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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PPGE MESTRADO EM EDUCAÇÃO LUCIENE MANTOVANI SILVA ANDRADE A ENFERMAGEM ENQUANTO PROFISSÃO: REFLEXÕES SOBRE AS CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS QUANTO AO TRABALHO E SUA PRECARIZAÇÃO. CUIABÁ MT 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

LUCIENE MANTOVANI SILVA ANDRADE

A ENFERMAGEM ENQUANTO PROFISSÃO: REFLEXÕES SOBRE

AS CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS QUANTO AO TRABALHO E

SUA PRECARIZAÇÃO.

CUIABÁ – MT

2013

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LUCIENE MANTOVANI SILVA ANDRADE

A ENFERMAGEM ENQUANTO PROFISSÃO: REFLEXÕES SOBRE AS

CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS QUANTO AO TRABALHO E SUA

PRECRIZAÇÃO.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Educação, na linha de

pesquisa Movimento Social, Política e Cultura

Popular, Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho

e Educação.

Orientador: Prof. Dr. Edson Caetano

CUIABÁ – MT

2013

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DEDICATÓRIA

Este trabalho dedico especialmente a minha família:

Aos meus pais e irmão (Lúcio, Sara e Leandro),

Pelo carinho, compreensão e principalmente pela paciência que tiveram durante todos estes anos

bem como no momento da elaboração deste trabalho. Vocês são essenciais em minha vida, nada

disso faria sentido sem vocês. Amo muito vocês.

As minhas tias (Marly, Maria, Neide, Neca, Vilma) e primos (Felipe, Fábio, Ilana, Jaqueline,

Camila, Thiago e agregrados),

Sempre presentes em todos os momentos de minha vida, compartilhando as angústias e alegrias.

Quero que saibam o quanto são especiais em minha vida e o quanto aprendi com cada um de

vocês. Sei que poderei contar com cada um.

Aos meus amores, Natália e Manuela,

Pelo amor incondicional, cumplicidade, companheirismo em todos os dias, pela compreensão das

ausências, por fazerem parte de minha vida e estar tão presente nos momentos felizes e tristes.

Mamãe ama de mais vocês.

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AGRADECIMENTOS

Ao longo da vida nossas vidas se cruzam com a de outras pessoas e o que as tornam diferentes

de todo o mundo são como as encontramos e o que sentimos ao encontrá-las.

Prof. Dr. Edson Caetano,

Por ter me aceitado como orientanda e auxiliado nos meus momentos de angústia, dúvida, no

desenvolvimento deste trabalho e pela paciência. Sou eternamente grata por seus esforços.

Profa. Dra. Giana Silveira Lima, Prof. Dr. Silas Borges Monteiro e Profa. Dra. Elizabeth

Figueiredo de Sá

Sinto-me honrada por aceitarem serem membros e suplente, respectivamente, na banca

examinadora na defesa deste trabalho.

Suellen, Cézar, Sônia e Heloísa,

Pela amizade, respeito, companheirismo. Muito obrigada por estarem presente em minha vida

nesse momento tão especial. Vocês fazem parte de minha história. Guardarei cada uma em

minha memória, minha família postiça.

Gelson, Moacir e Cláudia Barros,

Pelo incentivo, pelo ouvido aberto, e pelo ombro amigo.

Josi Rohden, Micnéias e Neide,

Meu muito obrigada pelo apoio, e por compartilhar experiências desta aventura que foi este

mestrado.

Camila Emanuela, Lirian, Eloísa e Mariana,

Companheiras gepeteanas, que possibilitaram minha inserção e aconchego neste novo mundo

da educação, sempre com delicadeza e amizade despretensiosa. Vocês foram muito

importantes.

As minhas babás, Juliana, Andréia, Ariadne e todos os outros,

Por todas as vezes que puderam ser por mim, e para mim, presença as minhas pequenas,

obrigada.

A coordenação do Instituto de Ciências da Saúde, e de Enfermagem da UFMT/Sinop,

Por todas as aberturas e compreensões em ausências, além da torcida pela finalização deste

trabalho.

A CAPES,

Pelo apoio financeiro que possibilitou a concretização deste sonho.

Aos alunos da UFMT/Sinop,

Sem o consentimento de vocês não seria possível o desenvolvimento deste trabalho. Minha

eterna gratidão pela confiança depositada.

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O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas

Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia

De sua grande missão:

Não sabia, por exemplo

Que a casa de um homem é um templo

Um templo sem religião

Como tampouco sabia

Que a casa que ele fazia

Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.

De fato, como podia

Um operário em construção

Compreender por que um tijolo

Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava

Com pá, cimento e esquadria

Quanto ao pão, ele o comia...

Mas fosse comer tijolo!

E assim o operário ia

Com suor e com cimento

Erguendo uma casa aqui

Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente

Um quartel e uma prisão:

Prisão de que sofreria

Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.

Mas ele desconhecia

Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa

E a coisa faz o operário.

De forma que, certo dia

À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado

De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado

Que tudo naquela mesa

- Garrafa, prato, facão -

Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário,

Um operário em construção. [...]

Vinícius de Moraes

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RESUMO

ANDRADE, L. M. S. A enfermagem enquanto profissão: reflexões sobre as concepções

dos acadêmicos quanto ao trabalho e a sua precarização. 2013. 176 f. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Instituto de Educação, Universidade Federal do Mato Grosso,

Cuiabá, 2013.

A enfermagem desde seu início carrega concepção de ajuda, doação e vocação junto ao seu

significado, porém este modo de pensar idealizado contrapõe-se as dificuldades efetivas do

trabalhador enfermeiro, que vende sua força de trabalho e se sujeita ao modo capitalista de

exploração garantindo assim a sua subsistência. Em qualquer momento histórico, o trabalho

assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, e somente o ser humano é

capaz de criar e recriá-lo. Assim o objetivo desta dissertação foi analisar as concepções que

discentes de graduação em enfermagem tem sobre a profissão no início e ao término do curso

e relacionar estas concepções com a precarização do trabalho na enfermagem. Para alcançar

os objetivos utilizamos a metodologia da pesquisa de campo, com abordagem qualitativa,

realizamos entrevistas semi-estruturada com discentes ingressantes no curso de graduação

enfermagem em 2012/1 de uma Instituição de Ensino Superior Federal (IES), e também em

discentes concluintes 2012/1 desta mesma IES. Estes responderam o seguinte

questionamento: o que significa ser enfermeiro, e porque estão fazendo este curso? A coleta

de dados teve início após apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital

Universitário Júlio Müller, Cuiabá – MT, sob protocolo 161/CEP- HUJM/2011. As

entrevistas ocorreram nos meses de março e abril de 2012, com um total de 9 entrevistados,

sendo 4 discentes ingressantes e 5 discentes concluintes. Utilizamos o método materialista

dialético histórico, como referencial a ser adotado, pois através de uma interpretação histórica

e social da realidade procedemos a correlação destas concepções. Como resultados finais

desta pesquisa pode-se afirmar que os alunos ingressantes atribuíram à enfermagem um

caráter de valorização do contato humano, de ajuda, como uma forma de satisfazer o outro,

pode-se ainda observar que uma parte desses discentes indicou uma escolha pela profissão,

como sendo rentável e estável. Em contra partida os discentes concluintes não demonstraram

a mesma concepção em relação aos anteriores, sendo inversa, tendo um caráter profissional,

como as formas de trabalho na enfermagem e na saúde, voltados para a realização de

procedimentos, prevenção e orientação de pacientes, e dando ênfase maior a parte

administrativa da profissão. Assim observamos que a enfermagem deixa de ter um caráter de

caridade ou ajuda, voltando-se a uma manifestação de atividade profissional. Em uma

reflexão podemos fundamentar estas diferenças aos momentos históricos da enfermagem,

alicerçados na atual concepção da enfermagem, na década de 80, indicativa do início de uma

mudança, e entendimento da enfermagem enquanto trabalho, baseado na reestruturação

produtiva decorrente deste período. Consideramos assim que o fato da enfermagem ter como

concepção o cunho vocacional e de ajuda, tem impedido novas formas de organizar seus

trabalhadores, lutar por novas formas de condições de trabalho, livre de riscos, com condições

apropriadas de execução e segurança, bem como por jornadas justas e menos penosas, além

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de estreitar a relação percebida do modo de produção capitalista têm e refletem nas formas de

precarização do trabalho na saúde. Novos estudos devem indicar a necessidade de

aprofundamento do tema e assim possibilitar a superação dos limites característicos dessa

profissão.

Palavras-chaves: enfermagem, educação, trabalho, precarização, profissão e acadêmicos.

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ABSTRACT

ANDRADE, L. M. S. Nursing as a profession: reflections on the concepts of academic

and work and its precariousness. 2013. 176 f. Dissertation (Master of Education) - Institute

of Education, Federal University of Mato Grosso, Cuiabá, 2013.

Nursing since its inception carries design help, donations and vocation with its meaning, but

this way of thinking idealized contrasts with the difficulties of effective worker nurse, who

sells his labor power and is subject to the capitalist mode of exploitation thus ensuring their

livelihoods. At any moment in history, the work takes different forms depending on the

modes of production, and only human beings are able to create and recreate it. Thus the aim

of this thesis was to analyze the conceptions that undergraduate nursing students have about

the profession at the beginning and end of the course and relate these concepts to the

precariousness of work in nursing. To achieve the objectives we use the methodology of field

research, qualitative approach, we conducted semi-structured interviews with students

entering undergraduate degree in nursing in 2012/1 of a Higher Education Institution Federal

(HEIF), and also students graduating in 2012 / 1 of that HEIF. They answered the question:

what it means to be a nurse, and why they are doing this course? Data collection began after

consideration of the Ethics Committee in Research of the University Hospital Júlio Müller,

Cuiaba - MT, protocol 161/CEP- HUJM/2011. The interviews took place in March and April

2012, with a total of 9 respondents, 4 entering students and 5 ending students of graduating.

The method was dialectical materialist history, as a reference to be adopted, because through

a historical interpretation of social reality and the correlation of these conceptions proceed. As

final results of this research can be stated that the freshman students assigned to nursing a

character valuation of human contact, help, as a way to meet each other, we can still observe

that some of these students indicated a choice of profession as being cost-effective and stable.

In return the students graduating have not shown the same design over previous, and reverse,

having a professional character, as forms of work in nursing and health, focusing on the

performance of procedures, prevention and patient guidance and giving greater emphasis on

the administrative part of the profession. Thus we see that nursing ceases to have a character

of charity or help, turning to a demonstration of professional activity. In a preliminary

analysis, we can substantiate these differences to the historical moments of nursing, grounded

in current conception of nursing in the 80's, indicating the beginning of a change, and

understanding of nursing as a job, based on the restructuring of production arising from this

period. We consider how the fact of nursing have the design the stamp and vocational help,

has prevented new ways to organize their employees, strive for new ways of working

conditions, risk free, with appropriate conditions of application and security, as well as

Journeys fair and less painful, besides strengthening the relationship of perceived capitalist

mode of production and is reflected in the forms of precarious employment on health. Further

studies should indicate the need for further development of the subject and thus enable

overcoming the limitations characteristic of his profession.

Keywords: nursing, education, labor, precariousness, profession and academics.

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LISTA DE SIGLAS

ABEN Associação Brasileira de Enfermagem

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CNE Conselho Nacional de Educação

CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNS Conselho Nacional de Saúde

COFEN Conselho Federal de Enfermagem

COREN Conselho Regional de Enfermagem

CUS Campus Universitário de Sinop

DC Discente Concluínte

DI Discente Iniciante

ECS Estágio Curricular Supervisionado

ESF Estratégia de Saúde da Família

EUA Estados Unidos da América

HNA Hospital Nacional dos Alienados

HPII Hospício de Pedro II

HUJM Hospital Universitário Júlio Müller

IES Instituição de Ensino Superior

LER Lesão por Esforço Repetitivo

MEC Ministério da Educação Cultura

MS Ministério da Saúde

OIT Organização Internacional do Trabalho

PPC Projeto Pedagógico do Curso

PSF Programa de Saúde da Família

SAE Sistematização da Assistência de Enfermagem

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFMT Universidade Federal do Mato Grosso

UTI Unidade de Tratamento Intensivo

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SUMÁRIO

INTRODUÇAO 13

CAPÍTULO 1 – ENFERMAGEM, CUIDADO E SAÚDE: HISTÓRIA DA

PROFISSÃO

26

1.1 A Idade Média – enfermagem, cuidado e saúde. 26

1.1.1 O contexto religioso na Idade Média e o cuidado. 28

1.1.2 Cuidado, saúde pública e os hospitais. 29

1.2 A Idade Moderna – enfermagem, cuidado e saúde. 34

1.2.1 Os problemas de saúde na Idade Moderna. 35

1.2.2 A enfermagem e o cuidado na Idade Moderna. 38

1.3 A idade contemporânea – enfermagem, cuidado e saúde. 40

1.3.1 Saúde e enfermagem no Brasil do século XIX. 43

1.3.2 As damas da Enfermagem. 45

1.3.2.1 A dama da Lâmpada, Miss Nightingale. 45

1.3.2.2 “Mãe dos brasileiros”, Anna Nery. 50

1.3.3 A idade contemporânea e a enfermagem (1889 – 1930). 51

1.3.4 A idade contemporânea e a enfermagem (1930 – 1960). 53

1.3.5 A idade contemporânea e a enfermagem (1960 – 1990). 54

1.3.6 A idade contemporânea e a enfermagem (1990 – atualidade). 56

CAPÍTULO 2 – O MUNDO DO TRABALHO 58

2.1 O trabalho em sua dimensão ontológica. 58

2.1.1 O trabalho e suas transformações. 61

2.1.1.1 O trabalho e suas transformações com a industrialização. 64

2.1.1.2 Taylorismo e Fordismo. 66

2.1.1.3 O modelo de desenvolvimento hegemônico e sua crise. 68

2.2 Reestruturação Produtiva. 71

2.2.1 Reestruturação produtiva em saúde. 73

2.3 Precarização do Trabalho na saúde. 75

2.4 Trabalho em saúde. 76

2.5 Processo de Trabalho em Saúde. 80

2.6 Divisão técnica do trabalho em saúde. 82

2.7 O modelo hegemônico médico na saúde. 85

CAPÍTULO 3 – O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES NO INÍCIO DA

GRADUAÇÃO

89

3.1 “EU SEMPRE GOSTEI DE AJUDAR OS OUTROS” – o cuidado como objeto de 91

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trabalho da enfermagem.

3.2 “NÃO É ELE (ENFERMEIRO) QUE REALMENTE FICA CUIDANDO, CUIDANDO, É

O TÉCNICO” - divisão técnica do trabalho em saúde e na enfermagem.

94

3.2.1 Divisão técnica do trabalho na enfermagem: suas representações nas falas dos discentes

ingressantes.

97

3.2.2 Divisão do trabalho na saúde e na enfermagem: sobre a hegemonia médica. 101

3.3 “VOCÊ TEM QUE SER UMA PESSOA QUE SABE LIDAR COM O IMPROVISO” –

improviso ou precarização do trabalho na enfermagem?

105

3.3.1 O conformismo sobre a forma precária como se dá o cuidado. 106

3.3.2 O conformismo pelos baixos salários e as condições de trabalho, afinal ele escolheu

ajudar.

111

CAPÍTULO 4 – O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES AO FINAL DA

GRADUAÇÃO

116

4.1 “EU GOSTO MUITO DE AJUDAR, SEMPRE GOSTEI MUITO ASSIM” - o cuidado

como objeto de trabalho da enfermagem, ao final da graduação.

118

4.1.1 A opção pela enfermagem apoiado na influência familiar e no fator econômico. 120

4.2 “VOCÊ VAI MOLDANDO DENTRO DE VOCÊ A CONCEPÇÃO DE UM

ENFERMEIRO” – o que é ser enfermeiro agora com a inserção na prática profissional.

127

4.3 “ QUANDO VOCÊ TÁ DENTRO DA SALA, É TUDO MUITO BONITO” – a

enfermagem ideal confrontada com a prática real.

130

4.3.1 Além do ideal e o real está o trabalho no setor público e no setor privado –

considerações quanto a precarização.

137

CONSIDERAÇÕES FINAIS 145

REFERÊNCIAS 149

APÊNDICE 1 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES

INGRESSANTES

158

APÊNDICE 2 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES

CONCLUÍNTES

159

APÊNDICE 3 – TERMO DE CONSCENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 160

APÊNDICE 4 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES INICIANTES 161

APÊNDICE 5 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES CONCLUÍNTES 168

ANEXO 1 – FOLHA DE APROVAÇÃO COMITÊ DE ÉTICA CEP/HUJM 176

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INTRODUÇÃO

A enfermagem desde seu início carrega concepção de ajuda, doação e vocação junto

ao seu significado, porém este modo de pensar contrapõe-se às dificuldades efetivas do

trabalhador enfermeiro, que vende sua força de trabalho e se sujeita ao modo capitalista de

exploração garantindo assim a sua subsistência. Em qualquer momento histórico, o trabalho

assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, o que pode ser estendido às

profissões da área da saúde, e onde o cunho vocacional persiste como na enfermagem.

Resgatar a história da enfermagem permite dar início a tentativa de reflexão desse

caráter de não trabalho assumido pela enfermagem, discutindo uma possível mudança de

concepção ocorrida na década de 80, quando passa a suscitar novas concepções da

enfermagem enquanto prática social e como trabalho. Situamos então a enfermagem, durante

e depois da Idade Média e compreendemos seu caráter vocacional, posteriormente à tentativa

de mudança de definição.

Rodrigues (2001), em seus estudos tentou colocar a história da enfermagem como

ponto de partida para desvelar em que momento o modelo vocacional/religioso da profissão se

iniciou, bem como identificou através das falas de graduandos do Curso de Enfermagem as

manifestações desta concepção, e por fim percebeu a necessidade de mudanças na atividade

docente, para instituir o caráter de enfermagem enquanto trabalho.

Ao encarar a enfermagem enquanto prática não profissional, mas também de ajuda ou

vocação, suprimimos dela a parte importante que lhe cabe no serviço de saúde em geral, o

cuidado ao cliente/paciente, que em um mercado de trabalho totalmente capitalista, é o

trabalho realizado com qualidade, produtividade e que como em toda a profissão traz as

dificuldades relacionadas a venda de sua força de trabalho.

O trabalho humano pensado por Marx, é que nos permite ser diferentes dos animais,

pois é uma condição necessária ao ser humano, em qualquer momento histórico, e este

trabalho assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, o ser humano é capaz

de criar e recriar. É um processo pertencente ao homem e a natureza, este é capaz de através

de sua ação, modificar, regular e recriar, a natureza, e fazendo isso através do uso de seus

braços, pernas, mãos, apropria-se da matéria natural e utiliza-se dela de uma forma útil para

sua vida, assim ao modificá-la ele também se modifica (MARX, 1982).

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O trabalho então não se reduz ao emprego, mas tem uma dimensão muito maior, ou

seja, ele responde à produção de elementos necessários para vida, e responde também às

necessidades intelectuais, culturais, sociais, lúdicas, afetivas, tratando-se então de uma

necessidade, que assume diferentes configurações conforme a história na qual está inserido

(FRIGOTTO, 2006).

Para então entendermos o trabalho, no nosso enfoque, o da saúde, é preciso entender

que o objeto de trabalho, o ser humano a ser cuidado, recebe o trabalho realizado pela ação

intencional do trabalhador, e através dele, utiliza-se de ferramentas, de seus meios de

trabalhar e do modo que organiza seu uso. Na saúde as ferramentas de trabalho são traduzidas

em imagens de valises tecnológicas, com suas ferramentas-máquinas (o seu saber-fazer

clínico), e suas relações com os demais, que participam da produção e consumo do trabalho,

sendo este o processo de trabalho, combinação do trabalho ato e consumo dos produtos feitos

em trabalhos anteriores (MERHY; FRANCO, 2006).

O trabalho feito é o que se chama “trabalho vivo em ato”, e o trabalho feito antes que

só chega à forma de produto, como exemplo o aço para fabricação de estruturas, é chamado

“trabalho morto”, o primeiro remete ao fato de estar ligado ao trabalhador que o faz e todo o

processo que utilizou para realizá-lo, bem como com o produto e seu consumo por outros

trabalhadores. Na saúde o trabalho realiza-se sobre tudo por meio do “trabalho vivo em ato”,

o trabalho humano no exato momento em que é executado e que determina a produção do

cuidado, mas este interage todo o tempo com instrumentos, normas, máquinas, formando

assim um processo de trabalho, com diferentes tecnologias. O cuidado então é produzido

através de interações, semelhante ao trabalho em educação (MERHY; FRANCO, 2006).

A relação trabalho e educação diz respeito segundo Ciavatta (2006) à formação do

homem, em seu caráter formativo com desenvolvimento de suas potencialidades. Levando em

consideração o sistema capitalista, e o trabalho como reprodutor da vida material, e que este é

vendido a preço de um salário que não expressa o excedente do trabalho do homem, visto que

este passa a pertencer ao detentor do capital para acumulação, tornando-se alienante e

desumanizador. Para esta autora o trabalho como principio educativo depende de vários

fatores que consideram as condições para realiza-lo, os fins, e quem se apropria do mesmo, e

do conhecimento a ser gerado por ele. Que no caso da sociedade capitalista o trabalho tem um

tom desapropriador da classe trabalhadora no que diz respeito à riqueza social e saberes que

cria, pois este trabalho é mercadoria para ser trocado na forma de um valor de troca pelos

meios de produção.

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16

A educação e a saúde, direitos dos seres humanos, sob o modo de produção capitalista

são mercadoria, assim a educação profissional reduziu-se a formação e treinamento para o

trabalho simples da classe trabalhadora. Da mesma forma que para a formação dos

profissionais da saúde, a dimensão do conhecimento tornou-se científica e tecnológica,

visando atender as exigências do mercado (CIAVATTA, 2006).

Para Merhy e Franco (2006), podemos exemplificar o trabalho em saúde utilizando o

médico com três valises, seu arsenal tecnológico. A primeira tem instrumentos, tecnologias

duras, a segunda saber técnico estruturado, tecnologias leves-duras, e a terceira relações entre

sujeitos, tecnologia leve. Assim o trabalhador da saúde é um ser coletivo, pois ele não se basta

sozinho, precisa da interação entre técnicos, auxiliares, enfermeiros, nutricionistas, todos com

ferramentas diferentes para complementar o outro, sendo necessária a pactuação das ações,

porém este tipo de interação ainda esbarra no modelo de imperialismo médico.

Quando situamos a enfermagem antes, durante e depois da Idade Média é que

compreendemos o caráter não profissional da enfermagem. Segundo Rodrigues (2001), nas

sociedades primitivas antes do período medieval, a enfermagem era desenvolvida por

mulheres, escravos, sacerdotes e também por mulheres na Sociedade Grega, isso demonstrava

também as concepções do processo de saúde/doença, onde estava ligado ao sobrenatural,

entendido pela ação de espíritos, e posteriormente a alterações de humores, pelos gregos.

Os escravos realizavam o cuidado dos doentes, como forma de trabalho doméstico

naquele contexto, o que sofreu algumas alterações no início da era Cristã, onde a enfermagem

sofre transformações. A concepção de saúde/doença, nesta era pensada enquanto castigo

divino, e a recuperação da mesma através do cuidado, como uma aproximação de um Deus

misericordioso, modifica a concepção da enfermagem, e o caráter religioso se impregna, as

pessoas que a realizavam tinham um espírito de caridade, e esse caráter mantém até os dias

atuais arraigados no fazer da enfermagem (RODRIGUES, 2001).

Com o capitalismo, o modelo religioso é substituído pelo vocacional, tendo início na

Inglaterra, a concepção do hospital enquanto local aonde as pessoas iriam para esperar a

morte, foi modificada pela ascensão da classe burguesa como classe dominante, e este local

passa então a ser território de cura. Nesse novo modelo a enfermagem passa a ser exercida por

pessoas leigas, e não somente por religiosos. Dando início à enfermagem moderna no século

XIX, com Florence Nightingale, com preceitos como hierarquia, disciplina no trabalho,

organização religiosa e militar, com relações de subordinação e dominação. No Brasil a

enfermagem moderna tem início com Ana Neri, colocando como ideologia da enfermagem a

abnegação, obediência e dedicação (RODRIGUES, 2001).

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As transformações que o capitalismo trouxe, deram ao corpo humano novos

significados, passando este a ser visto como fonte de lucro, tanto para quem cuidava, quanto

para quem era cuidado, e se constituiu então como força de trabalho. A saúde então uma

forma de produzir mercadorias, precisa de controle desta força de trabalho (LUCENA et al,

2006).

Atualmente a enfermagem vocacional/religiosa apesar de estar presente no discurso de

muitos profissionais, afasta-se do modo em que vivemos, onde enfrentamos dificuldades de

ordem profissional, como longas jornadas de trabalho, baixos salários comparados a outros

profissionais, falta de autonomia, e precarização do cuidado na saúde. Não há espaço para o

ser humano, este é apenas uma peça nesta engrenagem, como é demonstrado no mercado de

trabalho.

O corpo humano é visto então como uma máquina, onde suas peças quando em mau

funcionamento (doença), precisam ser consertadas, e a atenção à saúde passa ser centrada na

doença e não mais na saúde, iniciando as especializações (LUCENA et al, 2006). Como nas

linhas de montagem concebidas por Henry Ford, em meados do século XX, trabalhadores

organizados em série, desempenhando papéis independentes, parcelados, cada trabalhador

executa uma parte da produção, como o que acontece com os usuários de saúde, passando por

uma série de ações, procedimentos e protocolos, e cada profissional o faz em um tempo

diferente, tentando ser concebidas como cuidado em saúde (VIEIRA; SILVEIRA; SANTOS,

2011).

Cabe aqui ressaltar que o trabalho profissional, é o trabalho exercido de forma

especializada, socialmente reconhecida como necessário para uma atividade. Profissão então

se origina conceitualmente do trabalho artesanal, na Idade Média exercida pelas guildas ou

corporações de artífices, onde além da produção de produtos, havia a capacitação para o

ofício. No contexto capitalista dos modos de produção, o trabalho parcelado e a gerência

científica das profissões sofrem influências da economia. Neste sentido “profissão”, quer

dizer a qualificação de um grupo de trabalhadores, em uma determinada atividade, que

dominam seus conhecimentos e que fundamentam a sua realização, estabelecem regras para

exercício de uma profissão, partilham leis, organizam-se em sociedades legitimadas, a fim de

garantir respeito às regras, aprimoramento destes profissionais e desenvolvimento de medidas

que defendam o grupo de trabalhadores (PIRES, 2009).

Pires (2009), afirma ainda que a enfermagem como profissão possui pontos

vulneráveis, como a autonomia do profissional e o seu reconhecimento como utilidade social,

e enfatiza ainda a não existência de um corpo próprio de conhecimentos.

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A reestruturação produtiva trazida pela crise do capitalismo no final do século e início

deste forçou tanto as mais variadas empresas, bem como os serviços de saúde, a tornarem-se

competitivos e acumularem capital, fazendo isso através da complexidade tecnológica e

redução da força de trabalho, hierarquização, e incorporação da terceirização como novas

formas de articulações, produzindo assim uma diminuição e quase finitude da prestação

individual de serviços, sustentando a compra e venda desta força de trabalho, assim obrigando

os profissionais a submeterem-se as mais diversas formas de precarização do trabalho

(KUNZER, 2004).

Conforme Pires (2006), a precarização do trabalho está registrada na literatura como

formas diversas de relações contratuais, o que dificulta a atuação das diversas representações

sindicais, deixando os trabalhadores em geral desprotegidos e vulneráveis às exigências do

mercado, esse processo vem ocorrendo de forma intensa em setores da indústria, e na saúde

de forma mais particular. No Brasil esta forma de precarização na saúde, é demonstrada pelo

aumento do número de contratos temporários, com horários especiais como os plantonistas

em hospitais, e na saúde pública com contratação de agentes comunitários temporários.

Para Gomez e Costa (1999), as conveniências e conjunturas locais, são responsáveis

por estabelecer novos modos de contratação, permitindo o surgimento de empregos chamados

atípicos – terceirizados, temporários, em tempo parcial, por tarefas – e assim produzindo

variação entre emprego e não emprego, contribuindo em diversos níveis para a precarização

do trabalho.

Ainda segundo Pires (2006), a terceirização deste setor cresce constantemente, e está

empregada no setor público, a fim de diminuir custos, e como forma de fugir das conquistas

salariais e direitos trabalhistas conquistados. Essas novas formas de contratação, podem ser

encaradas como novas formas de flexibilização das formas de contrato, porém não é o caso do

Brasil, que tem o contexto de tentar reduzir custos com a saúde pública.

Em outros países a flexibilização não tem um cunho de precarização, mas sim de

direitos adquiridos pelos trabalhadores de trabalhar através de contratos que atendam melhor,

suas necessidades e não somente dos empregadores. O conceito de precarização remete a um

sentido de perdas, e é usado extensamente para designar o que é precário, neste caso as

formas de trabalho na saúde (PIRES, 2006).

O Ministério da Saúde (MS) está trabalhando na tentativa de mudar este quadro de

precarização, através da criação de programas que visam desprecarizar o trabalho no Sistema

Único de Saúde (SUS), e garantir os direitos adquiridos por lei dos trabalhadores,

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manifestados por vezes não somente pela quebra desses direitos, mas também pela ausência

de concursos públicos com cargos permanentes (PIRES, 2006).

Cabe ressaltar ainda que conforme Gomez e Costa (1999), é preciso relembrar que

estas novas formas de contratos adotados pelo SUS, produzem subnotificações de acidentes

de trabalho, não somente físicos, coloca em outro patamar os contratos de trabalhadores

temporários, suprimindo deles doenças ocupacionais como as lesões por esforço repetitivo

(LER), omitindo as empresas terceirizadas a seguridade desses trabalhadores, e permitindo

uma política que evita custos.

Ao olhar este panorama, onde direitos do trabalhador, aqui no caso os da saúde, e

deveres do empregador, são suprimidos, questionamos o precisa ser mudado a fim de alterar

este quadro?

Parto deste ponto para indagar enquanto docente de um Curso de Graduação em

Enfermagem, e como ex-aluna, quais as concepções que discentes de graduação em

enfermagem tem sobre a profissão no início e ao término do curso e relacionar estas

concepções com a precarização do trabalho de enfermagem. Pois acredito que da mesma

maneira que ao escolher pela minha profissão levei como um dos pontos principais de minha

escolha, a vocação/religião, isto ainda acontece entre os ingressantes, e suponho que se

modifique ao final da graduação. Desta maneira o salário, as condições de trabalho estiveram

em segundo plano, o que agora como profissional e atuante tanto na área de docência como na

área hospitalar pude perceber o quão romântica foi esta escolha.

Esta pesquisa justifica-se ao direcionar a prática de enfermagem enquanto trabalho, e o

processo histórico pelo qual perpassa, dando novos significados a este processo de trabalho,

permitindo refletir sobre a realidade concreta dos meios de produção, para entender o

fenômeno, e firmar novas possibilidades, de vislumbrar uma nova forma de cuidar e mudar a

realidade, visando atender o ser humano, em suas necessidades sociais, promovendo a saúde,

e prevenindo as doenças, bem como recuperando o indivíduo para sua vida.

Ao refletirmos sobre as questões enunciadas acima, não somente observamos o

contexto da enfermagem, mas o caminhar de uma profissão que está ainda por consolidar-se,

e outras questões ainda podem surgir, tais como a saúde do trabalhador enfermeiro, que como

resultado desta precarização de seu trabalho, passa a sofrer não somente fisicamente, mas

também mentalmente.

O enfermeiro não vê sua profissão como trabalho, torna-se então, incapaz de

reivindicar melhores condições de trabalho, e torna-se um profissional a margem do serviço

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de saúde, pois a raiz de muitos conflitos dentro da própria equipe de saúde tem origem pela

submissão passional, da equipe de enfermagem a outros trabalhadores do serviço de saúde.

Ao nos colocarmos como parte de uma equipe que constrói o cuidado a um

paciente/cliente, percebemos que é essencial o papel profissional do enfermeiro, como

organizador, cuidador, diretor, organizador desta equipe, e que possui um conhecimento

próprio, cientificamente firmado, e que desta maneira é capaz de lutar por seu espaço de

igualdade, como trabalho muito bem definido.

Segundo Kunzer (2004), os professores assim como os enfermeiros, estão sob uma

tensão relacionada a seu trabalho, visto que este possui uma natureza não-material, onde não

há separação entre produto e produtor, é um processo subjetivo, porém possui as

características de um trabalho, tem de ser qualificador, transformador e prazeroso, e frente a

este mercado capitalista também é mercadoria comprada para valorizar o capital. Ainda deste

modo, o cuidador (enfermeiro), ao vender seu trabalho como mercadoria, coloca-o sob

algumas limitações, que são definidas através de contratos de trabalhos, a cada dia mais

rígidos e específicos, e deste modo não é pleno e satisfatório, levando ao sofrimento e não

realização pessoal.

Isso explica um pouco, o que acontece nos serviços de saúde atualmente, e está

demonstrada na mídia diariamente, a tendência ao não envolvimento do profissional de saúde,

uma maneira de evitar o sofrimento visto que este profissional não consegue ver seu produto

final, e não se satisfaz, pois está amarrado a um contrato de trabalho, a uma jornada de

trabalho limitada, programada, normatizada, que tem como fachada a tentativa de organização

do serviço, e melhora na qualidade do atendimento, mas que de modo geral visa à alta

produtividade e lucratividade.

Enfermagem enquanto trabalho ou ajuda/vocação/doação? Enquanto esta dúvida

perdurar, o enfermeiro, assim como outras profissões na área da saúde, estará submetido a

qualquer tipo de precarização desta profissão, e consequentemente ao sofrimento profissional.

Mas a grande questão está no resultado, o paciente/cliente encontrara sempre a

desumanização do seu cuidado, justamente ele, que está em uma situação de fragilidade, visto

que busca a recuperação de sua saúde.

A partir dos pontos apresentados para introduzir este estudo, emergiram os pontos

importantes a serem discutidos no corpo do trabalho, sendo que no primeiro capítulo

apresentaremos a profissão enfermagem, com um resgate histórico de sua raiz, vocacional,

mística, e por fim profissional, bem como os processos políticos e históricos perpassados

pelas concepções saúde e doença, da antiguidade até a atualidade.

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No segundo capítulo caracterizamos o trabalho, sob o contexto dos modos de

produção, culminando com o capitalismo, ainda colocamos pontos conceituais do trabalho na

saúde, a fim de dar suporte para uma discussão a partir da prática de enfermagem sob o modo

de produção capitalista.

O terceiro capítulo trata das concepções dos discentes ingressantes do curso de

graduação em enfermagem, em relação à escolha da profissão, do forte caráter vocacional

apresentado por esses discentes, fazendo um contraponto com a precarização do cuidado,

voltando-se com um caráter de submissão e apatia frente às formas de exploração do trabalho

de enfermagem.

Por fim o quarto capítulo trata das concepções dos discentes concluintes do curso de

graduação em enfermagem, destacando uma visão real da profissão, confrontando-a com o

ideal apresentado em sala de aula, também apresenta a visão sobre as práticas precárias em

que ocorre o processo de produção do cuidado, enfatizando as diferenças percebidas entre

ganhos salariais, jornadas de trabalho, e descaracterização do ato de cuidar no setor público e

privado, que acaba por culminar na produção do cuidado desqualificado.

Objetivos

Como objetivo geral deste estudo buscou-se desvelar as concepções que discentes

iniciantes e concluintes do curso de graduação em enfermagem têm sobre o que é a profissão

e tecer considerações entre estas concepções e a precarização do trabalho na saúde e na

enfermagem. E como objetivos específicos:

a) Identificar as concepções dos acadêmicos de enfermagem no primeiro semestre

de graduação quanto a sua escolha profissional;

b) Identificar as concepções dos acadêmicos de enfermagem no último semestre

de graduação quanto à enfermagem enquanto trabalho;

c) Correlacionar essas concepções com a precarização do trabalho na saúde e na

enfermagem;

d) Identificar as relações entre trabalho e educação presentes na criação da

concepção da enfermagem, enquanto profissão.

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Aspectos Metodológicos

Trata-se de um estudo qualitativo, uma vez que a identificação das concepções dos

discentes de graduação em enfermagem quanto à enfermagem enquanto profissão interage

com o universo dos significados, motivações, crenças e valores, que não pode ser quantificado

segundo Minayo (1996). E de caráter exploratório, que de acordo com Gil (1999, p.43) “é

desenvolvida com o objetivo de proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de

determinado fato, esse tipo de pesquisa é realizada quando o tema escolhido é pouco

estudado”.

Utilizaremos a literatura para fundamentar nossa análise quanto aos momentos

históricos da enfermagem, e assim encontrar alicerce da atual concepção da enfermagem,

sendo que a década de 80 indica o início de mudança na compreensão da enfermagem

enquanto trabalho, isso se justifica pelas mudanças ocorridas na percepção do processo de

trabalho da enfermagem anteriormente a década de 80, e a reestruturação sofrida pela saúde,

decorrida a fatos marcantes com a implantação do SUS, através da Lei Orgânica da Saúde,

Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, (BRASIL, 1990), e juntamente a isso na enfermagem as

mudanças que ocorreram no sentido da regulamentação e aprovação da Lei do exercício

profissional – Lei 7498 e o Decreto 94.406 de 1987 (BRASIL, 1986; 1987), que podem ter

repercutido na percepção de trabalho na saúde, e a sua precarização conforme os objetivos

expostos acima.

Foram realizadas entrevistas individuais, onde através de questões norteadoras a ambos

os grupos de discentes (concluintes e iniciantes), conforme Apêndices I e II foi possível captar

as concepções relacionadas ao trabalho em enfermagem presentes nas falas destes

graduandos.

Para que os resultados fossem fidedignos as entrevistas foram gravadas em um aparelho

celular (Iphone 4 – Apple) e posteriormente transcritas na íntegra, após a devida autorização

do discente. O local das entrevistas se deu em ambiente fechado, na própria instituição de

ensino com horário marcado conforme acordo estabelecido entre a pesquisadora e o

voluntário na pesquisa, a fim de preservá-lo e evitar constrangimentos.

O método materialista dialético histórico foi adotado como referencial, pois através de

uma interpretação histórica e social da realidade procedeu-se à correlação destas concepções,

durante a discussão dos resultados. O método dialético baseado no pensamento de Marx foi

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utilizado neste estudo, na tentativa da superar a separação que ocorre entre sujeitos e objeto,

presente em diversos métodos.

A dialética referida é diferente da concebida na Grécia antiga, como a arte do diálogo,

como aquela ocorrida entre iguais, na concordância de um pensamento, uma identidade. Com

Heráclito, grego 530 a 428 a.C., ocorre uma mudança da forma de pensar a dialética, para este

o diálogo só existe quando há divergências, conflito de idéias (PIRES, 1997). A dialética que

aqui se trata, passa a assumir com o passar do tempo um lugar importante e objeto de estudo

da filosofia, com Hegel, filósofo alemão (1770-1831), elaborando a dialética como método,

com o princípio da contradição, ou seja, algo é e não é ao mesmo tempo, e sob um mesmo

aspecto, indicando uma totalidade e historicidade (PIRES, 1997).

O método dialético então permite compreender o mundo da forma que ele o é, visto

que se movimenta e é contraditório, desta forma o modo formal de pensar engessa esse tipo de

raciocínio, diferente do proposto por Marx, sendo que sua dialética é material e histórica,

material, pois os homens se organizam produzindo e reproduzindo a vida, e histórica, pois

eles organizam-se na história através dos tempos. Marx não faz uma explanação detalhada do

método em sua obra, porém mostra suas aplicações, principalmente em sua obra mais

importante O capital (PIRES, 1997).

A análise então partindo do materialismo histórico dialético permite refletir as questões

referentes à produção da vida material dos seres humanos considerando os diferentes

momentos históricos, e na análise em questão centrada no mundo do trabalho, é fundamental

na medida em que permite visualizar o concreto através do trabalho, como ocorre para este

profissional.

O cenário da pesquisa é uma Instituição de Ensino Superior Federal (IES), a

Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), no campus de Sinop - Mato Grosso,

instituição essa que abriga um curso de graduação em enfermagem desde o primeiro semestre

de 2007, com uma entrada anual de 60 alunos, divididos em 30 alunos por semestre.

Os sujeitos da pesquisa são os discentes ingressantes no curso de graduação

enfermagem em 2012/1 da IES, UFMT do Campus Sinop, do Curso de Graduação em

Enfermagem e também em discentes concluintes 2012/1 desta mesma IES. Justificando esta

escolha por adequar-se ao período para realização do estudo, e o fato da instituição ter entrada

e saída de alunos a cada semestre.

Em relação à análise e coleta dos dados, os dados foram coletados em março de 2012,

através da entrevista semi-estruturada, conforme os apêndices apresentados nesta dissertação

e as questões abertas, ao discente houve a liberdade de aprofundar-se nas questões, sendo que

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a interferência da pesquisadora ocorreu de forma a complementar os relatos a fim de chegar

aos objetivos do estudo.

Os dados coletados nas entrevistas foram tratados através da técnica de análise de

conteúdo baseada em Bardin (1977) e organizados de acordo com os princípios da análise

qualitativa (Minayo, 2007).

Bardin (1977) revela que a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas, que possui

diferentes maneiras para se analisar, como: análise de avaliação ou representacional; análise

de expressão; análise de enunciação e análise temática.

Neste estudo, a análise de dados foi feita através da análise temática. Assim para fazer

uma análise de conteúdo temática é necessário descobrir os núcleos de sentido que compõem

a comunicação, cuja presença ou frequência possua algum significado para o objeto analítico

visado (BARDIN, 1977; MINAYO, 2007).

A análise dividiu-se em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento

dos resultados, inferência e interpretação.

A fase de pré-análise consistiu em organizar as ideias iniciais de modo sistemático, a

fim de conduzir um esquema preciso de desenvolvimento da pesquisa (BARDIN, 1977). As

hipóteses e os objetivos do estudo foram retomados, e foram elaborados indicadores para

orientação da interpretação final (MINAYO, 2007).

