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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ INSTITUTO DE MATEMÁTICA E COMPUTAÇÃO EDILSON EXPEDITO DA SILVA LIMA A ESCOLA PITAGÓRICA: Um Legado Incomensurável ITAJUBÁ - MG 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ

INSTITUTO DE MATEMÁTICA E COMPUTAÇÃO

EDILSON EXPEDITO DA SILVA LIMA

A ESCOLA PITAGÓRICA:

Um Legado Incomensurável

ITAJUBÁ - MG

2016

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EDILSON EXPEDITO DA SILVA LIMA

A ESCOLA PITAGÓRICA:

Um Legado Incomensurável

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Instituto de Matemática e Computação da

Universidade Federal de Itajubá como parte das

exigências para a obtenção do título de Licenciado em

Matemática.

Orientadora: Profª. Dra. Mariana Feiteiro Cavalari

Silva

ITAJUBÁ - MG

2016

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EDILSON EXPEDITO DA SILVA LIMA

A ESCOLA PITAGÓRICA:

Um Legado Incomensurável

Monografia aprovada por banca examinadora em 30 de Novembro de 2016.

Banca Examinadora:

_________________________________________________________

Profª. Dra. Mariana Feiteiro Cavalari Silva (Orientadora)

Universidade Federal de Itajubá

_________________________________________________________

Profª. Dra. Mônica de Cássia Siqueira Martines

Universidade Federal do Triângulo Mineiro

_________________________________________________________

Prof. Dr. Newton de Figueiredo Filho

Universidade Federal de Itajubá

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Aos meus pais e irmãs

pelo apoio oferecido.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ser essa força que me direciona sempre em minhas escolhas.

Aos meus pais por sempre me mostrarem a importância da educação.

Às minhas irmãs por me darem suporte em minha caminhada universitária.

À Mariana, minha orientadora, por seus apontamentos precisos sobre como eu poderia

desenvolver meu trabalho.

E, por fim, a qualquer pessoa que se sinta parte desse trabalho. Obrigado!

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 8

2. PITÁGORAS E A ESCOLA PITAGÓRICA 11

2.1. Características da Escola Pitagórica 13

2.2. A Filosofia Pitagórica 16

3. PITÁGORAS E A TEORIA DOS NÚMEROS 20

3.1. As Triplas Pitagóricas e o Teorema De Pitágoras 27

3.2. A Teoria da divisibilidade 30

4. PITÁGORAS E A GEOMETRIA 31

5. PITÁGORAS E A MÚSICA 35

5.1. Pitágoras e o Monocórdio 35

5.2. O Experimento Com Monocórdio 38

5.3. Construção da Escala Pitagórica 40

6. A INCOMENSURABILIDADE: PROBLEMAS NA MATEMÁTICA

UNIVERSAL? 44

7. O LEGADO PITAGÓRICO 48

7.1. A Herança Pitagórica Por Meio De Euclides 50

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS 53

REFERÊNCIAS 55

APÊNDICE A – TEORIA DOS NÚMEROS 58

APÊNDICE B – MÚSICA 60

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RESUMO

Por volta dos anos 500 a.C, teve origem na Grécia Antiga a Escola Pitagórica, que foi fundada

em Crotona, na região que atualmente é conhecida como o sul da Itália. Esta escola, além de

um centro filosófico e matemático, realizava ritos secretos e cerimônias. Seus membros

também se vestiam e se alimentavam de uma maneira determinada; tinham tendências

místico-religiosas e científico-racionais que aparentemente apresentavam uma influência

oriental. A filosofia Pitagórica entendia que os números eram a essência de todas as coisas e

que todas elas, em sua essência, eram números. Para eles, os números eram o que conhecemos

hoje como inteiros positivos (exceto o um) e suas razões. Os Pitagóricos estudavam

propriedades dos números e da aritmética e chegaram a resultados que, atualmente,

conhecemos como relativos à Teoria dos Números. Estes estudos, junto com a astronomia, a

música e a geometria, constituíam as quatro artes liberais presentes no programa de estudo

Pitagórico. Diversos fatores podem ter contribuído para o declínio da Escola Pitagórica na

antiguidade. Dentre eles, pode-se destacar o aparecimento de segmentos incomensuráveis, ou

seja, de segmentos que não poderiam ser medidos mutuamente. Embora esta escola tenha

estado em funcionamento somente na Antiguidade Grega, podemos identificar elementos da

Matemática Pitagórica no desenvolvimento desta Ciência ao longo dos séculos. Diante deste

contexto, propôs-se a realização de uma investigação histórica sobre a Escola Pitagórica e as

suas contribuições para o desenvolvimento da Matemática. Para tal, realizou-se uma pesquisa

histórico-bibliográfica, na qual se teve como principais referenciais: Eves (2011), Wussing

(1998), Roque (2012) e Katz (2009). Mediante essa pesquisa, constatou-se que descrever a

vida ou os trabalhos dos Pitagóricos ainda não pode ser feita de maneira inteiramente tida

como exata, visto que não se possui documentos originais destes matemáticos e sim citações

por meio de outros estudiosos da Antiguidade. Neste contexto, é preciso refletir sobre as

distintas argumentações apresentadas pelos autores.

Palavras-chave: Escola Pitagórica; Pitágoras; Matemática Pitagórica; Grécia Antiga;

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1. INTRODUÇÃO

Por volta de 3000 a.C., possivelmente, ocorreu uma Revolução Agrícola (RA) nos

chamados ―berços da civilização‖ (Oriente Médio, China e Egito), gerando um longo período

de progresso intelectual e científico. Nessas regiões agrícolas, os povos construíram as

primeiras cidades e levantaram monumentos, como as Pirâmides do Egito e os Jardins

Suspensos da Babilônia. Além disso, a RA proporcionou que a escrita, o início à Matemática

e à metalurgia fossem desenvolvidos (EVES, 2011).

Nesse contexto, por volta de 2000 a.C., pouco tempo depois da fundação do Império

Babilônico pelos amoritas, a vinda de povos do Oriente e do Egito fez como que a região em

que a Grécia estava localizada fosse influenciada pelas mudanças proporcionadas pela RA.

Após certo tempo, alguns povos já dominavam a escrita e leitura1(EVES, 2011) e no período

entre 1200 a.C. e 1500 a.C., essas civilizações foram atacadas e destruídas pelos dórios2 e,

consequentemente, a região teve sua estrutura enfraquecida. Este fato forçou uma adaptação

de todos à nova situação. Foi nesse momento que o povo dali se espalhou por terras vizinhas,

inclusive pela Ásia Menor (onde atualmente é a Turquia), e possibilitou uma mescla de

culturas (EVES, 2011).

Os dórios, após se instalarem nas terras conquistadas, adotaram muito da cultura

agrícola do povo que outrora habitara aquele lugar. A mescla de culturas é importante para o

desenvolvimento dos povos que se juntam3, contudo, o ataque dos dórios quase extinguiu a

cultura dos povos locais; Como exemplo, a escrita sumiu com esses combates e só reapareceu

cerca de 800 a.C. com alguns mercadores fenícios do Oriente Médio (EVES, 2011).

Não muito tempo depois, a sociedade escravista clássica começou a se formar, isto por

volta dos séculos VIII/VII a.C. (WUSSING, 1998). Com o passar dos anos, especialmente

entre os séculos VI a.C. e IV a.C., a Grécia vivenciou uma expansão para o Mediterrâneo

Oriental e Ocidental causada por fatores tais como a explosão demográfica no continente, a

má distribuição de terras, a falta de cereais e de metais, a proximidade do mar com diversas

ilhas e costas próximas, entre outras. Isso possibilitou que os gregos fundassem muitas

colônias situadas na Ásia Menor, no Mar Egeu e no Sul da Itália (Magna Grécia) (CYRINO,

2006).

1 Civilização Minoica (florescimento: 1700 e 1200 a.C): se localizava na ilha grega de Creta.

2 Invasores bárbaros; tribo de pastores estreitamente aparentada com os arianos.

3 O correto seria se tal situação acontecesse, porém, inúmeras vezes os invasores forçam suas vontades e

colocam um fim à cultura do povo que ali estava.

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Com esse contexto, se formou um ambiente propício para o desenvolvimento do

pensamento científico (WUSSING, 1998). ―Sem dúvida nenhuma, os maiores cientistas do

mundo antigo viveram na pequena Grécia, uma reunião de cidades-Estado [...] no extremo

leste do mar Mediterrâneo [...]‖ (EVES, 2011, p. 90).

Dentre estes pensadores importantes, pode-se destacar Pitágoras, que possivelmente,

nasceu em Samos no período jônico, por volta de 572 a. C. Diferentemente dos outros

pensadores de sua época, ele fez uso da música e da Matemática para explicar o universo, ou

seja, não buscou entender como as coisas eram regidas apenas no caráter materialista. Além

disso, seus seguidores, os Pitagóricos, consideravam os números como meio de explicar o que

acontecia ao redor. Suas contribuições para a Matemática exercem influência até os dias

atuais (CYRINO, 2006).

Sendo assim, realizou-se neste trabalho uma investigação histórica sobre a Escola

Pitagórica e as suas contribuições para o desenvolvimento da Matemática. Para tal, realizou-

se uma pesquisa histórico-bibliográfica, na qual se teve como principais referenciais: Eves

(2011), Wussing (1998), Roque (2012), Cyrino (2006) e Katz (2009). Assim, para a

apresentação dos resultados dessa investigação, este trabalho se divide em 8 seções.

A seção 2 expõe alguns conceitos sobre as características da seita Pitagórica, bem

como sua filosofia e compreensão de vida; buscou-se apresentar como era o processo de

ingresso na escola, o cotidiano e algumas peculiaridades sobre ações que poderiam ou não ser

realizadas.

Na seção seguinte são apresentados alguns resultados acerca da Teoria dos Números.

Discute-se sobre a maneira pela qual se resolviam algumas proposições; também constam

algumas discussões sobre quais eram os possíveis trabalhos dos Pitagóricos, ou seja, quais

conteúdos podem ser considerados obra daqueles estudiosos.

A seção 4 apresenta alguns apontamentos sobre a relevância da Geometria para a seita

Pitagórica. Além disso, novamente são apresentadas algumas proposições e possíveis

demonstrações realizadas naquele tempo.

Já na seção 5 expõem-se discussões sobre a visão Pitagórica acerca da Música; ainda,

realiza-se a descrição do possível experimento de Pitágoras com o monocórdio.

A sexta seção discorre sobre o possível desenvolvimento dos estudos acerca da

incomensurabilidade e quais foram os impactos sobre a seita Pitagóricca.

E a seção 7 seção traz um levantamento sobre a relevância da Escola Pitagórica e seu

legado para a Matemática. Nesta, expõem-se breves estudos dos autores buscando esclarecer

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plausíveis contribuições dos Pitagóricos. Por fim, apresentam-se as considerações finais

acerca deste trabalho.

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2. PITÁGORAS E A ESCOLA PITAGÓRICA

Pitágoras possivelmente nasceu em Samos por volta de 572 a.C. e faleceu em 497 a.C.

(KATZ, 2009). Alguns autores indicam a possibilidade de Pitágoras ter sido aluno de Tales,

uma vez que este era 50 anos mais velho e morava em Mileto, cidade próxima ao local onde

Pitágoras residia (EVES, 2011). Na ILUSTRAÇÃO 1 apresenta-se uma foto de um busto de

Pitágoras.

