a entrevista de investigação

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A entrevista de investigação Objectivos de aprendizagem Quando tiver terminado o estudo deste capítulo, deverá ser capaz de: z Descrever as diferenças entre a entrevista comum e a entrevista de investigação em termos de abordagem, estratégias e técnicas para formulação de perguntas z Compreender os factores que podem tornar as relações durante uma entrevista antagónicas e como lidar com essas situações z Identificar e empregar técnicas apropriadas para lidar com ludíbrio e manipulação da verdade durante as entrevistas z Identificar e empregar técnicas apropriadas para lidar com trauma, relutância e medo durante as entrevistas z Discutir os riscos que os jornalistas enfrentam quando realizam entrevistas investigativas e as tácticas a serem usadas para lidar com a questão z Fazer uma lista das convenções que regem a entrevista de investigação e discutir a utilidade dessas convenções. Este capítulo apresenta, também, um ‘mapa’ dos capítulos que se seguem, e oferece alguns dos instrumentos e terminologia que será usada em todo o livro. Se quiser rever os aspectos básicos sobre o planeamento da reportagem e sobre como lidar com as fontes antes de se lançar nestes outros tópicos, recomendamos-lhe que leia, ou releia, os Capítulos 3 e 4. Recomendamos vivamente que leia o presente capítulo juntamente com o Capítulo 8 que trata dos principais aspectos jurídicos e deontológicos. z Para obter orientações sobre ferramentas de investigação úteis no planeamento de entrevistas, ou para confirmar informação, consulte o Capítulo 6. z Para obter orientações sobre como incluir os resultados da entrevista na notícia ou reportagem, consulte o Capítulo 7.

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entrevista psicológica; carl rogers

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  • A entrevista de investigao

    Objectivos de aprendizagemQuando tiver terminado o estudo deste captulo, dever ser capaz de:zz Descrever as diferenas entre a entrevista comum e a entrevista de investigao em termos de

    abordagem, estratgias e tcnicas para formulao de perguntaszz Compreender os factores que podem tornar as relaes durante uma entrevista antagnicas e como

    lidar com essas situaeszz Identificar e empregar tcnicas apropriadas para lidar com ludbrio e manipulao da verdade

    durante as entrevistaszz Identificar e empregar tcnicas apropriadas para lidar com trauma, relutncia e medo durante as

    entrevistaszz Discutir os riscos que os jornalistas enfrentam quando realizam entrevistas investigativas e as

    tcticas a serem usadas para lidar com a questozz Fazer uma lista das convenes que regem a entrevista de investigao e discutir a utilidade dessas

    convenes.

    Este captulo apresenta, tambm, um mapa dos captulos que se seguem, e oferece alguns dos instrumentos e terminologia que ser usada em todo o livro. Se quiser rever os aspectos bsicos sobre o planeamento da reportagem e sobre como lidar com as fontes antes de se lanar nestes outros tpicos, recomendamos-lhe que leia, ou releia, os Captulos 3 e 4.

    Recomendamos vivamente que leia o presente captulo juntamente com o Captulo 8 que trata dos principais aspectos jurdicos e deontolgicos.zz Para obter orientaes sobre ferramentas de investigao teis no planeamento de entrevistas, ou

    para confirmar informao, consulte o Captulo 6.zz Para obter orientaes sobre como incluir os resultados da entrevista na notcia ou reportagem,

    consulte o Captulo 7.

  • 5-2A entrevista de investigao

    Gideon Rufaro tinha acabado de ingressar na equipa de investigao de um semanrio de um pas da frica Central. A revista estava a investigar a questo de processos de licitao corruptos para a substituio da frota de veculos do governo. Alegava-se que o vendedor de carros envolvido tinha conseguido o contrato sem sequer ter concorrido, e que os preos eram muito inflacionados. Gideon tinha sido incumbido de entrevistar o ministro de servios pblicos, cujo departamento era responsvel pelos contratos e concursos pblicos. Tinha ouvido rumores de vrias fontes e nmeros bastante especficos relativamente aos preos excessivos dos carros. Segue-se a entrevista:

    Gideon: Bom dia, Sr. Ministro. Muito obrigado por ter aceitado receber-me. O Sr. Ministro disse televiso estatal que no houve nada de incorrecto no contrato atribudo Sirdar Motors para substituio da frota de veculos do governo. No entanto, fontes nossas dizem-nos que o Sr. Ministro avaliou apenas a licitao da Sirdar, muito embora os preos por ela cotados fossem muito altos. Gostaria de comentar?

    Ministro: Quem so essas fontes? Nomeie uma!

    Gideon: Como deve compreender, no podemos revelar o nome das nossas fontes. Mas eu vi, pessoalmente, nalguns stands, a limusina oficial que o senhor vai comprar a preos 30% abaixo dos preos que a Sirdar est a cobrar pelo veculo

    Ministro: Se est a insinuar que estou a mentir, no vale a pena continuarmos com a entrevista. Os veculos do governo tm vrios extras por motivos de segurana, como sabe. Mas diga-me uma coisa, o que que o seu jornal pensa que est a fazer, a enviar um rapazinho para entrevistar uma pessoa da minha posio?

    Gideon: Sr. Ministro! No sei se sabe que fiz um mestrado em jornalismo pela Universidade de Columbia.

    Ministro: Ora a est! Um lacaio do imperialismo americano! No admira que me esteja a tentar apanhar!

    Gideon: Voltando ao assunto desta entrevista Poderia dizer-me se o governo vai, pelo menos, investigar as alegaes? Os processos de concurso estipulados pelo governo exigem que se considerem trs licitaes. Face a isto, como que pode tomar esta deciso sem ter aberto um concurso pblico?

    Ministro: Posso garantir-lhe que no nos deixamos influenciar por boatos maliciosos. Todos os passos do processo foram seguidos letra.

    Gideon: Nesse caso, quem ...

    Ministro: No me interrompa. Quanto mais no seja, tenha um mnimo de modos, seu abutre!

    Gideon: Ministro, o senhor, a mim, no est a mostrar o mnimo de cortesia aceitvel...

    Ministro: Como se atreve! Em todo o caso, deveriam t-lo informado que s tnhamos cinco minutos e os cinco minutos j passaram. O meu tempo precioso demais para ser desperdiado com este tipo de disparates. (O Ministro toca a campainha) A minha secretria ir acompanh-lo.

    Gideon: Mas Ministro...!

    zz Pobre Gideon. No teve grande sucesso com esta entrevista e sabe que o redactor vai ficar aborrecido. zz Ser que ele poderia ter agido de uma forma diferente e melhor?

    No fim do captulo voltaremos a examinar esta entrevista.

  • 5-3A entrevista de investigao

    Princpios bsicos

    As entrevistas, como todos os actos de comunicao, so processos de duas vias. Os resultados dependem tanto do entrevistador como do entrevistado. Inclumos aqui alguns pontos gerais sobre como conduzir uma entrevista, mas se relativamente inexperiente neste aspecto do seu trabalho de jornalista, ou se precisa de fazer uma reviso sobre o tema, recomendamos que consulte os captulos dedicados s tcnicas de entrevista num livro de introduo ao jornalismo.

    Uma boa entrevista soa como uma conversa, embora no o seja. Tudo o que o jornalista faz ou diz faz parte de uma estratgia planeada para obter as respostas de que precisa.

    Vale a pena dedicar tempo, mesmo quando no est a trabalhar num projecto, para desenvolver os seguintes aspectos:zz Estabelecer redes de contacto com pessoas que encontre em seminrios, reunies ou conferncias a que tenha assistido. Se o

    carto-de-visita da pessoa no indica claramente a sua rea de especializao, escreva-a no verso do carto.zz Organizar bem o seu livro de contactos. Quer este seja electrnico, quer em papel, uma salgalhada de nomes exige que leia toda

    a lista de cada vez que precisa de localizar uma pessoa. A organizao alfabtica apropriada se a sua memria lhe permite lembrar-se dos apelidos de todos os seus contactos (a maior parte das pessoas no se lembra). Uma sugesto organizar os contactos por ordem alfabtica dentro de diferentes tpicos (ex.: Educao, Ambiente, Sade, Governo) porque isto simplificar as buscas.

    zz Registe e arquive os contactos assim que os receber, e de vez em quando leia as suas listas ou os ficheiros com os cartes-de-visita para os limpar de contactos que se tornaram irrelevantes. Quanto maior a pilha de cartes no arquivados, tanto mais trabalho ter em os organizar e mais difcil ser faz-lo.

    zz Os contactos profissionais (j falmos sobre isto noutros captulos) para garantir um relacionamento bom e dinmico.

    Lembre-se o seu livro de contactos tambm muito til para as redaces rivais e para os servios de segurana. Por isso, guarde-o num lugar seguro e mantenha-o confidencial e tenha bem presente que alguns nomes s podem ser anotados na sua memria.

    Esteja preparado a investigao crucial. Por vezes, com eventos imediatos, h pouco tempo para investigar a notcia, mas isto nunca deve acontecer com uma reportagem de investigao importante. Antes da entrevista, investigue a pessoa, a questo e o contexto; poder ter apenas uma oportunidade para entrevistar o indivduo e no vai querer omitir ngulos importantes. Tente recolher tantos documentos primrios quanto possvel antes de realizar uma entrevista-chave. Saber exactamente o que quer perguntar e, se a pessoa que est a entrevistar trabalhar para a instituio onde obteve os documentos (e se no for hostil), ela poder explicar-lhe o seu significado. O contexto e os antecedentes (ver o Captulo 6 sobre antecedentes paralelos) geralmente do pistas para a formulao de perguntas pertinentes que a investigao directa do indivduo no produz: servem tambm para destacar contradies importantes.

    O jornalista zimbabueano Charles Rukuni investigou o caso de um promotor imobilirio que andava a enganar os compradores dos terrenos e das casas que construa que eram de qualidade medocre. A investigao ainda est em curso. Rukuni observa: A investigao inicial levou cerca de trs semanas. O aspecto mais moroso foi descobrir quem era o homem, o que que ele estava a fazer, como que se tornou promotor imobilirio, quantas casas tinha construdo, e recolher a documentao que provava que ele tinha enganado alguns dos clientes.

    Recolha dos documentos

    As pessoas que vai entrevistar e os locais onde os vai entrevistar devem ser variados Visite o local onde se passam os problemas e planeie entrevistas com vrias pessoas. Caso contrrio, corre o risco de se tornar dependente de pessoas importantes, de fontes com posies altas em gabinetes citadinos, ou dos frequentadores de bares. Conseguir mais informao sobre senhorios cruis nos lugares onde os lavradores esto a ser despejados, do que no gabinete citadino de uma ONG que trabalha nesse campo. Faa o mapeamento de dados para comparar a informao que recolheu na visita ao terreno, com aquilo que os documentos definidores de polticas dizem, com as promessas que tm sido feitas, com os oramentos, e com as informaes que as fontes lhe deram. Compare a informao por si recolhida com aquilo que aconteceu em lugares semelhantes com problemas semelhantes, e at mesmo noutros momentos histricos.

