a escolha - piloto
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Primeiro capítulo da web-serie de Marcos Sá.TRANSCRIPT
1. Piloto
Renan abriu os olhos e tentou se situar. Não fazia a mínima idéia de como
havia parado em seu quarto. A última coisa que se lembrava era de ter chegado à
festa, na noite anterior, com os seus amigos. Eles estavam comemorando o
aniversário de uma prima da Rita, a sua namorada, quando saiu, simplesmente,
pra atender uma ligação. O seu corpo estava muito dolorido, as suas pernas
pareciam estar mais duras do que ao final das partidas de futebol que costumava
jogar pela seleção da escola.
O garoto se sentou, na cama, e tentou se recordar. A sua cabeça estava
pesada. Ele se lembrou que estava bebendo com os amigos, mas não conseguia se
lembrar que havia bebido em uma intensidade tão grande a ponto de deixá-lo
daquela maneira. Nunca havia se sentido assim, nunca havia bebido tanto.
Uma pequena dor de cabeça começou a se apoderar. Renan se levantou,
vagarosamente, de onde estava, cambaleou até o banheiro do seu quarto, olhou
no espelho e percebeu que o seu rosto não estava em um dos seus melhores dias.
Molhou as mãos com a água da torneira e lavou o rosto. Despiu-se, banhou-se e,
enfim, estava pronto pra mais um dia. Procurou o seu celular, mas não o achou.
Decidiu que não havia tempo pra procurar mais... Queria, logo, ver os seus
amigos e perguntar o que acontecera na festa.
A manhã estava muito clara, a sua mãe, como sempre, estava sentada ao
sofá lendo o seu jornal matinal. O garoto se aproximou dela e a cumprimentou
como de costume.
- Meu filho, nem percebi que tinha acordado. – ela disse sorrindo pra ele. –
Hoje é Sábado, por que não dorme mais um pouco?
- Não estou com sono, mãe... – ele ia se virar para a mesa, porém, voltou-se
à mãe. – A que horas cheguei ontem?
- Não sei, meu filho... Eu e o seu pai já estávamos dormindo. – disse ela
levantando o seu olho para encarar o filho. – Por que?
- Não me lembro da noite de ontem. – disse ele.
- Ah, Renan... Já conversamos sobre você beber antes dos dezoito anos.
- Mãe, eu não bebi muito. Eu juro. – ele virou-se pra mesa.
Ele não gostava de mentir pra mãe; na verdade, não é como se estivesse
mentindo. De fato, nem ele se lembrava o quanto havia bebido na noite anterior.
Precisava tomar o seu café e ligar para o Henrique pra saber de tudo.
- Então, o que houve? – ele ouviu a voz do pai chegando do corredor que
levava aos quartos.
- Ah, bom dia, pai. – respondeu o garoto.
- Se não bebeu muito, por que não se lembra de nada?
- Não sei. Isso é o estranho.
Helena, mãe do garoto, se levantou do sofá e se juntou aos dois pra tomar
o café da manhã. Os três continuaram conversando sobre o que, supostamente,
poderia ter acontecido ao garoto na noite anterior. Antônio, pai de Renan, não
conseguia acreditar na idéia de que o filho não havia se embriagado. Havia
passado um sermão no garoto para que aprendesse que não deveria mais fazer
isso.
Antônio foi o primeiro a terminar o café. Saiu, quase, correndo de casa,
pois tinha uma reunião importante com uns representantes de uma das empresas
que estava defendendo no momento. Ele era um advogado famoso que trabalhava
na parte de defesa das indústrias e companhias contra processos longos e
penosos. Sempre venceu as causas, nunca levou uma derrota pra casa, por isso,
todas elas brigavam para tê-lo como seu defensor.
A mulher se despediu do marido e, logo após, teve que se despedir do filho
também. Normalmente, ela ficava sozinha em casa, somente, contando com a
presença da Olívia que trabalhava, na casa, por, quase, vinte anos. Renan vestiu a
sua camisa branca e saiu para se encontrar com o Henrique que morava no
mesmo condomínio.
Henrique estava, na sala, terminando de ler mais um capítulo da revista de
esportes que mantinha a assinatura há cinco anos. A campainha tocou, e ele,
percebendo que ninguém estava por perto, foi atender.
- Renan? Filho de uma puta, onde cê se enfiou ontem, rapá? – ele parecia
bem surpreso com a presença do amigo.
- Putz, nem me fala isso... Vim, aqui, pra saber o que tinha acontecido. –
disse Renan entrando na casa.
