correios, o senhor Franco Pereira da Fonseca, que

conciliava esta função com a de Professor Primário do sexo masculino. A professora

primária do sexo feminino era Dona Inácia Rosa de Moraes Azevedo. Ambos os

professores recebiam os seus vencimentos, assim como o aluguel da casa onde

funcionava a escola através de procurações que enviavam a parentes ou amigos em

Caxias. 22

Em 1878, os representantes da Comissão responsável peã construção

da Igreja de Nossa Senhora da Consolação reivindicaram da Assembléia Provincial

a verba de Um Conto de Réis, destinada a conclusão da obra, a qual teria sido

votada na Lei de orçamento. A procuração foi representada pelos senhores:

Professor Franco Pereira da Fonseca e Rafael Bernouchi, os quais constituíram

seus procuradores o Doutor Dias Carneiro, o Capitão Gesuino Moreira Lima, Bento

José Esteves e João Pedro Ribeiro.

Aos referidos nomes eram sempre enviadas procurações de picoenses,

do Carcereiro da Cadeia Pública ao Juiz de Direito, para receber na capital da

Província seus vencimentos ou outros negócios. 23

Em 1880 a Câmara Municipal de Picos, composta pelos Vereadores:

Major Fernandes de Moura e Brito, Alferes Felinto da Silva Ribeiro e José de Brito

comprou uma casa do senhor Alferes Elpídio Ferreira de Sousa, na Rua dos

Quintais, pelo valor de 840 mil réis.

Não foi possível identificar o local da referida casa, mas a verdade é

que a mesma foi um dos primeiros bens públicos da Vila de Picos.24

_______________________

22 Livro de Notas, 1876-1880 23 Ibid, p. 81 24 Ibid, p. 129-130

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33

2.1 O Porto de Picos e o desenvolvimento do Alto Itapecuru

Com a ascensão de Picos, surgiu também seu Porto, em função da

produção do algodão na região. O Porto de Picos foi um impulsionador do

desenvolvimento da lavoura e do comércio, era considerado o melhor porto, sendo

um entreposto da navegação de Mirador, onde as barcas duplicavam suas cargas

devido a maior capacidade do rio. Estava situado uma légua abaixo da confluência

do Rio Alpercatas, sendo o último porto a chegar uma boa navegação. 25

Diante da pouca durabilidade do projeto de navegação iniciado pelo

Governador Francisco de Melo Manuel da Câmara, (1806 a 1809), os moradores de

Picos deram continuidade a esse projeto com autonomia própria. Os modelos de

embarcações arcaicas e rudimentares foram construídos pelos mesmos a beira do

rio.

Nesse contexto surgiu ao lado das tradicionais embarcações a figura

lendária do “vareiro” que por muitos anos contou histórias misteriosas do Rio

Itapecuru.

Os principais tipos de embarcações eram: a canoa, a igarité e o bote.

As canoas eram movidas a remo, destinadas a transportar passageiros, a igarité e o

bote tinham quilhas firmes para proteger-se de pedras na correnteza. Devido ao rio

correr entre floresta densa não era possível aproveitar a energia dos ventos naturais.

Surgiu assim a necessidade de um instrumento para empurrar rio acima as

navegações. Esse instrumento foi a “vara de ponta ferrada”, que por um século foi a

principal característica da navegação do Alto Itapecuru, a “Navegação a Vara”.

_______________________

25 MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro, Editora Fon fon seleta. 1970. p.158.

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34

O trabalho dos vareiros rio abaixo consistia em direcionar as

embarcações pelo canal mais fundo do rio para evitar os redemoinhos. As viagens

rio acima tinham conotação diferente, a igaraté parte e os vareiros com suas varas

começam a descer em fila indiana, o mestre dirige a pesada embarcação no canal

da água mansa, que é o canal da subida. A viagem de Picos a Caxias durava 10

dias e em 15 dias o retorno. Os vareiros faziam parte de uma sociedade isolada,

moravam geralmente nos barcos, mesmo quando estavam atracados. Quando em

terra, gostavam de cachaça, viviam cercados de mulheres que lhes tiravam os

tostões da economia forçada de um mês em alto rio.

Em relação ao vestuário, em viagem usavam apenas uma tanga e em

terra usavam roupas comuns, sapatos de borracha e um boné branco de pala. Os

vareiros eram vistos como homens honestos, nunca roubavam no seu barco e se por

acaso, cometessem tal infração, seriam punidos com a expulsão do seu mundo,

depois de muito apanhar. Os vareiros alimentavam-se de carne seca com farinha,

que era a primeira refeição, às oito da manhã, ao meio dia almoçavam feijão,

toucinho, carne e arroz, quando lhe era concedido o repouso de uma hora. Ao

amarrarem para adormecer, lhes era servido carne seca e farinha. Esse cardápio era

variado com os mandubés, os fidalgos e os surubins pescados pelo cozinheiro da

tripulação. 26

A figura do vareiro fez parte do processo de criação, povoamento e

desenvolvimento da região do Auto Itapecurú. Só em 1897 é que vai registrar-se,

pela primeira vez a vinda de um vapor à cidade de Picos. Era o vapor “Gonçalves

Dias” da Companhia de Navegação a Vapor do Maranhão. Havia ancorado

anteriormente, em 1891, a pequena lancha denominada “Nhonhô”, na qual viajava o

Doutor Palmério de Carvalho, que fazia estudos sobre a navegabilidade do Rio

Itapecuru. 27

________________________

26 REIS, Júnior José Sérgio dos. Nos desvãos do Itapecurú. SN. 1980, p.106 27 IBGE, 1959, p.159.

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35

3. A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL MARANHÃO E PICOS.

A escravidão foi um regime social de sujeição que por mais de três

séculos perdurou no Brasil. Apesar de ter sido abolido oficialmente há mais de um

século, as duas marcas se mantém em todos os recantos do Brasil, manifestando-se

através de atitudes de preconceito e discriminação em relação ao negro.

O trabalho escravo foi instituído no Brasil em função da instalação da

propriedade mono-cultural da cana-de-açúcar. O negro africano foi usado para

resolver o problema da mão-de-obra a qual se estendeu a todas as áreas e setores

de atividades de Norte a Sul do país. A presença do escravo negro era marcada em

toda a parte onde fosse desenvolvido o trabalho.

Os portugueses no que diz respeito ao tráfico eram peritos, pois desde

meados do século XV já traficavam negros da Costa da África. Como colonizadores

do Brasil fizeram do tráfico um dos negócios mais lucrativos da Colônia. 28

Existem dúvidas em relação à época da chegada dos africanos ao

Brasil. Mas sabe-se que entre 1502 e 1800, mais de nove milhões de africanos

foram transportados para as Américas e o Brasil figurou-se como o maior importador

de homens pretos. Nesse contexto delineou-se a formação econômica do Maranhão,

embora tardia em relação às outras partes do Brasil. 29

Sobre a entrada dos africanos no Maranhão também há controvérsias.

Diante das condições de penúria que vivia a população maranhense nas últimas

décadas do século XVII é provável que fosse impossível a importação de negros,

visto que o preço do mesmo era altíssimo. 30

________________________

28 PINSKY, Jaime, A Escravidão no Brasil, 7ª Edição, São Paulo. Editora Contexto, 1988. 29 MATTOSO, Kátia M. Queirós. Ser Escravo no Brasil. São Paulo. Brasiliense, 1990. 30 MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão. RJ, Fon

fon e Seleta, 1970.

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36

Por volta de 1682 os fazendeiros maranhenses através da chamada

Revolta de Bequimão reclamavam da falta de compromisso da Companhia de

Comércio do Maranhão e Grão Pará que em acordo firmado deveria enviar 10.000

negros ao Maranhão à razão de 500 por ano. No prazo de três anos o negócio foi

extinto e a noticia que se tem é de 200 escravos trazidos por um dos navios da

companhia. 31

A importação de escravos no período deve-se à iniciativa particular,

sendo os dados insignificantes. Nos anos de 1692, 1693 e 1698 o Maranhão

importou 508 escravos. 32

A entrada de maior número de escravos ao Maranhão deve-se à

criação da Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão que a partir de 1755

passou a abastecer o mercado de escravos numa média de 600 escravos por ano. 33

Nesse período a mão-de-obra escrava baixou de preço, tendo em vista

as determinações do governo português, recomendando que as vendas atendessem

principalmente aos lavradores, facilitando também as formas de pagamento. O preço

do escravo no trabalho era em torno de 160$000 em 1703 e variou de 20$000 a

120$000 no período em que atuou a Companhia no Maranhão. 34

A Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão foi extinta em

1777, mas a agro-exportação continuou expandindo-se e utilizando cada vez mais o

escravo; porém com um agravante que foi a alta do preço, variando na década de

1780 entre 135$000 a 200$000 e em 1813 de 230$000 a 300$000. Indignado com a

subida dos preços, Raimundo José Gaioso, Patrono da Cadeira Nº 13IHGM,

considerou a escravidão um dos maiores entraves ao desenvolvimento da produção

maranhense. 35

É importante ressaltar que o referido contemporâneo da escravidão

estava contestando o preços dos escravos, e não ao regime escravocrata.

_____________________________ 31 MEIRELES, Mário M. História do Maranhão, São Luís, FAC-Similar, 1992, pg. 85.. GAIOSO,

APUD FARIA, Regina Helena Martins de. Trabalho Escravo e Trabalho Livre na Crise da

Agroindústria do Maranhão, São Luís, 1998, pg. 40. 32 MATTOSO, Kátia M. Queirós. Ser Escravo no Brasil. São Paulo. Brasiliense, 1990. 33 FARIA, Regina, op. cit. Pg. 40 34 Idi Ibid 35 JUNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, pg. 82.

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37

Mesmo com o preço em alta, o Maranhão continuou importando

escravos vindo diretamente da África, de outros portos como Salvador, Rio de

Janeiro e Recife e também através de rotas pelo interior, que saiam da Bahia e

Pernambuco, cortando o Piauí, chegando à Caxias. 36

A grande produção de algodão no Maranhão ocorreu entre 1812 a

1821, quando o Estado foi destaque no cenário da economia brasileira. 37

Com o crescimento da agro-exportação aumenta o número de

escravos, chegando a 53% da população maranhense em 1822. Desse contexto

surgiu a célebre frase: “O algodão apesar de branco tornará preto o Maranhão”. 38

O número de escravos da Ribeira do Itapecuru, grande produtora de

algodão, era de 83% de sua população.39

Em 1850, com a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico

internacional, a população escrava passou a declinar, sendo isto mais visível onde

as províncias estavam em decadência. O Maranhão, uma das províncias que

detinha o maior número de escravos no início do século XIX, enquadra-se nesta

posição, pois a partir do segundo quartel do mesmo século, sua população escrava

diminuiu bastante, em virtude das pressões inglesas em relação ao tráfico africano e

do crescimento do tráfico interprovincial. 40

Diante da crise financeira vivenciada pelos fazendeiros maranhense e

possível que a partir de 1831 o Maranhão tenha se desligado da fonte abastecedora

de escravos. O fato ocorreu não porque os maranhenses fossem superiores aos

demais brasileiros em moralidade e obediência à lei, mas sim porque a queda do

preço do algodão empobreceu e quebrantou o ânimo dos nossos lavradores, a ponto

de não poderem pagar pelos negros importados. 41

________________________

36 Id. Ibid. 37 FARIA, Regina, Op. Cit. Pg. 40. 38 RIBEIRO, Jacila Ayub. Jorge. A Desagregação do Sistema Escravista. 39 REIS, Fábio. APUD. RIBEIRO, Op. Cit. Pg. 82 40 RIBEIRO, Jacila Ayub. Jorge., op. cit. Pg. 83 41 Id. Ibid. pg. 84

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38

A economia maranhense via-se diante de antigos problemas, como o

débito, a concorrência e o desencontro dos preços.