    Conseguir que as pessoas falemUm bom exerccio falar com vrias pessoas num hotel cheio de gente, ou quando assiste a uma festa ou cerimnia, e levar as pessoas a falarem do seu trabalho. Se tiver uma ideia das pessoas que estaro presentes, e onde trabalham ou com quem tm

  • 5-4A entrevista de investigao

    ligaes, prepare um plano para cultivar a pessoa e faa uma lista das questes que gostaria de discutir com ela. Por outras palavras, procure uma maneira de transformar a pessoa numa fonte que poder contactar mais tarde. Que interesses poder a pessoa ter? Como poder fazer que fale sobre questes interessantes ou debates que tm lugar no trabalho? Empregar abordagens diferentes para conversar com um funcionrio pblico, ou com um empregado de bar? Como? (Nunca subestime a inteligncia de pessoas que fazem trabalhos aparentemente rotineiros!) Em que ponto da conversa lhes diria que jornalista? Em que circunstncias encobriria a sua profisso e fingiria ser outra coisa (ex.: representante de vendas)? O que faria para ser convincente sobre a profisso inventada?

    Planeie as perguntas com antecednciaExiste uma estrutura que lhe garante conseguir obter alguma informao, mesmo de entrevistas que so um desastre:1. Conversa inicial para descontrair (uns momentos para criar uma relao humana)2. Informao bsica, incluindo a confirmao de factos conhecidos3. Perguntas suaves4. Perguntas difceis

    Contudo, em circunstncias onde a relao entre o entrevistador e o entrevistado tensa, mesmo antes de a entrevista ter sido iniciada, mantenha a primeira fase da entrevista curta e compacta mas compatvel com as exigncias culturais em termos de cortesia e v directo questo. Assegure-se de seguir uma estrutura lgica, obtendo primeiro a informao necessria para colocar perguntas mais difceis depois.

    As perguntas devem ser fceis de compreender, devem ser claras, e devem ser directas. Pratique antes da entrevista. Um grupo de perguntas curtas que se seguem logicamente so melhores do que uma pergunta longa que leva o entrevistado a perder-se. Evite perguntas de muitas partes que requerem respostas diferentes: Ministro, gostaria de saber se o senhor tem conhecimento que houve irregularidades no processo de licitao, se o senhor fiscalizou o processo, e porque motivo o contrato foi adjudicado Sirdar? (S vai obter resposta a uma parte geralmente parte que o entrevistado prefere responder.) Esteja ciente da diferena entre perguntas fechadas (as perguntas que requerem uma reposta sim ou no) e as perguntas abertas (as que encorajam a pessoa a desenvolver as ideias). Misture as perguntas abertas e fechada, e use perguntas fechadas deliberadamente para atingir um objectivo especfico (ver a seco Perguntas contraditrias e forenses nas pginas 5-10 infra).

    Dedique 5-10 minutos para preparar o tipo e a sequncia das perguntas que faria se tivesse de entrevistar um alto funcionrio do estado sobre um processo de licitao suspeito.

    Exerccio 1 Como planear as perguntas

  • 5-5A entrevista de investigao

    Esperamos que tenha includo perguntas sobre zz Quais so as condies que regulam os concursos pblicoszz Que mecanismos de fiscalizao existem para garantir que as exigncias regulamentares foram cumpridaszz Qual a funo do entrevistado dentro deste processozz Se as circunstncias em torno da licitao sob exame foram normais zz Se todos os passos do processo foram seguidos no caso da presente licitaozz Se houve desvios em relao s normas e porqu?

    Por outras palavras, passa da rea relativamente confortvel de regulamentos oficiais para perguntas mais difceis de responder sobre as regras que no foram cumpridas

    Verifique se o material de gravao e para escrever esto a funcionarTenha sempre sobresselentes (esferogrficas, pilhas, etc.). Se precisa que o entrevistado assine uma declarao autorizando o jornalista a usar a informao obtida na entrevista, tenha a declarao pronta. Esta declarao particularmente importante no caso de entrevistas longas, que precisaro de ser cortadas para difuso radiofnica ou televisiva. Esta declarao no necessria quando se entrevistam porta-vozes polticos ou empresariais os seus cargos so para isso mesmo, e eles, por definio, concordaram com a entrevista e do autorizao para que o jornalista use a informao como desejar. No entanto, tm o direito de se queixar se no gostarem da forma como a informao foi usada.

    Use um mtodo apropriado Isto ir depender do propsito e circunstncias em torno da investigao. zz Poder simplesmente ter de aparecer (embora as pessoas achem isto falta de educao) ou telefonar para a pessoa que tenha

    algo para contar. zz Se for consistentemente impedido de ver a pessoa, pode tentar vigiar os movimentos da pessoa para se aproximar dela quando

    surgir uma oportunidade; rondar o gabinete da pessoa, esperar no salo de entrada de um edifcio ou na sala de espera, ou durante um evento pblico onde saiba que a pessoa estar presente. Mas isto pode dar mau resultado e importante que no se porte como se estivesse a fazer-lhes uma emboscada; apresente-se com toda a delicadeza e diga-lhes que gostaria muito de ter uma oportunidade para falar com a pessoa.

    zz No caso de um caso que vai levar algum tempo a investigar, pode escrever para as pessoas que pretende entrevistar, por carta ou por correio electrnico (mas veja o que dizemos adiante).

    zz Nos casos em que no sabe quem sero as suas fontes, poder colocar anncios (Se tomou o medicamento X durante a gravidez ).

    zz No caso de haver desconfianas, poder precisar de um abridor de portas intermedirio que faa parte da rede de contactos da pessoa que pretende entrevistar.

    zz Qualquer pedido de entrevista dirigido a uma companhia, organizao, governo, organismo paraestatal exigir um pedido formal, geralmente por intermdio do servio de imprensa.

    Em todos os casos, seja delicado e claro sobre quem voc , e aquilo que, em termos gerais, deseja discutir. (Tente no dar informao a mais.) Poder ser til ensaiar as palavras que vai usar para se apresentar, incluindo todos os aspectos principais, antes de telefonar. Por exemplo: Bom dia, chamo-me Gideon Rufaro, e trabalho para a Company Week, uma revista financeira sediada na capital. Estou a investigar um caso sobre as frotas de veculos oficiais e gostaria de saber se seria possvel marcar uma entrevista com o Sr. X para falarmos deste assunto?

    Seja realista no pedido que fizer 15 minutos muito tempo para um Ministro; por outro lado, uma pessoa traumatizada poder precisar de um dia inteiro at se abrir.

    Tente fugir com delicadeza a exigncias antecipadasSe uma das condies para que a entrevista lhe seja concedida que deve enviar as perguntas, ter de o fazer, embora isto no seja boa ideia. Se puder, procure antes mandar um apanhado geral dos tpicos que gostaria de discutir. As perguntas enviadas com antecedncia resultam numa entrevista artificial. Uma excepo quando um perito precisa das perguntas para poder recolher o material necessrio para responder. Reserve sempre o direito de fazer perguntas complementares.

    Resista qualquer exigncia feita pela fonte para ler o texto antes de ser publicadoDeixe bem claro que qualquer alterao reportagem tem de ser negociada com o redactor e no consigo. (Uma excepo so as entrevistas destinadas a obter informao tcnica especializada: o jornalista precisa de verificar se compreendeu bem a questo e se a explicou correctamente. Mas deixe bem claro que o envio do artigo apenas para verificao da informao tcnica.)

  • 5-6A entrevista de investigao

    Escolha um local apropriadoA casa da pessoa, ou o seu gabinete, confere ao entrevistado uma pequena vantagem psicolgica est em casa mas tambm o pode pr mais vontade e permite ao jornalista v-lo em contexto. O gabinete do jornalista d-lhe a voc a vantagem psicolgica, mas pode ser muito exposto, e no inspirar segurana ao entrevistado. Pense se quer que a entrevista tenha lugar num lugar pblico, ou num lugar discreto; pense no tom que quer criar; pense, tambm, nos rudos circundantes que podero tornar a gravao inaudvel. Obtenha indicaes precisas de como chegar ao local, mesmo que pense que o conhece, e informe-se sobre o estacionamento, etc.

    Confirma sempre o que foi combinado Confirma sempre o que foi combinado, com excepo das entrevistas informais, com um telefonema, uma mensagem electrnica, um fax, para que o entrevistado no possa alegar ter-se esquecido. O correio electrnico mais til para este fim do que para os primeiros contactos (os endereos electrnicos mudam com frequncia e fcil ignorar uma mensagem electrnica). No fique espera de secretrias que lhe prometem que entraro em contacto consigo mais tarde. Espere o tempo que for razovel, e depois volte a telefonar. Seja persistente mas no seja uma peste.

    zz O senso comum dita que, se queremos que algum fale vontade sobre um assunto confidencial, quantas menos testemunhas houver, melhor. Uma entrevista realizada de acordo com os princpios fundamentais do respeito: o entrevistador e o entrevistado, frente a frente, num lugar onde ambos sabem que no podem ser escutados ou filmados, constitui o cenrio que mais segurana oferece e mais conducente a tranquilizar o entrevistado.

    zz Mas h alturas em que o perigo e a presso da entrevista no recaem no entrevistado, mas no entrevistador, ou seja, recaem em voc, o jornalista. E nessas circunstncias, melhor ter o respaldo de uma testemunha. O jornalista da Costa do Marfim Eric Mwamba descreve com foi salvo de uma armadilha que tinha por objectivo intimid-lo:

    Foi em 1995, era eu ainda muito jovem, quando completei a minha primeira reportagem de investigao. Era uma investigao que tinha por cenrio a cidade de Kananga, na Repblica Democrtica do Congo. O governador da provncia, Malengela NGueji, e o presidente da cmara, Tshibuyi Kayembe, tinham feito um negcio segundo o qual dividiam e vendiam as lojas no mercado central a um grande desconto, para lucro pessoal.

    O edifcio tinha sido construdo pelos colonialistas em 1950. Era motivo de orgulho para todos devido sua beleza arquitectnica, para alm de ser uma fonte de rendimentos para muitas famlias. A investigao revelou que o negcio rendeu uma pequena fortuna aos predadores: cerca de US$400 por metro quadrado vendido. O que pior ainda foi a declarao dos arquitectos de que as obras de readaptao do local no tinham sido precedidas de um estudo de viabilidade. Como resultado, o velho edifcio (1950-1995) estava em risco de desabar sobre os ocupantes, punha em risco um marco histrico, e poderia causar a morte de muitas pessoas e a perda de mercadorias valiosas.

    Depois da publicao da reportagem, as pessoas saram s ruas em protesto, e marcharam a exigir a demisso das duas figuras pblicas.

    Subsequentemente, o governador convidou-me a visit-lo no seu gabinete para responder s minhas alegaes como lhe assistia o direito. Mas este encontro tornou-se em pouco tempo num duelo entre um jovem jornalista e um velho e astucioso poltico pronto a esmagar fosse quem fosse que lhe levantasse obstculos. Com uma cpia da revista que continha o artigo acusatrio numa mo, e a outra mo num punho cerrado, de rosto muito srio, o governador fez-me todo o tipo de ameaas na presena do director do seu gabinete e do adido de imprensa. Foi apenas a presena inesperada, e (para eles) inconveniente de uma testemunha Franck Citende, presidente da Liga dos Direitos Humanos, que tinha vindo para pedir uma audincia relativa a outro assunto que me protegeu da armadilha que me tinham preparado.

    Deve realizar a entrevista sozinho ou acompanhado?