ILUSTRAÇÃO 1: Pitágoras (Coleção David Smith)

FONTE: Eves (2011)

Pitágoras teve grandes estadias no Egito e Mesopotâmia, onde teve contato com

diversos cultos misteriosos. Quando retornou a Samos, encontrou-a sob domínio de Polícrates

e Jônia sob domínio persa. Com este panorama, ele foi obrigado a se dirigir para outro lugar;

foi então que Pitágoras se instalou em Crotona4, uma colônia grega situada no sul da Itália

(EVES, 2011). Apresenta-se na ILUSTRAÇÃO 2 um mapa que exemplifica como a região da

Grécia e da Ásia Menor era dividida na Antiguidade.

4 Chegou a Crotona por volta de 530 a.C. e, antes disso, não se tem muitas informações a respeito de sua vida

(KHAN, 2001).

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ILUSTRAÇÃO 2 O Mundo Grego

FONTE: Pereira (2013)

De acordo com Katz (2009), Pitágoras reuniu naquele lugar um grupo de discípulos

(que viriam a ser conhecidos como ―Os Pitagóricos‖) que possuía características tanto de

ordem religiosa como de escola filosófica. Alguns conceitos da filosofia Pitagórica serão

abordados na seção 2.2.

Além disso, a partir da análise das biografias existentes, todas escritas séculos após

sua morte, pode-se dizer que Pitágoras5 era mais um místico do que um pensador racional

(KATZ, 2009). De acordo com Russell (1945), Pitágoras logo se tornou uma figura mítica,

sendo-lhe creditados milagres e até poderes mágicos. Como salienta Allen (1999, p. 3),

Pitágoras inclusive se considerava um ser místico e semi-divino ―Existem homens, Deus e

homens como Pitágoras‖.

De outro modo, é indispensável pontuar que alguns autores não são completamente

favoráveis ao fato de Pitágoras ter vivido, ou seja, ter existido enquanto pessoa. Como

exemplo, de acordo com Roque (2012), na Antiguidade tardia foram elaborados dois textos

importantes: um de Jâmblico, De communi mathematica scientia6 (Sobre o conhecimento

matemático comum) e outro de Proclus, o primeiro prólogo ao seu Comentário sobre o

primeiro livro dos Elementos de Euclides.

5 Pitágoras era inclusive tido como superior aos humanos, como se fosse o deus Apolo em forma humana

(KHAN, 2001). 6De communi mathematica scientia: 3º volume de uma obra maior, dedicada ao pitagorismo, De vita

pytaghorica (Sobre a vida Pitagórica) (ROQUE, 2012).

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O texto de Proclus contém passagens inteiras extraídas dessa obra de Jâmblico. O

testemunho mais citado sobre a existência de um matemático chamado Pitágoras é o

―Catálogo dos geômetras‖, de Proclus. Afirma-se aí que Pitágoras transformou sua

filosofia em uma forma de educação liberal, procurando derivar seus princípios de

fontes superiores, de modo teórico. Esse catálogo, como vimos, pode ter sido

inspirado em Eudemo, mas sobretudo em Jâmblico, uma vez que contém

transcrições literais da obra deste último. É interessante observar que Eudemo não

menciona Pitágoras, mas somente os ―pitagóricos‖. Ou seja, Proclus pode ter sido

responsável por uma síntese que mistura as ideias de Eudemo sobre a pureza dos

métodos pitagóricos com a atribuição desses feitos a um homem, Pitágoras

(ROQUE, 2012, p. 77).

Desse modo, Roque (2012) afirma que devido à escassez das fontes e à convergência

interessada dos únicos textos disponíveis, é possível duvidar até mesmo da existência de um

matemático de nome Pitágoras. Mesmo que ele tenha existido, levando-se em conta que os

resultados/ensinamentos eram inteiramente orais e, como era comum atribuir os resultados ao

fundador, torna-se árduo discernir o que foi produzido por Pitágoras ou a outros membros da

sociedade Pitagórica (EVES, 2011).

Ressalta-se que este trabalho não tem interesse em discutir hipóteses sobre a existência

ou não de Pitágoras, mas sim de apresentar os conceitos matemáticos estudados naquela

época bem como as contribuições Pitagóricas para o desenvolvimento da Matemática. Assim,

não se tomará posição quanto a Pitágoras como pessoa ou como grupo.

Após estas exposições iniciais sobre Pitágoras e a Escola Pitagórica, nos itens

subsequentes, serão apresentadas algumas características acerca da Escola Pitagórica e da

Filosofia Pitagórica.

2.1. Características da Escola Pitagórica

Como visto, a sociedade Pitagórica apresentava características próprias de uma seita

religiosa como, por exemplo, conspiração, preceitos sobre vestimenta e alimentação,

cerimônias de funerais, doutrina sobre a transmigração de almas7, entre outras. Neste sentido,

os Pitagóricos não se diferenciavam dos outros grupos da época (WUSSING, 1998).

O pentágono estrelado (pentagrama) era o símbolo de aliança adotado pelos

Pitagóricos (CYRINO, 2006). Tal símbolo pode ser visto a seguir na ILUSTRAÇÃO 3.

7 Reencarnação.

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ILUSTRAÇÃO 3 Pentagrama

FONTE: Autoria Própria

Conforme Russell (1945) destaca, Dikaiarchos afirmava que Pitágoras acreditava que

a alma era algo imortal, que se transformava em outros tipos de seres vivos; além disso,

entendia que qualquer coisa que venha a existir nasce novamente em revoluções num certo

ciclo, ou seja, nada é absolutamente novo; ele também acreditava que todas as coisas que

nasciam com vida nelas deveriam ser tratadas como parentes.

De acordo com Allen (1999), os Pitagóricos acreditavam em reencarnação, muito

provavelmente por isto, eram rígidos vegetarianos. Khan (2001, p. 147) apresenta um trecho

do Poema Metamorfoses de Ovídio sobre um discurso de Pitágoras acerca do vegetarianismo

Nossas almas

São imortais; quando elas deixam sua antiga casa

Sempre novas habitações as recebem

Para viver de novo.

Além disso, segundo Allen (1999), os Pitagóricos tinham uma regra quanto ao sigilo

dos membros da Escola Pitagórica. Estes membros eram chamados de homakooi (aqueles que

vêm para ouvir) e sua sala de reunião era chamada de homakoeion (um lugar para se ouvir

juntos). O que eles escutavam eram um akousma (audiência) ou um symbolon (senha). O que

era pregado era protegido por voto de silêncio por parte dos membros. O silêncio também

fazia parte do curso de iniciação (KHAN, 2011).

É bem provável que o período de iniciação fosse de 5 anos e, nesse tempo, eles

colocavam suas propriedades para uso comum8 e escutavam, em silêncio, a voz de Pitágoras.

Durante as ―audiências‖ o falante era escondido da visão dos iniciantes por uma cortina

alinhada. Somente após o sucesso dessa etapa é que eles podiam ver o ―mestre‖ em pessoa.

8Koinataphilôn: os amigos têm todas as coisas em comum (KHAN, 2001).

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Caso eles falhassem no teste inicial, eles recebiam em dobro todos os bens compartilhados,

mas eram tratados como mortos por seus ―companheiros ouvintes‖ (KHAN, 2001) 9.

Além disso, de acordo com Russell (1945) eles tinham as seguintes regras:

Abster-se de feijão;

Não pegar o que caiu;

Não tocar em um galo branco;

Não partir o pão;

Não pisar sobre uma barra;

Não agitar o fogo com ferro;

Não arrancar uma guirlanda;

Não comer o coração;

Não andar em rodovias;

Não deixar andorinhas compartilharem o teto de casa;

Nesse mesmo contexto, Allen (1999) destaca que a sociedade Pitagórica era, de certa

maneira, igualitária:

Eles desfrutavam de um modo comum de vida;

A propriedade era comunal;

As invenções matemáticas eram em grupo e, por associação, atribuídas a Pitágoras até

mesmo após sua morte;

Os Pitagóricos recompensavam os homens e as mulheres igualmente10

.

De acordo com Cyrino (2006), o dia dos Pitagóricos se iniciava antes do nascer do sol.

Eles se recordavam do que haviam feito no dia anterior e então elaboravam novos planos para

o dia que se iniciava. À noite, eles verificavam se cumpriram o que haviam previsto.

Provavelmente, esse hábito veio dos versos recitados por Pitágoras:

Não cerres os olhos à noite, para dormir, antes de três vezes teus atos tenhas

repassado;

Que erros cometeste? Que atos praticaste? Que dever não cumpriste? (CYRINO,

2006, p. 43)

A Filosofia Pitagórica também tinha grande importância para a Escola e, portanto,

algumas características serão apresentadas a seguir.

9Timeo foi o historiador que conta esse fato e mesmo tendo exagerado um pouco é o mais bem elaborado

discurso sobre como era o ingresso na Escola Pitagórica (KHAN, 2001). 10

De acordo com Khan (2001), existem evidências sobre o papel não usual das mulheres (para aquela época) na

comunidade Pitagórica; tanto a mulher quanto a filha de Pitágoras eram renomadas por sua sabedoria.

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2.2. A Filosofia Pitagórica

Assim como Katz (2009) destaca, na doutrina Pitagórica o número era a base de todas

as coisas, ou seja, os números, que eram os inteiros positivos, formavam a base do princípio

de organização do universo, ou seja, para os Pitagóricos, além dos objetos conhecidos

possuírem um número (ou podem ser ordenados e contados), a base dos fenômenos físicos

estava alicerçada nos números.

Este conceito pode ser mais bem explanado com as ideias apresentadas por Roque

(2012,p. 78,79)

A concepção dos pitagóricos sobre a natureza parte da ideia de que há uma

explicação global que permite simbolizar a totalidade do cosmos, e essa explicação é

dada pelos números. O mundo é determinado, antes de tudo, por um arranjo bem-

ordenado e tal ordem se baseia no fato de que as coisas são delimitadas e podem ser

distinguidas umas das outras. Quando se diz que as coisas podem ser distinguidas

não significa que elas não possam ser diferentes, e sim separadas umas das outras,

logo, as coisas do mundo podem ser contadas. Como uma das características

principais das coisas reside no fato de poderem ser organizadas e distinguidas, as

propriedades aritméticas das coisas, para eles, constituem o seu ser propriamente

dito, e o ser de todas as coisas é o número.

Outro aspecto interessante de se destacar é que os números, de certo modo, não eram

tão abstratos para os Pitagóricos. Roque (2012, p. 78,79) esclarece este argumento apontando

que

Os pitagóricos, contudo, embora sejam vistos como os primeiros a considerar o

número do ponto de vista teórico, e não apenas prático, não possuíam, de fato, uma

noção de número puro. Diferentemente de Platão, os pitagóricos não admitiam

nenhuma separação entre número e corporeidade, entre seres corpóreos e

incorpóreos. Logo, não é lícito dizer que o conceito pitagórico de número fosse

abstrato. De certo ponto de vista, dado seu caráter espacial e concreto, poderíamos

afirmar que os números pitagóricos não eram os objetos matemáticos que

conhecemos hoje, isto é, entes abstratos. Os números figurados dos pitagóricos eram

constituídos de uma multiplicidade de pontos que não eram matemáticos e que

remetiam a elementos discretos: pedrinhas organizadas segundo uma determinada

configuração.

De acordo com Wussing (1998), os números tinham tal importância que adquiriam

características como amor e ódio, masculino e feminino e, em algumas situações, eram até

venerados. Como exemplo, tem-se o tetratkys (o dez) (ILUSTRAÇÃO 4), que era um número

sagrado constituído por 1, 2, 3 e 4 conjuntamente.