Houve, portanto, uma mudança radical de antigo importador de escravos, passou a

exportar com rapidez grandes contingentes da sua força de trabalho. 42

Por duas vezes, o Maranhão beneficiou-se da desarticulação do

algodão nos Estados Unidos. A primeira vez ocorreu no período das guerras de

independência e depois da Guerra de Secessão, que culminou com a abdicação da

escravidão daquele país.

A Lei Regencial de 1831, que abolia o tráfico de escravos, coincidiu

com a crise econômica que se instaurava na província maranhense. Com o fim das

guerras de independência, os Estados Unidos voltaram a produzir algodão e o preço

em baixa restringiu a partir de 1820. Em 1830, portanto, o Maranhão estava

mergulhado em uma significante crise econômica. 43

Diante da referida crise que ameaçou os fazendeiros maranhenses,

sempre endividados com os comerciantes, viram aqueles, no tráfico interprovincial,

um meio de obter lucros, para amenizar suas dívidas. 44

Os primeiros registros de venda de escravos no Maranhão para outras

províncias ocorreu em 1846, prosseguindo nas décadas seguintes. De 1847 a 1851

foram vendidos 363 escravos para as regiões cafeeiras. Na década de 1850 a

exportação aumentou, chegando a 1361 escravos em 1857. Esse tráfico perdurou

por toda a década de 1870 indo até 1885, quando foi proibido.

A Vila de Picos, atual Colinas, localizada na região do Alto Itapecuru,

em seu processo de formação também vivenciou a escravidão, a qual foi a principal

relação de trabalho e base da vida econômica e social. Entre as fazendas da região

do Alto Itapecuru, estava a Fazenda Grande, que em 1822 foi requerida e concedida

através de Sesmaria à Jerônimo Pereira de Sá.

Esta fazenda foi o primeiro núcleo da conquista que deu origem à Vila

de Picos, atual Colinas e pertencia ao município de Passagem Franca.

As terras na Ribeira do Alto Itapecuru foram muito disputadas no seu

processo de demarcação no início do século XIX. Aconteceu inclusive de uma

________________________

42 Id. Ibid. pg. 85 43 Id. Ibid 44 Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. XV Volume, IBGE, pg. 159, Rio de Janeiro, 1999.

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39

mesma área ser concedida a diferentes sesmeiros.

As fazendas tinham em geral três léguas de terra e entre cada fazenda

havia uma légua devoluta, que serviria de divisa. 45

A grande propriedade era um dos elementos básicos da criação de gado, pois o

gado sendo criado solto exigia grande extensão de terra.

As instalações da fazenda compreendiam a Casa do Vaqueiro, a qual

era coberta de palha e o Curral do Gado. O trabalho na fazenda era desempenhado

por mão de obra livre e escrava, porém, o trabalho escravo nas fazendas de gado

era raro. 46

Na segunda década do século XIX, em toda a região de Pastos Bons,

havia uma população de aproximadamente 5.000 habitantes e 1.000 escravos. Os

escravos representavam quatro vezes menos a população livre, enquanto em toda a

Província, a população escrava representava 50,9% do total da Província.

População total e população escrava na província do Maranhão e

Sertão de Pastos Bons – 1819/1821. 47

DISTRIBUIÇÃO

POPULAÇÃO TOTAL

POPULAÇÃO ESCRAVA

%

Província 152.893 77.954 50,9%

Pastos Bons 5.000 1.000 20%

Pelos dados acima pode-se perceber que na época que a criação de

gado sobressaia-se na região, a mão de obra livre predominava nessa atividade,

enquanto a mão de obra escrava era utilizada na agricultura de subsistência.

Nas fazendas de gado do Alto Itapecuru, o vaqueiro era a figura principal, e o seu

trabalho era pago em espécie, recebendo um quarto da produção de cinco em cinco

anos. O trabalho do vaqueiro era espinhoso, tendo que embrenhar-se nas matas em

busca do gado, cuidando das vacas paridas e de amansar os bezerros. No mês de

agosto ou setembro, o pasto era queimado com o fim de brotar novas pastagens nas

primeiras águas. 48

________________________

45 RIBEIRO, Francisco de Paula. Memórias dos Sertões Maranhenses. Ed. Siciliano, pg. 88, 2002. 46 Id ibid. P. 84. 47 Ibid. 48 CABRAL, Maria do Socorro Coelho, op cit. Pg 150.

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40

O vaqueiro, no convívio das matas, enfrentava o perigo das cobras

venenosas e das onças ferozes, as quais procurava combatê-las. No cumprimento

de sua tarefa, esse desbravador do sertão, chegava a dormir no campo ou

despertava na madrugada, a fim de encontrar o gado nas malhadas e verificar as

condições dos mesmos. No caso de haver crias novas, estas eram cuidadas para

evitar o contato com moscas varejeiras. As vacas prestes a dar crias, deveriam ficar

sob as vistas do vaqueiro, evitando que ficassem bravas com a dispersão. Nas

fazendas destacava-se também a figura do fábrica, o qual era uma espécie de

ajudante do vaqueiro, que cuidava dos cavalos e de amansar o gado.

A quantidade de fábricas era determinada pelo tamanho da fazenda e o

seu pagamento, quando este era trabalhador livre, era feito segundo o contrato

verbal, que poderia ser mensal ou anual. O fábrica também poderia ser o escravo da

fazenda, ou mesmo os filhos dos fazendeiros que no caso, aprendiam a cuidar do

gado e passariam a ganhar o quarto das criações de seus pais. Os fábricas também

cuidavam da manutenção da subsistência da família. Eram estes que plantavam nas

roças os legumes e cereais necessários à alimentação. 49

O vaqueiro enfrentando todas as dificuldades mencionadas, trabalhava

motivado por uma ascensão social, de vaqueiro podia tornar-se fazendeiro. É

provável que os escravos fossem pouco solicitados à função de vaqueiro, por essa

possibilidade. Nas fontes consultadas, encontrou-se apenas dois vaqueiros

escravos. Trata-se de Apolinário, 56 anos, preto, vaqueiro de Quirino Moreira Lima,

o qual em 1873 compunha uma relação dos escravos a serem libertos pelo Fundo

de Emancipação e Eduardo, escravo vaqueiro de Ana Francisca de Carvalho, que

recebeu Carta de Alforria em 1879. 50

A partir dos anos 40, o gado vacum teve sua produção em declínio,

quando foram acometidos de epidemias que vitimaram grandes rebanhos. As pragas

também se multiplicaram e o criador que praticava uma pecuária extensiva, sem

nenhuma assistência técnica e veterinária, esperava as providências divinas. 51

___________________ 49 RIBEIRO, Francisco de Paula, op. cit. Pg. 150. 50 Livro de Notas, Cartório do 2° Ofício, Colinas – MA 51 APUD, César Marques, pg. 510-511

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41

Com todas essas inconveniências, em 1861, a população bovina do

sertão de Pastos Bons era de 131.200 de gado vacum e 32.800 bezerros. O

município de Passagem Franca, inserido nessa totalização, tinha uma população de

26.800 gados vacuns e 6.700 bezerros. 52

Em 1870, ano que se deu a transferência da sede do município de

Passagem Franca para Picos, o município tinha uma população bovina de 60.000

gados vacuns e 16.000 bezerros. Esses dados relacionados aos de 1861 são

surpreendentes, verificando-se um aumento significativo. 53

Nas proximidades do Rio Itapecuru e do Riacho Balseiro, a lavoura de

subsistência era variada, plantando ali os moradores, mandioca, cana-de-açúcar,

cebola e alho. O algodão também já era produzido, embora em pequena escala,

devido a falta de transportes para o escoamento. Em 1818, uma canoa que vinha de

Caxias em combate aos índios Timbiras Canelas Finas na região, embarcou de volta

no Porto de Almeida D’el Rei carregada de algodão. 54

Apartir de 1840 a criação de gado que se desenvolvia nas chapadas de

Passagem França, foi vitima de inúmeras pragas e epidemias, que desmotivaram os

criadores, levando-os mesmos a se dedicarem a outras atividades. Da mesma forma

ocorreu com os agricultores da cana de açúcar que se adaptava muito bem nos

terrenos de brejos, mas não havia incentivo para produção em grande escala,

devido à falta de transportes. 55

São essas inconveniências que levaram muitos lavradores a busca de

novas terras às margens do Rio Itapecurú, onde se dedicaram ao plantio do

algodão. Com a expansão algodoeira surgiram novos núcleos urbanos, como foi o

caso de Picos e Mirador.

Nas décadas de 1860 a 1870, a lavoura do algodão passou a ser

destaque na região do Alto Itapecuru, enquanto que a criação de gado declinou,

sendo uma atividade acessória dos lavradores abastados.

____________________ 52 CABRAL, Mara do Socorro Coelho. Op.Cit. pág. 143. 53 CABRAL, Maria do Socorro Coelho, op cit, p 143. 54 RIBEIRO, Francisco de Paula, op. cit. Pg. 175. 55 RIBEIRO, Jalila Ayub Jorge. op. cit. Pg. 48

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42

O algodão era cultivado em baixões, várzeas, com prioridade para os

vales da Serra do Belém. Foi nessa área que concentrou-se o maior número de

escravos distribuídos nas fazendas Mate, Sítio do Meio, Catumbá, Jaguarana,

Cacimbas, etc. Belém atualmente é conhecido como Belém dos Negros. 56

A referida produção mostra o grau de fertilidade da terra, que apesar

dos agricultores utilizarem o método tradicional da coivara conseguiram ter uma

produção vantajosa. Nesse processo os trabalhadores escravos preparavam a terra,

primeiro com foice e machado brocavam e derrubavam no mês de junho, em agosto

tocavam o fogo e de outubro em diante plantavam. Mas o trabalho não parava por

aí, pois tinham que fazer a capina para manter limpos os pés de algodão e por último

a colheita, o ensacamento e o transporte até o Porto de Almeida D’el Rei e depois o

Porto de Picos, embarcados ali para Caxias. De Caxias seguia ao Porto de São Luís

de onde era exportada para a Europa. 57

Diante da abundância das terras, o lavrador não demorava mais de dez

anos numa fazenda. A década de 1860 foi marcada por mudanças para o lado

esquerdo do Itapecuru. As capoeiras também eram aproveitadas para o plantio de

algodão. Os grãos eram plantados em fileira e intercalados ás vezes por outros

gêneros alimentícios, obtendo-se assim bons resultados. Nos terrenos mais pobres

era plantado o algodão herbáceo, sendo este mais rico em felpa como também mais

rápido no desenvolvimento em relação ao arbóreo. 58

Outros gêneros alimentícios como arroz, milho, feijão, mandioca, etc,

não eram cultivados com vistas ao comércio devido a falta de meios de transporte.

Esses alimentos eram para subsistência das famílias de senhores e seus escravos.

Com o desenvolvimento das atividades mencionadas, a mão de obra

escrava era imprescindível.

________________________

56 Relatório da Camara Municipal de Passagem Franca, APUD, César Marques, pg. 512. 57 Id Ibid 58 Id Ibid

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43

Em maio de 1847, o mapa da população do I Distrito de Paz da Vila de

Passagem Franca era o seguinte: 59

PESSOAS LIVRES PESSOAS CATIVAS CONDIÇÕES

HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES

1 A 18 anos 771 654 156 131

18 a 25 anos 207 236 65 62

25 a 50 anos 345 413 168 99

50 p/ mais 98 106 36 20

Soma por condições 2.833 734

Soma por almas 3.570

No mesmo ano de 1847, em Ofício da referida vila ao Presidente da

Província, Dr° Joaquim Francisco de Sá, eram enviados dois nomes como proposta

para Capitães do Mato da Vila de Passagem Franca. Os nomes enviados foram:

Pedro Barbosa de Sousa, 36 anos, casado, lavrador e João Francisco de Castro, 26

anos, solteiro, lavrador, de conduta regular.