    1 Descontraia-se Os jornalistas muitas vezes tornam-se vtimas da sua m fama. Dizem de ns que somos metedios, que gostamos de sensacionalismo, que o nosso interesse destruir a reputao das pessoas, que trabalhamos para a oposio, que impedimos pessoas trabalhadoras de fazerem o seu trabalho, que somos desrespeitadores, etc. H casos em que estas acusaes so fundamentadas. Se algum nos importunasse da forma como ns por vezes importunamos os outros, tambm nos irritaramos. O melhor modo de combater esta imagem negativa comportando-nos com decoro e de uma forma tica. No sermos descorteses e no exigirmos coisas pouco razoveis.

    Quanto mais nos comportarmos de uma forma que parece dizer Posso telefonar-lhe a qualquer hora do dia ou da noite, e voc tem de me dar o que eu quero tanto mais encorajamos hostilidade por parte do resto da sociedade. A maior parte das pessoas gostam de pensar que so boas e honestas. Por isso, por que no comear a sua relao com os entrevistados a partir desta base? Geralmente, quando as perguntas so formuladas com delicadeza, conseguem-se bons resultados. Por exemplo: Eu gostava

  • 5-7A entrevista de investigao

    muito de compreender como que isto funciona, ou Agradecia muito que me explicasse o problema, pois isto ser para bem da comunidade, Ficar-lhe-ia muito grata se pudesse colaborar comigo porque esta poluio est a causar a morte de muitas crianas. Em muitos casos, o indivduo prestar assistncia ao jornalista se estiver convencido de que o esclarecimento do caso servir o bem pblico.

    Este aspecto no apenas uma questo de estratgia. No obstante os rtulos grandiosos de Quarto Estado que nos so atribudos, nenhum jornalista foi eleito democraticamente para fiscalizar fosse quem fosse trabalhamos simplesmente como jornalistas. Fazemos parte da sociedade civil, pelo que partilhamos a responsabilidade de tentar garantir que o estado serve os cidados, e temos acesso privilegiado aos canais de comunicao de massa, como jornais ou estaes radiofnicas e televisivas. Este facto deveria tornar-nos menos arrogantes, e no o contrrio. Sobretudo quando trabalhamos para expor organismos hostis, com mtodos que contornam a lei, ou at a infringem, como gravaes clandestinas, importante provarmos a nossa honestidade e a sinceridade das nossas intenes atravs de mtodos de trabalho agradveis, sinceros e transparentes (ou pelo menos o mais transparentes possvel).

    Para garantir que no ultrapassa os limites do que aceitvel, pergunte-se sempre: E se eu fosse a pessoa que estou a investigar? Como que eu veria o mundo, como que eu veria o papel do jornalista? Pergunte-se tambm: At que ponto sou uma pessoa responsvel? Ser que eu iria sucumbir s mesmas tentaes que estou a investigar contra outros? O que que me impediria de o fazer? Onde que esto os meus mecanismos de controlo de comportamentos errados?

    2 Chegue a tempoSe chegar atrasado, vai alienar o entrevistado, vai perder tempo, vai ter de pedir desculpas, e vai passar os primeiros momentos sem flego e incapaz de se concentrar.

    3 Vista-se de maneira apropriadaMuito embora as regras de indumentria sejam menos prescritivas do que antigamente, no deve alienar o entrevistado logo primeira impresso. Vista-se de forma apropriada ao contexto, mostre respeito, e seja suficientemente neutro para no passar mensagens sobre o seu estilo de vida ou as suas opinies.

    4 Escolha o lugar onde se vai sentarSe necessrio, use o gravador como desculpa (Apanha melhor o som aqui ). Precisa de estar numa posio onde possa manter contacto ocular, mas sentar-se frente a frente pode criar um clima de agressividade e confronto. Sente-se ao mesmo nvel, do lado oposto ao entrevistado, mas a um pequeno ngulo. Evite obstculos entre os dois, como pilhas de livros ou a tampa de um computador aberto. Um sof macio dificulta a escrita e facilita a perda de concentrao.

    5 Comece sempre com uma conversa geral Trata-se de uma questo de boas maneiras (voc hspede do entrevistado) alm de que lhe permitir, a si, descontrair-se e arrumar as ideias, e poder ajudar o entrevistado a v-lo como um ser humano e no apenas como um jornalista importuno. Mas mantenha o tempo para esta introduo e o seu formato apropriados s circunstncias da entrevista.

    6 Mantenha contacto ocular apropriado Poder haver consideraes culturais sobre respeito ligadas questo do contacto ocular, mas sempre mais fcil conversar com algum quando conseguimos ver-lhes os olhos e a expresso. Poder ser difcil manter contacto ocular quanto est a fazer apontamentos, mas lembre-se de levantar os olhos de vez em quando, e olhe para o seu interlocutor sempre que lhe faz uma pergunta. Se se limitar a ler as perguntas, o entrevistado pensar que no se sente confiante, ou poder interpretar a sua atitude como insolncia ou hostilidade.

    7 Esteja atento linguagem corporalEsteja atento linguagem corporal (a sua e a do entrevistado). Vrios gestos defensivos e a postura do indivduo podem indicar evaso e do-lhe uma boa pista para saber quando deve pressionar mais uma questo. Veja tambm se a pessoa parece magoada, aliviada, divertida, zangada ou maada para aproveitar esses sinais ou para neutralizar os sentimentos que revelam.

    8 Defina, partida, as regras que vo ser usadas Confirma se a entrevista confidencial ou no e o tempo disponvel; assegure-se de que obteve consentimento esclarecido para publicar artigos sobre tpicos delicados. Se a entrevista for informal, escolha o momento apropriado para tirar o caderno de apontamentos ou o gravador, e diga: No se importa que grave a nossa conversa/que faa apontamentos sobre a nossa conversa? Se for uma entrevista formal, faa isto logo no incio.

    9 Lembre-se que algumas pessoas se sentem intimidadas quando o vem fazer apontamentos ou se sabem que esto a ser gravadasNo esconda o gravador, mas tente tirar os apontamentos ou fazer as gravaes de uma forma discreta, e se parecerem nervosos, ou se lhe perguntarem explique a razo para registar a entrevista (Assim ser mais difcil fazer erros).

  • 5-8A entrevista de investigao

    10 Tire sempre apontamentos, mesmo quando grava a entrevista Ao tirar apontamentos, mantm-se concentrado e pode registar aspectos que o gravador no capta (gestos, ambiente, expresses). Alm disso, uma segurana no caso de a gravao no sair. Seja muito exacto com os apontamentos, e distinga as citaes, das suas observaes ou anlises pessoais.

    11 Inclua perguntas para confirmao de factos (aqueles para os quais j sabe a resposta)Trata-se de perguntas sobre questes que j sabe. Estas perguntas ajudam a quebrar o gelo e a cobrir os aspectos bsicos, e pode descobrir que afinal no tinha toda a informao que pensava ter. Se o entrevistado se mostrar admirado pela simplicidade das perguntas, no se deixe ofender. No precisa de o fazer, mas pode explicar Os leitores querem ler esta informao nas palavras que voc vai usar, e no na forma como eu a poderia redigir.

    12 No se disperse No se ponha com divagaes (as respostas do entrevistado so mais importantes do que os seus monlogos) e no interrompa. Se as respostas no forem fceis de compreender, reformule a pergunta e tente de novo. Alguns entrevistados precisam de organizar os pensamentos e no se importam de tentar de novo. Escute a resposta com cuidado ser que responde de facto pergunta? Se no, deve tentar de novo. Se quer ter a certeza de que de facto compreendeu, reformule a reposta para confirmar (Est ento a dizer que ?)

    13 Mantenha-se calmo A entrevista no sobre si. No se torne agressivo, mesmo se a entrevista no estiver a correr como desejaria ou esperava, e mesmo que o entrevistado seja descorts. Numa entrevista mais informal, resista tentao de falar de si mesmo, e seja compassivo, mas no condescendente, se lhe falarem das dificuldades que tm.

    14 Faa muitas perguntas aparentemente neutras e abertasUse esta dica dos psiclogos. Evite perguntas que revelem aquilo que pensa sobre a resposta que lhe acabaram de dar No acha que isto foi um abuso de autoridade deplorvel? e pergunte antes: O que sente quanto ao uso da sua autoridade desta forma? Pode querer que o entrevistado lhe d os motivos e o raciocnio que guiam a sua forma de actuar, mas o uso da palavra Porqu? pode soar como uma acusao ou como incredulidade. Por isso, quando precisa de perguntar porqu? faa-o de forma indirecta: no pergunte Por que que as reportagens na imprensa o irritaram? mas antes, Disse que as reportagens na imprensa o irritaram. Podia falar-me um pouco mais sobre esse aspecto?

    15 O silncio no algo mauDeixe o entrevistado acabar de falar. Depois de uma pausa, apresente a pergunta seguinte. No precisa de preencher os silncios. Se o entrevistado precisar de tempo para pensar sobre uma resposta, d-lhe esse tempo; se precisar de tempo para recuperar emocionalmente, espere em silncio, e quando achar conveniente, pergunte, Podemos prosseguir?

    16 Mostre-se interessado; esteja deveras interessadoMostre-se permanentemente interessado e envolvimento por aquilo que est a ouvir; anote as suas reaces nos seus apontamentos e use-as para formular perguntas adicionais. esta a resposta que eu quero? Estou a compreender bem? Como poderei usar esta informao? Quando a entrevista tiver terminado, poder ser difcil conseguir uma segunda. Se fez a investigao necessria e, para seu espanto, no est a ouvir aquilo que esperava ouvir, no entre em pnico, no desista nem mude de assunto continue. Reaja a aspectos que so novos para si medida que forem surgindo e faa perguntas complementares. No tente forar a entrevista a tomar contornos por si preconcebidos. A surpresa que sente poder resultar numa reportagem melhor e mais interessante; caso contrrio pode escolher um momento oportuno para regressar ao tema original.

    17 Respeite o tempoMantenha-se atento s horas, espace bem as perguntas, e quando tiver esgotado o tempo previamente acordado, pergunte: Temos tempo para mais X perguntas?

    18 No fim, confirme com o entrevistado o que se passar depoisEsta reportagem vai ser publicada na quinta-feira. O fotgrafo vai-lhe telefonar para marcar uma hora. No faa promessas que no pode cumprir.

    19 Nunca se esquea de agradecerIsto importante, mesmo que voc tenha sido obstrudo e insultado. Tente parecer sincero no agradecimento.20 Verifique e clarifique os seus apontamentos imediatamente a seguir entrevista Nesta altura, a memria de curto prazo ainda lhe pode servir; se deixar os apontamentos at ao dia seguinte, poder no ser capaz de reconstruir uns rabiscos mal feitos, ou lembrar-se do que era que precisava de verificar com a mxima urgncia.

  • 5-9A entrevista de investigao

    21 Seja verdadeiro e respeite a realidade da entrevista Os bons jornalistas usam o material com honestidade. Claro que no pode mentir sobre aquilo que lhe foi dito. Mas tambm no pode alterar o sentido de uma pergunta ou de uma resposta depois de terminada a entrevista: isso que significa citar fora de contexto. (Tenha especial cuidado quando precisar de tirar as respostas da sequncia em que apareciam na entrevista original; nestes casos, muito fcil distorcer a verdade acidentalmente ao justapor citaes de forma descuidada.) Conte a sua verso da histria e apresente tambm a reaco dos protagonistas da mesma. O pblico inteligente e sabe avaliar onde reside a verdade. No precisa de lhe dizer que voc que tem razo.