- Porra, vei... Você sumiu. – Henrique fechou a porta de casa, entrou na
sala e se sentou no mesmo sofá que o Renan estava. – A gente ficou te
procurando durante um tempão.
- Não faço a mínima idéia do que aconteceu. – Renan colocou a mão na
cabeça como se estivesse desesperado.
- A Rita tá puta contigo.
- Ela tá aí?
- Deve tá dormindo.
Os dois amigos ficaram conversando durante um bom tempo. Uma hora
depois da conversa ter sido iniciada, puderam perceber que não estavam sozinhos
na sala quando uma voz a mais entrou no diálogo.
- Onde você estava ontem à noite? – os dois se viraram e perceberam que a
Rita estava parada próxima ao sofá.
- Meu amor... – Renan se levantou e foi até ela. – Eu esperava que você me
dissesse. – ele já estava próximo a ela.
- Que palhaçada é essa? – ela perguntou a ele.
- Me diz, ontem, eu estava o tempo inteiro com você... Pra onde eu fui? –
ela sentiu uma agonia em sua voz e chegou a bambear com a dureza do
sentimento.
- Você, realmente, não se lembra? – ela perguntou incrédula.
- Não me lembro de nada. A última coisa, pra dizer a verdade, que eu me
lembro foi de ter ido pra sacada contigo. – disse o garoto.
- Não é possível.
Os três se sentaram.
- Você estava comigo. De repente, você viu alguém e saiu correndo, apenas
gritou pra mim dizendo que era uma amiga sua longa data.
- Eu saí correndo? – ele perguntou.
- Sim... Você foi atrás da sua amiga. Depois de uns vinte minutos, cê voltou
e ficou comigo novamente. Daí, você recebeu um telefonema no seu celular e me
disse que sairia pra falar, porque num daria pra escutar com toda a barulheira.
Você demorou muito, aí, eu saí pra te procurar e num te achei mais. Passei a
noite inteira tentando te achar.
- Pelo amor de Deus... Como é possível que eu não lembre de nada?
- Você tem certeza que não estava com a sua amiga? – Rita demonstrou o
motivo de toda a sua raiva inicial.
- Eu o que? Tá ficando louca? Eu me lembro da Fernanda passando do
outro lado do parque. Corri, a alcancei, mas não me lembro de mais nada.
- Muito conveniente... – disse a menina.
- Ah, peraê, Rita... você já tá pegando pesado demais. – defendeu o irmão
dela. – Não tá vendo que o Renan tá ficando maluco com essa situação?
- Eu não estou me sentindo muito bem. Acho que vou pra casa. – disse ele.
Renan nem deu tempo de os amigos tentarem dissuadi-lo de sair. O garoto
saiu como se ninguém o estivesse acompanhando em uma conversa que tivera em
menos de cinco segundos. Rita ficou chocada com a atitude do namorado, não
esperava, de forma alguma, que ele fosse capaz de deixá-la, praticamente, falando
sozinha. Ele saiu andando e continuou pensando. Teria que se lembrar o que
havia acontecido, não poderia, simplesmente, ter um apagão e deixar tudo como
estava.
Decidiu ir para o mesmo local da festa. Iria presenciar tudo e tentar se
recordar. Andou durante um bom tempo e ficou se perguntando o motivo que
levara a Rita a desconfiar de uma suposta traição. Ele nunca houvera dado
nenhuma razão para que ela pensasse isso dele. Sempre estiveram juntos,
namoravam desde os catorze anos; Ela havia sido a sua primeira e ele a dela
também. Todos na escola sabiam que eles estavam apaixonados.
Henrique conseguiu, depois de correr muito, chegar aos passos do melhor
amigo.
- Que cê tá fazendo aqui, cara? – Renan perguntou ao enxergá-lo.
- Não vou deixar você sozinho nessa. – ele apertou o ombro do amigo. –
Onde cê tá indo?
- Eu vou voltar pra o local da festa. Preciso saber o que houve comigo
ontem.
Eles continuaram em seu caminho. A presença do Henrique seria boa,
pois, assim, poderiam até mesmo adentrar a casa, já que se tratava de uma festa
pra comemorar o aniversário de uma prima sua. Renan ficou olhando para todos
os lados, queria fotografar tudo pra saber se ajudava em algo. Eles evitaram
manter algum tipo de conversa, pois poderia atrapalhar o andamento do
processo.
Já podiam ver a casa, onde a festa acontecera, e pararam. Renan respirou
fundo, sentiu uma leve dor de cabeça. Henrique percebeu que o seu amigo não
estava se sentindo muito bem, segurou-o pelo braço e lhe sugeriu que voltassem;
porém, não havia mais como fazer isso. Já estavam ali, agora, caberia aos dois
tentar descobrir a verdade. Aproximaram-se da casa, olharam para o outro lado e
viram o parque. Após o parque, estava uma pequena mata. Renan sentia a sua dor
de cabeça piorar. Henrique continuou andando e chegou, exatamente, no local
onde, segundo Rita, o Renan fora visto pela última vez.
