a epopeia de gilgamesh e a bíblia sagrada

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    INTRODUO

    Atualmente, os arquelogos e historiadores vivem uma busca constante para

    remontar a bblia separando o que histria do que so mitos e lendas.Nesta perspectiva, este trabalho optou por buscar uma relao entre a Bblia

    Sagrada (1200 a.C) e a Epopeia de Gilgamesh (2.700 a.C), a fim de verificar a

    possibilidade de ambos possurem semelhanas.

    Em razo de o tema ser muito extenso, esta pesquisa se restringir apenas

    em algumas comparaes acerca do Gnesis e, principalmente o texto que trata

    sobre a Arca de No.

    Por se tratar de uma comparao entre literaturas, o primeiro captulo

    apresentar o conceito da expresso Literatura Comparada, luz de Carvalhal

    (2006), Pageaux (20011) e Peterle (2011).

    No segundo captulo, fundamentado nas teorias de Chasles (1998), Vallery

    (1998), Eliot (1989) e Wellek (1994), sero tematizada as escolas literrias do

    sculo XIX, no intuito de compreender a influncia europeia diante de uma viso

    cosmopolita e a necessidade desta de ter contato com outras literaturas.

    Em relao intertextualidade presentes nos textos, o terceiro captulo far

    uma explanao sobre este termo e, consequentemente a relao dialgica

    existente entre os textos. Para tal, este captulo ser embasado nas teorias de

    Bakhtin (2003), Barthes (1974), Gouva (1974), Kristeva (1974) e Carvalhal (2006).

    Nesta perspectiva, as obras aqui a serem analisadas sero apresentadas no

    terceiro captulo, o qual, atravs de um breve relato sobre cada obra, visa levar o

    leitor para uma compreenso das mesmas, a fim de apresentar suas possveis

    semelhanas no captulo que o sucede.

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    1 Literatura Comparada

    Definir o que Literatura Comparada, no uma tarefa fcil, uma vez que

    no h uma unanimidade entre os estudiosos do comparativismo em relao a suametodologia, objetivos e o objeto de estudo. A dificuldade de definio tambm

    pelo fato de que esta disciplina muda constantemente, tanto no tempo quanto no

    espao, o que corrobora sua tendncia de ajustar-se aos mtodos crticos literrios

    em cena no sculo XX.

    Em relao dificuldade de definio da Literatura Comparada, Tnia

    Carvalhal explica que:

    [...] a dificuldade de chegarmos a um consenso sobre a natureza daliteratura comparada, seus objetivos e mtodos, cresce com leituras demanuais sobre o assunto, pois neles encontramos grande divergncia denoes de orientaes metodolgicas. Muitos fogem a essas questes.Outros do conta das tendncias tradicionalmente exploradas semproblematiz-las. Alguns tendem a uma conceituao generalizadora. E hainda os que preferem restringir a determinados aspectos o alcance dosestudos literrios comparados. (CARVALHAL, 2006, p.6)

    A Literatura Comparada parte dos estudos literrios responsveis por

    estabelecer relaes de interpretaes entre expresses artsticas de diferentes

    naes, bem como a linguagem empregada na obra, e/ou a traduo dela para

    outra rea artstica, podendo se manifestar por meio da msica, teatro, do cinema,

    da poesia, da prosa, influenciados pelo olhar de quem traduz ou de quem l. Por

    isso, a Literatura Comparada pode ser abordada pensando-se ou no em traduo,

    embora a mesma possa ser considerada um elo entre as literaturas existentes no

    mundo.

    A expresso Literatura Comparada tambm pode ser entendida sob outras

    formas. No olhar de Tnia Carvalhal, designa uma forma de investigao literria

    que confronta duas ou mais literaturas (CARVALHAL, 2006, p.6), j para Pageaux,

    Literatura Comparada

    a arte metdica, por meio da busca de laos de analogia, de parentesco ede influncia, de aproximar a literatura de outros domnios da expresso oudo conhecimento, ou ainda, os fatos e textos literrios, entre eles, distantesou prximos no tempo ou no espao, a condio que pertenam a diversaslnguas ou diversas culturas, ainda que faam parte da mesma tradio,com o objetivo de melhor conhec-los, compreend-los ou degust-

    los.(PAGEAUX apudMARINHO, 2011)

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    Percebe-se que a Literatura Comparada, sendo arte de execuo de um

    mtodo de anlise, permite encontrar algo comum em locais totalmente diversos, e

    construir significados a partir da observao de outras esferas de expresso

    humana. Dessa forma, os recortes culturais que se apresentam nos traos nicos

    ou universais das marcas humanas sobre as pessoas, sobre as edificaes ou

    sobre a natureza, no sentido de ao, reao ou ausncia de ao so tambm

    percebidos sob diferentes aspectos.

    Embora seja atualmente assim compreendida, a Literatura Comparada no

    foi sempre vista dessa forma abrangente. Ela originou-se na Frana para impor

    uma cultura dominante (PETERLE 2011), mas tambm, sob a interpretao de

    Tnia Franco Carvalhal, possua o objetivo de estabelecer apenas comparaoentre manifestaes semelhantes. Desta maneira ela expe seu pensamento:

    O surgimento da literatura comparada est vinculado corrente depensamento cosmopolita que caracterizou o sculo XIX, poca em quecomparar estruturas ou fenmenos anlogos, com a finalidade de extrairleis gerais, foi dominante nas cincias naturais. Entretanto, o adjetivo"comparado", derivado do latim comparativus, j era empregado na IdadeMdia. (CARVALHAL, 2006, p. 9).