    Os princpios bsicos de planeamento, preparao e formulao de perguntas flexveis e assentes em conhecimentos que resumimos anteriormente, aplicam-se a todas as entrevistas. Mas um projecto de jornalismo investigativo exige mais de si, das suas capacidades e requer uma nfase diferente na abordagem a seguir. A escolha do momento certo criticamente importante: no pense apenas sobre quem vai entrevistar, mas qual o melhor momento da entrevista para o fazer. O contexto diferente: nestas situaes, existem muitas mais possibilidades de defrontar comportamentos hostis, defensivos, renitncia ou evasivas das personagens que pretende entrevistar pois os tpicos tendem a ser mais importantes e de natureza mais delicada. Por este motivo, dever usar uma estratgia diferente e a tcnica que usar na entrevista ter objectivos diferentes.

    1 Cronologia diferente: quando confrontar os manda-chuvas? A principal questo que se coloca : Qual o momento apropriado para confrontar os protagonistas da investigao? Cedo demais, e eles so alertados e podem escapar (ou interpor uma providncia cautelar) antes de voc publicar o artigo; tarde demais e eles podem j ter fugido, ou ter preparado respostas pouco convincentes e evasivas judiciais para as suas perguntas.

    Pode ser uma experincia assustadora pedir a um destes indivduos que comentem as alegaes feitas contra eles. No se trata de recear que as suas hipteses estejam erradas, e que, depois de ouvir as explicaes plausveis do objecto da sua investigao o artigo se evapore. Claro que essa possibilidade existe sempre e temos de a aceitar.

    Quando as suas suspeitas esto correctas, a experincia aterradora. Mesmo que os factos no estejam completos ou totalmente correctos, voc descobriu que tm fundamento. Pois nessa altura, os seus pedidos para que os suspeitos comentem as alegaes, alertam as instituies ou os indivduos poderosos e influentes que esto a ser por si investigados, e eles concluem que voc um problema incmodo.

    Face a isto, a reaco dos suspeitos pode variar. Uma simples refutao da parte deles o caso mais simples para si: continua com as suas investigaes. Mas existe uma alta probabilidade de que voc venha a sofrer ameaas: ameaas fsicas directas e ameaas judiciais, ou formas mais subtis de intimidao atravs de terceiros (geralmente o redactor para quem trabalha), e processos judiciais mesmo antes da publicao do artigo. A palavra difamao ou calnia far parte de todas estas situaes quando na realidade raro que estes indivduos movam de facto um processo por difamao e calnia, pois irem a tribunal significa que as provas sero apresentadas em pblico; os indivduos poderosos envolvidos geralmente esto mais interessados em travar a publicao do artigo do que em se vingarem depois do mesmo ter sido publicado.

    Vejamos o que aconteceu jornalista Evelyn Groenink sediada na frica do Sul, quando tentou obter comentrios de indivduos muito poderosos cujo papel num negcio de armas corrupto estava a investigar, e no contexto do qual tinha havido assassinatos.

    Qual a melhor maneira de abordar uma pessoa sobre alegaes feitas, ou um conjunto de circunstncias, que parecem ligar essa pessoa a crime de morte, para lhe pedir que comente sobre o caso? O que complicava ainda mais o meu problema, era que no tinha declaraes claras de outras pessoas a acusarem estes indivduos. Neste tipo de negcios internacionais mafiosos, que envolvem indivduos poderosos, raro conseguir-se um denunciante corajoso que d informaes no confidenciais. Toda a informao que tinha, tinha sido obtida com base naquilo que se sabia das vtimas, todas elas pessoas que se tinham mostrado renitentes relativamente ao negcio que envolvia mega milhes de dlares. Eu tinha cotejado esta informao com os perfis de empresrios e polticos envolvidos no negcio, os seus interesses financeiros na altura, as suas ligaes com os servios secretos, as suas relaes com as vtimas, os boatos que corriam, e declaraes de algumas pessoas que me pediram encarecidamente que no divulgasse os seus nomes.

    Escrevi cartas pedindo aos suspeitos que comentassem, porque no queria ir sozinha tocar campainha das suas casas. A opo das cartas parecia-me ser corts para eles, pois dava-lhes oportunidade de comentarem e refutarem as alegaes,

    O confronto com VIPs

  • 5-10A entrevista de investigao

    e relativamente seguro para mim. Para ser meticulosamente justa para com os indivduos, que podiam estar inocentes, inclu toda a informao desconcertante e toda a evidncia circunstancial que parecia torn-los suspeitos, e pedi-lhes, delicadamente, que me esclarecessem na medida do possvel.

    Claro que estava espera de problemas, mas nunca imaginei a enormidade dos mesmos. Para comear, nenhuma das pessoas para quem escrevi me respondeu, nem com comentrios, nem com refutaes. Eu, e o meu redactor ainda mais do que eu, fomos soterrados com insultos, angstia e ameaas. Um poltico fazia-nos chamadas telefnicas constantes, tendo sempre o cuidado de no poder ser acusado de nos ter ameaado, mas na realidade aquilo que fazia, nada mais era que ameaas veladas: dizia-nos que tnhamos mentes criminosas e que teria de se defender contra os nossos crimes. Disse tambm ao redactor, pessoalmente, que o mundo era um lugar perigoso. Um agente dos servios secretos que eu tinha identificado ameaou vir ao gabinete do redactor e espancar-nos. Um advogado a quem tinha escrito porque parecia ter representado alguns dos indivduos por mim identificados, ameaou a editora de que a levaria falncia com um processo por difamao e calnia, e isto quando ainda nada tinha sido publicado. Na opinio deste advogado, um processo por difamao justificava-se porque eu j o tinha caluniado ao enviar o fax com as perguntas, que revelavam as minhas suspeitas, para o gabinete dele.

    Tudo isto foi demais para o redactor. No conseguiu aguentar a presso e o meu livro no foi publicado. As outras editoras, provavelmente receosas do mesmo tipo de retaliao, tambm se recusaram a associar-se investigao.

    Como resultado, os homicdios que investiguei ainda esto registados nos arquivos pblicos como crimes de dio individuais. A ligao destas mortes com o negcio das armas, provavelmente s ser revelada daqui a muitos anos.

    Significa isto que no devemos investigar crimes graves que envolvem indivduos poderosos, porque temos de falar com culpados muito poderosos? Muitas pessoas bem estabelecidas na comunicao social receiam esse tipo de investigaes porque sabem que as probabilidades de sucesso so mnimas. O primeiro redactor para quem trabalhei, h muitos anos, disse-me: No investigues crimes de estado que envolvam os servios secretos e grandes quantias de dinheiro. No temos os meios necessrios para lidar com essas coisas.

    Por outro lado, penso que poderia ter lidado com a questo de uma forma diferente. Poderia ter tentado compreender verdadeiramente o negcio das armas, estabelecendo lentamente contactos nas companhias envolvidas. Poderia ter realizado muitas entrevistas com os indivduos envolvidos em todos os contratos, sem ter tocado nos assassnios por trs do negcio. Esta estratgia ter-me-ia permitido distinguir entre os grandes e os pequenos actores, entre os simples negociadores de armas e os indivduos que vo ao ponto de matar pessoas que os estorvam e impedem de obter os contratos. Poderia, de seguida, ter-me voltado para o principal manda-chuva com mais conhecimento e certeza dos factos. Poderia ter cultivado um denunciante entre os indivduos no implicados nos homicdios mas que sabiam quem eram os homicidas.

    Claro que esta estratgia seria extremamente arriscada. No ano 2000, o jornalista moambicano, Carlos Cardoso, foi morto depois de ter investigado fraude bancria por parte de indivduos poderosos no pas. Ele optou, precisamente, por seguir a rota de procurar compreender como funciona a fraude bancria, foi abordando pessoas nos bancos pedindo-lhes que lhe explicassem aspectos financeiros complexos. Por fim, estava to prximo de compreender exactamente o que se passava, que os culpados sentiram que a nica maneira de escaparem era eliminando-o.

    Talvez a nica forma de lidar com este tipo de investigao seja em equipa. Seria muito difcil, mesmo para criminosos muito influentes, assassinar um grupo de jornalistas. Algumas redes de jornalismo investigativo j comearam a pr em prtica esta ideia, entregando investigaes de alto risco a uma equipa. O caso mais conhecido foi o projecto Arizona organizado pela entidade americana de jornalismo investigativo, IRE (Investigative Reporters and Editors). O projecto recebeu este nome depois de um reprter do jornal Arizona Republic ter sido assassinado ao investigar um caso. A IRE organizou dezenas de jornalistas que se congregaram no local onde a investigao tinha sido realizada, e levaram a cabo o trabalho iniciado pelo jornalista assassinado. A mensagem aos culpados foi: vocs podem matar um jornalista, mas no podem matar os factos.

    O confronto com VIPs (cont.)

    2 Contexto diferenteA reportagem de investigao procura desvendar aquilo que no conhecido, e que pode ser resultado de mentiras deliberadas ou de um consenso de silncio: um ministro que mentiu no parlamento, ou a sociedade que opta por no ver ou discutir o trfico de raparigas pobres que ocorre no seu seio. Os resultados so geralmente espantosos e, por vezes, chocantes. Por isso, determinadas tarefas como a preparao da entrevista tm de ser tratadas com muito tacto. Se revelar logo de incio aquilo que est a investigar, as pessoas provavelmente recusar-se-o a falar consigo; se escolher um local para a entrevista demasiado pblico, poder pr em risco o seu entrevistado.

    Pense duas vezes antes de decidir armar uma emboscada ao entrevistado como, por exemplo, pedir uma audincia para discutir um assunto e depois levantar outro assunto diferente, ou tentar entrevistar um director executivo sada de casa ou do escritrio, sem ele contar. Pode parecer uma excelente ideia quando v um programa televisivo que mostra essa tctica, mas pode correr extremamente mal para si. Uma figura pblica astuta saber esquivar-se pergunta inesperada, ou faz-lo passar por um rufio grosseiro e todos os seus esforos e preparao sero desperdiados.

  • 5-11A entrevista de investigao

    3 Estratgia diferente Existem trs possveis estratgias para a realizao de uma entrevista. No caso de uma entrevista informal ou destinada a obter informaes de fundo ou factos bsicos, as perguntas mantm-se ao mesmo nvel de intensidade do princpio ao fim. No se tornam mais importantes, ou mais difceis medida que a entrevista avana.

    Nas entrevistas destinadas a construir um perfil biogrfico, as perguntas comeam com um foco muito restrito, centrando-se no indivduo. Que escola frequentou? Com quem se casou, e porqu? Como e quando comeou a escrever poesia? Estas perguntas so, por vezes, perguntas fechadas, destinadas a revelar factos importantes da vida da personagem. Mas os seus leitores tambm esto interessados nos pontos de vista do indivduo. Por isso, a entrevista vai alargando o seu foco: o que pensa das formas do romance contemporneo? a favor dos prmios literrios? O que pensa dos escritores que foram nomeados este ano para o prmio x? Este tipo de entrevista tem o formato de um clarim: as perguntas a princpio so estreitas, mas vo-se alargando e tornam-se cada vez mais amplas e abertas.