A indicação da proposta estava baseada em uma ordem do Presidente

da Província, transmitindo em Ofício de N° 334, de 20 de setembro de 1847. 60

A figura do Capitão do Mato na sociedade, surgiu em função do

aumento do número de escravos. Esses homens, diante dos maus tratos que a

escravidão lhes impunha, viram na fuga o único meio de conquistar a sua liberdade.

Foram muitos os redutos formados por negros fugidos das fazendas,

os quais eram chamados de Mocambos.

A formação dos Mocambos tornou-se uma ameaça aos fazendeiros,

como também causavam prejuízos diante da ausência da mão de obra nas lavouras.

O Governo através dos Capitães de Milícias, lutava de todas as formas pela

destruição dos Mocambos. Para auxiliar nesta missão, surgiu a figura do Capitão do

Mato.

____________________ 59 Oficio do Presidente da Câmara de Passagem Franca ao Presidente da Província do Maranhão –

Arquivo Público do estado. 60 Id. Ibid.

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Apesar da instituição ter nascido no século XVII, no Maranhão a

regulamentação veio com o Governador Bernaldo da Silveira Pinto Fonseca (1718-

1822). 61

Segundo o regulamento, o Capitão do Mato seria nomeado pelo

Governador, a partir da indicação da Câmara Municipal. O documento deveria

atestar a conduta e a partir da nomeação, o Capitão do Mato tinha à sua disposição

vários soldados do Corpo de Milícias. 62

A nomeação do Capitão do Mato dava-se em função do aumento do

número de escravos presentes nas atividades econômicas da região.

O desenvolvimento da lavoura de cana-de-açúcar no Maranhão

ganhou força a partir do segundo quartel do século XIX e perdurou algumas décadas

por vinte anos. 63

O Presidente da Província, Joaquim Franco de Sá, incentivou a

produção através de medidas governamentais.

Além de medidas protecionistas, oferecia através do Ministério um prêmio de 30

contos de réis ao lavrador que produzisse acima de 1.000 arrobas de açúcar. A

vinda de mudas de cana caiena e a distribuição gratuita das mudas aos plantadores

também foi incentivo.

Com os esforços do Governo Provincial a partir da década de 1850

foram surgindo inúmeros engenhos. Na década de 1860 o Maranhão contava com

410 engenhos e em 1870, 500. A região do Alto Itapecuru Maranhense, embora com

terras propícias ao plantio da cana-de-açúcar, não chegou a ser destaque na região,

produzindo apenas a rapadura e a cachaça para o consumo interno. Os engenhos

eram rudimentares, visto que os mais modernos foram impossibilitados de chegar na

região devido ao atraso da navegação do Rio Itapecuru, como também as condições

precárias das estradas. 64

____________________ 61 VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão (1612-1895). Associação Comercial

do Maranhão, 1977, pg. 88. 62 Id. Ibid. 63 Ibid. Ibid. pg. 89 64 REIS, Júnior, REIS, José Sérgio dos. Minha Terra, Minha Gente – Picos, Atual Colinas Esboço

Histórico:SN (19613) pg. 32.

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1869, Picos fazia parte do território do município de Passagem Franca,

momento que demarcava o poder econômico rural pela posse de escravos.e de bois.

Nesse contexto, a pecuária por ser extensiva ocupava um número reduzido de

escravos como mão-de-obra, enquanto que nas monoculturas agrícolas (algodão e

cana-de-açúcar), ocupou um número significativo de escravos e bois. Demonstrado

no ANEXOI. O critério utilizado para a classificação foi com base no número de

escravos. Chamou-se pequenos senhores aqueles que tinham em 1 a 10 escravos,

médios senhores os que tinham 12 a 25 escravos, e grandes senhores os que

tinham de 30 a 60 escravos. 65

Na região em estudo, o lugar de morada dos escravos era senzala, a

qual situava-se nas imediações da Casa Grande, sendo administrada pelos

senhores. Havia também as feitorias, que eram os núcleos independentes

localizados em terras afastadas da fazenda sob a administração dos feitores. Os

escravos segregados em feitorias, conservavam os usos e costumes de suas terras

de origem. Esses preservaram de uma certa forma o contato com brancos e índios.

Nas fazendas os negros cumpriam uma dura jornada de trabalho sobre

a liderança de um escravo da confiança do senhor, o feitor, a quem eram

transmitidas as ordens no sentido de cumprir as exigências do trabalho pesado da

lavoura. O escravo era acionado a levantar cedo com destino ao roçado, numa

jornada de 12 a 14 horas 66.

volta ao trabalho os negros apesar do cansaço entoavam canções com

ritimos monótonos. Seus instrumentos musicais mais usados eram viola, pífaro e os

berimbaus. Na festa profana praticavam danças que resumiam-se no tambor, que

era exercitado no pátio da senzala e no samba, dançado aos pares em local de

barro batido. 67

m das festas citadas os negros realizavam cerimônias religiosas. A

religião era uma mistura de espiritismo, catolicismo e seita africana. Para praticar a

sua religião, dirigiam-se os negros a um local distante, na mata, onde erguiam um

altar à Santa Bárbara e prestavam culto sob a liderança de um chefe. Após esse ato

no “terreiro” entoavam cânticos e todos participavam da dança própria da religião. 68 ___________________ 65 Almanaque do diário do Maranhão 1969 66 JESUS, Pereira Josenildo, O mundo do trabalho, texto mimeografado.p 13 67 REIS, Júnior José Sergio, Minha terra minha gente. 68 Id Ibid

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3.1 O comércio

Um dos problemas que dificultavam o desenvolvimento do comércio

em toda a região do Alto Itapecuru era a falta de transportes para o escoamento da

produção. Como já mencionado, a produção de cana-de-açúcar não chegou à

grande escala de exportação, visto a precariedade das estradas e a tardia

navegação do Rio Itapecuru.

O pontapé inicial no sentido de promover a navegação do Rio Itapecuru

foi dado em 1807 com o estabelecimento do Arraial do Príncipe Regente na

confluência do Rio Itapecuru com o Rio Alpercatas.

Apesar das vantagens oferecidas pela navegação e pelo

estabelecimento do Arraial do príncipe regente, a falta de interesse político o fez

desmoronar ainda no nascedouro. Todas as expectativas em relação aos benefícios

que adivinham da navegação foram frustradas. As fazendas de gado recuaram, a

lavoura de algodão paralisou-se. O preço do sal na época, passou de 2$400 réis o

alqueire para 6$400, atingindo o valor de 12$800 réis no ano de 1817. 69

Vila de Caxias era o principal centro comercial do sertão, onde vendia-

se algodão, solas, couros de veados, fumo e gados. De volta aos seus locais de

origem (Picos, Passagem Franca, Pastos Bons), os comerciantes traziam os

produtos manufaturados provenientes da Europa, que compravam naquele centro

comercial. É importante frisar que em Caxias também eram vendidos escravos

vindos da Bahia às povoações do Alto Itapecuru. Remete-se ainda, a possibilidade

de comercialização de escravos trazidos através do litoral. 70

Das estradas existentes, duas merecem destaque quanto à

importância: a que ligava a Vila de Pastos Bons à Caxias e a que unia Caxias à

Passagem da Manga, nas proximidades do Rio Parnaíba. 71

____________________ 69 RIBEIRO, Francisco de Paula. Op. Cit. Pg. 175; 70 Id. Ibid. 71 Id. Ibid.

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Através da estrada de Passagem da Manga era feito o escoamento de

boiadas aos centros açucareiros. Em 1870, no auge da produção de algodão, na

região do Alto Itapecuru, foi promulgada a Lei Provincial Nº. 911 que dava autonomia

a qualquer cidadão à abertura com recursos próprios, de uma estrada entre os

municípios de Passagem Franca e Pastos Bons, para uso público. 72

A referida Lei concedeu este direito ao Tenente Coronel João Manuel

de Magalhães e a qualquer interessado. É importante lembrar que no ano de 1870

estava acontecendo uma crise política no que diz respeito à transferência da sede

do município para as margens do Rio Itapecuru. Como já foi dito, a transferência não

foi um consenso entre os chefes políticos, proprietários de terras da região. Uma

parte deles alegou ao Presidente da Província não haver necessidade da abertura

dessa estrada que passava por suas terras, sem indenização e sem a autorização

de seus donos. Enquanto esses proprietários buscavam a anulação da Lei, outros,

direcionados pelo Drº Dias Carneiro, procediam à abertura da estrada, só que

ligando os municípios mencionados até o Porto da Vila de Picos. A conclusão da

estrada se deu em 30 de dezembro de 1870, quando Francisco Dias Carneiro e

Antonio Carneiro da Silva comunicaram ao Presidente da Província, nas condições

impostas pela Lei. Em 1871, os referidos senhores receberam elogios do Presidente

da Província através do despacho datado do dia 03 de fevereiro de 1871. Pelo visto,

as divergências existentes em torno da construção da estrada davam-se em virtude

do direcionamento da mesma, se para a antiga sede, a Vila de Passagem Franca,

ou se para o Porto de Picos. 73

O certo é que essa estrada contribuiu para o desenvolvimento do

comércio naquela região, funcionando como uma via de escoamento dos produtos

da região do Porto de Picos e deste para Caxias. O transporte utilizado até esse

porto era os burros direcionados pelos tropeiros, que condiziam enormes cargas.

____________________ 72 César Marques,opc. pg. 510-511 73 Id Ibid

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48

3.3 As relações sociais nos primórdios da conquista

No Alto Itapecuru, a célula da sociedade era a família patriarcal, composta

pelo fazendeiro e seus dependentes. O chefe da família exercia amplos poderes

sobre os trabalhadores, estando estes direta ou indiretamente ligados a ele. O poder

dos proprietários rurais em todo o Brasil era comum desde a colônia, durante o

Império, chegando inclusive até o período republicano. 74

As fazendas sendo o núcleo fundamental da vida social, não estavam

completamente isoladas, existia uma relação entre elas, até mesmo em função das

atividades de pastoreio. O gado, criado solto, exigia que o vaqueiro percorresse

terras chegando em outras fazendas, onde havia uma relação recíproca de

amizade.75

Uma das práticas que favoreciam a articulação entre as fazendas eram

as festas religiosas e populares. As desobrigas eram reuniões realizadas pelos

padres em determinadas fazendas, com o objetivo de realizar missas, casamentos,

batizados e confissões. Após a realização dos ofícios religiosos acontecia a festa

dançante, uma importante atividade no Sertão do Alto Itapecuru. 76

As desobrigas eram um dos momentos onde se faziam presentes as

relações de compadrio, que se davam entre senhores das fazendas, familiares e até

entre senhores e escravos. Entre 1856 e 1864, nas desobrigas realizadas pelos

vigários da freguesia de São Sebastião, aconteceram vários batizados de escravos e

filhos de senhores. Os padrinhos dos escravos eram os próprios escravos de

senhores da redondeza ou os próprios familiares dos seus senhores.

Na Fazenda Maté, de propriedade dos Carneiros, em uma desobriga

realizada em 10 de agosto de 1859, foram batizados pelo Padre Francisco de Paula

Meneses, 20 escravos, e outras crianças livres. A fazenda maté funcionava como a

matriz das propriedades da família Dias carneiro, e nessas desobrigas reunia os

senhores de varias localidades que também batizava seus familiares.