    Apesar de ter despontado h milhares de anos, a Literatura Comparada

    surge como disciplina e de uma maneira sistematizada no sculo XIX, num contexto

    europeu. Ela visa estabelecer a influncia entre autores, servindo de instrumento

    para mostrar a fora de um pas sobre outro.

    Do sculo XIX at meados do sculo XX, o vocbulo que melhor define a

    Literatura Comparada influncia, pois ela representa uma ferramenta de afirmao

    de um pas e de culturas nacionais.

    1.1 As grandes escolas literrias

    O sculo XIX, diante de uma viso cosmopolita, influenciou vrios intelectuais

    europeus e os mesmos sentiram uma necessidade de ter contato com outras

    literaturas de outros pases. A Literatura Comparada foi inserida nas universidades

    francesas, a partir desse contexto, por Abel Villemain, Jean-Jacques Ampre e

    Philarte Chasles.

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    Neste contexto, Chasles (1998) define o que seria o comparativismo naquela

    poca:

    Deixe-nos avaliar a influncia de pensamento sobre pensamento, a

    maneira pela qual povos transformam-se mutuamente, o que cada umdeles deu e o que cada um deles recebeu; deixe-nos avaliar tambm oefeito deste perptuo intercmbio entre nacionalidades individuais. (CHASLES apud NITRINI, 1998, p. 20)

    Paul Van Tieghem foi o precursor da escola francesa, cuja metodologia

    baseia-se em trs elementos: o emissor (ponto de partida da passagem de

    influncia), o receptor (ponto de chegada) e o transmissor (intermedirio entre o

    emissor e o receptor). Essa tendncia mostrou-se muito contextualista uma vez que

    sua preocupao primordial no a estrutura interna do texto, e sim o contexto que

    o envolve.

    No incio do sculo XX, o poeta francs Paul Valry deu cara nova ao

    conceito de influncia literria, renovando as definies do comparativismo. Para

    ele, a dependncia entre autores se d como fonte de originalidade e no como

    imitao, sendo uma intruso do novo na criao. Valer-se- diretamente de sua

    formulao sobre a influncia para melhor compreend-la: ocorre que a obra de um

    recebe no ser do outro um valor totalmente singular, engendrando consequncias

    atuantes, impossveis de serem previstas e, com frequncia, impossveis de serem

    desvendadas.(VALLERYapudNITRINI, 1998, p. 132).

    Na Inglaterra, T. S. Eliot tambm refletiu sobre os conceitos de influncia e

    originalidade, gerando seu ensaio Tradio e talento individual e introduzindo

    conceitos que repercutiram nos estudos de Literatura Comparada. Segundo Eliot,

    tradio no reproduo, e sim uma representao dialtica que envolve um

    senso histrico que permeia pelo passado e presente:

    Nenhum poeta, nenhum artista, tem sua significao completa sozinho. Seusignificado e a apreciao que deles fazemos constituem a apreciao desua relao com os poetas e os artistas mortos. No se pode estim-lo emsi; preciso situ-lo, para contraste e comparao, entre os mortos.Entendo isso como um princpio de esttica, no apenas histrica, mas nosentido crtico. necessrio que ele seja harmnico, coeso, e nounilateral. (ELIOT, 1989, p. 39)

    Caminhando contra a concepo de influncia e a superioridade da literatura

    de pases da Europa Ocidental que esse vocbulo denotava, Etimble critica a

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    postura chauvinista e nacionalista da Literatura Comparada estabelecida pela

    escola francesa. Etimble defende uma tendncia anti-historicista e prope que dois

    mtodos tradicionalmente incompatveis - a investigao histrica e a reflexo crtica

    - sejam combinadas a fim de desenvolver uma potica comparada. Sua grande

    contribuio est na crtica que faz da hegemonia de pases como Frana e

    Inglaterra, garantindo igual importncia s pequenas literaturas, como a asitica,

    pois, para esse estudioso francs, qualquer literatura pode influenciar ou ser

    influenciada.

    Uma das pronunciaes mais importantes, feita contra a chamada escola

    francesa, foi a do tcheco radicado nos EUA, Ren Wellek, segundo o qual os

    antigos mestres como Van Tighem falharam por no estabelecer um objeto de

    estudo, uma metodologia especfica e por ficar preso a um factualismo, a um

    cientificismo e, a um relativismo histrico do sculo XIX.

    Nesta perspectiva, Wellek tambm critica a tentativa de Van Tieghem de

    distinguir a Literatura Comparada da Literatura Geral, pois

    a literatura comparada restringe-se ao estudo das inter-relaes entreduas literaturas, enquanto a literatura geral se preocupa com osmovimentos e estilos que abrangem vrias literaturas. Esta distino, semdvida, insustentvel e impraticvel. () Por que deveramos distinguir

    um estudo sobre a influncia de Byron em Heine de um estudo dobyronismo na Alemanha? A tentativa de restringir a literatura comparada aum estudo de comrcio exterior entre literaturas certamente infeliz. Aliteratura comparada seria, em seu objeto de estudo, um conjuntoincoerente de fragmentos no relacionados: uma rede de relaesconstantemente interrompidas e separadas dos conjuntos significativos. Ocomparatista, neste sentido limitado, s poderia estudar fontes einfluncias, causas e efeitos, e seria impedido, at mesmo, de investigaruma nica obra de arte em sua totalidade, uma vez que nenhuma obrapode ser inteiramente reduzida a influncias externas ou considerada umponto irradiador de influncia sobre pases estrangeiros apenas. (WELLEKapud CARVALHAL e COUTINHO, 1994,p. 109)

    Pode-se perceber que Wellek censura o estudo de fonte e influncia,

    propondo uma anlise centrada no texto, sem deixar de lado a relao entre texto e

    contexto, segundo ele um complemento fundamental. Influenciado pelo Formalismo

    Russo, pela Fenomenologia e pelo New Cristicism.

