a escolha - 4. uma sensação inexplicável
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Web-Serie escrita por Marcos SáTRANSCRIPT
A EscolhaA EscolhaA EscolhaA Escolha
Por Marcos Sá
4. Uma Sensação Inexplicável
Antônio já estava, bem cedo, no telefone celular. Ele pensava que todos
estavam dormindo. Eram quatro da manhã e, normalmente, ninguém, naquela
casa, estaria de pé. Ele desceu as escadas, de uma forma cuidadosa, e apertou o
aparelho contra o ouvido.
- Alô, já pode falar. Já estou longe de todo mundo. – o homem parou para
escutar. – Não... Não. Já lhe disse que a gente não pode falar sobre isso. Eu não
vou deixar que você faça nenhuma besteira e acabem descobrindo tudo. – parou
pra escutar novamente. – Tá... Tá. Não se sinta pressionada. Eles nunca vão
descobrir. – parou mais uma vez. – Fizemos tudo direitinho... Não se preocupe.
Ele não vai saber de nada.
O homem continuou andando até a sala e, quando chegou perto do sofá,
estancou ao perceber que o seu filho mais velho estava sentado, às escuras, na
cadeira perto da mesa.
- Preciso desligar agora. – ele havia ficado nervoso. Voltou-se pro filho. –
Renan, o que cê tá fazendo aqui? – ele estava tentando fazer com que o filho não
visse o celular, mas tinha medo de que ele tivesse ouvido a conversa.
- Estou sem sono. – o garoto ficou encarando o pai. – Com quem estava
falando?
- Ah, isso..? – apontou pro celular. – Apenas negócios, filho... Sabe como é,
a empresa não me deixa dormir nunca. – ele continuou andando e foi pra
cozinha. Parou no balcão. – Quer comer alguma coisa?
- Não... Estou sem fome.
- O que houve? Por que não consegue dormir? – o homem parou de
colocar a manteiga no pão. – Está assim por causa do que aquela maluca falou na
escola?
- Não, pai... Ela só tinha que colocar a culpa em alguém. Tinha que botar o
dedo na cara de alguém... Como a polícia deixara vazar a notícia das fotos... Eu
era o principal suspeito dela.
- Você num é principal suspeito de nada. Você tem que viver a sua vida
normalmente. Não vou deixar que ninguém fique te atazanando...
O garoto ficou encarando o pai e não pôde deixar de perceber que ele
estava nervoso. Não sabia se aquele assunto o havia deixado assim, afinal,
ninguém gosta de ver o seu filho sendo relacionado a um assassinato, ou se o que
o deixara daquela forma fora o telefonema que recebera. Renan não estava com
muita paciência pra pensar muito a respeito e, na verdade, quando pensava não
tava nem aí pra o que poderia estar acontecendo... Ele estava com problemas
muito maiores pra resolver.
- Pai, vou pra cama... Vou tentar dormir. – disse o garoto.
- Filho, boa noite...
Os dois se cumprimentaram, e o menino foi para o seu quarto a fim de
tentar dormir de verdade. Ele ficara pensando, a noite toda, no que estaria
acontecendo com a sua mente. Ele encostou a cabeça no travesseiro, colocou os
pés sobre a cama e tentou relaxar. A ideia de que não se lembrava, de novo, o que
havia acontecido com a sua noite estava torturando-o. Até quando isso iria
continuar? Até onde teria que ir pra poder entender o que estava se passando
com a sua vida? Será que ele era o assassino das meninas? Naquele momento, o
próprio garoto sentiu medo de si.
...
O caminho, para a escola, era muito duro para os olhos de Nicole que
havia ficado acordada a noite inteira. Os seus óculos escuros tentavam disfarçar a
forma como os seus olhos estavam inchados e como não conseguia fixar o seu
olhar em um ponto só. Tinha medo de ser pega dormindo andando. Nicole estava
tentando não chamar a atenção, mas era difícil fazer isso sendo quem ela era. A
cada passo dado, alguém a cumprimentava ou tentava manter algum tipo de
conversa.
A garota não queria ficar falando nada. A sua língua estava presa, ela não
conseguia falar de tão cansada que estava. A sua noite havia sido dura. Não era a
toa que saíra de casa tão repentinamente. De repente, a um canto da rua,
encostado em uma árvore, ela viu o mesmo cara que estava sentado ao seu lado
no ônibus, todo vestido de preto, com os seus óculos escuros e o cabelo
bagunçado, como se tivesse acabado de sair de uma briga. Ela parou, abaixou os
óculos e pôde mudar o seu caminho.