________________________

74 CESAR, Marques op. Cit 75 CABRAL, Maria do Socorro. op. cit. Pg. 180. 76 Id. Ibid.

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Pode se constatar no mesmo dia batizado de nove crianças livres filhos

de senhores da região. Da relação de escravo da relação constatou-se através de

depoimentos orais, descendentes desses escravos residentes hoje no município de

Picos. 77

Nome Idade Mãe Senhor Padrinhos

Maria 01 Anacleta Francisco Dias

Carneiro

Honório e Luísa (Escravos)

Filomena 18 meses Gertrude Francisco Dias

Carneiro

Coronel Antonio Dias

Carneiro e sua esposa

Rozalinda Carneiro

Victória 07 anos Joana Pedro Vieira Torres Antonio Pereira de Sousa e

Joana Pereira de Sousa

Benta 05 anos Joana Pedro Vieira Torres Clementino (escravo)

Raimundo ? Joana Pedro Vieira Torres Honório e Maria Vitória

(escravos)

Valentina 06 anos Rita Pedro Vieira Torres Justino P. de Sousa

Borlonge Vieira Torres

Sebastião 04 meses Rita Pedro Vieira Torres Venâncio de S. Torres

Nossa Senhora

Sutéria 03 anos Joana Francisco Dias

Carneiro

Nazaril e Cipriano

(escravos)

Maria 18 meses Silvéria Cel. Antonio Dias

Carneiro

Júlio e Isabel (escravos)

Agerida 06 meses Clementina Cel. Antonio Dias

Carneiro

Belchior e belizária

(escravos)

Bárbara 02 anos Clementina Cel. Antonio Dias

Carneiro

Semile e Benedito

(escravos)

Manoel 01 anos Sipriana Arcângela

Angélica

Antonio Dias Carneiro

Rufina Joaquina das

Mercês

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João 05 anos Domingas Cel. Antonio Dias

Carneiro

Venâncio Vieira Torres

Bárbara Pacheco

Theotônio 18 meses Bonifácia Joana Ferreira de

Sousa

Antonio Dias Carneiro

Rufina Joaquina das

Mercês

Cezário 05 meses Antonia Antonio Dias

Carneiro

Nazaré e Ângela

(escravos)

Anacleta 01 ano Maria Pedro Dias Carneiro Samuel Augusto de

Oliveira

Maria Correia de Almeida

Inácio 04 anos Esteva Capitão Avelino e

Eria G. Duarte

Antonio e Martinha

(escravos)

Siriaco 02 anos Maria Pedro Dias Carneiro Jorge e Luísa (escravos)

Sebastião 03 meses Isabel Cel. Francisco Dias

Carneiro

Antonio e Martinha

(escravos)

Filomena 03 anos Joana Pedro Vieira Torres Raimundo José de Sousa

Maria Rosa

________________________

77 Livro de Batismo Nº 7, Freguesia de São Sebastião, pg. 150-153

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51

4. A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO E MEMORIAS DE REMANENCENTES DE

ESCRAVOS EM COLINAS.

A escravidão negra no Brasil começou a entrar em processo de

decadência a partir de 1850 quando foi extinto o tráfico nacional. Esse fato levou os

fazendeiros da lavoura de café a enfrentar o problema de mão de obra. Os

fazendeiros da Região Sudeste passaram a comprar escravos do Nordeste, surgindo

assim o tráfico interprovincial. Este não atendeu a demanda nas lavouras do café,

apelando então os senhores para imigração européia. A utilização das duas formas

de trabalho (escravo e livre) veio demonstrar a incompatibilidade da vigência das

mesmas, aumentando cada vez mais o descrédito na escravidão. 78

O surgimento da indústria manufatureira no Brasil também veio

reafirmar a ineficiência do trabalho escravo diante da modernidade. 79

As contradições existentes na escravidão serviram de base ao seu

processo de decomposição.

A pressão abolicionista foi tanto interna como externa. A França

através da Junta Francesa de Emancipação enviou cartas ao Imperador com

assinatura das maiores figuras do abolicionismo francês. 80

As idéias abolicionistas européias impregnaram autoridades brasileiras

e intelectuais que passaram a perceber a divergência entre escravidão e um estado

que pretendia modernizar-se dentro de princípios de liberdade e igualdade jurídica

dos cidadãos. Enfim, as pressões contra a escravidão são provenientes das

transformações sócio-econômicas presentes no país a partir de 1850. 81

A Guerra de Secessão nos Estados que pôs fim a escravidão daquele

país contribuiu também para a reativação das discussões parlamentares no Brasil,

pois o mesmo colocava-se numa posição incômoda em relação a outros países que

tinham libertado seus escravos. 82

________________________

78 PRADO, Júnior Caio. História Econômica do Brasil. 41ª Ed. São Paulo. Brasiliense, 1994. 79 Id. Ibid. 80 COSTA, Emília Viotti da. A Abolição. Coord. Jaime Pinsk. São Paulo. Global. Ed. 1982. pg 45. 81 QUEIROZ, Suely R. Reis de. A Abolição da Escravidão. São Paulo. Brasiliense, 1999, pg. 46. 82 FARIA, Regina Helena Martins de. Trabalho Escravo e Trabalho Livre na Agro-Exportação do

Maranhão. Pg. 113.

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A questão da emancipação dos escravos ganhou mais força com a

Guerra do Paraguai. Na organização das tropas brasileiras para o confronto, o

governo concedeu liberdade aos escravos designados para o exército. Esse fato

contribuiu para aumentar nos escravos o desejo de libertação. Esse sentimento foi

se propagando por diversas partes do país através de grêmios, clubes, jornais e

associações. 83

As idéias emancipacionistas chegam aos rincões mais distantes do

país e nestes encontra espaço para se desenvolver diante do desmoronamento do

Sistema Escravista. Apesar disso em Picos era comum nos anos setenta do século

XIX a comercialização de escravos e até leilões em praça pública. Da mesma forma

na antiga sede do município Passagem Franca verificou-se em números casos de

compra e venda de escravos, variando o preço entre 100$000 (cem mil réis). Em

Picos este passou a ser percebido através da instabilidade econômica dos senhores,

que passaram a vender seus escravos como meio de compensar suas dívidas. Na

antiga sede do município de Passagem Franca, por toda a década de 60 do século

XIX verificou-se inúmeros casos de compra e venda de escravos, inclusive leilões

em praça pública. Naquela época o preço do escravo variava entre 100$000 (cem

mil réis) a 1.200$000. 84

Em 1870 a sociedade passagense participa de um leilão quando um

escravo por nome Vicente recebeu 3 lances: A primeira no valor de 50$000

(cinqüenta mil réis), o segundo 150$000 (cento e cinqüenta mil réis) e o terceiro

oferecia 50$000 (cinqüenta mil réis) sobre o maior lance, ou seja, 200$000

(duzentos mil réis).

A última proposta partiu de João de Barros Marinho, que por ter sido

tutor dos órfãos donos do escravo, teve seu lance recusado. Por fim o escravo foi

arrematado por Joana Baptista Labre, no valor de 150$000 (cento e cinqüenta mil

réis). 85

________________________

83 COSTA, Emília Viotti da. Op. Cit. Pg. 44 84 Livro de Notas N° 8 (1869-1878), fls 13-14 85 Id. Ibid. pg. 14

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53

É importante ressaltar que o intuito de João Marinho ao pedir o direito

de posse sobre o escravo, deu-se pelo fato desse senhor já ser proprietário de uma

parte do escravo. Este havia sido comprado de uma outra órfã por nome Isabel. Vejo

o teor da Audiência Pública:

“Audiência Extraordinária...Aos dois...em audiência

extraordinária que fazia o juiz dos Orphãos Doutor Theodoro

Thadeu de Assumpção comigo escrivão ao diante nomeado

aberta a audiência com o toque de campainha e apregoes pelo

Official de Justiça Francisco de Paula Dutra. Declarou o

mesmo Juis que se achava em praça e arrematação o escravo

Vicente de propriedade dos órphãos Clarinda e Francisco,

filhos do fallecido Raimundo de Barros Marinho e convidou aos

pretendentes que aprezentassem suas propostas que forão

aprezentadas uma do Tenente Rodrigo Alves dos Santos

oferecendo cincoenta mil réis, outra de Dona Joanna Baptista

Labre offerecendo cento cincoenta e um requerimento de João

de Barros Marinho pedindo adjudicação e offerecendo para

esta cincoenta mil réis sobre o maior lanse e considerando o

juis que João de Barros tinha cido tutor dos ditos Órphãos

encluzive da Orphã Izabel de quem houve por compra aparte

do escravo que se arrematava indeferiu sua petição mandou

que se passasse titulo de arrematação a Dona Joanna, do

que....”

Aos 14 de março de 1873 em Picos, o Tenente Coronel Joaquim

Francisco de Carvalho arrematou em público a escrava Jovência pela quantia de

setecentos mil réis. De acordo com esses relatos verificou-se que o valor pelo qual o

escravo Vicente foi arrematado estava aquém do preço da época, embora se

tratasse na ocasião do leilão, de apenas 2/3 do escravo.

A crise da agro-exportação que ocorreu junto a crise do escravismo

levou muitos senhores a contrair dividas penhorando, assim, seus escravos junto a

outras propriedades.

Em dezembro de 1876, o Tenente Coronel José Farias Pereira contraiu

uma dívida de onze contos e setecentos e cinqüenta mil réis a João Rodrigues da

Silveira,de São José dos Matões. Na escritura foram penhorados a data São Felis e

Lagoa Grande (hoje povoado de Colinas) e mais treze escravos de onze a quarenta

anos, todos roceiros. Não foi possível constatar se a dívida foi paga e se os escravos

voltaram ao seu senhor. 86

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Da mesma forma, o senhor Evaristo Raimundo de Freitas com uma

dívida de um conto de réis para pagar em dois anos à Joana Francisca da Silva,

penhorou o escravo de nome Manuel Catuaba, 39 anos. A credora comprometia-se

a tornar sem efeito, caso o devedor desse a escrava Brígida, de 15 anos de idade. A

referida conta foi quitada após quatro anos, através da escrava Brígida, com 19 anos

e Ana com 27. A escritura de penhor de Manuel Catuaba ficou sem efeito e o mesmo

foi vendido para São José dos Matões. 87

Uma outra escritura pública de dívida e penhor coloca em xeque os

escravos do Coronel João Francisco de Carvalho, por conta de uma dívida de três

contos e quinhentos mil réis ao seu mano Major Antonio Regino de Carvalho.

Portanto, seis escravos de seis a trinta e nove anos, a partir de onze de agosto de

1876 ficaram em poder do Major citado. 88

A crise dos senhores também é percebida a partir da compra e a venda

dos seus escravos que se dava com perdas significativas. Um exemplo disso é o do

Vigário Francisco Mariano da Costa. O mesmo comprou do Major Honório a escrava

Vicência e seu filho Israel por 1.200$000 no mês de janeiro. Em abril do mesmo ano

(1869) vendeu ao Alferes Firmino de Athaide Galvão por 1.000$000 (1 conto de

réis).89

De acordo com o mapa de 1883 entraram em Picos 253 escravos e

saíram 435. O aumento da saída dos escravos se dá em função da crise econômica

enfrentada pelos fazendeiros que viam nos vantajosos preços oferecidos pelos

traficantes uma forma de minorar suas dívidas. É possível que essas vendas fossem

intraprovinciais, visto que a população escrava, segundo o mapa da época

apresentava um elevado número de homens, que parece não estar sendo tão

drenado pelo tráfico interprovincial que priorizava a força do trabalho masculina. 90

Diante desse clima de instabilidade, os caminhos da Abolição estão

sendo trilhados. A gradual emancipação dos escravos foi uma das propostas

contidas no manifesto dos liberais em 1869.