    Nota-se que ele no se apoia somente na postura imanentista dessas

    correntes, buscando um equilbrio entre a anlise crtica do texto, o que a ele est

    intrnseco e, o elemento histrico, o qual de maneira alguma pode prescindir aquele.

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    Henry H. H. Remak tambm contribuiu muito para a Literatura Comparada,

    definindo o que seria a escola americana. O conceito que props, frisando uma

    variedade de abordagem e interdisciplinaridade, no ajudou a estabelecer uma

    metodologia. No entanto, ele soube definir o objeto de trabalho, ampliando a

    definio de Literatura Comparada feita pela tradio francesa e frontalmente

    opondo-se a ela.

    Remak passou a considerar, alm do estudo comparado entre obras

    literrias, o estudo das relaes entre literatura e outras artes, como, por exemplo, a

    pintura, a filosofia e a histria. O que tambm cria um confronto entre os americanos

    e os franceses a abolio de mtodos rigorosamente histricos no novo continente

    e a admisso de estudos comparativos entre autores de uma mesma literatura

    nacional.

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    2 O DILOGO ENTRE OS TEXTOS - INTERTEXTUALIDADE

    Quando um texto j existente serve de subsdio para a construo de outro,

    ocorre a intertextualidade. A intertextualidade torna possvel a criao de um novotexto, de modo que ambos conversem entre si, contendo referncias de um texto

    dentro do outro.

    Para uma melhor explanao sobre a palavra intertextualidade, pode-se

    separ-la, inter refere-se noo de dentro e textualidade nos d a noo de

    contedo, sendo assim, intertextualidade tem o sentido de um texto dentro de outro.

    O conceito de intertextualidade foi construdo pela crtica literria Julia

    Kristeva, na dcada de 1960, a partir dos estudos realizados quarenta anos antes,

    por Tynianov e Bakhtin acerca do dialogismo. Ela fala que o discurso literrio

    dialoga com vrias escrituras. Kristeva aponta que intertextualidade seja a relao

    dialgica estabelecida entre os textos, o que pode ser confirmado por Bakhtin

    (2003), pois para o autor

    nosso discurso, isto , todos os nossos enunciados (inclusive as obrascriadas), pleno de palavras dos outros, de um grau vrio de alteridade oude assimibilidade, de um grau vrio de aperceptibilidade e de relevncia.Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expresso, o seu tomvalorativo que assimilamos, relaboramos e reacentuamos. (BAKHTIN,2003, p.295)

    Em meio a essas definies, Barthes (1974) destaca que intertextualidade

    a permutao de textos, onde vrios enunciados cruzam-se, relativizam-se,

    destroem-se no espao da significncia, estando presente em todo e qualquer texto,

    pois todo texto um intertexto:

    O texto redistribui a lngua. Umas das vias dessa reconstruo a de

    permutar textos, fragmentos de textos, que existiram ou existem ao redordo texto considerado, e, por fim, dentro dele mesmo, todo texto umintertexto, outros textos esto presentes nele, em nveis variveis, sobformas mais ou menos reconhecveis. (BARTHES apudKOCH, 1974, p.59)

    Neste contexto, Maria Aparecida Rocha Gouva (1974) diz que todo texto se

    constri como um mosaico de citaes, todo texto absoro e transformao de

    um outro texto. (GOUVA apud KRISTEVA, 1974, p.64).

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    Para a autora (1974) no existe texto original, puro. O texto sempre remete a

    outros textos, visto que.o escritor quando constri o seu texto, busca em sua

    memria enunciados que j tenha ouvido ou lido antes.

    Consoante citao acima percebe-se que o que diferenciar um texto do

    outro o acabamento, pois cada autor escrever com seu prprio estilo e com sua

    bagagem cultural, e assim construir um texto dando uma nova moldura algo

    que j foi dito anteriormente.

    Desta forma, Bakhtin (2003) entende que o sujeito pode criar suas prprias

    ideias atravs da fala de outro, com aquilo que lhe compartilhado e aprendido

    sobre o ponto de vista alheio, podendo refletir e organizar suas ideias.

    Logo, compreende-se por intertextualidade o trabalho constante de cada

    texto em relao aos outros, o enorme e contnuo dilogo entre as obras. Cada obra

    surge com uma nova voz (ou um novo conjunto de vozes), que far soar

    diferentemente as vozes anteriores, arrancando-lhes novas entonaes.

    Em relao Literatura Comparada, Kristeva (1974) afirma que havia no

    formalismo um carter construtivista (como foi construdo o texto?), os formalistas

    eram extremamente ortodoxos e tinham uma viso mecanicista do processo, porm

    no possamos esquecer que eles tinham uma base saussuriana e que seu

    problema maior foi no considerar e/ou analisar as relaes extra- textuais.

    Segundo Carvalhal (2006), a anlise comparativa no deve ser uma simples

    identificao, mais uma anlise profunda, chegando s interpretaes do que levou

    o autor a reescrever essas novas histrias.