Esta fase compõe três tarefas: leitura flutuante que consiste no contato exaustivo com

o material para conhecer o conteúdo; constituição do corpus que refere a forma de organizar o

material respondendo algumas normas com exaustividade, representatividade,

homogeneidade, pertinência e exclusividade; reformulação de hipóteses e objetivos

compreende a unidade de registro e contexto, a forma de categorização, a modalidade de

decodificação e os conceitos gerais que orientaram a análise (MINAYO, 2007).

A exploração do material foi feita na fase em que se deve analisar o texto

sistematicamente em função das categorias anteriormente formadas (BARDIN, 1977;

MINAYO, 2007).

Bardin (1977, p. 117) considera a categorização como “ [...] uma operação de

classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente,

por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos”. A

terceira e última fase consiste no tratamento dos resultados, inferência e interpretação, aqui as

categorias que foram utilizadas como unidades de análise que permitiram ressaltar as

informações obtidas. Logo após foram feitas inferências e interpretações dialogando as

categorizações emergidas com os objetivos e pressupostos da pesquisa (MINAYO, 2007).

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Ainda para utilização dos relatos lançou-se mão de pseudônimos afim de não

identificar os sujeitos da pesquisa, e sim somente a identificação do grupo ao qual pertencia o

relato, ou seja, Discente Iniciante (D.I) e Discente Concluinte (D.C) seguidos da numeração

de identificação do sujeito de 01 a 05.

Todos os discentes matriculados no primeiro semestre do Curso de Graduação em

Enfermagem da UFMT/Campus Sinop no semestre de 2012-1, foram convidados a participar

da pesquisa, através de contato pessoal da pesquisadora no primeiro dia do semestre letivo,

nesta ocasião foram explicitados os objetivos do estudo, e a importância de uma participação

voluntária destes discentes iniciantes, sendo assim cinco discentes aceitaram os termos

apresentados no TCLE, e a gravação das entrevistas, porém ao final deste estudo conforme

previsto pela Resolução CNS 196/96, um dos sujeitos solicitou a exclusão de seus relatos

deste estudo, sendo então retirado como parte da amostra de discentes iniciantes, totalizando

quatro entrevistas dos ingressantes.

Da mesma forma os alunos concluintes no semestre de 2012-1 foram abordados em

sala de aula pela pesquisadora, e submetidos ao mesmo esclarecimento e pedido de

participação na pesquisa, findando-se com uma amostra de cinco discentes concluintes que

participaram voluntariamente do estudo.

Respeitando os aspectos éticos da pesquisa em saúde os discentes que aceitaram

participar do estudo através do contato direto, antes da concessão da entrevista realizou-se

uma breve apresentação dos objetivos do estudo, solicitou-se a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e as entrevistas ocorreram conforme a

disponibilidade dos sujeitos, seguindo o roteiro semi-estruturado, sendo que o projeto de

pesquisa previamente a coleta de dados, foi submetido a apreciação ética, pelo Comitê de

Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller – UFMT e devidamente aprovado e

registrado sob protocolo n° 161/CEP-HUJM/2011 em 05 de março de 2012, atendendo a

Resolução Conselho Nacional de Saúde (CNS) 196/96, que dispõe sobre a pesquisa com seres

humanos.

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CAPÍTULO 1 – ENFERMAGEM, CUIADADO E SAÚDE: HISTÓRIA DA

PROFISSÃO

1.1 A Idade Média – enfermagem, cuidado e saúde.

Ao longo da história a saúde e o trabalho humano têm se conformado de acordo com

as necessidades, as adversidades, os anseios e objetivos do homem. Desta forma o contexto

histórico-cultural de cada época influenciou de forma diversa a evolução do homem, do

trabalho e da saúde. Juntamente com a saúde, a doença caminhou inerentemente a existência

humana, e as diversas formas de trata-la, preveni-la e reestabelecer a saúde surgiram, pela

ação humana através do cuidado, de homens para e no homem.

Ao tratar da saúde, do cuidado e da enfermagem segundo as eras históricas é preciso

destacar alguns pontos, pois a história das profissões permite saber a forma como ocorreu a

construção dos saberes práticos, teóricos além do modus operandi pelo qual a profissão

passou e assim conhecer e compreender o presente, e traçar seu futuro (PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

As profissões ao longo do tempo, mais precisamente a enfermagem, têm passado por

uma construção, e reconstrução constante de seus conhecimentos e conceitos, construindo sua

história, na tentativa de desfazer-se de amarras de paradigmas, preconceitos, estereótipos

presentes em sua realidade. Nesse sentido é pertinente à abordagem da historicidade desta

profissão, e a produção literária atual tem permitido a docentes, pesquisadores e pessoas com

interesses comuns, manterem atualizados os conhecimentos clássicos e novos sobre esta

profissão, seja no âmbito nacional ou internacional. Também é possível observar a criação e

inserção da discussão histórica da profissão nos cursos de enfermagem, permitindo aos

estudantes discutir e ter novos apontamentos a fazer quanto a profissão (PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

Desta forma a História como uma ciência permite olhar o presente, mas de forma

pretérita entender a construção dos fatos, sendo que o ser humano a seu tempo e de diversas

maneiras, aprendeu e construiu formas de relacionar-se com o corpo, e a combater os males

que padeciam, baseados então na experiência.

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Segundo Le Goff1(1991 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.40), a

enfermagem apresenta uma relação muito próxima ao cuidado dado pelas mães e que vem

evoluindo ao longo dos tempos e dessa forma tem coexistido com este a todo momento, sendo

uma ciência ligada a arte de cuidar, assim como a mãe que atende seu bebê enfermo e cuida a

fim de cura-lo, sendo que esta pode ser sugerida como a primeira enfermeira da humanidade.

Este capítulo trata da enfermagem, do cuidado e da saúde de modo geral, no período

da idade média até a atualidade, baseando-se no contexto em que estão inseridos, tanto

política quanto social e culturalmente. Na era medieval é possível afirmar que em todo o

mundo duas grandes vertentes dirigiam a enfermagem: o exército e a Igreja. E também que

esta História da Enfermagem concentrou-se na Europa e no Ocidente, sendo escassos os

dados de outros continentes segundo Goodnow2 (1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN;

SANTOS, 2011, p.84).

O contexto social, econômico, político e cultural da Idade Média foram considerados

um período obscuro na história, perdurando desde a metade do século V até a primeira metade

do século XV, dividindo-se ainda em Alta e Baixa Idade Média, sendo a primeira carregada

de caos e torpor entre os séculos V a IX, e a seguinte, séculos X a XV, indicando certa

estabilidade (OGUISSO, 2007).

A queda do Império Romano no ano de 476 e o início das formações bárbaras,

indicaram um período onde os bárbaros destruíram patrimônios, devastaram a cultura,

tesouros e materiais de grandes populações, sendo este período conhecido, como uma época

negra para a humanidade. Estas invasões permitiram, apesar de muito danosas a vários

grupos e povos, o inicio de transição entre o modo de organização econômica baseado no

trabalho escravo, para o modo de produção feudal3. Este novo modo de produção permitiu a

formação de três classes, sendo elas o clero, a nobreza e os citadinos (homens livres ou

dependentes com funções como artesões, mercadores e camponeses) (PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

O modo de produção feudal consolidou-se durante a Alta Idade Média, e assim um

sistema de formação econômica pré-capitalista iniciou-se na Baixa Idade Média. Este novo

1 LE GOFF, J. As doenças têm história. Trad. De Laurina Bom. Lisboa: Terra-mar, 1991.

2 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953.

3 Modo de produção feudal baseava-se em relações de troca de produtos e toda produção era destinada ao

sustento local, as relações de trabalho davam-se entre o senhor feudal e o servo ou camponês, que trabalhava na

propriedade do senhor feudal e pagava um induto pelo seu uso, além disso o servo tinha que trabalhar três dias

da semana de graça para o seu senhor, o trabalho não era assalariado e resultava em dependência social entre o

senhor feudal e seu servo, o feudalismo como era chamada, teve seu início por volta do século XIII até o início

do século XV, quando atingiu seu auge de desenvolvimento, e a partir daí seu declínio iniciou (FRANCO JR,

1987).

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contexto sócio-economico permitiu ainda o início das cidades, dos centros de artesanato e

comércio, o desenvolvimento da indústria têxtil e produção de ferro, a fim de atender as

necessidades desta nova divisão do trabalho, a Europa nos séculos medievais apresentou

notável crescimento. Neste período ainda nota-se o início das universidades, aprimoramento

do trabalho com o vidro, da maquinaria de relógios, grandes embarcações, instrumentos como

bússola e astrolábio foi desenvolvido, para permitir a navegação. A família era o núcleo mais

importante deste período, pois baseado nela davam-se as relações sejam elas de trabalho,

afetivas ou relacionamentos, pois necessitavam vislumbrar o bem comum para a família

(PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

1.1.1 O contexto religioso na Idade Média e o cuidado.

Como dito anteriormente a Igreja dominou circunstancialmente este período, sendo

responsável pela dominação cultural e até mesmo intelectual, assim as produções nesses

campos visavam atender a conceitos de salvação divina, nas pinturas e na arte os santos e

anjos são destaques, bem como as formas de penitencia e peregrinação também eram vistas

com bons olhos, pois traziam o indivíduo mais perto de Deus pelo seu sofrimento.

Neste período marcado pela degradação do Império Romano, devido às invasões

bárbaras, o caos instaurado levou a um estado de barbárie, onde a população encontrava-se

analfabeta, sem instrução e saúde, emergindo daí a figura dos monges, representantes da

Igreja, em seus monastérios surgindo como ponto de apoio e instituição da ordem geral,

ficando responsáveis pelo ensino da religião, enfermagem, educação e medicina, afirmando-se

a Igreja como a única instituição organizada, totalmente instituída, capaz de conceder o apoio

a ideologia do novo modo de produção que se configurava, o feudalismo, emergindo sobre o

caos e a degradação que aquele tempo passava, segundo Goodnow4 (1953 apud PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.88).

A moral, o direito, a disciplina e o culto à Igreja foram decisivos para o fortalecimento

dessa unidade, e manter os homens daquele tempo novamente sujeitos aos códigos de ética e

moral que haviam sido destruídos. Como forma de obtenção da redenção divina as boas almas

deveriam realizar boas ações em hospitais, esses bons homens e mulheres eram pessoas

4 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953.

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importantes que tinham como forma de penitência e caridade o serviço nestas instituições,

construindo a imagem de bondade baseado na obediência a igreja.

O estilo gótico das igrejas da Idade Média, além do grande número destas, dava a

dimensão do domínio e impregnação pela população da religião. As Cruzadas5 empreendidas

na recuperação da Terra Santa mobilizaram milhares de homens e mulheres para a retomada

de Jerusalém, a guerra gerou feridos, e a necessidade de cuidados, sendo estes assumidos

pelas mulheres que também lutavam em nome da Igreja. Neste momento então também a

Igreja ocupou-se na construção de hospitais e recrutamento de voluntários, surgindo então

ordens de militares que tinham como tarefa diminuir doenças e a pobreza através da atenção

prestada nestes hospitais, utilizando-se dos seus ideais militares.

Juntamente com a ordem citada, outras insurgentes e derivadas manifestaram-se,

dentre elas ainda podemos citar, Ordem dos Cavaleiros de São Lázaro, voltados aos cuidados

dos leprosos, Ordem dos Cavaleiros Hospitalares Teutónicos, vistos com bons olhos pela

monarquia alemã, além de seguidores com o passar do tempo e várias denominações como os

Templários, Cavaleiros de Malta e Cavaleiros de Rodas. Assim reafirmando o domínio

europeu decorrente das cruzadas, relações comerciais foram estabelecidas, e atividades

comerciais também, permitindo o crescimento do comércio, de forma sussurrar o início da

visão do lucro, da racionalidade, ou seja de uma estrutura que pode ser chamada de pré-

capitalista PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

1.1.2 Cuidado, saúde pública e os hospitais.

Durante a Idade Média, os conceitos sobre o corpo, o cuidado e as doenças evoluiu de

forma menos científica, e mais empírica e mística. Como relatado anteriormente o acesso a

Deus era controlado pela Igreja, de forma que as epidemias, grandes vilãs daquela época,

devastavam e matavam milhares, eram consideradas formas de punição a população, que se

encontrava sem rumo, ou ordem ética e moral.

5 Cruzadas para recuperação da Terra Santa, aconteceram como um movimento militar mas primeiramente

religioso que visava possibilitar o retorno de acesso e liberdade dos cristãos a Jerusalém, que encontrava-se

dominada pelos turcos, dessa forma tropas ocidentais empreenderam uma luta que perdurou entre os séculos XI a

XV, na Palestina. Liderados por Godofredo de Bulhão em 15 de julho de 1099, após matar e massacrar os turcos,

possibilitou o livre acesso dos cristãos peregrinos a Jerusalém (ARRUDA, 1981).

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Aliado as epidemias outros fatores contribuíam de forma negativa com a saúde da

população em geral, entre eles a nutrição, que era por vezes precária, pela escassez e o cultivo

de frutas e vegetais, tudo isso juntamente com o trabalho árduo e extenuante dessas

populações visto as dificuldades geográficas e espaciais das cidades naquele tempo. Assim

não havia contexto suficientemente propício para que todas as formas de vegetais fossem

cultivadas, e até mesmo que o gado sobrevivesse, assim também era a expectativa de vida da

população, que perecia como a terra que pela seca era massacrada, e as crianças, que pela

mortalidade infantil elevada eram ceifadas, conforme Goodnow6 (1953 apud PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.91).

As doenças mais relevantes daquele período eram a lepra e a peste bubônica, que

encontravam campo fértil para a proliferação e perpetuação, haja vista a imensidão dos

aglomerados humanos, da situação de higiene de animais e seres humanos, compartilhando

espaços comuns, após o período das cruzadas. Essas populações iniciaram seus movimentos,

e a falta de saberes sobre como se dava a cura dessas enfermidades. A lepra com destaque era

contida através do isolamento dos indivíduos, baseados na forma de contagio descrita no

Velho Testamento, assim iniciando um período com crescimento de leprosários pela Europa,

sendo que na França por exemplo, o número de casas para esse fim elevaram-se, chegando a

19 mil em todo o continente. Novamente o pecado ou punição de Deus, eram utilizados para

segregar e excluir os leprosos, pois essa doença era decorrente de pecados de ordem sexual,

segundo a crença, assim esses homens e mulheres eram considerados como mortos para a

sociedade, e para Deus, seu sofrimento físico na terra era recompensado pela salvação de suas

almas (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

A peste bubônica castigou a população da Idade Média, tanto quanto a lepra, e esta se

estendeu desde os primórdios, com registros no Egito por volta de 540, onde dizimou um

quarto da população, e por volta de 1300 chegou a Europa. O controle da transmissão da

doença, esta cercado de misticismo, e em relatos bíblicos, onde se acreditava que a quarentena

era eficaz, pois no último dia era possível separar as formas agudas das crônicas, assim os

navios permaneciam no mar até que todos atingissem o quadragésimo dia. A instituição de

medidas como a transferência dos doentes para o campo, para evitar contaminação das

populações na cidade ocorriam, porém esses doentes eram deixados à sorte, para

recuperarem-se ou morrerem. É sabido que a situação da população em relação à higiene era

precária, o corpo e sua manipulação eram considerados pecado e perigo moral, o banho

6 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953.

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também poderia ser considerado uma forma de heresia segundo Siles7 (1999 apud PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.93).

O cuidado com o corpo, mas principalmente os conceitos de equilíbrio da saúde, eram

regados de magia, religião, rituais pagãos e cristãos, e assim, a oração, a penitencia ou mesmo

o culto a santos eram usados como formas de aliviar e curar doenças. Quatro humores

regulavam a saúde, sendo eles o sangue, a fleugma ou ptuita, bile amarela e bile negra, e a

falta de harmonia entre esses humores era considerada a genes da doença. Por esse motivo, o

tratamento dava-se através de uma forma de equilibrar esses humores, com o uso de sangrias,

purgantes, ou substâncias que provocassem o vômito, baseados em conceitos hipocráticos, na

tentativa de retirar conteúdos nocivos.

A retirada de dentes, e realização de sangrias, o uso de ventosas era realizado por

barbeiros-cirurgiões, um misto de magia, astrologia e escritos antigos que os orientavam sobre

quando e como realizar tais procedimentos. Consideravam que pedras ou pó de pedras de

certos locais considerados sagrados também curavam as pessoas, por isso túmulos de santos e

o que deles era composto era utilizado em forma de pó, e dado como remédio, para cura de

algumas doenças. Apesar de este período ser marcado pela presença da Igreja com a

Inquisição, a bruxaria consolidou-se como uma prática comum entre os pobres, estas atuavam

em partos, realizavam rituais com sacrifício, e ainda as mulheres que tinham longevidade

também corriam o risco de serem vistas como bruxas, segundo Goodnow8 (1953 apud

PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.95).

Ao contrário do que se acredita os primeiros cuidadores na enfermagem, eram

homens, e esses foram responsáveis pela fundação das primeiras ordens para esse fim, como

os Irmãos de Santo Antônio e os Irmãos do Espírito Santo. O corpo do homem não poderia

ser manipulado por mulheres, a não ser que de um parente próximo. Porém o cuidado que elas

implementavam permanecia ocorrendo paralelamente, e com o passar dos anos esse cuidado

passou a ser indispensável. Por influência católica, o clero ordenava mulheres para a

realização das visitas aos doentes e do cuidado, essas eram tanto solteiras como casadas,

possuíam casa, e bens herdados, cuidavam da população cristã como um todo9.

Cuidar era um ato simples, baseado em ações de alívio e conforto, sem fundamento

teórico e científico, mas sim carregados de caridade e piedade aos pobres e enfermos.

Reafirmando a influencia católica sobre o cuidado, pode-se afirmar que monges, monjas

7 SILES, J. História de la enfermeira. Alicante (Espanha): Aguaclara; 1999.

8 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953.

9 Ibid., p. 96.

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iniciaram o saber em enfermagem pré-clínico, dentro dos mosteiros. Estes copiavam, liam e

traduziam os escritos de Hipócrates10

, instituindo ações de alívio e conforto como aplicar água

de rosas na fronte do doente para baixar a febre, colocar os pés em vinagre e sal para aliviar o

cansaço, cobrir os doentes, assim essas ações simples eram baseadas também na experiência

vivida e influenciados pela espiritualidade e caridade, sendo que virgens e as monjas foram

responsáveis pela criação de ordens de mulheres que trabalhavam para a Igreja com esse fim

(OGUISSO, 2007).

Na Europa, mais precisamente em Roma, diáconos e diaconisas repassavam seus

conhecimentos sobre o cuidado ao povo, baseados sua experiência, foram ordens criadas para

o auxílio aos pobres, e trabalhavam juntamente com os bispos e presbíteros. Várias ordens

surgiram com esse intuito na Ásia, Itália, Espanha, Irlanda e Síria. Entre as ordens podemos

destacar a Ordem das Irmãs Agostinas, que trabalhavam também sob o controle do clero, e

realizavam funções de enfermagem, além de administrar o Hôtel-Dieu de Paris, mesmo que

rudimentar esse hospital oferecia uma forma de cuidado de enfermagem, que ia desde o

auxílio em partos, e realizavam o cuidado com homens, que não era permitido para mulheres,

porém como estavam sob a alcunha da Igreja, por essas mulheres poderia ser feito, conforme

Goodnow11

(1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.96).

Destaca-se a Ordem das Beguinas, no final do século XIII, na França como sendo uma

ordem não religiosa, porém fundada por um clérigo, Lambert Begh. Mulheres viúvas que

realizavam ações de caridade, porém com disciplina em suas relações, cuidavam de doentes,

velhos e pobres, e assim mais tarde foram chamadas de Ordens Seculares de Enfermagem,

ficaram amplamente conhecidas pela população, porém a Igreja as perseguiu, já essas

promoveram à população inovações e conhecimento, e por serem independentes do poder da

Igreja, segundo Siles12

(1999 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.97).

O parto neste período era complicado para a maioria das mulheres, e as parteiras

tinham atuação decisiva, já que os médicos da era medieval, eram chamados somente nos

casos em que uma cesárea seria necessário, geralmente por morte fetal ou da parturiente, visto

que o procedimento era agressivo e brutal. O aleitamento materno não ocorria entre a

população mais rica, pois o leite era considerado impuro, e somente Amas de leite acabavam

por amamentar (OGUISSO, 2007).

10

Hipócrates considerado pai da medicina iniciou os primeiros estudos nesta área. 11

GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953. 12

SILES, J. História de la enfermeira. Alicante (Espanha): Aguaclara; 1999.

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34

A introdução da instrução e cientificidades da profissões na Idade Média, foi difícil

visto a restrição dos conhecimentos produzidos pelo ocidente estarem unicamente em latim,

saber ler e escrever também era restrito a monges, bispos e padres, sendo que o conhecimento

tornou-se um bem da Igreja. Assim o público somente teve acesso a esses escritos a partir de

Carlos Magno (768 – 814), esse imperador francês foi quem primeiro incentivou a formação

profissional junto aos monastérios, da mesma forma a medicina e as outras ciências da saúde

ocuparam-se de superar desafios de ordem religiosa, para enfim serem reconhecidas em sua

cientificidade, a medicina era conhecida como um trabalho mecânico, e o estudo da anatomia

do corpo um ato pagão, pois violava o que era sagrado aos olhos de Deus (OGUISSO, 2007).

Na Itália em Salermo por volta do século XI, é que a primeira escola que bordasse o

conhecimento médico foi instituída, os estudantes eram jovens ansiosos em aprender, e com

alguns mestres como São Francisco e São Domingos foram os primeiros a ensinar. A Escola

de Salermo teve seu auge no século XIII, pois a partir dela os médicos eram requeridos com

formação e estágio para trabalharem, empregando o início do saber científico para o exercício

da medicina. Com as novas ideias, os médicos na Idade Média eram reconhecidos por terem

realizado estudos e grau conferido pela universidade, sendo que assim diferenciavam-se de

barbeiros-cirurgiões, magos e curandeiros (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

Os hospitais medievais surgiram a partir dos monastérios que tinham o caráter

religioso da caridade, e perdurou durante todo período medieval. Sendo os primeiros hospitais

Hôtel-Dieu (542) em Sião, e em Paris o Hotel-Dieu (651), São Pedro e São Leonardo na

Inglaterra (936), sendo que estes monastérios tornaram-se com a denominação de “hospital”

por uma determinação do Concílio de Aachen (816 d.C). O caráter religioso afastou-se da

assistência médica somente no século XII, depois de uma determinação, que somente médicos

poderiam realizados se fossem capacitados para isso, a partir do Concílio de Viena em 1312,

porém o clero não afastou-se totalmente, ficando a seu cargo os cuidados de enfermagem, e a

administração desses locais. A medicina dissociou-se do seu caráter vocacional pois os

hospitais não eram atrativos para o trabalho, pelas condições, e deram inicio a venda de seu

trabalho (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

Assim, é possível visualizar através da Idade Média o quão enrraigada o cuidado, a

enfermagem e a saúde estavam ao cristianismo, a caridade e a salvação. Os primórdios a

divisão do trabalho em categorias de cuidados, e de gêneros também é observada, e assim

vislumbrar através da história o contexto pelo qual as profissões perpassaram e como os

conceitos de saúde-doença evoluíram até a ideia atual. A enfermagem e sua história no

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contexto geral permite entender e desvelar as práticas, a fim de permitir à compreensão da

história da profissão.

1.2 A Idade Moderna – enfermagem, cuidado e saúde.

O período compreendido como Idade Moderna, estende-se do século XV ao XVIII,

para a enfermagem, cuidado e saúde, além de todos os campos econômicos, políticos, um

período de transição entre a Idade Média e a Moderna, mas marcado principalmente pela

introdução do modo capitalista de produção, com a valorização do comércio, em substituição

ao modo feudal de produção, abordados mais adiante no próximo capitulo deste trabalho.

Importante ainda destacar que este período foi marcado por renascimento da arte, cultura, e

ciência, bem como os grandes descobrimentos, e nesse contexto a descoberta e desbravação

do novo mundo, ou seja, América do Sul e Central (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,

2011).

A organização religiosa na Europa também sofreu mudanças, advindas da Reforma

Protestante, esta reforma assumiu diferentes denominações e diferentes líderes nos locais em

que se deu, mas seu ícone maior é sem dúvida Martinho Lutero, na Alemanha, dando origem

ao luteranismo, sua crítica recaia principalmente sobre o teologismo com que a economia, a

sociedade, a política e a cultura estavam imersas, pela ideologia da Igreja Católica Romana.

Lutero foi autor de 95 livros que criticavam e instigavam a população a repensar a forma

como se dava na Igreja Católica o pagamento de indulgencias, condenava também o

paganismo e a avareza, propondo assim um debate teológico, com força crítica. Essa reforma

apoiada no saber científico e nas questões que superavam o catolicismo, ultrapassou fronteiras

e originou também na Inglaterra com Henrique VIII o anglicanismo e na Suíça, com João

Calvino o calvinismo, segundo Cotrim13

(1999 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,

2011, p. 114).

Assim essas mudanças decorrentes do movimento de reforma acabaram por estender-

se a enfermagem, ao cuidado e a saúde da população, nos locais em que ocorreram, a forma

de conceber os fenômenos a partir da reforma trouxe para enfermagem, principalmente com a

saída da dominação do clero nos hospitais, deixando para trás um buraco, no que diz respeito

13

COTRIM, G. História Global: Brasil e Geral. 5 ed. São Paulo: 1999.

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a pessoas qualificadas para o cuidado. Posterior a reforma, a Igreja Católica tomou medidas

para tentar conter a expansão do protestantismo, em um movimento denominado

Contrarreforma, outorgado pelo Concílio de Trento, com a missão catequizar o povo das

terras recém-descobertas, e instituir novamente a Inquisição, além de limitar a atuação das

mulheres e, por conseguinte prejudicar as ações de enfermagem por elas instituídas

(GEOVANINI et al., 2005).

A Ordem dos Jesuítas ou Companhia de Jesus em 1549 foram os primeiros soldados

da Igreja a adentrarem a terra nova, atuando com a catequese da população ameríndia, e as

práticas de enfermagem estavam também ligadas a esta ordem no início pela forma que

possuíam influência, pela falta de estrutura, e carência de assistência a saúde adequadas. Os

primeiros jesuítas foram Padre Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e Antônio Vieira, sendo

que estes fundaram escolas como a de São Paulo de Piratininga, e estendiam suas práticas de

saúde nos hospitais, como a Santa Casa de Misericórdia e nas Igrejas, outras ordens surgiram

posteriores a esta como os Franciscanos e Beneditinos que possuíam ideologias semelhantes

(PIRES, 1989).

1.2.1 Os problemas de saúde na Idade Moderna.

Como abordado anteriormente a peste negra, foi uma das epidemias mais devastadoras

da Idade Média, refletindo através dos tempos até o período do Renascimento, visto as grande

perdas humanas, e o estado de saúde geral da população sobrevivente. O conhecimento sobre

o processo-saúde doença, modificou-se na Europa com as mudanças trazidas na compreensão

dos fenômenos, porém isso não refletiu diretamente na melhora na qualidade de vida da

população, visto que o aumento fulminante das cidades europeias, da população, e o

desenvolvimento da manufatura, possibilitou que a população ficasse agora susceptível a

doenças contagiosas como a tuberculose, e outras doenças de ordem nutricional e higiene

também aumentassem como a desnutrição. Sem deixar de lembrar que para o avanço deste

mercado crianças e mulheres entraram como mão de obra no trabalho, e as classes operárias

começaram adoecer devido a acidentes de trabalho, intoxicação alimentar, culminando

também com um aumento na mortalidade infantil e materna (GEOVANINI et al., 2005).

Adoecer era um empecilho à força produtiva, o que poderia acarretar em dificuldades

econômicas, políticas e sociais, surgiram então leis que tentaram proteger os trabalhadores

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desses males dos quais podiam padecer advindos do trabalho, porém o interesse do Estado

estava na necessidade de manter a produtividade do indivíduo, e assim não prejudicar o ganho

e reprodução do capital. Dessa forma a legislação tinha como pretensão proteger a saúde do

trabalhador, e as profissões na área da saúde também absorveram estas determinações

(PIRES, 1989).

O número de pobres e miseráveis que haviam sofrido com as epidemias do final da

Idade Média havia aumentado muito, a caridade e as esmolas passaram como práticas

comuns, e incentivadas pela Igreja Católica e esta incentivou a criação de entidades civis que

realizassem o trabalho de atender as misérias humanas, sob o controle do clero e assim

poderiam aumentar o poder eclesiástico (THOMPSON, 1987).

Tendo ainda um caráter caridoso, as práticas do cuidado eram realizadas baseadas em

experiências das religiosas nos contextos hospitalares, como haviam ainda muitas ordens

formadas com este intuito, no período da Contrarreforma, como por exemplo, a Companhia

das Irmãs de Caridade na França, fundada por Vicente Paulo14

e Luiza de Marillac em 1633,

ela filha de uma família com posses, era aluna de Vicente de Paulo na Ordem das Filhas de

Caridade, nesta ordem religiosa as mulheres poderiam sair sem o uso obrigatório do hábito

enquanto trabalhavam nos hospitais, tinham como objetivo alimentar os pobres, cuidar dos

doentes nos hospitais, e realizar os trabalhos junto às paróquias. Luiza escreveu a pedido do

padre Vicente de Paulo as regras desta ordem e foi sua primeira superiora, também nesta

ordem ocorreram às primeiras associações em realizar o cuidado de enfermagem em

domicílio, organizaram os hospitais, implantaram medidas de higiene e individualização dos

leitos, administrando todos os cuidados desenvolvidos no hospital (PADILHA, 1997).

Essas ordens de caridade encontravam problemas em realizar suas atividades juntos

aos pobres daquele período, visto que as mulheres casadas eram vistas com maus olhos por

seus maridos ao terem que fazer caridade aos pobres na rua, e também temendo pela saúde

das esposas. Assim essas ordens precisavam recrutar moças que não eram boas para o

casamento, mas que dispusessem de tempo e dedicação em cuidar e fazer caridade, sendo

estas recrutas do campo. Como ocorrido na França, outros países incentivaram a criação das

irmandades como é o caso da Itália, Espanha e Portugal, por fim estas irmandades

atravessaram mares, e no Brasil surgiram a Irmandade da Nossa Senhora Mãe de Deus,

Virgem Maria de Misericórdia, com sede em Lisboa, foi inaugurada na Praça da Sé em São

Paulo, na Capela de Nossa Senhora da Piedade a Irmandade Nossa Senhora Mãe de Deus, que

14

Padre Vicente de Paulo foi ordenado aos vinte anos, na Ordem de São Francisco de Assis, sempre procupou-se

com os franceses pobres desde o início de sua vida eclesiástica (PADILHA, 1997).

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promovia auxílio espiritual, material aos carentes, estes dispensados por homens e mulheres

leigas, que realizavam um trabalho de filantropia15

dentro e fora dos hospitais (PADILHA,

1997).

Diferentemente da medicina, que se desligou dos mosteiros por volta do século XIII,

sendo levada para o ensino dentro de universidades, a enfermagem apesar do avanço trazido

pela Renascença não fortaleceu-se em bases científicas sólidas, esta permaneceu fechada e

apagada, empírica e desarticulada, dentro de hospitais religiosos, bem como por fatores já

citados, passou por perdas ainda mais profundas do seu desligamento com a Contrarreforma.

A medicina ao desvincular-se da caridade e assumir seu papel de ciência, juntamente com as

leis que reforçavam seu exercício consolidou-se, e os hospitais não tiveram melhoria nas

condições de trabalho no período da Idade Moderna, continuaram precários, e as doenças

infectocontagiosas só espalharam-se mais e mais (GEOVANINI et al., 2005).

No século XVII, aliados a interesses políticos, o Estado tendo em vista a manutenção

da força de trabalho produtiva, e aliado aos avanços da medicina, mudaram o foco da atenção

dentro dos hospitais, estes que ainda tinha o caráter de abrigo de pobres e indigentes, precisou

adaptar-se a necessidade de manutenção da saúde do trabalhador, nesse caminho a medicina

firmou-se após a legislação que regulamentava sua profissão instituir-se, e passou a organizar

e disciplinar os espaços hospitalares, a enfermagem então nesta reordenação encontrou o

principio de sua disciplinarização. Essa disciplinarização tinha como objetivo maximizar a

utilização dos espaços hospitalares, controle das ações, vigilância vitalícia e constante e

distribuição ordenada dos indivíduos nestes espaços, os hospitais militares foram os primeiros

a adequarem-se a esta nova ordem de organização (GEOVANINI et al., 2005).

Em todo este contexto o Brasil encontrava-se sendo descoberto, repovoado, e abalado

por doenças nunca dantes presentes entre as populações indígenas nativas desta terra, a

colonização das novas terras advindas como resultado do período das grandes navegações

produziu uma população mestiça, cabocla e mameluca. O povo europeu que aqui chegava,

após passar dias e até mesmo meses em alto mar, encontrava-se mal cheirosos, com doenças

parasitárias, e assim as doenças eram facilmente transmitidas principalmente pela ignorância,

em relação aos modos de transmissão. Os indígenas que por sua vez mantinham hábitos de

higiene como banhos diários e alimentação melhor regulada gozavam de boa saúde, porém

sofreram e morreram pelo contato com os novos agentes de doenças trazidos, outras doenças

15

A filantropia tem origem em Portugal com esta denominação visto que se originou nos albergues, no século

XVI, e a palavra “hospital” era empregada como sinônimo para albergue pois abrigava doentes e pobres

(PADILHA, 1997).

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endêmicas fizeram parte deste contexto, bem como doenças venéreas que os brancos

trouxeram, entre elas tuberculose, febre amarela, varíola, lepra, malária (PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

Os primeiros profissionais médicos chegaram ao Brasil no século XVI, trazendo

alguns conhecimentos advindos da Europa, como as sangrias e um arsenal de medicamentos,

nem todos os profissionais eram diplomados, e faziam uso da flora medicinal nativa também

como recurso terapêutico. Brás Cubas, em 1543 ergueu a primeira Santa Casa de Misericórdia

em Santos - SP, a segunda foi erguida no Rio de Janeiro, segundo alguns historiadores pelo

padre José de Anchieta, ambos tinham como missão a manutenção de um local para pobres,

doentes e indigentes. Os padres jesuítas no Brasil colonial foram fundamentais tanto na

educação, quanto na saúde, pois cuidavam sem distinção, de raça, cor ou posição social,

também foram capazes de aglutinar conhecimentos prévios, com alguns observados na

medicina indígena, fizeram diversos papéis, haviam médicos, cirurgiões, físicos, enfermeiros,

e influenciaram ainda as práticas preventivas como os exercícios físicos, mas também foram

os primeiros a fazerem registros de nascimentos e de óbitos, assim os jesuítas permaneceram

por longo período amenizando os males que a população da colônia sofria, com o passar dos

anos foram substituídos por profissionais médicos com formação, porém permaneceram com

o cuidado de enfermagem dentro dos hospitais (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,

2011).

1.2.2 A enfermagem e o cuidado na Idade Moderna.

A questão de gênero sempre fez parte da história da enfermagem, o que se sabe

efetivamente é que a mulher, por possuir afinidade e ser mãe, sempre foi uma cuidadora,

porém dependendo do tempo histórico não podemos generalizar, como ocorreu durante os

séculos XIV a XIX, na Europa, com a perseguição das mulheres que realizavam partos ou

cuidados, tidas como bruxas pela Inquisição. O parto antes mesmo, de a enfermagem

institucionalizar-se e assumir o papel de profissão era inerente às mulheres, que

primeiramente assumiram-no como instinto materno, e somente mais tarde como um ofício,

com cursos preparatórios, as viúvas e virgens nesse período também assumiram este papel

caritativo de cuidado a doentes e pobres.

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Porém a enfermagem teve seu declínio no período da Reforma Protestante, com a

saída das religiosas dos mosteiros, e o fechamento de diversos hospitais. O cuidado então

antes realizado por pessoas com perfil de caridade, e por motivos religiosos, foi deixado de

lado, para ser assumido por pessoas despreparadas, mulheres recrutadas em prisões, nas ruas,

não possuidoras de nenhum tipo de formação, na sua maioria analfabetas e de caráter

duvidoso, assim na Idade Moderna a enfermagem tinha essa representação de pessoal, e foi

desacreditada. Como era de caráter religioso o recrutamento de mulheres para prática da

enfermagem, com a saída da Igreja, esta ficou perdida, e a qualidade da assistência prestada

declinou imensamente (GEOVANINI et al., 2005).

Para as mulheres das classes abastadas, atuar no cuidado de enfermagem, tornou-se

quase que imoral devido ao distanciamento da Igreja, e da moralidade que esta havia

assumido, como resultado do perfil das pessoas que a praticavam. Esta fase de decadência da

enfermagem perdurou entre os séculos XVI a XVII. Fase conhecida como “a fase da

decadência” da enfermagem foi resultado, da reforma religiosa, que deixou profundas marcas

na história da profissão, a política preponderante da época também influenciou esta fase, o

sofrimento humano era indiferente, os hospitais continuaram em condições sub-humanas e os

médicos da época acreditavam que os doentes não deveriam estar expostos ao ar livre, mas

sim deixados dentro desses locais, com condições insalubres, contribuindo assim também

com a proliferação das doenças, esta fase da profissão perdurou até o início da revolução

capitalista (GEOVANINI et al., 2005).

A enfermagem praticada no Brasil no século XVI era de cunho experimental, ou seja,

quase que uma prática doméstica, sem preparo de pessoal adequado, uma mistura de instinto,

sem fundamentação científica, sendo praticada por escravos, e voluntários, como uma ação

caritativa nas visitas em domicilio dos doentes, e nas santas casas. Com a vinda dos

imigrantes e a falta de políticas específicas para a área da saúde, estes passaram a ser a

maioria entre os cuidadores. Há registro de uma única bibliografia que fosse especializado na

época, o livro Luz da medicina ou prática racional metódica, utilizado como guia de

enfermagem, foi escrito por Francisco Morato em 1783, em Portugal (PIRES, 1989).

A primeira enfermeira do Brasil, historiadores registram como Francisca de Sande,

esta viúva baiana, foi uma das precursoras do trabalho profissional de enfermagem, prestava

serviços a pobres e necessitados, cuidou de doentes assolados pelas epidemias da população

do nordeste entre 1680 a 1694, e montou em sua própria casa um hospital, com doentes,

escravos que recolhia na rua, além de providenciar medicamentos e alimenta-los, pagava

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médicos para auxiliar no tratamento a esses doentes, morreu em 1702 em Salvador (PIRES,

1989; PADILHA, 1997).

O caráter assumido pela profissão de enfermagem, como caritativo e de baixa

qualidade, como demonstrado na história do mundo e dessa profissão, principalmente após a

reforma religiosa, perdurou por anos, atravessou os mares no período do Brasil colonial, e não

apresentou exatamente o que aconteceu na Europa, mas certamente influenciou negativa ou

positivamente a profissão, que até hoje sofre pelo preconceito e pela falta de reconhecimento

salarial, como apontado mais adiante.

1.3 A idade contemporânea – enfermagem, cuidado e saúde.

Do final do século XVIII até a atualidade, é que se compreende como Idade

Contemporânea, sendo que esta se destaca por uma mudança de filosofia existencial para o ser

humano, desenvolvimento do capitalismo e do progresso de um mundo em constante

transformação. Um período marcado por revoluções, na Europa e nos Estados Unidos, mais

precisamente, que influenciaram sobremaneira a organização da sociedade e dos modos de

produção. Essas mudanças influenciaram ainda as concepções de saúde-doença, bem como

trouxeram a medicina e a enfermagem a cientificidade de que precisavam para sustentarem-

se. O avanço no campo das ciências refletiu na saúde da população, a prática médica deixou

de ser religiosa e mística, e em meio a todos esses acontecimentos ocorre o nascimento da

enfermagem moderna, e suas implicações para o cuidado ficaram evidentes. Desta forma o

contexto social, político e econômico é necessariamente um fator importante para explicar a

enfermagem no mundo e no Brasil.

A Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, bem como outros dois movimentos

importantes, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos, assinalaram a

transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea, As mudanças decorrentes destes

movimentos repercutiram na demografia, na economia, na política, na religião, e alteraram o

estilo de vida das pessoas, as cidades, as maneira como cuidar da saúde. A Revolução

Industrial determinou a passagem do capitalismo comercial para o capitalismo industrial,

significou a substituição da manufatura pela máquina, o artesanato utilizado como forma de

produção na Idade Média, e posterior a ele na Idade Moderna a manufatura, são substituídos e

suprimidos pela introdução das maquinarias na organização da industrialização e do

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capitalismo. O ser humano passa a ser substituído pela máquina, e ele passa a valer pelo que

produz e não pelo que propriamente o é, assim culminando com a submissão do trabalhador a

longas jornadas e péssimas condições de vida e trabalho, Bresciani16

(1994 apud PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p. 150).

A Revolução Francesa fortalecida por ideais iluministas foi reflexo da revolta da

burguesia em relação aos privilégios da nobreza e da corte, com ideário de “Liberdade,

igualdade e fraternidade”, assentiu a ascensão da burguesia a dominação política, realizando

os desejos dos trabalhadores, camponeses, criando o chamado Terceiro Estado francês. Esta

revolução atravessou mares e oceanos, incentivando idealistas a fomentarem nossa

independência política. A independência das treze colônias inglesas na América do Norte,

também se considerou uma revolução burguesa, e a primeira a instituir-se como efetiva e com

sucesso17

.

Ressalta-se que todas essas mudanças ocorridas na Europa em meados do século XIX,

sombrearam as cidades burguesas que cresciam sob o aspecto de grande aglomerados,

imensas populações, e a baixa condição de saúde advinda dos novos modos de produção

implantados, culminando ao trabalhador em desgaste da sua saúde, devido às longas jornadas

de trabalho, que deterioravam seu corpo físico e sua saúde. Esses trabalhadores eram a face

das cidades burguesas, pois demostravam claramente a dicotomia entre os donos, ou seja, os

burgueses, e o trabalhador miserável, e é neste cenário que o capitalismo consolida-se.