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ILUSTRAÇÃO 4 Tetratkys (Dez): O Número Sagrado

FONTE: Autoria Própria11

Neste sentido, de acordo com os trabalhos de Cyrino (2006) e também de Castro

(2011), tem-se a apresentação de algumas características especiais dos números. Veja o

QUADRO 1.

QUADRO 1 Características Dos Números Segundo Os Pitagóricos

Número Característica

1 Gerador dos outros números; o número da razão

2 Primeiro número feminino; o número da opinião

3 Número da harmonia ou da forma, isto porque um corpo não pode existir sem as

três dimensões: comprimento, largura e altura; o primeiro número masculino

verdadeiro; é composto de unidade (1) e diversidade (2); também não é possível

ações sem outras três condições: o sujeito que age, o objeto que reflete a ação e o

agir.

4 Representa os quatro elementos, sendo que cada um equivale a uma face do

tetraedro: fogo, água, terra e ar.

5 Número do casamento: é a união entre o primeiro feminino (2) e masculino (3)

verdadeiros; também pode ser entendido como a união do 1 e do 4, onde 1 é o

princípio da vida (espírito) que domina o 4, que são os elementos.

6 Número da criação;

7 É a combinação do 3 (harmonia) e do 4 (elementos); 7 também são as notas da

escala musical e as cores do arco-íris.

8 Sendo 8 o dobro de 4, ele representa a manifestação das formas perfeitas, a balança

universal das coisas.

9 Número perfeito, uma vez que é o produto da harmonia (3x3); é o símbolo da

indestrutibilidade já que o produto de 9 com outro número reproduz ele mesmo12

.

10 Número sagrado.

FONTE: Autoria Própria13

É necessário destacar que, como afirma Eves (2011, p. 97)

11

As informações sobre a representação de cada número foram obtidas em Pereira (2013) 12

O produto sempre tem a soma dos algarismos igual a 9. Como exemplo, 2x9=18 e 1+8=9. 13

Quadro elaborado com dados de Cyrino (2006) e Castro (2011).

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A filosofia pitagórica baseava-se na suposição de que a causa última das várias

características do homem e da matéria são os números inteiros. Isso levava a uma

exaltação e ao estudo das propriedades dos números e da aritmética (no sentido de

teoria dos números), junto com a geometria, a música e a astronomia, que

constituíam as artes liberais básicas do programa de estudos pitagórico. Esse grupo

de matérias tornou-se conhecido na Idade Média como quadrivium, ao qual se

acrescentava o trivium, formado de gramática, lógica e retórica. Essas sete artes

liberais vieram a ser consideradas como a bagagem cultural necessária de uma

pessoa educada.

Além disso, de acordo com Roque (2012), as quantidades e/ou grandezas deveriam ser

finitas e limitadas, uma vez que serviria de objeto para a ciência. Isso ocorria porque, para os

Pitagóricos, o infinito e o ilimitado não convinham ao pensamento. Ainda, creditam-se aos

Pitagóricos os conceitos apresentados no quadro abaixo:

QUADRO 2 Alguns Conceitos Discutidos Pelos Pitagóricos

Limitado Ilimitado

Ímpar Par

Um Muitos

Esquerda Direita

Macho Fêmea

Repouso Movimento

Reto Curvo

Luz Escuridão

Bom Mau

Quadrado Oblongo14

FONTE: Adaptado de Roque (2012)

Como Roque (2012, p. 84, grifo nosso) aponta

A coluna da esquerda deve ser entendida como a do ―melhor‖. A inclusão do

Movimento na coluna da direita, a que se refere a tudo que é ilimitado, deve-se ao

fato de que os princípios nessa coluna são negativos, ou indefinidos. Esse aspecto da

filosofia pitagórica era destacado por Aristóteles para fundamentar sua conclusão de

que há uma linha de continuidade entre pitagóricos e platônicos. De fato, ele usava

essa tabela de opostos para criticar a separação binária platônica segundo a qual, de

um lado, temos o igual, imóvel e harmônico e, de outro, o desigual, movente e

desarmônico.

Como aponta W. Burkert apud Roque (2012), essa aproximação entre os Pitagóricos e

os platônicos foi uma construção de Aristóteles; ele afirma que o núcleo dos Pitagóricos

derivava-se do Tetratkys e, portanto, eles conseguiram obter entidades abstratas como o

ponto, a reta, o plano e o sólido (ILUSTRAÇÃO 5). Em contrapartida, essa tese entra em

14

Oblongo pode ser entendido como uma forma onde um dos lados é maior do que o outro; desse modo, quando

este trabalho apresentar os números retangulares, deixa-se claro que oblongo também adquire esse sentido.

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19

contradição com outra afirmação de Aristóteles de que, entre os Pitagóricos, não existia a

noção de ponto, levando-se em consideração o sentido geométrico. Como as unidades eram

desenhadas como pontos (números figurados) elas possuíam espessura, visto que eram

pedrinhas.

ILUSTRAÇÃO 5 Ponto, Reta, Plano, Sólido

FONTE: Autoria Própria15

Ainda, Roque (2012, p. 87) deixa claro que

Os pitagóricos não separavam os números do mundo físico, como fará Platão. Os

números são a natureza profunda de tudo o que pode ser percebido e mostram o

poder de tornar compreensível a ordem e a harmonia do mundo empírico. Os

números, para os pitagóricos, apareciam mais no contexto de jogos, acompanhados

de interpretação e reverência, do que no de uma pura teoria, de natureza abstrata,

caracterizada por um tratamento dedutivo.

Após essa breve explanação sobre a relevância dos números na Escola Pitagórica,

serão expostas considerações sobre a Matemática elaborada por eles.

15

Desenho inspirado no apresentado por Roque (2012).

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20

3. PITÁGORAS E A TEORIA DOS NÚMEROS

Conforme exposto na seção anterior, os números tinham grande importância para a

Escola Pitagórica e, portanto, era relevante estudar as relações existentes entre tais entes.

Nesta perspectiva, Katz (2009) destaca que, tendo em vista o interesse Pitagórico pelos

números como princípio fundamental de todo o cosmo, é natural que eles estudassem as

propriedades dos inteiros positivos, o que hoje se chamaria de Teoria dos Números16

.

É conveniente destacar que o ponto inicial dessa teoria foi a dicotomia entre o ímpar e

o par. Acredita-se que os Pitagóricos representavam os números por pontos ou pequenas

rochas, como apresentado na ILUSTRAÇÃO 6.

ILUSTRAÇÃO 6 Modelo De Rochas Utilizadas Pelos Pitagóricos

FONTE: Bochner (2013)

Consequentemente, um número par seria representado por uma fileira de rochas que

poderiam ser divididas em duas partes iguais. Analogamente, uma quantidade ímpar de rochas

deixaria uma rocha sobrando (KATZ, 2009). A ILUSTRAÇÃO 7 traz um exemplo desse

agrupamento.

16

―Os gregos antigos faziam distinção entre o estudo das relações abstratas envolvendo os números e a arte

prática de calcular com números. Esta era conhecida como logística e aquele como aritmética. Essa distinção

atravessou a Idade Média chegando até por volta do final do século XV, quando surgiram textos que tratavam as

facetas teórica e prática da abordagem dos números sob a designação única de aritmética. É interessante que hoje

aritmética tenha seu significado original na Europa Continental, ao passo que na Inglaterra e nos Estados Unidos

o significado popular de aritmética corresponde à logística grega. Nos dois países citados usa-se a expressão

teoria dos números para designar a faceta abstrata do estudo dos números.‖ (EVES, 2011, p. 98)

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21

ILUSTRAÇÃO 7 Divisão Por Agrupamento: Par E Ímpar

FONTE: Autoria Própria

Wussing (1998) aponta que essa técnica de utilizar rochas ou pontos, presente no livro

Enseñanza de lo par y lo Impar, que mais tarde seria incluído no livro IX dos Elementos de

Euclides, era aplicada para resolver proposições como, por exemplo17

:

a) A soma de qualquer coleção de números pares é par (WUSSING, 1998).

ILUSTRAÇÃO 8 Exemplo a)

FONTE: Autoria Própria

b) Uma soma par de números ímpares é par (WUSSING, 1998).

ILUSTRAÇÃO 9 Exemplo b)

FONTE: Autoria Própria

17

Os exemplos apresentam a escrita da proposição (esquerda) e a resolução, conforme exposto na

ILUSTRAÇÃO 7 (direita).

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22

c) Uma soma ímpar de números ímpares é ímpar (WUSSING, 1998).

ILUSTRAÇÃO 10 Exemplo c)

FONTE: Autoria Própria

Assim, de acordo com Eves (2011) é aceitável que por meio dos Pitagóricos foram

dados os passos iniciais no sentido do desenvolvimento da Teoria dos Números. Além disso,

Jâmblico18

atribui a Pitágoras o desenvolvimento dos números amigáveis. Dois números

naturais a e b, são ditos números amigáveis se cada um deles é igual à soma dos divisores

próprios19

do outro. Na TABELA 1 são apresentados, na notação atual, os números amigáveis

284 e 220.

TABELA 1 Números Amigáveis

NÚMERO DIVISORES PRÓPRIOS (DP) SOMA DOS DP

220 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55 e 110 284

284 1, 2, 4, 71 e 142 220 FONTE: Autoria Própria

Ainda de acordo com Eves (2011, p. 98),

Esse par de números alcançou uma aura mística, e rezava a superstição posterior que

dois talismãs com esses números selariam uma amizade perfeita entre os que os

usassem. Os dois números vieram a ter um papel importante na magia, na feitiçaria,

na astrologia e na determinação de horóscopos.

Atribui-se, também, aos Pitagóricos os números perfeitos, deficientes e abundantes.

Estes apresentam relações místicas fundamentais a especulações numerológicas (EVES,

2011). Podem-se definir esses números da seguinte maneira:

a) Um Número perfeito20

é aquele que é igual a soma de seus divisores próprios.

b) Um Número deficiente é aquele que é menor que a soma de seus divisores próprios;

18

Influente filósofo neoplatônico que viveu por volta de 320 d.C (EVES, 2011). 19

Os divisores próprios de um número positivo N são todos os divisores inteiros positivos de N exceto o próprio

N (EVES, 2011). 20

―A última proposição do nono livro dos Elementos de Euclides (c. 300 a.C.) prova que se 2n — 1 é um número

primo 5, então 2n(2n — 1) é um número perfeito.‖ (EVES, 2011, p. 99)

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c) Um Número abundante é aquele que é maior que a soma dos divisores próprios.

TABELA 2 Exemplo: Número Perfeito, Número Deficiente e Número Abundante

NÚMERO DIVISORES PRÓPRIOS (DP) SOMA DOS DP

6 Número Perfeito

1, 2 e 3 6

12 Número Abundante

1, 2, 3, 4 e 6 16

15 Número Deficiente

1, 3 e 5 9

FONTE: Autoria Própria

É importante destacar que alguns historiadores da Matemática entendem que os

números amigáveis e perfeitos podem não ter sido originados pelas mãos dos Pitagóricos, mas

há um consenso de que os Pitagóricos tenham estudado os números figurados (EVES, 2011).

Nesse contexto, entende-se que os Pitagóricos tiveram como suas primeiras preocupações o

estudo dos chamados números figurados, como por exemplo, os números triangulares e

retangulares.

De acordo com Wussing (1998), os números figurados podem ser entendidos

atualmente como uma maneira quase experimental de se falar de séries21

. Desse modo, a

seguir serão apresentados alguns exemplos pictóricos de números figurados e de suas

representações em séries na notação atual.