    Essa uma atitude de crtica textual que passa a ser incorporada pelocomparativista, fazendo com que as analise em profundidade, chegando sinterpretaes dos motivos que geraram essas relaes. Dito de outromodo, o comparativista no se ocuparia a constatar que um texto resgata

    outro texto anterior, aproximando-se dele de alguma forma (passiva oucorrosivamente, prolongando-o ou destruindo), mas examinaria essasformas caracterizando os procedimentos efetuados. (CARVALHAL, 2006,p.52)

    Para tal, a autora acrescenta que:

    [...] vai ainda mais alm, ao perguntar por que determinado texto (ou vrios)so resgatados em dado momento por outra obra. Quais as razes quelevaram o autor mais recente a reler textos anteriores? Se o autor decidiureescrev-los, copi-los, enfim, relan-los no seu tempo, que novo sentidolhe atribui com esse deslocamento? (CARVALHAL, 2006, p.52)

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    De acordo com as acepes, percebe-se que com tantas indagaes, os

    estudos literrios no ficam somente direcionados s fontes e influncias,

    permitindo a abertura de um campo mais amplo de interesses s anlises.

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    3 SOBRE AS OBRAS

    3.1 Bblia Sagrada

    A tradio religiosa sempre sustentou que cada livro bblico foi escrito por um

    autor claramente identificvel. Os cinco primeiros livros do Antigo Testamento (que

    no judasmo se chamam Tore no catolicismo Pentateuco) teriam sido escritos pelo

    profeta Moiss por volta de 1200 a.C. Os Salmosseriam obra do rei Davi, o autor

    de Juzesseria o profeta Samuel, e assim por diante. Hoje a maioria dos estudiosos,

    atravs de comparaes literrias, acredita que os livros sagrados foram um

    trabalho coletivo, pois "A Bblia era uma obra aberta, com influncia de muitas

    culturas", afirma o especialista em histria antiga Anderson Zalewsky Vargas, da

    UFRGS.

    Em algum lugar do Oriente Mdio, uma pessoa decidiu escrever um livro.

    Pegou uma pena, nanquim e folhas de papiro (uma planta importada do Egito) e

    comeou a contar uma histria mgica, diferente de tudo o que j havia sido escrito.

    Era to forte, mas to forte, que virou uma obsesso. Durante os 1000 Anos

    seguintes, outras pessoas continuariam reescrevendo, rasurando e compilando

    aquele texto, que viria a se tornar o maior Best Sellerde todos os tempos - a Bblia.Durante sculos acreditou-se que Cana fora dominada pelos hebreus. Mas

    descobertas recentes da arqueologia revelam que, na maior parte do tempo, Cana

    no foi um Estado, mas uma terra sem fronteiras habitada por diversos povos - os

    hebreus eram apenas uma entre muitas tribos que andavam por ali. Por isso, sua

    cultura e seus escritos foram fortemente influenciadas por vizinhos como os

    cananeus, que viviam ali desde o ano 5.000 a.C. E eles no foram os nicos a

    influenciar as histrias do livro sagrado.Foi entre os sculos 10 e 9 a.C. que os escritores hebreus comearam a

    colocar essa sopa multicultural no papel. Isso aconteceu aps o reinado de Davi,

    que teria unificado as tribos hebraicas num pequeno e frgil reino por volta do ano

    1000 a.C.

    A primeira verso das Escrituras foi redigida na poca e corresponde a maior

    parte do que hoje so o Gnesise o xodo.

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    Ela apresentou uma teoria para o surgimento do homem, trouxe os

    fundamentos do judasmo e do cristianismo, influenciou o surgimento do isl, mudou

    a histria da arte - sem a Bblia, no existiriam os afrescos de Michelangelo nem os

    quadros de Leonardo da Vinci - e nos legou noes bsicas da vida moderna, como

    os direitos humanos e o livre-arbtrio.

    Mas quem escreveu, afinal, o livro mais importante que a humanidade j viu?

    Quem eram e o que pensavam essas pessoas? Como criaram o enredo, e quem

    ditou a voz e o estilo de Deus? O que est na Bbliadeve ser levado ao p da letra,

    o que at hoje provoca conflitos armados? A resposta tradicional voc j conhece:

    segundo a tradio judaico-crist, o autor da Bblia o prprio Todo Poderoso. E

    ponto final. Mas a verdade um pouco mais complexa que isso.

    A Prpria Igreja admite que a revelao divina s veio at ns por meio de

    mos humanas. A palavra do Senhor sagrada, mas foi escrita por reles mortais.

    Como no sobraram vestgios nem evidncias concretas da maioria deles, a chave

    para encontr-los est na prpria Bblia. Mas ela no um simples livro: Imagine as

    escrituras como uma biblioteca inteira, que guarda textos montados pelo tempo,

    pela histria e pela f. Alis, o termo "Bblia", que usamos no singular, vem do plural

    grego ta biblia ta hagia- "os livros sagrados".

    3.2 Epopeia de Gilgamesh

    Uma das lendas mais fantsticas dos povos sumrios e que mostram a

    riqueza de sua literatura foi a Epopeia de Gilgamesh. Possivelmente a obra literria

    mais antiga j produzida pelos seres humanos, ela composta por doze cantos com

    cerca de 300 versos cada um.

    A lenda conta a histria de Gilgamesh, rei sumrio e fundador da cidade

    de Uruk que governou a regio por volta do ano 2.700 a.C. Esta epopeia

    conhecida graas descoberta de uma placa de argila escrita em caracteres

    cuneiformes em runas da regio mesopotmica, sendo traduzida por volta de 1890

    d.C.

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    A trajetria de Gilgamesh o mostra como um grande conhecedor das coisas

    do mundo, inclusive de sua origem e de coisas existentes nas profundezas dos

    mares. Mas o rei Gilgamesh era desptico e dentre as vrias obrigaes que

    impunha a seu povo encontrava-se a construo de uma gigantesca muralha

    fortificada ao longo da cidade de Uruk.