Contribuindo negativamente com a saúde da população as cidades não comportavam

condições sanitárias e estruturais para receber o trabalhador que saía do campo para a cidade,

bem como as condições não eram ideais para a introdução das mulheres, e muito menos de

crianças, que passaram a integrar o trabalho nas fábricas, sendo assim fez-se necessária a

intervenção do Estado, com a introdução de Leis que abordassem a saúde do trabalhador, e a

medicina do trabalho.

No mundo do século XIX, os homens da sociedade inglesa viviam para o trabalho,

porém dissociados e inferiorizados em relação à política, e como resultado da sociedade

industrial, surgiam o trabalhador pobre, mal alimentado, sem condições de moradia,

segurança e saúde. Na Inglaterra como berço desta industrialização, é que surge a Saúde

Publica, como forma de amenizar, organizar e melhorar as condições de saúde da força de

trabalho. O corpo do trabalhador virou objeto a serviço do capital, pois a força produtiva só

16

BRESCIANI, M. S. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. 8 ed. São Paulo: Brasiliense,

1994. 17

Ibid., p 151

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seria produtiva através de um corpo saudável. Assim as doenças advindas destas condições

podem citar a tuberculose, sífilis, a difteria, málária e febre puerperal, além do surto de cólera

que assolou Paris em 1832, deixou claro as condições em que cada classe vivia, segundo

Rozen18

(1890 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p. 158).

Na Alemanha surge então a Policia Médica, utilizada para contabilizar a morbidade

das epidemias e endemias, além de educar os médicos, esta polícia não se restringiu somente

aos alemães, mas dissipou-se pela Europa, no final do século passou a chamar-se Saúde

Pública e a ocupar-se das questões de higiene, comida e bebida, destino dos mortos, ocupação

das cidades, provisão de água e saneamento, com a instituição na Inglaterra da Lei da Saúde

Pública em 184819

.

Na idade contemporânea os médicos ainda não possuíam o prestigio atual, seu

trabalho era mal remunerado, não havia hegemonia sobre as ações de diagnóstico e tratamento

dos doentes, apesar da diplomação que estes estavam adquirindo pelo ingresso nas

universidades, somente em 1892 foi decretada a legislação na França, que garantia e ordenava

as práticas médicas, criando assim a profissão, a eles foram garantidos a independência,

liberdade de ação entre médico e paciente, bem como a liberdade de escolha do paciente em

relação ao médico que gostaria que o atendesse. Partindo deste momento, saúde tornou-se

parte do setor terciário, sendo que instituições particulares e públicas, e assim a medicina

urbana do final do século XVII, deu origem a medicina cientifica do século XIX (PIRES,

1989).

Os hospitais ainda assumiam um papel de albergues, e trabalhavam de forma

filantrópica com algumas exceções, a medicina e a enfermagem eram precários, como foi o

caso na França do Hospital de La Bicêtre e o Hospital de La Salpêtrière. Algumas reformas

ocorreram nos hospitais posteriormente e algumas áreas específicas da medicina obtiveram

avanços marcantes, devido ao início da cientificidade, foi o caso da psiquiatria, com Philippe

Pinel (1745-1826), que promoveu a aceitação da doença mental, como sendo necessária a

instituição de tratamentos específicos para este tipo de paciente, e deu origem a criação dos

hospícios. Também podemos citar as mudanças ocorridas na Obstetrícia decorrentes da

descoberta da transmissão de patógenos como causadores da febre puerperal por Ignaz

Philipp Semmelweis20

(PIRES, 1989).

18

ROSEN, G. Da polícia médica a medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980. 19

Ibid., p 159 20

Ignaz Philipp Semmelweis em 1847 foi o primeiro a perceber que a febre puerperal, que acometia as mulheres

no pós-parto, e era fatal, estava ligada a higienização das mãos, como forma de prevenção da transmissão de

patógenos. Este médico era assistente da clínica obstétrica em Budapeste, e notou uma grande disparidade na

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1.3.1 Saúde e enfermagem no Brasil do século XIX.

Com a fuga da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, o país que ainda mantinha

muitas características coloniais, passou por transformações políticas e econômicas, essas

mudanças modificaram a saúde e a medicina mais particularmente, com a instituição das

políticas médicas que visavam a melhoria da saúde e bem estar do povo brasileiro. Alguns

médicos da comitiva real como José Corréa Picanço e Manoel Vieira da Silva, foram os

primeiros profissionais que ao chegarem ao Brasil, junto com a corte receberam privilégios, e

poder para fiscalizar os atos médicos no território, e criar o regimento sanitário que

vislumbrasse a saúde publica e a prevenção das doenças infectocontagiosas. A permanência

da família Real no Rio de Janeiro, permitiu que as faculdades de medicina fossem

estabelecidas naquela cidade, à Irmandade de Misericórdia, que por ter prestigio junto ao

governo, era amparada, e recebia doações para empreender seus atendimentos. Escolas de

medicina foram fundadas no ano de 1808, sendo a primeira a Escola de Anatomia e Cirurgia

da Bahia, e no Rio de Janeiro a Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina, anexa ao Hospital

Real Militar, sendo então a saúde o novo objeto do poder real. Importante acrescentar que os

internados na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, eram utilizados para o ensino, e

como na sua maioria tratavam-se de indigentes, quando morriam passavam a compor as salas

de autópsia para o ensino da anatomia (PADILHA, 1998).

Em 1829, houve a criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, que

controlou o saber médico, também tornou-se mantenedora da Saúde Publica no Brasil, e

implantou a medicina social. Para o governo então era essencial manter a população saudável

e assim permitir boas relações de comércio com os países europeus, sendo necessária a

implantação da polícia médica que controlasse portos, e mantivesse as epidemias sob

vigilância e controle. Em 1831 a Sociedade de Medicina elaborou um relatório, a fim de

descrever e propor soluções as condições da Santa Casa de Misericórdia, uma verdadeira

revolução deu início a uma serie de mudanças estruturais e organizacionais nesta instituição, e

mortalidade das mulheres ao comparar a assistência prestada por médicos estudantes cerca de 11,4% , com o

grupo assistido por parteiras, que tinha um índice de 2,7%. Observando os grupos concluiu que as mãos de

médicos estudantes vindos das salas de autópsia continham detritos dos cadáveres que eram levados até as

mulheres, constituindo um fator de risco à doença. A partir daí instituiu medidas profiláticas como a

higienização das mãos, limpeza de unhas e uso de água clorada, reduzindo drasticamente as taxas de mortalidade

por infecção (FERNANDES, 2000).

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em 1840 foi lançado pelo Imperador Dom Pedro II a pedra fundamental para o Novo Hospital

da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e em 1941 houve o lançamento para a

criação do Hospício de Pedro II anexo a Santa Casa (PADILHA, 1998).

Partindo deste marco configuraram-se os episódios que culminaram na criação da

primeira escola para o ensino de enfermagem no Brasil. Segue então a este fato que, a

construção destes hospitais levou onze anos para se concretizarem, e as atividades de

enfermagem, supervisão, lavanderia, cozinha, costura e almoxarifado, ficaram a cargo das

Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo, vindas da França em 1852, para serem

enfermeiras nestas instituições. Porém o espaço do Hospício de Pedro II (HPII) tinha

demasiada importância para o governo, pois permitia a guarda de loucos, indigentes e

mendigos, para fora das ruas, e assim melhorar a imagem da cidade, bem como era local

estudos relacionado às doenças psiquiátricas, e a sua relação os subsídios trazidos por doações

a Irmandade eram interessantes. O HPII tornou-se palco de embate entre médicos laicos e as

irmãs durante 38 anos, em 1890 após muitos conflitos entre médicos e as irmãs, o HPII passa

a chamar-se Hospital Nacional dos Alienados (HNA), e é desvinculado da Santa Casa, e

entregue a recém-criada Assistência Médica e Legal de Alienados, assim o pessoal de

enfermagem que atuava nesta instituição passou a não serem mais subordinadas as Irmãs de

Caridade, e sim aos médicos que lá atuavam (PADILHA, 1998).

As Irmãs de Caridade passaram então por uma não oficialização de seus serviços na

Santa Casa, e suas rígidas ações, e regimentos, iam contra a nova direção do HNA, estas então

se viram rebaixadas a auxiliares, e enfermeiras subordinadas, esse fato agravado pela falta de

institucionalização da enfermagem no Brasil, culminou com a saída definitiva das Irmãs de

Caridade e suas ajudantes do HNA, causando uma crise administrativa e assistencial nestes

locais, sendo assim necessária a instituição imediata de um novo pessoal qualificado que

atendesse as demandas. Através do Decreto 791 de 27 de setembro de 1890, é criada a Escola

Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras no Rio de Janeiro, e posteriormente as outras

escolas de enfermagem no Brasil. Durante todo este período abordado a enfermagem

tradicional no mundo passou a enfermagem moderna, e moldadas no conceito nightingaliano,

no século XX, surge a Escola de Enfermagem Anna Nery no Rio de Janeiro (PADILHA,

1998).

É inegável os avanços científicos ocorridos no século XIX, sendo estes fundamentais

no tratamento das doenças, entre elas as descobertas de Pasteur, a anestesia, o controle das

infecções hospitalares, as vacinas e a descoberta da penicilina iniciando a terapia

antimicrobiana. Também descobertas na área da ciência e da tecnologia ocorreram, dentre

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elas na Física, as leis da termodinâmica, do eletromagnetismo, o surgimento da Química

Orgânica, e na biologia a detecção dos núcleos das células para a compreensão da vida.

Figuras e personagens então se tornaram históricos e marcos na evolução da história durante a

Idade Moderna, sendo que algumas descobertas fundamentais para a evolução da saúde no

mundo, sendo essencial dispô-los para conclusão das ideias desta sessão, e finda-la com as

personagens que fizeram parte da história desta profissão no Brasil e no Mundo.

1.3.2 As damas da Enfermagem.

Nesta seção é conveniente esta denominação ligada ao gênero na profissão, afinal

como demonstrado até aqui esta questão apresenta-se fortemente ligada à história da

enfermagem, mas, sobretudo essa denominação dada à grandeza das personagens aqui

apresentadas, como precursoras de mudanças para as mulheres de seu tempo, pois quebraram

a barreira do claustro de seus lares, e foram contra a sociedade paternalista e machista em que

estavam imersas.

Miss Nightingale em todo seu tempo de vida dedicou-se a mudar a situação de saúde

da população europeia, fez isso por meio da abnegação de uma vida a uma causa que

considerava ser sua vocação, findando a inauguração do convencionou-se chamar as bases

modernas da enfermagem. Acompanhando-a enfermeira brasileira que representou outra

grande mudança no contexto em que vivia, também se dedicando a enfermagem.

1.3.2.1 A dama da Lâmpada, Miss Nightingale.

Do final do século XIX a o início do século XX, se estendeu a vida de Florence

Nightingale, que viveu seus noventa anos de vida, atuando e percebendo as mudanças

políticas, sociais, culturais, tecnológicas e científicas ocorridas Europa, e ainda ocupou-se de

dar forma e assim tornar-se um ícone para o mundo ao moldar a enfermagem moderna.

Florence Nightingale (1820 – 1910), era integrante de uma família rica e aristocrática

inglesa, sendo a segunda filha do casal Frances Smith e Willian Edward Nightingale, nasceu

na Itália, em 12 de maio de 1820, na cidade de Florença. O que tem-se na literatura sobre esta

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personagem histórica, é por vezes contraditório considerando algumas questões, que dizem

respeito ao fato desta ser feminista ou não, e ainda quanto a sua personalidade, por vezes tida

como doce, e com candura, e por outros relatada como ácida, intolerante e rígida, assim

interpreta-la desta forma não é uma intensão, mas sim demonstrar como alguém que possuía

muitos recursos e que não tinha motivos, exceto os de verdadeira vontade, de modificar as

condições da vida da população, o fez utilizando de seu prestígio pessoal, e influência política

e financeira.

Miss Nightingale por unanimidade pode ser considerada idealista, visionária,

determinada, contestadora e questionadora, adjetivos estes que permitiram que ela fosse

significativa dentro da história da enfermagem moderna. Como um dos principais escritos

dela, pode-se citar o livro Notas sobre a enfermagem: o que é e o que não é21

, foi a publicação

ícone de seu trabalho na enfermagem moderna (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,

2011).

Florence recebeu toda sua instrução em casa, e esta instrução e conhecimento não era

comum nem mesmo aos homens da época, seus pais além de permitirem as filhas estes

estudos, as incentivaram ao senso de responsabilidade social e sensibilidade as mazelas do

mundo, assim permitindo que se interessassem em lutar por melhores condições de vida da

população. Miss Nightingale, interessava-se por questões políticas, mas também por questões

de caridade, e a religião foi com certeza importante em sua vida, seus pais as educaram dentro

da Igreja Luterana na Inglaterra, apesar de serem da religião unitária22

(OGUISSO, 2007).

Demonstrou desde sua adolescência duas qualidades, ser observadora e interessada em

ajudar as pessoas enfermas, tinha a certeza que havia recebido um chamado divino, natural

para os padrões religiosos no qual foi criada. Em 1837, mudou-se com os pais para Gênova na

Itália, onde pode observar mais de perto como viviam e trabalhavam as pessoas mais

desafortunadas, mostrou sempre o interesse em fazer anotações em diários, e especialmente

gostava da estatística. A família Nightingale, esteve em várias cidades, dentre elas Florença,

Genebra e Paris, lá Florence pode entrar em contato direto com a literatura e seus autores,

além de conhecer políticos influentes. Foi lá também que teve o primeiro contato com as

Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo, percebeu que tinha necessidade de organizar o

cuidado dos doentes aos moldes daquela congregação dentro dos hospitais, porém a forma

21

Traduzido do original em inglês Notes of nursing:what it is and what it is not (NIGHTINGALE, 1989). 22

Unitarianos foram uma congregação de cunho filosófico religioso do século XII, que teve como principal

ícone Joseph Priestley, acreditavam que as mazelas da sociedade eram frutos da ação do homen e não de castigos

divinos, por isso essas deveriam ser remediadas segundo a ação destes homens (PADILHA; BOREINSTEIN;

SANTOS, 2011).

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como estes eram dispostos na Inglaterra daquela época, foram um empecilho as suas

pretensões, pois naqueles locais as moças de família não deveriam entrar, o caráter das

mulheres que lá trabalhavam era de prostitutas e presidiárias (OGUISSO, 2007).

Por anos Florence tentou ultrapassar as barreiras impostas pelos pais a sua necessidade

de aprender a enfermagem, por vezes apresentou um estado quase depressivo devido a suas

frustações, e quando isto ocorria viaja com o consenso da família ao exterior, para curar-se.

Nestas viagens conseguia alguma aproximação com o que queria, pois assim podia ver de

perto a ação das congregações de caridade, e em uma de suas viagens conheceu na Alemanha,

na cidade de Kaiserswerth, conheceu um Instituto que formava diaconisas, onde enfim

poderia receber a instrução que considerava ser adequada para poder prestar o cuidado. Com

31 anos, somente, foi quando recebeu a autorização de sua família para ingressar neste

instituto e instruir-se para o cuidado no ano de 1851. Não satisfeita após ter perpassado três

meses de treinamento, foi a França, onde obteve autorização oficial para completar seu

estudos com as Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo, no Hótel-Dieu de Paris, onde

conviveu sob uma doutrina rigorosa, e acredita-se tenha influenciado a construção de sue

modelo de enfermagem (PADILHA, 1998).

Quando retornou a Inglaterra em 1853, negociou seu ingresso como superintendente

de um pequeno hospital em Londres, uma unidade privada, chamada Estabelecimento para

Damas de Companhia durante a Enfermidade, destinado a pessoas com poucos recursos que

precisavam de todo tipo de caridade, Miss Nightingale, viu este trabalho como uma grande

oportunidade, para futuras pretensões, e seu pai contribuiu com seus objetivos, dando-lhe uma

pensão gorda, para que pudesse dedicar-se voluntariamente a este trabalho. Apesar do

modesto cargo de superintendente esta viu uma oportunidade de praticar suas teorias de como

administrar um hospital, porém educar pessoas para o cuidado, era algo que ela não poderia

fazer naquele local, foi mais tarde a compor e treinar pessoas pelo diretor do King´s College

Hospital, no qual nunca assumiu pois algo maior aconteceria em sua trajetória (PADILHA,

1998).

A Guerra da Criméia (1853-1856), foi marcante para Miss Nightingale, mas

principalmente para a enfermagem mundial, esta guerra ocorreu com o objetivo Russo de

expandir seu território, sobre a integridade imperialista britânica. Os soldados ingleses que

participavam desta guerra e eram feridos, não tinham assistência adequada comparada aos

soldados russos e franceses, eles não possuíam pessoal adequado que realizasse o cuidado, e

os hospitais ingleses viviam um caos, não deixando de destacar que a Inglaterra quase perdeu

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esta Guerra pela doença, desorganização e frio, além da cólera que reduziu o quantitativo de

soldados (GEOVANINI et al, 2005).

Os jornais britânicos denunciavam a tragédia e questionavam as boas condições que

franceses cuidavam de seus soldados. As notícias chegavam duramente e Miss Nightingale,

considerou que seria o tempo de atender o seu chamado, e servir na guerra seja qual fosse o

cargo, escreveu então uma carta ao seu antigo amigo Herbert Sidney que assumira o cargo de

ministro da Guerra, o quão foi diferente, no mesmo momento, ele escrevia a ela um pedido

que se dirigisse ao Oriente e levasse consigo enfermeiras para trabalhar nos hospitais

militares, e ele não hesitou em reforçar que não conseguia conceber na Inglaterra, uma pessoa

menos capaz para dirigir e organizar as ações no fronte. No mesmo momento em que recebeu

a carta pedido, ela não hesitou em aceitar, e assim assumiu o serviço nacional. Recrutou 38

candidatas, e duas damas de companhia, em 21 de outubro de 1854 foi nomeada

superintendente do Famele Nursing Estabilisment of the English General Hospital of

Turquey23

, e partiu para servir seu país, em uma posição que outrora nenhuma mulher havia

atingido na Inglaterra (GEOVANINI et al, 2005).

Houveram dificuldade para o grupo em chegar e hospedar-se adequadamente, mas isso

não era nada comparado a situação em que os soldados encontravam-se, a princípio foram

bem recebidas pelos soldados, porém nem todos os médicos ficaram satisfeitos com a

presença de enfermeiras. Faltava de tudo nas enfermarias, os lugares estavam imundos, e

infestados de parasitas. Não havia colchões, armações de camas, pratos, talheres, e Florence

acabou por descobrir que o sofrimento dos soldados tinha início muito antes de chegarem a

Scutari, pois primeiro esses feridos tinham que atravessar o Mar Negro, e só depois de quase

oito dias de viagem de barco, efetivamente chegavam ao hospital, e lá eram largados, onde

quem conseguisse por meios próprios alimentar-se, sobreviver a cólera, e as amputações, faria

parte de uma pequena minoria, visto que a mortalidade neste trajeto chegava a 75%

(OGUISSO, 2007).

Iniciou seu trabalho logo em seguida a sua chegada, ordenou que suas enfermeiras

confeccionassem colchões de palha, iniciou a limpeza das enfermarias, saqueava o armazém

provedor, atrás de escovões, pratos, bandejas, chinelos, escovas e tudo mais que achava

pertinente. Escreveu uma carta ao embaixador britânico relatando a situação e solicitando

inúmeros itens faltantes, providenciou uma cozinha auxiliar para o preparo adequado dos

alimentos, e de uma dieta que considerava nutritiva para os pacientes graves, conseguiu

23

Superintendente do estabelecimento de enfermagem feminina nos Hospitais Gerais Militares Ingleses na

Turquia.

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através de fundos próprios alugar um local próximo ao hospital para instalar uma lavanderia,

também arrecadou um fundo de reserva de 7 mil libras, para suprir muitas coisas foras as de

enfermagem. Todos esses problemas e afazeres não afastou-a de trabalhar diretamente do

cuidado dos soldados, e por isso os homens a adoravam, foi por sua ronda noturna quando

todos já haviam se recolhido, ele empunhava sua lâmpada para clarear o caminho, e observar

os pacientes, e a lâmpada assim tornou-se o símbolo da enfermagem no mundo (OGUISSO,

2007).

Suas ações no hospital obtiveram verdadeira mudança, após a inspeção feita pelo

ministério da Guerra em 1855, que promoveu drásticas reformas na estrutura, e Miss

Nightingale, opniou sobre todos os quesitos que julgou necessários para manter a higiene nos

hospitais, assim após seis meses a mortalidade dos soldados no hospital reduziu para 2%. Em

8 de maio de 1855, junto com duas enfermeiras, e dois médicos foi à vila Balaclava na

península da Criméia, onde os obstáculos que havia passado até ali pareceram menores,

comparado a situação encontrada. Soldados amontoados sofriam pela má alimentação,

abandono e congelamento, além das doenças e os ferimentos de guerra, ela porém em

momento nenhum deixou-se sossegar até não reverter as condições em que estes guerreiros

estavam expostos. Porém em maio de 1855, Florence adoeceu, provavelmente de tifo, e

permaneceu em estado crítico por um período, foi removida a Scutari quando mais estável, e

lá permaneceu até que em agosto de 1855 voltou as suas atividades, mesmo ainda não

totalmente recuperada(OGUISSO, 2007).

Seus feitos espalharam-se pela Inglaterra, foi tida como heroína do povo, e adorada, e

a partir daí em 29 de novembro, foi inaugurado o Fundo Nightingale, com uma soma

considerável de 44 mil libras, graças a doações de grandes amigos, até mesmo de soldados,

assim ela fundou a primeira Escola de Enfermagem do Hospital St. Thomas em Londres em

08 de julho de 1860. Miss Nightingale, queria quebrar preconceitos, e transformar a visão da

sociedade em relação a enfermagem, não queria apenas uma ocupação para as mulheres, mas

sim estabelecer uma carreira como a medicina ou o direito para as mulheres. Ela porém não

assumiu o seu plano de treinamento, as sequelas de sua doença impediram-na, porém o

treinamento da enfermeiras seria dado sob sua total tutela e debaixo dos seus olhos, por isso

escolheu minuciosamente a instituição que colaboraria para isso, juntamente com uma pessoa

que julgasse ter os mesmos princípios que acreditava, no caso a Superiora do Hospital St.

Thomas, senhora Wardroper, além do médico chefe interno deste mesmo hospital senhor

Whitfield, simpatizar com a causa e a organização a que propunha. Em 9 de julho de 1860,

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quinze candidatas matricularam-se na Escola Nightingale, data de nascimento da enfermagem

moderna (MALAGUTTI; MIRANDA, 2010).

O hospital dava oportunidades práticas as alunas, e o fundo Nightingale mantinham

salários para que estas pudessem trabalhar e manter-se, Miss Nightingale acreditava deveria

estimular suas alunas em desenvolver habilidades e fazer com que elas utilizassem recursos

próprios intelectuais, e não apenas servir os profissionais, mas sim os pacientes, e a

enfermeira deveria saber adaptar suas habilidades ao trabalho da equipe. Ainda vale resaltar

que havia duas classes de enfermeiras, as lady nurses, alunas de classe social mais alta que

eram treinadas para realizar funções intelectuais, supervisão, direção e organização do

trabalho, e as nurses, de nível econômico inferior provenientes de aldeias preparadas para o

trabalho manual, o cuidado direto, obediência e submissão (PADILHA, 1998).

Para Florence existia a arte do cuidar, ou seja a enfermagem, ela entendia que isso

consistia em cuidar tanto dos seres humanos sadios, quanto dos doentes, e acreditava na tríade

cuidar-educar-pesquisar, também que os cuidados de enfermagem diferenciavam-se do

cuidado médico, pois a enfermagem estava centrada no ser humano e não na doença. E assim

pelo contexto em que a mulher estava inserida naquela época, Miss Nightingale juntamente

com a senhora Wardroper, redigiram normas, rigorosas e por vezes consideradas rudes, pois

ela não desejava que suas enfermeiras fossem motivos de criticas de qualquer tipo, assim os

métodos descritos em seus livros atendem o modelo da época, tinham um tom dogmático, de

moral e obediência, deu um novo significado ao silêncio daqueles que prestavam o cuidado de

enfermagem, e não sabiam o valor destes rituais, que indicavam a prática profissional

(PADILHA, 1998).

A enfermagem superou somente seu período critico, pois Miss Nightingale, pois

proporcionou um serviço eficaz, sem caráter religioso, elevou o status da profissão como algo

digno, melhorou a qualidade da assistência e foi fundadora da educação moderna de

enfermagem (OGUISSO, 2007).

1.3.2.2 “Mãe dos brasileiros”, Anna Nery24

.

24

O nome Anna Nery aqui adotado, não é a única forma de grafia (Ana Néri, Anna Nery, Ana Néry e outros)

presente nos estudos que a abordam a história da enfermagem brasileira, porém convencionou-se utilizar esta

grafia, devido ser esta a forma como está a atual Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, a primeira escola de enfermagem do Brasil.

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52

Anna Justina Ferreira, nasceu em Salvador na Bahia em 1814, de uma família de

posses, em 1838 casou com Isidoro Antônio Néri, porém tornou-se viúva em 1844, tornando-

se um ícone da enfermagem brasileira, ao embarcar para o campo de batalha da Guerra do

Paraguai, dispondo de recursos próprios, advindos de sua herança pessoal para amenizar e

melhorar as condições em que os soldados estavam expostos (GEOVANINI et al., 2005).

Aprendeu a enfermagem tomando lições com as Irmãs de Caridade de São Vicente de

Paulo no Rio Grande do Sul, montou no fronte de guerra, na cidade de Assunção uma

verdadeira enfermaria-modelo, e pelos seus serviços prestados na guerra recebeu o título pelos

soldados de “Mãe dos brasileiros”, além de outras condecorações (GEOVANINI et al., 2005).

Importante colocar que esta mulher, apesar de alguns estudos demonstrarem que suas

intenções pessoais de ficar pertos dos filhos foi o motivo o qual a levou para o campo de

batalha, ela o fez voluntariamente, mas principalmente assumiu um papel incomum a

sociedade de sua época, visto que a mulher era vista com o único intuito de servir o homem, e

educar os filhos para a vida. Em 1880 morreu no Rio de Janeiro, e seu nome foi utilizado para

batizar a primeira escola de enfermagem moderna do Brasil em 1922.

1.3.3 A idade contemporânea e a enfermagem (1889 – 1930).

Sistematizar o ensino de enfermagem no Brasil, foi primeiramente uma iniciativa de

readequar as demandas no contexto do Governo Provisório, sendo que, como já abordado

anteriormente, a primeira Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras em 1890, do

Hospício Nacional de Alienados. No período da primeira República registraram-se três

reinaugurações desta escola. Na capital federal também houve a instalação de uma escola para

a profissionalização da enfermagem, inaugurada em 1916, pela Sociedade da Cruz Vermelha

Brasileira, demonstrando o reconhecimento da necessidade desta profissionalização, a Escola

Prática de Enfermeiras, tinha o objetivo de ministrar conhecimento teórico-prático de

enfermagem as mulheres, esta escola bem como outras duas também criadas não adotaram o

modelo da enfermagem moderna de Miss Nightingale, é importante ressaltar que eram

subordinadas ao Ministério da Guerra (OGUISSO, 2007).

O contexto econômico decorrente da Primeira Guerra Mundial, trouxe um quadro de

crise, com elevação dos custos de vida e redução dos salários, além da chegada da gripe

espanhola, através dos portos do Brasil. Esta doença dizimou cerca de 13 mil pessoas, e teve

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seu apogeu na cidade do Rio de Janeiro. Em 1916, um relatório da situação de saúde no norte

da Bahia, sul de Pernambuco, Piaui, e Goias, impressionou profundamente os sanitaristas

brasileiros, que decidiram por iniciar um movimento em prol de uma reforma sanitária no

Brasil, culminando em 1920, com a instituição de um Departamento Nacional de Saúde

Pública (DNSP), iniciando a reforma liderada por Carlos Chagas, esta reforma ocorreu entre

1920 e 1924, redefinindo a questão sanitária no país, e deu início ao um programa de

cooperação entre a Fundação Rockefeller, passando do conceito de polícia sanitária para o de

educação sanitária (GIOVANINI et al., 2005).

Como parte deste projeto estava a implantação de escolas de enfermagem nos modelos

das mais modernas, decorrendo de um atendimento eficiente das enfermeiras como ocorria

nos Estados Unidos. Esta missão de cooperação foi engendrada por Carlos Chagas em uma

visita a Fundação nos Estados Unidos da América (EUA), e no Brasil chegou a enfermeira

chefe da missão Ethel Parsons, em janeiro de 1921. Esta decidiu que treinaria as visitadoras

em caráter de emergência para suprir as demandas da Saúde Pública, trouxe suas enfermeiras

diplomadas dos EUA para assumirem as ações, e propôs em um relatório que reivindicava a

exclusividade da arte do curar, assim sua missão foi criar uma base solida para que as futuras

enfermeiras formadas por elas, tivessem prestigio e pudessem atuar livremente nos serviços

de enfermagem (GIOVANINI et al., 2005).

No Brasil porém, não havia entendimento suficiente do real significado da escola de

enfermagem, ocorriam assim muitas críticas as ações da Missão de Enfermeiras da Fundação

Rockefeller, e de Ethel Parsons, os argumentos eram diversos, mas tratavam do quão

impróprio eram as visitas de mulheres desacompanhadas a casa de estranhos, esta era uma

iniciativa norte americana, que incomodava a sociedade, a discriminação racial, o regime de

trabalho considerado rígido, e visto como exploração das jovens brasileiras, e por fim o luxo

da residências das alunas, era tido como descabido. Estas porém não impediram a criação da

Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1922, sendo seu

campo de atuação foi o Hospital São Francisco de Assis, e logo depois foi também usado pela

Faculdade Nacional de Medicina (GIOVANINI et al., 2005).

Por ser a primeira escola de enfermeiras, chefiada por enfermeiras, e com o ensino

instituído quase que na totalidade por enfermeiras, isso interferiria com o poder médico.

Havia neste período um apelo patriótico nas chamadas a escola, como “O Brasil precisa de

enfermeiras”. O curso era estruturado no modelo de Curriculo Norte Americano, de 1917 e o

curso tinha duração total de dois anos e oito meses, sendo distribuídos em 48 horas de

atividades práticas semanais, excluídas as horas de instrução teórica. A atmosfera era como a

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dos melhores colégios de moças da época, as alunos estavam garantidos moradia, benéficos

de alimentação, vestuário e remuneração mensal. As enfermeiras norte-americanas primavam

pela obediência a hierarquia e à disciplina, avaliadas fortemente em suas alunas. E em 1926

esta escola passou a chamar-se Escola de Enfermeiras Dona Anna Nery. Em agosto de 1926,

as alunas diplomadas deram início as reuniões do que seria hoje a Associação Brasileira de

Enfermagem (ABEn).

Da missão Parsons ficou evidente a quebra de barreiras para as mulheres de seu

tempo, pois a natureza de seu serviço de visitação familiar, a criação do modelo de hospital

escola, a implantação de uma escola feminina, e implantação do modelo de enfermagem

nightingaliano, a rígida disciplina, e a instituição da primeira sociedade brasileira da classe.

Assim assegurou-se a autonomia no ensino de qualidade profissional, e a inserção da

enfermagem no mercado de trabalho, elevando a profissão moralmente, contribuindo para

valorização da mulher no contexto brasileiro, sendo esta a categoria que primeiramente foi

essencialmente feminina no espaço de saúde brasileiro (OGUISSO, 2007).

1.3.4 A idade contemporânea e a enfermagem (1930 – 1960).

Os avanços decorrentes da década de 30, estão em parte ligados a mudanças ocorridas

no uso de medicamentos, e descobertas de novas substâncias químicas e de moléculas

facilitaram a fabricação de medicamentos em países com essa capacidade, estas mudanças e

inovações relacionadas aos medicamentos a partir da Segunda Guerra Mundial influenciaram

demasiadamente a prática médica, e também o impacto sobre a saúde dos indivíduos foi forte,

sendo essenciais para a humanidade no controle e tratamento de muitas enfermidades.

A concepção no Brasil da saúde na década de 30, era que esta pertencia a esfera

privada, a assistência médica andava neste rumo, e somente o trabalhador do mercado formal

que contribuía com um percentual de seu salário, através dos Institutos de Aposentadorias e

Pensões, tinha acesso a saúde. Em 1937 com a criação do Ministério da Educação e da Saúde

(MES), novos rumos foram instituídos para a saúde pública, com implantação de delegacias

Federais de Saúde, afim de supervisionar os serviços locais de saúde pública e assistencia

médico-social. Na década de 40 ocorriam ações isoladas de combate a doenças endêmicas

como malária e a tuberculose, bem como um plano nacional de combate a lepra, bem como

planos que visavam o atendimento das populações amazônicas no combate a malária, e em

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1948 o Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz foi instalado para iniciar os primeiros

estudos sobre a doença de Chagas (MALAGUTTI; MIRANDA, 2010).

Na década de 1950 desenvolveu-se a previdência social e a organização dos programas

de assistência a saúde, nesse período o doente passou a ser institucionalizado, visto a

necessidade de atenção médica ao trabalhador, assim grandes e vários hospitais foram

edificados, além dos investimentos nos equipamentos lá colocados. Houveram ainda neste

período mudanças de denominações no ministérios por meio de legislações específicas, mas o

que ficava claro era a necessidade promoção da saúde e de proteção contra algumas doenças

específicas, visto que estas doenças não eram pertinentes a expansão pela qual o país estava,

estas ações isoladas permaneceram até a década de 1960, sendo uma opção política do

momento a redução dos gastos com a saúde pública (MALAGUTTI; MIRANDA, 2010).

Para a enfermagem a década de 1930, foi importante principalmente pela

regulamentação do ensino de enfermagem no Brasil e o reconhecimento da Escola Anna Nery

como padrão a ser seguido em âmbito nacional, neste período ainda haviam a categorização

das enfermeiras de cunho religioso, sem formação formal, e poucas eram as diplomadas. Em

1938, algumas enfermeiras foram incorporadas ao Departamento Nacional de Saúde Pública,

para atuarem na organização de serviços estaduais de saúde pública, implantar ainda cursos

para visitadoras de saúde pública, dar acessória técnica e supervisionar a ação nos

departamentos de saúde pública. O governo tinha a enfermagem principalmente para atender

o processo de desenvolvimento e modernização dos hospitais, e isso intensificou-se mais

(OGUISSO, 2007).

Pode-se dizer que a década de 1950 houve a necessidade mundial de intelectualizar a

enfermagem, no Brasil, ocorreram discussões sobre a formação de enfermagem, e divisão

técnica do processo de trabalho, assim dividindo o fazer do saber, sabidamente esta

fragmentação dificulta o reconhecimento profissional na sociedade, e a sua visibilidade.

Outros autores afirmam que estas categorias foram estabelecidas para organizar a assistência

da enfermagem e melhorar a qualidade do ensino nas escolas (OGUISSO, 2007).

Para o ensino da enfermagem a instituição da Lei nº775, de 06 de agosto de 1949, foi

um ganho ao determinar no currículo o ensino de física e biológicas e ciências

profissionalizantes, também determinando o curso de 36 meses o enfermeiro, e 18 meses para

o auxiliar de enfermagem. E com a Lei nº27426 de 14 de novembro de 1949, alterou-se o

tempo para quatro anos, com exigência de conclusão do chamado colegial, adaptando-se aos

moldes dos currículos norte americano (OGUISSO, 2007).

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Atrás de um aperfeiçoamento intelectual, para assim construir a enfermagem

enquanto um corpo de conhecimentos específicos, o trabalho passou a ser dividido entre as

ações de supervisão, administração, com o ensino superior, e deixando-se para o cuidado

direto a auxiliar ou atendente. No momento desta divisão e ingresso da enfermagem enquanto

carreira universitária, é que se deu a introdução dos conhecimentos de pedagogia,

administração, reforçando o enfermeiro enquanto líder de sua equipe. Em 1956 já existiam no

Brasil 33 escolas de Enfermagem, em todas as regiões do país. Entendendo o contexto

político e econômico vivido, pode-se dizer qu as práticas de saúde sofreram um processo de

privatização e a saúde transformada em mercadoria, podendo-se afirmar que nessas três

décadas a enfermagem promoveu ações de unificação e regulamentação de seu exercício.

1.3.5 A idade contemporânea e a enfermagem (1960 – 1990).

De 1960 a 1990 as mudanças tanto no panorama mundial quanto do Brasil, eram de

transformações políticas, econômicas e sociais. O início de uma ditadura Militar no Brasil de

1964, posterior a isso no final dos anos 70 a redemocratização da política, e a promulgação de

uma nova Constituição Federal em 1988, decretando que a saúde era um bem inegável ao ser

humano, e, portanto um direito de todos e o dever do Estado, dá uma ideia da repercussão que

este período teve para a história tanto da enfermagem, como da população em geral.

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), com os princípios de igualdade,

universalidade, equidade, integralidade, controle social e descentralização, foi um marco de

grande ganho da população, e dos serviços de saúde, visto que primariamente o modelo de

saúde neste período era marcado pelo assistencialismo médico privativista, havendo

dicotomia entre cura e prevenção dissociando a população do cuidado. Os benefícios

ocorridos na enfermagem devido as novas tecnologias e a ciência incorporando a profissão,

levaram uma ocupação quase que incipiente a um processo de desenvolvimento profissional,

com expansão do mercado de trabalho, atualização das leis quer geriam a profissão, mudanças

também na forma em que o cuidado era implementado ao paciente, como a criação do

processo de enfermagem, o desenvolvimento advindo também das instituições de ensino

superior com os cursos e incentivo aos programas de pós-graduação (PADILHA;

BOREINSTEIN; SANTOS, 2011).

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Podemos ainda dizer que a cientificidade fascinou de tal forma a enfermagem, que a

formação proposta pelos currículos de graduação, generalista e integral, foi de certa forma

deixada de lado, ao institucionalizar a enfermagem nos hospitais, trazendo uma possível crise

de identidade na profissão. Seguindo ainda a educação na enfermagem a partir da legislação

de Diretrizes e Bases da Reforma Universitária em 1968, foi uma evolução, com a

implantação do doutorado e a inserção definitiva da enfermagem como prática de pesquisa,

fortalecida com outros avanços na área cientifica e a criação das agências de fomento como a

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e o Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (OGUISSO, 2007).

Assim este período, mostrou que as modificações na enfermagem alcançaram todos os

universos dentro da profissão, exigindo maior complexidade de conhecimentos, o cuidado

modificou-se sendo integral, multidisciplinar, planejando as ações de uma equipe, e tendo um

papel decisivo, porém deixando claro o déficit de pessoal ainda sofrido, as instituições

cobrando a posição de administrador do enfermeiro, mas permitiu que a visão idealizada, da

vocação, da abnegação ao cuidado, fosse deixada de lado, e o profissional, do trabalho

coletivo e social pudesse contribuir para a ação de saúde qualificada neste novo mercado.

1.3.6 A idade contemporânea e a enfermagem (1990 – atualidade).

O período que mais gerou avanços e transformações nos setores políticos, econômico

e social, e na saúde, pode destacar as décadas de 1990 a 2000, com um colapso do socialismo

a nível mundial, o fim da Guerra Fria e uma nova ordem mundial instituída, marcada pelo

avanço cada vez maior do capitalismo e de um sistema de neoliberalismo econômico, não

havendo fronteiras para a globalização. No Brasil, o processo democrático consolidou-se na

política, com as eleições presidenciais em 1990, e um presidente eleito pelo povo, além de

planos que tentassem controlar a inflação descontrolada (PIRES, 2006).

A situação da saúde, em outra linha tornou-se direito de todos e dever do estado, com

a implantação do SUS, idealizado pela Constituição de 1988. Esse sistema de saúde passa

então por uma reorientação, desvinculando e tentando separar-se da medicina curativa, e

centrada nos hospitais. Ou seja, era hora de prevenir a doença, voltar a saúde a

responsabilidade da família, e assim educar e promove-la nos meios onde era necessário.

Neste processo a enfermagem envolveu-se, colaborando, implementando, avaliando e

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participando de todos os processos sociais pelos quais perpasse ainda este sistema, apoiando

assim esta nova forma de praticar a saúde (MALAGUTTI; MIRANDA, 2010).

O advento dos avanços científicos como a tecnologia impulsionada pela era da

informática e internet, além da biotecnologia, e da nanotecnologia mais atualmente, com a

ampliação das pesquisas na área da genética, o Projeto Genoma em destaque, o uso de células

tronco, a clonagem e a reprodução in vitro, e as técnicas de doação de órgãos, salvando a vida

de muitos nas filas dos hospitais. Essas são somente ínfimas citações dos avanços nesta área,

a enfermagem enfim participou e participa intensamente dessas transformações,

principalmente beneficiando a prática do cuidado, através do ensino e da pesquisa, esta vem

firmando-se como ciência, criando métodos próprios de investigação, a interlocução com

outras áreas de conhecimento, e assim assistimos um boom da ampliação dos programas de

Pós-Graduação. A graduação também sofreu mudanças em seus currículos, tornado o

enfermeiro um profissional reflexivo, criativo, crítico, argumentativo e capaz de enfrentar e

solucionar problemas complexos, na sociedade e na saúde.

Vislumbrar o que vem pela frente é visualizar um profissional que se aprimora

baseado em preceitos científicos, e fundamenta assim sua prática, de um modo geral muitas

foram os desafios e as inovações, mas para os anos vindouros, a promoção e implementação

das ações que realmente modifiquem o cuidado de enfermagem, interagindo com um mundo

que agora precisa tornar-se sustentável.

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CAPÍTULO 2 – O MUNDO DO TRABALHO

2.1 O trabalho em sua dimensão ontológica.

Elaborar ideias profundas sobre o trabalho, reflexões que ultrapassem a barreira do

senso comum, é tarefa demasiadamente intensa, principalmente partindo de uma discussão

que supera a observação de como em uma foto, da realidade do trabalho. Se como em uma

foto observarmos o suor escorrendo do rosto do trabalhador, que sob o sol trabalha a terra,

parece algo quase divino, pois a esta concepção está ligada a maioria das concepções advindas

de uma sociedade que o explora, mas que na verdade não o quer que desta forma ele apareça.

Afinal como é possível que algo tão intrínseco a natureza humana, seja penoso?