    Uma entrevista de investigao geralmente tem o formato oposto. Comea com perguntas mais alargadas, mais gerais: quais so as regras comuns que regulam a adjudicao de contratos pblicos? um processo aceitvel? Como que o governo faz o controlo do processo? medida que a entrevista vai prosseguindo, as perguntas tornam-se mais estreitas e focalizadas. As ltimas perguntas, e as mais difceis, geralmente so perguntas fechadas e at mesmo capciosas: O senhor no respeitou o processo de adjudicao de contratos relativamente a esta licitao?; Porque motivo no levou em conta os processos que regulam a adjudicao de contratos pblicos neste caso? A razo para isto que voc precisa embora a maior parte das vezes no consiga obter uma resposta sim/no para encerrar o caso, ou apanhar o entrevistado a mentir descaradamente. Estas perguntas ficam para o fim porque esta a altura quando poder ser expulso do gabinete. Este tipo de entrevista como um funil: comea larga e acaba estreita.

    4 Diferentes tcnicas de fazer perguntasDuas palavras muito usadas no contexto da entrevista de investigao so forense e contraditria, termos tirados do mundo do crime e dos tribunais. O seu artigo foi mapeado, as provas foram reunidas, as contradies que detectou deixam-no convencido de que o suspeito de facto culpado. Nesta altura, precisa de poder resumir com exactido aquilo que a pessoa ou instituio fez, ou deixou de fazer, tal como um advogado de acusao faria num tribunal. O termo forense significa simplesmente relativo aos tribunais e justia. Contraditrio significa que est contra a pessoa, com o propsito de revelar os delitos de que culpada.

    Por isso, chegados a este ponto, o jornalista precisa de poder dizer No dia 12 de Setembro o senhor concordou com a seguinte deciso ou O seu nome est aqui nesta lista de accionistas. Se no puder fazer isto, a personagem sob investigao poder facilmente evadir-se com refutaes vagas, explicaes verbosas sobre questes secundrias, ou um simples No comento.

    5 Perguntas contraditrias e forenses: como detectar uma burlaComo j vimos, esta situao muito diferente da tarefa mais neutra de entrevistar algum sobre a sua experincia pessoal ou rea de especializao. A entrevista contraditria, tal como as perguntas de um advogado de acusao no tribunal, tem por objectivo obter evidncia sobre os delitos do eventual transgressor. Sendo um confronto de rivais, quando o entrevistador conhece os factos essenciais e tem um conhecimento profundo da matria, a maior parte dos entrevistados tem dificuldades em gerir a situao. Mas no interprete mal a palavra contraditria no significa que o jornalista deve ser agressivo.

    Para bem do bom jornalismo (da justia e imparcialidade), a pessoa ou instituio contra quem tem alegaes espera ter uma oportunidade para provar a sua inocncia ou negar as acusaes levantadas. Um bom jornalista quer ser visto a dar essa oportunidade.

    Alm disso, existem razes psicolgicas importantes para no se apresentar como detective insensvel, que arremessa perguntas intimidadoras uma atrs da outra. Se perguntar persuasivamente: Peo desculpa, mas tenho de lhe fazer esta pergunta, pois estou confuso a sua atitude discreta poder resultar numa resposta mais detalhada. E os detalhes podem ser verificados.

    Temos tendncia a deixar-nos impressionar por jornalistas da televiso que realizam entrevistas tipo interrogatrio a eventuais prevaricadores, e imaginar que deve ser esta a postura de todos os profissionais. Mas, muitas vezes, esta tcnica adoptada em resposta s exigncias do meio de comunicao. Uma confrontao cara a cara tem muito valor televisivo. Mas nem sempre produz as provas necessrias e, por vezes, as duas partes (sobretudo quando o entrevistado est ciente dos efeitos da comunicao social) esto ambas a fazer um espectculo para as cmaras e no a debater verdadeiramente o assunto.

  • 5-12A entrevista de investigao

    Gaste meia hora para identificar um indivduo importante na sua comunidade ou na cidade onde vive, e faa um mapeamento de dados sobre ele. Rena tudo o que conhecido sobre o indivduo, e os pontos de vista e declaraes que tem feito e que so do conhecimento pblico. Examine,

    tambm, boatos que correm sobre o indivduo e a reputao de que goza.

    No escolha uma pessoa muito conhecida como o Presidente do pas: existe demasiada informao sobre ele que dificultar o exerccio que nos propomos aqui fazer.

    Agora, tente identificar as lacunas e as contradies. (Talvez o indivduo seja, actualmente, um sustentculo da sua igreja, mas durante o exlio, em Paris, gozava da reputao de beber em excesso e ser mulherengo. Ou ento, o indivduo, quando em pblico defende os direitos da mulher, mas probe a esposa de trabalhar fora de casa.) Transforme estas lacunas e contradies em perguntas que obriguem o indivduo a dar respostas claras e precisas, que sejam respondidas com um facto simples, ou com um sim ou no.

    Claro que o indivduo poder ser um cidado honesto e excepcional. Se no conseguir encontrar uma nica lacuna ou contradio no historial do indivduo, talvez seja por isso ou ento, possvel que tenha uma equipa de manipuladores da verdade muito talentosos! O objectivo deste exerccio descobrir formas de formular perguntas a que o entrevistado no possa fugir.

    As seguintes estruturas provavelmente aparecem nalgumas das perguntas que formulou:zz verdade que ?zz O senhor [fez/disse/outro verbo] no foi? (Esta uma pergunta capciosa, mas uma refutao to til quanto uma

    confisso)zz Onde estava quando ?zz Aconteceu de facto X?

    Em certas situaes, quando voc contacta a pessoa ou organizao, a primeira vez que se apercebem que existem suspeitas a seu respeito. Alguns indivduos seguem o conselho dos conselheiros de relaes pblicas e recusam-se simplesmente a conceder-lhe uma entrevista. O mais provvel que lhe permitam entrevistar o porta-voz ou o adido de imprensa e no a pessoa no topo, nem a pessoa que voc quer questionar. Na prxima seco vamos falar sobre como entrevistar os manipuladores da verdade.

    A preparao para a entrevista contraditria

  • 5-13A entrevista de investigao

    Antes da entrevista contraditria

    Prepare uma lista das principais perguntas, com base num mapa de dados o mais pormenorizado possvel. Pense nas respostas que espera obter, e na forma como ir reagir s diferentes respostas possveis. Essencialmente, estar a fazer o exerccio acima mas para um caso real.

    Se necessrio, ensaie a entrevista com um colega. Isto poder ajud-lo a organizar as perguntas e a planear a maneira como deve reagir se a personagem lhe der respostas evasivas. Se o seu colega tambm estiver preparado, poder pensar no tipo de resposta evasiva ou obscura para a qual voc precisa de estar preparado.

    Organize as suas perguntas de forma a comear com as mais suaves e avanar progressivamente para as mais difceis, e a avanar das mais gerais para as mais focalizadas que lhe permitem obrigar o entrevistado a ser especfico na resposta. Algumas perguntas suaves no incio criam um ambiente mais ameno, tanto para si como para o entrevistado, mas nestes casos a estratgia de quebra-gelo pode ser interpretada como hipocrisia. Por isso, mantenha um tom srio. Comece por confirmar o ttulo correcto e o nome do entrevistado, o nome que gostaria que fosse usado durante a entrevista, a forma como se escreve, qual o seu ttulo profissional, e outros aspectos rotineiros, neutros e factuais. E depois, v directo ao ponto. Os polticos ou empresrios experientes no se deixam suavizar por palavras amveis.

    Lembre-se de incluir perguntas confirmadoras para que as respostas do entrevistado sejam confirmadas pelas suas prprias palavras. Formule as perguntas de forma muito precisa. Uma entrevista difcil pode ser totalmente minada por uma pergunta vaga ou ambgua. Evite perguntas com muitas partes: divida-as em diferentes perguntas, uma para cada aspecto que deseja esclarecer. Evite as duplas negativas podem ser confusas. A resposta a uma pergunta como No verdade que no devolveu o dinheiro? tanto se pode referir verdade da declarao como devoluo do dinheiro. verdade que no devolveu o

    dinheiro? uma reformulao mais simples e mais clara; Devolveu o dinheiro? muito melhor.

    Evite usar uma linguagem com carga emocional nas perguntas. No use palavras que revelem as suas opinies o que significa que no pode usar muitos adjectivos.A personagem que pretende entrevistar poder recusar-se a encontrar-se consigo, mas pode aceitar mandar-lhe uma declarao. Ter de avaliar junto com o redactor qual a maneira mais apropriada de lidar com este aspecto na sua reportagem. A CIJ sugere que se use a frmula da BBC: Solicitmos uma entrevista mas no havia ningum disponvel, embora a seguinte declarao nos tenha sido enviada, seguida da declarao por inteiro.

    Durante a entrevista de investigao

    1 A ttulo confidencial ou no? Isto depende do propsito da entrevista. Se lhe disserem que a entrevista tem por finalidade dar-lhe apenas uma panormica geral, ento essa entrevista ser necessariamente a ttulo confidencial (off the record). Mas tenha o gravador e o bloco de notas mo e pea autorizao para que um determinado aspecto que acha importante fique registado (on the record). Respeite, porm, a vontade da fonte se esta se recusar.

    Da mesma forma, se tinham combinado que a entrevista no seria confidencial e o entrevistado a certo momento pede que seja a ttulo confidencial, deve registar este pedido ou marcar claramente no material gravado o que confidencial, e respeitar o pedido.

    Informao dada a ttulo confidencial quer dizer que pode usar a informao, mas que a informao no pode ser facilmente atribuda fonte. Depois de ouvir o comentrio ou a informao off the record poder tentar persuadir o entrevistado para permitir que algumas informaes sejam divulgadas, ou at mesmo o contedo de toda a entrevista. Poder ento fazer uma pergunta apropriada para obter uma resposta sobre o aspecto que quer divulgar. Ou poder usar a informao como no atribuvel quer dizer, o entrevistado passa a ser uma fonte annima. Se no respeita o anonimato da fonte, poder adquirir a reputao de reprter em quem no se pode confiar, e corre o risco de perder o emprego, ser preso, ou ser assassinado. A Um artigo sobre uma entrevista com o Ministro das Finanas em que aparece uma citao dizendo que fontes prximas do ministrio uma forma muito ineficaz de encobrir a verdadeira fonte e qualquer leitor inteligente v isso. Alm disso, h certo tipo de informao a que apenas uma fonte pode ter acesso; se a usar, est a anunciar a quem quiser ver, que falou com essa fonte.

    Os comentrios off the record podero servir para colocar uma pergunta a outra fonte, embora no possa revelar a fonte original.Numa entrevista longa, pode reconfirmar o aspecto da confidencialidade mais do que uma vez: Ainda estamos a falar off

    the record, ou on the record? O risco da entrevista atribuvel fonte que pode alertar a fonte para a necessidade de ser discreto precisamente quando comea a sentir-se vontade. Por outro lado, medida que a entrevista vai avanando, um entrevistado que

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    tinha indicado que daria as informaes a ttulo confidencial pode decidir que voc merecedor de confiana e permitir que as informaes lhe sejam atribudas.

    2 No tenha um comportamento emocionalO seu objectivo obter as informaes para o artigo, e no ganhar. Tenha uma postura calma e serena, e leve o tempo que for necessrio. O objectivo da entrevista obter respostas as suas perguntas so o meio para atingir esse fim. Qualquer sinal de emoo que emita uma sobrancelha levantada, um encolher de ombros, um sorriso ser captado pelo entrevistado. Voc humano e este gesto pode trair os seus pensamentos. E na televiso, uma cara de pau no agradvel. Mas tenha cuidado e esteja ciente dos limites: uma exploso da sua parte, e o entrevistado lembra-se que est a ser julgado e torna-se mais retrado; a provocao poder resultar numa grande briga e na retirada do entrevistado; a sua agressividade pode parecer to despropositada que voc que fica mal visto. Tente manter as suas reaces deliberadas e no espontneas. Lembre-se, o provocador que o conseguir arrastar para uma discusso, no ter de responder s suas perguntas.