_________________________

86. Livro de Notas (1876-1880). Primeiro Tabelionato de Picos, Nota N° 32. Cartório do I Ofício –

Colinas-MA. 87. Id. Ibid. 88. Id. Ibid. Nota N° 20 89. Id Ibid 90. Id. Ibid.

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55

Embora não tenha sido acatada pela ala radical que propôs alguns

meses depois a abolição, o manifesto gerou uma grande mobilização pública. Em

março de 1871 um projeto pautado numa visão gradualista foi apresentado à

Câmara por Visconde do Rio Branco e após meses de intensa agitação foi aprovado

aos 28 de setembro.91

A lei Rio Branco sob N° 2040, chamada posteriormente de Lei do

Ventre Livre, colocava em pauta o debate em torno da emancipação gradual dos

escravos. No seu Artigo primeiro dizia: “Os filhos de mulher escrava que nasceram

no Império desde a data desta Lei, serão considerados livres”. Estes, no entanto,

ficariam em poder dos senhores, os quais ficavam na obrigação de mantê-los até os

oito anos de idade. Chegando a essa idade o senhor poderia optar em entregar a

criança ao Estado, recebendo uma indenização no valor de 600$000 ou mantê-la até

a idade de vinte e um anos. O ingênuo, como se chamava o liberto, ficava na

obrigação de trabalhar sem remuneração em troca pelo sustento até 21 anos de

idade. 92

Entre os dispositivos e parágrafos que faziam parte da Lei do Ventre

Livre estava o da criação de um Fundo de Emancipação como também era

concedido ao escravo o direito de formar um pecúlio, que no caso de ser suficiente

para indenizar seu valor teria direito a comprar a sua liberdade. Os recursos para a

manutenção do Fundo seriam arrecadados através de uma taxa sobre os escravos,

impostos gerais sobre transmissão de propriedade escrava, multas em função da Lei

ou quotas que deveriam ser criadas no orçamento geral, provincial e municipal,

legados e doações.93

Na antiga Vila de Picos, a Lei 2040 começou a ser percebida a partir da

mobilização dos senhores de escravos que foram convocados pela Junta de

Classificação a fazerem o registro dos escravos a serem libertos pelo Fundo de

Emancipação.

Em abril de 1873 o Inspetor da Tesouraria da Fazenda do Maranhão

fazia a abertura e o encerramento de um livro,

________________________

91. COSTA, Emília Viott. Op. Cit. P. 43. 92. Id. Ibid. 93. Livro do Estado Servil. ART $8$2: Ir. VEIGA, Luís Francisco da. 1873.

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56

o qual “deveria servir para o lançamento do quadro das classificações dos escravos

existentes no município da Vila de Picos”, que têm de ser libertados conforme a

quota disponível do Fundo de Emancipação nos termos de Req... que baixou com o

N° 5135 de 13 de novembro de 1872”. 94

Segundo os critérios estabelecidos, os escravos deveriam ser

registrados no prazo de um ano e em caso de omissão dos senhores, os escravos

não registrados seriam libertos ou do contrário o senhor pagaria uma multa de

100$000 a 200$000 por escravos. 95

Os trabalhos da Junta de Classificação sediada na Casa da Câmara

Municipal de Picos tiveram início em 1873 com o comparecimento de 35 senhores,

os quais registraram 136 escravos, com idades variadas entre 1 a 88 anos. Após 2

anos, os referidos senhores registraram os escravos em Ordem de Famílias e

Ordem de Indivíduos. Em 1ª Classe foram agrupados os escravos casados, de

diferentes senhores e filhos menores de até 6 anos de idade. A 2ª Classe foi

composta por escravos solteiros entre 12 a 43 anos de idade. Na 4ª Classe foram

agrupados os escravos casados com filhos livres. Na referida relação como vê-se

não apareceu a 3ª Classe. 96

Segundo Ofício Circular do Ministério da Agricultura e Obras Públicas,

as prioridades deveriam ser dessa forma abaixo descrita:

“Na ordem das famílias compreendem-se: I – os escravos casados com pessoas

livres; II – os cônjuges que forem escravos de diferentes senhores, estejam ou não separados,

pertençam aos mesmos ou a diferentes condomínios; III – os cônjuges que tiverem filhos ingênuos

menores de 18 anos; IV – os cônjuges que tiverem filhos livres menores de 18 anos; V – os cônjuges

que tiverem filhos menores.

Escravos; VI – as mães, viúvas ou solteiras, que tiverem filhos escravos menores de

21 anos; VII - os cônjuges sem filhos menores ou sem filhos.

Na ordem dos indivíduos compreendem-se: I – a mãe, viúva ou solteira, com filhos

livres; II – o pai, viúvo com filhos livres; III – os escravos solteiros de 12 a 50 anos de idade,

começando pelos mais moços, no sexo feminino e pelos mais velhos, no masculino. 97

________________________

94. Livro de Registro de Escravos. Cartório do 2° Ofício, Colinas – MA. 95. COSTA, Emília, Op. Cit. Pg. 47 96. Livro de Registro de Escravos. Cartório do 2° Ofício, Colinas – MA. 97. APUD, FARIA, Regina. Op. Cit. Pg. 116

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57

As juntas de Classificação em Picos, apesar de tentar obedecer aos

critérios estabelecidos pela Lei 2040, muitos senhores de escravos e políticos

tiraram proveito da mesma cometendo várias irregularidades. A primeira foi em

relação aos registros que foi dada preferência aos escravos idosos e inválidos,

sendo esta uma forma de se desfazer dos mesmos sem a perda total do que nele foi

investido.

Na relação apresentada por João Francisco de Carvalho estavam os

escravos Custódio e Carlos com 72 e 60 anos, ambos carapinas e casados, porém

foi ignorado o nome de suas mulheres. Lucas Bandeira Barros na sua relação,

apresentou somente o escravo Mateus de 88 anos, roceiro, no entanto, encontra-se

inválido. José Camilo Teles Virgínio, registrou Felipe, 76 e Francisco 64 anos, ambos

roceiros, também casados com mulher e marido ignorados. 98

Fica bem claro que a emancipação desses escravos, cujas forças de

trabalho estavam esgotadas, iria beneficiar os seus senhores, que receberiam

preços exorbitantes caso fossem emancipados, esses escravos continuavam com a

mesma vida de outrora.

O trabalho da Junta de Classificação em Picos foi muito lento e os

poucos resultados só foram percebidos após uma década. Escravos classificados na

primeira relação organizada pela Junta (1873) em 1882 continuaram sendo listados.

A escrava Ignez, de Manoel de Jesus Rocha, fazia parte da 1ª Classe de famílias

registradas em 1873, com 32 anos de Idade. Na relação de 10 de janeiro de 1882,

Ignez aparece com 42 anos ao lado de Sebastião, seu marido e dois filhos ingênuos,

com um detalhe: Ignez encontra-se paralítica. Em 1883 ao lado do registro de Ignez,

encontra-se a observação que seu marido, foi emancipado pelo Fundo na última

classificação. Da mesma forma ocorreu com Janaína, escrava de Lavínia; o marido,

Basílio foi emancipado em 1882 e a mesma continuava escrava na relação de 1884.

_______________________

98. Livro de Registro de Escravos. Cartório do 2° Ofício, Colinas – MA.

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Em 1886, Picos na tentativa e angariar recursos do fundo de

emancipação na libertação dos escravos enviou a última relação a qual segue

abaixo:

José, cor preta, 53 anos, casado, roceiro, valor: 322$000 do senhor

Joaquim Francisco de Carvalho. Virgílio, casado, roceiro, 32 anos, avaliado em

784$000 do senhor José Dias de Oliveira Pimentel. Theotônio, 24 anos, casado,

roceiro, 661$000, de dona Ana Francisca. Justina, 54 anos, solteira, 240$680, de

Joaquim Francisco de Carvalho.

De acordo com relações desse tipo enviadas ao ministério da

agricultura observa-se a importância dada as famílias no processo de libertação. O

casamento foi incentivado, uma forma de manter a unidade familiar e fortalecer o

regime escravista, sendo portanto um meio de prorrogar o mais que possível seu

desmoronamento total.

Em função da proposta gradualista de Rio Branco, a Lei 2040 em seu

Artigo 4, concedia liberdade através do pecúlio. Este utilizado nas alforrias em Picos

foi de 698$260. Dos escravos classificados para libertação pelo Fundo, tinha pecúlio

em poder do Senhor, a escrava Justina, com 50 mil réis, Bárbara, 200$000

(duzentos mil réis). A escrava Justina cujo valor era calculado em 240$680 para

comprar a sua liberdade necessitava, portanto, de mais 200 mil réis.

O Fundo de Emancipação em todo o país enfrentou uma série de

problemas e em Picos também não foi diferente. Um deles como já falou-se foi a

morosidade, a distância da capital, a falta de comunicação, a falta de vontade

política na aplicação dos fundos, tudo isso prejudicava a liberação das

manumissões.

A quota do Fundo de Emancipação destinada à Picos foi de

29.929$695, sendo distribuídos por etapas de acordo com o número de escravos

existentes. O número de escravos libertos pelo Fundo de Emancipação foi de 43

escravos. 99

Da relação de escravos, pertencentes a João Francisco de Carvalho,

enviadas a serem libertos pelo fundo de emancipação constatou-se os seguintes

nomes de libertos no dia 20/04 de 1877: Custódio, de 73 anos, casado, carpina,apto

para o trabalho, avaliado em cem mil réis; Simplício, 43 anos, casado, roceiro, apto

para o trabalho,avaliado em quinhentos mil réis; Rita, 59 anos, casada, roceira, apta

para o trabalho, avaliada em cento e cinqüenta mil réis. Escravos de Ana Francisca

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de Carvalho: Bento, 34 anos, casado, carpina, apto para o trabalho, avaliado em

oitocentos mil réis; Isabel, 37 anos, casada, roceira, avaliada em quinhentos mil réis;

Hylário, de 8 anos, apto para o trabalho, avaliado por um conto de réis; Cândido, 6

anos, avaliado por novecentos mil réis. E o escravo do Quirino Moreira Lima:

Apolinário, 37 anos, casado, vaqueiro, apto para o trabalho, avaliado pó setecentos

mil réis. 100

A declaração dos nomes desses libertos foi feita pelo juiz Paulo José

de Almeida em audiência pública na casa da Câmara municipal referente a cota do

fundo de emancipação distribuída naquele ano para o município no valor de quatro

contos seis centos setenta e seis mil oitenta e oito réis.

Além desses libertos, identificou-se em 1882 os nome s de Sebastião e

Basílio. O primeiro de 51 anos, roceiro, de Manuel Jesus Rocha e o segundo, preto,

de 50 anos, escravo dos órfãos de Ana Idalina Labres de Sousa. 101

Diante do exposto observa-se que parece haver um apadrinhamento

político na liberação do nome dos libertos. Os primeiros agraciados são justamente

os irmãos João Francisco e Ana Francisca de Carvalho que receberam quantia

significativa por escravos com uma vida de trabalho. Em uma época que a

expectativa de vida do escravo era de 40 anos, o escravo Custódio de 73 anos foi

avaliado em 100 mil réis. Um outro absurdo contido na relação é com referencia ao

escravo Cândido de 6 anos é avaliado por 900 mil réis. Se em 1877 esse escravo

tinha 6 anos o mesmo deveria ter sido contemplado com a lei do Ventre Livre. É

provável que diante desse exemplo a lei 2040 era burlada pelo senhores de

escravos.