Principalmente se o trabalho for entendido somente como emprego, o que pode ser o caso da

maioria dos trabalhadores, que acreditam ser o emprego o sinônimo de trabalho, concepções

estas forjadas pelo modo capitalista de produção. Esses apontamentos iniciam e instigam

alguns questionamentos, tais como o que é o trabalho então? Como se conforma na história?

E o capitalismo, o que traz em relação às mudanças no mundo do trabalho? E o trabalho em

saúde, como se dá?

Pretende-se aqui iniciar algumas colocações e reflexões, porém visto a natureza desta

pesquisadora, ainda iniciante no processo de pensamento aprofundado destas questões, tentar

abordar o trabalho, sem deixar de destacar aspectos fundamentais de seus conceitos, sua

historicidade, e sua alocação no âmbito do trabalho na saúde, escritos sob forma direta, sem

muito poetizar, mas que traduzem talvez algo que é intrínseco da formação na área da saúde,

uma justeza positivista.

Neste capítulo, então o conceito de trabalho e as categorias que permitem sua análise

bem como temas que decorrem delas de modo geral e mais especificamente na saúde, tem

como fundamento as percepções de Marx (1982, 1987, 1998, 2003, 2004, 2007) e de outros

autores marxistas como Saviani (2007), Frigotto (2009, 2001, 1989, 2006), Antunes (1999,

2004), Cattani (1997, 2002, 2009), Braverman (2001), Merhy (2002, 1997), Pires (2006,

1989, 2008), entre outros.

Ontológica, eis umas das dimensões do trabalho de forma conceitual, daqui partiram

sob a alcunha de Marx (1982), este como sendo um processo entre o homem e a natureza, um

processo em que o homem, ele mesmo se confronto com natureza, a matéria. O homem põe

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em movimento as forças naturais pertencentes a sua própria corporeidade, a fim apropriar-se

dela em forma útil para sua vida, visto que ele mesmo é natural, é natureza ao modifica-la, ele

modifica-se.

Pensando no trabalho como essência do homem, e que atuar sobre a natureza e

transforma-la para adequar-se a suas necessidades é o trabalho, este não ocorre separadamente

do homem, mas no homem, fundamenta-se em algo intrínseco que é natural, brota de si, ou

seja sua essência não é divina, e sim um feito de si. Neste ponto o homem diferencia-se do

animal assim pelo trabalho, que ele desenvolve, de forma profunda, complexa e o mais

importante, ao longo de um processo histórico. A práxis que possibilita criar e recriar não

apenas meios de vida imediatos e imperativos, o mundo da arte e da cultura, da linguem, dos

símbolos o mundo humano em resposta às suas múltiplas e históricas necessidades.

Desta forma o trabalho só não existiria se como exemplifica Frigotto (2006, p. 260),

“[...] afirmar que a vida humana desapareceu da face da Terra ou que todos os seres humanos

se metamorfosearam em anjos e já não precisarão mais mover-se e buscar seus meios de

vida.”. Nesta mesma concepção ontocriativa de trabalho, precisa-se observar que o homem

tem intrínseco a seu trabalho a propriedade sobre ele, que para Marx (1985) acontece na

relação do homem com a natureza, ao determinar um uso do resultado de seu trabalho sobre a

natureza, ele apropria-se dela, e constitui um aspecto de seu trabalho, ou seja, relacionar-se

com as condições objetivas do seu trabalho, no sentido natural do homem e sua relação com a

materialidade do mesmo.

Em um sentido ontológico, propriedade é segundo Frigoto (2006, p. 259) “[...] é o

direito do ser humano, em relação e acordo solidário com outros seres humanos, de apropriar-

se, transformar, criar e recriar pelo trabalho – mediado pelo conhecimento, ciência e

tecnologia – a natureza para produzir e reproduzir sua existência [...]”. Sob essa concepção

ontológica é necessário suportar que o conceito de trabalho ultrapassa o conceito do emprego,

ou atividade laboral. Este assume um papel amplo no sentido de satisfazer necessidades

próprias, mas principalmente como constitui-se através do tempo, por um processo histórico

perpassa modificando-se e atendendo a diferentes necessidades, no tempo e no espaço.

Ao partimos das elaborações de Marx (1982), o trabalho humano a forma como se

realiza, o modo de produzir e reproduzir a vida social e material, a construção do

conhecimento, dos valores das regras de convivência, tudo nesta forma, é uma produção

humana, resultado de relações sociais. E as discussões que permeiam o mundo do trabalho,

não podem estar desvinculadas do entendimento da história da humanidade e das relações

sociais, entendendo que o comportamento individual é resultado da ação de classes sociais,

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coletividades de luta, luta irreconciliável de classes antagônicas, e desta forma a sociedade a

qual vivemos a capitalista, se sustenta e organiza-se.

Ainda abordando o trabalho na sua dimensão ontológica, e integrando alguns aspectos

abordados anteriormente, da mesma forma que o trabalho é algo humano, pode-se afirmar que

ele possui um princípio educativo, ou seja por somente o homem ser capaz de realizar o

trabalho como descrito e baseado nos fatos anteriores e ele também o é capaz de educar. Se

assim nos voltarmos para a o momento em que o homem como ser natural produz a sua

própria vida pela ação intencional sobre a natureza e a ajusta as suas necessidades, assim

também ele necessita aprender a ser homem, na produção de sua própria existência, a

educação desta forma origina-se coincidentemente com a origem do homem (SAVIANI,

2007).

A natureza não é então capaz de suprir por si as necessidades do homem, e este por

sua intervenção e ação nela, produz o que a ele é útil, essa relação como dito anteriormente

por não ser intrínseca, precisa ser aprendida, ou seja, o homem aprende a modificar a

natureza, modificando-se, e ao realiza-lo desta forma aprende. Portanto aprendendo então a

ser homem através de seu trabalho é possível, perceber a relação do homem com o processo

educativo, e assim perceber que este coincide com a própria origem do homem (SAVIANI,

2007).

O trabalho como princípio educativo não é somente uma prática didática, visto que é

fundamental ao homem, é um princípio político e ético. Este se constitui de um dever e um

direito, como sendo um dever, pois todos precisam colaborar na produção da vida humana,

através dos bens sejam materiais ou culturais, e como direito visto que afinal o ser natural e

humano precisa estabelecer seus vínculos com a natureza e transforma-la em bens para

produzir e reproduzir sua vida (FRIGOTO, 2006).

Partindo do exposto anteriormente nesta breve visita a conceituação do trabalho,

segundo a lógica marxista, podemos perceber que o trabalho difere-se de emprego formal, que

possui uma conotação mais aprofundada, ou seja intrínseca do ser, mas que principalmente é

algo único ao ser humano, e por ser único, o pertence. Percebemos que o trabalho não é

somente as formas que assumiu durante os períodos históricos, como trabalho escravo, servil

ou assalariado, sua essência não alterou-se mas sim os momentos históricos pelo qual

perpassou, mas principalmente o que abordaremos a seguir, o trabalho como propriedade,

porém na ótica capitalista de propriedade privada, não sob a forma do direito que possuímos

sobre um objeto, carro, terra, casa, etc, mas a forma como o capital apropriasse do

trabalhador, e do seu trabalho, para produzir mais capital. O julgo do trabalho pela

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acumulação de lucro que é resultado da compra e venda do trabalho. Mas mais precisamente

da apropriação pelo capital do tempo de trabalho, porém numa relação de desigualdade, onde

quem detém os meios de produção e os instrumentos de trabalho (o capital) e quem detém

apenas sua força de trabalho para vender, tornando-se este então uma mercadoria, sendo estes

gerenciados, comprados, e pagos em um valor de mercado, e ainda produzindo um valor

excedente, a mais-valia.

2.1.1 O trabalho e suas transformações.

Tratando-se do trabalho ainda na perspectiva de marxista, e em uma tentativa de dar

corpo a uma análise das transformações no mundo do trabalho, é fundamental entender as

bases a concepção e análise deste autor. O homem como animal social, ou os homens que ao

realizar o trabalho, o fazem recriando a natureza, e a transformando de forma consciente, para

satisfazer suas necessidades, que tem sobre ela a propriedade sobre as condições objetivas de

seu trabalho, e por essa ser uma propriedade natural, este como ser social, desenvolve tanto

cooperando como especializando, através da divisão social do trabalho, permite satisfazer as

suas necessidades, mas também da comunidade, ou unidade onde está inserido, passa a

produzir de um excedente de produtos do seu trabalho para além do necessário para manter

um individuo e a comunidade. Desta divisão social do trabalho e da existência de uma

produção extra sobre o seu trabalho, surge à possibilidade de troca (MARX, 1985).

Assim pode-se dizer que o homem percebe que este não necessita realizar o consumo

imediato de seu trabalho, mas que é possível armazena-lo, principalmente partindo do fato

que pode garantir a sua existência e da comunidade. Através do excedente de seu trabalho,

este também poderia guarda-lo, e utiliza-lo somente quando necessário, desta forma iniciou o

que poderíamos dizer a acumulação do excedente. Por que então não acumular estas

mercadorias? E por que não utilizar-se da apropriação dos meios de produzir estas

mercadorias? Alguns homens podem ter levantado estes questionamentos, desta forma

organizaram o trabalho na forma de reservas, armazenar e acumular estes excedentes,

mercadorias, outros se utilizaram da terra, apropriada e do trabalho de homens, culminando

historicamente nos modos de produção.

Deste ponto vale a elaboração de Marx (1985), ao formular a sua teoria de crítica ao

capitalismo, não para explicar como ele o é, mas para determinar o porquê de sua existência,

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este desenvolve o seguinte argumento, que da dupla relação entre trabalho-propriedade, que

se rompe ao que o homem afasta-se de sua relação primitiva com a natureza, a relação então

rompida de forma progressiva, separa o trabalho livre e as condições objetivas de realiza-lo –

separação entre objeto de trabalho e meios de trabalho – o homem sai de seu laboratório

natural, que é a terra, e sua total separação ocorre com o advento do capitalismo. Com o

capitalismo, resultante desta separação do homem e da natureza, este é agora, nada menos que

força de trabalho, e a propriedade simplesmente o controle dos meios de produção.

Deste divórcio entre homem e natureza, ocorre também a perda da dimensão do uso do

que é produzido, e o será valorizado a troca e a acumulação como objetivo direto da

produção. Chegamos aqui ao que é fundamental entender na critica marxista, ou seja, a

mercadoria25

, esta primeiramente como um “valor de uso26

”, que torna o objeto externo para

satisfação de determinadas necessidades, independente da origem, e em segundo lugar, um

“valor de troca27

”, uma forma quantitativa de pressupor uma substância comum, que pode

manifestar-se sob a forma de dinheiro e se chama preço. Marx ainda fala de uma realidade de

dupla face, ou duplo caráter do trabalho, o trabalho concreto manifestado no valor de uso e o

trabalho abstrato manifestado no valor de troca.

Cabe então referir alguns conceitos relacionados ao trabalho concreto e o trabalho

abstrato. O intercambio de mercadorias se desenvolve e juntamente com ele a produção,

inclusive a força humana do trabalho reduzindo-se a uma mercadoria, e sobre esta tem-se um

valor, ou seja, o valor expressa o trabalho abstrato. Segundo Marx (1982), quando desaparece

o caráter útil do trabalho, também os trabalhos anteriores corporificados nele de forma útil

desaparecem, desvanecem-se, as diferentes formas de trabalho concreto, presentes não mais

se distinguem umas das outras, reduzem-se a uma única forma, o trabalho abstrato. O valor da

mercadoria é então o trabalho abstrato, sendo este o trabalho alienado burguês, essa alienação

se dá pelo caráter do trabalhador assalariado, que é despossuído do controle de seu trabalho e

dos produtos resultantes dele. O capital, nas formas de meios de produção, funcionando como

capital que se utilizam do trabalhador, força de trabalho explorando-o na forma do trabalho

25

Segundo Marx (1982), é essencial a análise da mercadoria para prosseguir com a crítica ao Capital, esta pode

ser entendida como o objeto que ao invés de ser consumido por quem o produz, fica destinado à troca e à venda,

algo que por suas propriedades satisfaz necessidades humanas, de forma que independente da origem dessas

necessidades, sejam elas da fantasia ou mesmo do estomago, é o objeto que entregue pelo produtor possa ser útil

aquela pessoa, e aquém quer usa-lo em troca de outro objeto, convertendo-se em mercadoria. 26

Ainda em Marx op.cit. o valor de uso é a utilidade de um produto, resultante do trabalho, e que só realiza-se

com sua utilização ou consumo. 27

Valor de troca no exemplo de Marx op.cit. temos o trigo e o ferro, que qualquer que seja a proporção em que

se troquem, é sempre possível expressa-la na quantidade em que se troca.

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64

assalariado. Esta relação social, onde os meios de acumular trabalho morto, através do

trabalho vivo, é o capital.

O duplo caráter do trabalho então completa-se ao exemplificarmos através da

mercadoria força de trabalho, o trabalhador alienado é o valor de uso, é o trabalho concreto,

por ele realizado para valorizar o capital. Este trabalho possui um valor de troca, ou seja o

preço do trabalho, que pode ser denominado salário. Esta engenhosa formula, permite ao

capital mistificar sua relação de apropriação do trabalho, dando um falso caráter de um preço

pago por uma cerca quantidade de trabalho realizado por esta força de trabalho, isso decorre

do fato que a força de trabalho que recebe este salário, é incapaz de perceber que realizou um

trabalho que adquire novo valor, que provavelmente é superior e em maior quantidade do que

o preço pago pela força de trabalho na forma de salário. Por este novo valor de uso que esta

força de trabalho produziu, e a diferença entre valor pago por esta força de trabalho, e os

valores por ela produzidos, constitui-se a mais-valia, ou seja, um acréscimo de valor não pago

pelo capital, sendo fundamental para o entendimento desta modo de produção (MARX, 1982).

Assim Marx (1985) demonstra através da periodização histórica que as relações de

produção ou forças produtivas materiais não podem ser separadas das relações sociais de

produção.

Somente com a divisão do trabalho e o surgimento da manufatura independentes que

possibilitaram um comercio exterior, entre cidades, um mercado interno, que o capitalismo

desenvolve-se definitivamente, sendo que a manufatura o principal ponto de desenvolvimento

entre o trabalhador e capitalista.

No período anterior ao capitalismo, era possível vislumbrar que existia ramos ou áreas

especializadas de produção, onde a organização do trabalho era estruturada, no período

feudal. Porém o capitalismo introduziu algo diferente e único até aquele momento, na maneira

de produzir e dividir o trabalho, o uso da especialidade produtiva em múltiplas operações

(PIRES, 2008). Numerosas operações são executadas por múltiplos trabalhadores, reunidos

em um mesmo local, porém com a perda do controle do seu processo de trabalho.

As diversas estruturas da organização do trabalho, as transformações do trabalho com

a industrialização, marcada no século XVIII pela utilização de máquinas no processo de

produção, em substituição a força humana, tem como propósito a acumulação de capital,

tornando o trabalhador dependente da venda de sua força de trabalho para sobreviver. Na

manufatura as mudanças ocorridas foram em relação a força empregada no trabalho, porém na

indústria moderna quem ditava o ritmo eram as máquinas, ou seja a revolução ocorre no

instrumento de trabalho (MARX, 1982).

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65

A máquina era capaz de utilizar os instrumentos antes empregados pela homem de

forma manual, todos em um só, ou seja, tanto na manufatura como dentro da grande indústria

o fim era o mesmo, o acúmulo da produção. Retirando do trabalhador o controle do processo,

e impugnando a ele a necessidade de venda da sua força de trabalho para sobreviver (MARX,

1982).

Assim Marx (1985, p.80) em um trecho vislumbra a forma como o capitalismo se dá.

[...] A antiga concepção segundo a qual o homem sempre aparece (por mais

estreitamente religiosa, nacional ou política que seja a apreciação) como o objetivo

da produção parece muito mais elevada que a do mundo moderno, na qual a

produção é o objetivo do homem, e a riqueza, o objetivo da produção. Na verdade,

entretanto, quando despida de sua estreita forma burguesa, o que é a riqueza senão a

totalidade das necessidades, capacidades, prazeres, forças produtivas, etc., dos

indivíduos, adquirida no intercambio universal? O que é, senão o completo

desenvolvimento do domínio humano sobre as forças naturais – tanto as suas

próprias quanto as da chamada “natureza”? O que é, senão a plena elaboração de

suas faculdades criadoras, sem quaisquer precondições além da evolução histórica

precedente que transforma num fim em si, a totalidade desta evolução – isto é, a

evolução de todas as forças humanas, como tais, não medidas por nenhum critério

previamente estabelecido? E o que é isto, senão uma situação em que o homem não

se reproduz a si mesmo numa forma determinada, limitada, mas produz sua

totalidade, se desvencilhando do passado e se integrando no continuo movimento em

busca do dever? Na economia política burguesa – e na forma de produção

correspondente – este completo desenvolvimento das potencialidades humanas

aparece como uma total alienação, e a destruição de todos os objetivos fixos e

unilaterais, como o sacrifício do fim em si mesmo, em proveito de forças que lhe

são estranhas.

Por fim, podemos constatar que a critica ao capital, engendrada através das

concepções de Marx (1982) permeiam tendências sobre o modo de produção capitalista, mas

principalmente a qual nível de interferências tem sobre o trabalho. Ou seja alterações dos

modos de produção diversos, e a divisão social do trabalho, juntamente com o conceito de

propriedade, alteraram-se em um processo que percorreu a história, e permitiu chegar ao

modo capitalista de produção, caracterizado pela separação da ação consciente do trabalho,

intrínseca ao ser humano, para uma lógica de acumulação de mercadorias, que visam a mais-

valia e a alienação do trabalhador.

2.1.1.1 O trabalho e suas transformações com a industrialização.

O modo capitalista de produção é inovador se comparado aos momentos anteriores ao

verificarmos que apesar de nesta sociedade já existirem as formas de divisão do trabalho em

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áreas de conhecimento, ou ramos da economia, e a forma como o trabalho organizava-se,

visto que com este modo de produzir além da divisão entre os homens, ocorre a divisão de

operações, de uma especialidade produtiva. Ou seja, como brevemente abordado

anteriormente, o que modifica-se na indústria moderna é o instrumental utilizado no trabalho,

comparado as alterações na força de trabalho ocorrida com a manufatura (MARX, 1982).

Mas ainda que estas alterações tenham ocorrido, é imprescindível salientar o papel da

burguesia, que exerceu poder econômico, e lançou-se sobre a classe trabalhadora política e

hegemonicamente. Com uma ideologia de liberdade, e suportada pela economia, a burguesia

pregava a liberdade advinda da venda livre da força de trabalho pelo trabalhador, por uma

concorrência livre, onde as classes não existiriam (MARX, 2004).

Ora sim, segundo Marx (2004) o trabalhador passa então a ter que concorrer pela

possibilidade de trabalhar através dos meios de produção que não o pertencem, desta forma

cada vez mais alienado, separado do seu trabalho e estranhando-o, deixado a miséria caso esta

relação de concorrência lhe fosse desfavorável, o sentido do trabalho modica-se baseado nesta

lógica, é externo a ele, não mais lhe pertence, mas sim pertence a quem tem os meios de

produção, e desta forma o explora.

Podemos inferir sem dúvidas que este avanço empreendido pelo capital, ou seja das

forças produtivas, trouxe um cenário de exploração, com a dominação do trabalho pelo

capital, com reprodução constante do lucro somente. Assim Marx (2004), afirma que o

trabalhador transfigurando-se em uma mercadoria, sendo esta consideração do trabalhador

enquanto miserável, faz-se de uma inversão entre a grandeza da produção e a concorrência

que é necessária na acumulação do capital, nas mãos de poucos.

Ainda conforme exposto por Marx (2004, p. 27), a forma como o trabalhador

encontra-se neste contexto está exemplificada pelo trecho a seguir,

[...] O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto

mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna

mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com valorização do

mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em produção direta a desvalorização do

mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadorias;

ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em

que produz, de fato, mercadorias em geral.

Este fato nada mais exprime, senão o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o

seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do

produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, faz-se coisal

(sachlich), é a objetivação (Vergegenstandlichung) do trabalho. A efetivação

(Verwirklichung) do trabalho é a sua objetivação. Esta efetivação do trabalho

aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação (Entwirklinchung) do

trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação

como estranhamento (Entfremdung), como alienação (Entausserung).

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67

As máquinas introduzidas como forma de aumento da produção neste contexto,

visando somente o lucro capitalista, como moldes a divisão do trabalho, perde-se a

individualidade do trabalho, com a lógica invertida, conforme exemplifica Marx (1998),

conforme o trabalhador mais aumenta sua produção, e as mercadorias aumentam seus preços,

de forma contraria o salário diminui.

Assim este trabalhador agora como mercadoria, vendendo sua força de trabalho, sob

uma concepção que este é livre, independente, pois se codifica no pagamento do salário, o

impede de vislumbrar a torturante realidade da exploração capitalista.

Juntamente com os pontos apresentados acima, algumas alternativas foram

empreendidas, pelo capital para tentar aumentar ainda mais o lucro, principalmente em

momentos de crise, sendo não somente a introdução da tecnologia e maquinaria, mas também

com formas de organizar o processo de produção, para cada vez mais afastar o trabalhador do

domínio do seu processo de produção, estas alternativas tem uma extensa gama de interesses

políticos, econômicos, que através do momento histórico vivido alteram-se, visando o

aumento da produtividade, sendo que alguns pontos são apresentados a seguir.

2.1.1.2 Taylorismo e Fordismo

A gerência já conhecida anteriormente da manufatura, nas mãos do capital assume um

papel interventor do processo de trabalho, expropria a concepção do trabalho dos

trabalhadores, assumindo um papel amplo no sentido garantir a produtividade e melhora na

maneira do trabalhador trabalhar. Sendo Taylor28

o nome importante e orientador destas

mudanças.

O artesão perde seu espaço nesta conjuntura de maquinaria presente nas fábricas,

sendo que a produção concentra-se nestas, ele então perde o controle que tinha do processo de

produção, este agora passa a ser do capital. Medidas são então empreendidas para controlar o

ritmo de trabalho, a extensão das jornadas de trabalho.

O modo de produção capitalista desde o início encontrava dificuldades advindas da

autonomia do trabalhador sobre o seu processo de trabalho, este planejava e executava bem

28

Frederick Winslow Taylor (1856 – 1915), engenheiro norte americano que cria o termo gerência científica,

baseado no positivismo, racionalidade metódica, nos Estados Unidos no final do século XIX.

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como definia as formas e as sequencias que seu trabalho direto ocorreria, porém visto pelo

capitalista, era quase um processo anárquico, gerando formas diferentes e inúmeras de

produzir. Assim no decorrer do século XIX, a tentativa de minimizar a autonomia do

trabalhador sobre seu fazer ocorreram, sendo que os estudos implementados por Taylor a

respeito dos tempos e movimentos do trabalho, com a utilização rigorosa de um método,

baseado em planilhas e cronômetros, sendo então possível parcelar, especializar e decompor o

trabalho, levando a um trabalho que pudesse ser executado no menor tempo possível de forma

eficiente (CATTANI, 1997).

Ou seja, ocorre a separação das funções tanto de concepção e planejamento, das

funções de execução, fragmentação e no controle de tempos e movimentos, além da

implementação da remuneração pelo desempenho. O taylorismo visava a eliminação dos

tempos ociosos e da autonomia dos produtores para então garantir o aumento na

produtividade (CATTANI, 1997). Para Taylor, “os trabalhadores não são pagos para pensar,

mas para executar”, deixando claro tamanha a expropriação do processo de trabalho do

trabalhador.

Pela alcunha do patrão ou do gerente, era garantido que as medidas para controlar o

ritmo de trabalho, o valor do produto, e da jornada de trabalho, com a forma de separar o

produto do produtor, ou seja, apropriar-se do saber fazer. Assim alguns movimentos entre os

trabalhadores acontecem a fim de tentar resgatar sua capacidade de gerir seu trabalho, mas

também de resistir ao que estava sendo imposto a ele. A quebra das máquinas, foi um desses

movimentos, que iniciou-se na revolução industrial, os trabalhadores resistindo fortemente ao

sistemas de fábricas, mas seu caráter de resistência não era somente uma rejeição do

progresso da tecnologia, mas sim uma razão específica, como a quebra de máquinas que

serviam na produção da fábrica, não as que prestavam ao trabalho doméstico. A revolta dos

artesãos dava-se principalmente contra as consequências que estes processos de mecanização

provocaram na forma e nos costumes do seu modo de produção (THOMPSON, 1989).

Diversas formas de lutas foram desenvolvidas por esses trabalhadores, como lutas

empreendidas por direitos trabalhistas, por associações de classe. Este antagonismo entre

trabalhadores e o capital, na tentativa de controlar o processo de trabalho, permite que a

aplicação de uma ou outra forma de obter uma maior produtividade no trabalho.

Assim é importante ressaltar que o que de mais fundamental existia em Taylor era o

controle do trabalho, alienando a força de trabalho comprada, este controle dava-se pela

definição das tarefas, das jornadas de trabalho e de maneira que visava diminuir espaços de

tempos mortos, ou improdutivos, assim o ritmo de trabalho e o como fazer para executar a

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tarefa era controlado. A gerência cabia garantir que esta cisão acontecesse, expropriando a

concepção da execução do trabalho da força de trabalho (PIRES, 2008).

O fordismo29

juntamente com o taylorismo, são estratégias de gestão do processo de

trabalho, assim referindo-se ao processo de trabalho na perspectiva do fordismo este

caracteriza uma separação radical entre prática (execução) e concepção, pautando-se em um

trabalho fragmentado e simplificado, com ciclos de operação curtos, não sendo necessário ao

trabalhador períodos extensos para treinamento e formação, fundamentando-se principalmente

em uma linha de montagem ligada a uma esteira rolante, assim o trabalho vai ao trabalhador e

não há necessidade que ele desloque-se, sob um fluxo contínuo que a máquina determina, e

peças por peças são colocadas cada uma a seu tempo, com intuito de reduzir drasticamente os

tempos mortos. Porém nestas condições o trabalho ganha uma monotonia e repetição intensa,

parcelado. Para Ford ainda esta linha de montagem, apesar dos fatores negativos colocados

aqui, para o operário deveria ser recompensada por um salário elevado (LARANGEIRA,

1997).

A fábrica e com ela, relações sociais complexas estabelecem-se e ultrapassam o

conceito simples de organização do trabalho, ele acaba por designar um novo padrão de

organização de uma sociedade, no caso a americana, e por fim constitui-se como hegemônico,

ganhando asas e expandindo-se globalmente, ao que aqui é importante salientar, sob formas

que podem ser mais ou menos iguais a americana, mas o importante é que emprega um

intenso dinamismo na economia e no capital no Pós-Segunda Guerra (PIRES, 1998).

2.1.1.3 O modelo de desenvolvimento hegemônico e sua crise.

Tendo como base alguns pontos apresentados anteriormente de forma conceitual,

podemos observar que este modelo de desenvolvimento hegemônico fordista, ou

taylorista/fordista, que utiliza-se de um padrão industrial, financeiro e tecnológico tem como

características segundo Pires (1998, p. 35)

[...] a) rápido e prolongado crescimento internacional da produção e da

produtividade; b)liderança do setor industrial, sendo que, neste, lidera a produção

em massa de bens de consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos), a

produção de bens de capital e a indústria química, em particular e petroquímica; c)

internacionalização da produção – grandes empresas oligopólicas com subsistema de

29

Fordismo foi um termo gerado para caracterizar o sistema de produção e gestão utilizado por Henry Ford em

sua fábrica, Ford Motor Co. em Detroit, 1913.

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filiais; d) ritmo do comércio internacional mais intenso que o ritmo do crescimento

da produção industrial; e) apesar do aumento do comércio internacional, o grande

responsável pelo crescimento econômico, dos principais países capitalistas, é o

mercado interno; f) crescimento da participação do emprego industrial, e também,

do emprego nos serviços (agora sob a lógica industrial), ao mesmo tempo que

diminui a participação do emprego agrícola nos mercados de trabalho nacionais; g)

utilização do petróleo como principal fonte energética, substituindo,

progressivamente, o carvão, o que foi facilitado pelo preço do petróleo, em queda no

período.

O sucesso desse novo padrão hegemônico garantiu um período pós Segunda Guerra,

em que o modo capitalista de produção obteve uma prosperidade longa, decorridos não da

determinação da economia, mas sim resultante de uma luta dinâmica entre classes sociais30

,

exigindo uma mudança na forma de gestão da economia, no papel do Estado, nos salários e no

consumo. O papel do Estado capitalista nesta conjuntura se dá através de algo inédito,

conciliou os interesses dos meios de produção privada com uma gestão democrática da

economia, além de uma elevação no padrão de vida (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).

Estes fatos decorrem também das mudanças ocorridas nos sindicatos, atuando

fortalecidos e participativos da politica em geral, assim também tem-se os trabalhadores que

permitiram algumas concessões no que diz respeito as críticas ao capitalismo e sua

organização. A renda produzida passou por uma maior socialização neste período, com

salários mais altos, políticas voltadas para o pleno emprego, com diretos sindicais e políticos

que influenciavam políticas nacionais pra determinar os salários, ou seja um sistema de

welfare. Tanto empresários quanto industriais aceitavam as organizações sindicais e os

trabalhadores com um grau de influencia, juntamente com o Estado nacional, este participava

na economia não apenas como regulador, mas administrando as demandas e proporcionando

políticas que proporcionassem uma rede que visava diminuir as desigualdades e o

desemprego, utilizando-se de uma rede de serviços – o chamado Estado de Bem-Estar Social

(Welfare state) (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).

Segundo Pires (1998, p.38) a função do welfare state keynesiano

30

A utilização do termo classes sociais, explica o sentido de diferenças de interesses e de movimento, as

relações que estabelecem-se entre as pessoas no sentido que melhor exprime Thompson (1989), que o termo

classe é demasiado superior a uma simples descrição, de um amontoado de acontecimentos esparsos, vividos por

alguns trabalhadores, ele o trata como fenômeno histórico, bem como insiste em deixar claro que é histórico pois

reúne diversos acontecimentos aparentemente dispersos, que estão unidos por um fenômeno em comum, e a

formação de uma classe acontece ao que homens como resultado de suas experiências comuns reúnem-se, por

interesses, identidade, sentimentos, e articulam-se geralmente contra outros homens que possuem interesses

diferentes dos seus, e que geralmente esses interesses são opostos. A classe, porém não deve ser entendida como

uma coisa e sim como uma relação, não deve ser entendida como entidades separadas que se olham se encontram

e começam a caminhar, ao contrário, as pessoas experimentam a exploração, identificam-se pelos pontos de

interesses, e pelos seus antagonismos contra outros interesses e começam a lutar por questões que ao final do

processo acabam por reconhecerem-se como classe, assim a classe e a sua consciência são as últimas a se

identificarem, pois se definem a medida em que a sua própria história é vivida pelos homens.

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[...] corresponde a uma aliança entre política econômica keynesiana e welfare state,

é, de um lado, cobrir os riscos e incertezas a que estão submetidos os trabalhadores

assalariados e suas famílias numa sociedade capitalista e, de outro, através de uma

política econômica ativa, regularizar o crescimento econômico, garantindo demanda

para consumo e estímulo ao crescimento. Os operários devem considerar a

lucratividade do capital como forma de garantir o futuro emprego e o nível de renda

e os capitalistas deem considerar as despesas com o welfare state porque ele

garantirá uma demanda efetiva e uma classe operária com seus problemas de saúde

atendidos, bem treinada, com moradia razoável e satisfeita.

Nos países capitalistas do pós Segunda Guerra o sistema de welfare state foi

denominado “welfare state institucional redistributivista” ou “social-democrata”,

diferenciando-se das políticas de welfare state que não atendiam de modo geral todas as

parcelas da população em suas necessidades, que ocorreram em alguns outros países com a

denominação de welfare state do tipo “residual ou liberal”, no primeiro o papel do Estado é

garantir a todos os cidadãos os serviços mínimos e acesso a bens, intervindo no planejamento

econômico, distribuindo através de alguns engendramentos bens e serviços tanto públicos

quanto privados (PIRES, 1998).

No início dos anos 60 apesar da redistribuição de renda ocorrida, do consumo de

novos produtos a favor dos assalariados, que permitiu que a economia capitalista crescesse,

com os salários aumentando na medida proporcional que a produtividade, esta distribuição

neste período ocorreu via Estado e sua intervenção gerando um aumento com os gastos

públicos, principalmente educação, saúde e previdência social. A demanda estava resolvida

porém outros problemas surgiram, entre eles a elevação da dívida pública pelas constantes e

crescentes em relação ao orçamento do Estado, seja pelos benefícios sociais, ou pelos

capitalistas que queriam diminuição de juros e mais proteção da economia, culminando com

medidas do Estado de cortes aos programas de bem-estar social (MATTOSO; OLIVEIRA,

1990).

Os sinais da crise que haviam iniciado na segunda metade dos anos 60, mostram-se

por fim estruturais, e tem por explicação a multicausalidade, sob diversos aspectos, sendo

alguns assinalados como: a) diminuição dos ganhos com a produtividade do trabalho nos

países industrializados, somada a insatisfação pelos operários as condições de trabalho, pela

repetição das tarefas de forma maçante do trabalho taylorista/fordista além da não

democratização dos locais de trabalho, uma reação centrada na separação entre concepção e

execução do paradigma taylorista/fordista; b) os questionamentos ao paradigma

taylorista/fordista ocorrem pelo mundo e engajam intelectuais, estudantes e trabalhadores, que

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reagem ao autoritarismo e falta de liberdade do modelo vigente, principalmente em países

como França, Itália e Estados Unidos, surgindo novos movimentos sociais; c) saturação e

esgotamento dinâmico da industrialização nos mercados internacionais e d) crescimento

econômico na Europa e Japão com enfraquecimento da hegemonia norte-americana, esses

países ainda aumentam sua participação em mercados internacionais com filiais e capital

internacionalizado, possibilitando o crescimento dos países do terceiro mundo (PIRES, 1998).

Enfim esta crise difere-se da ocorrida nos anos 30, pois naquela a saída foi arranjada e

articulada pela hegemonia dos Estados Unidos, que consolidou-se no pós Segunda Guerra.

Neste segundo momento de crise não havia apenas um bloco, mas sim além dos Estados

Unidos, países como Alemanha e Japão sem consolidação de nenhuma hegemonia

possibilitando a concorrência internacional, com aumento de produtividade, e por não

consolidar nenhum novo padrão de desenvolvimento, resulta em incertezas e desestruração

(MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).

2.2 Reestruturação Produtiva.

Como apresentado na sessão anterior, as medidas de garantia de benefícios sociais

pelo Estado, na vigência de um modelo econômico voltado para a produção de mercadorias

em massa, no amago dos países capitalistas, construiu um desenvolvimento econômico

permeado de estabilidade social. Porém esta estabilidade teve seus alicerces atingidos por uma

diminuição de lucratividade do capital e de ganhos de produtividade, assim ao final dos anos

70, a percepção de que nem os governos nem as empresas eram capazes de realizar uma

estabilização das economias nacionais, verificou-se um processo de reação à crise, com uma

reestruturação do capital, com ajustes e transformações no modelo de produção industrial,

com o uso de inovações de tecnologia, equipamentos, materiais e novas formas de organizar o

trabalho (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).

Esta conformação do modelo de produção industrial evidencia-se nos anos 80, nos

países desenvolvidos e capitalistas, voltando-se sobremaneira ao setor eletrônico, uso de

tecnologias digitais como base na estrutura da indústria e nos processos de química fina, como

novos materiais, biotecnologia, engenharia genética. Assim procede a reestruturação

produtiva e industrial, um processo que consiste em mudanças institucionais e organizacionais

tanto no que tange a produção quanto a organização de relações de trabalho, visando grande

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lucratividade, mas principalmente redesenhado sob a introdução da tecnologia informatizada

(CORRÊA, 1997).

Assim no que diz respeito as relações de trabalho este período busca alternativas ao

paradigma fordista/taylorista de acumulação, de forma a manter ou elevar as taxas de

lucratividade, deste modo dois eixos principais ocorrem, o primeiro através da introdução da

tecnologia microeletrônica, e a transformações na organização do processo de trabalho. Os

dois na tentativa de atender a exigências dos modos de produção agora instáveis e

competitivos. Assim a flexibilização da produção através da microeletrônica faz parte deste

contexto, já que estas tecnologias mostraram-se frente a seus aspectos de capacidade de

adaptação às estruturas de produção de modo eficiente (CORRÊA, 1997).

Considera-se inovador em relação à produção fordista, a inovação tecnológica (uso

de equipamentos microeletrônicos que atendem e dinamizam rapidamente as flutuações de

demanda do mercado), o volume de produção (ocorre diferentemente da produção

massificada fordista, a produção de produtos diversificados seja em grandes ou pequenos lotes

conforme a demanda de encomendas), a estrutura e o tamanho das empresas (as atividades

que antes eram executadas no seio da indústria, tornam-se exteriores a ela, seja pela

terceirização ou pela uso dos setores de serviços de forma intersetorial, formando redes de

empresas envolvidas na confecção de um produto), a visão sobre o cliente (laços estreitos

ocorrem ajustando a produção da demanda) segundo Pires (1998).

Neste contínuo de transformações o processo de trabalho também acompanha algumas

alterações em relação ao modelo taylorista/fordista, sendo que pode-se como algumas

características o trabalho em equipe, com múltiplas atividades sendo exercidas por

trabalhadores intervindo de formas diversas em várias fases do processo de produção,

inclusive tentando identificar erros e corrigir-los. Esta força de trabalho precisa então de uma

formação de alto nível na escola e na técnica. Já em relação às condições de trabalho pode-se

verificar que as relações de trabalho incluem estabilidade em alguns casos, visto que este

sistema precisa de intervenções do trabalhador para resolver problemas, existe uma facilidade

patronal em despedir e utilizar de trabalhadores eventuais, sendo heterogenia e a favor do

capital. Os salários diferenciam-se minimamente e os postos de trabalho são menos rígidos, há

aumento da precarização do trabalho, com diminuição da força dos sindicatos, com

desestruturação nas formas de contratação coletiva (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990). Apesar

de inovações neste processo de trabalho, surge uma imensidão de desempregados, com

desigualdade e pobreza aumentando, e mantendo a concentração de renda.

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74

2.2.1 Reestruturação produtiva em saúde.

A partir deste ponto concentramos nossos esforços em elaborar conceitos que integrem

as questões relativas ao mundo do trabalho, voltadas para o setor da saúde, tendo em vista que

estes são imprescindível para condução de posteriores discussões. Utilizaremos de autores que

abordam o tema trabalho sob o enfoque marxista, integrando-o as terminologias e conceitos

voltados a saúde. Dentre os autores podemos citar Merhy (2002, 1997), Pires (2006, 1989,

1998), Gonçalves (1992), Franco (1999, 2003) entre outros.

Partimos então do significado trazido pela reestruturação produtiva em saúde, sob a

concepção de Merhy e Franco (2006, p.348), como sendo:

[...] a resultante de mudanças no modo de produzir o cuidado, geradas a partir de

inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os

produtos da saúde, e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos

populacionais.

Na existência de vários sujeitos que realizam as atividades de cuidado, pode-se inferir

que a introdução de uma nova forma de organização do processo de trabalho resulte em

realmente a mudança na forma de produzir o cuidado, vários determinantes, dentre os quais

distintamente podem ser ditados por interesses burocráticos, coorporativos, políticos e de

mercado, porém em uma equipe de saúde diversos são os atores e seus interesses, bem como

suas formas e atitudes frente ao usuário, buscando formas diferentes e únicas de produzir a

saúde.

Falamos assim, produzir o cuidado é multifatorial, multidisciplinar e ao mesmo tempo

interdisciplinar, mas principalmente que produzi-lo, não se basta ou altera-se somente com a

introdução de uma máquina ou tecnologia em meio ao processo de produção do mesmo. Uma

mudança fundamentada somente na introdução de uma tecnologia dura, não necessariamente

altera a lógica de produção na saúde, alterando a lógica de um trabalho morto em detrimento

do trabalho vivo, mas numa inversão do uso de tecnologias centradas na produção de

vínculos, acolhimento, atos de fala. Assim os estudos de Pires (1998) percebe-se que na

descrição da incorporação de tecnologias na produção do cuidado, em um hospital, é uma das

formas de reestruturação produtiva, ao que muda o modo de trabalhar das pessoas. Mas seu

núcleo onde os produtos do trabalho, o cuidado é produzido, não altera-se.

Merhy e Franco (2006, p.349) assim exemplifica a reestruturação produtiva em saúde.

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[...]. Em relação ao Programa Saúde da Família, pode-se assistir ao mesmo

fenômeno conservador, quando este não consegue alterar os processos de trabalho

centrados na produção de procedimentos médicos, estruturados a partir dos seus atos

prescritivos – buscando como finalidade mais a produção do procedimento do que

qualquer outra coisa e comandando as ações dos outros trabalhadores. Desse modo,

ele muda a forma de produzir saúde a partir dos grupos familiares e da referência no

território, mas o núcleo tecnológico onde se processa o cuidado continua centrado

em um grande predomínio do trabalho morto, que opera basicamente a construção

de um modo de cuidar, focado na produção dos procedimentos em si.

Assim processos que modificam desde a subjetividade de quem cuida em saúde, até na

incorporação de tecnologias novas de cuidar, alterações nos processos produtivos, novas

formas de organizar o processo de produção do cuidado, como a mudanças de atitude em

relação ao sujeito que é cuidado, determinam uma certa reestruturação produtiva em saúde,

condicionado a uma alteração no modo de produzir o cuidado.

É possível observar que muito além de máquinas e conhecimentos técnicos e

tecnológicos o trabalho em saúde configura-se, mas as relações e as formas de agir dos

sujeitos e entre ele é algo singular. Assim segundo Merhy (2002), o entendimento que o

espaço de saúde vai além da produção da mesma, mas trata-se de um lugar onde os desejos e a

subjetividade dos sujeitos ocorre, e estruturam a ação do trabalhador, usuário, seja individual

ou coletivo. De modo que a forma como entendem e compreendem o outro modifica sua

maneira ou modos tecnológicos de construção do cuidado.