    3 V directo ao pontoUm poltico ou um empresrio experiente j passou por estas situaes muitas vezes; considera o seu prprio tempo precioso e se quer evitar uma questo, evita-a. Est bem ciente que se voc conseguir expor qualquer fraude, o seu prestgio, a posio de que goza, o dinheiro que acumulou e talvez tudo seja perdido. Leia a situao e a pessoa e ser vir que a sua tentativa de apresentar a questo branda ou indirectamente no est a dar resultado, v directamente questo.

    4 Obtenha uma resposta completaPalavras como recentemente, alguns, muitos, ou aco decisiva no servem. Esclarea: Quando?; D-nos os nmeros exactos; e Que aco vai implementar?

    5 Siga as perguntas fechadas com perguntas abertasAs palavras Sim ou No podem ser usadas pelo entrevistado para tentar pr fim s perguntas. Cabe-lhe a si voltar a abrir o dilogo:Assinou o contrato?

    Sim.Importava-se de explicar porque motivo?

    6 Analise todas as respostas ante de apresentar a pergunta seguinteUm entrevistado hbil pode dar-lhe uma resposta que parece ser aquilo que queria ouvir, e s quando voltar a ler os seus apontamentos, ou a ouvir a gravao, que v como ele fugiu pergunta de forma ardilosa. Voc pergunta: Mandou medicamentos para o hospital no distrito X? O entrevistado responde: Claro que todos os procedimentos apropriados relativos a esse hospital foram seguidos.Parece que est a dizer que sim, mas no. Tem de seguir esta resposta com outras perguntas:

    Quais foram os medicamentos que foram enviados?; Em que dia?; Que tipo de confirmao recebeu de que foram enviados?; Recebeu confirmao de que foram enviados?

    Boas perguntas para obter informaes exactas so:zz O que que quer dizer com isso?zz Sejamos mais especficos. Est a dizer que..?zz Para recapitular, quer com isso dizer que..?zz Podia dar-me um exemplo?zz Exactamente quanto?zz Melhor do que o qu?zz Pior do que o qu?zz O que que quer dizer com o termo potenciamento?zz Este ms?zz Quanto menos?zz Exactamente quanto dinheiro?zz Quem ser responsvel?zz Quando que vai ser implementado?zz Como que vai ser implementado?zz Para onde vai o dinheiro?zz Como vai fiscalizar esse processo?

    7 Se no compreendeu a resposta, diga melhor do que fingir que compreendeu por uma questo de vergonha. Pode dizer Os nossos leitores /telespectadores

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    talvez no compreendam o que quis dizer. Importa-se de explicar de novo, de uma forma mais simples? Ou ento, use a tcnica da reformulao: Se compreendi bem, o Sr. Ministro est a dizer que . Correcto?

    8 No interrompa a no ser que o entrevistado se tenha lanado em divagaes incoerentes, infindveis e irrelevantesAponte que precisa de tornar a fazer a pergunta e, se necessrio, diga explicitamente que gostaria de ter uma resposta mais curta e mais directa. Diga: Estou a ouvir a sua explicao, mas talvez pudesse reformular a sua resposta. No quero ser eu a resumir as suas palavras.

    9 No se deixe levar pela lisonjaIsto uma entrevista e no uma conversa entre amigos. Est ali para descortinar informao e no para ser tratado de forma condescendente. Quando algum lhe diz: Essa uma pergunta muito perspicaz, no o est a elogiar mas a comprar tempo para pensar na resposta.

    Depois da entrevista de investigaozz As ltimas perguntas. Pergunte sempre: H alguma coisa mais que eu lhe devia ter perguntado? ou Gostaria de acrescentar

    alguma coisa? D ao entrevistado a oportunidade de descarregar a sua irritao e, por estranho que parea, muitas vezes serve para esclarecer certas questes. Depois pergunte se o entrevistado lhe quer colocar uma pergunta a si, pois uma questo de cortesia e d-lhe oportunidade de voc explicar como e quando a informao que ele lhe deu vai ser usada.

    zz Cuidado para no ser apanhado desprevenido! Os entrevistados experientes em lidar com a comunicao social podero aproveitar-se destes ltimos momentos para o emboscar e obterem uma promessa da sua parte que voc no quer fazer Tinha dito que me deixava ver o artigo antes de ser publicado, no foi? No esteja to distrado a arrumar as suas coisa que concorde. Pare e explique claramente como se processam as coisas: No, o que eu disse foi que teria de contactar o meu redactor se quiser falar sobre esses aspectos. Posso dar-lhe o contacto novamente.

    zz Trabalho de secretria e recomendaes. Certifique-se de que tem cpias de todos os comunicados de imprensa, documentos, estudos ou fotografias que so referidos na entrevista. Se a entrevista for para apresentao da panormica geral, ou tiver sido realizada num tom amigvel, pergunte ao entrevistado se poderia sugerir outras fontes que possam acrescentar mais pormenores e esclarecimentos. O uso do nome desta pessoa como recomendao poder abrir-lhe portas.

    zz No descure as ltimas observaes do entrevistado. Existe um momento no fim da entrevista, quando a atitude de defesa do entrevistado cai. Neste momento, poder dizer alguma coisa inesperada. Mantenha o gravador ligado e o seu crebro activo. A conversa ainda est a ser a ttulo no confidencial, se foi esse o acordo. Se for apropriado, pea autorizao para fazer mais uma pergunta de esclarecimento.

    zz No se esquea das pequenas cortesias de encerramentos. Agradea ao entrevistado pelo tempo despendido. Se no verificou no incio da entrevista a forma de escrever o nome, faa-o agora. Verifique todos os termos, ttulos, nomes que foram mencionados durante a entrevista. Pea sempre o correio electrnico e um nmero de telefone onde possa contactar o entrevistado, caso precise de algum esclarecimento, e d-lhe os seus contactos ou um carto-de-visita.

    zz Verifique os apontamentos assim que sair. Preencha as lacunas e anote os aspectos que iro requerer entrevistas complementares ou confirmao, enquanto a entrevista est fresca na memria.

    1 Como compreender a atitude dos manipuladores da verdadeOs manipuladores da verdade (porta-vozes oficiais e funcionrios das relaes pblicas) desempenham um papel cada vez mais importante na interaco entre os jornalistas e as figuras pblicas. Por vezes, at esto presentes durante a entrevista e/ou apresentam antes da entrevista uma lista dos tpicos que no podem ser abordados.

    Um porta-voz do governo britnico (que, como no de admirar, preferiu manter-se annimo!) deu os seguintes esclarecimentos sobre a posio dos manipuladores da verdade a Dennis Barker, um antigo reprter do jornal britnico Guardian: zz Muitas vezes, a autoridade que voc est a entrevistar poder estar a obedecer a ordens superiores, poder no ter tido acesso

    a determinada informao, ou poder no ter autorizao para revelar certas coisas. (Por outras palavras, as desculpas que do podem ser verdade. Mas no deixam de ser desculpas e voc tem o direito de os confrontar: Se o senhor no me pode dar esta resposta, quem que pode? uma boa pergunta nestes casos.)

    zz Os governos no podem deixar-se ser criticados, mesmo quando esto em falta, salvo raras excepes. (Por outras palavras, quando me recuso a falar e defendo a entidade, estou apenas a fazer o meu trabalho.) Mas esse problema do porta-voz, e no seu.

    zz D ao porta-voz a oportunidade de dar uma resposta positiva a par da negativa, e ter mais probabilidades de ele se abrir nesta ou em ocasies futuras. ( aqui que a pergunta H alguma coisa que gostaria de acrescentar ou de me dizer?se torna til.)

    zz As prioridades do reprter podem no ser as prioridades do governo. As preocupaes do governo so mais vastas e profundas. (Claro que esta desculpa em termos da proporo das preocupaes uma cortina de fumo. O reprter preocupa-se com questes que a sociedade civil considera importantes. Se no so importantes para o governo, isto uma razo legtima para

  • 5-16A entrevista de investigao

    o jornalista e a sociedade civil se preocuparam. Pergunte: Porque que no pode discutir esta questo?; Porque que o governo no est preocupado com este assunto?)

    zz O que mais incmodo causa a um porta-voz so perguntas sobre mincias; o trabalho deles evitar as minudncias. (Veja os pontos acima sobre perguntas complementares.)

    zz Os porta-vozes esperam que os reprteres no tenham os conhecimentos necessrios para prosseguir com o assunto e que se sintam satisfeitos com afirmaes gerais. Os reprteres bombsticos e menos bem informados so mais fceis de satisfazer do que os jornalistas bem informados e mais comedidos. (Veja os pontos acima sobre investigao e mapeamento de dados.)

    zz Assim que eles pensarem: Este artigo no d para parangonas, o interesse deles desvanece-se. (Por outras palavras, uma tcnica importante na manipulao da verdade minimizar a importncia dos eventos para desviar a ateno de jornalistas que andam caa de sensacionalismo. Os reprteres que se concentram na investigao e persistem mesmo quando os factos no parecem muito interessantes, podero bem acabar com um bom furo.)

    2 Se lhe disserem que a informao que tem est incorrecta, no acredite necessariamenteEsteja preparado: Se estou errada, peo desculpa mas e faa a pergunta complementar, incorporando os factos que sustentam a afirmao que fez.

    3 Se no lhe responderem, volte a perguntarAlguns manipuladores da verdade fugiro a responder sua pergunta colocando-lhe eles uma pergunta a si: verdade que o Ministro ainda est casado com as duas mulheres?Porque que vocs, os jornalistas, esto to obcecados com a questo da poligamia?Senhor Porta-voz, como deve saber, ningum se interessa pelas opinies dos jornalistas. A minha funo colocar-lhe as perguntas que os nossos leitores querem ver respondidas. E estamos a ser inundados com cartas sobre o estado civil do Ministro. Poderia ento?

    4 Se sente que a sua pergunta no foi respondida, persistazz No sei se respondeu plenamente pergunta que lhe coloquei? ( uma forma delicada de dizer que no respondeu.)zz No compreendi bem a sua resposta. Podia explicar de novo?zz Prefere no responder a essa pergunta?zz O que que o impede de responder a essa pergunta?zz O que poderia acontecer se me dissesse a verdade?zz Quem que me pode responder a essa pergunta?

    5 Pense em formas diferentes de abordar uma pergunta difcil Por vezes, a melhor maneira de fazer uma pergunta difcil pura e simplesmente faz-la. Mas se estiver a esgrimir contra um porta-voz hbil, uma abordagem mais subtil poder dar melhores resultados do que uma pergunta directa que seria simplesmente ignorada. Aqui tem algumas sugestes:

    Avise-o e d-lhe uma plataforma para falar:zz Ajude-me a esclarecer as coisas (tem sido to usado que raramente resulta hoje em dia)zz Eu sei que esta questo desagradvel, mas os leitores esperam que eu a levante zz Talvez tenha lido as reportagens que aventam que . Sabia/Fez ?zz No parlamento, a oposio afirmou que o senhor Importava-se de comentar?