- E aí, cara, se lembra de alguma coisa? – perguntou o amigo mais novo.
- Nada... A minha cabeça está pra explodir. - Renan levou a mão à cabeça e
apertou-a.
- Calma... Isso num pode ficar sem explicação. Nós vamos descobrir o que
houve.
...
André havia acordado tarde. Helena, sua mãe, já havia terminado de ler o
jornal e estava, no computador, terminando de escrever o seu primeiro livro. O
adolescente se sentou-se, à mesa, e tossiu para que a mãe reparasse que ele estava
ali. Ela, retirou os óculos do rosto, e sorriu para o filho.
- Bom dia, meu amor... – ela se levantou da cadeira e foi ao encontro do
garoto.
- Bom dia, mãe... – ele respondeu, prontamente, colocando o seu café na
xícara.
- O seu irmão já saiu.
- Pra onde ele foi?
- Foi encontrar a Rita, eu acho.
- A que horas ele chegou ontem? Fiquei esperando ele, até tarde, mas não
o vi.
- Ah, ele chegou de manhã. Estava muito animada a festa. – ela aproveitou
pra comer mais uma torrada. – Já conversamos com ele, parece que ficou
bebendo.
- Normal.
- Normal uma pinóia. – Helena reclamou mansamente. – Não quero
nenhum dos meus dois filhos bebendo por aí. Ainda mais em festa na casa de
estranhos. Você principalmente, mocinho.
André levantou os olhos como se estivesse satirizando a mãe. Ele terminou
de beber o seu café, levantou da mesa, cumprimentou a Olívia e foi para o sofá.
Ligou a televisão e começou a passar, um por um, até encontrar um em que se
ligasse.
Na televisão, o garoto começou a assistir a um filme de terror que parecia
ser algo que ele já havia visto antes.
- Deco, tem uma moça na linha querendo falar com você. – naquele
mesmo instante, o seu corpo tremeu. Nunca havia recebido uma ligação de uma
garota, em sua casa, antes. Ele correu para o telefone, sem encarar a mãe e
respondeu ao chamado. – Quem é?
- Oi Deco, é a Rita. Por favor, não deixei saber que sou eu. – ela parecia
afoita. – O Renan tá aí? – ela perguntou como se estivesse cochichando.
- Não. A minha mãe disse que ele havia saído pra se encontrar com você.
- É. Ele até veio aqui, mas acabamos discutindo e ele saiu com muita raiva.
- Aconteceu alguma coisa?
- Ele que estava estranho, ontem, e, hoje, continua.
- Vou tentar falar com ele. Já tentou ligar pro celular?
- Já, mas só dá caixa.
- Ok. Se ele aparecer aqui, vou dizer que você quer falar com ele.
- Tá bom! Obrigada.
...
Henrique e Renan estavam indo em direção à casa.
- Bom, segundo a Rita, eu vim atender o telefone aqui. – o garoto havia
parado e fingiu estar com o celular na mão. – Falando nisso, onde será que eu
guardei aquela merda?
- Calma. Se você ficar nervoso, não vai conseguir se lembrar de nada.
- É verdade. Então, eu estava aqui. Aí, ela disse que saiu pra me procurar e
eu não estava mais. – ele coçou a cabeça. Estava doendo demais. – O que
aconteceu? O que eu fiz? Eu bebi muito?
- Não sei, cara. Eu estava com as meninas e você, desde que chegou, estava
com a Rita. Depois disso, ela veio me procurar pra perguntar se eu sabia onde
você estava. Depois, ela ficou puta, foi pra casa sozinha, e você apareceu, no outro
dia, lá em casa.
Os dois continuaram caminhando. Distanciavam-se da casa. Renan queria
ter uma idéia de onde poderia ter ido após atender aquela ligação. Se, ao menos,
estivesse com o seu celular, poderia ver quem havia ligado e teria, enfim, uma
dica. Será que havia ido se encontrar com a Fernanda? Será que teria voltado pra
casa?
A casa já estava mais longe do que eles esperavam que ficasse. Olharam, ao
redor, e perceberam que se aproximavam da mata. O parque estava vazio, àquela
hora, não havia nenhuma criança brincando, nenhum dos meninos jogando bola.
Só havia aquele matagal onde a bola, muitas vezes, caía terminando o “baba” das
crianças.