    O povo amedrontado com o trabalho imensamente fatigante clamou pela

    ajuda da deusa Ishtar, que os ouviu e enviou Enkidu. Este, que era protegido da

    deusa e vivia nas florestas de cedros, deveria desafiar e vencer Gilgamesh em um

    duelo, matando-o em seguida.

    Ao chegar ao palcio do rei, iniciou o combate. Entretanto, no houve

    vitoriosos, sendo que Gilgamesh e Enkidu se tornaram amigos. A amizade os levou

    a diversas aventuras, destruindo monstros e harmonizando o mundo.

    Porm, Ishtar sentiu cimes da amizade e tentou seduzir Gilgamesh que,

    sabendo que aquele que amasse a deusa morreria, no aceitou ser seu amante. A

    deusa com muita ira pela recusa decidiu matar o amigo de Gilgamesh, Enkidu,

    infligindo a ele uma doena que o deixou agonizando por doze dias antes de morrer.

    Com a perda do amigo, Gilgamesh resolveu ir atrs de novas aventuras, o

    que o levou a encontrar Utnapishtim, um homem imortal que revelou um triste

    mistrio dos deuses: em tempos remotos os deuses haviam decidido submergir a

    terra de Shuruppak, mas que ele, pela sua devoo, havia recebido ordens de

    construir uma arca no meio do deserto e abrigar seus familiares, amigos e os

    quadrpedes e aves de sua escolha. Utnapishtim assim o fez e, depois de seis dias

    e seis noites, salvou as pessoas e os animais, conseguindo em troca a imortalidade.

    Esse trecho da Epopeia de Gilgamesh um dos mais conhecidos e

    influenciou vrias lendas na Antiguidade oriental, inclusive a lenda bblica do dilvio

    hebreu, famosa pela arca de No. Sendo a produo da Epopeia de Gilgameshanterior histria bblica, pode-se perceber a influncia que a cultura

    sumria exerceu sobre os povos da Mesopotmia e do Oriente Mdio.

    Gilgamesh ainda tentou conseguir a imortalidade, chegando inclusive a

    descer ao fundo do mar em busca de uma planta que seria capaz de evitar sua

    morte. Mas o rei perdeu a planta no caminho e, com medo da morte, j em sua

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    cidade Uruk, evocou seu amigo Enkidu, que lhe contou sobre a vida no mundo das

    trevas.

    Considerada a mais antiga obra literria da humanidade, a Epopeia de

    Gilgamesh na sua forma tardia (sculo VII a.C) como difundida no Ocidente

    (TIGAY citado por ZILBERMAN (1998, p. 58), no foge regra das obras de origens

    mesopotmicas: um compilado de lendas e poemas, cuja origem e veracidade

    perdem-se na difuso oral, adaptao cultural e textos fragmentados.

    Atualmente a Epopeia de Gilgamesh no se encontra totalmente traduzida

    devido ao fato de que as tabuletas que a compem foram encontradas

    fragmentadas. Sendo assim, nas dezenas de tradues feitas, os tradutores

    procuraram juntar citaes e passagens de outras verses em outros idiomas para

    compensar a falha que havia.

    As narrativas contidas na epopeia deviam ser muito populares em sua poca,

    pois so encontradas em vrias verses escritas por vrios povos e lnguas

    diferentes, sendo que as primeiras verses da mesma, datam do Perodo Babilnico

    Antigo (2000-1600 a.C), podendo ter surgido muito antes, pois o heri desta epopeia

    o lendrio rei sumrio Gilgamesh, quinto rei da primeira dinastia ps-diluviana de

    Uruk, que teria vivido no perodo protodinstico II (2750-2600 a.C.).

    Devido sua antiguidade e originalidade, muito se especula sobre a

    influncia desta sobre textos mais difundidos e conhecidos pela humanidade, como

    os poemas picos gregos Ilada e Odisseia de Homero, escritos entre VIII e VII a.C.

    Todavia, a polmica maior quando se comparados s narrativas do

    Pentateuco, a parte mais antiga do Velho Testamento, datadas do Primeiro Milnio

    a.C..

    No caso desta ltima, o que legitima-nos a observar as influncias, alm de

    semelhanas impressionantes, o prprio contexto histrico e geogrfico. Contextoeste em que a origem dos hebreus e das grandes civilizaes semitas so

    mescladas com a prpria histria do povo sumrio.

    Histricos perodos de cativeiro, onde a aculturao era, alm de inevitvel

    pelas circunstncias de sobrevivncia, uma forma de dominao ideolgica:

    O povo dominado era absorvido pelos nativos ao serem levados, havia adestruio total da nacionalidade, do culto, das instituies, nada ficandoque pudesse ser lembrado a fim de que jamais algum se encorajasse a

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    agir em favor de uma reconstruo. Todo o elemento que representassequalquer valor moral ou intelectual era desterrado e em seu lugar era postooutro povo trazido de outras regies.(LOPES, 200-, p. 2).

    Pode se considerar suas lendas como o primeiro repositrio das recordaes

    histricas dos povos do oriente antigo, onde cada cultura apropriou-se de um mitoconforme a sua tica se transformaram, se esquematizaram, se reagruparam,

    mudaram eventualmente de pas, se ampliaram, s vezes, desmedidamente

    (GRELOT, 1980, p. 13).