    Distancie a controvrsia:zz Muitos governos se tm envolvido na capitulao de terroristas. Como que ns lidamos com esta questo ?zz As minhas entrevistas, at data, tm resultado em informaes contraditrias sobre..?zz O meu redactor insistiu que eu no podia voltar redaco sem lhe ter perguntado se..?

    Abane a rvore (mas no minta, nem identifique outras fontes):zz Talvez tenha interesse em saber que uma fonte me disse que o viu zz Corre um boato de que o senhor mas todos sabemos que no podemos confiar nos boatos. O que prope

    relativamente a ?

    6 Incorpore a recusa em falar na reportagemSe o entrevistado no estiver disposto a falar, e o afirma, voc deveria estar preparado (e ter ensaiado) o que dizer em tal situao. Numa gravao para a televiso ou rdio, a recusa feita, seja ela directa ou indirectamente, ser ouvida e pode ser cuidadosamente usada ao fazer-se a montagem da notcia. Num artigo, escreva: Fulano de tal recusou-se a responder a perguntas que foram colocadas sobre isto e aquilo. Aquilo que escrever no deve apresentar uma interpretao sobre a recusa, mas limitar-se a apresentar os factos. Cabe ao seu pblico decifrar o significado da recusa.

  • 5-17A entrevista de investigao

    Uma recusa categrica em responder a perguntas legtimas poder levar o jornalista a abandonar a entrevista. Esta atitude por vezes d resultado:

    Lamento imenso, Sr. Ministro. No previ que o senhor no me iria dar a sua opinio sobre estas questes que constituem o mago da histria que estou a investigar. Quer dizer que me restam apenas as minhas observaes e os comentrios dos peritos e das testemunhas para finalizar o meu trabalho. Quanto sua opinio, digo apenas que o senhor prefere no comentar?

    (Face a isto, um interlocutor inteligente poder decidir que melhor dizer qualquer coisa do que ficar excludo.) Se tiver que retirar-se faa-o, mas educadamente: nunca manifeste a sua irritao com o entrevistado afastando-se com maus modos.

    Se lhe tiverem dito anteriormente que algumas perguntas no sero respondidas, melhor colocar mesma todas as perguntas que acha pertinentes, e deixar bem claro, desde o incio, que isso que vai fazer. Este aspecto especialmente importante na rdio e teledifuso. Tanto o entrevistado como o pblico sabem que voc pelo menos tentou obter esclarecimentos. Se no colocar as perguntas, corre o risco de ser acusado de no ter feito as perguntas mais importantes e o entrevistado poder dizer mais tarde que teria respondido se a pergunta lhe tivesse sido feita. E quem fica mal visto voc, o jornalista.

    7 A sua rede de contactos poder ser a ferramenta mais til que temGuardar o seu furo s para si e no confiar nos seus colegas que podero roubar-lhe a histria , geralmente, contraproducente. Neste mundo, existem matrias de investigao mais do que suficientes para todos os jornalistas. Um colega que roube com regularidade as ideias dos outros em pouco tempo estar isolado e sem colegas dispostos a ajud-lo; as perdas advindas de confiar nos seus colegas so pequenas e temporrias. E so riscos que vale a pena correr. Nos casos em que os manipuladores da verdade (estejam eles ligados a companhias farmacuticas, comandantes da polcia ou agentes de partidos polticos) tentam manipular os jornalistas, as redes de contacto que tem e a troca de impresses e de informao com os colegas podero ser a nica forma de expor e pr fim a essas prticas.

    Os entrevistados tm muitas razes para se oporem s suas perguntas. J falmos anteriormente sobre a manipulao da verdade defensiva mas muitas vezes, as pessoas tm razes reais e slidas para recear falar com a imprensa. Em muitos pases, a comunicao social apelidada de desleal e os seus informantes enfrentam perseguies e outras represlias ainda piores. Alm disso, os indivduos que o jornalista quer entrevistar podem ter sofrido traumas terrveis, que no querem reviver, ou podem recear serem estigmatizados pelas comunidades a que pertencem por aquilo que disseram ao jornalista.

    Se for persistente mas brando, poder conseguir os resultados que quer mas muitas vezes, a melhor maneira de persuadir uma fonte relutante a encontrar-se consigo, atravs de um abridor de portas: uma pessoa na comunidade, ou uma pessoa do mesmo nvel da fonte que pretende ver, que conhea o jornalista e possa garantir fonte que voc uma pessoa tica e sincera. por isso que vale a pena construir uma vasta rede de contactos, e ter um comportamento irrepreensvel com todas as pessoas com quem lida.

    zz Tenha uma conversa explcita sobre medidas de segurana, proteco e identificaoDescubra quais so os receios da fonte e tente tranquiliz-la. Isto poder exigir que confirme com o seu redactor as medidas de segurana que sero tomadas antes da entrevista porque no deve fazer promessas que no possa cumprir.

    zz Obtenha consentimento esclarecido para a publicao das informaesO consentimento esclarecido no significa que se limitou a perguntar Importa-se que publiquemos as suas revelaes? Significa que o entrevistado compreende as consequncias que podero resultar da publicao do material, os riscos, e as medidas de segurana que podem (ou no) ser institudas, e que concorda com a publicao depois de estar cabalmente informado e esclarecido sobre todos estes aspectos. No assuste as pessoas, mas no encubra, tambm, possveis consequncias. A sua reportagem ser tanto mais credvel, quantas mais pessoas revelarem informao desconhecida do pblico; estas conversas permitem-lhe cimentar as suas relaes com as suas fontes e ter dilogos genunos em que a fonte fala a verdade mesmo se, no fim, tiver de encobrir a identidade de algumas.

    zz Seja compassivo sem ser condescendenteComentrios do tipo: Que horror, coitadinho! fazem a pessoa sentir-se incapaz, e sentir-se novamente fraca e indefesa. Prepare um espao seguro para o entrevistado contar a sua histria; escute a fonte com uma atitude neutra e aberta, e d-lhe tempo para organizar as ideias ou se recompor emocionalmente sempre que necessrio. Mantenha o dilogo vivo, com respostas encorajadoras: acene que sim com a cabea, diga, Sim, Podia continuar? ou Conte-me mais. Se for culturalmente apropriado, pode tocar no brao da pessoa para a confortar. Deixe-se guiar pelos seus instintos humanos.

    zz Pare de escreverPor vezes, a conscincia que o entrevistado tem de que o jornalista est a escrever tudo o que diz, oprimente. Se as perguntas o estiverem a conduzir para reas muito delicadas, limite-se a escutar. Poder escrever os seus apontamentos mais tarde.

  • 5-18A entrevista de investigao

    zz Seja respeitador No se mostre apressado e no explore as respostas para criar sensacionalismo. Se fizer uma pergunta que no gostaria que outra pessoa lhe fizesse a si, sabe que foi longe demais. E no faa perguntas estpidas. Se pensar durante um segundo, saber bem que uma pergunta como Diga-me como se sentiu quando os soldados a violaram desrespeitadora e estpida.

    zz Mas seja rigorosoNo obstante o que dissemos acima, no pode deixar de fazer perguntas difceis. S porque algum afirma que foi vtima de tortura no significa que isto seja verdade. Cuidado com pessoas que exageram. Deixe bem claro que no os vai poder ajudar se no tiver a certeza de que aquilo que lhe esto a contar verdade, e no se esquea de apurar a verdade como faria com outras entrevistas.

    zz Esteja ciente da possibilidade de negaoH pessoas que mentem ou dizem meias verdades por razes diferentes, no necessariamente maliciosas. A negao um estado reconhecido em psicologia e acontece quando as pessoas empurram para o subconsciente uma verdade sobre si mesmas porque duro demais enfrent-la. Por isso, uma pessoa em estado de negao poder ser incapaz de lhe dizer que foi violada e que viu outras pessoas a serem violadas. Pergunte-se a si mesmo que provas tem relativamente quilo que a pessoa lhe est a dizer. Imagine contar esta mesma histria quando chegar a casa ou ao escritrio o que que os seus ouvintes lhe vo perguntar? Acha que vo acreditar facilmente que aquilo que esto a ouvir verdade? Que aspectos poderiam desvaloriza a histria se s vierem a ser descobertos mais tarde?

    Durante o regime do apartheid, os jornalistas do Rand Daily Mail na frica do Sul, publicaram uma srie de artigos que denunciavam o mau tratamento a que os prisioneiros negros eram sujeitos nas cadeias. Muita da informao foi obtida em entrevistas com Harold Jock Strachan, um antigo prisioneiro poltico. No obstante a compaixo que Strachan merecia e o trauma que tinha sofrido, a informao por ele relatada no podia ser aceite sem verificao. Raymond Louw, que estava a investigar o caso, recorda que, antes de usar o testemunho de Strachan: [Um advogado especializado em comunicao social, Kelsey Stewart, disse que] a nica forma de verificao consistia em ele [o advogado] contra-interrogar Strachan como se estivesse no banco das testemunhas, fazendo-lhe todas as perguntas possveis e imaginveis, para tentar esgot-lo mentalmente, e assim ver se o seu relato era fivel ou no.

    Compreender as consequncias

    Se o seu ru for uma pessoa poderosa e perigosa, ter de evitar uma confrontao pessoal, em cujo caso poder optar por mandar perguntas por fax para o escritrio do indivduo. Ser melhor no penetrar no territrio dele, ou permitir que os seus briges vejam o seu rosto. A qualidade da entrevista sofrer, mas voc continuar vivo para escrever a reportagem.

    Antes de investigar esse tipo de caso, informe-se junto sua redaco e a organizaes de jornalistas, sobre o tipo de apoio com que poder contar. Se trabalha por conta prpria, deve pessoalmente criar algumas estruturas de apoio.

    Por vezes, quando se pede a uma pessoa ou entidade poderosa para comentar sobre questes graves, o resultado so ameaas fsicas e judiciais. As ameaas judiciais podero ter por objectivo fazer o redactor do jornal abandonar a investigao, o que por vezes acontece. Mas se tem factos slidos, tente convenc-lo que os viles geralmente no abrem processos por calnia e difamao conforme ameaam. Em primeiro lugar, porque logo partida tm uma m reputao, o que enfraquece uma possvel queixa em tribunal (isto aplica-se, por exemplo, a companhias envolvidas no trfico de armamentos) e, em segundo lugar, um caso no tribunal poderia trazer a lume, num contexto privilegiado que permite ao jornalista difundir a informao na imprensa, todas as provas que eles querem ocultar.

    Adriaan Basson e Carien du Plessis tiveram de enfrentar mltiplas ameaas e intimidao quando comearam a investigar uma srie de casos importantes sobre corrupo nos processos de licitao nas prises. Como resultados das reportagens finais, os dois jornalistas foram galardoados com o prmio Taco Kuiper Award da frica do Sul para jornalismo investigativo. Os dois comentam: Conseguimos finalizar as reportagens porque convencemos as pessoas a falar pois era para o bem pblico e tambm no desistimos de procurar as provas mesmo depois de termos sido acusados de sermos mentirosos, de estarmos a trabalhar com intenes ideolgicas e at mesmo de sermos racistas (isto tudo aconteceu) pelos protagonistas sob investigao.