Assim condicionada a ideia que a reestruturação produtiva em saúde, se efetiva com

uma mudança na produção do cuidado, e que esta só ocorre com a alteração do núcleo do

cuidado, inventando e criando novos produtos, esta ocorre com a chamada “transição

tecnológica”, aqui explicada por Merhy e Franco (2006), como cuidado centrado em

tecnologias que organizam o modo de produção do cuidado, focado no usuário, como

determinados pelos sujeitos. O que ocorreu com a medicina no século XX, quando houve esta

transição tecnológica para as especialidades, com a lógica centrada em benefício do usuário;

esta transição traz o sentido de mudança na produção do cuidado.

Assim Merhy e Franco (2006, p. 352, grifo do autor) chamam a atenção.

[...] é interessante olhar com atenção o conjunto desses processos de reestruturação

produtiva e de transição tecnológica, pois os grupos do capital financeiro vêm-se

utilizando intensamente de dispositivos muito semelhantes aos do modelo em defesa

da vida para provocar uma ‘reestruturação produtiva’, na qual são acrescentados

processos de subjetivação, que buscam um modo de agir no mundo do trabalho em

saúde – também com predomínio do trabalho vivo em ato e das tecnologias leves no

processo produtivo de cuidar e na gestão das linhas de cuidado – voltando-se,

entretanto, para a produção de capital e não de mais vida.

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A intencionalidade está não está no usuário, mas em um mercado, em modo de

produção do cuidado que atende ao capital, porém fazendo parecer que ocorre a defesa da

produção da saúde, porém com o lucro como objeto central, considerando o sujeito como um

consumidor de um produto genérico, que não a sua saúde.

2.3 Precarização do Trabalho na saúde.

O termo precarização tem como principal significado as perdas de direitos trabalhistas,

decorrentes das transformações no mundo do trabalho, assim genericamente é uma variedade

de mudanças em relação ao mercado de trabalho, nas condições de trabalho, nas formas de

qualificação do trabalhador e nos direitos trabalhistas, sob a forma de emergência de um novo

padrão de produção (MATTOSO; OLIVEIRA, 1990).

Segundo a literatura existem registros de que precarização são também múltiplas

relações de contrato, para impedir as relações de contrato e impor dificuldades nas

representações de classe, como os sindicato, impelindo ainda mais a uma desproteção dos

trabalhadores, e vulnerabilidade às exigências dos patrões (PIRES, 1998). Além disso este

processo tem relevância e intensidade com a indústria, e setores da economia são afetados de

forma diferente, sendo que na saúde é singular.

No âmbito nacional, existe um aumento decorrente do número de trabalhadores sem

seus direitos garantidos, comparados aos que os possuem nas instituições. Essa situação

ocorre aqueles com contratos temporários, trabalhadores para realizar atividades especiais

como plantões, formas flexíveis de contratação dos agentes de saúde e das equipes do

Programa de Saúde da Família, todos com caráter de flexibilização mas que deixam claro seu

caráter expropriador de direitos do trabalhador (PIRES, 2006)

Assim Pires (2006, p. 319) denomina como ocorre esta precarização

[...] Como nos demais setores da produção, a terceirização também cresce na saúde e

tem sido utilizada pelos empregadores tanto do setor público quanto do privado,

para diminuir os custos com a remuneração da força de trabalho e para fugir das

conquistas salariais e direitos trabalhistas dos trabalhadores efetivos da empresa-mãe

(instituição-original).

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Em outros países a precarização tem real cunho de flexibilização, como direitos

adquiridos pelos trabalhadores de trabalhar através de contratos que atendam melhor, suas

necessidades e não somente dos empregadores. Assim o conceito de precarização remete a um

sentido de perdas, e é usado extensamente para designar o que é precário, neste caso as

formas de trabalho na saúde (PIRES, 2006).

Se olharmos a sob a ótica dos sindicatos, os trabalhadores que atuam no Sistema

Único de Saúde (SUS) tem ausência de concurso público, ou processos seletivos públicos que

lhe permitam permanecer no emprego, sendo também uma forma de precarização do trabalho.

No Brasil as Secretarias de Gestão do Trabalho e de Educação em Saúde, tem dado vistas a

um Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho no SUS, com intuito de definir

formas de reverter este quadro, por ser o termo precarização um tanto quanto amplo, este une-

se ao colocarmos um sentido de perdas, como nos vínculos precários relacionados aos

trabalhadores do SUS.

2.4 Trabalho em saúde.

Ao olhar e refletir o termo trabalho em saúde, é necessário como abordado

anteriormente o resgate histórico, visto que os movimentos implementados pelo homem,

contra ou a favor de sua contemporaneidade influenciam direta e indiretamente a

compreensão dos termos os quais empregamos na descrição da saúde, e do trabalho.

A saúde do homem, sua recuperação ou manutenção, envolvem um processo diverso,

que não a obtenção da saúde, mas para o trabalhador da saúde, a produção do cuidado.

Tangendo esta convicção, a definição de trabalho com enfoque na saúde, ou o trabalho na

saúde supera a intencionalidade, ou a busca da produção de coisas (bens/produtos) na

satisfação de necessidades, mas que na saúde ele realiza-se através do “trabalho vivo em ato”,

assim sendo, o trabalho humano no exato momento em que acontece ou é executado,

determinando a produção do cuidado (MERHY, 2006).

Na busca conceitual do tema, alguns autores trabalharam esta definição, e a forma

como o autor Emérson Elias Merhy (1997, 2002), trata o tema, ao aplicar a teoria marxista ao

campo do trabalho na saúde, através de uma recuperação das concepções de Marx sobre

trabalho vivo e trabalho morto, a fim de atribuir uma dimensão do trabalho vivo em ato na

saúde, e suas características.

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Assim este autor ressalta e defende o trabalho em saúde, para uma realidade brasileira,

onde a saúde é um direito garantido, assim como em algumas outras sociedades, mas no caso

brasileiro promulgado pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei Orgânica da Saúde, Lei

8.080 de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990), deve estar pautada pelo ato de cuidar da

vida, em geral, e do outro, sendo este a essência da produção da saúde, o objeto central deste

trabalho sendo a necessidade de saúde dos usuários sejam coletivos ou individuais,

manifestados por ações de cuidado, e em último caso encarar as práticas de saúde como

produção e reprodução social da vida e a defesa da mesma.

Pode-se afirmar que nenhum trabalho é como outro, visto que a ação intencional do

trabalhador, de acordo com sua pretensão de produzir algo útil, difere nas formas de fazê-lo,

assim na saúde algumas técnicas são distintas, formas específicas de organização de seu

trabalho, a forma como os próprios trabalhadores da saúde organiza-se se difere, visto que seu

objeto é a produção de cuidado, não havendo aqui de forma nenhuma afirmar que o trabalho

na saúde não é comparável a outras formas de trabalhar, porém alguns conceitos devem ser

entendidos para posteriormente construirmos ao que pretendemos algumas considerações, a

respeito deste trabalho em particular.

O trabalho vivo em ato, é constituído de partes que encontram-se em momentos

diferentes e podem ser expressos ao relacionarmos alguns pontos do ato produtivo da saúde,

mas que pode ser exemplificado como na produção de um objeto, produzido por exemplo por

um sapateiro. As etapas perpassadas durante o ato de produzir um sapato, ou seja a

concretização intencional do trabalho do sapateiro, pode ser descrita por encontros, encontros

entre o trabalho vivo e trabalho morto.

O encontro do trabalhador sapateiro com algumas matérias primas, como por exemplo,

o couro, o prego, a borracha. Essas matérias primas são em sua forma mais genérica

resultados de trabalhos humanos já concretizados, visto que não se apresentam nestas

conformidades na natureza, e mesmo que brotassem em árvores, estariam passivas ao

movimento de colheita realizada pelo homem, ou seja, essas matérias primas agora dispostas

para a produção de um novo produto são resultado de um trabalho anterior, que era vivo,

porém quando apresentada como matéria-prima constitui um trabalho morto. Da mesma

forma podem-se considerar as ferramentas utilizadas pelo sapateiro, como um martelo, um

pincel, presentes no momento da fabricação do sapato, porém como resultado de trabalhos

anteriores, ou trabalho morto, não estará em ato (MERHY, 2002).

O saber do trabalhador, sua organização na forma de realizar seu trabalho, a produção

imaterial em sua mente do produto final, é algo complexo, e que se encontra com as matérias

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primas e as ferramentas para a produção do sapato, ou seja, na organização do processo de

produção. Assim tendo a dimensão que saber e organização comportam-se diferentemente as

matérias primas e ferramentas, pois o trabalhador que realiza esta junção tem sua importância

neste processo, sua inteligência, sua capacidade de inventar, mediar, e intervir, é necessário

lembrar que há a junção dos trabalhos mortos executados anteriormente com o trabalho vivo

que se dá na execução do trabalho, o sapateiro realmente influencia atuando e pondo a seu

modo o saber e a organização, sendo representativo do trabalho vivo em ato (MERHY, 2002).

Na perspectiva a qual se pretende atingir é possível dizer que o trabalho no momento

que ocorre expressa de modo muito exclusivo o trabalho vivo em ato. Neste momento o

trabalhador age em seu ato produtivo com liberdade, e as relações entre trabalho vivo e

trabalho morto neste ato pode ser diferentes nos mais diversos processos de trabalho. Se

utilizarmos o exemplo de uma maquina produzindo em uma metalúrgica existe uma

manifestação muito maior do trabalho morto, comparado ao trabalho vivo empregado naquele

ato de conduzir a execução do trabalho, ou mesmo como quando um trabalho vivo, como na

produção de um ato de cuidar em saúde, supera a quantidade de trabalho morto empregado

para tal. Assim onde os trabalhadores produzem existe esta sobreposição de trabalho,

indiferente ao que se pretende produzir, seja na sociedade em geral, ou nos setores primário,

secundário e terciário de produção.

Segundo Merhy (2002), alguns pontos são chaves para o entendimento do trabalho em

saúde, dentre eles a compreensão da tecnologia em saúde utilizada na produção do cuidado.

Dessa forma o trabalho exemplificado pela ação do sapateiro antes de sua realização,

concretização em um ato produtivo, era produto já em sua mente, sabia exatamente aonde

queria chegar, intencionalmente utiliza-se de instrumentos para sua ação, o uso de um objeto

para produzir bens, dessa forma também é capaz de perceber a qual valor de uso quer chegar a

produzir, ou seja, esta intensão está carregada de uma intensão anterior à produção do objeto,

o trabalho vivo em ato atua, e os instrumentos e formas de organização deste processo como

trabalho morto.

Apesar de existirem outros processos produtivos onde o trabalho vivo em ato pode ser

enquadrado, o trabalho em saúde como o trabalho na educação centraliza-se permanentemente

neste tipo de trabalho. Pensando que o objeto do trabalho em saúde não configura-se como

duramente estruturado, ou mesmo as tecnologias ou saberes tecnológicos também, visto que a

cada encontro entre o trabalhador e seu objeto o homem que vai em busca do cuidado,

configuram-se encontros de subjetividades, as tecnologias utilizadas baseiam-se em relações,

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que ultrapassam os saberes estruturados, existe uma liberdade na escolha do modo de fazer

esta produção, que grandemente significativo.

Dessa forma, para Merhy (2002), existe uma forma particular de classificar ou indicar

as tecnologias utilizadas no trabalho em saúde, e estas são assim denominadas leves, quando

as tecnologias abrangem as relações, ou algum tipo de produção de vinculo, acolhimento e até

mesmo a gestão como maneiras de governar os processos de trabalho. Existe ainda o uso de

tecnologias leve-duras, ou seja os saberes que estruturados operam os processos de trabalho

em saúde, como é o caso da clínica médica, a clínica psicanalítica, a epidemiologia, e por fim,

as tecnologias duras que tratam do uso de equipamentos tecnológicos, máquinas, normas, ou

estruturas organizacionais.

Observa-se então uma efetiva compreensão que de no trabalho em saúde, as

tecnologias leves, deveriam sobrepor-se as duras, ou leve-duras, porem os modelos

tecnológicos assistenciais da saúde, atuam numa tentativa de produção de bens/produtos,

imperando o trabalho morto frente ao trabalho vivo em ato, assim constituem-se alguns

modelos de atenção, que visam a produção do cuidado.

O trabalho vivo em ato na saúde para Merhy (2002) ocorre com a efetivação das

tecnologias leves, ao passo compreende o uso de relações “interseçoras”31

, sendo essas

relações o ponto chave final no encontro com o usuário, a necessidade de saúde como sua

intencionalidade, e que através dela pode arrecadar diferentes agentes em cena, no trabalho

em saúde para atingir seu interesse. Portanto neste encontro entre o usuário final e o trabalho

vivo em ato que as relações, ou tecnologias leves se expressam, moldando conforme a

intencionalidade a que se pretende o uso de práticas como o acolhimento e o vínculo, dentro

outros.

Dados os pontos relacionados e apresentados sobre o trabalho em saúde, ao momento

em que o trabalhador da saúde encontra-se com o usuário em processo de trabalho, que vise a

produção do ato de cuidar, existe a criação de um espaço, onde as relações “interseçoras”

sempre ocorreção, e existirá um espaço que sempre se firmará durante seus encontros, porém

só nos seus encontros e em ato. Diferentemente então de um trabalho fabril, que se relaciona

com o consumidor ao intermédio de um produto que este usará, sendo uma relação que pode-

se dizer ocorre entre a necessidade e a satisfação pelo objeto/produto.

31

Merhy utilizando-se de um sentido semelhante ao Deleuze no livro Conversações construiu um conceito para

designar as relações entre sujeitos, no espaço das suas interseções, pois acredita que é um produto que existe

para os dois em ato, e que não existe se o processo de relação no ocorre no momento dos encontros dos sujeitos,

assim ocorre a busca de novos processos, mesmo que um em relação ao outro, sendo esta grafia utilizada pelo

autor, e no texto colocada entre aspas (MERHY, 1997).

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2.5 Processo de Trabalho em Saúde.

Partindo da aplicação da teoria marxista sobre o trabalho, com o devido enfoque na

saúde, partimos de seus conceitos para então resgatar a historicidade do termo processo de

trabalho na saúde, e a apresentação dos autores que neste campo são colaboradores para o

devido enfoque a que se pretende e assim demonstrar algumas particularidades para a

aplicação que conceito permite.

O conceito processo de trabalho partindo da análise de Marx (1986) pode ser

representado pela imagem que ele utiliza e é clássica e conhecida “ [...] o que distingue o pior

arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transforma-la em

realidade.” (MARX, 1986, p. 202). Ou seja, partindo do pressuposto que o trabalho é um

processo entre homem e natureza, no qual o homem atua sobre a natureza transformando-a a

um fim determinado, ele também transforma-se, e utiliza-se de suas forças para imprimir

sobre a matéria na qual trabalha uma forma, um ideal, algo que projetou anteriormente ao seu

trabalho sobre a natureza, ele assim atribui significações a seu trabalho, e isso o difere do

animal, no caso da abelha, por essa ser incapaz de faze-lo nesta configuração, e para ela

sendo um ato instintivo e sem planejamento prévio.

Continuando, Marx (1986) a este processo de trabalho, atribui três aspectos

fundamentais e que permitem a análise e construção de categorias que podem permitir

abstrações teóricas, que auxiliam a compreender a realidade sob alguns aspectos, no caso as

práticas em saúde. Primeiramente que no processo de trabalho, a atividade adequada para um

fim existe, é portanto o trabalho propriamente dito, segundo que seu objeto de trabalho, é o

material, a matéria na qual emprega sua intensão, e por fim compõe o processo de trabalho os

instrumentos ou meios para faze-lo.

Buscando a gênese do conceito processo de trabalho em saúde, temos como precursor

os estudos elaborados por Maria Cecília Ferro Donnangelo, com início na década de 1960,

abordando a profissão médica, o mercado de trabalho em saúde, utilizando-se de referenciais

sociológicos, permitindo uma visão das relações entre médicos, usuários e demais

profissionais como um conjunto que não separa da vida social, seus estudos enfocando o

Sistema Único de Saúde (SUS), permitiu que esta elaborasse ainda conceitos como força de

trabalho em saúde e processo de trabalho em saúde. Estes estudos foram aprofundados por

Ricardo Bruno Mendes Gonçalves, que utiliza-se tanto da influencia de Donnangelo, como

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dos estudos de Marx para analisar o processo de trabalho médico mais precisamente

(PEDUZZI; SCHRAIBER, 2006).

Segundo Gonçalves (1992), os componentes do processo de trabalho em saúde por ele

analisados, o objeto do trabalho, os instrumentos, a finalidade e os agentes, não devem ser

examinados nunca de forma separada, mas articulando-se, pois possuem relação, e esta

relação é entremeada de aspectos deste processo de trabalho específico da saúde, visto que o

objeto passa a ser não a matéria em seu estado natural, mais as necessidades humanas de

saúde, e é neste objeto que o trabalhador da saúde atua, dessa forma também contém também

o produto resultante do trabalho, porém a visão da finalidade do trabalho só se constitui a

partir do trabalho que o sujeito delimita. E ainda que os instrumentos de trabalho para este

autor são materiais e não-materiais, considerando os primeiros materiais de consumo,

medicamentos entre outros, e o segundo como os saberes, que a arranjados e articulados estão

entre os sujeitos do processo, sendo a inteligência um aspecto primordial deste trabalho. Por

fim acredita que existe uma dinâmica no processo de trabalho em saúde, onde o objeto, o

trabalho e a atividade articulam-se indissociavelmente.

Conceituar então processo de trabalho em saúde, é precisamente levar em

consideração as práticas do cotidiano dos trabalhadores e profissionais deste setor que estão

presentes na produção e consumo dos serviços de saúde. É possível ainda observar que a

construção deste conceito partiu do estudo sobre o modelo médico, porém permitiram o

avanço deste conceito por outros autores de áreas da saúde distintamente, onde consideramos

como grande ícone na área da enfermagem as construções a cerca destes conceitos por Maria

Cecília Puntel de Almeida, a partir de sua tese de doutoramento em 1984 (MISHIMA et al,

2009), com estudos e contribuições para esta abordagem.

As contribuições dos autores acima citados para a construção deste conceito recebem

ainda a análise de Emerson Elias Merhy (2002), que conforme abordado na construção do

conceito de trabalho em saúde citado na seção anterior deste trabalho, este autor partindo das

contribuições de Gonçalves, e dos estudos sobre o trabalho vivo em ato, e os conceitos de

trabalho vivo e morto de Marx, porém suas contribuições sobre o processo de trabalho em

saúde permeiam a utilização do que ele chama jogo de necessidades, e a intersecção entre as

tecnologias empregadas, por ele caracterizadas como leves, leve-duras, e pesadas, abordada

na seção anterior deste trabalho.

Segundo Merhy (2002), a exemplificação do processo de trabalho em saúde se dá com

o encontro entre o agente que produz o cuidado, com as ferramentas (sendo as tecnologias

sejam leves, leve-duras ou duras) e o agente consumidor do cuidado, porém este faz parte do

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objeto de ação do produtor do cuidado, sem deixar de ser um agente, em ato, que coloca as

intencionalidades, representações, como o modo de elaborar e sentir as suas necessidades em

saúde, para o momento em que se executa o trabalho em saúde, ou seja o ato cuidador.

Este autor entende que a busca pela realização do ato de cuidar é a finalidade do

processo do trabalho em saúde, por tanto a saúde constitui-se um valor de uso para o usuário,

visto que através dela e pode viver, e aproveitar e elaborar seu mundo conforme suas

representações, não sendo este um processo distinto entre os envolvidos no cuidado, e mais

que estas manifestações do processo só ocorrem durante o efetivo encontro entre os agentes

deste trabalho (MERHY, 2002).

Segundo Peduzzi e Schraiber (2006), o conceito aplicado a atualidade de processo de

trabalho em saúde, representa uma importante abordagem teórica e conceitual, no sentido das

contribuições acerca de questões sobre recursos humanos em saúde, visto questões novas

estabelecidas a partir de novas formas de trabalho flexível e/ou informal partindo da década

de 90, onde o estado utiliza-se de mecanismos institucionais para gerir o trabalho em saúde, e

questões sobre a integralidade e autonomia dos sujeitos, sendo o cuidado o foco central de

novas discussões do processo de trabalho.

As questões mais atuais sobre processo de trabalho em saúde partem de abordagens

das mudanças ocorridas no mundo do trabalho a partir da reestruturação produtiva, e as

repercussões no setor da saúde, com utilização cada vez mais massificada de tecnologias,

desemprego estrutural e precarização do trabalho, que ocorrem tanto no setor da saúde, como

mundo do trabalho em geral.

2.6 Divisão técnica do trabalho em saúde.

Para a construção deste trabalho é imprescindível a abordagem da divisão técnica do

trabalho em saúde, a fim de permitir reflexões acerca do modelo hegemônico do trabalho em

saúde, partindo então da discussão da origem desta categoria com uma abordagem marxista,

para então entender a organização do trabalho em saúde, visto a luz de análises sociológicas e

assim permitir tecer diferenças ou semelhanças entre o trabalho profissional, seja na produção

artesanal, ou na divisão do trabalho do modo de produção capitalista.

A divisão do trabalho precisa ser entendida como uma característica da organização

utilizada no trabalho, e que desta forma assim como o próprio trabalho sofreu e sofre

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influencias dos inúmeros momentos históricos, a conformação da divisão do trabalho está em

continuo movimento de mudança segundo o modo de produção típico de cada sociedade,

assim os homens definem socialmente as formas como fazem sua relação de produzir e

reproduzir a vida social através da natureza.

Aqui partimos do termo divisão social do trabalho para enfim adequarmos o mesmo a

divisão que ocorre no setor da saúde, partindo da alcunha de Marx (1982), e as contribuições

de Braverman (1981). Esta divisão é necessária para que a vida possa ser reproduzida através

do trabalho, sendo uma divisão de atividades produtivas ou ramos de atividades.

Para Marx e Engels (1986) e Braverman (1981) desde que o homem começa a buscar

seu alimento e sua vida social desenvolve-se, a divisão ocorre ocasionalmente na sociedade

comunal, posteriormente especializa-se em atividades e forma ofícios na sociedade feudal e

por fim no modo de produção capitalista divide-se em parcelar ou pormenorizada. Sendo

imprescindível destacar que a partir do capitalismo industrial e financeiro, esta lógica de

organizar o trabalho adentra os escritórios, o comércio, os setores de serviço, entre eles a

saúde, dando asas ao desenvolvimento da gerencia, como forma de coordenar o

desenvolvimento deste trabalho coletivo.

O termo divisão técnica do trabalho em saúde, remete as características da divisão

social do trabalho, porém que ocorre na organização do processo para a produção do cuidado,

e que pode ser prestado por diversos profissionais, que tem nessa forma de organização do

trabalho coletivo na saúde a fragmentação do cuidado, onde ocorre a separação da execução e

da concepção, a utilização de padrões duros de tarefas atribuídas e governadas, onde o

cuidador cumpre tarefas, e não mais entende o processo de trabalho nem tem o seu controle,

ressaltando a existência de hierarquização das atividades do cuidado, principalmente no que

refere-se a remuneração destes trabalhadores (PIRES, 2006).

Ainda segundo Pires (1998) existem tensões nesta divisão técnica do trabalho em

saúde, ditadas principalmente por uma hierarquia de trabalhos e saberes, que adicionalmente

manifestam-se em relação as diferenças entre o custo da força de trabalho na saúde,

manifestando-se ainda através de conflitos implícitos ou explícitos no cuidado em saúde.

Apesar da existência de normas institucionais que estabelecem os papéis que cada grupo

profissional desenvolve e a coordenação deste trabalho coletivo, os médicos permanecem

protagonistas nas relações. Pode-se então afirmar na prática profissional que apesar dos

sujeitos terem certa autonomia na execução e julgamento da tomada de decisão diante do

usuário em saúde, certa separação entre as ações de saúde ocorre, e perde-se o controle da

totalidade do processo de cuidar.

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Dentro das diversas formas que o ato de assistência em saúde pode ocorrer, este pode

se dar de uma forma direta entre profissional da saúde e cliente, como um trabalho

profissional, ou seja um trabalho especializado, reconhecido de forma social, para atender

alguma necessidade, que podemos dizer aproxima-se de alguma forma do trabalho artesanal

da Idade Média, na Europa, ou seja, desenvolvido por um trabalhador que tinha o controle de

seu processo de trabalho, pois utilizava seus instrumentos, e controlava o ritmo e produção de

um produto fruto do seu trabalho (MARX, 1982). Porém o fato de existirem atos de saúde

distribuidos em diversos campos, e com diversas complexidades, tanto em instituições

públicas, ou privadas e em espaços institucionalizados como o hospital ou não, permite

observar características de um trabalho que é coletivo, e dessa forma apresenta uma divisão

técnica ou parcelar de seu trabalho.

A forma com os profissionais da saúde executam esta divisão do trabalho, neste

sentido é semelhante à divisão social do trabalho, ou seja, os profissionais através de grupos

de trabalhadores especializados, desenvolvem ações que visam a produção do cuidado, estes

possuem um saber e/ou técnicas que são próprias, e prestam o cuidado a um indivíduo ou

mesmo a uma população a fim de promover a saúde ou buscar a recuperação, ou mesmo

prevenir o aparecimento da doença, assim executam tarefas que partem desde da investigação,

prevenção, cuidado, conforto, reabilitação ou cura. A equipe de saúde trabalhando como

trabalho coletivo em saúde, estreita-se a divisão técnica do trabalho, quando o domínio do

processo de trabalho como um todo não mais pertence a cada profissional, ou seja, o objeto de

trabalho passar a estar distante, bem como a finalidade do seu trabalho perde-se, e estes

subordinam-se a ações e decisões gerenciais, ao perder o controle do processo de trabalho de

produção do cuidado, mais ocorre a divisão social do trabalho, logo a divisão técnica se

aproxima (PIRES, 2006).

Na enfermagem, e outras profissões da área da saúde, que aqui podemos citar a

fisioterapia, a nutrição, algumas atividades da odontologia, existe ainda trabalhadores que se

diferem por grau de escolaridade. O profissional que possui nível superior concebe o trabalho

e o coordena, parcelando e delegando as atividades ao grupo. Pode-se ainda identificar na

enfermagem como exemplo, que a divisão técnica do trabalho, ou mesmo conhecida como

‘organização científica do trabalho’, como uma fragmentação taylorista, onde evidencia-se em

maior ou menor grau, quando o foco do trabalho é a realização de tarefas pormenorizadas,

distanciando o cuidador do controle do seu processo de trabalho, diminuindo a autonomia, e

proporcionando poucos espaços para atividades criativas, e tomada de decisão sobre o

cuidado. Sendo o enfermeiro, o gerenciador desta assistência, ele concebe e gerencia o

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processo de cuidar, delegando aos demais trabalhadores, técnicos de enfermagem, ou

auxiliares de enfermagem, assim denominados a execução de tarefas (PIRES; GELBCKE;

MATOS, 2004).

Por fim pode-se ressaltar que este modelo taylorista não é o único empregado, o

‘modelo dos cuidados integrais’, através da prescrição de enfermagem, e médica os

trabalhadores da equipe de enfermagem, podem prestar assistência, incluindo diversos

cuidados ao sujeito, ocorrendo uma aproximação do trabalhador novamente com seu processo

de trabalho, e assim permitindo que este relacione-se criativamente e de forma mais

humanizada com o usuário que está necessitando de assistência, melhorando a forma com que

o profissional enxerga e relaciona-se diretamente, permitindo observar as reações individuais

do seu objeto de trabalho (PIRES, 1998).

Tendo em vista que o papel gerenciador do enfermeiro na equipe de saúde continua,

podemos inferir que este segundo modelo de gerenciamento do processo de trabalho, afasta-se

da divisão técnica do trabalho permitindo novamente a visão do objeto de trabalho desde a

concepção do ato do cuidado, até o momento do restabelecimento da saúde do indivíduo.

Para Braverman (1981) o conceito chave da gerencia é o controle, que se dá sobre as

atividades dos trabalhadores, que necessitam cumprir e atingir os objetivos impostos pela

empresa. Dessa forma a saúde também organiza-se dentro dos serviços na sociedade

capitalista, sob os princípios de gerência científica, onde em um mesmo espaço institucional,

seja ele o hospital, ou serviços de ambulatório, várias especializações decorrentes do número

de profissionais, e a divisão pormenorizada do trabalho acontece, ou seja o ato de cuidar da

saúde parcela-se, e é disputado por diversos profissionais, que são controlados pela poder de

decisão de um único trabalhador, que determina a terapêutica e o processo de trabalho, ou seja

o médico.

2.7 O modelo hegemônico médico na saúde.

Abordar o modelo médico na saúde permite em certo grau tecer algumas reflexões,

na forma que os protagonistas da saúde organizam-se e produzem o cuidado, e como este

processo vem construindo e reconstruindo o trabalho na saúde. Forças produtivas sempre

influenciaram o modo de produzir a saúde, estas forças poderosas engendram-se em uma luta

ou pode-se dizer um jogo, que por vezes pode tornar-se tenso dentro cena da saúde, fato este

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que não exclui o campo de ação do cuidado como cenário social, com muitas possibilidades

de encontros, entre usuários e serviços, onde o saber, o fazer, e o cotidiano do cuidado

ocorrem, permitindo sua riqueza e potência, vislumbrada através da abordagem do tema

saúde, com um enfoque econômico.

O termo hegemônico, ligado ao modelo médico tecnoassitencial, está empregado no

sentido trabalhado por Gramsci (1991), onde este tem um sentido de dominação, que não é

único existente, porém como está ligado a um poder político e ideológico, de uma classe

dominante, esta o emprega como verdade única, e o dissemina á totalidade de classes e grupos

sociais, ou seja é passada pelos grupos que estão no poder. Assim esta definição atrelada ao

modelo tecnoassistencial médico centrado, se constitui e consolida-se no decorrer do século

XX, por uma série de fatos apresentados a seguir, e decorrentes da divisão dos saberes e do

trabalho em saúde.

O modelo de clínica centrado no corpo anátomo-fisiológico, que reorientou a

educação médica sob a centralidade de pesquisas biológicas, deu-se a partir de um relatório

avaliativo das escolas de medicina nos Estados Unidos, feito pelo médico Abrahan Flexner,

em 1910. Este relatório tornou-se uma forte referencia tanto para o ensino da medicina nos

Estados Unidos, bem como para o mundo o que deveria ser o processo de trabalho na saúde,

ou seja o cuidado ao corpo deveria estar rigidamente restrito a intervenção competente do

mesmo, e a ideia de excelência passou a estar atrelada ao mito de um profissional auto-

suficiente (PIRES, 1989).

O trabalho médico então à partir deste relatório, sumarizou-se no olhar restrito ao

corpo doente, a prescrição de soluções, e esta forma de ensino desenvolveu-se no início do

século XX. Para Pires (1989), que abordou o tema da hegemonia médica na saúde, sob uma

realidade brasileira, sem deixar de destacar a historicidade da saúde pelo mundo, o que

realmente mudou em relação à assistência em saúde durante o século XIX, foi a

institucionalização da medicina e seu reconhecimento enquanto profissão ocorrida a partir da

chegada da corte portuguesa ao país, e que trouxe diversas transformações, como apresentado

no capítulo anterior.

O saber médico passa de uma concepção hegemônica metafísica, para o cunho

positivista que é introduzido no país, com ênfase na pesquisa experimental, porém ressalta

que o fato do pensamento positivista centrado na ideologia da neutralidade científica, trouxe

consigo o autoritarismo de um saber hegemônico médico centrado. Ainda segundo Pires

(1989) a racionalidade imposta, permitiu ganhos ao capital através da divisão social do

trabalho, conferindo mais produção e mais lucro ao capital. No Brasil a medicina assim como

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outras profissões institucionaliza-se a partir do século XIX, ou seja as práticas de saúde

exercidas naquele período foram absorvidas e incorporadas pelas instituições governamentais

de ensino, ou por aquelas que definiam as práticas de saúde.

No Brasil do século XIX, os trabalhadores da saúde devidamente reconhecidos

socialmente eram os cirurgiões e físicos, que atuavam de modo independente, estes foram

absorvidos e integrados pelo Estado, que somente reconhecia sua legitimidade se atrelada a

uma legalidade, ou licenças especiais concedidas por ele, assim a medicina torna-se

hegemônica ao institucionalizar-se com a alcunha do Estado, e à população coube a

imposição de seu saber e sua prática, sendo que somente aos médicos formados era

reconhecido o poder de curar (PIRES, 1989).

Desta forma este saber hegemônico, adentra os vários setores sociais, define

estratégias de saúde, persegue e proíbe práticas consideradas não reconhecidas, e como

charlatões quem as pratica, a medicina legal ganha seu peso, os processos criminais passam a

necessitar de médicos que atestassem ou não a presença de um crime, tudo isso sacramentado

pela legislação.

Para Pires (1989) a medicina aqui implantada tem como principais características a

absorção das práticas de saúde e a identificação dos médicos como classe dominante em

diversos momentos históricos, que ocorreram pela produção de um discurso de saber,

tecnologia e status quo mantido pela ordem social estabelecida.

Segundo Merhy (1997), os efeitos que decorrem da hegemonia médica, ligados ao

relatório de Flexner, apresentam raízes mais profundas, atrelados à reforma do ensino,

fundamentando-se principalmente pela expansão do ensino da clínica, em especial dentro dos

hospitais, enfatizando a pesquisa biológica, ocorrendo um estimulo a especialização, bem

como o incremento e avanço no período pós-guerra das tecnologias e equipamentos, que de

certa forma apareceram para o usuário e trabalhador da saúde, como essenciais e fascinantes.

Quanto as tecnologias pode-se afirmar que apesar de trazerem um avanço como a

rapidez e precisão de diagnósticos, desencadeou a ilusão de que, sua presença maciça

significa qualidade de serviços, o que remete a uma exacerbação do uso e culto a presença

delas nos serviços de saúde, invertendo o foco do processo de trabalho, que para Merhy

(2002), a produção do cuidado com o trabalho vivo em ato, e o uso de tecnologias leves sendo

substituídas por tecnologias duras, como já detalhado anteriormente. Sendo que pode-se citar

três efeitos em relação ao processo de trabalho na saúde, primeiramente as tecnologias duras

passam a ser o centro do cuidado, segundo ocorre uma redução na eficácia e resolutividade

das questões de saúde, devido à simplificação dos problemas e por fim os altos custos

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relacionados aos recursos utilizados, importante destacar ainda que as medicações colocadas

pela indústria farmacêutica, tornam-se verdadeiros itens salvadores da saúde da população.

Todos os fatores apontados acima corroboram com a lógica de acumulação

capitalista, essa se dá com a o alto consumo de tecnologia, ou seja, centra-se na produção de

exames, consultas e medicalização, dando ao usuário a falsa impressão de qualidade da

assistência prestada. Porém cabe colocar que com a crise estrutural sofrida pelo capitalismo

na década de 70, os países que haviam assumido a saúde como responsabilidade estatal,

devido à recessão advinda da crise, teve como resposta imediata a inclusão dos serviços de

saúde nas políticas de austeridade e redução de gastos, onde o prejudicado final é o usuário

(PIRES, 1989).

No Brasil as medidas de redução de gastos, utilizaram-se da epidemiologia e da

territorialização como forma de reduzir os custos, o processo de trabalho seja público ou

privado na saúde, cada setor opera sua parcela de trabalho na linha de produção do cuidado.

As operadoras de saúde, tem como ponto chave a atenção gerenciada, a fim de promover uma

reorganização do processo de trabalho, com controle de atos clínicos do médico, operando

segundo o custo/efetividade, e deixando de lado a preocupação com a produção do cuidado.

Permanecendo então a lógica capitalista de acordo com o mercado e seus interesses e o

critério administrativo sobrepõe-se ao cuidado ao usuário (MERHY, 2002).

A hegemonia do médico no processo de trabalho na saúde, pode estar alicerçada seja

na sociedade brasileira ou mundialmente, por algo que supera a história dessa profissão, e a

coloca em um contexto de interesse de classes dominantes, sobre uma múltipla determinação,

a apropriação do saber de diversos profissionais do cuidado pela medicina, atrelado a atos

administrativos e legislativos em cada época colaboraram para o modelo que percebe-se hoje

e como visto anteriormente, falho no que tange a produção do ato de cuidar de um indivíduo

multidisciplinar, multifatorial e ao mesmo tempo integral, porém este poder hegemônico

exercido por esta categoria molda-se aos interesses econômicos hegemônicos, e assim a

manutenção desta hegemonia médica é mantida pelo Estado.

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CAPÍTULO 3 – O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES NO ÍNICIO DA

GRADUAÇÃO

No intuito de tecer relações entre as concepções do significado do trabalho na

enfermagem, mas não somente no que diz respeito ao significado do trabalho em si, e sim

através da congregação entre o que é trabalhar na saúde, e a forma como esta concepção pode

refletir-se no fazer e no ser enfermeiro, foi que optamos por uma abordagem quanto ao

significado que a escolha por um curso universitário, na área da saúde tem. Suas dimensões

enquanto profissão perpassam por etapas constituídas desde uma concepção socialmente

construída, que atravessa a história, e que se modifica como abordada no primeiro capítulo

deste trabalho.

As alterações ocorridas na enfermagem como profissão, apesar de serem marcantes

ainda estão presentes nas falas dos discentes que optaram pelo curso, no que diz respeito ao

cuidado com caráter caritativo/vocacional como tentaremos demonstrar através dos relatos de

nossos atores.

A enfermagem tem como seu objeto de trabalho o cuidado, este carrega uma gama de

significados, que tem suas origens desde que o homem, em sua gênese se constitui, é então

delineado pela história, pela sociedade, mas principalmente pela forma que se pretende

chegar, ou seja, a recuperação da saúde, através do cuidado, seja ele sob a forma de uma

intervenção, uma terapêutica, ou de ações promoção e prevenção de agravos que o façam ser

alcançado.

Para Pinheiro (2006), o cuidado ocorre na vida cotidiana como um modo de fazer, ou

seja, caracteriza-se por ‘atenção’, ‘responsabilidade’, ‘zelo’ e ‘desvelo’, que se tem por

pessoas ou mesmo coisas, nos diferentes contextos históricos e locais onde ocorre a sua

realização. A produção do cuidado por tanto exerce efeitos tem repercussões na vida do

individuo e transforma a sua experiência enquanto ser humano.

O ato de cuidar é a essência dos serviços de saúde, sendo assim para Merhy (2007, p.

117): “[...] no campo da saúde objeto não é a cura, ou a promoção e proteção da saúde, mas a

produção do cuidado, por meio do qual se crê que se poderá atingir a cura e a saúde, que são

de fato os objetivos a que se quer chegar.” Porém na vida real os serviços de saúde

dependendo do modelo de atenção que é utilizado, nem sempre produzem cuidado, seja ele

coletivo ou individual para o usuário dos serviços de saúde, o que produz são ações curativas

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que nem sempre culminam com a produção do cuidado e alcance da cura, como podemos

dizer que nas experiências advindas da profissão é possível visualizar este paradigma

cotidianamente.

Desta forma para estes discentes ingressantes as concepções que carregam para a

escolha deste curso universitário, são tanto quanto contraditórias a realidade imposta, e que

em alguma medida permanecem até o momento em que estes se confrontam com a realidade

do sistema de saúde, durante as aulas práticas e os estágios de conclusão do curso. Ao ponto

que a desconstrução desta concepção é dura e ceifadora do ideal primário que os incutiu a

decidir por esta profissão, da mesma forma como as demais profissões, sob a égide capitalista

de acumulação de mercadorias, no caso da saúde de atos cuidadores.

Portanto observamos que os discentes iniciantes deste curso, são jovens com idades

entre 18 anos recém-completos, tendo somente uma ingressante com idade superior a trinta

anos, a maioria do sexo feminino, solteiros e sem filhos, sendo que de uma forma distante, e

entendendo que esses dados não trazem o perfil destes alunos, é possível perceber que

encontram-se dentro do que a literatura apresenta, como no estudo de Spindola, Martins e

Francisco (2008), sobre o perfil dos estudantes que optam pelo curso de enfermagem, em uma

instituição pública e uma privada. Neste estudo constatou-se que os estudantes da instituição

pública e privada eram em sua maioria jovens, do sexo feminino e sem filhos.

Porém outro dado deste estudo ainda que de caráter quantitativo possa ser discutido e

colocado de forma semelhante a este trabalho no que diz respeito a um fato interessante.

Quando comparados os alunos da instituição particular e da instituição pública algo que é

contraditório foram os motivos apontados para a escolha do curso, o mercado em expansão, a

oportunidade de uma remuneração melhor são os principais atrativos para o aluno da

instituição particular, que juntamente a isso são os que trabalham durante a graduação, na

instituição pública percebeu-se que não existe um conhecimento prévio dos alunos quanto ao

trabalho, ao campo de atuação do enfermeiro, sendo que estes ainda associaram sua escolha

principalmente a uma imagem do profissional que ajuda as pessoas, mais próximos de uma

visão de solicitude e assistencialismo (SPINDOLA; MARTINS; FRANCISCO, 2008).

Assim por esta realidade imposta pelo modo de produção capitalista, a qualificação

para o trabalho não é uma opção, e sim um modo de subsistência, visto a adequação

necessária à lógica de mercado, alta qualificação, escassos empregos bem remunerados e alta

competitividade. Estes apontamentos iniciam esta seção, sobre as concepções dos alunos

ingressantes do curso de graduação em enfermagem, tecendo considerações acerca do cuidado

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como objeto da enfermagem, suas conexões com o passado desta profissão e logo, seu reflexo

na atual conjuntura do trabalho na saúde.

3.1 “EU SEMPRE GOSTEI DE AJUDAR OS OUTROS” – o cuidado como objeto de

trabalho da enfermagem.

Iniciamos essa sessão assim intitulada, visto a semelhança percebida pelos discentes

iniciantes do curso de graduação em enfermagem, com a ideia de ajuda como sinônimo de

cuidado. E o cuidado como objeto do trabalho da enfermagem de muitas formas está distante

de uma concepção de ajuda, porém evidenciada nas falas destes discentes, sendo assim é

preciso abordar de uma forma mais profunda a origem dessas concepções, no que diz respeito

à história da produção do cuidado e como esse, objeto do trabalho dessa profissão é

organizado no modo capitalista de produção, sendo necessário aqui tecer uma discussão que

englobe a enfermagem como profissão submetida a este sistema, de consumo e produção de

mercadorias.