________________________

99 Ribeiro, Jalila Ayoub Jorge op cita pg 148. 100 Livro de notas numero 8(1869-78) fls 73 e 73 v Apud Santos Neto 101. Livro de registros de escravos de Picos. Cartório do segundo ofício. Colinas-MA

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60

No período que começou a aparecer os resultados do Fundo de

Emancipação o Inspetor da Tesouraria da Fazenda do Maranhão, notificava o

recebimento dos mapas em anexo, enviados pelo Coletor das Rendas Gerais de

Picos, o senhor José Joaquim Ferreira. A notificação é do dia 04/12/1883, referente

às matrículas efetuadas até 20/06/1883. 102

Nas décadas de 1870 a 1880 a população escrava de Picos decresceu

em função do tráfico interno, da elevada mortalidade e também influenciado pelas

manumissões, ou seja, a concessão do direito do escravo alforriar-se.

A mortalidade no meio rural foi um dos fatores que contribuiu para a

redução da população escrava. Os medicamentos eram a base de ervas, pois nas

fazendas não havia assistência médica, sendo esse um dos motivos dos altos

índices de mortalidade. Segundo o Mapa da População Escrava de Picos em 1883 a

mortalidade foi responsável pelo decréscimo de 164 escravos.

Através do processo de manumissão vários cativos foram alforriados.

As alforrias poderiam ser do livre arbítrio do senhor e outras concedidas através da

Lei 2040.

A Carta de Liberdade foi um dos instrumentos da manumissão mais

utilizados para conceder liberdade ao escravo. Nessas cartas era mencionados o

senhor ou a senhora que concedia liberdade ao escravo, logo em seguida a

identificação do escravo que estava sendo liberto. 103

As Cartas de Liberdade concedidas pelos senhores e senhoras de

Picos e registrados em Cartórios, nos Livros de Notas, foram redigidas tanto pelo

escriturário e assinados pelo senhor ou procurador; no caso deste não saber

escrever e também pelo próprio senhor do escravo.

As primeiras Cartas de Alforrias concedidas por senhores de Picos

datam da época da Fazenda Grande. Aos 23 de setembro de 1863 foi registrada no

Cartório de Passagem Franca uma Carta de Liberdade de Ignez, concedida pelo

Alferes João Francisco de Carvalho. Nessa mesma época, escravos desse senhor

foram batizados na Fazenda Maravilha, então município de Colinas. 104

_______________________

102. Arquivo Público do Estado do Maranhão. 103. Livro de Notas Nº. 2. Segundo Tabelionato de Passagem Franca. 104. Id Ibid

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61

Dessa mesma década foram registradas mais de quatro Cartas de

Alforria. Belizária da Mota Carneiro concedeu liberdade à sua escrava Rosa, de 40

anos, pelo valor de 480$000 (quatrocentos e oitenta mil réis) em moeda. A referida

Carta dói assinada na Fazenda Gameleira, também hoje município de Colinas. Outra

Carta de Liberdade foi concedida ao escravo Luís, de 70 anos, pelo valor de

200$000 (duzentos reis). 105

Na década de 1870, quando Picos passou a condição de Vila e a sede

do município, constatou-se seis Cartas de Alforria, como vê-se abaixo: 106

DATA SENHOR ESCRAVO IDADE

03/11/1875 Francisca Maria

da Rocha

Manoel 28 Alforria pelos

bens prestados.

10/03/1977 Quitéria Maria

Alves

Caciano ? Usufruir

liberdade depois da

morte da sua dona.

19/02/1877 Carlota Felisbella

de Jesus

Carlos 60 Alforria por

amor a liberdade

20/02/1877 Manoel Joaquim

Noleto

Leonardo 45 Liberdade pelo

valor de 300$000

01/12/1878 Quintino Pereira

de Sá

Raimunda ? Concede

liberdade pelos

serviços prestados

à mãe no valor de

58 réis na parte que

lhe cabe, por

herança do pai

Francisco Pereira

de Sá.

02/02/1879 Ana Francisca

de Carvalho

Eduardo 49 Concedida pelo

valor de 600$000

(seiscentos mil

réis).

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62

As cartas de alforrias eram concedidas de maneira gratuitas ou

onerosa, isto quer dizer, que podiam ser doadas pelo senhor ou compradas pelo

escravo, ou por alguém que pretendesse vê-lo livre. Na descrição acima vê-se

exemplos de alforrias onerosas e gratuitas. Em relação as alforrias, o motivo pelo

qual o senhor concedia era sempre pelos “bons serviços prestados ao senhor” ou

em entre outros casos por “amor a Deus” ou “amor a liberdade”, como é o caso da

alforria concedida ao escravo Carlos de 60 anos.

As cartas de alforria podiam ser também condicionais. Alforria

condicional determina em que o alforriado servisse ao seu senhor. Nos exemplos

acima o escravo Cassiano recebeu carta de dona Quitéria, mas na condição de só

usufruir liberdade depois da morte da sua dona.

A manumissões também podiam ser concedidas através de

disposições testamentárias, sendo que não identificou-se esse exemplo em Picos.

Houve casos em que os escravos no maranhão receberam liberdade paga por

instituições religiosas e particulares. Pode-se citar a irmandade de São Benedito e

sociedade manumissora maranhense 28 de julho. Essas instituições colaboraram

para o decréscimo da população cativa na província 107

O mapa de escravos de 1883 contém um total de 51 escravos

manumitidos, sendo 9 a títulos onerosos e 42 a títulos gratuitos. Das Cartas de

Liberdade analisadas três foram concedidas gratuitamente, cinco onerosas e uma

condicional. 108 Segue em anexo uma Carta de Alforria concedia pela senhora

Carlota Felisbella de Jesus ao seu escravo Carlos, de sessenta anos de idade.

_______________________

105. Livro de Notas do 1º Tabelionato de Picos. Cartório do 1º Ofício, Colinas – MA, pg. 67-69 106. Id Ibid 107. Ribeiro, jallila op. cit, pg. 121-122.

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63

Apesar da lei 2040 não atender as expectativas esperadas, contribuiu

de certa forma para diminuir a população escrava diminuir, os escravos a partir de

então perderão a importância no sentido de garantir as transações comerciais dos

proprietários rurais. 109.

Ao iniciar a década de 80 o movimento abolicionista cresce em todo o

Brasil, principalmente nos centros urbanos. Cartazes em favor da abolição

desfilavam pelas ruas das cidades, assim como promovem-se conferencias e

comícios nas varias províncias e foi nesse clima que o ministério liberal Sousa

Dantas apresentou a câmara em projeto de emancipação dos escravos

sexagenários. Diante do fato a câmara dividiu-se e o ministério Dantas em função da

oposição da câmara ao projeto foi dissolvido e novas eleições convocadas

A nova eleição foi desfavorável ao ministério Dantas e com um novo

ministério liberal formado, um novo projeto com versão modificada foi apresentado

em 1884.

O novo projeto estipulava que os escravos emancipados aos 60 anos

ficavam obrigados a trabalhar mais três anos para o seu senhor, ou até atingir 65

anos. Alem disso, o projeto também oferecia vantagens aos senhores que

libertassem seus escravos concedendo indenização.

________________________

108. Arquivo Público do Estado 109. Ribeiro, Jalila op. cit pg. 150.

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O projeto provocou repulsa dos abolicionistas mais radicais o que

colaborou para o enfraquecimento do ministério levando o presidente Saraiva a

renunciar.

Em 1885 um novo gabinete ministerial presidido pelo Barão de

cotegippe conseguiu aprovação do projeto transformado em lei que passou a ser

chamada lei Saraiva cotegippe ou dos sexagenários. 110

Nas discussões do referido projeto de lei ficou registrado nos anais da

câmara o discurso do maranhense e articulador político de Picos Dr. Francisco Dias

carneiro. O mesmo pregava que abolição da escravidão se daria sem precisa de leis,

dando-se através do que ele chamava “elaboração social”, ou seja, as raças

africanas e européias através das misturas constituíram uma raça brasileira. O

discurso do deputado terminava desta forma:

“Sr. Presidente, vou concluir com uma suplica ao venerando

Sr. Presidente do conselho; se estamos fatalmente condenados a

votar uma reforma do elemento servil, peço ao presidente do

conselho que se inspire no seu grande patriotismo, no futuro deste

país, que tanto amamos e para o qual desejamos toda prosperidade;

e seja qual for sua resolução não tenha receio dos agitadores

imprudentes, dos anarquistas das ruas, porque eles não constituem a

nação, não podem decidir seu destino.

O senhor Saraiva. Presidente do conselho: - “se eu também

que quero emancipação dos escravos.. não é por medo dos

anarquistas”.

______________________________

110 Costa Emilia viott Da .op.cit pg. 68-69

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Nas palavras do deputado fica bem claro a sua concepção

conservadora, como também fica claro a importância da pressão popular no

processo da abolição da escravidão. O deputado fazia parte da elite agrária que se

posicionava contra o movimento abolicionista É essa mesma elite que

descaracterizou o projeto inicial da lei do sexagenária que em vez de dar liberdade

aos escravos com sessenta anos, só foram libertos com sessenta e cinco anos, pois

os que tinham sessenta anos eram obrigados a trabalhar mais três para os seus

senhores como indenização. Mesmo depois de aprovada a lei Saraiva cotegippe

continuava colocando em anuncio de jornais a compras de escravos. É possível que

diante desse comportamento é que a lei nº. 3 270 não teve resultado satisfatório

para os escravos.

Na luta contra a escravidão os escravos encontraram importante

setores da sociedade como aliado. Dessa aliança de escravos com abolicionista é

que em 1884 foi extinta a escravidão no Ceará. Vários escravos a partir dessa data

fugiam para o Ceará com ajuda dos abolicionistas. 111

No Maranhão Dunshee de Abranchs foi um dos abolicionistas que se

destacou na organização de fuga de escravos, como também na organização de

clubes abolicionistas que se espalharam nas principais cidades maranhenses. Em

Picos uma comissão abolicionista foi formada por representantes da vila os quais

foram combatidos pelo então juiz municipal que era um senhor escravocrata.

Em picos não foi possível constatar benefícios da lei 3270 conhecida

como a lei do sexagenário, em todo o Maranhão apenas 452 escravos foram

beneficiados pela lei. o último recurso da repressão, o açoite, foi abolido em 1886 e

isso reduziu muito a força dos senhores de escravos.112

O processo de libertação no Maranhão só foi concluído no dia 13 de

maio de 1888 quando em fim foi assinada a lei áurea que disponha de dois artigos:

1 é declarada a extinta a escravidão no Brasil

2 revogam-se as disposições ao contrario.

___________________

111 Montenegro, Antonio Torres. Reinventando a liberdade. 16 Edição, editora atual, p. 13. e

enciclopédia dos municípios brasileiros. XV vol. IBGE. Rio de janeiro, 1959, p.159. 112 CONRAD, APUD Ribeiro Jalila. pg. 154.

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O então deputado maranhense e picoense Francisco Dias Carneiro,

acompanhando o posicionamento do partido conservador assinou a lei áurea, sendo

esta ação repudiada pelos familiares, inclusive a sua mãe Ana Francisca que residia

na fazenda Maté no município de Picos. 113

Sobre o fato um dos remanescentes de escravos residentes na

Jaguarana nas proximidades da Fazenda Maté tem registrado na memória aos

versos abaixo:

No dia 13 de maio

a liberdade chegou,

chorava dona Antônia,

soluçava seu Godô

a dona Ana deu vaia

e o doutor Lobão se obrou”.

João Santana

4.1 Memórias de remanescentes de escravos em Colinas

Memórias de Remanescentes de Escravos em Colinas.