Aqui serão apresentados os números triangulares, quadrados, retangulares,

pentagonais e hexagonais e a possível série de potências que pode ser relacionada com cada

um desses números. Além disso, existe uma generalização apresentada por Alves, Borges

Neto e Maia (2012) para qualquer número figurado. Esta generalização se encontra no

APÊNDICE A.

21

As fórmulas (somatórios) dos números triangulares, retangulares, quadrados e pentagonais foram obtidos em

Wussing (1998). Já a fórmula para os números hexagonais foi obtida Alves, Borges Neto e Maia (2012). O lado

esquerdo (somatório) representa o crescimento dos gnomus (serão explanados posteriormente) e o lado direito

representa o crescimento do número figurado.

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24

NÚMEROS TRIANGULARES22

ILUSTRAÇÃO 11 Números Triangulares

FONTE: Autoria Própria

Série dos Números Triangulares:

v

𝑛

𝑛=1

=1

2 n + 1 n

NÚMEROS QUADRADOS

ILUSTRAÇÃO 12 Números Quadrados

FONTE: Autoria Própria

Série dos Números Quadrados:

(2v − 1)

𝑛

𝑣=1

= n2

Katz (2009) aponta que se 1 representa um quadrado dado temos, por exemplo, que 4

é facilmente visto como o próximo quadrado e é obtido ao se adicionar pontos, em forma de

L, em volta do quadrado inicial, ou seja, 4 = 1 + 3. Os Pitagóricos generalizaram essa

observação para mostrar que se pode formar quadrados ao se adicionar os sucessivos ímpares

22

Esses números figurados aumentam-se sucessivamente, porém, aqui somente são apresentados os primeiros

quatro termos.

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25

que vem após o 1. Esses pontos adicionados em forma de L recebiam o nome de gnomus

(ROQUE, 2012). Como exemplo,

1 + 3 = 4 = 22

1 + 3 + 5 = 9 = 32

1 + 3 + 5 + 7 = 16 = 42

NÚMEROS RETANGULARES

ILUSTRAÇÃO 13 Números Retangulares

FONTE: Autoria Própria

Série dos Números Retangulares:

2v

𝑛

𝑣=1

= (n + 1)n

NÚMEROS PENTAGONAIS

ILUSTRAÇÃO 14 Números Pentagonais

FONTE: autoria própria

Série dos Números Pentagonais:

(3v − 2)

𝑛

𝑣=1

=1

2(3n − 1)n

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26

NÚMEROS HEXAGONAIS

ILUSTRAÇÃO 15 Números Hexagonais

FONTE: Autoria Própria

Série dos Números Hexagonais23

:

(4v − 3)

𝑛

𝑣=1

= n(2n − 1)

Assim como apresentado anteriormente, podem-se demonstrar outros teoremas

relativos a números figurados (EVES, 2011). É importante pontuar que Roque (2012) afirma

que os Pitagóricos resolviam esses problemas apenas visualmente. Como exemplo, seguem

alguns teoremas possivelmente trabalhados pelos Pitagóricos.

TEOREMAS

a) Todo número quadrado é a soma de dois números triangulares sucessivos (EVES, 2011)24

.

ILUSTRAÇÃO 16 Exemplo a)

FONTE: Autoria Própria25

23

No APÊNDICE A existe a generalização desses números figurados. 24

Exemplo presente em Eves (2011). 25

Adaptado de Eves (2011).

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27

b) O enésimo número pentagonal é igual a n mais três vezes o (n—1)-ésimo número

triangular (EVES, 2011)26

.

ILUSTRAÇÃO 17 Exemplo b)

FONTE: Autoria Própria27

Além de trabalhar com esses números figurados, é importante destacar o trabalho

sobre as Triplas Pitagóricas, que serão vistas a seguir.

3.1. As Triplas Pitagóricas e o Teorema de Pitágoras

É muito comum atribuir a Pitágoras a autoria do teorema sobre os lados de um

triângulo retângulo ―O quadrado da hipotenusa é igual à soma ao quadrado dos catetos‖. De

acordo com Eves (2011), existem várias especulações sobre como Pitágoras poderia ter

desenvolvido sua demonstração deste resultado;

Por outro lado, Roque (2012, p. 86) enfatiza que ―Não se conhece nenhuma prova do

teorema geométrico que tenha sido fornecida por um pitagórico e parece pouco provável que

ela exista‖. Nesse contexto, pode-se considerar que as Triplas Pitagóricas (TP) eram objeto de

estudo dos Pitagóricos. Uma TP é constituída de três inteiros quadrados a, b e c tais que a

soma de dois deles resulte no terceiro. Esses inteiros estão relacionados com as medidas de

um triângulo retângulo e, provavelmente, eram obtidos através dos gnomos (ROQUE, 2012).

É necessário destacar que, atualmente, sabe-se que essa relação já era conhecida por

inúmeros povos mais antigos28

que os gregos e, consequentemente, esse conhecimento já

poderia ser comum na época de Pitágoras (ROQUE, 2012). Nesse sentido, este trabalho tem a

mesma visão de Roque (2012, p. 86,87), visto que

26

Exemplo adaptado de Eves (2011). 27

Adaptado de Eves (2011). 28

Stillwell (2010) afirma que os babilônios talvez tivessem conhecimento sobre as Triplas Pitagóricas.

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28

[...] não é nosso objetivo mostrar que os pitagóricos não foram os primeiros na

história a estabelecer tal relação. O objetivo é investigar de que modo esse resultado

podia intervir na matemática praticada pelos pitagóricos [...].

De acordo com Katz (2009) e Roque (2012), existem evidências que para a construção

das TP,eram utilizadas relações diferentes para números ímpares e pares. Neste sentido, é

apresentada na TABELA 3, em notação atual,uma síntese destas relações.

TABELA 3 Triplas Pitagóricas

Paridade Formato dos Números Relação Entre Os Números

Ímpar

(ROQUE, 2012)

n, n²−1

2 e

n²+1

2

n² + (n²−1

2)² = (

n²+1

2)²

Par (KATZ,

2009)

, (m

2)² − 1,(

m

2)² + 1

m² + [ m

2

2− 1]² =[

m

2

2

+ 1]

FONTE: Autoria Própria

Considerando agora o caráter geométrico, será apresentada no QUADRO 3 e na

ILUSTRAÇÃO 18, uma demonstração (por decomposição e utilizando a notação atual) que,

de acordo com Eves (2011), poderia ter sido a utilizada por Pitágoras.

ILUSTRAÇÃO 18 Decomposição Do Quadrado De Lado a + b

FONTE: Adaptado de Eves (2011)

QUADRO 3 Demonstração Por Decomposição

Denotando por a, b e c os catetos e a hipotenusa de um triângulo retângulo,

respectivamente, considere agora dois quadrados cujos lados têm media a + b. O

quadrado 1 está dividido em 6 partes enquanto o quadrado 2 possui 5 partes. Definindo

AQ1 e AQ2 como as áreas do quadrado 1 e 2, respectivamente, têm-se que

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29

AQ1 = a² + 4(𝟏

𝟐ab) + b²

AQ2 = 4(𝟏

𝟐ab) + c²

Como os dois quadrados têm áreas iguais, segue que AQ1 = AQ2 e, portanto,

a² + 4(𝟏

𝟐ab) + b² = 4(

𝟏

𝟐ab) + c²

Ao subtrair o termo 4(𝟏

𝟐ab)de ambos os lados obtém-se que

a² + b² = c²

concluindo a demonstração (EVES, 2011). ■

FONTE: Adaptado de Eves (2011)

É importante notar que, de acordo com Eves (2011, p.104)

Para provar que a parte central da segunda decomposição é efetivamente um

quadrado de lado c, precisamos usar o fato de que a soma dos ângulos de um

triângulo retângulo é igual a dois ângulos retos. Mas o Sumário Eudemiano atribui

esse teorema sobre triângulos em geral aos pitagóricos. E como uma demonstração

desse teorema requer, por sua vez, o conhecimento de certas propriedades sobre

retas paralelas, credita-se também aos pitagóricos o desenvolvimento dessa teoria.

Através dos resultados obtidos previamente é importante ampliar a visão sobre o

teorema atribuído a Pitágoras, uma vez que, como pontua Roque (2012, p. 88)

Ao que parece, os pitagóricos estavam interessados na relação ―aritmética‖ expressa

pelas triplas em um sentido particular. Logo, pelo contexto em que esse resultado

intervém, não é possível dizer que o conhecimento aritmético das triplas pitagóricas

seja o exato correlato do teorema geométrico atribuído a Pitágoras, daí as aspas

empregadas aqui ao falarmos do teorema ―de Pitágoras‖.

Além disso, é necessário destacar que o Teorema de Pitágoras foi o primeiro indício

de uma relação entre aritmética e geometria. Na Antiguidade, as Triplas Pitagóricas (ou

Teorema de Pitágoras) podem ter sido usadas para a construção de ângulos retos

(STILLWELL, 2010). Como exemplo, veja a ILUSTRAÇÃO 19.

ILUSTRAÇÃO 19 Ângulo Reto Por Tripla Pitagórica

FONTE: Autoria Própria29

29

Adaptado de Stillwell (2010).

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30

É importante destacar que os Pitagóricos também trabalhavam com divisibilidade.

Nesse sentido, a seguir será apresentada brevemente uma noção do que eles desenvolveram.

3.2. A Teoria da divisibilidade

Após os estudos sobre a teoria dos ímpares e pares, os Pitagóricos se dedicaram a

estudar as relações numéricas ou de proporções e a teoria da divisibilidade (WUSSING,

1998). Existe uma versão sobre a teoria das razões e proporções, presente nos Elementos, que

é atribuída aos Pitagóricos. Ela é usada para razões entre grandezas comensuráveis (ROQUE,

2012)30

.

Assim, a teoria das proporções, ou seja, das relações entre números naturais, se

baseava na seguinte definição

Os números são proporcionais quando o primeiro é da segunda quantidade a mesma

parte ou o mesmo conjunto de partes que o terceiro da quarta (WUSSING, 1998, p.

37).

De acordo com Wussing (1998), a teoria de divisibilidade tinha como base duas

definições:

Um número primo é um número que se pode comparar apenas com a unidade como

unidade comum.

Primos entre si são números que se podem comparar apenas com a unidade como medida

comum.

Ainda, com relação aos números primos é importante salientar que alguns autores

indicam que a proposição sobre a existência de infinitos números primos que é apresentada no

livro IX dos Elementos, de Euclides tem influência da Matemática Pitagórica. Outras

proposições atribuídas aos Pitagóricos estão no APÊNDICE A.

A próxima seção trará conceitos de Geometria desenvolvidos na Escola Pitagórica.

30

Roque (2012) também pontua que há uma segunda versão apresentada nos Elementos, mas esta é atribuída a

Eudoxo. Essa nova versão se aplica a grandezas comensuráveis ou não.

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31

4. PITÁGORAS E A GEOMETRIA

Como exposto na seção anterior, os Pitagóricos resolviam seus problemas de Teoria

dos Números também por análise geométrica através da posição de pedrinhas. Contudo, é

importante destacar que, assim como aponta Wussing (1998), os dados sobre a geometria

Pitagórica nos tempos iniciais da escola são bastante incertos. Essa ideia também é

compartilhada por Roque (2012), uma vez que ela pontua que não se tem conhecimento sobre

a importância da geometria para os Pitagóricos, porém, acredita-se que tais conceitos não

eram tão relevantes quantos os estudados na aritmética.

De acordo com Wussing (1998), existe a possibilidade de Pitágoras ter conhecido a

base do teorema que leva seu nome enquanto estava na Babilônia; também existem chances

de um de seus alunos ter feito a demonstração de tal teorema.