- Olha quem está por aqui... – ela disse ao se aproximar.
- Nos conhecemos? – o homem havia perguntado.
- Sim... Nos sentamos juntos no ônibus um dia desses aí. – ela segurou a
mochila nas costas.
- Ah, me lembrei de você. – o homem não parecia ter interesse nenhum.
- Você está bem? – ela lhe perguntou.
- Sim, por que não estaria? – ele nem olhava pra ela. Tinha o seu olhar fixo
em algum ponto.
- Olha, você sabe que é crime ficar parado, na frente de uma escola,
olhando os estudantes, né? – então, ele a encarou pela primeira vez.
- O que você quer garota? – ele retirou o óculos, e ela pôde perceber que
ele estava estranho.
- Nossa! Faz tempo que você num dorme, né?
- Faz... Faz muito tempo que eu não durmo. – ele recolocou os óculos. –
Agora, se puder me dar licença, preciso encontrar uma pessoa.
- Quem? – ela insistiu e saiu andando atrás dele.
- Garota, como você é chata...
- Até conseguir o que eu quero, sou sim.
O homem parecia estar perdendo a paciência. Ele não queria se envolver
com aquela garota. Ela havia percebido que ele estava interessado em algo na
escola. Queria saber, de fato, o que o levava a ficar bisbilhotando tudo daquele
jeito.
- Você sabe que, com um assassino à solta por aí, você seria muito suspeito
se eu falasse pra polícia.
- Fale o que... – e então, o homem parou de falar como se tivesse se
lembrado de alguma coisa. Assim, ele mudou a sua perspectiva e olhou pra garota
novamente. – O que você quer de mim?
- Achei você bem atraente.
- Então, você quer a mim... É isso?
Nicole percebeu, rapidamente, que ele se sentira ofendido com o que ela
havia declarado.
- A não ser que você não queira.
- Eu não sei o que está despertando tanto interesse de você em mim...
Você é menor de idade.
- Não que eu... – ela percebeu que ele não olhava mais para ela. Havia,
rapidamente, desviado o seu olhar para o outro lado.
Nicole olhou e ficou procurando qual seria o alvo daquele olhar. Olhou de
volta para o homem, à sua frente, e percebeu que estava acompanhando os passos
de Renan.
- Espera... Você... Você é gay? – ela perguntou e isso assustou o homem.
- O que? – ele fez uma careta para ela. – Claro que não. Tá ficando maluca?
- E por que você estava acompanhando o Renan?
- Renan? – o homem parou e ficou pensativo. – Então, esse é o nome dele.
- Tá vendo... Você tá seguindo o Renan... – ela pegou a mochila e colocou
nas costas. – Acho que você é um filho da puta doente. – ela já estava saindo, mas
ele a puxou.
- Eu não sou gay, muito menos doente.
O homem abraçou a Nicole e a beijou na boca. Ela fechou os olhos e sentiu
aqueles lábios como nunca sentira outros em sua vida. Fora o beijo mais delicioso
que ela já pudera ter experimentado. Era difícil desgrudar. Ela passou as mãos
pelo cabelo dele e tentou sentir os pequenos arrepios que, normalmente, sentia
quando beijava alguém da sua idade. Para o seu espanto, aquele homem parecia
estar mais arrepiado do que o normal. Ele a afastou.
- O que houve? – ela perguntou assustada. Ele parecia esbaforido.
- Nada... Preciso ir. – saiu com muita pressa.
- Espere... Eu o verei de novo?
- Sim...
...
Renan estava andando pelos corredores da escola. Não estava se sentindo
muito bem. Queria poder ir pra casa, mas tinha um teste importante naquele
momento. Tudo bem que não havia estudado nada, mas sabia que o professor
não lhe daria uma segunda chance, então, teria que pegar pesado e conseguir
fazer aquele exame.
Quando o garoto se aproximou da sala de aula, ouviu um barulho tal qual
um psiu. Ele olhou para perto do bebedouro e viu que a Rita estava ali. Ele se
aproximou dela e recebeu um beijo na boca. Não conseguiu, sequer, retribuir.
- O que houve com você? – ela perguntou.
- Não consegui dormir.
- Eu te liguei a noite inteira e você não me atendeu...
- Não ouvi o celular tocar.
- Você vai ficar assim por causa daquela mulher? – ela segurou o queixo do
namorado. – Todos nós sabemos que não foi você quem matou aquela garota. –
Rita disse isso, mas percebeu a cara do namorado. Nem ele conseguia negar com
certeza.
- É... Eu sei. – respondeu de uma forma desanimada.