    Ameaas e intimidao

  • 5-19A entrevista de investigao

    O jornalista congols independente, Eric Mwamba, e alguns colegas comearam a investigar a enorme riqueza pessoal acumulada pelos polticos do pas. Depois da publicao, o jornal Le Rebond que publicou a reportagem foi acusado de insultar um Chefe de Estado pelo promotor geral, tendo tambm sido alvo de uma acusao cvel de difamao por parte de um membro do parlamento muito chegado famlia presidencial. A prpria primeira-dama apareceu junto ao queixoso na altura da acusao A maior parte das pessoas que tm em sua posse documentos importantes e informao em primeira-mo recomendaram-nos que recordssemos a nossa obrigao de tratar a informao com cuidado em tempo de guerra. Mas sentimos que tnhamos de prosseguir com a investigao

    Ameaas e intimidao (cont.)

    Contudo, a arma da litigao pr-publicao est a ser cada vez mais usada para levar os jornais a tribunal mesmo antes de o artigo ter sido publicado. um processo dispendioso e complexo e muitos redactores preferem abandonar a investigao a ter de sofrer os problemas que o processo levanta. Como jornalista, ter de se manter firme nas suas convices e nos seus direitos e pedir a organizaes profissionais e defensoras da liberdade de imprensa que lhe prestem assistncia, incluindo com fundos. zz O FAIR tem conseguido a publicao de artigos noutros pases quando o pas onde o jornalista trabalha no permitiu a

    publicao. zz O Comit para a Proteco de Jornalistas cobre muitas vezes as despesas legais. zz O Instituto de Comunicao Social da frica Austral (MISA) tambm tem fundos para defesa da comunicao social.

    A maioria das redaces tem regras rigorosas sobre a gravao encoberta, sendo esta ilegal ao abrigo dos cdigos penais de alguns pases. No entanto, por vezes pode ser a nica forma de se obter a prova de que se necessita. Ver mais uma vez o que referimos sobre o entrar na clandestinidade no Captulo 2, e sobre a tica que deve existir quando se toma esta deciso no Captulo 8.

    A prtica crucial se tiver uma mquina fotogrfica secreta presa ao peito, as fotografias obtidas no tero muita utilidade se apenas se descortinar o cu ou o pavimento. Se o som estiver abafado e for inaudvel, desperdiaram-se estes recursos.

    As entrevistas encobertas no so de todo to fceis quanto os dramas policiais televisivos querem fazer parecer. Alm de uma grande experincia tcnica, necessrio um estilo de interpelao que encoraje as pessoas com quem se fala a expressarem as palavras necessrias, o que pode soar to afectado e artificial que ir revelar a estratgia utilizada.

    Se o sujeito suspeitar que est a ser gravado secretamente e lhe colocar essa questo sem rodeios, provavelmente voc ficar obrigado a dizer que no para se proteger. Mas isso levar a dificuldades na utilizao do material. Se responder que no, do ponto de vista jurdico poder considerar-se que induziu a pessoa a continuar a falar, acreditando esta que no haveria qualquer gravao da conversa. Os advogados britnicos especialistas em comunicao social teriam relutncia em chegar a acordo quanto utilizao do material, a no ser que existisse um interesse pblico superior; os advogados especialistas na matria de muitos outros pases concordariam com esta posio.

    A gravao de chamadas telefnicas uma zona incerta. O Captulo 8 poder dar-lhe orientaes sobre a questo da tica a este respeito.

  • 5-20A entrevista de investigao

    Estudos de caso

    Joyce Mulama, reprter queniana, descobriu uma situao muito sensvel no decurso da sua investigao sobre notcias relacionadas com a Sida. A notcia no teria tido sucesso se ela no tivesse conseguido entrevistar eficazmente tanto as fontes especializadas como os pobres, que se mostravam relutantes em se identificarem porque vendiam os seus medicamentos. Note-se a forma como ela convenceu as suas fontes de que era digna de confiana. O artigo foi publicado no dia 2 de Junho de 2006 pela agncia noticiosa Inter Press Services.

    Queira fazer o favor de nos dar as linhas gerais da notcia: O uso de TARV para Encher Estmagos Vazios trouxe para primeiro plano uma grande lacuna na luta contra o VIH/Sida no Qunia. Embora o governo tenha conseguido algum progresso na administrao de TARV gratuitos a quenianos que deles precisam com urgncia, a nutrio, elemento crucial para garantir a eficcia do tratamento, tem sido negligenciada. A minha notcia exps a grande indignidade da pobreza que obriga pessoas doentes a trocarem os seus importantssimos medicamentos por uma simples refeio.

    Como que a notcia comeou? A notcia seguiu uma dica proveniente de uma das minhas fontes que trabalhava na rea do VIH/Sida. No meio de uma conversa sobre um outro assunto, notei a preocupao expressa pela minha fonte, conselheira para o VIH/Sida, sobre uma nova caracterstica no combate contra a Sida, de acordo com a qual alguns pacientes em tratamento antiretrovral estavam a recorrer venda dos seus medicamentos para arranjarem dinheiro para comida. Fiquei logo alerta e pedi encarecidamente fonte que me levasse aos lugares onde esta situao era frequente.

    O meu contacto confirmou ainda que alguns membros do seu grupo de apoio se tinham registado em mais do que um centro hospitalar para poderem obter medicamentos num centro e vender os medicamentos obtidos no segundo centro para comprarem alimentos. Alm disso, a minha fonte deparou-se com pacientes que lhe mentiam, dizendo terem perdido a sua medicao, ou ento que os sacos que continham os medicamentos tinham sido roubados por assaltantes. Quando insistiu nas suas indagaes, os pacientes confessaram que tinham vendido os medicamentos, e precisavam de mais medicao. Senti uma profunda convico que se tratava de uma questo que justificava investigaes adicionais e extensa cobertura.

    Que peritos e autoridades entrevistou?Consultei organizaes no governamentais envolvidas activamente na defesa dos direitos das pessoas que vivem com VIH/Sida. As minhas investigaes levaram-me a falar com o Dr. Omu Anzala, perito com grande experincia no Departamento de Microbiologia Mdica da Faculdade de Medicina da Universidade de Nairobi. A sua intuio e vasta pesquisa no campo do VIH/Sida acrescentaram um grande valor minha notcia. Falou com eloquncia sobre o perigo de indivduos doentes interferirem na sua prpria medicao, o que poderia levar aquisio de estirpes de infeco resistentes e complicar ainda mais o tratamento. Tambm entrevistei funcionrios governamentais, instando-os a prestarem informaes sobre as diligncias existentes ou, pelo menos, planeadas no sentido de assegurar que a nutrio acompanhasse o TARV.

    Que dificuldades encontrou e como que lidou com elas?Fazer com que as pessoas confessassem que estavam a trocar os seus medicamentos por comida constituiu o maior desafio. Foi necessrio tacto para conquistar a confiana destas pessoas e at mesmo identific-las entrada do centro de sade onde esto registadas para tratamento. Tive de ser muito convincente. Registou-se um avano quando conquistei a confiana de um guarda, que depois se tornou instrumental para me pr em contacto com o comerciante. Tive de prometer ao comerciante que ocultaria a sua identidade no artigo. Consentiu duas coisas: ou apareceria sob anonimato na reportagem, ou ento eu teria de lhe dar um nome diferente. Escolhi esta ltima opo.

    Que reaces provocou a notcia?Recebi correspondncia de organizaes e indivduos de diferentes regies do mundo exprimindo choque e compaixo pela terrvel situao que os pacientes de VIH/Sida no pas enfrentam. Num pas onde uma grande percentagem da populao de 30 milhes vive na pobreza, e onde cerca de dois milhes de pessoas esto infectados com a doena, a perspectiva de impedir a venda de medicamentos em troca de comida pouco provvel. Alguns dos leitores contactaram comigo, pedindo-me que identificasse

  • 5-21A entrevista de investigao

    algumas das pessoas que viviam na pobreza extrema e os pusesse em contacto com essas pessoas para que lhes pudessem enviar ajuda humanitria e outros materiais.

    A notcia tambm reavivou campanhas de organizaes que combatem a Sida e ainda de activistas dos direitos humanos, que instaram as autoridades a incluir a nutrio como componente chave no pacote de cuidados abrangente orientado para o VIH/Sida. As campanhas continuam. Alm disso, a 29 de Novembro de 2007, a notcia conquistou um prmio: O Prmio Red Ribbon para a Comunicao Social de 2007. O prmio foi organizado em conjunto pela UNESCO e pelo Conselho Nacional de Controlo da Sida (Qunia).

    Quanto tempo duraram as investigaes? Demorei mais de um ms a efectuar as investigaes e a compor a notcia. A parte mais demorada das investigaes foi a localizao e identificao dos comerciantes dos medicamentos. Desloquei-me inmeras vezes aos centros de sade para me encontrar com pessoas que estavam dispostas a confessar que o comrcio de ARVs-por-comida era uma realidade.

    Que notcias complementares relacionadas com esta investigao foram redigidas? Desde essa altura que no vi qualquer notcia complementar. Contudo, est no meu interesse acompanhar de perto a situao e saber se existem alguns esforos relevantes das autoridades no sentido de proporcionarem uma nutrio bsica, juntamente com o TARV, a pessoas que deles precisem com urgncia. Penso que terei de reexaminar a questo.

    Que lies tirou da elaborao do artigo e que conselhos daria a outros jornalistas?Compensa estar sempre em contacto com as fontes. No caso desta notcia, uma conversa casual com o simples propsito de pr em dia outros assuntos originou esta extraordinria notcia. Confraternizar com pessoas detentoras de informao uma funo necessria do jornalismo de investigao. Muitas vezes, durante conversas casuais surgem pistas para este tipo de notcias.

    A outra ilao a retirar desta notcia a importncia da pacincia, assim como a capacidade de fazer amigos e persuadir as pessoas que podem ter a chave para qualquer informao crucial. Estou convencida que, se no tivesse criado laos de amizade com o guarda referido na notcia, no teria conseguido identificar e convencer um comerciante a falar comigo.

    Elementos principais deste captuloVamos examinar mais uma vez a entrevista de Gideon Rufaro com o Ministro dos Servios Pblicos. Certamente que j fez alguns dos comentrios abaixo mediante os conselhos apresentados ao longo deste captulo.

    Gideon: Bom dia, Sr. Ministro. Muito obrigado por ter aceitado receber-me. O Sr. Ministro disse televiso estatal que no houve nada de incorrecto no contrato atribudo Sirdar Motors para substituio da frota de veculos do governo. No entanto, fontes nossas dizem-nos que o Sr Ministro avaliou apenas a licitao da Sirdar, muito embora os preos por ela cotados fossem muito altos. Gostaria de comentar?(No houve aqui qualquer tentativa de estabelecer uma relao cordial e descontrada, de criar as regras de base, de confirmar os detalhes conhecidos tais como nomes ou de, qualquer outra forma, tentar estabelecer uma relao humana com o Ministro. Mesmo quando o tempo pouco, e o entrevistado irascvel, a impresso criada de falta de cortesia: o homem ocupa uma posio muito elevada e um tratamento respeitoso poderia t-lo tornado um pouco mais acessvel. E Gideon comeou com uma pergunta que deveria ter deixado para o fim, na altura apropriada para tentar obter uma declarao clara e precisa do ministro.)

    Ministro: Quem so essas fontes? Nomeie uma!

    Gideon: Como deve compreender, no podemos revelar o nome das nossas fontes. Mas eu vi, pessoalmente, nalguns stands, a limusina oficial que o senhor vai com