Um possível resultado dos primeiros Pitagóricos é o teorema31

da soma dos ângulos do

triângulo. Uma ilustração deste resultado está presente na ILUSTRAÇÃO 20.

ILUSTRAÇÃO 20 Soma Dos Ângulos Internos

FONTE: Autoria Própria32

Como será exposto na seção 7, sobre o legado Pitagórico, grande parte do conteúdo

dos Elementos contém conceitos desenvolvidos pelos Pitagóricos. Assim, no Livro II dos

Elementos, existem inúmeras proposições sobre identidades algébricas que são envolvidas

num caráter geométrico (EVES, 2011). Assim sendo, a quarta proposição do Livro II situa

geometricamente (veja a ILUSTRAÇÃO 21) a identidade que, na notação atual, escrevemos

como:

(a + b)2 = a

2 + 2ab + b

2.

31

Não será apresentada a demonstração desse teorema. 32

Adaptado de Wussing (1998).

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32

O enunciado elaborado por Euclides é o seguinte: ―Dividindo-se uma reta em duas

partes, o quadrado sobre a reta toda é igual à soma dos quadrados sobre as partes juntamente

com o dobro do retângulo contido pelas partes.‖ (EVES, 2011, p. 108).

ILUSTRAÇÃO 21 Proposição 4 Do Livro II De Euclides

FONTE: Autoria Própria33

Outro exemplo apresentado por Eves (2011, p. 108) dessas igualdades é a Proposição

5, também do Livro II:

Dividindo-se uma reta em partes iguais e em partes desiguais, o retângulo contido

pelas partes desiguais, junto com o quadrado sobre a reta entre os pontos de secção,

é igual ao quadrado sobre a metade da reta dada.

Uma ilustração de sua representação geométrica pode ser vista na ILUSTRAÇÃO 22.

ILUSTRAÇÃO 22 Proposição 5 Do Livro II De Euclides

FONTE: Autoria Própria34

Além desses problemas envolvendo álgebra e sua resolução através de contextos

geométricos, Eves (2011) afirma que os Pitagóricos também tinham interesse em problemas

de transformação de áreas de figuras retilíneas em outras figuras que também eram retilíneas.

Situações assim são encontradas nas Proposições 42, 44 e 45 do Livro I e na Proposição 14,

33

Adaptado de Eves (2011). 34

Adaptado de Eves (2011).

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33

todas presentes nos Elementos, de Euclides. A seguir será apresentada uma possível solução

conhecida pelos Pitagóricos. O exemplo consiste em transformar a área de um pentágono

(ABCDE) em um quadrilátero (ARDE), conforme ILUSTRAÇÃO 23.

ILUSTRAÇÃO 23 Transformação De Áreas

FONTE: Adaptado De Eves (2011)

Tomando o polígono ABCDE, se traça BR paralelamente a AC, onde R é a interseção

com DC. Como os triângulos ABC e ACR têm a mesma base (AC) e a mesma altura, eles

possuem a mesma área. Desse modo, os polígonos ABCDE e ARDE têm áreas iguais,

concluindo a proposição (EVES, 2011).

Já quanto à geometria espacial, Wussing (1998) aponta que os Pitagóricos desde os

primeiros tempos da escola conheciam o cubo, o tetraedro e o dodecaedro, havendo a

possibilidade do conhecimento do octaedro e do icosaedro. Esses poliedros estão presentes na

ILUSTRAÇÃO 24.

ILUSTRAÇÃO 24 Sólidos Geométricos

FONTE: Autoria Própria

É interessante notar que o conhecimento acerca do dodecaedro tem uma

particularidade curiosa, uma vez que a pirita, abundante na Itália, se cristaliza na forma de um

dodecaedro. Conforme visto, o emblema da ordem de Pitágoras era o pentagrama35

, que

35

O Pentagrama era o símbolo da ordem Pitagórica; já na Idade Média, essa estrela de cinco pontas adquiriu,

inclusive, significado místico (WUSSING, 1998).

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34

também faz alusão ao dodecaedro, já que as doze faces desse poliedro são pentágonos

regulares (WUSSING, 1998).

Outro conceito que pode ter vindo dos estudos sobre os pentágonos é a seção áurea36

,

que de acordo com Cyrino (2006) significa que ―a razão de toda diagonal para o segmento

maior é igual à razão deste para o menor‖. Como exemplo, a seção áurea está representada na

ILUSTRAÇÃO 25. Assim, a razão entre o segmento maior (BE) e o segmento médio (BF) é a

mesma que a razão entre este segmento médio (BF) e o segmento menor (FE).

ILUSTRAÇÃO 25 Pentágono Regular Estrelado

FONTE: Autoria Própria37

Ainda se tratando de geometria, alguns autores afirmam que no estudo foi por meio

dessa área que foram encontrados segmentos incomensuráveis e tal situação pode ter trazido

grandes impactos para a sociedade Pitagórica. Este assunto será tratado na seção 6.

A seção seguinte trará alguns conceitos musicais estudados pela Escola Pitagórica.

36

Kepler (1571-1630) foi quem nomeou a subdivisão da diagonal como secção áurea (CYRINO, 2006). 37

Inspirado em Cyrino (2006).

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35

5. PITÁGORAS E A MÚSICA

A presença dos números na explicação do universo também se estendeu para a

música. Pitágoras contribuiu para que a importância dos números na música fosse notada e,

nessa conexão estabelecida, termos como ―média harmônica‖ e ―progressão harmônica‖

perduram até os dias atuais (RUSSELL, 1945).

De acordo com Pereira (2013) a música38

pode ser entendida como a sucessão de

sons e silêncio organizados ao longo do tempo; já a harmonia é

o estudo das combinações de sons tocados simultaneamente. Duas ou mais notas

musicais tocadas ao mesmo tempo constituem uma harmonia. Numa composição

musical, a harmonia é o conjunto de acordes, que podem ser executados por diversos

instrumentos, como violão, piano, etc. (PEREIRA, 2013, p. 17).

É necessário salientar essa visão acerca desses conceitos porque, como destaca Pereira

(2013), é provável que Pitágoras estivesse interessado em compreender o que hoje se

denomina harmonia, ou seja, quais eram as combinações que soavam agradáveis aos ouvidos.

De outro modo, vale destacar que para os gregos a palavra harmonia possuía um significado

mais amplo, isto é, ela adquiria o sentido de ordenação, equilíbrio entre outros.

Tendo em vista esses conceitos, no próximo tópico será apresentado um experimento

sobre conceitos da música possivelmente realizado por Pitágoras por meio de um monocórdio.

5.1. Pitágoras e o Monocórdio

De acordo com Guido d‘Arezzo (ca 992-1050) apud Rodrigues (1999, p. 17) em seu

trabalho de música Micrologus

Um certo Pitágoras, numa das suas viagens, passou por acaso numa oficina onde se

batia numa bigorna com cinco martelos. Espantado pela agradável harmonia

(concordiam) que eles produziam, o nosso filósofo aproximou-se e, pensando

inicialmente que a qualidade do som e da harmonia (modulationis) estava nas

diferentes mãos, trocou os martelos. Assim feito, cada martelo conservava o som

que lhe era próprio. Após ter retirado um que era dissonante, pesou os outros e, coisa

admirável, pela graça de Deus, o primeiro pesava doze, o segundo nove, o terceiro

oito, o quarto seis de não sei que unidade de peso.

38

Do grego musiké téchne, a arte das musas (PEREIRA, 2013).

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36

Rocha (2009, p. 140) destaca que Pitágoras teria ficado interessado com o que viu e

teria feito um experimento com cordas:

Ele teria amarrado quatro fios com as mesmas características num suporte. Depois

teria colocado um peso na ponta de cada um, o primeiro de 1 unidade, o segundo de

1 unidade e 1/3 (4:3), o terceiro de 1 unidade e 1/2 (3:2) e o último de 2 unidades

(2:1). Como resultado a segunda corda teria produzido um intervalo de quarta justa

em relação à primeira corda, a terceira corda um intervalo de quinta e a última um

intervalo de oitava.

Assim, levando em consideração uma corda esticada, as proporções citadas acima se

traduzem no uníssono (razão 1:1), na oitava (diapason; razão 1:2), na quinta (diapente; razão

2:3) e na quarta (diatessaron; 3:4). É importante notar que as razões são obtidas a partir dos 4

primeiros naturais (1,2,3 e 4), entes tão importantes para os Pitagóricos (RODRIGUES,

1999). Na ILUSTRAÇÃO 26 existe uma versão sobre o contato de Pitágoras com os martelos

e com o monocórdio.

ILUSTRAÇÃO 26 Ilustração De Franchinus Gafurius (Theorica musicæ, 1492) Da Descoberta De Pitágoras

Das Proporções Das Consonâncias.

FONTE: (RODRIGUES, 1999)

Em contrapartida, tal ideia não é bem aceita por Rocha (2009, p. 140), visto que

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37

Hoje em dia sabemos que esse experimento não corresponde à realidade e é

impossível fisicamente. Ptolomeu, nos Harmonica, I.8, pp. 17.7ss., já dizia que essa

maneira de determinar as razões intervalares estava incorreta. E Mersenne, em 1634,

nas Questions Harmoniques, p. 166, já demonstrava a impossibilidade física desses

experimentos (Cf. BURKERT, 1972, p. 375-377 e WEST, 1992, p. 234).

Neste trabalho não se discutirá se tal experimento realmente aconteceu. De outro

modo, é indiscutível que essa possível experiência de Pitágoras com um monocórdio possui

grande importância, uma vez que além de gerar o quarto ramo da Matemática, a Música,

também é considerado o primeiro experimento registrado na história da ciência, tendo em

vista que um objeto (monocórdio) foi utilizado para se observar fenômenos através de testes.

Ademais, antes de Aristóteles, os Pitagóricos foram os únicos a fundamentar cientificamente e

desenvolver a Música (ABDOUNUR, 1999).

Um monocórdio, apresentado na ILUSTRAÇÃO 27, é um instrumento musical antigo

e que é constituído de uma caixa de ressonância e, sobre ela, é esticada uma corda (fio) que

fica presa sobre dois cavaletes, sendo que cada um se localiza em um canto da caixa.

ILUSTRAÇÃO 27 O Monocórdio

FONTE: Camargos (2010)

De acordo com Rocha (2009) o monocórdio não seria um instrumento musical, mas

sim um aparelho para determinar a magnitude de um determinado intervalo. Veja esse

aparelho na ILUSTRAÇÃO 28.

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38

ILUSTRAÇÃO 28 O Monocórdio – Instrumento de Medição

FONTE: Rocha (2009)

No próximo subitem será apresentada uma descrição da possível forma que foi

realizado o experimento de Pitágoras.

5.2. O Experimento Com Monocórdio

Em seu experimento, Pitágoras pressionou a corda em alguns pontos específicos e

conseguiu ouvir tons distintos, mas que soavam de maneira agradável aos ouvidos. Desse

modo, ele pressionou a corda no ponto C, que representaria 3/4 do comprimento inicial da

corda (ILUSTRAÇÃO 29) e, após tocá-la, ele ouviu uma quarta acima do tom emitido pela

corda inteira (ABDOUNUR, 1999).

ILUSTRAÇÃO 29 Quarta

FONTE: Autoria Própria

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39

Do mesmo modo, partindo de A, Pitágoras pressionou a corda (ILUSTRAÇÃO 30) em

D, o que representa 2/3 do comprimento total da linha; assim, ao tocar esse pedaço da corda,

ele ouviu uma quinta acima (ABDOUNUR, 1999).