- Vamos lá, anima essa cara... Vamos pra aula.
Os dois continuaram andando.
Eles não perceberam que a Nicole estava escondida ouvindo o que eles
estavam conversando. Ela, também, não pôde deixar de notar que o Renan não
estava com tanta certeza sobre a sua inocência. Nicole tentou juntar as peças...
Ela ficou pensando consigo mesma. Queria entender qual a ligação do Renan com
as mortes e, depois, entender o que aquele homem queria com o seu colega de
sala.
Todos os estudantes já estavam na sala, Renan estava sentado ao lado da
sua namorada, e Nicole tentara pegar a cadeira mais próxima dos dois. Renan a
olhou quando chegou e estranhou quando percebeu que ela havia pedido para
uma garota se levantar para que pudesse sentar ali. Normalmente, a Nicole
gostava de sentar no fundo da sala, onde poderia falar todas as coisas que
quisesse com os meninos.
O professor entrou e pediu que todos fizessem silêncio. Em dia de prova,
como que para conquistar a atenção especial do professor, os estudantes o
obedeceram. Ele carregou as provas e saiu distribuindo-as pelas filas. Entregou
para o Renan e para a Rita e percebeu que o garoto estava com olheiras e que não
parecia ter estudado o assunto.
- Alguém não recebeu a prova?
- Professor, o senhor me entregou uma prova de grego ao invés da de
história. – todos os estudantes riram, com exceção de Renan e Nicole.
- Engraçadinho... Seria bom usar a criatividade para algo mais útil. – o
professor voltou a sua atenção para toda a sala. – Vocês tem uma hora e meia
para finalizar essa prova. Boa sorte. – se sentou.
Renan ficou olhando pra primeira página da prova sem entender nada do
que estava lendo. Parecia que os seus olhos queriam, enfim, se fechar. Será que
ele estava sentindo sono, pela primeira vez, em alguns dias? Não sabia ao certo o
que estava sentindo, só sabia que estava com muito medo de abrir o caderno de
perguntas e perceber que não sabia nada.
Nicole ficou analisando as questões e tentando olhar para as da Rita. A
segunda garota não conseguia, sequer, levantar a cabeça. Estava muito
concentrada, não queria tirar uma nota ruim para que não perdesse a chance de
esfregar na cara do seu irmão que ela era melhor do que ele na escola.
O silêncio reinava na sala. De repente, Renan passou a primeira folha e
deu de cara com a primeira questão. Ele leu e, sem esperar, sabia, exatamente, a
resposta. Assinalou, com um pouco de dúvida, pois sabia que as provas daquele
professor eram compostas por muitas pegadinhas. O estudante continuou
analisando e percebendo que era mais fácil do que parecia. A história do Brasil
estava à sua frente. Era muito fácil conseguir captar as mensagens e as críticas
que os textos traziam. Estava conseguindo entender tudo.
Rita olhou para o namorado e não entendeu o motivo da sua euforia. Ficou
triste, abaixou a cabeça e continuou fazendo a sua prova. Nicole, por sua vez,
tentou não demonstrar nada para que não percebessem que ela estava no
encalço.
O tempo havia passado, e o professor saiu recolhendo todas as provas.
Quem havia terminado entregou satisfeito, quem não conseguira, acabou
entregando sem questionar também.
- Eu não acredito que você saiu chutando tudo. – disse Rita para o Renan
assim que saíram da sala.
- Eu não chutei... Simplesmente, eu sabia de tudo... – ele falou pra
namorada. – Cá entre nós, história é algo fácil... Sempre caem as mesmas
perguntas.
- Com licença. – naquele momento, a Nicole havia empurrado o casal e
passado no meio deles.
...
Rita estava chegando em casa e percebeu que havia alguém, ao lado, na
janela da sala. Ela foi, vagarosamente, se aproximando para não assustar quem
quer que fosse. Com passos silenciosos, ouviu vozes.
- Não... A gente não vai poder... Não hoje. Acho que é muito cedo. Tenho
medo que descubram que estamos juntos nessa. – deu uma parada. – Não, eu ligo
pra você amanhã. Não se preocupe, vamos ficar juntos... Não importa o que
aconteça. – parou novamente. – Isso. Amanhã, ele terá o que merece.
Rita percebeu que o seu irmão estava falando ao telefone com alguém. Ela
tentou ficar quieta para identificar, mas não conseguiu entender a mensagem.
Parecia que já havia chegado no final. Tentou ficar escondida pra saber o que o
Henrique iria fazer, mas viu-o, apenas, pulando a janela e entrando em casa.