Quando então indagamos os discentes que acabaram de ingressar no curso

universitário, sobre o porquê de sua escolha, observamos que este a remete a uma afinidade,

ou apreço, ou mesmo vocação pelo cuidado ao outro. Como observado nos seguintes relatos:

Hum a Enfermagem, por que... a enfermagem pra mim é assim desde quando eu me

conheço eu gosto de tá assim mexendo com gente com doente, assim, sempre com

pessoas com problemas de saúde, é assim que [...] sem entender né, mas assim

sempre no que eu podia ajudar, tipo tá levando, trazendo, cuidando[...] D.I. 01

Ah, eu acho com a enfermagem, ah, eu sempre fui apaixonado pela área da saúde,

eu sempre, porque é uma coisa muito, ah, como é que eu vou falar, que as pessoas

tem que se dar, se dar muito pra fazer, você vai tá cuidando de pessoas, vai tá

lidando com vidas e eu sempre achei isso muito bonito, e sempre me chamou

atenção[...] D.I. 02

É possível visualizar através dos relatos dos alunos ingressantes, uma tendência a

evidenciar o cunho caritativo, e até mesmo vocacional pela escolha da profissão, onde o

ajudar é tido como sinônimo de cuidar, assim como afirma Rodrigues (2001), em seu estudo

sobre o modelo vocacional/religioso da profissão enfermagem, este evidenciou através de

entrevistas com discentes ingressantes na graduação em enfermagem, que a maioria dos

entrevistados caracteriza sua escolha profissional como um ato de ajuda, como forma de

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satisfação de uma necessidade pessoal em satisfazer o outro. Desta forma os relatos acima

apresentados tem manifestação similar ao trabalho deste autor.

Se observarmos a história da humanidade, a construção da enfermagem, e do cuidado

como seu objeto de trabalho, situamos a história da enfermagem em períodos antes, durante e

após a Idade Média, onde a principio o ato de cuidar era entendido como função doméstica, e

que somente as pessoas com mais posses eram cuidadas, e este cuidado era realizado por

escravos. Porém com o cristianismo e o Poder da Igreja sobre a sociedade a concepção de

saúde e doença modificou-se, tendo um caráter religioso, a mística deste período estava em

cuidar como sendo ato de salvação, transcendendo a existência terrestre, e a doença como

castigo divino, sendo assim neste período os religiosos é que executavam este trabalho de

cuidar.

O poder da Igreja assim cumpria seu papel contribuindo com o modo de produção da

época, ou seja, os detentores dos meios de produção não tinham interesses divergentes visto

que contribuíam para a subsistência desta mesma Igreja, sustentada pela classe trabalhadora.

Sofrer através de um trabalho árduo era divino, porém não era questionável o alto clero,

mesmo com uma população faminta e doente.

As marcas deste período estão impregnadas na humanidade, e não diferentemente na

enfermagem, e estas marcas ainda perduram, na concepção de enfermeiros e dos alunos,

porém não tão evidentemente de ação pela salvação da alma, mas pelos preceitos de crença ao

cristianismo, percebemos também como este se confunde com caridade, como

exemplificamos a seguir:

[...] o pouco que agente ouve falar, e fui gostando, sabe, comecei a achar uma

profissão muito bonita, que lida com o cuidado, sabe, você tá sempre ali com o

paciente, toda a atenção [...] E eu gosto disso, sabe, de tá me preocupando com as

pessoas, de tá assim esse apego sabe, e daí eu, peguei e decidi, não eu agora, como

decidi que eu quero fazer enfermagem, resolvi fazer [...] D.I. 04

Ainda para este discente reforça em seu depoimento como entende o cuidado e a sua

escolha profissional na fala a seguir:

[...] algo assim, unir a cura, assim, o cuidado com a evangelização, né. [...] que eu

quero fazer enfermagem, acho uma profissão muito bonita, e eu quero tá ali sempre

cuidando e evangelizando os meus pacientes [...] D.I. 04

Partimos para uma reflexão, das falas até aqui apresentadas sobre o porquê da escolha

por esta profissão, e podemos observar que o que é concebido como sendo a profissão é

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diferente da realidade do sistema que esta profissão está inserida, mas principalmente é

possível perceber que a raiz da construção histórica desta profissão ainda está próxima do era

concebida desde os primórdios da humanidade. Se levarmos em conta que os discentes que

apresentaram as falas acima, reproduzem o que é socialmente instituído como sendo a

enfermagem, e que ela não está desvencilhada do cunho caritativo ou mesmo vocacional, aos

olhos da sociedade.

O modelo religioso sofreu alterações na transição entre Feudalismo e Capitalismo, esta

mudança se deu principalmente no que diz respeito ao hospital como lugar de produção do

cuidado, e não somente de espera pela morte, tornando-se este um lugar de cura, atendendo a

este novo modo de produção. No capitalismo então este modelo religioso é substituído pelo

vocacional, com a introdução de pessoas leigas, no cuidado, então a partir desse ponto a

enfermagem se organiza como enfermagem moderna com Florence Nightingale, como

apontado no primeiro capítulo desta dissertação (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS,

2011).

Mas o que aqui é imprescindível discutirmos é como esta forma de perceber o

momento da enfermagem atual, por esses discentes, é distante do que o trabalhador

enfermeiro está submetido na atualidade, ou seja, este precisa vender seu trabalho como

mercadoria.

Segundo Cunha (1994), que procurou discutir em sua tese de doutoramento o contexto

e a motivação de enfermeiros sobre seu trabalho, percebeu em suas falas que estes estavam

carregados de valorização do cuidado como ajuda, da necessidade de dedicação, corroborando

com os estudos de Rodrigues (2001), porém esta autora reflete de forma pontual valores e as

motivações do processo de trabalho. Assim para Cunha (1994) o mercado capitalista como

realidade determinada, se contrapõe aos relatos de motivação baseados em sentimentos

idealizados da profissão de enfermagem. Pois considera difícil manter esta motivação quando

o paciente a ser ajudado, precisa de uma assistência integral, e ao mesmo tempo o enfermeiro

precisa sentir-se útil, valorizado e recompensado, não cabendo estes valores frente às

condições de trabalho desumanas, onde a prioridade são as finalidades que não estão imbuídas

de ajuda, ou solidariedade, mas sim para atenção das necessidades de mercado.

Assim ainda para Merhy (2007), os modos de produção influenciam diretamente os

modelos de saúde presentes, onde o ato cuidador fica a margem da obtenção do lucro através

das atividades de saúde, atendendo a uma lógica de mercado, com a produção de mercadorias,

entendidas como os atos de saúde, simplificando os problemas de saúde do indivíduo, a uma

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doença quase que isolada de um contexto, assim o usuário desprotegido e pouco atendido

encontra-se neste universo de acumulação capitalista.

Podemos perceber mais traços destas concepções do cuidado na seguinte fala:

[...] Bom assim, gostar realmente de ajudar as pessoas, sempre gostei, sentia bem

quando eu fazia isso né, tanto em casa quanto fora, ajudar em todos os sentidos, na

hora de cuidar da saúde, na hora de dá uma opinião, na hora de dá uma ajuda

qualquer, né, sempre gostei, no meio da rua, em casa, com os meus vizinhos, todo

mundo, na igreja, e tipo assim e na saúde também, em casa as pessoas as vezes,

tinham medo né [...] D.I. 03

No decorrer da história da enfermagem e pensando nas protagonistas desta profissão,

utilizarei da reflexão de Nelson (2011, p. 223):

No século XIX, milhares de mulheres, na Europa, sentiram-se chamadas por Deus a

cuidar dos enfermos. Nas ordens de irmandades de enfermagem que proliferaram

naquela época, as mulheres realizaram coisas notáveis em nome de Deus: viajaram

pelo mundo e estabeleceram comunidades compostas por mulheres imigrantes e

locais, construíram e administraram grandes hospitais – até redes de hospitais – e

construíram escolas, orfanatos e outras importantes instituições sociais para os

pobres. Algumas vezes estas mulheres funcionaram com grande autonomia,

distantes dos bispos ou outras autoridades da Igreja. Outras vezes, elas entravam em

conflito direto com os homens da Igreja e com as irmãs, que tentava seguir aquilo

que acreditavam ser a sua missão na terra. Estas mulheres não eram simples

enfermeiras mansas e humildes devotas a Deus, mas construtoras dinâmicas que

criaram instituições sociais e de saúde, em alianças com governos municipais,

estaduais ou federais. Muitas vezes firmaram parcerias que não agradavam a Igreja

Católica, trabalhando com líderes das comunidades Judaicas ou Protestantes para

poder construir hospitais e prover cuidados para os pobres. Ao mesmo tempo,

administraram hospitais privados muito bons para que pudessem ganhar o dinheiro

necessário para sustentar seu trabalho com os pobres. Em outras palavras, eram

mulheres formidáveis e capazes, que transformaram suas comunidades – mas apesar

das suas conquistas, permaneceram invisíveis aos outros à sua volta, com suas

realizações pouco reconhecidas hoje em dia[...].

Através desta autora, é possível ainda pensar sob outros aspectos o caráter feminino

desta profissão, mas principalmente o porquê do silêncio histórico quanto às práticas

profissionais da enfermagem, enfatizando o caráter de caridade, devoção e altruísmo ainda

presentes em relatos tão atuais. Para moldar a enfermagem enquanto profissão,

suficientemente respeitável para a moral da época de Florence Nightingale por exemplo, estas

mulheres não poderiam representar ameaça a autoridade dos médicos, sendo subjulgadas a

depreciar suas habilidades intelectuais e sobrepor a virtude e a ética.

Para Nelson (2011), os atuais desafios referentes a profissão estão no que nós

profissionais enfermeiros criamos, pois ao falar do trabalho, do cuidado e de nossas relações,

não abordamos os mesmos com teor técnico, científico como uma forma de competência da

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enfermagem. Mas sim em discussões centradas na imagem da enfermeira como trabalho de

apoio, caridosa e querida ao paciente, deixando o caráter técnico e profissional altamente

qualificado, depreciados por nós mesmos. Ela chama este evento de “Roteiro da Virtude”,

onde as enfermeiras se colocam como seres angelicais, para então o público reagir de forma

positiva a elas, e assim este reforço de sentimentos positivos é responsável pela enfermagem

continuar a tratar-se e retratar-se de forma infantil e não profissional.

Para Stacciarini et al (1999, p.1) a enfermagem é uma profissão que se alimenta

devido aos seus encontros e desencontros históricos consigo mesma, pela ambiguidade ela

assim as descreve “[...] dando a impressão de que fizemos a nossa história perseguindo

opostos: anjo branco/prostituta, mãe/amante, rica/pobre, branca/negra, moça de boa

família/moça de família duvidosa, enfermagem não tem sexo/personagem de filme

pornográfico, docente/assistencial, vestida de uniformes/seminua de langerie preta [...]”.

Exemplificamos esta dualidade presente também nas concepções dos alunos

entrevistados quando questionamos o que estes acreditam significar ser enfermeiro:

[...] Bom, eu acho que é assim.. eu acho que é cuidar, eu acho que é você ter, uma,

como eu posso dizer, acho que você tem que ter uma, uma,. personalidade

característica, bem, bem forte, e ao mesmo tempo humana, pra você saber lidar, né

com, não ser assim, eu acho que mais ou menos isso, e dentro do hospital .que eu to

dizendo assim, e agora fora eu já vi assim, várias enfermeiras que não atuam

exatamente dentro do hospital, e aí eu acho que é mais ou menos assim,não sei

(risos)[...] D.I. 03

Olha eu tenho uma visão muito diferente do que o povo ai fora pensa, porque todo

mundo pensa que o enfermeiro vai te aplicar injeção, coloca o soro no hospital, pra

mim é uma forma totalmente diferente, eu penso mais na cientificidade da profissão

no lidar com pessoas na questão psicológica, na questão familiar, porque vai tá

cuidando de uma pessoa que tem sentimento, você não vai poder chegar e aplicar

uma técnica nela que você aprendeu na graduação sem primeiro conhecer,

conversar, saber o estado da pessoa, então eu, eu tenho essa visão, não aquela

visão de que o enfermeiro vem aplica injeção e a pessoa te dá o remédio no hospital

e só isso não. Pra mim é outra coisa, é muito mais além disso [...]”D.I. 02

Apresentados os relatos acima, e confrontando com o modo capitalista de produção,

percebemos que os alunos ingressantes possuem uma visão vaga e idealizada do trabalho, sob

uma dimensão humanitária, acompanhado de ideias de doação para o cuidado, e de

abnegação, distantes da realidade de sua prática, percebemos ainda que a ambiguidade

expressa entre uma vocação para cuidar e a necessidade de conhecimentos técnicos como

aliada está presente. As concepções aqui demonstram um conceito a ser construído, sobre o

cuidado, sobre o trabalho propriamente dito do enfermeiro, não sendo este errado, ou

equivocado, mas sim pré-moldado à luz da visão social. Caberia então uma aproximação entre

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a realidade e a discussão do trabalhar na enfermagem para construir uma base reflexiva,

discutindo, identificando sobre tradições que se perpetuam na enfermagem, para supera-los, a

fim de colaborar com o reconhecimento, aceitação desta profissão, advindos também sob a

forma de condições de trabalho menos precárias.

Para Renovato et al (2009) em sua reflexão sobre o currículo do ensino de

enfermagem, e as mudanças ocorridas desde sua institucionalização até a atualidade, relata

que estas sempre estiveram ligadas ao mundo do trabalho, passando por tendências do ensino

da enfermagem, que este coloca como como pedagogia da escola tradicional, da escola

tecnicista e pedagogia da escola crítica, e que atualmente as Diretrizes de Graduação em

Enfermagem de 2001, tem ênfase na escola crítica, objetivando firmar e contribuir com a

construção do SUS, porém ainda em um momento de transição, possuindo disputas,

heterogeneidades e descontinuidade.

As vantagens trazidas pela forma crítica que os currículos de graduação de

enfermagem tem se sustentado, ainda que iniciais ou superficiais, permitiriam uma discussão

não apenas de forma superficial sobre o objeto do trabalho da enfermagem, o cuidado, mas

possibilitaria uma compreensão sobre as alterações e/ou limitações impostas pelo capitalismo

ao cuidado, seja na enfermagem, ou mesmo na saúde de forma geral, mobilizando reflexão

crítica a este discente ingressante sobre os movimentos que partam do interior da classe

trabalhadora, da categoria profissional da enfermagem para superação, e busca de uma nova

realidade para o cuidado.

3.2 “NÃO É ELE (ENFERMEIRO) QUE REALMENTE FICA CUIDANDO,

CUIDANDO, É O TÉCNICO” - divisão técnica do trabalho em saúde e na enfermagem.

O enfermeiro atua no processo de trabalho principalmente em uma posição de

controle, baseado no modelo assistencial32

onde está inserido, este modelo no final do século

XVIII surge juntamente ao capitalismo, sendo ele o modelo clínico, tomando o hospital

enquanto locais de cura, juntamente com as transformações sociais advindas do capitalismo,

32

Modelo assistencial é construído histórico, política e socialmente, organizando-se um contexto dinâmico a fim

de atender os interesses de grupos sociais, sendo uma forma de organização da sociedade civil, do Estado, das

instituições de saúde e empresas que atuam nos setores de serviços de saúde, podem ainda ser colocados como

uma forma de combinar tecnologias sejam materiais e não materiais, visando o enfrentamento de problemas, em

um determinado local e em determinadas populações (LUCENA et al., 2006).

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alteraram também a visão sobre o corpo, como objeto e fonte de lucro, para quem realizava o

cuidado, e para quem o recebia. Assim o controle desta força de trabalho, que age sobre o

corpo, os profissionais da saúde, passam a visar algo maior, a produção, e a enfermagem

inserida neste contexto produz o cuidado. As peças dessa máquina, o corpo, podem então

estar em mau funcionamento, resultando no processo mórbido da doença, e assim o conserto

precisa ser realizado (LUCENA et al, 2006).

Esta construção do corpo como maquina permite então a divisão do corpo, em

partes que são consertadas através de trabalhos distintos, por especialistas, culminando em

uma visão reducionista dos problemas de saúde, e que certamente não atendem por completo

o indivíduo a ser cuidado. Juntamente com estes ideais capitalistas de acumulação de

mercadorias, como resultante de transformações sociais nesta época surge Florence

Nightingale, que buscou organizar o trabalho de enfermagem a fim de melhorar os cuidados

prestados, mas também de dar novo corpo a esta profissão, como abordado no capítulo

primeiro deste trabalho (LUCENA et al, 2006).

No intuito de trazer a tona concepção dos sujeitos de nossa pesquisa, elaboramos o

questionamento, sobre o que estes conheciam do trabalho do enfermeiro observamos o caráter

inquestionável da divisão do trabalho na saúde. Não somente a divisão técnica do trabalho em

saúde, entre auxiliares, técnicos e enfermeiros, mas também relacionado aos profissionais

médicos, demonstrando claramente seu poder hegemônico na produção do cuidado,

fortemente apresentado nas falas destes discentes.

3.2.1 Divisão técnica do trabalho na enfermagem: suas representações nas falas dos

discentes ingressantes.

Para falarmos de divisão do trabalho, seja de forma geral ou na saúde, e mais

especificamente na enfermagem, segundo Pires (1989, p. 14):

[...] entendendo que o saber é parte dos meios de trabalho, isto é, como parte do

instrumental que os profissionais de saúde utilizam para atuar sobre o seu objeto de

trabalho. Portanto, o saber de saúde será apreendido pela análise dos conhecimentos

que subsidiam as ações práticas de saúde, e o saber de cada profissão será

apreendido pela caracterização dos conhecimentos que subsidiam as atividades

especializadas, típicas de cada uma dessas profissões.

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Levando em consideração a abordagem através da teoria marxista sobre o processo de

trabalho, e este sendo uma ação do homem para um determinado fim, onde ele atua por meio

de um instrumento de trabalho sobre o objeto de trabalho, este se constituindo ao final um

produto, que possui um valor-de-uso, ou seja, a matéria transformada que foi adaptada para o

atendimento de uma necessidade humana (MARX, 1982), na saúde este objeto é o cuidado

sobre o individuo, que procura a recuperação de sua saúde, através de instrumentos que são de

nível técnico de conhecimento, o saber em saúde, e tem como produto final a ação cuidadora.

Fundamentalmente é necessária a abordagem da divisão do trabalho, como sendo

característica da organização do trabalho, visto que esta segundo Marx e Engles (1986), se

expressa a partir de um movimento de divisão do trabalho intelectual e material, ao passo que

o individuo ao conseguir expressar sua prática emancipa-se do mundo real e assim pode

formular teorias em contradição com as forças produtivas, através das relações sociais. Ainda

segundo esses autores o momento em que a divisão do trabalho em material e do trabalho

intelectual acontece, pode ser expresso como se produzir e consumir, satisfação e trabalho,

pudesse existir de forma separada dentro de um mesmo ser, gerando um conflito, que só

findar-se-ia se esta divisão também terminasse.

A expressão através das entrevistas dessa divisão do trabalho, entre o trabalho do

enfermeiro e o trabalho do profissional de nível técnico, permite refletir o aspectos do

capitalismo que perpassa por todos os setores da economia, e que tem suas raízes históricas,

onde primeiramente o artesão não vendia o seu trabalho, mas sim o produto do seu trabalho, e

o permitia um domínio tanto prático e intelectual sobre seu trabalho.

Porém as mudanças do processo de trabalho, advindas da manufatura coletiva, com o

capitalista comprando a força produtiva, parcelando suas atividades na oficina. Ou seja, na

produção artesanal o trabalhador entendia e produzia seu trabalho como um todo, na

manufatura o produto do trabalho passa a existir de trabalho coletivo, e na produção

empresarial o trabalhador é a máquina que se especializa para a produção de um produto,

permitindo então sua substituição, apesar de atuar autonomamente para fazer a máquina

funcionar.

Nos relatos é possível verificar estes aspectos de trabalho intelectual e material como

apresentados a seguir:

[...] assim o que eu tenho conhecimento e o que muita gente fala, que tem técnico e

tem enfermeiro, que uma amiga minha, no caso, eu penso né, tem enfermeiro que ele

no caso ele mais, pega lá uma, um departamento, e manda os técnicos, mas tem

uns, que também coloca a mão na massa, também né, então daí, parte pra várias

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áreas, eu acho assim, tem vários departamentos, mas o enfermeiro ele, tá pra lavar,

colocar uma sonda, limpar, eu acho que tem que tá pronto pra tudo[...] D.I. 01

[...] não perguntei ainda pra nenhum enfermeiro, não fui em nenhum hospital

perguntar, que não é ele que realmente fica cuidando, cuidando. é o técnico, então

assim [...] D.I. 03

A organização da enfermagem tem a divisão de suas tarefas desde o bojo em que foi

concebida como profissão, assim ao enfermeiro caberia à supervisão e os outros trabalhadores

da enfermagem a atuação direta e manual. Segundo Pires (1989, p. 138), no Brasil assim

ocorreu:

[...] enfermeiras formadas pela Escola Ana Neri, logo após sua absorção pelo

Serviço do Departamento Nacional, são também absorvidas nos Estados e para o

ensino nas escolas de formação de enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Logo

após a formatura das primeiras turmas, as enfermeiras diplomadas começam a

formar pessoal auxiliar para executar os cuidados e tarefas delegadas, de cunho

manual, sob sua supervisão. Atendem assim a necessidade dos donos de hospitais de

gastar menos com a remuneração do trabalho, e pra isso empregam pessoal de

enfermagem do tipo auxiliar, gerenciado pelo trabalho de um enfermeiro.

De forma bem representativa as considerações desta autora, no que diz respeito à

remuneração, ou seja, os gastos do capital na compra da força de trabalho como determinante

para a divisão técnica do trabalho na saúde. Em números, segundo dados do Conselho Federal

de Enfermagem (COFEN) de 2011, órgão responsável pela fiscalização da classe de

profissionais de Enfermagem no Brasil, compõem as categorias profissionais inscritas,

seguida de sua porcentagem de um total de 1.856.683 inscritos em 2011, sendo elas

enfermeiros: 346.968 (18,69%), técnico de enfermagem: 750.205 (40,41%), auxiliares de

enfermagem: 744.924 (40,12%), atendente de enfermagem: 14.291 (0,77%) e parteiras: 2

(0,0001%).

Seguindo esta concepção entende-se no campo da enfermagem, que os objetos de

trabalho compreendidos como o cuidado de enfermagem e o gerenciamento do cuidado,

percebendo o cuidado como um conjunto de ações de acompanhamento contínuo a

população/indivíduo durante um período onde ocorre a doença ou mesmo no transcorrer de

sue processo sócio-vital, visando a prevenção, promoção e recuperação da saúde (PEDUZZI;

ANSELMI, 2002). Podemos ainda caracterizar esta divisão entre o cuidado como sendo um

trabalho técnico, e a gerencia do mesmo, um trabalho do enfermeiro, presentes também nos

relatos de nossos alunos, com a conotação principal de este cuidado onde o enfermeiro é

necessário para acontecer, só existe em uma eminencia de exaustão de atividades dentro das

instituições de saúde, como representado nas falas a seguir:

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[...] a prática mesmo, no caso pegar pesado, eu descobri que é mais, assim, mais

voltado pros técnicos, né, ai, quando tiver, vamos supor, uma saturação de ter

muitos pacientes, ou poucos técnicos daí é onde o enfermeiro, também vai auxiliar

no banho de leito, essas coisas mais [...] D.I. 04

O discurso de divisão técnica entre o trabalho manual e o gerencial fica muito evidente

ainda na fala a seguir, onde o discente comenta que apesar de ter conhecimento que o

enfermeiro não realiza o cuidado manual, e sim o intelectual, ele como enfermeiro precisa ter

conhecimentos da técnica ser executada, fundamentados principalmente pelo conhecimento

intelectual. Assim comenta:

[...] eu não coloquei isso na minha cabeça de uma vez pra pensar que, eu to fazendo

enfermagem, que não preciso aprender porque eu não sou eu que vou cuidar, é

técnico, eu não coloquei isso na minha cabeça, eu acho que ele tem que saber fazer

tudo, que aí ele tá se formando é pra isso, de verdade, pra saber lidar com os

problemas sociais da pessoa, com os problemas físico, com não somente, com o

exterior dele, com o problema físico que ele tá passando, saber olhar e enxergar,

não como o psicólogo, mas de tudo um pouquinho, disso, você aprende a lidar, um

pouquinho.. com o que a pessoa tá sentindo, com o que ela tá passando[...] D.I. 03

Percebe-se que a especialização típica da divisão técnica do trabalho, esta impressa nas

falas destes discentes que tem seus conceitos ainda em construção, e ainda como esta

concepção é típica da organização empresarial capitalista, visto a divisão parcelar do trabalho,

assim com a institucionalização da enfermagem pelo ensino formal, pela legislação

regulatória do exercício desta profissão (BRASIL, 1986), dando as diretrizes para a formação

de um enfermeiro como administrador da assistência, como responsável pelo ensino e

produção de conhecimentos de enfermagem, e ao profissional de nível técnico, a

responsabilidade pela assistência direta ao paciente, desenvolvendo atividades sob o controle

e delegação do enfermeiro (PIRES, 1989).

Na reflexão em relação a estes discursos é importante salientar como a implantação do

modo capitalista de produção, consolida-se em diversos setores e na vida social, organizando

o trabalho na saúde, estruturando-o a seus moldes, verificando uma divisão e especialização

nesta área, e culminando com uma especialização de conhecimentos estruturados, verificada

internamente na profissão. Tendo como repercussão principal a cisão entre os momentos de

concepção e execução do cuidado, essa divisão rígida permite e legitima as desigualdades

expressas nas experiências concretas onde os trabalhadores da enfermagem possuem posições

de superioridade ou inferioridade sobre os sujeitos sociais, que na prática mostra-se nas

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desigualdades salariais, e falta de força política característicos dessa profissão, essas

desigualdades então afetam o andar da profissão.

Colaborando com os pontos apresentados acima podemos citar Braverman (1981, p.

59)

[...] fundamental para o capitalista que o controle sobre o processo de trabalho passe

das mãos do trabalhador para suas próprias. Esta transição apresenta-se na história

como a alienação progressiva dos processos de produção do trabalhador; para o

capitalista, apresenta-se como o problema de gerência.

O trecho apresentado acima reforça a ideia de alienação do trabalhador, e perda do

controle de seu processo, resultando em divisão do trabalho, contribuindo para uma cegueira

dos danos causados ao cuidado, assim a graduação deve permitir reflexões acerca desta força

de trabalho enquanto única, ou seja, a enfermagem, para permitir a busca de direitos e

melhorias nas condições de execução do trabalho de enfermagem, e assim ao profissional não

seria necessário submeter-se as precárias formas de contratações, com jornadas extensas, a um

salário subumano, culminando com a desqualificação do cuidado prestado.

3.2.2 Divisão do trabalho na saúde e na enfermagem: sobre a hegemonia médica.

A enfermagem e a medicina dentro de sua historicidade e sua inserção tem sua história

inter-relacionando-se com fatos comuns. Utilizando-se desse pressuposto torna-se demasiado

penoso, tentar discuti-las de formas distintas, o que se sabe da história da profissão médica é

contada de formas diversas, demonstrando como esta se forjou enquanto hegemônica sobre a

saúde, principalmente ligada ao conhecimento dominante, apoiado e legalizado firmando seu

reconhecimento social (PIRES, 1989).

A alienação do trabalhador sobre o controle do seu processo de trabalho implica em

uma relação conflitante e competitiva dentro das relações de trabalho na saúde, para alterar

esse quadro, deve partir de uma mudança que considere a satisfação pelo trabalho e a

recuperação da criatividade dos indivíduos sobre seu trabalho, superando interesses

corporativos e da organização da lógica capitalista, e então devolver ao trabalhador da saúde

sua integridade.

Para Pires (1989, p. 145), sobre a hegemonia médica na saúde:

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[...] verificada na sociedade brasileira e mundial, é um fenômeno resultante de um

processo de apropriação pelos médicos do saber de saúde dos povos, transformando-

o em saber médico. Foi construída num processo de múltipla determinação, que

envolveu a relação orgânica dos médicos aos interesses das classes dominantes, nos

diversos momentos históricos, o controle que este grupo exerceu sobre o processo de

profissionalização dos demais exercentes das ações da saúde, sobre a formação e a

emissão das normas disciplinadoras do exercício profissional e pala apropriação dos

cargos administrativos gerenciais das instituições de saúde a serviço dos interesses

econômicos hegemônicos e da manutenção do status quo, bem como pela

intervenção, enquanto categoria, no próprio aparelho de Estado.

Assim tecendo considerações entre as falas apresentadas pelos nossos atores, é quase

que determinante uma concepção que se contraponha aos fatos históricos dessas duas

profissões. A enfermagem como demonstrado nos estudos de Pires (1989), tem no Brasil

desde sua institucionalização e normatização por agentes da classe médica. E essa expressão

de submissão encontra-se presente na atualidade como demonstrado na seguinte fala sobre o

papel do enfermeiro:

[...] ele é orientado pelo médico, e as satisfações ele tem que dar pra o médico,

acompanha o médico na verdade, mas eu escuto as pessoas falarem [...] D.I. 03

A sistematização do saber da saúde em parcelas foi responsável pela geração de uma

gama de profissionais e grupos específicos de trabalhadores, que assim executam o cuidado

de forma parcelar, entre essas profissões podemos citar farmácia, odontologia, enfermagem,

serviço social, nutrição e psicologia. Todas normatizadas através das suas especificas

legislações profissionais, emergindo com categorias organizadas. Essas formas de

organização em categorias têm múltiplas determinações que levam em conta os momentos

históricos específicos, como as políticas econômicas instituídas, pela estruturação das

instituições assistenciais de saúde, ainda as relações de poder entre homens-mulheres,

ideologias, valores culturais, e o modo de produzir em que estão inseridos (PIRES, 1989).

Os discentes ingressantes ainda colocam sua concepção sobre esta vertente, de que o

médico é quem manda, e o enfermeiro é quem obedece não distinguindo a diferença entre

esses dois saberes, tratando-o como uma forma de divisão do trabalho em intelectual e

manual. Assim representado na fala a seguir:

[...] de acordo com o que o médico fala, é como se fosse cuidar de um bebe, é você

vai tá ali o tempo todo com ele, ele vai tá dependendo de você como se fosse uma

criança [...] D.I. 04

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Analisando as falas podemos dizer que a dominação médica vem expor, uma

preocupação que deve existir em reorganizar a enfermagem, e a libertação deste poder, que

não possui efetivamente uma razão de existir. O cuidado de forma humanizada, é a essência

da Enfermagem, e este é o enfoque a ser dado na prática diária.

Segundo Santos e Luchesi (2002), o fato da população não ter acesso a informações,

de forma ampla, não permite a estes visualizar que a enfermagem perpassou e superou seus

períodos negros através da história, e que seus estereótipos possuem raízes profundas na

profissão, dessa forma persistindo através do tempo. Corroborando a esta ideia Andrade

(2007), em seu ensaio sobre a enfermagem como profissão submissa, alega que o estudo sobre

a história da profissão possibilita conhecer o passado e compreender então o presente,

principalmente entender porque os próprios enfermeiros, e outras categorias acreditam na

submissão da enfermagem à medicina.

Ainda para Andrade (2007) muitas vezes no momento em que a enfermagem

relaciona-se com o paciente, utiliza-se de uma linguagem não-científica, para acessar a

intimidade deste paciente, porém é evidente ressaltar que além da técnica existe uma prática

baseada em conhecimento científico, tanto quanto na medicina, e as mediações realizadas

durante um ato de cuidar, sendo ela a forma da fala também é uma ação de enfermagem, um

cuidado ainda que pareça simples, não deve ser depreciado ou comparado a uma prescrição

médica. Adoecer sob a perspectiva do enfermo é sentir-se invadido, e exposto quanto a sua

intimidade física, mental e emocional.

O exercício do enfermeiro de forma a transparecer para a sociedade como ele

realmente o, é um desafio a se vencer, podemos ainda indicar que a modelagem da imagem do

enfermeiro deve superar estas formas de pensar a profissão como a demonstrada na seguinte

fala, onde o discente atribui como fator negativo uma não obediência do enfermeiro ao

médico em um exemplo que apresenta:

[...] meu sobrinho tava na UTI, [...] e a chefe de lá, do setor da UTI, porque o

menino ia na parte da tarde pra enfermaria, não queria usar o remédio que era

muito caro, antibiótico. Isso é uma coisa de uma enfermeira? Tem amor a

profissão? Sendo que o médico tinha mandado colocar, como se dái saísse da UTI

aquele remédio, na época eu não entendia muito, aquele medicamento era da UTI,

tipo ele não iria tomar lá na enfermaria, então tipo ele era muito específico dali [...]

D.I. 01

Discutindo a fala acima apresentada, utilizando de Andrade (2007) este disserta que na

época perpassada por Florence Nightingale, era centrada em uma observação minuciosa e

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precisa, a ser descrita ao médico, e o que muda na atualidade é a habilidade técnica em

acessar o conhecimento em saúde, que são patrimônios da cientificidade da profissão de

enfermagem, para então planejar, prescrever e executar o cuidado, de forma a atender o

indivíduo em sua totalidade, e com qualidade.

Considerando o cuidado como essência da enfermagem, e que os responsáveis pela

construção histórica da profissão são os enfermeiro, estes profissionais precisam identificar e

refletir que sobre os pré juízos que a perpetuação destas tradições na enfermagem, tem com o

cuidado, a fim de superá-los.

O poder da enfermagem enquanto prática humanística, torna-se independente do saber

médico ao propiciar ações próprias do enfermeiro, que levam a uma mudança de atitude dos

pacientes, na utilização dos componentes do cuidado, na forma de reorganizar, orientar nas

situações de risco.

Para Zagonel (1996) o enfermeiro utilizando do cuidado consegue perceber o outro,

atuar sobre a compreensão da vivencia das experiências dos pacientes, e fazendo

principalmente que este cuidado se de através da valorização do ser humano. A busca pela

complexidade do cuidado enquanto fenômeno apreendido pela profissão de enfermagem, é

uma meta que deve ser perseguida, e colocada a frente do contexto de empoderamento médico

diante da enfermagem, não permitindo que a cientificidade ou a tecnologia justifiquem um

consumismo por atos cuidadores, dissipando a visão do ser humano.

Para Merhy (2007, p. 125) pode-se dizer que o modelo assistencial atual é:

[...] centralmente organizado a partir dos problemas específicos, dentro da ótica

hegemônica do modelo médico neoliberal, e que subordina claramente a dimensão

cuidadora a um papel irrelevante e complementar. Além disso, podemos também

afirmar que neste modelo assistencial a ação dos outros profissionais de uma equipe

de saúde são subjugadas a esta lógica dominante, tendo seus núcleos específicos e

profissionais subsumidos à lógica médica, com o seu núcleo cuidador também

empobrecido. Com isso devemos entender que são forças sociais que tem interesses

e os disputam com as outras forças, que estão definindo as conformações

tecnológicas. Isto é, estes processos de definição do “para que” se organizam certos

modos tecnológicos de atuar em saúde, são sempre implicados social e

politicamente, por agrupamentos de forças que têm interesses colocados no que se

está produzindo no setor saúde, impondo suas finalidades nestes processos de

produção. Deste modo o modelo médico hegemônico expressa um grupo de

interesses sociais que desenham certo modo tecnológico de operar a produção do ato

em saúde, que empobrece uma certa dimensão deste ato em prol de outro, que

expressaria melhor os interesses impostos para este setor de produção de serviços,

na sociedade concreta onde o mesmo está se realizando.

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Todos os atores na cena do cuidado sob o modo de produção capitalista submetem-se a

produção dos atos cuidadores, ou seja, mercadorias, visando lucro, assim a submissão da

enfermagem, bem como de outras áreas da saúde à hegemonia médica, atende muito bem ao

interesse do capital.

Transpor as questões de hegemonia nas instituições engloba muito mais do que

competência da técnica e da prática, mas principalmente pela forma de relacionar-se, entre

enfermeiro e paciente, enfermeiro e médico, considerando todos membros de uma mesma

equipe, atores para a transformação do cuidado em um ato que resulte na produção da saúde

ao individuo, na tentativa de ultrapassar os interesses do capital e vislumbrar a real

necessidade do usuário.

3.3 “VOCÊ TEM QUE SER UMA PESSOA QUE SABE LIDAR COM O IMPROVISO” –

improviso ou precarização do trabalho na enfermagem?

Denominamos a presente seção, com esta frase representativa, como expressão das

impressões desta autora sobre uma realidade sobre a precarização do trabalho tanto no campo

da saúde, mas de forma geral tanto em na realidade brasileira como mundial. O trabalho

precário, e os conceitos relacionados a este termo possuem uma miscelânea de significados.

Assim quando buscamos o significado de precário no Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa (HOUAISS; VILAR, 2004), este é colocado como: o que tem pouca ou nenhuma

estabilidade. Ainda neste sentido o trabalho precário segundo Antunes (2003), apesar de

muitos autores tratarem o conceito de trabalho flexível33

, formal e precário de forma próxima,

porém carregados de contradições entre eles, as reflexões sobre o mundo do trabalho,

principalmente reflexões dos indivíduos que vivem do trabalho, observa-se a expressão e o

aumento do mercado informal, em conjunto com uma maior, menor ou ausência de proteção

ao trabalhador, e também no que diz respeito a aspectos econômicos os baixos salários, baixa

33

O “trabalho flexível” abordado segundo Baraldi (2005) e instituído a partir de seus estudos, observou a gama

de reflexões quanto a esta terminologia, mas percebeu principalmente que os sentidos deste termo estão

relacionado à posição teórica-política, pois para alguns apresenta um aspecto positivo, pois refere-se ao trabalho

que pode ser diversificado e não monótono, incluindo trabalho part time, ou free lance, onde tornan-se não

monótonos, podendo ser moldado de acordo com o trabalhador poderia trabalhar. Porém para outros autores

elencados por esta autora, esse termo tem um caráter negativo, pois se refere verdadeiramente, a uma facilidade

do capital em poder contratar e demitir trabalhadores sem quaisquer garantias junto a uma flexibilidade jurídico-

política.

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produtividade, riscos sociais e incertezas e legais, com obediência ou não as legislações

trabalhistas.

De fato é importante destacar que alguns autores tratam o tema das mudanças nas

formas de contratos de trabalho como sendo uma flexibilização dessas relações, porém pode-

se admitir que as formas flexíveis de contrato nem sempre são precárias, porém o trabalho que

se torna precário advém de contratos flexíveis. Para Antunes (2001, p.38) o mundo do

trabalho em um contexto de flexibilização se expressa assim:

[...] Duas manifestações são mais virulentas e graves: a destruição e/ou precarização,

sem paralelos em toda era moderna, da força humana que trabalha e a degradação

crescente, na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica

voltada prioritariamente para a produção de mercadorias que destroem o meio

ambiente. Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a

expressão mais profunda da crise estrutural que assola a (des)sociabilização

contemporânea: destrói-se força humana quem trabalha; destroçam-se os direitos

sociais; brutalizam-se enormes contingentes de homens e mulheres que vivem do

trabalho; torna-se predatória a relação produção/natureza, criando-se uma

monumental “sociedade do descartável”, que joga fora tudo que serviu como

“embalagem” para as mercadorias e o seu sistema, mantendo-se, entretanto, o

circuito reprodutivo do capital.

Sob esta ótica dura das transformações que o mundo do trabalho sofre a partir da

reestruturação produtiva, conforme abordado no segundo capítulo deste trabalho, é pertinente

apontarmos em que medida, as representações nas concepções dos discentes de graduação em

enfermagem tem, no que diz respeito a sua profissão como sendo inegavelmente submetida ao

trabalho precário, culminando em uma conformidade das práticas diárias a que este

profissional está exposto, que possui uma repercussão direta sobre o seu objeto de trabalho,

ou seja, o cuidado de enfermagem. Porém mais preocupante ainda é perceber como esta

conformidade com a precariedade das práticas de enfermagem é ensinada na graduação, como

sendo normal, uma forma de destruição da possibilidade de luta por melhores condições de

trabalho, e de direitos a esta profissão já tão distante de uma prática ideal.

3.3.1 O conformismo sobre a forma precária como se dá o cuidado.

Como parte fundamental desta análise, é necessário delimitar as limitações do estudo

deste objeto, visto que ao que se pretende apontar com relação à precarização do trabalho na

enfermagem, na visão desses discentes ingressantes, os apontamentos a que podemos tecer

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apontam para a ideia de que este aluno não conhece o significado completo da precarização, a

atribui principalmente a uma condição precária de material disponível para a realização de um

procedimento. Porém outro apontamento importante a ser discutido é que esse coloca o amor,

apreço ou afinidade a escolha profissional como algo que é o esperado a essa profissão,

colocando-se em uma posição de conformismo e percebendo a situação de falta de material, e

de condições para realizar seu trabalho como pré-determinada e não passível de mudança,

como representado na fala que se segue:

Eu acho assim que, tem que ter muito amor pela profissão [...] o enfermeiro vai ter

que pegar e não poder ajudar, com o coração porque não vai poder ajudar em nada

ninguém, né, a falta, tipo ele vai ter que se virar com o que tem pela falta que eu

vejo e assisto muito a necessidade de ele ter na mão pra pegar e passar pra um

paciente, então é isso que é sufrido, então, é pra mim eu penso que quando eu tiver

lá, é eu vô ter que saber conviver com isso é uma coisa que eu sei que eu vou ter

que trabalhar, porque saber que se você chega lá, necessidade de um medicamento,

e eu vo lá olhar não tem [...] D.I. 01

Ao que podemos ainda acrescentar a esta reflexão que o desconhecimento do que é a

profissão do enfermeiro, é um fator contribuinte para que esta concepção esteja presente no

início do curso, porém o que chama a atenção como a expressão “ele vai ter que se virar”,

aparece como impressa na profissão do enfermeiro e está presente não somente nesse relato

acima, mas também no apresentado a seguir:

[...] não é tudo perfeitinho, falta muita coisa, você tem que ser uma pessoa que sabe

lidar com o improviso né, nem sempre você vai ter todo os aparelhos que você

precisa, fazer um determinado procedimento, e se você se limitar a que você só

consegue fazer o procedimento com 10 aparelhos, por exemplo, você não vai

conseguir ser bem sucedido, vai ter que improvisar e conseguir fazer com bem

menos [...] D.I. 03

Tanto nacional como internacionalmente o trabalho seja sob formas flexíveis de

contratação, mas principalmente levando em consideração a existência de um conceito quanto

ao trabalho executado respeitando-se os direitos da classe trabalhadora, é pautado em alguns

aspectos como apontado em Brasil (2006, p.06) como trabalho decente34

:

34

O termo trabalho decente instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi formalizado pela

OIT em 1999, sintetizando a missão desta instituição em promover e oportunizar a homens e mulheres um

trabalho de qualidade e produtivo, com condições de liberdade, equidade, segurança, dignos do ser humano.