A Vila de Picos, atual Colinas, apesar de ter surgido no cenário

maranhense na desagregação do sistema escravista, as suas marcas ficaram

registrada na memória dos remanescentes.

Na tentativa de fazer um resgate dessas memórias buscou-se

entrevistar remanescente de escravos identificados através de sobrenomes comuns

aos senhores de escravos de Picos e as áreas de produção da lavoura.

A memória aqui, não é real vivido e sim uma construção das

lembranças que foram passadas por familiares aos seus descendentes. As

recordações que serão registradas são de netos e bisnetos, algumas individuais e

outras adquiridas socialmente tornando coletivas.

________________________

113. Fonseca neto. Op.cit, pg. 369.

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67

Nas conversas com os descendentes escravos alguns informaram que

ouviram muitos casos narrados pelos seus ancestrais, mas não deram importância,

talvez porque desejassem fugir do estigma desse passado.

Os depoimentos que serão registrados são de dois homens e quatro

mulheres que se identificam como negros e descendentes de escravos que viveram

em áreas de produção agrícola do município de Colinas e Passagem Franca. Três

depoentes rememoram com nitidez os seus pais, avô, avó, descrevendo sua

genealogia até a época da escravidão e os outros não conseguiu identificar além da

primeira geração.

Eis aqui a relação dos nossos entrevistados:

Antonio Farias Pereira - 90 anos, natural de Colinas. Filho de

Dorotéia Borges da Silva e José Farias Pereira. Os seus avós foram escravos de

Belisário e Cândida, família escravocrata de Picos.

Entrevistado em 14/11/2005

João Santana da Silva Barbosa - 71 anos, natural do povoado

Jaguarana, reconhecido como Comunidade Quilombola-Colinas-Ma.

Entrevistado em 09/12/2005

Maria da Paixão - 73 anos, natural de Passagem Franca, residente no

Bairro Cambirimba - Colinas, filha de Raimundinho Preto.e Isabel.

Entrevistado em 04/11/2005.

Caetana Maria da Conceição Silva - 73 anos, natural do Belém dos

negros. Filha de Marcelina (negra) e Manoel Martins (caboclo).

Entrevistado em 12/11/2005

Antonia Dias Ferreira - 84 anos, natural da Taboca do Belém filha de

Maria da Soledade e Graciliano Dias Ferreira - descendentes de escravos de Dias

Pimentel.

Francisca Dias Ferreira - 82 anos, natural da Taboca do Belém filha

de Maria da Soledade e Graciliano Dias Ferreira - descendentes de escravos de

Dias Pimentel.

Entrevistada em 07/12/2005

Nas entrevistas realizadas buscou-se identificar as lembranças de sua

família, a vida do cativeiro bem como as relações com os senhores, cultura e a vida

do negro após a abolição.

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Dialogando sobre as suas origens os depoentes assim se

expressaram:

“A minha mãe foi do fim do cativeiro, nasceu em 1887, mas a mãe

dela viveu como cativa. Ela foi criada pela Iaiá que era irmã de sua mãe Joana. A

sua avó, a escrava chamada Clara foi mucama na casa do Senhor Belizário. Ela

era muito inteligente e com um professor dentro de casa pra ensinar os filhos do

Senhor, ela aprendeu a ler e a escrever. Minha bisavó era escrava, mas lia bem

e escrevia. O meu bisavô, esse era dono de escravo, batia em negro, era o

Tenente Coronel José Farias Ferreira e depois meu pai se chamava por esse

mesmo nome... Naquele tempo era assim, a escrava tinha filho com o Senhor.

Meu avô materno foi escrava, mas não chegou a apanhar, ele era um carpina

fino, trabalhava bem na madeira, era o escravo Sulino, dessa gente aí da Lagoa

Grande, eu ainda conhecia o casarão dessa gente”.

Antonio Farias.

“Meus avós era Jerônima Monteiro da Silva e Tito Vieira Torres. A vó

de Tito era da cozinha de branco, desse povo de Torres da floresta, aí sabe

como é que é naquele tempo as escravas, muitas vezes embuchava do seu

Senhor.O meu bisavô era feitor preto, quando me entendi encontrei vaca, égua

dele,porque o feitor era escravo, mas tinha outra liberdade, era de confiança do

Senhor, que era esse João Cândido Torres. Eu conheci um banco que meu avô

conservava. Ele dizia que aquele banco era de bater em negro lá na floresta....A

floresta era onde tinha a Casa Grande do João Cândido, era lá, outra na Maté

desses carneiros e também do Sítio do Meio. Na Maté ainda tem pra quem

quiser ver um muro de pedra feito pelos escravos. Lá na Mate era uma das

sedes de fazenda tinha a Casa Grande”.

João Santana.

“Nasci na Taboca do Belém e até hoje moro lá, meu pai foi criado na

casa do Senhorzinho, ele não foi do cativeiro, mas sabia tudo e contava para

nós. O pai dele foi mesmo cativo. Ele dizia que o avô dele era João e Salomé, só

assim naquele tempo negro só tinha o primeiro nome. O dono dele era chamado

Dias Pimentel”.

Francisca Ferreira Dias

“Minha mãe era Izabel que veio do Piauí, já de conta própria, era

muié livre já de conta própria quando veio morar em Passagem Franca. Ela dizia

que nasceu na era dos três oito (1888)no ano que o cativeiro acabou. A minha

mãe tinha até um livro da Princesa Isabel, que dói, em falar, pois ela quem

inventou os negros, num foi?!... O meu pai era Raimundo aí desses negros da

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banda do Redute(Colinas). Ele achou minha mãe na Passagem e se juntaram

até morrer. Já morreu aqui no Cambirimbo”.

Maria da Paixão

“Tanto a minha avó Grégoria como meu avô Timóteo eram escravos

de Iria Pimentel que vieram aí da banda do Sítio do Meio lá pra Taboca do Belém

onde se vive até hoje”.

Antônia Ferreira Dias.

As informações contidas em quatro depoimentos contidos acima

chegam até a terceira geração. Os dados registrados na memória do Senhor

Antonio Farias, são impressionantes quando se refere ao seu bisavô, o Tenente

Coronel José Pereira de Farias. Da mesma forma encontraram-se registros do

mesmo no quadro de Senhores que classificavam seus escravos, e também nos

livros de nota em procurações e escrituras. Em relação aos seus ancestrais

maternos refere-se a bisavó Clara a Iaiá Joana. Esta família compõe o quadro dos

escravos a serem libertos pelo fundo de emancipação em 1873. Eis como aparecem

os ancestrais do Senhor Antônio Farias.

Número Nome Cor Idade Profissão Senhor

309

Clara

preto

30 anos

roceira

Belisário e

Cândida

310 João preto 10 anos roceira " " "

311 Silvéria preto 08 anos roceira " " "

312 Joana preto 06 anos roceira " " "

313 Maria preto 04 anos roceira " " "

Diante de cópias do livro de registros de escravos, levadas a serem

vistas pelo referido depoente, o mesmo com gesto de satisfação, pergunta pelo

escravo Sulino, que é o seu avô paterno. Não se identificou o mesmo nos registros

de escravos, crê-se que os seus dados estejam em folhas rasuradas que foram

impossibilitadas de serem lidas.

Em relação ao segundo depoimento de João Santana, os dados da

memória oral confere, com os documentos da época. O mesmo senhor, João

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Cândido Torres foi suplente de juiz em Picos (1873) ao mesmo tempo em que era

Major e Ajudante de Ordens da Guarda Nacional.

Os depoimentos de Antonia e Francisco com dois anos diferentes de

idade, vêm complementar um ao outro. Dona Antonia tem lembranças da vó

Grégoria e do avô Timóteo. Já Dona Francisca acrescenta o nome dos bisavós,

sendo que a primeira enfatiza o nome da Senhora Iria e a segunda faz menção do

Senhor e Senhora de escravos dos seus avós.

Dados dos referidos senhores constam em procurações, batismos e

como também nas listas de classificações de escravos a serem emancipados.

O Tenente José Dias de Oliveira Pimentel era proprietário de fazendas

no município de Picos e em São José dos Matões, e em 1879 foi juiz interino da

Comarca do Alto Itapecuru.

Nas indagações que se fez aos entrevistados sobre as lembranças da

vida dos cativos registrou-se o seguinte:

A escravidão em Picos não foi diferente dos outros lugares do Brasil.

Era o mesmo sofrimento. Os meus avós tiveram uma vida de sofrimento. A minha

vó se acanhava de falar. Meu bisavô, este era dono de escravos, tanto batia como

mandava bater em negros. Minha vó falava que lá na Almeida tinha um lugar de

açoite. O escravo mesmo levava uma carta feita pelo seu dono, saia aí do Centro da

Lagoa Grande com essa carta que dizia quantas chibatadas era pra ser dada pelo

carrasco. Era um sofrimento danado. Meu avô materno foi escravo, mas não chegou

a apanhar. Era o escravo Sulino, ele era um carpina fina.

A minha mãe, essa já nasceu no fim do cativeiro, já nasceu livre!...Mas

agora tinha outros, como o povo da minha sogra Isabel, o pai dela era o Matias

escravo do José Moreira, Pai do Major Sebastião. Esse Senhor mandava nas

cacimbas e no Canto Bom. Lá é que dizem que tinha sofrimento. O lugar de açoitar

os negros era lá, que depois é que passaram a chamar Serra Negra. Lá o golpe

passou, e os negros continuaram apanhando.

Antônio Farias

“No Sítio do Meio, tinha uma Casa Grande e de lá meu

avô Tito contava muitos casos do Comendador Severino. Era

Severino Dias Carneiro. Agora esse Senhor era malvado... Nesse

tempo as viagens para Caxias de animal. Comendador Severino

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numa destas viagens, tempo de guabiraba, ele foi subir num pé de

guabiraba, de botas e nisso caiu e ficou enganchado. Um negro que

presenciou correu pra acudir. Quando acudiu que tirou do engancho

ele disse: __ Agora vira pra cá, eu vou te dá um tiro, pra tu não sair

aí dizendo que viu o Comendador trepado que nem guariba. Deu

um tiro e o sujeito ficou lá mesmo.”.

“Outra vez diz que tinha umas parentas da família e

comentaram com ele de conversa que sabiam de matar negro,

bater em negro e ele assim falou:__ Vem aqui que eu vou te

mostrar como é que se mata guariba. Chamou um nego, mandou

subir num pau, deu um tiro, e ele caiu queto. Ficou todo mundo

horrorizado. Nesse dia tinha lá na fazenda uns vendedor de Santo

do Ceará e num sei onde esses homens denunciaram dele, o certo

é que veio a polícia e prendeu o Comendador. Aí os negos quando

viram ele preso, zombaram dele e aproveitaram pra fugir. Diz que

tinha três nego carrasco da confiança dele, era...eu num lembro o

nome, um se chamava Guabiraba, os outros não me lembro. O

certo é que os negros fugiram. O Comendador logo foi solto e

voltou pra fazenda, mandou caturar os negros e logo trouxeram de

volta. Na volta uns se valeram dele. Os mais perigosos não pediram

perdão. O Comendador mandou os negros cortar pau e trazer da

mata. Mandou fazer uma fogueira, quando tava na brasa viva disse:

___ Eu não vou mandar bater em vocês, mas o que passar três

vezes por cima da brasa, esse vai ganhar a alforria. Aí eu num sei o

resultado.”

João Santana.

“Lá no Centro da Floresta tinha uma casa com lugar

próprio de bater em negro. Minha mãe não apanhou, foi criada pela

dona Iria(filha) mas era como filha. Um dia um hóspede da família

encontrando uma escolha no arroz reclamou e disse: Iria essa tua

criada carece ser castigada, não cata o arroz direito, e ela assim

respondeu:

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A minha criada é como se fosse filha e eu não vou

castigar por isso...”.