Ela entrou, pela porta da frente, e se deparou com o irmão bebendo suco.
- Por que você chegou cedo? – ela perguntou ao Henrique.
- Tive prova hoje. – ele respondeu e bebeu mais um gole do seu suco.
- Ah, tá. – ela largou a mochila no sofá. – Bom, tive uma prova cansativa.
Vou tentar tirar um cochilo antes de almoçar.
- Tá bom.
Henrique esperou que a sua irmã subisse e pegou o seu celular novamente.
Escreveu uma mensagem, enviou-a, colocou o celular no bolso e saiu de casa sem
fazer barulho.
...
A noite na casa da Nicole não era algo pra ela se orgulhar. Normalmente, o
seu pai chegava de sua bebedeira, e a sua mãe ficava assistindo à novela como se
nada tivesse acontecendo ao seu redor. A garota chegava, se trancava no quarto e
só saía para comer alguma coisa, ou para se encontrar com a sua galera.
- Boa noite! – falou e subiu sem esperar resposta nenhuma da mulher
sentada no sofá com os olhos fixos na novela das oito.
Nicole chegou em seu quarto, retirou a sua roupa, ficou de calcinha e sutiã
e se jogou na cama. Não queria mais conta com ninguém naquele dia. Precisava
descansar. Já havia ido visitar a sua amiga Clarice, que estava inválida após um
acidente, e, então, precisava estudar para a prova do dia seguinte. Porém, sabia
que nada conseguiria. Fechou os olhos.
Repentinamente, ouviu um barulho de carro se aproximando. Como já
estava muito cansada, nem se deu ao trabalho de levantar para ver de quem se
tratava. Continuou com os seus olhos fechados sem querer saber quem estava
visitando os seus pais lunáticos naquela noite. A menina se assustou ao ouvir a
porta do seu quarto se abrindo sozinha. Os seus pais nunca entravam sem bater,
o que será que havia acontecido? Ela se levantou em um só pique e ficou
esperando quem apareceria ao abrir da porta.
- Posso entrar? – ela ouviu a voz comum e percebeu que era o homem que
a havia beijado mais cedo.
- Claro... – ela se levantou... Se cobriu com o lençol. – Que você está
fazendo aqui? – ele entrou no quarto e fechou a porta.
- Eu não consegui parar de pensar no que senti quando te beijei. Nunca
havia sentido nada assim. – ele disse se aproximando da garota.
Ela se levantou sem entender muito bem o que estava acontecendo. O
homem a envolveu em seus braços e lhe deu um outro beijo daquele. A garota
sentiu algo muito bom dentro de si, queria continuar beijando-o. Ele a beijou
como se fosse a primeira mulher que beijara em anos. Ela sentiu, mais uma vez,
os pelos do seu pescoço se arrepiarem.
- O que foi isso? – ele disse depois de parar de beijá-la.
- Não sei.
- É maravilhoso te beijar assim... – ele olhou pra cima e soltou um suspiro.
– Há tempos que não sei o que é isso.
- Então, não para.
Os dois voltaram a se beijar e, entre muitas carícias, acabaram transando
na cama da adolescente.
As horas se passaram. Nicole abriu os olhos, tocou em seus seios e
percebeu que não havia sido um sonho. Ela estava sem roupas deitada em sua
cama. Olhou, rapidamente, pro lado e não viu o homem que havia dormido com
ela. Será que ele havia ido embora logo após terem chegado ao orgasmo? Ele a
fizera sentir algo que nenhum outro garoto conseguira antes.
- Onde será que ele foi? – ela se perguntou.
A garota olhou no relógio do seu celular e percebeu que eram duas da
manhã. De repente, um barulho soou em sua janela. Parecia alguém andando
pela varanda do seu quarto. Ela se assustou, se levantou da cama, rapidamente, e
foi até a janela. Abriu-a e ficou tentando identificar o que seria aquele barulho.
Nicole olhou mais a fundo e conseguiu ver uma pessoa correndo por entre as
árvores da frente da sua casa.
Quem será? Ela pensou em voz alta. Continuou olhando. Focou bem e
ficou boquiaberta ao perceber que aquele jeito de correr era inconfundível. Ela já
assistira a vários jogos da seleção da sua escola. Ela sabia, de fato, que aquele jeito
de correr pertencia ao Renan.
- O que o Renan estaria fazendo na minha janela? – ela estava muito
assustada.
Quando menos esperava, ouviu o barulho do celular. Alguém havia lhe
enviado uma mensagem. Ela correu até o aparelho e a leu.
“Tenha cuidado! Ele não é quem parece ser...”