    Neste contexto, os israelitas inovaram ao excluir todo um panteo,

    centralizando sua f num deus nico, propondo uma desmitizao do universo

    transformando as foras csmicas ao que de fato so. A situao do homem diante

    de Deus modifica-se totalmente, embora, na prtica, a adaptao da mentalidadecorrente dos israelitas a essa mudana radical se tenha processado lentamente e

    com dificuldade (GRELOT, 1980, p. 15), mantendo grande parte do antigo modo de

    expressar religioso herdado dos sumrios e acdios.

    Desta forma, percebe-se que Israel comea a escrever sua prpria histria,

    ora compilando fatos de seu prprio povo em grandiosas lendas, ora adaptando

    mitos antigos sua realidade e aos seus propsitos. As histrias contidas na parte

    hebraica da bblia, embora difceis de serem datadas pelos anacronismos que ali

    apresentam, foram compiladas e ordenadas principalmente, no tempo do rei Josias

    (640-609 a.C.), para oferecer uma legitimao ideolgica para ambies polticas e

    reformas religiosas especficas.(FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2001, p. 14).

    Nesta perspectiva, a epopeia em questo se tornou famosa no mundo pela

    sua antiguidade e pela semelhana com a lenda do dilvio bblico hebreu.

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    4 SEMELHANAS ENTRE AS OBRAS

    Atravs dos vrios textos contidos na Bblia, incompletos devido ao estado de

    conservao, pode se extrair muito da filosofia e da mitologia mesopotmicas, ondepodemos observar que

    o Oriente antigo, antes da Bblia, e mesmo abstraindo-se dela, nodesconhecia a reflexo sobre o homem. () As questes fundamentais daexistncia, da felicidade e da infelicidade, da relao com as potnciascsmicas e com o domnio misterioso dos deuses, do sentido da vida e dasincertezas do destino, j tinham neles um lugar de grande importncia(GRELOT, 1980, p. 13).

    Nesta perspectiva, nota-se um universo de descobertas, onde os sumrios e

    os acadianos revelam-se fornecedores de costumes, rituais e modelos literrios a

    todos os povos do Oriente Mdio.

    As semelhanas narrativas encontradas entre A Epopeia de Gilgamesh e o

    Livro do Gnesis iniciam-se logo nos primeiros versculos da bblia, ou seja, na

    criao do homem.

    O povo de Uruk, descontente com a arrogncia e luxria do rei Gilgamesh,

    exige dos seus deuses a criao de um homem que fosse o reflexo do rei, e to

    poderoso quanto ele para que pudesse enfrent-lo e redimi-lo. O deus Anu, ouvindoo lamento da populao, ordenou a Aruru, deusa da criao, que fizesse Enkidu:

    EpopeiaA deusa ento concebeu em sua mente uma imagem cuja essncia era amesma de Anu, o deus do firmamento (rei de Nibiru). Ela mergulhou asmos na gua e tomou um pedao de barro; ela o deixou cair na selva, eassim foi criado o nobre Enkidu (SANDARS, 1992, p. 94).

    BbliaFaamos o homem nossa imagem, conforme a nossa semelhana(GENESIS, cap. 1, ver. 26) [...] Ento formou o Senhor Deus ao homem dop da terra, e lhe soprou nas narinas o flego de vida, e o homem passou aser alma vivente (GENESIS, cap. 2, ver. 7).

    Enkidu foi criado inocente, longe da malcia da civilizao, vivendo entre as

    criaturas selvagens e compartilhando a natureza com elas:

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    EpopeiaEle era inocente a respeito do homem e nada conhecia do cultivo da terra.Enkidu comia grama nas colinas junto com as gazelas e rondava os poosde gua com os animais da floresta; junto com os rebanhos de animais decaa, ele se alegrava com a gua (SANDARS, 1992, p. 94).

    BbliaEis que vos tenho dado todas as ervas que do semente e se acham nasuperfcie de toda a terra, e todas as rvores em que h fruto que dsemente; isso vos ser para mantimento. E a todos os animais da terra e atodas as aves dos cus e a todos os rpteis da terra, em que h flego devida, toda erva verde lhes ser para mantimento.(GENESIS, cap. 1, ver.29-30).

    O rei Gilgamesh, sabendo da existncia de Enkidu, incumbe uma misso a

    uma das prostitutas sagradas do templo da deusa Ishtar (deusa do amor e da

    fertilidade): seduzir Enkidu e traz-lo para dentro das muralhas de Uruk. Enkidudeixou-se seduzir pela rameira e perdeu sua inocncia, alm de seu poder

    selvagem, tornando-se conhecedor da malcia do homem. Arrependido, lamenta-se,

    mas a rameira consola-o enfatizando as vantagens desta nova vida que est por vir:

    Epopeia

    Enkidu perdera sua fora pois agora tinha o conhecimento dentro de si, eos pensamentos do homem ocupavam seu corao. [...] Olho para ti e vejo

    que agora s como um deus. Por que anseias por voltar a correr peloscampos como as feras do mato? (SANDARS, 1992, p. 96.99).

    BbliaMas do fruto da rvore que est no meio do jardim, disse Deus: Nocomereis dele, nem nele tocareis para que no morrais.Ento a serpente disse mulher: Certamente no morrereis.Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abriro os vossosolhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal (GENESIS, cap. 3, ver.3-4-5)

    Nesta comparao com a tentao no den, no possvel a identificao

    diretamente os fatos, mas sim, das ideias. A prostituta sagrada, condenada tambm

    em outros livros da bblia, pode ser compilada como o fruto proibido, a serpente e a

    prpria Eva, com o poder de seduzir o homem e tirar sua inocncia com falsas

    promessas.