Tendo como pontos principais de convergência o respeito aos direitos no trabalho, a promoção de melhores e

mais empregos, a proteção social extensa com o uso do diálogo social fortalecido. A OIT ainda coloca como

fundamental a necessidade de superação da pobreza, e das desigualdades sociais, para então garantir um governo

democrático e com desenvolvimento sustentável (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO,

2008).

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O Trabalho Decente é uma condição fundamental para a superação da pobreza, a

redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o

desenvolvimento sustentável. Entende-se por Trabalho Decente um trabalho

adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e

segurança, capaz de garantir uma vida digna. Para a Organização Internacional do

Trabalho (OIT), a noção de trabalho decente se apóia em quatro pilares estratégicos:

a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e

direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do

direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado;

abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação

em matéria de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade; c)

extensão da proteção social; d) diálogo social.

Sob essa vertente do trabalho decente, podemos destacar o quão distante da concepção

de precarização está à concepção desses alunos no que diz respeito ao conceito do que é

trabalho da enfermagem, sendo útil a discussão do conceito trabalho decente, para refletirmos

sob que condições mínimas e comuns os trabalhadores de forma geral necessitam. Se

observarmos ainda quanto ao apontado como promoção do emprego de qualidade, tem como

estratégia para seu alcance a possibilidade alargar diálogos quanto a direitos e melhores

condições para o trabalho, como apontado em Brasil (2006), da Agenda Nacional de Trabalho

Decente.

Ainda pensando no diálogo como estratégia para melhora da qualidade do trabalho,

lembramos que as formas flexíveis de trabalho como já expresso anteriormente podem tornar-

se precárias, mas para o trabalhador, escolher entre ter um trabalho precário e não ter trabalho

algum, este se submete a diversas formas de exploração, sejam os baixos salários, as jornadas

extensas, ao subemprego. Assim na saúde, o cominho não é diferente em relação às formas de

contratação utilizadas na atualidade, que consolidam-se sob a égide de trabalho flexível, visto

que o Sistema Único de Saúde (SUS), tem sua base segundo a lógica de mercado onde a

proposta política visa ajustar a instabilidade de emprego no âmbito do governo (BARALDI,

2005).

Utilizando-se então de um conceito apresentado por esta autora no que diz respeito ao

que a mesma formulou como sendo trabalho precário, baseado em estudos utilizados em sua

tese de doutoramento, acredito que pode ser usado de modo singular para corroborar com os

apontamentos presentes nos discursos de nossos graduandos, sendo que apresentado a seguir

o que Baraldi (2005, p. 18, grifo nosso) conceitua

[...] portanto considero que um trabalho precário seria aquele que não:

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respeita os enunciados da Consolidação das Leis do trabalho no tocante à proteção

social;

conceda direito a aposentadoria;

conceda licença maternidade;

efetue remuneração com os níveis salariais adequados [...]

preze pelo direito à saúde (plano ou serviço público estruturado e universal);

possibilite ao trabalhador o reconhecimento do sentido do seu trabalho no tocante as

atividades desempenhadas;

promova possibilidades de crescimento /desenvolvimento profissional e pessoal; [...]

Consideramos desta forma, que a descaracterização do trabalho no que diz respeito a

recursos disponíveis para a realização do cuidado, baseado em procedimentos que são de

competência do trabalhador enfermeiro, compõe como apontado pela autora uma forma de

trabalho precário, na medida em que o trabalhador não pode reconhecer seu trabalho em seu

amplo sentido, de satisfação, de instrumentos necessários para sua execução, afetando

diretamente na qualidade do cuidado prestado. É preciso então confessar que este

conformismo nos deixa preocupado visto à forma como os docentes enfermeiros descrevem a

profissão a estes alunos ingressantes, fortalecendo assim o trabalho precário com prejuízo do

cuidado como improviso, característico da profissão, como se pode perceber na seguinte fala

[...] eu ouvi falar, que no hospital assim, as condições são muito precárias, as vezes

falta alguns instrumentos, daí agente vai lidar, muito com o improviso, né muitas

coisas vai ter que acabar improvisando, as vezes falta, por exemplo, quando você

vai dar um banho de leito, tem aquele tampão que você coloca em volta do paciente,

né, as vezes não tem vai ter isso, que é o próprio as vezes vai ter que pegar um

negócio de soro, pegar uns lençóis, tudo a base do improviso, né, então acho que

ainda, em relação a isso, que pro enfermeiro conseguir fazer seu trabalho, ainda

falta algum, algumas coisas, na estrutura, só que aí vai da, vontade do enfermeiro,

de, sei lá, de tentar ser criativo, né [...] D.I. 04

Imbricado a esta concepção de aceitação da condição da realização do cuidado em

enfermagem sob qualquer condição, mas a forma como é colocado ao enfermeiro à

responsabilidade de aceitar tal condição, e da necessidade desses através de seus meios

próprios serem criativo e adequar-se, não presenciamos nos relatos o ímpeto de discordância

com tal situação de falta material para a realização do cuidado, mas sim como uma tentativa

de aceitação da situação.

Se levarmos em consideração as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de

Graduação em Enfermagem (BRASIL, 2001, p. 02) conforme seu Art.5, tem como

competências e habilidades para o enfermeiro a ser formado:

[...] IV – desenvolver formação técnico-científica que confira qualidade ao exercício

profissional; [...] VIII – ser capaz de diagnosticar e solucionar problemas de saúde,

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de comunicar-se, de tomar decisões, de intervir no processo de trabalho, de trabalhar

em equipe e de enfrentar situações em constante mudança; [...] XIII – intervir no

processo de saúde-doença, responsabilizando-se pela qualidade da

assistência/cuidado de enfermagem em seus diferentes níveis de atenção à saúde,

com ações de promoção, prevenção, proteção e reabilitação à saúde, na perspectiva

da integralidade da assistência; [...] XXIX – utilizar os instrumentos que garantam a

qualidade do cuidado de enfermagem e da assistência à saúde; [...] XXXII - cuidar

da própria saúde física e mental e buscar seu bem-estar como cidadão e como

enfermeiro; [...]

Assim destacamos somente alguns pontos para enfatizar que estas habilidades e

competências aqui colocadas, quando trabalhadas de forma crítica e reflexiva durante o início

da graduação em enfermagem, podem permitir ao discente engendrar críticas ao sistema

imposto, pensando na atenção integral a saúde do indivíduo que está assistindo, e

reconhecendo que o sistema capitalista visa lucro, e o conformismo o impulsiona a perpetuar

a precariedade dos serviços de saúde em benefício do capital.

Se utilizarmos a ótica de Antunes (2001, p. 44), identificamos como as estratégias

empregadas pelo capital podem ser quase ilícitas

É preciso que se diga de forma clara: desregulamentação, flexibilização,

terceirização, bem como todo esse receituário que se esparrama pelo “mundo

empresarial”, são expressões de uma lógica societal onde o capital vale e a força

humana de trabalho só conta enquanto parcela imprescindível para a reprodução

deste mesmo capital. Isso porque o capital é incapaz de realizar sua autovalorização

sem utilizar-se do trabalho humano. Pode diminuir o trabalho vivo, mas não eliminá-

lo. Pode precarizá-lo e desempregar parcelas imensas, mas não pode extinguí-lo.

O enfermeiro então ao estar em um ambiente imerso de instabilidade, onde vive

cotidianamente sua impotência, diversas formas de angústias e sofrimentos culminando em

tensões como a possibilidade de desemprego, fim de sua fonte de renda, não deixando de

enfatizar o que traz consigo como seus afetos ao serviço, e desperdício de energia, do

processo de trabalho coletivo na saúde. A este tipo de precarização estão submetidos os

trabalhadores da saúde, assim como outros, e são apontados nos estudos de Faria e Dalbello-

Araujo, (2011), em relação a unidade do Programa de Saúde da Família (PSF), onde os

trabalhadores são submetidos as formas flexíveis de contratação. Anteriormente a este estudo

em torno do PSF, o processo de trabalho em sua dimensão da produção do cuidado foi

estudado por Franco e Merhy (2006), ajustando-se a desvalorização do trabalho na saúde,

baseado em nas formas de contratos existentes.

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3.3.2 O conformismo pelos baixos salários e as condições de trabalho, afinal ele escolheu

ajudar.

Iniciamos esta seção com a reflexão que Marziale (2001) traz a respeito de dados

internacionais da insatisfação do profissional enfermeiro em prestar um cuidado de baixa

qualidade, decorrente como os dados apontam, das condições de trabalho da enfermagem.

Assim esta coloca que o real papel do profissional enfermeiro é executar uma assistência de

qualidade, e sendo o cuidado o objeto do trabalho da enfermagem, este não é passível de

aceitar as situações a qual está submisso na atualidade.

Os hospitais há muito tempo tem sido apontado como locais que devido a sua

especificidade são insalubres nas atividades executadas, promovendo para o profissional

enfermeiro um desgaste físico, e emocional, atrelado a um baixo prestigio social, baixa

remuneração. Com direta consequência sobre o cuidado, diminuindo sua qualidade e

efetividade, sendo esse fator apontado ao abandono da profissão e assim consequente escassez

de profissionais (MARZIALE, 2001).

Apesar dos apontamentos acima e voltando ao que presenciamos nos relatos dos

discentes ingressantes, é possível perceber novamente o cunho caritativo desta profissão,

colocado para justificar a aceitação das condições para a realização do cuidado, justificando

inclusive a baixa remuneração a que os enfermeiros estão submetidos, como apresentado nos

relatos abaixo:

[...] eu acho que as pessoas normalmente não trabalham sem pensar também no

financeiro, né, porque todo mundo tem que ter dinheiro, pra poder se manter né.

Mas se a pessoa se focar só que ela precisa do dinheiro, ela não vai conseguir, ser

uma pessoa que atende as necessidades das outras na área da enfermagem, né, que

vê com amor o que ela tá fazendo, não consegue se dedicado, eu acho que não dá

certo[...] D.I. 03

Ainda apontamos que a luta por direitos para melhorias no trabalho da enfermagem

conforme, a concepção deste discente, não pode superar o caráter de ajuda que a profissão

possui, conforme demonstrado a seguir:

[...] não é porque você tá lá pra ajudar as pessoas que você não vai pensar... em

lutar pelos seus direitos, mas eu acho que não é o principal, você tem que estar

disposto, realmente poder ajudar pessoas que estão precisando, ali, atender com

vontade, gostar daquilo que você tá fazendo, independente de que profissão seja

[...] D.I. 02

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113

A que ponto as lutas por melhores salários, ou mesmo pelo trabalho decente, deve ser

engendrada por esta classe de trabalhadores? A que ponto a precarização do reconhecimento

do processo de produção do cuidado pode ser deixado de lado? As lutas por um trabalho

dignamente remunerado, dignamente apoiado em direitos trabalhistas, e que culminem com

um cuidado prestado de forma integral e com qualidade, podem então ficar subjugado a um

comodismo, que se reveste de caridade ou vocação?

Não acreditamos que somente as falas apresentadas neste trabalho possam ser

utilizadas para expressar tamanha responsabilidade sobre as questões acima apresentadas, mas

colocam claramente como a enfermagem tem comportado-se historicamente como submissa,

sob diversos olhares, como apontado por Spindola e Santos (2005, p.160):

[...] O perfil da enfermeira como pessoa devotada, abnegada, observadora, fiel e de

sentimentos delicados, conforme definido na segunda metade do século XIX por

Florence Nightingale, persiste entre as profissionais ainda hoje, embora reconheçam

as limitações do sistema de saúde vigente e a complexidade do assistir [...].

No contexto da enfermagem americana, algo diferente aconteceu, apontando para uma

preocupação dos enfermeiros dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Inglaterra e Escócia,

quanto à deterioração dos cuidados de enfermagem nos hospitais, sendo apontados a falta de

pessoal, a insatisfação pelo trabalho, o desgaste emocional como fatores determinantes no

processo de produção do cuidado e de sua precarização. Nos Estados Unidos mais fortemente

ocorreu uma evasão de profissionais enfermeiros na década de 80 e 90, pois estes fortemente

recusaram a situação salarial, e de déficit de condições para a realização do cuidado, partindo

então para outras profissões ainda que dentro da área da saúde. O reflexo encontra-se na idade

média atual desses profissionais em serviço, que em sua maioria encontra-se em processo de

aposentadoria, sendo que a reposição por novos profissionais é difícil de ocorrer, a previsão

em relação às novas características desta força de trabalho era que em 2010 a idade média

fosse de 45 anos (MARZIALE, 2001).

No Brasil, um silêncio persiste na enfermagem, no que diz respeito a esta precarização

de cuidados, contratos de trabalho, condições de trabalho, um silêncio sem dimensão e sem

explicação se colocar em foco a forma como toda a saúde está estruturada no país, e evidente

em todos os meios de comunicação. Estes dados permitem perceber o quanto o quadro aqui

demonstrado das concepções dos discentes de graduação em enfermagem podem acarretar em

um comodismo, e não luta pelos direitos de um trabalho decente, inclusive no âmbito salarial.

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Existe uma compreensão do trabalho da enfermagem ligada à baixa remuneração como

apresentado a seguir

[...] No geral eu vejo muito condições precárias de trabalho, vejo bastante

reclamação do trabalho, é no hospital, com condições bem precárias pra trabalhar,

não só pro enfermeiro, mas pra todos os profissionais que tão lá. Salário baixo, é o

que o pessoal mais reclama, é o que eu vejo[...] D.I. 04

Como futuro profissional esses discentes necessitam utilizar de subsídios que

permitam discussões acerca do trabalho e da profissão de enfermagem, como uma ciência que

estuda o cuidado, e que materializa-se através de seu trabalho, essas discussões permitirão,

quando embasadas na historicidade desta profissão e abordando os cenários político-

institucionais e os paradigma hegemônico instituem os processos de trabalho na saúde, para

permitir a aproximação a temas como as condições de trabalho, o trabalho decente que

permitam a este profissional executar a ato de produção do cuidado abordando a

individualidade, complexidade e possibilidades do ser humano.

Tendo o docente um papel fundamental na formação deste futuro profissional crítico,

no que refere-se ao trabalho em saúde, dessa forma para Pires (2009, p. 744) a enfermagem

como campo de trabalho na saúde

[...] precisa construir e defender um modelo de organização do trabalho que

considere o direito à saúde para o conjunto da população e o provimento de ações

tecnicamente competentes e protetoras dos direitos dos usuários, assim como

possibilite, a seus exercentes, a expressão da subjetividade e do prazer criativo no

trabalho. É preciso considerar, ainda, os múltiplos sujeitos envolvidos no trabalho

coletivo em saúde, os diferentes profissionais e as diferenças individuais e culturais

que se apresentam nas múltiplas e desafiantes situações cotidianas de trabalho.

As discussões que podem iniciar durante a graduação em enfermagem, fortalecendo as

entidades que representem na sociedade esta profissão como o conselho de classe,

reformulando regras e parâmetros legais e éticos, no exercício da profissão. E ainda que essas

discussões permeiem pontos como a organização do trabalho e as formas seguras das práticas

do cuidado, onde o docente do ensino superior que é um enfermeiro legitime estas discussões,

ainda na formação deste profissional que pode tornar-se agente de mudança na enfermagem.

Cabe aqui destacar que algumas lutas estão sendo realizadas, em busca do trabalho

decente, para permitir que não ocorram prejuízos no ato de cuidar, como a busca de uma

jornada de 30 horas semanais, afim de garantir a segurança da assistência de enfermagem e da

sua qualidade. Afinal a enfermagem convive com a dor, com situações de sofrimento,

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doenças, turnos intensos e ininterruptos, em finais de semana, feriados, onde possui imensa

responsabilidade sobre os setores em que atua, e pouca valorização, fato que como

demostrado anteriormente, é motivo de adoecimento e evasão dos profissionais, com altas

taxas de absenteísmo no trabalho e adoecimento (PIRES et al., 2010).

No que diz respeito as Diretrizes Curriculares nacionais do curso de graduação em

enfermagem, dentre as competências e habilidades a serem desenvolvidas pelo egresso do

curso de graduação em enfermagem estão como apresentado (BRASIL, 2001, p. 03)

[...] interferir na dinâmica de trabalho institucional, reconhecendo-se como agente

desse processo; utilizar os instrumentos que garantam a qualidade do cuidado de

enfermagem e da assistência à saúde; participar da composição das estruturas

consultivas e deliberativas do sistema de saúde; reconhecer o papel social do

enfermeiro para atuar em atividades de política e planejamento em saúde.

Dessa forma pensando que devemos utilizar dessas prerrogativas como docentes, e

enfermeiros, e possibilitar que reconhecimento efetivo do papel social do enfermeiro como

protagonista de sua história. Quanto as orientações para a formulação dos projetos

pedagógicos dos cursos de graduação em enfermagem, o papel do professor é apresentado

como facilitador que o discente construa suas pontes em busca de transformação em sua

realidade, como segue (BRASIL, 2001, p. 05)

O Curso de Graduação em Enfermagem deverá ter um projeto pedagógico,

construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e

apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem.

A aprendizagem deve ser interpretada como um caminho que possibilita ao sujeito

social transformar-se e transformar seu contexto. Ela deve ser orientada pelo

princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que

aponta à resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas.

Para Renovato et al (2009) as várias reformas curriculares que resultaram nas

Diretrizes Curriculares de 2001, esbarram em dois atores: os discentes e os docentes, assim

todo a complexidade desta formação por competências tem no docente como agente do

processo educativo, compreendido de profissionais advindos de matrizes curriculares

diferentes das atuais, culminando em profissionais que em momentos de transição tem pouca

adesão as novas práticas reflexivas propostas. O discente por sua vez percebe um processo

lento de real avanço na incorporação dos conceitos de pedagogia crítica proposto pelas

diretrizes, mas é evidente o avanço com o uso da autonomia, emancipação e problematização

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da realidade, porém com alguns entraves ainda de articulação de áreas de saber da

enfermagem.

Pretendemos então destacar a visível importância da formação do enfermeiro, com

repercussões sobre seu papel na sociedade, a fim de mostrar sua relevância apoiado não

somente em um mero empirismo filosófico e utópico, mas sim através de uma discussão

curricular, quanto à forma de abordagem ao passado desta profissão enquanto a sua história,

mas principalmente no que diz respeito a sua profissionalização, ao trabalho e a quebra de

estereótipos, permitindo ao discente sair da escuridão inicial em que se encontra, aprendendo,

descobrindo e reaprendendo a profissão no sentido de apoia-la sob bases sólidas, desgarrando-

se da apatia que toma os profissionais sob a forma do conformismo.

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CAPÍTULO 4 - O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES NO FINAL DA

GRADUAÇÃO

Neste capítulo abordaremos a concepção dos alunos de graduação em enfermagem ao

fim do curso, após terem perpassado um rol de disciplinas imprescindíveis para a formação do

profissional enfermeiro, mas principalmente o contato com a prática deste profissional em sua

real dimensão, seja dentro da unidade hospitalar ou na unidade de saúde da família, onde a

saúde coletiva é o foco da atenção. Apoiado no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de

Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus

Universitário de Sinop (CUS), estruturado a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais do

Curso de Graduação em Enfermagem (BRASIL, 2001). É possível visualizar em números a

carga horária prática a que estes discentes foram expostos até o momento de sua conclusão do

curso.

Como perfil do profissional a ser formado segundo as Diretrizes Curriculares

Nacionais (BRASIL, 2001, p. 1) temos:

Art. 3º O Curso de Graduação em Enfermagem tem como perfil do formando

egresso/profissional:

I - Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Profissional

qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e

intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os

problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico

nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio

psicossociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de

responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde

integral do ser humano; e

II - Enfermeiro com Licenciatura em Enfermagem capacitado para atuar na

Educação Básica e na Educação Profissional em Enfermagem.

Segundo PPC (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO, 2010), as

disciplinas curriculares, apresentam conteúdo teórico e prático, e estão dispostas para

integralização do curso a partir do quarto semestre, sendo que as horas do curso tem

concentração por áreas de conhecimento, a saber: área de fundamentos de enfermagem,

totalizando 400 horas, área de administração em enfermagem com 112 horas, e a partir do

oitavo e nono semestres, ao o aluno é oportunizado o Estágio Curricular Supervisionado

(ECS), perfazendo uma carga horária que não deve ser inferior a 20% da carga horária total

do curso, e em nosso caso perfaz 878 horas.

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O ECS possui como foco, o ensino e o treinamento para a educação, e treinamento

para a técnica para a compreensão, do conteúdo estrito para a tomada de consciência crítica.

Sendo uma modalidade de ensino obrigatória no Curso de graduação em Enfermagem, que

tem como propósito propiciar aos acadêmicos, uma visão de sua profissão de forma ampla e

concreta (CUNNINGHAN et al, 2003).

Assim é uma oportunidade ímpar de inter-relacionamento entre a teoria e a

prática, estreitamento do vínculo da docência e do serviço, conhecimento da realidade

em que está inserido o profissional de enfermagem, e as características sociais,

econômicas, políticos e culturais (ANGELO, 1994).

Desta forma é uma proposta e supera em muitos aspectos a s anteriores no que diz

respeito à prática, pois tem como peculiaridade inserir o aluno dentro da realidade para que

ele possa vivenciar as atividades do profissional enfermeiro, com a tutoria do professor e

a supervisão do enfermeiro assistencial, levando o aluno à construção de conhecimentos,

habilidades e valores em articulação com a realidade e com a equipe de enfermagem e

de saúde, constituindo uma experiência “pré-profissional” (BACKES, 1999; AMANTÉA,

2004). Nesse contexto, o desenvolvimento de atividades de estágio, que foi regulamentado

pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) através da Lei nº 6.494/77 e do decreto nº

8.797/82, possibilita o contado direto de estudante com o usuário, conferindo uma

oportunidade singular de aplicar seus conhecimentos teóricos bem como de contribuir no

desenvolvimento de habilidade e destreza nas ações de enfermagem (FERREIRA, 2005).

O Conselho Nacional de Educação (CNE) salienta que na formação do Enfermeiro,

além de conteúdos teóricos e práticos desenvolvidos ao longo de sua formação, ficam os

cursos obrigados a incluir no currículo o estágio supervisionado em hospitais gerais e

especializados, ambulatórios, rede básica de serviço de saúde, nos dois últimos semestres do

curso de Graduação em Enfermagem, sendo que o processo de supervisão dos acadêmicos no

estágio deve ser realizado por professores supervisores enfermeiros, além da inclusão dos

profissionais que atuam nas instituições onde o estágio é desenvolvido (BRASIL, 2001).

Dessa forma colocadas às devidas considerações acerca desta experiência pré-

profissional ímpar, é possível observar nas falas de nossos atores tamanha a influência no que

diz respeito à concepção da profissão, que a partir deste ponto carrega um caráter profissional,

onde este é capaz de vislumbrar a real dimensão do cuidado, da responsabilidade, e das

consequências dos atos do futuro profissional enfermeiro. Mas principalmente é capaz de

apontar as consequências da precarização do seu ato cuidador, seja na carga horária excessiva,

nas duras jornadas de trabalho, com baixos salários, submetidos a um mercado de exploração

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desde o seu fazer até o seu ser. Os apontamentos aqui apresentados tentarão demonstrar

tamanha a consciência da importância deste profissional, que submetido ao modo de produção

capitalista, tem em seu objeto de trabalho, o cuidado, as maiores consequências desta

expropriação do fazer, ou seja, uma descaracterização do ser enfermeiro.

4.1 “EU GOSTO MUITO DE AJUDAR, SEMPRE GOSTEI MUITO ASSIM” - o cuidado

como objeto de trabalho da enfermagem, ao final da graduação.

Ajudar, apreço, novamente palavras relacionadas à descrição pela escolha da

enfermagem, acreditamos ser estas expressões algo intrínseco ao discente, mas principalmente

algo arraigado social e historicamente. Assim conforme afirma Ojeda et al (2009, p.114, grifo

do autor) sobre o que chama de regimes de verdades presentes nos discursos.

Os discursos se formam em enunciados, em teorias, em instituições, na maneira

como se organizam determinadas práticas e como são transmitidas. A aceitação de

um discurso decorre da repetição e da dispersão dos enunciados. São inúmeras as

fontes de linguagens que constroem os enunciados e que podem ser visualizados em

diferentes discursos sociais a exemplo da mídia, no meio acadêmico e profissional.

Essas práticas vêm nos dizer das verdades, dos regimes de verdade que,

independentemente do que pregam as leis e o desejo das pessoas, de grupos, são

suficientemente fortes para, nas relações de poder, se instituir como inquestionáveis.

São naturalizáveis.

Partindo uma reflexão sobre o enunciado acima, é possível identificar que apesar da

prática e da visão real quanto à mesma, alguns discentes ainda revelaram o caráter caritativo

da profissão, com um grau de confundimento entre o cuidado e a ajuda. Não pretendemos

aqui realizar comparações entre os discentes iniciantes e concluintes, mas sim tecer

considerações a cerca das concepções apresentadas, no que diz respeito à escolha profissional,

a partir de um sistema que explora materialmente o trabalho. Percebemos então como

apresentado nas falas a seguir, que ao resgatarem o motivo da escolha ao início do curso, e

levando em consideração a possibilidade de um viés de memória, destes discentes

concluintes, a escolha profissional também por motivações como classicamente apresentado

na história desta profissão, com caráter caritativo, de ajuda. Assim seguem os relatos abaixo

Eu escolhi a enfermagem porque, porque eu gostava eu, sempre fui muito atencioso,

acho que isso envolve, um pouco a questão da enfermagem, eu estava um pouco em

dúvida, de que curso escolher, e eu optei pela enfermagem, porque é um curso, que

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eu acho que eu pudesse me identificar, até pelo fato de ser um pouco, um pouco de

amor pelas pessoas, de ter cuidado. D.C. 03

Ao ingressar na universidade a escolha profissional remete a um significado de

autorrealização, seja econômico ou socialmente, como apresentado acima, os discentes

elaboraram ideias com cunho ideal. Podemos dizer ainda que estes conceitos e ideias a

respeito da escolha profissional são construídos no viver das pessoas, inclusive no que diz

respeito à hierarquia das profissões, como é o caso da medicina como hegemônica, desde a

escolha, visto que é considerada superior a outras profissões da saúde como no demonstra o

estudo de Ojeda et al (2004).

Os discursos sociais estão presentes tanto nas instituições acadêmicas quanto nas da

saúde, e esses se plastificam tanto nas relações sociais, na política e na economia. Outro ponto

é apontado discurso do discente a seguir, sendo a mídia também é capaz de imprimir

enunciados na imagem das profissões.

Por que é assim, eu gosto muito de ajudar, sempre gostei muito assim, de ah você,

ah num sei desde pequenininha eu sempre vi na televisão o trabalho do enfermeiro,

o trabalho do médico, o trabalho de saúde em geral, e sempre achei aquilo muito

bonito, sabe, primeiros socorros, assim, que daí fazia até reanimação, eu achava

aquilo, eu nossa [...] D.C. 05

Kemmer e Silva (2007) apontaram através de seus estudos a influência da mídia, na

formação de imagem das profissões, desta forma requerendo que as escolhas possam ter

embasamento de informações que tragam tanto visibilidade, como voz no âmbito da

sociedade. Assim é pertinente a partir do exposto compreender além do cenário de escolha de

uma profissão, os docente e pesquisadores que fazem parte da camada que pode suscitar

reflexões e tecer um olhar crítico do cenário social e das profissões da saúde, necessitam

fortalecer discussões durante a graduação destes discentes, para permitir uma escolha

consciente, não influenciada por uma mídia ou mesmo discursos pré-estabelecidos.

Assim o docente como já abordado anteriormente e descrito nas Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem (BRASIL, 2001, p. 05),

deve:

Art. 9º O Curso de Graduação em Enfermagem deve ter um projeto pedagógico,

construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e

apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem.

Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante

através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência.

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A aprendizagem do aluno deve ser interpretada como um caminho, o docente então

permite que este possa transformar-se e transformar seu contexto, orientar este discente

através de uma metodologia que permite uma ação-reflexão-ação, apontando para a resolução

de situações problema, em uma estratégia didática. Assim apesar de estudos como os de

Renovato et al (2009), apontarem para uma dificuldade de implementação dessa didática

pelos docentes, é imperativo ao que aqui demonstramos, para uma mudança de realidade

frente ao modo de produção hegemônico que o mundo do trabalho está inserido, somente

esses profissionais formados de forma reflexiva e ativa poderão entrar em embates efetivos, a

fim de alterar a realidade da enfermagem, e passarmos para uma situação de não mais

conformismo com as precárias condições em que o cuidado se dá.

4.1.1 A opção pela enfermagem apoiado na influência familiar e no fator econômico.

Assim continuamos nossa análise por outro aspecto apresentado nas falas dos

discentes, ainda em relação ao porque da escolha pela enfermagem, porém agora podemos

perceber traços de influência familiar, onde o fator econômico, ou seja, a profissão, enquanto

suporte para a obtenção de ganhos salariais é apresentada.

[...] foi bem por exigência da minha mãe mesmo, pessoal fala não você escolhe

porque você quer, não é, influencia de casa sim, aí minha mãe, não, faz

enfermagem, que isso é bom, que não sei o que, não sei o que, tão tá, vamo fazer o

negócio que a mãe quer, acabei me inscrevendo pra enfermagem, Sinop eu decidi

em cima da hora, assim, foi na hora de preencher o catálogo, do vestibular, eu

coloquei, Sinop, e dai acabou meio que sendo isso[...] É que todo mundo fala assim,

que quando você trabalha na enfermagem, você nunca fica desempregado, o salário

é bom.. é isso e aquilo [...] D.C. 01

Primeiramente, fica evidente como a escolha profissional é difícil, principalmente no

que diz respeito a cobranças e expectativas, nesta fase trata-se de um adolescente que precisa

escolher um futuro profissional para si, ou seja, a mudança de adolescente para um jovem

adulto com alterações tanto intrínsecas, como extrínsecas. Assim Santos (2005, p. 58) aponta

como é importante a influencia familiar e de seus pares para a escolha profissional.

Muitos fatores influem na escolha de uma profissão, de características individuais a

convicções políticas e religiosas, valores e crenças, situação político-econômica do

país, a família e os pares. A literatura aponta a família como um dos principais

fatores que ajudam ou dificultam no momento da escolha e na decisão do jovem

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como um dos fatores de transformação da própria família. O jovem pertence a uma

família, que tem uma história e características próprias. Por isso, é considerado

essencial para a escolha não somente o conhecimento que ele tem de si mesmo, mas

também o conhecimento do projeto dos pais, o processo de identificação e o

sentimento de pertencimento à família, o valor dado às profissões pelo grupo, assim

como a maneira como o jovem utiliza e elabora os dados familiares.

As crises advindas da escolha da profissão acabam por abordar tanto o quanto uma

profissão é rentável e segura, porém pode não satisfazer, bem como pode ser atraente no que

diz respeito à satisfação pessoal, porém não é financeiramente atrativa, assim além dos

conflitos próprios de escolha do curso pelos adolescentes, os pais também podem reviver seus

conflitos de adolescência. Perpassado algumas situações que se apresentaram durante os anos

que os discentes passaram na graduação, é possível também perceber que este consegue

visualizar com clareza que as suas escolhas profissionais, não se restringiram somente ao

quesito de satisfação pessoal, mas também a uma satisfação salarial, como na fala a seguir.

No começo eu levava mais pelas mesmas questões da minha mãe, eu pensava assim

eu terminando a faculdade de enfermagem, eu não vou ficar desempregado, vai ter

um emprego legal, e o salário é mais ou menos. Aí vai por essa, só que durante a

graduação, quatro, cinco anos, você muda de ideia, hoje em dia eu já penso assim,

eu sei que emprego não seria ruim, se você passasse em um concurso público, só

que eu não vejo a enfermagem como uma coisa que eu quero levar pro resto da

minha vida, porque é assim, dá pra você ter uma vida legal como enfermeiro, só que

é um trabalho judiado, e coisa, que no final do mês vai vir aquele teu salário, e só

[...] D.C. 01

O relato apresentado por este discente aborda ainda as condições como se dá o

trabalho da enfermagem como “judiado”, e que este não pretende permanecer nesta profissão

até o fim de sua vida. Desta forma as implicações da escolha profissional no caso a

enfermagem, parece corroborar com os estudos de Almeida e Pinho (2008, p.174) no que diz

respeito ainda à influência familiar.

Desde muito cedo o adolescente deve optar por uma profissão, uma escolha que lhe

parece definitiva, já que deve ser “para o resto da vida”. Isto, muitas vezes, sem nem

mesmo ter formado sua identidade. Considerando uma abordagem psicossocial do

desenvolvimento, na qual a identidade é formada também levando-se em conta o

contexto no qual o indivíduo está inserido, a família possui papel fundamental nesta

formação.O indivíduo, ao nascer, já carrega consigo uma série de expectativas da

família, que ele deverá (ou não) cumprir ao longo da vida Os pais depositam seus

sonhos nos projetos que fazem para o futuro do filho e este desenvolve-se dentro

desse contexto, muitas vezes ouvindo que deve seguir a profissão do pai e/ou do

avô, ou ouvindo que determinada profissão não é apropriada para o seu sexo.

Acreditando ainda que o relato do discente diz respeito a sua insatisfação em

permanecer durante toda sua vida nesta profissão, não estar ligado ao gênero, mas sim a

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motivos como o desgaste físico e mental e como o mesmo mencionou dos valores salariais,

Batista et al (2005) em um estudo sobre a motivação que enfermeiros tem para permanecer na

enfermagem, destaca a faixa salarial deste profissional e a carga horária semanal dos mesmo,

fazendo então um paralelo quantitativo, pois coloca que o número de profissionais é reduzido,

a carga horária situa-se entre 30 e 40 horas semanais, e os níveis salariais variam de R$

500,00 à R$ 3.500,00, assim apontando como um dos principais motivos para a desmotivação

no trabalho, aliado a grande carga de responsabilidade do enfermeiro e falta de pessoal.

Em outro estudo realizado por Angerami, Gomes e Mendes (2005), relata que os

profissionais assim que formados são logo absorvidos pelo mercado de trabalho, porém o

tempo de permanência na profissão varia 11 a 18 anos. Porém os motivos apontados para a

não permanência no trabalho são principalmente as condições de trabalho e os baixos salários,

assim podemos considerar que estes fatores justificariam a fala do discente concluinte quanto

ao termo “judiado”, referindo-se a estes fatores, que provavelmente notou nos momentos de

sua prática ainda que como um aluno.

O enfermeiro assim como qualquer trabalhador na visão de Braverman (1981, p. 55)

submete-se a um contrato de trabalho pelas seguintes razões:

[...] as condições sociais não lhe dão outra alternativa para ganhar a vida. O

empregador por outro lado, é o possuidor de uma unidade de capital que ele se

esforça por ampliar e para isso converte parte dele em salários. Desse modo põe-se a

funcionar o processo de trabalho o qual embora seja em geral um processo para crir

valores úteis tornou-se agora especificamente um processo para a expansão do

capital, para a acumulação de lucro. [...]

Essas considerações inseridas no modo de produção capitalista, deixam claro como

este modo de exploração deixa o trabalhador sem alternativa, sem perspectiva de ter seu

trabalho, pois é preciso vende-lo, a qualquer preço para subsistir, assim como os trabalhadores

da área da saúde, e neste caso da enfermagem.

Ainda é interessante apresentar que somente o fato do aluno na oportunidade da

escolha profissional, não apresentar afinidade nas áreas de conhecimento da profissão, no

caso a área de ciências exatas como apresentado no discurso abaixo, aliado a influencia

familiar pode ter contribuído para a escolha deste curso.

Eu sempre quis alguma coisa na área da saúde, e daí como eu tava terminando o

terceiro ano, a cidade mais próxima que tinha esse, aporte, no caso, vestibular, e tal

universidade, era Sinop, aí tinha aberto as inscrições para enfermagem, era público

né, eu prestei, e na sorte, não foi nem por esforço, eu passei e minha mãe me

obrigou a fazer o curso. Eu não tinha nem idéia de como seria o curso, do conteúdo,

não tinha noção, mas assim, eu não gosto da parte de exatas, e eu queria algo na

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área da saúde. Eu tenho uma tia que é técnica de enfermagem, e a minha mãe

sempre quis ser enfermeira [...] D.C. 02

A este tipo de escolha pela profissão, sem sequer um conhecimento do que seria o

curso, pode gerar alguns inconvenientes, ou mesmo dúvidas, durante a graduação como

apresentado a seguir no relato da mesma discente.

[...] ela (A MÃE) nunca cultivou nada relacionado a isso (A ESCOLHA

PROFISSIONAL), dentro, de casa, e como a minha mãe é professora, eu também

não queria seguir a profissão dela, ai eu optei pela enfermagem. [...] eu pensei em

desistir, porque eu comecei a me apavorar, mas hoje eu vejo que assim, o conceito

mudou completamente, o que eu pensava não tinha uma base assim concreta [...]

D.C. 02

Neste ponto reforçamos a participação do docente em trazer contribuições reais no que

diz respeito a profissão em diferentes fases da graduação, contribuindo com a crítica

construtiva, alicerçando o conhecimento do aluno e assim poder fundamentar mudanças.

A discente também expressa que a educação não seria uma área que gostaria de atuar

como sua mãe, sendo interessante este ponto, já que o caráter peculiar entre educação e saúde,

no que diz respeito ao produto de seu trabalho, e o fato de não ser possível a estes

trabalhadores dissociarem seu ato produtivo, do resultado deste ato, pois se trata de uma ação

sobre o ser humano que, como ser humano é capaz de interagir com o objeto de trabalho

destas profissões, e agir, não somente ser passivo e receber a educação ou o ato de ser

cuidado, sem produzir nenhuma ação neste processo de trabalho.

Segundo Kuenzer (2004), ao tratar do trabalho do enfermeiro, do professor e dos

montadores de automóveis que estão sob a reestruturação produtiva, a educação e a

enfermagem como colocado anteriormente por não existir a diferenciação entre produto e

produtor, no caso do cuidado e da educação, sob a égide da produção capitalista, e a

acumulação de capital, diferencia-se no que tange a necessidade do capital engendrar formas

de explorar, alienar e controlar, através da gerência, por exemplo, o processo de trabalho

desses profissionais. Afinal é preciso convencer este profissional a utilizar de sua capacidade

criativa e inventiva para explorar-se a serviço do capital, assim as discussões para uma

mudança real, com formas mais justas de trabalho, demanda tamanha compreensão do

processo de exploração por parte dos profissionais, para então aí produzir reflexões e

possíveis mudanças, também neste ponto o docente de graduação poderia implementar seu

papel mediando discussões.

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Esta ainda exemplifica as diferenças entre o atender a uma pessoa doente por

solidariedade ou por venda individual do trabalho deste profissional, passa por uma

apropriação do capitalista do processo de trabalho, e gerando assim como explica o acúmulo

do capital, desta forma Kuenzer (2004, p. 243) coloca.

No primeiro caso, uma vez que não há produto material, o enfermeiro atua tal como

o artesão, como trabalhador autônomo e independente que vende um trabalho ou

serviço, decidindo quando, como fazer e qual o preço; nesta situação, o trabalho

tende a ser mais qualificado e mais prazeroso. No segundo caso, o enfermeiro vende

sua força de trabalho para uma instituição, que passa a determinar seu trabalho em

todas as dimensões, retribuindo-o por meio de um salário; nesta situação, o trabalho

tende a ser mais desqualificado, por intermédio da divisão de trabalho nos serviços

de saúde, mais intensificado, mais desgastante e, portanto, mais explorado, tendo em

vista acumular o capital dos proprietários ou associados, nos casos das cooperativas.

O apontamento supracitado permite visualizar como o enfermeiro, e o professor

inserido no modo capitalista de produção, podem sofrer ao realizar seu trabalho, visto que

como vendedor de sua força de trabalho e experimentando da mercantilização do seu trabalho,

fica cada vez mais presente a dificuldade de intervir criativa e independentemente nestas

áreas.

Tecidas as considerações quanto à influência familiar na escolha do curso, as falas

ainda apresentam as tendências da escolha pautada nos cursos técnicos, visto que como

abordado no capítulo segundo deste trabalho, a divisão técnica na área da saúde, mais

precisamente na enfermagem, é uma realidade histórica. A divisão técnica, nesta profissão

decorre de uma visão entre trabalho intelectual e trabalho manual desde sua essência enquanto

prática profissional. Desta forma apresentamos a seguir relatos que colocam que o curso de

técnico de enfermagem veio anterior à escolha pela graduação. Sabidamente, estes cursos por

estenderem-se em um período curto de tempo, ou seja, para a prática profissional em si e tem

um cunho empregatício para o jovem.

Seguem as impressões do discente concluinte em relação ao curso técnico como opção

anterior a graduação em enfermagem.

A minha mãe é técnica de enfermagem desde de que eu me entendo por gente ela

trabalha na área da saúde e eu sempre gostei, tanto que antes, quando eu tava no

terceiro ano, eu comecei a fazer o técnico, de enfermagem, ai eu fiz o técnico e

comecei a fazer vestibular para a enfermagem, mas não conseguia passar, ai eu já

tinha desistido, passei num concurso público, na minha cidade como técnico, passei

em primeiro lugar, aí comecei a trabalhar [...] D.C. 04

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Para Medina e Takahashi (2003) a opção do técnico e do auxiliar de enfermagem pelo

curso de graduação, apresenta diversas motivações, destacando-se o curso como sendo menos

seletivo, como uma forma de ascensão profissional, para a melhoria do conhecimento

científico, e o fator do status dentro da equipe de saúde. É importante ainda destacar a atual

política de incentivo ao acesso ao ensino superior como motivador, principalmente em

instituições privadas para o profissional de nível médio que trabalha e estuda, principalmente

com bolsas de estudo, abertura de unidades periféricas, possibilita o acesso deste estudante ao

ensino superior.