Antonia Ferreira

“...Os negros apanhavam, mas o senhorzinho, se falava

que era bom. Quando tinha negros ruins, que não estava se dando

bem, aí eles vendiam pra outro cruel. Tinha Senhor que não tinha

coração, botava os negros para o caminho em uma travessa da

casa de um alado para outro e com o espeto por baixo. Eh! Negro

sofria!”

Francisca Ferreira

“...A minha mãe contava tanto sofrimento que eu não

gostava nem de escutar. Tinha uns, que para se livrar do cativeiro,

se juntava e fugia.Quando estavam já longe no meio da mata, já

com fome, um subia no pau mais alto, pra vê se não via modo de

gente. Tando tudo calmo eles acendiam um fogo pra fazer alguma

comida. As vezes quando a panela já tava fervendo, escutavam um

tiro, aí juntavam tudo e corriam de novo até encontrar um lugar

seguro pra viver em paz.Tinha aqueles homens só de caçar os

negros fugidos e bater. Era uma perseguição horrível.”

Maria da Paixão

“...dos negros aqui do Belém nunca sei se apanhavam,

mas eu via os mais velhos falar que na Serra Negra, no tempo do

Seu Sales amarravam os negros num pau e assanhavam os

maribondos. Negro sofria!e num era só negro não, era quem

trabalhava pra ele. Era trastejar o pau comia”.

Caetana

Esses são alguns exemplos do que foi a escravidão em Picos, a qual o

Sr. Antonio Farias sintetizou muito bem quando disse que não foi diferente do resto

do Brasil, era o mesmo sofrimento!.O símbolo da repressão, o tronco esteve em

vários locais do município de Picos. O negro no entanto não se acomodou diante do

sofrimento, a prova esta nas fugas que faziam, embora enfrentado a fúria do capitão

do mato.

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O negro em Picos também lutou em busca dos seus direitos, como foi

o caso do escravo Serafim de Eufrásio Alves da Mota, que em 16 de março de 1877

compareceu a audiência municipal de órfãos fazendo de4núincis dos maus tratos e

abandono que vinha recebendo em função de está doente. Outro exemplo de luta

que merece destaque foi do escravo Eugênio que lutou na justiça contra Carlota

Ferreira de Sousa que moveu queixa crime contra Anacleto Joaquim Ferreira que

deu carta de liberdade ao referido escravo.

O depoimento de Francisca faz lembrar da venda de uma escrava de 5

anos, feita por Germano de Morais Cutrim ao Coronel João Francisco de Carvalho.

A escritura da referida compra e venda dizia que o comprador comprometia-se a

pagar “300$000(trezentos reis) pela escravinha, Raimunda, no estado “em que se

acha” e com todos os achaques, manhas, sérios defeitos presentes e futuros que

tem”. A principio pensou-se na hipótese de ser a escrava filha do senhor, que a

comprava. O depoimento de Francisca porém vem agregar outra hipótese: o então

comprador poderia ser “um senhor cruel” capaz de tirar os defeitos da escravinha

através da violência.

Na narrativa de Caetana a mesma associa a violência da escravidão

com a Serra Negra no tempo do Sales Moreira. Sales Moreira era o chamado

Capitão da Serra negra, influente “político da região nas décadas de 1940 e 1950”.

Antonio Farias também se reporta ao local quando fala:...″Na Serra

Negra o golpe passou e os negros continuaram apanhando”.

Um outro tema abordado pelos entrevistados foi em relação a cultura

negra na região,onde foi enfatizado o seguinte:

“Minha mãe falava que sua avó Clara fazia uma festa todos os anos

reunindo todos os lavradores com os produtos da roça parta festejar. Essa festa é lá

do Velho Testamento, a festa de Izídio. Eu até lembro de um pedacinho da reza que

dizia assim: Meu Senhor Izídio filho da Espanha, nosso advogado... aí eu não

lembro mais. Depois dessa festa aí tinha o tambor de crioula, mas era proibido

tomar qualquer coisa para embriagar”.

Antonio Farias

“O tambor que eles brincavam na África aqui só podia

fazer se fosse bem longe para os Senhores não serem

incomodados. Até aqui em Colinas quando nós chegamos aqui, a

Mariinha do Doca inventou o tambor pra nós baiar. O Sargento

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Matos veio aqui e proibiu a brincadeira. Ela teve que fazer uma

casa bem distante pra poder baiar o tambor de mina. A festa de

Santa Bárbara, essa tem todo o ano, eu tô assim doente mas os

outros organizam tudo, uma vez até me levaram.”...O meu pai esse

gostava era da festa de São Sebastião da Passagem Franca. Ele

foi por muitos anos o capitão do Mastro dessa festa. Depois que

nós se mudamos ele ia pra lá, juntava com outros amigos pra

derrubar aquele pau grande e na madrugada pra amanhecer o 10

de janeiro iam buscar esse pau as vezes distante duas ou mais

léguas. De lá vinham cantando, bebendo e entravam pelas ruas da

cidade de casa em casa louvando o santo e aquele pessoal nas

suas casas até chegar na porta da igreja.Lá enficavam aquele

mastro que ficava até o dia 21 quando novamente todo mundo

reunia pra derrubada do mastro.Essa festa até hoje se faz na

Passagem Franca”.

Maria da Paixão

“Eu sempre ouvi os mais velhos falar, que aqui tinha uma

grande festa, que era festa de Bárbara. Quem trouxe pra cá foi

uma escrva da moda Rosália, essa veio mesmo da África. Era a

mãe de Prudêncio e de Ezaquiel. Aqui quem fazia festa de Bárbara

eram eles; mas era dentro das matas... Tinha também outras festas

para se divertir. Tinha as tocada de pifees e tambo. Tinha também

o tambor; ah!os negros gostava de festa e ainda gosta!”.

Francisca Ferreira Dias

Em relação aos negros depois da abolição veja o que diz

nossos depoentes:

“No Cruzeiro pra banda da Lagoa Grande muitos negros

herdaram terra dada pelo Coronel José de Farias Pereira. Lá na

Lagoa Grande ficou o Firmino Ramos, a Virgínia era dessa gente...

A Virgínia era dessa gente...A Virgínia ela era a mãe da Martinha,

que foi professora lá na Lagoa Grande, ensinou muita gente. Ela

também era da gente do meu bisavô... Só que elas ficaram com

outro nome, acho que é do Norberto”.

Antonio Farias.

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“No fim do cativeiro quando o avô de meu pai tava forro

ele comprou uma terra desses Dias Pimentel porque aqui os

grandes era esses Dias Pimentel e os Carneiro. Mas era tudo

misturado, só que os Carneiro ficava lá na Maté... Pois bem, como

eu falava, uma parte dessas terras deu confusão. Foi quase um

cativeiro. O Capitão Lili comprou um pedaço de terra lá dos

Machado e entrou nas nossas. Botou lá um agente dele pra agir,

houve uma briga terminou com morte, morreu o agente dele e meu

primo Timóteo que era o mesmo nome de meu pai”.

“ Terminado o cativeiro os negros continuaram

trabalhando nas terras do senhor. Para meu avô foi dado umas

terras, mas ele não se importou, pois terra não valia nada, o que

valia era o gado. Depois de muito tempo os Moreiras compraram a

fazenda de gado e o lado do açude e com o tempo se apoderaram

de tudo. Ficou assim: quando alguém reclamava porque não tinha

terra pra roça, ele dizia que a terra era do gado. Daí em diante

começou outro cativeiro, com o dia da lei ... O dia da lei era o

seguinte: todo morador das terras do capitão Moreira era obrigado

a trabalhar três dias de serviço por ano nas terras dele. Era na

limpa das quintas, nas roças, era limpando as beiras de estrada e

tudo que ele precisasse. Agora aí não era só negro não; todo

morador dele era obrigado a trabalhar”.

João Santana

Em relação ao dia da lei o mesmo foi instituído na Serra

Negra, município de Picos, hoje Colinas. O depoimento a cima é

confirmado em relatos do capitão o qual descreve como funcionava

a participação dos seus moradores no cumprimento da lei assim

como agia em função dos que desobedecessem. O referido dia da

lei, como era chamado pelos moradores, tratava-se de umas das

cláusulas dos direitos e deveres dos agregados. 114

Essa prática adotada pelo capitão Moreira Lima pode ser

comparada com a corvéia, uma das obrigações dos servos na

idade média, os quais tinham que trabalhar algumas vezes por

semana nas terras do senhor feudal. Só que essas práticas foram

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adotadas em épocas bem diferentes. O dia da lei em meados do

século XX, em quanto que a corvéia foi adotada em pleno

obscurantismo da idade média.

Atualmente grande parte das terras que no passado

foram trabalhadas no regime de escravidão hoje são áreas de

assentamento compradas pelo INCRA e com carências de infra-

estrutura para que os moradores venham a viver com dignidade.

_______________________

114 Oliveira Antônio Augusto Pires de: o capitão da Serra Negra: relato de Gonçalves Moreira Lima,

São Paulo: Martins, 1982

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5. CONCLUSÃO

A atual cidade de Colinas do maranhão surgiu no período de

decadência do sistema escravista. O município inserido na região de Pastos Bons

teve como primeiros habitantes os índios timbiras, canelas finas, os quais travaram

varias investidas no sentido de preservar o seu espaço. O comando dos

conquistadores sediado em Pastos Bons, organizaram várias de combates aos

nativos conseguindo, portanto, eliminar grande parte e os poucos sobreviventes

emaranharam-se nas matas.

A partir da expulsão dos nativos, a região foi aos poucos povoada

através do que se chama corrente baiana, cujos componentes passaram a instalar

suas fazenda de gado, em áreas de terras concedidas chamada Sesmaria. As terras

ás margens do alto Itapecuru foram muito disputadas entre os sesmeiros sendo que

a área da fazenda Grande a unidade básica do povoamento, foi concedida a

Germano Pereira de Sá.

A fazenda Grande na época da Balaiada era uma das mais prósperas

da região e foi invadida pelos balaios. No enfrentamento das forças, e o dono da

Fazenda, morreu em combate, o que gerou o declínio da fazenda.

O gado vacum que até nos anos 40 do século XIX foi uma das maiores

produção da região a partir daí foi vitima de pragas e epidemias que desmotivaram

os criadores. Vários desses criadores que habitavam em Pastos Franca e Passagem

Franca onde se dedicaram a produção de algodão. Foi desse fluxo de moradores

em rumo às margens do rio Itapecuru que emergiu da fazenda Grande a Vila de

Picos.

Nas áreas de produção de algodão nas proximidades da Serra do

Belém a principal mão de obra, foi o escravo negro que era proveniente de Caxias e

São Jose dos Matões. As fazendas de uma mesma família eram distribuídas em

vários locais e a comercialização desses escravos com os senhores dessas

localidades. O fundo de emancipação de escravos que era um, dispositivo da lei do

ventre livre foi manipulado pelos políticos conservadores beneficiando os grandes

senhores que faturaram somas exorbitantes em escravos idosos e crianças.

O movimento abolicionista através de clubes associações, comissões,

esteve presente em Picos, mas a liberdade dos escravos só foi concretizada com a

lei áurea, que libertou os negros a partir da assinatura da lei aos 13 de maio 1888. A

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partir da sonhada liberdade o negro passa a lutar pela terra por um espaço de

trabalho. Atualmente a maioria dos remanescentes que reside em colinas vivem na

periferia da cidade, em áreas de atrito de terra e assentamentos do Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

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