    Enkidu, j na cidade de Uruk, enfrenta o rei Gilgamesh em combate.

    Vencendo-o, reconhecido pelo rei como irmo, pois este jamais havia enfrentado

    algum com tamanha fora. Formando-se ento uma grande amizade que

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    protagoniza grandes aventuras e tragdias ao longo da epopeia. Gilgamesh e

    Enkidu partiram ento para a floresta de cedros (provavelmente, o atual Lbano),

    onde enfrentaram o monstro Humbaba, a sentinela da floresta.

    Este se irrita com Enkidu, por profanar a floresta sagrada dos cedros

    inferiorizando-o e humilhando-o com palavras semelhantes s palavras de Deus, ao

    condenar o homem por comer do fruto proibido. Novamente no se v relao direta

    entre os fatos, mas uma linha comum de pensamento verificada entre os textos

    onde, a profanao e a desobedincia so punidas com a servido, visto que, na

    epopeia observa-se o seguinte trecho: tu, um mercenrio, que depende do

    trabalho para obter teu po! (SANDARS, 1992, p. 119), enquanto a bblia diz que

    [...] maldita a terra por tua causa: em fadigas obters dela o sustento durante

    os dias da tua vida [...] No suor do teu rosto comers o teu po, at que tornes

    terra, pois dela foste formado.(GENESIS, cap. 3, ver. 19-16).

    Os heris, com a ajuda de Shamash (deus sol, protetor de Gilgamesh),

    matam o monstro Humbaba cortando-lhe a cabea. Fato que irritou o

    poderoso Enlil (deus da terra, do vento e do ar universal), que exigiu a vida de um

    dos heris pelo insulto.

    Alm dessas semelhanas entre as narrativas, pode-se destacar outras que,

    que mostram semelhanas entre Utnapshitim e No, alm dos acontecimentos do

    dilvio:

    Utnapshitim para os babilnios, ou Ziusudra para os sumrios, fora o homem

    escolhido pelos deuses para salvar a humanidade da fria do dilvio,

    Epopeia

    Naqueles dias a terra fervilhava, os homens multiplicavam-se e o mundobramia como um touro selvagem. Este tumulto despertou o grande deus.Enlil ouviu o alvoroo e disse aos deuses reunidos em conselho: 'Oalvoroo dos humanos intolervel, e o sono j no mais possvel porcausa da balbrdia.' Os deuses ento concordaram em exterminar a raahumana. (OLIVEIRA, 2001, p. 100).

    Bblia

    Deus vendo que era grande a malcia dos homens sobre a terra e quetodos os pensamentos do seu corao estavam continuamente aplicados

    ao mal, 'arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra. E tocado de

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    ntima dor de corao, disse: "Exterminarei da face da terra o homem quecriei, desde o homem at aos animais, desde os rpteis at s aves do cu.(Gnesis 6: 5-6).

    Epopeia

    Oh, homem de Shurrupak, filho de Ubara-Tutu, pe abaixo tua casa econstri um barco. Abandona tuas posses e busca tua vida preservar;despreza os bens materiais e busca tua alma salvar. Pe abaixo tua casa,eu te digo, e constri um barco. [...] Eis as medidas da embarcao quedeveras construir: que a boca extrema da nave tenha o mesmo tamanhoque seu comprimento, que seu convs seja coberto, tal como a abbadaceleste cobre o abismo; leva ento para o barco a semente de todas ascriaturas vivas. (OLIVEIRA, 2001, p. 100-101).

    Bblia

    disse a No: O fim de toda a carne chegou diante de mim; a terra, por suasobras, est cheia de iniquidade e eu os exterminarei com a terra. "Fazeuma arca de madeiras aplainadas; fars na arca uns pequenos quartos, ecalafet-la-s com betume por dentro e por fora. "E hs de faz-la doseguinte modo: o comprimento da arca ser de trezentos cvados, alargura de cinquenta cvados, e a altura de trinta cvados". (Gnesis 6: 5-6).

    Epopeia

    Foi com muita dificuldade ento que a embarcao foi lanada gua; olastro do barco foi deslocado para cima e para baixo at a submerso de

    dois teros de seu corpo. Eu carreguei o interior da nave com tudo o que eutinha de ouro e de coisas vivas: minha famlia, meus parentes, os animaisdo campo os domesticados e os selvagens e todos os artesos.(OLIVEIRA, 2001, p. 102).

    Bblia

    Mas contigo estabelecerei a minha aliana; e entrars na arca tu e teusfilhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo. "E, de cada espciede todos os animais, fars entrar na arca dois, macho e fmea, para quevivam contigo. (Gnesis 6: 6-8).

    Epopeia

    Por seis dias e seis noites os ventos sopraram; enxurradas, inundaes etorrentes assolaram o mundo; a tempestade e o dilvio explodiam em friacomo dois exrcitos em guerra. Na alvorada do stimo dia o temporal vindodo sul amainou; os mares se acalmaram, o dilvio serenou. Eu olhei a facedo mundo e o silncio imperava; toda a humanidade havia virado argila. Asuperfcie do mar se estendia plana como um telhado. Eu abri umajanelinha e a luz bateu em meu rosto. Eu ento me curvei, sentei e chorei.As lgrimas rolavam pois estvamos cercados por uma imensidade de

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    gua. Procurei em vo por um pedao de terra. (OLIVEIRA, 2001, p. 103).