ILUSTRAÇÃO 30 Quinta

FONTE: Autoria Própria

Analogamente, ao partir de A e pressionar a corda ao meio em E, o que equivale a 1/2

do tamanho original (ILUSTRAÇÃO 31), ele ouviu uma oitava do som original

(ABDOUNUR, 1999).

ILUSTRAÇÃO 31 Oitava

FONTE: Autoria Própria

A partir desta experiência, os intervalos mencionados (quarta, quinta e oitava)

passaram a ser denominados Consonâncias Pitagóricas. Em contrapartida, Fallas (1992)

apud Abdounur (1999) salienta que tais consonâncias poderiam já existir em diferentes e

antigas culturas. Essa relação entre os números iniciais se tornou objeto de grande

importância, uma vez que seria utilizada na formação da Escala Pitagórica.

Ao realizar o experimento com o monocórdio, Pitágoras encontrou as frações

(apresentadas a seguir) que representam a tônica39

, a quinta, a quarta e a oitava. Após esta

experiência, um sistema musical começou a ser desenvolvido levando em conta a relação

simples entre os primeiros naturais. Ainda, consideravam-se equivalentes as notas iguais que

se estabeleciam em oitavas distintas. Neste sentido, os Pitagóricos tomaram a oitava como

intervalo fundamental (ABDOUNUR, 1999).

39

Primeira nota de uma escala.

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40

1

1,

1

2,

2

3e3

4

Desse modo, Abdounur (1999, p. 8,9) aponta que a escala seria construída ao se

dividir a oitava, tendo em vista que os sons

[...] determinassem o alfabeto através do qual a linguagem musical pudesse se

expressar, tornando-se portanto natural a partir de uma nota – determinante da oitava

- universo juntamente com sua oitava superior- caminhar em intervalos de quintas

ascendestes e descendentes, retornando à nota equivalente – acrescida ou diminuída

de um número inteiro de oitavas – sempre que escapasse da oitava – universo.

Com este conceito de Ciclo das Quintas40

, considera-se que notas iguais, mas em

oitavas diferentes, possuem uma relação de equivalência41

entre si. Assim, duas notas são

equivalentes se elas são diferentes por um intervalo inteiro de oitava (ABDOUNUR, 1999). A

seguir será mostrado como a Escala Pitagórica foi elaborada.

5.3. Construção da Escala Pitagórica

Inicialmente, a Escala Pitagórica possuía 4 notas e, após o processo das quintas,

encontrou-se uma escala de 7 notas. Além disso, para fechar uma oitava, os Pitagóricos

adicionaram uma nota uma oitava acima da primeira criando-se, assim, a Escala Diatônica42

(PEREIRA, 2013).

Essas quatro notas iniciais estão presentes na TABELA 4, na qual apresentamos a

nomenclatura atual. Não foi possível, ao longo do presente trabalho identificar a forma como

os Pitagóricos denominavam e representavam estas notas musicais.

TABELA 4 Escala Com 4 Notas

Dó1 Ré1 Mi1 Fá1 Sol1 Lá1 Si1 Dó2

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª

𝒄

3𝑐

4

2𝑐

3

𝑐

2

FONTE: Adaptado de Pereira (2013)

40

Será explanado posteriormente. 41

Em notação atual, utilizarmos ―~‖ para representar equivalência, para quaisquer a, b e c (notas), se a~b e b~c

tem-se que a~c. (ABDOUNUR, 1999) 42

Do grego: através da sucessão de sons (PEREIRA, 2013)

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41

Após ter essas 4 notas, Pitágoras realizou o Ciclo das Quintas, que ocorre quando,

obtém-se uma sucessão de notas a partir da fórmula Q =2

3Xn. Partindo-se de Dó1

43 (já com o

ajuste44

das notas a oitava inicial) obtêm-se as demais notas da escala (PEREIRA, 2013).Na

TABELA 5 são apresentadas as notas iniciais e as notas finais após o processo do Ciclo das

Quintas.

TABELA 5 Ciclo Das Quintas

Nota Inicial (X1) Quinta Ajuste Nota Final

Dó1 2

3 𝑥 1 =

2

3

Nenhum 2

3 (Sol1)

Sol1 2

3 𝑥

2

3=

4

9

4

9 𝑥 2 =

8

9

8

9 (Ré1)

Fá1 2

3 𝑥

3

4=

1

2

Nenhum 1

2(Dó2)

Ré1 2

3 𝑥

8

9 =

16

27

Nenhum 16

27 (Lá1)

Lá1 2

3 𝑥

16

27 =

32

81

32

81 𝑥 2 =

64

81

64

81 (Mi1)

Mi1 2

3 𝑥

64

81 =

128

243

Nenhum 128

243 (Si1)

FONTE: Adaptado de Pereira (2013)

Analisando esta tabela, pode se complementar o esquema apresentado na TABELA 4.

Desse modo, o novo modelo (Escala Diatônica) é mostrado a seguir (TABELA 6).

TABELA 6 Intervalo Completo Da Primeira Oitava (Escala Diatônica)

Dó1 Ré1 Mi1 Fá1 Sol1 Lá1 Si1 Dó2

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª

𝒄

8𝑐

9

64𝑐

81

3𝑐

4

2𝑐

3

16𝑐

27

128𝑐

243

𝑐

2

FONTE: Adaptado de Pereira (2013)

43

Essa é a notação atual. Ortolan (2011) pontua que os gregos queriam inventar um sistema de escrita musical,

porém, isso se perdeu no tempo. 44

―É importante lembrar que, se uma nota está na 2ª oitava (entre DÓ2 e DÓ3), deve-se multiplicá-la por 2 para

trazê-la aos limites da 1ª oitava. Isto é, se o DÓ2 equivale à metade do DÓ1, então o DÓ1 equivale ao dobro do

DÓ2‖ (PEREIRA, 2013).

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42

Ao se continuar o processo das Quintas, novas notas (semitons) surgem e, portanto,

razões distintas entre as notas aparecem. Veja a TABELA 7 apresentada a seguir.

TABELA 7 Tabela Semitons

Nota Inicial (X1) Quinta Ajuste Nota Final

Si1 2

3 𝑥

128

243=

256

729

256

729 𝑥 2 =

512

729

Fá#1

Fá#1 512

729 𝑥

2

3=

1024

2187

1024

2187 𝑥 2 =

2048

2187

Dó#1

Dó#1 2048

2187 𝑥

2

3=

4096

6561

Nenhum Sol#1

Sol#1

4096

6561 𝑥

2

3=

8192

19683

8192

19683 𝑥 2 =

16384

19683

Ré#1

Ré#1

16384

19683 𝑥

2

3=

32768

59049

Nenhum Lá#1

Lá#1 32768

59049 𝑥

2

3=

65536

177147

65536

177147 𝑥 2 =

131072

177147

Fá1

Fá1 131072

177147 𝑥

2

3=

262144

531441

262144

531441 𝑥 2 =

524288

531441

Dó1

FONTE: autoria própria45

Ao se analisar as tabelas apresentadas, pode se notar que este método gerou um erro,

ou seja, ao trazer o Fá# para a primeira oitava consegue-se a razão 512/729. Ainda, o intervalo

entre o Sol1(2/3) e o Fá#1 gera um comprimento de 243/256 para o semitom. Contudo, o

intervalo entre Fá#1 (512/729) e um semitom abaixo, o Fá1 (3/4) é de 2048/2187, isto é, outra

razão para o semitom, que é denominado semitom cromático Pitagórico (pouco maior que o

semitom diatônico Pitagórico). A diferença entre estes semitons é denominada Coma

Pitagórica (SIMONATO, DIAS, 2005).

Desse modo, não é possível, através de sucessões de quintas, obter um som resultante

por sucessivas oitavas, isto porque,

2

3 a

≠ 1

2 b

, para a e b naturais.

Isso se verifica em Rodrigues (1999, p. 22), visto que

É interessante observar que a incongruência resultante da coma pitagórica, que

acumula dissonâncias à medida que se sobe ou desce na escala musical, tem uma

analogia com as incongruências dos calendários antigos.

45

A tabela é construção própria, porém, a ordem das notas é apresentada por Abdounur (1999).

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43

Além deste problema entre quintas e oitavas, o sistema Pitagórico mostrou-se ineficaz

na transcrição musical, isto é, era impossível escrever escalas simétricas apenas com

intervalos naturais. Assim, se iniciou a busca para que as escalas se ajustassem tal que a cada

nova escala, as notas detivessem relações de equivalência, sonora e simétrica (SIMONATO,

DIAS, 2005).

Posteriormente, na Idade Média, é apresentada a Escala Temperada, cuja característica

é a igualdade (nos intervalos) de uma nota para outra. Para entender essa distinção entre as

escalas, veja a ILUSTRAÇÃO 32. É importante destacar que não se discutirá sobre a escala

temperada e outras questões em música neste trabalho, já que estas não foram desenvolvidas

pelos Pitagóricos.

ILUSTRAÇÃO 32 Escala Pitagórica (Esquerda) x Escala Temperada (Direita)

FONTE: Rodrigues (1999)

Após essa explanação sobre a visão Pitagórica acerca da música, será apresentado a

seguir os estudos sobra a incomensurabilidade e os possíveis problemas que ela causou.

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44

6. A INCOMENSURABILIDADE: PROBLEMAS NA MATEMÁTICA UNIVERSAL?

Como já apontado nesse trabalho, os Pitagóricos acreditavam que os números, em

especial os racionais, regiam o universo, caracterizando-o de várias maneiras e, de certo

modo, isso pode ter cegado Pitágoras para a existência dos irracionais (SINGH, 2014). Assim,

na investigação histórico/matemática, geralmente, atribui-se o descobrimento dos irracionais

ao Pitagórico Hipaso de Metaponto. Contudo, não se sabe exatamente em que contexto

matemático tais números foram descobertos (WUSSING, 1998). É importante destacar que

tanto as provas quanto o que tal descoberta gerou e ainda fornece discussões, que serão

apresentadas a seguir.

Uma proposta de prova que pode ter sido utilizada pelos Pitagóricos é apresentada por

Cyrino (2006). Esta prova parte de um triângulo retângulo de catetos medindo 1. É importante

salientar que, de acordo com Katz (2009), não se sabe exatamente quem desenvolveu tal

resultado. Posteriormente neste trabalho este conteúdo será abordado.

Assim, a medida da Hipotenusa pode ser encontrada pelo Teorema de Pitágoras. Neste

caso, a medida da hipotenusa é 2. Cyrino (2006) explica que é difícil (impossível) achar um

número inteiro que satisfaça tal condição. Ainda, ele considera uma fração qualquer 𝑝

𝑞 para

representar tal número. Desse modo, tem-se que

(𝑝

𝑞)² = 2 implica que p² = 2q² e, portanto, p = 2q.

Desse modo, têm-se dois segmentos que não podem ser expressos como múltiplos

inteiros um do outro, visto que 2 não pode ser escrito como uma fração. Assim, estes

segmentos são incomensuráveis.

Em contrapartida, Roque (2012, p. 96) aponta que

Não se tem certeza nem mesmo da relação entre a descoberta dos incomensuráveis e

a aplicação do teorema ―de Pitágoras‖ (que nos permitiria concluir que há um lado

de um triângulo retângulo cuja medida é 2,), uma vez que os chineses já

conheciam o teorema e nem por isso concluíram pela irracionalidade do lado.