Renan ficou olhando e tentando se lembrar de qualquer movimento que
houvesse acontecido por ali. Rodou a cabeça, virou o olho, enxergou o ambiente
por completo e, então, sentiu uma pontada bem forte em sua cabeça. Soltou um
gemido e se ajoelhou. Henrique, assustado, correu pra perto do amigo.
- O que houve? O que foi? – perguntou de uma forma rápida.
- Minha cabeça... Minha cabeça... Parece que vai explodir. – disse o garoto.
- Levante, bora... Eu vou levar você pra casa...
- Não... Pera.
Naquele momento, Renan sentiu que algumas coisas estavam vindo à sua
cabeça. Lembrou-se de ter se encontrado com a Fernanda. Lembrou-se de que
saiu correndo, do meio da festa, quando a avistou de longe. Depois, a lembrança
se esvaiu, e ele continuou forçando a dor para que conseguisse se lembrar de algo
mais. A dor latejava, não era normal. Renan, quase caído ao chão, conseguiu
lembrar de ver o seu corpo correndo pra dentro do matagal.
- Meu Deus... Eu tô vendo coisas. – disse pra Henrique.
- Vamos sair daqui, velho. – disse o amigo.
De repente, Renan se levantou e mudou a sua forma de olhar. Henrique
não entendeu o que estava acontecendo. Tentou puxar o braço do amigo, e ele se
soltou com muita facilidade. Rapidamente, Renan fechou os olhos, balançou um
pouco e voltou a abri-los com certa dificuldade.
- O que houve? – perguntou ao amigo.
- Você é maluco? – ajeitou a manga da camisa. – Você quase me empurrou
no chão agora.
- Eu? – Renan se assustou com o que o amigo disse.
- Vai me dizer que não lembra disso também... – Henrique parecia
chateado.
- Lembrar do que?
Henrique percebeu que o amigo não estava nada bem. Se ele, realmente,
não estivesse mentindo, estava passando por sérios problemas psicológicos.
Quando o Henrique ia dizer ao Renan o que havia se passado, ouviram um grito
horrível.
- O que foi isso? – Renan perguntou.
- SOCORRO...
Os dois saíram correndo em direção ao matagal. Era de lá que vinha o
grito. Procuraram por todas as partes, tentaram identificar o local de onde o grito
viera. Começaram a pedir que a pessoa falasse novamente, precisavam saber a
direção. Era tudo muito grande, cheio de árvores e mato, não tinha como se guiar
sem saber, exatamente, onde estava a pessoa que pedira socorro.
- Onde você está? – Henrique gritou para que a pessoa respondesse.
De repente, ouviram um barulho de passos correndo na direção oposta à
que estavam olhando. Renan foi o primeiro a partir em disparada. Precisava
ajudar aquela pessoa. E se alguém estivesse tentando estuprar uma menina, ou
tentando sequestrar uma criança? Os dois conseguiram chegar até uma pequena
elevação e, de lá, conseguiam ver quase todo o matagal.
Foi, neste momento, que o Renan sentiu a sua dor de cabeça aumentar
novamente. Henrique segurou o braço do amigo e falou pra ele:
- Não começa não...
Mesmo com a dor, Renan pulou da pequena ribanceira e foi em direção ao
que parecia ser roupas. Chegou, descontroladamente (quase caindo), ao local
exato e abriu os seus olhos da forma mais esquisita que conseguiu. Henrique,
atrasado, chegou, quase empurrando o amigo, e, também, se assustou
terrivelmente.
- É o que eu estou imaginando? – perguntou Henrique.
- Sim... – Renan engoliu em seco. – Parece uma pessoa. – se aproximou. –
Será que ela foi atacada?
Henrique segurou o braço do amigo, e os dois se aproximaram ainda mais
do corpo. Renan se abaixou, tentou tocar na mulher, que estava deitada de costas,
mas não obteve nenhum resultado. A dor na sua cabeça estava aumentando. Ele
não sabia o que fazer pra conseguir parar.
Olhou, novamente, para o corpo da mulher e decidiu virá-la pra saber o
que havia acontecido. Segurou, vagarosamente, o ombro dela e puxou-a bem
lentamente. O que ele não esperava era que, ao conseguir, identificasse,
automaticamente, a pessoa.
Renan caiu para trás. Saiu se afastando do corpo com toda a sua
velocidade. Henrique percebeu que a mulher estava morta. O seu rosto estava
bem roxo e o seu pescoço bem virado. Alguém havia contorcido-o a ponto de
fazê-la perder a vida.
- É ela... – disse Renan
- Ela quem?
- A Fernanda.