    Bblia

    E, passado sete dias, caram sobre a terra as guas do dilvio. No anoseiscentos de vida de No, no segundo ms, aos dezessete do msromperam-se todas as fontes do grande abismo, e abriram-se as cataratasdo cu. [...] E caiu chuva sobre a terra durante quarenta dias e quarentanoites. [...] E veio o dilvio sobre a terra durante quarenta dias; e as guascresceram, e elevaram a arca muito alto por cima da terra. Inundaram tudocom violncia, e cobriram tudo na superfcie da terra. [...] Toda a carne quese movia sobre a terra foi consumida; as aves, os animais, as feras, e todosos rpteis que andam de rastos sobre a terra, e todos os homens".(Gnesis 7: 6-8).

    Epopeia

    A quatorze lguas de distncia, porm, surgiu uma montanha, e ali o barcoencalhou. Na montanha de Nisir o barco ficou preso; ficou preso e no maisse moveu. [...] Na alvorada do stimo dia eu soltei uma pomba e deixei quese fosse. Ela voou para longe, mas, no encontrando um lugar para pousar,retornou. Ento soltei uma andorinha, que voou para longe; mas, noencontrando um lugar para pousar, retornou. Ento soltei um corvo. A aveviu que as guas haviam abaixado; ela comeu, voou de um lado para ooutro, grasnou e no mais voltou para o barco". (OLIVEIRA, 2001, p. 103).

    Bblia

    E tendo-se passado quarenta dias, abriu No a janela, que tinha feito naarca e soltou um corvo, o qual saiu e no tornou mais, at que as guassecaram sobre a terra. "Mandou tambm uma pomba depois dele, para verse as guas teriam j cessado de cobrir a face da terra. "E ela noencontrando onde pousar seu p, tornou a vir a ele para a arca. [...] Depoisde ter esperado outros sete dias, novamente deitou a pomba fora da arca.E ela voltou a ele pela tarde, trazendo no bico um ramo de oliveira, com asfolhas verdes. Entendo pois No que as guas tinham cessado sobre aterra. (Gnesis 8: 8-9).

    Epopeia

    Eu ento abri todas as portas e janelas, expondo a nave aos quatro ventos.Preparei um sacrifcio e derramei vinho sobre o topo da montanha emoferenda aos deuses. Coloquei quatorze caldeires sobre seus suportes ejuntei madeira, bambu, cedro e murta. Quando os deuses sentiram o docecheiro que dali emanava, eles se juntaram como moscas sobre o sacrifcio.(Oliveira, 2001, p. 104).

    Bblia

    Ento saiu No, e seus filhos, e sua mulher, e as mulheres de seus filhos

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    com ele. Todo o animal, todo o rptil, e toda a ave, e tudo o que se movesobre a terra, conforme as suas famlias, saiu para fora da arca. E edificouNo um altar ao Senhor; e tomou de todo o animal limpo e de toda a avelimpa, e ofereceu holocausto sobre o altar. (Gnesis 8: 18-20).

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    CONSIDERAES FINAIS

    Em meio a estudos comparatistas, verificou-se que as histrias da Bblia

    derivam de lendas surgidas na chamada Terra de Cana, que hoje corresponde aLbano, Palestina, Israel e pedaos da Jordnia, do Egito e da Sria.

    Para os especialistas, a violncia doAntigo Testamento fruto dos sculos

    de guerra com os assrios e os babilnios. Os autores do livro sagrado foram

    influenciados por essa atmosfera de dio, e da surgiu as histrias em que Deus se

    mostra bastante violento e at cruel. Os redatores da Bblia estavam extravasando

    sua angstia.

    As razes da rvore bblica remontam aos sumrios, antigos habitantes do

    atual Iraque, que no 3 milnio a.C. escreveram a Epopia de Gilgamesh.

    Notou-se, nesta pesquisa, vrias semelhanas entre a Epopeia de

    Gilgamesh e a Bblia Sagrada, principalmente em relao aos textos que tratam

    sobre o dilvio,

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    REFERNCIAS

    Annimo. A Epopeia de Gilgamseh. Traduo de: Carlos Daudt de Oliveira. SoPaulo, Martins Fontes, 2a edio, 2001.

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    CARVALHAL, Tania Franco e COUTINHO, Eduardo de Faria. Literaturacomparada: textos fundadores.Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

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    ELIOT, T.S. Ensaios.So Paulo: Art Editora, 1989

    GOUVA, Maria Aparecida Rocha. O princpio da intertextualidade como fatorde textualidade. Caderno Uni9FOAAno IIn 4, agosto, 2007.p.57-63

    KOCH, Ingedore G. V. O texto e a construo dos sentidos. 7. ed. So Paulo.Contexto, 2003.

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    CONTENEAU, Georges. A civilizao de Assur e Babilnia. Rio de Janeiro, Ferni,1979.

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    WERNER, Keller. E a Bblia tinha razo. So Paulo, Circulo do Livro S. A, 1978.(Captulo 4: Narrativa de inundao na antiga Babilnia).

    NITRINI, Sandra. Literatura Comparada: Histria, Teoria e Crtica. So Paulo:EDUSP, 1998

    PAGEAUX,Daniel-Henri. Elementos para uma Teoria Literria: imagologia,imaginrio, polissistemas. In: MARINHO, Marcelo; SILVA, Denise Almeida;UMBACH, Rosani Ketzer (Orgs.). Musas na encruzilhada: ensaios de LiteraturaComparada. So Paulo: Hucitec, 2011.

    PETERLE, Patrcia. Questes de Literatura Comparada e Traduo. 2011. 10f.Notas de aula

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    ANEXO

    FRAGMENTOS DA EPOPEIA DE GILGAMESHFonte: http://cdeassis.wordpress.com/page/2/