Nesse mesmo contexto, Wussing (1998) apresenta alguns comentários sobre outra

hipótese na qual a incomensurabilidade e, por conseguinte, os números irracionais foram

descobertos no contexto da Escola Pitagórica. Essa hipótese leva em consideração um

pentágono estrelado (veja ILUSTRAÇÃO 33). Sabe-se que as diagonais de um pentágono

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45

regular geram outro pentágono regular e assim sucessivamente. Nesse exemplo da

ILUSTRAÇÃO 33, tem-se que AE = AB‘ e B‘D = B‘E‘, de onde, AD – AE = B‘E‘;

analogamente, AE = ED‘ = EA‘ e B‘E‘ = B‘D = B‘E e, consequentemente, AE – B‘E‘ =

B‘A‘.

ILUSTRAÇÃO 33 Pentágono E Suas diagonais

FONTE: Adaptado De Wussing (1998)

Esse processo se repete indefinidamente, ou seja:

A diferença entre as diagonais e os lados do pentágono maior é igual às diagonais do

pentágono menor;

A diferença entre os lados do pentágono maior e as diagonais do pentágono menor é igual

aos lados do pentágono menor;

A diferença entre as diagonais do pentágono menor e seus lados respectivos é igual as

diagonais do próximo pentágono menor (WUSSING, 1998).

Como esse processo não acaba, impossibilita-se encontrar uma medida comum

máxima para as diagonais e para os lados do pentágono regular. Dessa maneira, pode-se ter

mostrado a existência de segmentos incomensuráveis (WUSSING, 1998).

Para essa provável demonstração, novamente Roque (2012, p. 95) contra argumenta,

considerando que:

Em um artigo publicado em 1945, ―The Discovery of incommensurability by

Hippasos of Metapontum‖ (A descoberta da incomensurabilidade por Hípaso de

Metaponto), Von Fritz conjectura que a incomensurabilidade tenha sido descoberta

durante o estudo do problema das diagonais do pentágono regular, que constituem o

famoso pentagrama. A lenda da descoberta dos irracionais por Hípaso foi erigida a

partir desse exemplo. Entretanto, os historiadores que seguimos aqui contestam tal

reconstrução, uma vez que ela implica o uso de fatos geométricos elaborados que só

se tornaram conhecidos depois dos Elementos de Euclides.

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46

Alguns autores apontam que a descoberta dos incomensuráveis pode ter causado uma

crise na Escola Pitagórica, visto que seu ideal de universo perfeito, ligado aos números que

atualmente conhecemos como Naturais, fora confrontado pelo surgimento dos números

irracionais.

Para exemplificar, segue abaixo uma história de Hipaso e a descoberta dos números

irracionais, apresentando uma possível reação de Pitágoras a tal feito:

Uma história afirma que um jovem estudante, chamado Hipaso, estava brincando

com a 2, tentando encontrar uma fração equivalente, até que ele percebeu que tal

fração não existia, ou seja, era um número irracional. Hipaso deve ter ficado

entusiasmado com sua descoberta, mas seu mestre não gostou nem um pouco.

Pitágoras tinha definido o universo em termos de números racionais e a existência

de números irracionais questionava seu ideal. A descoberta de Hipaso deveria ter

produzido um período de debates e contemplação durante o qual Pitágoras passaria a

aceitar esta nova fonte de números. Mas o mestre não aceitou a ideia de que pudesse

estar errado e ao mesmo tempo foi incapaz de destruir a argumentação de Hipaso

pela lógica. Para sua eterna vergonha, Pitágoras sentenciou Hipaso à morte por

afogamento (SINGH, 2014, p. 46).

Essa ideia de crise também é expressa nos trabalhos de Wussing (1998), Cyrino (2006)

e Eves (2011).

A descoberta da existência de números irracionais foi surpreendente e perturbadora

para os pitagóricos. Em primeiro lugar porque parecia desferir um golpe mortal na

filosofia pitagórica segundo a qual tudo dependia dos números inteiros. Além disso,

parecia contrária ao senso comum, pois intuitivamente havia o sentimento de que

toda grandeza poderia ser expressa por algum número racional. A contrapartida

geométrica era igualmente espantosa, pois quem poderia duvidar que, dados dois

segmentos de reta, sempre seria possível encontrar um terceiro segmento de reta,

talvez muito, muito pequeno, que coubesse exatamente um número inteiro de vezes

em cada um dos dois segmentos dados? (EVES, 2011, p. 106)

Neste contexto, a descoberta dos incomensuráveis pode ter sido uma possível causa

para o término da seita. Em contrapartida, é importante destacar que alguns autores detêm

outra visão sobre essa situação. Katz (2009) argumenta que embora seja frequente esse

discurso de crise na Matemática Grega (devido à incomensurabilidade), a única evidência

confiável mostra que tal descoberta apenas abriu caminhos para novas teorias Matemáticas.

Além de concordar com Katz, Roque (2012) pontua que nem mesmo nos trabalhos de Platão

ou Aristóteles, aos quais ela teve acesso, existem alusões a possíveis escândalos.

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47

Talvez, tal ênfase em possíveis conflitos tenha sido acalorada por autores do século

XX46

, uma vez que ―A tentação de ver nos gregos uma crise análoga era um modo de

valorizar os trabalhos do início do século XX, encarados como soluções para dilemas não

resolvidos por 2500 anos‖ (ROQUE, 2012, p. 96).

Independentemente do impacto da descoberta dos incomensuráveis na Escola

Pitagórica, de acordo com Khan (2001), sabe-se que essa escola não conseguiu perdurar

depois da segunda geração. Wussing (1998) destaca que a descoberta dos incomensuráveis,

em conjunto com outras causas, principalmente políticas (compromisso dos Pitagóricos com a

aristocracia de quem possuía escravos e também com o governo de alguns tiranos), levou a

decomposição da escola.

Além disso, vale enfatizar que Cyrino (2006) salienta que os Pitagóricos ingressaram

na vida política visando aplicar suas ideias. Assim como ascenderam politicamente, os

Pitagóricos também adquiriram alguns inimigos. É provável que Cilon, um dos senhores ricos

de Crotona tenha atacado uma casa onde os Pitagóricos se encontravam e muitos tenham sido

assassinados.

Dessa forma, o Legado Pitagórico será discutido na próxima seção.

46

―Um dos artigos mais influentes a propalar a ocorrência de uma crise foi ―Die Grundlagenkrisis der

griechischen Mathematik‖ (A crise dos fundamentos da matemática grega), de Hasse e Scholz, publicado em

1928, que fazia referência somente à possibilidade de ter havido uma crise dos fundamentos da matemática

grega‖ (ROQUE, 2012, p. 96).

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48

6. O LEGADO PITAGÓRICO

Pode-se encontrar indícios da influência de Pitágoras desde a Antiguidade até os dias

atuais (KHAN, 2001). Neste sentido, esse autor apresenta que a herança de conhecimento

Pitagórico pode ser dividida em três tópicos principais, a saber: a tradição do oculto e do

sobrenatural, a transmigração da alma e o vegetarianismo e a tradição Matemática e musical.

Serão apresentadas algumas considerações sobre estes.

A tradição do oculto e do sobrenatural;

O lado oculto da tradição Pitagórica era representado não somente por meio da forma

literária ou em textos teóricos com aplicações práticas. Os aspectos mágicos e até milagrosos

de Pitágoras eram ilustrados nas vidas dos seus seguidores, que reproduziam ou

reformulavam o modelo de vida que outrora seu mestre levara (KHAN, 2001).

Como exemplo, no período Romano, Apolônio de Tiana era um ―homem divino‖

famoso, na segunda metade do terceiro século após a morte de Cristo. Sua tradição foi

continuada por Alexander de Abonútico no século seguinte. Apolônio era descrito como um

Santo Pitagórico, que repete em sua própria vida as viagens realizadas pelo próprio Pitágoras

(Egito, Babilônia, por exemplo), em busca da sabedoria antiga que a tradição atribuiu a

Pitágoras (KHAN, 2001).

A transmigração da alma e o vegetarianismo;

Como já visto na seção 2, a filosofia era uma característica marcante na Escola

Pitagórica. De acordo com Khan (2001, p. 147), pode-se ter uma ideia desse Pitágoras

eclético, na visão de Ovídio47

Nada dura, tudo é um fluxo sem fim,

Cada forma errante é um peregrino que passa,

E o próprio tempo desliza no fluxo incessante

Nada mantém a sua forma; novas formas vinda de velhas

47

Tradução nossa.

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Natureza, a grande inventora, incessantemente

Planeja

Além disso, o vegetarianismo adquiria mais atenção do que a transmigração e até

tinha apelo popular, possivelmente pelo impacto imediato nas vidas das pessoas. É provável

que Pitágoras argumentasse sobre os problemas de se alimentar de carne e sobre como era

possível cortar a garganta dos animais que choravam como crianças (KHAN, 2001).

A tradição Matemática e musical.

A influência dos Pitagóricos começa já com o quadrivium, que persiste até os tempos

medievais como parte do currículo da escola básica; nessa época, o trivium se junta ao

primeiro grupo para formar o currículo completo (KHAN, 2001).

Os estudos sobre os intervalos e harmonias, baseados em razões, fez da música outro

legado importante por parte dos Pitagóricos. O conceito de entonação Pitagórica prevaleceu

até o Renascimento. É possível que grande parte dos teóricos que discutiam a aritmética dos

intervalos musicais o faziam por meio da entonação Pitagórica (KHAN, 2001).

É importante destacar que o processo de formalização da Matemática adquire caráter

mais relevante com os Pitagóricos, visto que

Em algum momento entre Tales, 600 a.C., e Euclides, 300 a.C., rematou-se a noção

de discurso lógico como uma sequência de deduções rigorosas a partir de algumas

suposições iniciais explicitamente enunciadas. Esse processo, o chamado método

postulacional, tornou-se a verdadeira essência da matemática moderna;

indubitavelmente, grande parte do desenvolvimento da geometria segundo esse

modelo deve-se aos pitagóricos. Sem dúvida uma das maiores contribuições dos

gregos primitivos foi o desenvolvimento desse método de raciocínio postulacional

(EVES, 2011, p. 115).

Em contrapartida, Roque (2012) pontua que para os Pitagóricos, os números surgiam

mais no contexto de jogos e não em uma teoria pura de natureza abstrata. Entretanto, merece

destaque o fato da aritmética Pitagórica ter exercido influência direta em inúmeros trabalhos

que surgiriam como, por exemplo, a Introdução à Aritmética, de Nicômaco de Gerasa e os

Elementos de Euclides (KHAN, 2001).

Nos Elementos de Euclides, também, pode-se encontrar aspectos da Geometria

Pitagórica. Merece destaque que a geometria ‗perdeu‘ a característica Pitagórica quando

Euclides formalizou os conteúdos nos Elementos. Corroborando a esta informação, Roque

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(2012) destaca que é preciso ter o cuidado de não inferir que o conhecimento sobre geometria

presente nos Elementos é semelhante ao desenvolvido pela seita.

Considerando a influência da Matemática Pitagórica na obra Elementos de Euclides, o

próximo tópico tratará da importância dessa obra de Euclides e como os Pitagóricos ajudaram

nessa construção.

7.1. A Herança Pitagórica Por Meio De Euclides

Os Elementos é uma obra que possivelmente foi escrita por Euclides. Ela apresenta

quase a totalidade das Matemáticas da Antiguidade Grega. Ela destaca-se pela estrutura, uma

vez que possui treze livros divididos em quatro grandes áreas do conhecimento, a saber:

Planimetria (Livros: I, II, II, IV, V e VI), Teoria dos Números (Livros: VII, VIII e IX),

Irracionais (Livro: X) e Esteriometria (Livros: XI, XII e XII) (WUSSING, 1998).

Essa obra, de acordo com Wussing (1998), se constituiu como um dos maiores êxitos

de todos os tempos. Corroborando a esta informação, Eves (2011) afirma que possivelmente

nenhum trabalho ―[...] exerceu influência maior no pensamento científico‖ (EVES, 2011, p.

167).

A seguir, no QUADRO 4, apresenta-se um resumo melhor sobre a estrutura e sobre os

conteúdos contidos em tal obra.

QUADRO 4 Elementos – Euclides: Contribuição Pitagórica

LIVRO ÁREA CONTEÚDO PROCEDÊNCIA

I

Livros de Planimetria

Do ponto até o

teorema de Pitágoras

Período Jônico,

principalmente

pitagórica

II Álgebra geométrica

III Teoria do círculo

IV Polígonos regulares e

circunscritos

V Extensão da teoria

das magnitudes aos

irracionais

Eudoxo

VI Proporções,

aplicação a

?

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planimetria

VII

Livros de Teoria dos Números

Teoria da

divisibilidade,

números primos

Pitagóricos VIII Números quadrados

e cúbicos, séries

geométricas

IX Teoria do par e do

impar

X

Irracionais

Classes de irracionais

quadráticos,

anexação de áreas

Teeteto

XI

Livros Estereométricos

Estereometria

Elemental

Período Jônico

XII Método da exaustão:

pirâmide, cone,

esfera

Eudoxo

XIII Poliedros regulares Teeteto

FONTE: Wussing (1998)

Com base nas informações apresentadas nesta figura, pode-se afirmar que sete dos

treze livros desta obra apresentam elementos da Matemática Pitagórica. Ainda, em seções

anteriores, algumas proposições já foram apresentadas, todavia, a seguir serão destacados

alguns pontos sobre 3 livros presentes nessa obra que apresentam conteúdos matemáticos com

possível origem Pitagórica.

LIVRO I:

As primeiras 26 tratam principalmente das propriedades do triângulo e incluem os

três teoremas de congruência. As proposições I 27 a I 32 estabelecem a teoria das

paralelas e provam que a soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois ângulos

retos. [...]. O material desse livro foi desenvolvido pelos pitagóricos antigos.

(EVES, 2011, p.169, grifo nosso).

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LIVRO II:

O Livro II, relativamente pequeno com suas 14 proposições, lida com

transformações de áreas e com a álgebra geométrica daescola pitagórica. É nele

que se encontram os equivalentes geométricos de muitas identidades algébricas. Na

Seção 3-6, por exemplo, mostramos como as proposições II 4, II 5 e II 6

estabelecem respectivamente as identidades (a + b)² = a² + 2ab + b², (a + b)(a — b)

= a² — b², 4ab + (a — b)² = (a + b).‖ (EVES, 2011, p.170, grifo nosso).

LIVRO VII:

O livro VII começa com o processo, hoje conhecido como algoritmo euclidiano,

para achar o máximo divisor comum de dois ou mais números inteiros e o usa para

verificar se dois inteiros são primos entre si [...]. Encontra-se nele também uma

exposição da teoria das proporções numérica ou pitagórica. Estabelecem-se ainda

nesse livro muitas propriedades numéricas básicas (EVES, 2011, p.173, grifo

nosso).

Com relação aos Elementos, Eves (2011) afirma que

Nenhum trabalho, exceto a Bíblia, foi tão largamente usado ou estudado [...]. Mais

de mil edições impressas dos Elementos já apareceram desde a primeira delas em

1482; por mais de dois milênios esse trabalho dominou o ensino de geometria

(EVES, 2011, p. 167,168).

Dessa forma, pode-se afirmar que as ideias desenvolvidas pelos Pitagóricos se

espalharam por todo o mundo por meio dessa obra de Euclides e, portanto, mesmo que

inconscientemente as pessoas tiveram/têm contato com algo produzido naquela seita.

Por fim, na seção seguinte serão apresentadas as considerações finais sobre este

trabalho.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se iniciou com um pensamento pronto sobre Pitágoras bem como sobre

suas contribuições para a Matemática, porém, quanto mais se pesquisou sobre seus trabalhos

mais se constatou que definir uma opinião é difícil e pode carregar concepções errôneas, uma

vez que existem distintas ideias sobre tal sábio da Antiguidade. Desse modo, as percepções

acerca de Pitágoras foram se reconstruindo conforme os estudos sobre sua escola, sua

Matemática e seu legado eram realizados.

Dessa forma, a primeira reconstrução sobre o perfil de Pitágoras partiu da indagação

de sua própria existência como pessoa, conforme apontado por Roque (2012). A partir desse

ponto, precisou-se analisar constantemente como incluir no trabalho opiniões diferentes de

diversos autores, sem fugir do objetivo central proposto. Assim, foi importante procurar

diversas referências para solidificar a argumentação sobre as características e a filosofia da

Escola Pitagórica, uma vez que os dados sobre tal seita advêm de escritos elaborados após a

morte de Pitágoras. Nesse sentido, a ideia de uma escola apenas para ensino de Matemática

foi sendo substituída por um conceito de escola que além de trabalhar com conteúdos

matemáticos, possuía caráter religioso, filosófico e partilhava igualmente seus pertences.

Nesse mesmo sentido, constatou-se já nos estudos sobre Teoria dos Números que os

autores traziam opiniões distintas. Averiguou-se que se os números amigáveis e perfeitos

podem ter sido estudados pelos Pitagóricos, mas os historiadores apontam mais possibilidades

nos estudos sobre números figurados (EVES, 2011). Além disso, outro assunto discutido foi a

veracidade do aparecimento das Triplas Pitagóricas na Grécia e também quais relações elas

possuíam com o Teorema de Pitágoras. Nessa parte do trabalho, tentou-se mostrar que as

triplas já eram conhecidas em outros lugares e também que o Teorema de Pitágoras pode ter

sido mais importante em um sentido algébrico e não geométrico, conforme exposto por Roque

(2012).

Após destacar que o Teorema de Pitágoras pode ter sido o primeiro indício da relação

Teoria dos Números – Geometria (STILLWELL, 2010), iniciou-se os estudos sobre essa

segunda área da relação. A ideia de que a Geometria era o centro da seita Pitagórica foi sendo

desconstruída aos poucos, uma vez que Wussing (1998) aponta que se sabe pouco sobre os

trabalhos dos Pitagóricos nessa área e Roque (2012) afirma que esse conteúdo poderia até

nem ser tão relevante (para os discípulos da seita) quanto a Teoria dos Números.

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De maneira semelhante, alguns autores trazem que foi a partir dos estudos na

Geometria que o ―problema‖ da Incomensurabilidade surgiu. Essa foi a parte do trabalho que

mais apresentou opiniões diferentes; o conceito de incomensurabilidade trouxe distintas

visões sobre sua descoberta e, principalmente, se tal estudo ocasionara problemas para a visão

de universo que os Pitagóricos possuíam. Ainda, mesmo sendo tratada como possível causa

do término da Escola Pitagórica, pouco se encontrou sobre como e o porquê de tal fim.

De maneira semelhante, ao se apresentar os conceitos da Música Pitagórica, foi

perceptível que certas partes também geram discussões interessantes. Mesmo que este

trabalho não tenha encontrado todas as informações buscadas, por exemplo, a notação musical

utilizada pelos Pitagóricos, deve-se ressaltar que a ideia do monocórdio ser um aparelho para

se medir intervalos e não para ser entendido como instrumento musical foi instigante para,

novamente, se constatar que muito ainda pode ser analisado sobre os estudos dos Pitagóricos.

Desse modo, o legado Pitagórico apresentado neste trabalho foi uma pequena parte

dos estudos realizados por tal sábio. Alguns autores consultados não oferecem tanta ênfase às

características dos costumes e da filosofia, uma vez que se prioriza o conteúdo matemático.

Além disso, fez-se necessário pontuar a importância do conteúdo matemático trabalhado na

seita Pitagórica, visto que uma considerável parte desse conteúdo está presente nos

Elementos.

Nesse sentido, a ideia de trazer os conteúdos matemáticos primeiro para

posteriormente apontar suas contribuições para o desenvolvimento da Matemática possibilitou

que o leitor pudesse ter suas concepções sobre o conhecimento dessa escola da Grécia Antiga.

Assim, com as informações expostas neste trabalho, é possível se questionar sobre o quão

influente é o trabalho dos Pitagóricos, uma vez que ainda é preciso se realizar pesquisas sobre

tal seita. Desse modo, tem-se que o legado Pitagórico torna-se incomensurável.

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APÊNDICE A – TEORIA DOS NÚMEROS

De acordo com Conway & Guy (1996, p. 39) apud Alves, Borges Neto, Maia

(2012), existe uma maneira de descrever os heptagonais, octogonais, entre outros:

Além disso, de acordo com Hindin (1978, p. 561) citado por Alves, Borges Neto,

Maia (2012), os números figurados podem ser encontrados por meio da relação

onde n ≥ 1 e r ≥ 3 descreve o n-ésimo número figurado de r lados.

TEOREMAS48

a) Todo número quadrado é a soma de dois números triangulares sucessivos (EVES, 2011).

Sabe-se que todo número triangular pode ser escrito como

Tn= 1 + 2 + ⋯+ n =1

2 n + 1 n

Sejam Tn-1 e Tn dois números triangulares. Consequentemente,

Tn − 1 + Tn = 1

2 n − 1 n +

1

2 n + 1 n =

1

2n 2n = n²

o que finaliza a demonstração.

48

As demonstrações são dos autores que aparecem em cada item, ou seja, Katz (2009) e Eves (2011).

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b) O enésimo número pentagonal é igual a n mais três vezes o (n—1)-ésimo número

triangular (EVES, 2011).

Seja Pn um número pentagonal e Tn-1 um número triangular. Assim,

n + 3Tn − 1 = n + 31

2 n − 1 n =

1

2n 3n − 1 = Pn

finalizando a prova.

c) Qualquer número ímpar pode ser escrito como diferença de quadrados consecutivos

(KATZ, 2009).

De fato, sejam n² e (n+1)² quadrados consecutivos, para n natural. Efetuando a diferença

obtém-se

(n+1)² - n² = n² + 2n + 1 – n² = 2n + 1, que é ímpar para todo n natural.

Como x = 2n + 1 consegue descrever todo número ímpar, o resultado segue.

d) Se um número ímpar é um quadrado, então se tem que existem três naturais tais que a soma

ao quadrado de dois deles resulta no quadrado do terceiro (KATZ, 2009).

De fato, seja m² um número quadrado e ímpar. Como esse número é ímpar e levando em

conta o item anterior (a),tem-se que existe n natural tal que

m² = 2n + 1 = (n+1)² - n²

m² + n² = (n+1)²

o que conclui a prova e esclarece a primeira TP.

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APÊNDICE B – MÚSICA

Levando em conta o Ciclo das Quintas, Pereira (2013) aponta que, fixando-se c como

comprimento arbitrário de uma corda, outras notas equivalentes podem ser encontradas:

Oitavas: 𝑐

2, 𝑐

4,...,

1

2 𝑛

.𝑐

2

Quintas: 2𝑐

3, 𝑐

3,...,

1

2 𝑛

.2𝑐

3

Quartas: 3𝑐

4,

3𝑐

8,...,

1

2 𝑛

.3𝑐

4

Como exemplo, começando por um Fá, ao se fazer o processo das quintas encontra-se

a sequência Fá-Dó-Sol-Ré-Lá-Mi-Si e, ao ser reorganizada, se obtém Dó-Ré-Mi-Fá-Sol-Lá-

Si-Dó; tal sequência recebe o nome de Gama Pitagórica (ABDOUNUR, 1999).