Assim o como demonstrado no depoimento a seguir reforça a questão do acesso ao

ensino superior, porém neste caso percebe-se também que a falta de acesso ao curso de

graduação em enfermagem, no caso pela localização geográfica, tornou-se um fator para o

aluno ter primeiramente escolhido pelo curso técnico, como representado na fala a seguir.

[...] eu tive a oportunidade de fazer um curso técnico por que eu não sabia se eu ia

estudar fora, porque lá em Juína não tem, só tem contabilidade, administração,

essas coisas assim, você sabe. Não tinha nada, nada, nada na área da saúde, aí, eu

não gostava, aí esse negócio de trabalhar no escritório, fechada, vendo número,

fazendo cobrança e essas coisas eu não gosto, então assim teve a oportunidade de

fazer o técnico de enfermagem, eu não tinha nem terminado o ensino médio ainda, e

comecei a fazer[...] D.C. 05

A educação do profissional de nível técnico tem como principal dinâmica inserir o

indivíduo no mundo do trabalho, e abordando então o mercado de trabalho na enfermagem,

comparado a outras áreas da saúde, a escolha pela graduação em enfermagem tem como

fatores contribuintes a melhora do retorno financeiro e o reconhecimento social, quando

comparado à área técnica de enfermagem, satisfazendo o profissional, já que o egresso

procura a inserção na sociedade e enquanto profissional de saúde sua valorização

(BARBOSA; GOMES; REIS; LEITE, 2011).

Apesar de não ser gritante nos depoimentos acima uma escolha baseada restritamente

ao mercado de trabalho, este é considerado um profissional, pode-se inferir que esta escolha é

composta de um ato reflexivo, que mobiliza a história de deste indivíduo, sua ascendência,

suas experiências de vida, e fatores internos e externos, e o mercado de trabalho. A

identificação do curso requer a aceitação, integração de motivos individuais e sociais que

posteriormente podem refletir no trabalho de qualidade (BARBOSA; GOMES; REIS; LEITE,

2011).

Esta escolha traz também o contexto da satisfação, e este é um conceito multifacetado,

com aspectos pessoais, vocacionais e da realidade do trabalho, além da percepção do mercado

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de trabalho como otimista é essencial na escolha profissional. Educar profissionalmente

demanda então uma orientação que leve em consideração os problemas relevantes

socialmente, inclusive na escolha dos conteúdos baseados nas necessidades em saúde, não

contrário a este fato, conteúdos que abordem a escolha da profissão, como as características

da profissão, a inserção no mercado de trabalho, atendendo de alguma forma a identificação

da percepção que o acadêmico tem, além de suas expectativas enquanto profissional.

4.2 “VOCÊ VAI MOLDANDO DENTRO DE VOCÊ A CONCEPÇÃO DE UM

ENFERMEIRO” – o que é ser enfermeiro agora com a inserção na prática profissional.

Abordaremos as concepções dos discentes concluintes apresentando o enfoque

profissional presente nas concepções dos alunos, visto que este teve a oportunidade de estar

inserido no seu real campo de prática, sendo o hospital ou a saúde pública. Observaremos as

reflexões trazidas por estes alunos sobre seus conceitos da prática profissional do enfermeiro,

com enfoque na prática ocorridas nos campos hospitalares e na saúde coletiva baseado na

visão do profissional atuando em campo, como apontado na frase escolhida para

representação deste ponto.

Assim iniciaremos com a reflexão do discente concluinte sobre sua compreensão no

inicio do curso e como esta se alterou com a inserção do aluno na prática profissional,

importante salientar que este ainda reflete sobre a hegemonia médica, e a percebe como parte

do processo de trabalho, porém é ainda capaz de identificar o papel do enfermeiro apesar da

divisão do trabalho existente.

[...] no começo você acha que enfermeiro é o topetudo, que você tá, primeiro todo

mundo fala que enfermeiro é auxiliar do médico, e isso já muda, porque no início da

faculdade você acha isso mesmo, que você tá ali, pra obedecer o que o médico

falou, e só, o medico fala faz isso, faz isso, tipo, agora já no final da faculdade, você

ve que não, você tem uma graduação, igual a do médico, você tá ali, o médico vai,

dá o diagnóstico, e coisa, passar a medicação, você vai ficar responsável pelo

cuidado, são duas situações diferentes, e você ve que o médico, tipo, eu vejo isso, o

médico não está preocupado com o cuidado em si, ele tá preocupado em estar aí,

dar o diagnóstico, e a medicação, se o paciente melhora ou não, ele não vai

intervir, no seu cuidado, na sua forma de cuidar, é você quem lidera sua equipe

para agir de tal forma, agora do começo da faculdade, o que eu pensava assim, eu

tinha uma ideia errada do negócio, achava que o enfermeiro obedecia o médico, e a

enfermagem seria o serviço do técnico mesmo. O que o técnico faz eu via como o

serviço do enfermeiro. E depois vai passando o tempo e você ve que é mais, o

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enfermeiro tem que ver a equipe como um todo, tem que fazer a educação

continuada, tem muitas coisas fora do hospital que o enfermeiro tem que cuidar

também, então, a ideia sempre muda. D.C. 01

Interessante no relato apresentado ainda é observar a reflexão feita pelo discente de

situações que considera diferente, ou seja, o ato de cuidar e o ato médico, que este

caracterizou como a conduta terapêutica (instituição da medicação e o diagnóstico). Isso

corrobora com a visão prática que este aluno passa a ter da aplicação de uma assistência de

enfermagem sistematizada, baseada em autonomia deste profissional, como é imposto pela lei

do Exercício Profissional (BRASIL, 1986), em seu artigo 11: “ O enfermeiro exerce todas as

atividades de enfermagem, cabendo-lhe privativamente: c) planejamento, organização,

coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem [...]”, e

reforçado pela Resolução COFEN 272/2002 em seu artigo 2: “ A implementação da

Sistematização da Assistência de Enfermagem – SAE –

Deve ocorrer em toda instituição de saúde, pública e privada [...]”.

Esta forma de trabalhar utilizando-se de um método de trabalho, reconhecido, aceito e

aplicado em todo o mundo, vem reforçar a implementação do trabalho do enfermeiro, como

profissional autônomo, com conhecimento científico propriamente instituído, numa tentativa

de afastar-se da submissão histórica a medicina. Esse processo permite ao enfermeiro prestar

cuidados individualizados, baseado nas necessidades humanas básicas. Assim Andrade (2007,

p. 98) reforça o exposto.

A enfermagem moderna acredita ser obrigação de cada profissional de sua equipe

contribuir para o crescimento e a renovação dos conhecimentos de sua área. Em seu

agir, tem de observar e criticar a eficiência dos métodos e técnicas que utiliza. Um

corpo de conhecimentos e procedimentos teoricamente organizados, sistematizados

e sempre reformulados se constitui em base segura para a ação eficiente. Como

estratégia para a aplicabilidade de uma assistência de enfermagem a partir do

conhecimento científico e não somente originada da prescrição médica, temos a

sistematização da assistência de enfermagem como ponto essencial na cientificidade

de nossa prática e na evolução da profissão.

A compreensão da enfermagem baseada na prática profissional como apresentado a

seguir descreve o que os discentes apontaram como resultado que a prática em campo permite

uma visão real do trabalho, e este fator como contribuinte para a concepção que estes

começam a vislumbrar no final do oitavo e nono semestre.

Nas falas apresentadas o aluno coloca este fator, prática em campo, como essencial no

que diz respeito a sua permanência no curso, sendo o quarto semestre fundamental. Neste

semestre segundo PPC (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO, 2010) a

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Disciplina de Fundamentos do Processo de Cuidar em Enfermagem, perfazendo 208 horas

acontece. Esta disciplina é o primeiro passo, após um período de disciplinas específicas para a

construção do conhecimento baseado em bases sociológicas e biológicas como podemos citar

embriologia, anatomia, filosofia, antropologia e outras.

Na fala a seguir apresentamos o exposto acima no que diz respeito às aulas práticas

como fator de permanência.

[...] foi quando eu cheguei no quarto semestre, eu fiz práticas a primeira vez,

reprovei de práticas, reprovei na prática mesmo, ai eu pensei será que agora eu

desisto? Será que eu largo mão, desse trem. Ai eu conversei com a Profa Heloísa,

uma vez, daí ela falou não não desiste que você vai gostar, não sei o que, não sei o

que, ai eu pensei, vamo, ai fui de novo pra prática, fiz práticas, aí começou a gostar,

ai quando eu gostei de práticas mesmo, foi quando eu fiz urgência e emergência,

com a Suellen no quinto, que foi assim que eu me achei, que meio, agente é meio

tapadinho, ainda na época, mas, começou a gostar mesmo, daí, ai o trem deu uma

alinhada.D.C. 01

A desistência do curso é um problema apontado por Araújo, Silva e Silva (2008) como

um desafio no processo pedagógico da formação dos profissionais enfermeiros, visto que o

ensinar é baseado em planejamentos normativos, com abordagens pedagógicas tradicionais. E

durante o processo de formação do enfermeiro este apresenta um conflito na formação dos

sujeitos. A questão relacionada a formar sujeitos críticos, reflexivos e questionadores em

relação ao SUS, acaba também por ser prejudicada, na justa medida em que não atende por

completo as Diretrizes Curriculares dos cursos.

Acreditamos ser essencial experimentar novas tendências e estratégias para o ensino

da enfermagem, a fim de que desde o início da graduação este aluno possa vislumbrar a

profissão e refletir sobre ela, para então buscar as transformações na prática.

Como abordado anteriormente, podemos observar no relato apresentado a seguir, em

que medida a insuficiência de abordagem as questões da prática profissional podem acarretar

em sentimentos penosos aos alunos, no que diz respeito a não compreensão sua futura prática.

[...] na verdade eu entrei sem ter muita noção, eu sabia que o enfermeiro ficava ali

cuidando do paciente o dia inteiro, mas assim, não tinha uma concepção do era

aquilo. E conforme foram passando os semestres, inclusive no quarto semestre onde

começou mesmo, as disciplinas específicas do curso, eu pensei em desistir, porque

eu comecei a me apavorar, mas hoje eu vejo que assim, o conceito mudou

completamente, o que eu pensava não tinha uma base assim concreta, e hoje eu vejo

que na verdade tudo foi se encaixando, desde o primeiro semestre até agora, foi

sendo criado um profissional, uma pessoa que está apta, pelo menos teoricamente,

para quando sair daqui atuar no hospital, no PSF, independente do lugar. D.C. 02

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Baseado na fala apresentada acima, o discente conseguiu observar concretamente a

formação do profissional enfermeiro, assim podemos ainda afirmar que os alunos de

graduação procuram nos cenários de práticas, e estágios, locais organizados e espaços de

aprendizagem, com vistas as habilidades práticas prioritárias, por eles consideradas parte

fundamental da atuação do enfermeiro, no que diz respeito a ética e ao humanismo

(BORGES; VANNUCHI; GONZÁLES; VANNUCHI, 2010).

A representação apontada acima, como sendo resultado da expectativa deste estudante

quanto à prática do enfermeiro esta representada no seguinte relato.

[...] conforme entrou no primeiro semestre, que você já vai criando uma noção, ai

já vai falando, tal, aí no estágio que agente vai ver o que ele faz mesmo, só que

assim principalmente administração, aprendi bastante o que ele faz e introdução a

enfermagem, que eu aprendi mais. Mas ai em cada matéria, você aprende o que ele

faz em cada setor, em pediatria você aprende a função dele, com criança, em

neonatal, em urgência e emergência você aprende a função dele na urgência, e em

cada estágio vai aprendendo um pouco mais o que ele faz. D.C. 05

Assim aprofundar a discussão a cerca das propostas pedagógicas, dos cursos de

graduação em enfermagem, quanto aos alunos que ingressam no curso, suas expectativas, suas

angústias, e a prática profissional em si, tentando intregar o currículo a busca do aprendizado

pelos estudantes poderia ser uma forma ativa de possibilitar uma formação mais crítica e

reflexiva.

O relato a seguir expressa à dimensão da reflexão da prática profissional, aliado aos

conteúdos presentes na grade curricular para construir um conceito do que é ser enfermeiro.

[...] a parte prática e a parte teórica influenciaram essa mudança, por mais que ate

o oitavo semestre no caso, foi mínima essa vivencia prática, no oitavo e no nono que

agente começou a vivenciar mais, foi isso que contribuiu eu acho com maior peso,

pra essa concepção, porque agente vivenciando, por cada setor, tinha um

enfermeiro diferente, então querendo ou não você vai comparando, e você vai

moldando dentro de você a concepção de um enfermeiro, do que é, de como ele

trabalha, do que ele pode, do que ele não pode, o que ele tem que ter, o que ele não

pode ter. D.C. 02

É possível perceber até aqui a forma que os discentes apresentaram uma mudança de

concepção do que é ser enfermeiro, realizando reflexões acerca da questão, estes também

vislumbraram que a prática profissional influenciou o que acreditavam ser a enfermagem no

início do curso, sem destacar o viés de memória decorrido do tempo perpassado até o nono

semestre de graduação. Destacamos como um fator importante a inserção do aluno no campo

de trabalho do enfermeiro, para que ele possa construir seu conhecimento a cerca do processo

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de trabalho da enfermagem e da saúde em geral, de uma forma que não somente a partir das

disciplinas que contemplam práticas, mas também desde o ingresso do mesmo, a fim permitir

certa aproximação do curso pretendido e os conteúdos iniciais da graduação como a história

da profissão (LUNARDI FILHO; LUNARDI; SPRICIGO, 2001).

Permitir então ao discente vislumbrar como se dão as relações de trabalho, o processo

de trabalho, as relações de poder, de forças, em diferentes pontos de vista, permitindo a

formação profissional visando à produção da subjetividade do indivíduo, permitindo ao aluno

como futuro profissional questionar-se, refletir sobre o profissional, das possibilidades, das

formas de resistir, enfrentar ou discordar da situação do enfermeiro, imerso no sistema de

acumulação do capital.

4.3 “ QUANDO VOCÊ TÁ DENTRO DA SALA, É TUDO MUITO BONITO” – a

enfermagem ideal confrontada com a prática real.

Buscaremos nesta seção tecer algumas considerações em relação às falas apresentadas

pelos discentes no que diz respeito à concepção de sua prática, enfatizando o ideal da

enfermagem, ou seja, uma prática que tem como seu objeto de trabalho o cuidado, sob este

olhar ideal assim Pires (2009, p. 742) apresenta o cuidado genericamente.

O cuidar em enfermagem, em termos genéricos, tem o sentido de promover a vida, o

potencial vital, o bem estar dos seres humanos na sua individualidade, complexidade

e integralidade. Envolve um encontro interpessoal com objetivo terapêutico, de

conforto, de cura quando possível e, também, de preparo para a morte quando

inevitável.

O autor supracitado corrobora com a ideia de que sob o olhar da enfermagem enquanto

trabalho, esta prática concreta não ocorre exatamente desta forma ideal dentro dos espaços

institucionais. O cuidado assim apresentado de forma conceitual e todos os atos relativos ao

cuidado, como procedimentos, atos éticos e legais, pode mostrar-se diferente durante o

momento de prática pelos personagens inseridos no mundo do trabalho, sendo que estes ainda

possuem autonomia de modificar seus atos no momento em que ocorrem, assim o cuidado, a

enfermagem e seu processo de trabalho difere-se do idealizado na sala de aula pelos docentes

aos alunos de graduação.

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No que tange ainda essas concepções é possível observar a forma como os alunos ao

final da graduação são capazes de dimensionarem a importância do trabalho da enfermagem

inserida no contexto da produção da saúde. Também se apresentam reflexivos quanto à forma

precarizada em que os profissionais realizam o cuidado, fazendo comparações salariais, de

carga horária, condições de trabalho e percebendo a realidade tanto no âmbito público como

privado. Justificando a exposição deste núcleo de sentido com o título acima apresentado.

Apresentamos a seguir o relato do discente quanto à visão ideal da enfermagem,

aprendida em sala e reforçada pela mídia. Porém este o confronta com a realidade de suas

práticas enquanto aluno.

[...] quando você tá dentro da sala, é tudo muito bonito, o que todo mundo fala, a

enfermeiro é isso, enfermeiro é aquilo, você vai vendo aquelas mensagezinha na

internet, e coisa, como se fosse um mil maravilhas, que a vida do enfermeiro é só

realizar ação, que ele vai lá cuida do paciente, o paciente sai de lá curado, sai bem,

que o paciente vai agradecer mil anos pra você, que foi tudo aquilo, dentro do

hospital você ve que não é isso, você recebe mais chingão, do que agradecimento

[...] D.C.01

Adentramos o campo da prática profissional para refletir desde a criação da

enfermagem moderna até a atualidade e tecer algumas considerações da fala apresentada. A

imagem apresentada pelo aluno do paciente curado, dos agradecimentos ao enfermeiro, tem

uma origem histórica, explícita em no discurso de muitos profissionais, ou seja a docilização

dos corpos na enfermagem, esta tem sua raiz com Florence Nightingale, para ela a disciplina

era essencial a enfermagem, e desta forma o ponto chave para um bom enfermeiro, era ser

disciplinado o que também significava ser dócil e submisso (SOUZA et al, 2006).

Durante as décadas seguintes, conforme abordado no primeiro capítulo deste trabalho,

a busca pelo conhecimento científico aliado a procedimentos práticos alicerçou-se, sem

dissociar-se totalmente desta imagem do enfermeiro bondoso, dócil e do paciente agradecido.

O que se percebe é um contra ponto, visto a relação dos cuidadores, que se submetem a

rotinas de tarefas árduas, divergências em seu trabalho, submissos a um modelo médico

hegemônico difícil de sucumbir, visto sua total valia ao capital, pois não deixa de ser um

modelo produtor de mercadorias, no caso os atos e procedimentos de saúde, como já abordado

anteriormente.

Este aluno então percebe que o processo de enfermagem se dá sob outra perspectiva,

com jornadas extensas de trabalho, precariedade de serviços ofertados, plantões noturnos

(também as jornadas em finais de semana e feriados), além da competição profissional e falta

de ética seja pelos profissionais enfermeiros, mas principalmente uma ética que conduza

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interdisciplinarmente o trabalho na saúde, enfatizando principalmente o profissional médico

(SOUZA et al, 2006).

A afirmação trazida na fala a seguir confirma como o ideal concretiza-se em um real

frustrante ao discente, em diversos momentos, mas mais especificamente nos momentos de

atuação direta com o paciente como durante a realização de procedimento.

[...] agente acaba tendo uma visão diferente, porque você ve que o que você

aprende, você não pode colocar em prática tudo, porque, não tem subsidio, não tem

vamos dizer assim, você não tem formas de você fazer. Muitas vezes assim você tem

vontade de fazer, mas não tem estrutura, você atende uma população, vamos dizer,

que você trabalhe em um PSF, você não consegue abranger a população toda, que é

da sua área, num hospital, você não consegue fazer um atendimento humanizado

com todos os pacientes, tem vez que você está com trinta pacientes num quarto,

como você vai fazer trinta SAE, numa noite, num plantão de doze horas, é difícil.

D.C. 04

Pode-se ainda perceber que a precarização do cuidado, enquanto o provimento de

materiais, de reais condições para que ele aconteça ocorre não somente em âmbito hospitalar,

mas também na Estratégia de Saúde da Família (ESF), onde os alunos dentro do Programa de

Saúde da Família (PSF), por ela citado exige uma abrangência não somente local, mas

territorializada das ações de saúde, e cabe ao enfermeiro dimensionar seu espaço de trabalho.

Esta ainda aborda a obrigação legal de realização da Sistematização da Assistência de

Enfermagem, cobrada pelo Conselho Federal de Enfermagem, instituída na Resolução

COFEN 358/2009, em seu art 1º “O processo de enfermagem deve ser realizado, de modo

deliberado e sistemático, em todos os ambientes, públicos ou privados, em que ocorre o

cuidado profissional de enfermagem”, sendo ato exclusivo do profissional enfermeiro, que

deve ser devidamente registrado, mas que compreende cinco passos (coleta de dados,

diagnóstico de enfermagem, planejamento de enfermagem, implementação e avaliação de

enfermagem).

A inviabilidade na questão tempo e número de pacientes é evidente, mas também é

evidente o quanto esta prática é essencial para enfermagem, no intuito permitir que o cuidado

se dê de forma organizada, efetiva, e com qualidade tanto prática quanto resolutivamente. O

enfermeiro então sujeito ao mercado capitalista submete-se a necessidade de subsistir,

permitindo-se não contribuir efetivamente para sua prática, o que culmina na precarização do

seu cuidado. Na verdade não existe uma escolha, pois entre ter que ser responsável por todo o

cuidado de um número extrapolado de pacientes, e uma equipe para comandar, e a falta de

salário para subsistir o enfermeiro, assim como outras profissões sujeita-se a depreciação de

seu trabalho e sua saúde.

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Assim todos os fatores apresentados acima, tem repercussão no cuidado, e apesar do

cumprimento de resoluções, e das diretrizes curriculares dos cursos de graduação em

enfermagem, repercutem no produto, ou seja, na formação do profissional como elabora

Souza et al (2006, p. 807).

Apesar das mudanças no currículo de enfermagem, das discussões suscitadas dentro

das escolas que culminaram na elaboração, em 1990, das diretrizes curriculares para

a profissão, ainda não produziram mudanças profundas no ensino de enfermagem no

sentido de aproximá-lo o mais possível das exigências do mercado de trabalho e ao

mesmo tempo de preparar profissionais comprometidos com uma verdadeira

transformação da realidade prática da enfermagem brasileira. O cuidado de

enfermagem está distanciado da prática profissional à medida que os enfermeiros

não têm conseguido, com poucas exceções, viabilizar ações de enfermagem voltadas

para o cuidado individualizado da clientela. A ênfase nos procedimentos técnicos,

mediante o cumprimento de regras e normas e da priorização de tarefas voltadas

para aspectos biológicos do ser humano, ainda está presente no seu cotidiano, o que

muitas vezes a torna apenas uma atividade complementar à atividade de outros

profissionais, principalmente da atividade médica.

Ou seja, mudanças profundas não foram efetivas nos currículos, não havendo mudança

real na formação de profissionais críticos e reflexivos em um contexto brasileiro, este devem

visualizar o enfermeiro enquanto defensor da saúde de todos, comprometido com a profissão,

na justa medida que seja capaz de integrar os conhecimentos práticos aos conhecimentos

adquiridos em sua graduação, com a formação de um elo, que não se rompa com a inserção no

mercado de trabalho.

Mas em que medida esta realidade pode ser mudada, ao olharmos o mundo do trabalho

de uma forma geral? A precarização do cuidado, o objeto de trabalho do enfermeiro, escorre

por suas mãos, e torna-se pouco palpável, e indiscutivelmente ideal, sob a exploração do

capitalismo.

O enfermeiro dissociado de seu objeto de trabalho, da capacidade idealiza-lo, realiza-

lo e concretiza-lo, esta passa sofrer decorrente da expropriação de seu trabalho, e neste ponto

sob uma leitura marxista, as pressões acentuam as necessidades, faz-se crescer as carências, a

medida que o modo de produção capitalista coage o homem a trabalhar, na produção de mais,

para receber menos. Como já elaborado anteriormente os detentores dos meios de produção

acumulam e os executores perdem-se do produto de seu trabalho. O tempo despendido nesta

disputa entre o trabalhador e o capital desgasta a vida do homem, e não diferente de um

trabalhador da construção civil, os profissionais da saúde, aqui representados pelos

enfermeiros também gastam suas vidas.

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Esta manipulação a proveito do capital, do tempo de trabalho, da força de trabalho,

cega o individuo que não se vê instrumento de trabalho, e de alguma forma não pode

relacionar sua importância enquanto engrenagem desta máquina. O relato a seguir

apresentado, coloca o enfermeiro como ponto central de um processo ímpar, a produção do

cuidado, sendo que este assim caracteriza o trabalho do enfermeiro:

[...] é uma bagagem enorme, é sei lá dentro do âmbito hospitalar, e relacionado a

saúde mesmo, independente do local que o enfermeiro trabalhe, eu acredito que o

peso maior sempre cai sobre o enfermeiro, é incrível isso, porque é assim, em

relação aos técnicos ele tem que ser a referencia, em relação aos médicos também,

que médico nunca tá a par de toda a situação, então sobrou alguma coisa, então ah,

é o enfermeiro. O técnico, ah eu tenho um problema, ah, é o enfermeiro, então assim

é uma profissão que, que além de toda a bagagem teórica, que você tem que ter

durante todo o curso e até a experiência conforme você for trabalhando, você tem

que ter uma capacidade, de relacionamento, e de estar uma postura frente a equipe,

que eu acho que é impar. É bem diferente em relação as outras profissões da área

da saúde, porque por mais que você tenha uma equipe multidisciplinar, num

ambiente que você tá trabalhando, eu pelo menos vejo assim que o enfermeiro é

referencia, pra tudo. D.C. 02

A responsabilidade do enfermeiro o processo de trabalho na saúde, excede o cuidado,

o enfermeiro é percebido como ponto de intersecção entre os profissionais da saúde, como

demonstrado acima e no relato que se segue.

Acho que é uma responsabilidade muito grande, por que você é tudo, você é

psicólogo, você é meio médico, tudo. E é você cuidar do paciente, você ter aquela

responsabilidade de olhar o paciente com um todo, por que ele tá assim, se ele tá

com aquela doença, se por que, é problema em casa, na alimentação, enfermagem é

cuidado, cuidado integral ao paciente. D.C. 04

Sob a perspectiva do capital, é interessante que o trabalhador dissocie-se do seu ato

produtivo, e assim sem uma visão do todo, este passa ser um instrumento a serviço da

acumulação capitalista, como apresentado nas falas dos discentes de graduação este consegue

enxergar o papel fundamental do enfermeiro. Outro ponto dentro das estratégias capitalistas

para a alienação do trabalho é a divisão do trabalho, no sentido de desvalorizar e até mesmo

simplificar o trabalho individual, reduzindo a capacidade criativa e subjetiva do trabalhador,

visto que este não participando da concepção de seu trabalho não reflete sobre a tarefa a ser

executada (LUNARDI FILHO; LUNARDI; SPRICIGO, 2001).

Acreditamos ser este um fator contribuinte para a situação de precarização que o

trabalhador enfermeiro vivencia, pois este não consegue atingir o cuidado idealizado, sua

assistência parcela-se seja através da divisão intelectual do trabalho que acontece no que diz

respeito à presença de uma classe técnica, que executa a tarefa, ou seja, pela presença da

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divisão do trabalho da saúde, com a presença de diversos atores no cenário do cuidado. Sob

esta perspectiva por não conseguir visualizar sua contribuição na produção do cuidado, não se

vislumbra necessário a tal medida que possa engendrar lutas para uma mudança de

paradigma, considerando a precarização do seu cuidado.

A concepção do discente de graduação quanto à importância do trabalho do

enfermeiro, sua centralidade dentro do processo de produção do cuidado, esta representado

nas falas a seguir.

Eu acho que o enfermeiro do hospital ele tem que se responsabilizar pela

administração, da saúde pública ele aborda mais a comunidade em geral, as

condições de trabalho, as vezes as condições de trabalho eu acho que tem forçado

um pouco a responsabilidade dos enfermeiros, por exigir uma carga horária muito

alta de trabalho, sendo que o trabalho é muito duro né, dentro do hospital para o

enfermeiro, por que ele é responsável por uma série de, de uma equipe e tem que ser

responsável pelos atos desta equipe, então ele tem que treinar para que ele não

precise responder por algo, que aconteça dentro da instituição, então é isso, eu

acho que o enfermeiro da saúde pública então ele tem que abordar uma população

de certa quantidade de pessoas, então ele tem que ser treinado para poder saber

desenvolver as formas de abranger esse pessoal, então se ele não recebe uma boa

formação ele não consegue atingir essa população, e as metas do SUS de

abordagem ficam defasada, então, acho que o enfermeiro de saúde pública, tem sua

importância fundamental nas atitudes preventivas de saúde. D.C. 03

O enfoque dado neste relato diz respeito à concepção de como o discente compreende

a responsabilidade forçada a qual o enfermeiro responde no exercício legal da profissão, mas

principalmente em que medida esta é demasiadamente imposta se levar em consideração as

condições para execução do cuidado. Corroborando a fala apresentada acima, o discente a

seguir observa que a coordenação da equipe é a cargo do enfermeiro, e sua obrigação se dá

inclusive na observação dos outros atores como no caso do profissional médico.

[...] o enfermeiro é o que, na minha visão, é o coordenador, é o responsável, pelo

cuidado, é tão importante quanto o médico, tão importante porque, se não tiver esse

cuidado, não ia adiantar nada prescrever, antibiótico, prescrever medicamento se

não, vai dar infecção, vai complicar, o psicológico do paciente também não vai

ajudar, o apoio da família e tudo, o enfermeiro é, que vai faltar no hospital, que vai

gerenciar tudo, se não tiver o enfermeiro, não anda, e assim, é isso, e o bom

enfermeiro, é aquele que coordena, que tem visão, que dá atenção pro paciente

também, e que sabe fazer o exame físico, que sabe observar quando está ruim,

quanto que não tá, que dá o atendimento e não somente o procedimento. [...] No

início eu não sabia muito bem o que era ser enfermeiro, que ele tinha um pouco

mais de responsabilidade do que o técnico, e também não tinha toda a autonomia,

digamos assim, que agente vê. Eu não sabia que tinha tanta sobrecarga de trabalho,

e o estresse do médico, mas eu acho que é só. D.C. 05

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Ainda no que diz respeito às falas supracitadas e a centralidade do enfermeiro no

processo de trabalho na saúde, e do seu papel de gerente do trabalho Lunardi Filho, Lunardi e

Spricigo (2001, p. 96) refletem.

Há que se ressaltar que o enfermeiro, ao dedicar-se ao gerenciamento das tarefas

desempenhadas pelos demais membros da equipe de enfermagem, apesar do

controle que este lhe possibilita, seu raio de ação tem-se restringido,

fundamentalmente, aos aspectos inerentes à concepção do funcionamento

assistencial global, na unidade de trabalho, fugindo-lhe, na maioria das vezes, o

controle sobre os aspectos pertinentes à concepção e execução de cuidados em nível

individual, em posse de seus subalternos. Então, o enfermeiro, como gerente do

processo de trabalho da enfermagem, exerce o controle sobre seus subordinados,

porém, contraditoriamente, no exercício de tal função, assujeita-se aos desejos e ao

controle da direção, em detrimento de sua própria autonomia.

Ao compilar os vários pontos apresentados nas concepções dos discentes quanto ao

trabalho do enfermeiro, destaca-se o fato deste profissional ser de fundamental importância no

processo de produção do cuidado, o fato deste apresentar-se com uma responsabilidade

demasiadamente extensa sob o enfoque da responsabilidade pelo trabalho de outros, enquanto

gerente do cuidado, mas também se evidencia nos relatos as percepções destes discentes

quanto a exploração do trabalho, porém sem uma reflexão mais aprofundada do modo

capitalista de produção.

Torna-se impossível não questionar o porquê então do papel submisso desta profissão,

não somente no que diz respeito as suas relações de trabalho com outros atores do cuidado, no

caso o profissional médico, mas também a sua submissão a precarização do seu trabalho, que

ocorre de diversas formas, seja pelas extensas cargas horárias, pelas más condições de

realização do cuidado, pela má remuneração. Sendo ainda mais evidente quando comparado

aos ganhos salariais do profissional médico.

Para Lunardi Filho, Lunardi e Spricigo (2001), estas questões enunciadas tem uma raiz

que transcende a formação visto que este profissional está imerso em uma teia de relações de

poder, onde sofreu um processo de assujeitamento, marcado pela história através de seu

caráter vocacional, através da questão do gênero predominante da profissão, como fatores

indissociavelmente ligados a esta situação consentida. É fato que existe nos discursos da

formação deste profissional, um ideal de formação do profissional crítico, reflexivo,

politizado com autonomia, criatividade e liderança, contanto o que observa-se é um

profissional que sujeita-se e submete-se à determinações superiores e o julgo capitalista para

acúmulo do capital.

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A história desta profissão como abordado no primeiro capítulo deste trabalho, pode

esclarecer muitas questões relacionadas à submissão, porém é obrigação do enfermeiro ao

cumprir seu código de ética profissional (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM,

2007) em sua seção 1, artigo 10 dispõe sobre os direitos dos profissionais é interessante

ressaltar que este tem como direito recusar-se a executar atividades que não sejam de sua

competência, mas principalmente é direito deste recusar a executar atividades que não sejam

capazes de oferecer segurança ao profissional, à pessoa, à família e a coletividade.

Sob este aspecto, destacamos que o argumento supracitado também reforça como este

profissional ao submeter-se a formas precárias de trabalho, seja através dos contratos de

trabalho, ou mesmo na precariedade de materiais para execução do cuidado, não está ele

contrariando o próprio código de ética profissional. Afinal em que medida as consequências

das formas precárias em que seu cuidado se dá pode afetar negativamente o indivíduo a ser

cuidado, ou até mesmo ele profissional ao desgastar-se, estressar-se, a ponto que suas

atividades laborais possam ser prejudicadas, implicando em dano?

Na formação deste discente estas questões poderiam ser discutidas mais a fundo,

perfazendo um resgate histórico dos fatos, mas sob um olhar de crítica ao sistema hegemônico

imposto, que descaracteriza o trabalho sob diversas formas, expropria a atividade intelectual,

prazerosa, e engendra formas cada vez mais duras para a acumulação de capital, sendo que a

área da saúde não se difere de outras, mas sim acrescenta o fato de seu trabalho ser executado

em um indivíduo.

4.3.1 Além do ideal e o real está o trabalho no setor público e no setor privado –

considerações quanto a precarização.

Em continuidade as ideias expostas anteriormente, destacaremos além a concepção

dos discentes de graduação quanto ao trabalho do enfermeiro, as impressões do que é precário

para este, observamos que o conceito apresentado tende a prática dos atos de cuidar, porém

não deixam de expressar suas impressões sobre carga horária de trabalho, diferenças salariais,

condições materiais para a realização do cuidado, e as diferenças percebidas no âmbito da

saúde no setor público e no setor privado, refletindo-se em qualidade da assistência prestada.

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Assim o conceito de trabalho precário como apresentado no capitulo anterior está

ligado às formas diversas e flexíveis de contratação, porém estas formas flexíveis podem

tornar-se precárias em relação a direitos do trabalhador. E ainda sob o ponto de vista de

Baraldi (2005) sobre o que considera trabalho precário, como uma descaracterização do

trabalho no que diz respeito a recursos disponíveis para a realização do cuidado, compõe

como apontado pela autora uma forma de trabalho precário, na medida em que o trabalhador

não pode reconhecer seu trabalho em seu amplo sentido, de satisfação, de instrumentos

necessários para sua execução, afetando diretamente na qualidade do cuidado prestado.

Vislumbramos ao questionar os alunos sobre o que estes conhecem do trabalho do

enfermeiro, das condições de trabalho e da precariedade da mesma, a existência de duas

vertentes, como apontado no título deste tópico, este discente por realizar suas práticas tanto

em âmbito da saúde pública, como na hospitalar, em instituições públicas e particulares,

revelou aspectos contraditórios e interessantes quanto a precarização, levando em

consideração os conceitos acima apresentados.

Ai tem duas coisas, depende da instituição que você está trabalhando, acho que vai

muito disso, independente da instituição, acho que hoje o enfermeiro não tem

salário bom, principalmente porque você não deixa de comparar com o salário de

um médico, um médico vai ganhar quinze vinte mil, então você compara, agora as

condições depende da instituição, porque tem instituição, dá pra colocar nosso caso

aqui, eu to estagiando em instituição pública, lá você não precisa se preocupar com

material, você não precisa se preocupar com, assim, quanto você vai gastar pra

fazer um procedimento, então você consegue fazer um trabalho mais eficaz, mais

cuidar certinho de tudo, agora quando você vai numa instituição privada, você tem

que ficar cuidando e você tem a cobrança, da instituição que diz assim, não gasta

mais que isso, não faz mais que isso, porque se acontecer você vai ter que tirar do

seu bolso, e você vai ter que fazer isso, intão isto varia, mas, em termo de tempo

tanto na pública, quanto na privada, você vai ter que fazer 12 por 36, as vezes tem

que fazer um plantão extra, para cobrir alguém, porque tem muita falta, mas é, pra

quem gosta, não pode desistir. D.C. 01

Apresentamos o relato acima destacando aspectos apontados por quase a totalidade

dos relatos, sendo estes a diferença salarial entre médicos e enfermeiros, as diferenças

materiais em relação ao serviço público e privado, e a carga horária imposta a esses

profissionais. Mas também um trecho repetiu-se nos relatos, e que foram marcantes aos

discentes iniciantes, ou seja, a submissão à forma precária como o enfermeiro está inserido no

processo de trabalho na saúde, com um tom de conformismo, baseado em um gostar,

distanciando novamente as questões de luta por melhores condições de trabalho. Assim

também apresentamos em destaque no trecho a seguir.

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[...] eu adquiri conhecimento, adquiri bagagem teórica, e prática, dentro do curso

de enfermagem, agora eu acho que se eu não tivesse esse apreço, esse cuidado com

as pessoas, eu teria que desistir do curso [...] as opções que estamos tendo ao sair

da faculdade eu acho que o salário do enfermeiro poderia ser melhor comparado ao

salário da medicina por exemplo, por que a responsabilidade é maior, um médico

ele tem que fazer um diagnóstico, mas quem vai prestar esse cuidado, quem vai

acompanhar esse tratamento? Quem vai fazer essa pessoa seguir ou não esse

tratamento? É o enfermeiro. Quem vai ser responsável por uma atitude de

enfermagem errada, pela equipe é o enfermeiro. Então eu acho que as condições de

trabalho são defasadas, eu acho que o enfermeiro deveria sim receber um salário

maior, deveria ter uma carga horária um pouco reduzida, para que pudesse prestar

um cuidado de maior qualidade [...] D.C. 03

Para Padilha et al (1997) a questão do apreço ou vocação para o cuidado tem um

caráter histórico, já apresentado, e o papel dócil dos profissionais enfermeiros refletem-se

ainda na diferença salarial percebida como discrepante, mais precisamente no que diz respeito

ao salário do profissional médico, de certa forma ligado ao conformismo do enfermeiro

(PADILHA et al, p. 25).

Estudos mais críticos foram publicados a partir da década de 80, com uma

preocupação em compreender a enfermagem como parte de um processo histórico,

social, cultural, político e educativo, analisando e denunciando de modo mais nítido

a conduta humilde, conformista e dócil das enfermeiras nas relações com quem

representa o poder, contrário a sua conduta autoritária, frequentemente assumida nas

relações com os demais elementos da equipe de enfermagem. Não obstante, grande

parte desses estudos é restrita à enfermagem “nightingaleana”, a qual só se tornou

realidade no Brasil, com a criação no Rio de Janeiro, da Escola de Enfermeiras do

Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1923.

Assim o que existe hoje na enfermagem, é uma herança decorrente de uma profissão

que historicamente foi feminina, vocacional e não linear estes fatores influenciaram e ainda

influenciam a ação dos profissionais no que diz respeito a lutas por direitos, sejam salariais,

contratuais e de execução das atividades do cuidado. O discurso e comportamento baseado em

estereótipos das enfermeiras também esta contido nas falas de outros profissionais como o

profissional médico, como demonstra o estudo de Padilha et al (1997, p. 27).

O momento em que Nightingale cria a profissão de enfermagem na Inglaterra

coincide com as transformações evidenciadas por Foucault no ambiente hospitalar,

estabelecendo o vínculo entre o saber de enfermagem e o saber médico, numa

situação de subordinação. Acreditamos que o fato desta relação se estabelecer (na

maioria das vezes) entre gêneros diferentes, com a predominância específica do

gênero feminino para a enfermagem e até bem pouco tempo do gênero masculino

para a medicina, tem um peso significativo na forma como se relacionam esses

profissionais.

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Buscando elaborar a questão submissão desta profissão, podemos perceber que as

raízes são profundas e históricas, consideramos relevante abordar ainda que o gênero

feminino também tem uma história de preconceitos e estereótipos tão antiga quanto à

humanidade, assim corroborando a isto Spindola e Santos (2005, p. 157) coloca alguns fatores

comuns entre o ser mulher e a enfermagem.

Quanto à enfermagem como opção profissional decorre do fato de ser uma profissão

de mulheres, do gênero feminino, que envolve representações sociais inerentes às

"características" da mulher ideal numa sociedade ainda dominada pelos homens, tais

como: submissão, abnegação, disciplina, pureza, humildade e domesticidade. Assim

sendo, foi só deslocar uma cultura pronta, que era da mulher, mãe e esposa no

espaço privado cuidando da casa, dos filhos e do marido, para o espaço público:

substitui-se, neutralizando, a casa pelo hospital, os filhos pelos sujeitos do cuidado,

o povo e o marido pelo médico.

Finalizando a ideia da hegemonia médica Padilha et al (1997, p. 31, negrito do autor)

finaliza seu estudo constatando algo que pretendemos demonstrar até aqui.

No passado e no início deste século, o poder disciplinador das palavras contidas no

discurso médico auxiliou na forma como foi modelado e docilizado, com a ajuda da

Igreja, o comportamento daquelas que eram eleitas para cuidar dos doentes e manter

a organização do espaço hospitalar. É a formação profissional da enfermeira

modelada pelo discurso médico construindo imagens estereotipadas e demarcadas

pelas enfermeiras “nightingaleanas”, e que foram se constituindo em modelos de

comportamento desejado e até mesmo esperado pela equipe de saúde e pela

sociedade a quem prestamos serviço. As características marcantes no

comportamento da enfermeira eram o silêncio, a cortesia, a obediência e o espírito

de servir ao próximo sem esperar recompensa. A enfermeira foi se configurando

como o detalhe branco e silencioso, presente e indispensável, distante e impessoal,

contida e contendo, obediente e servil – mulher ocupando o espaço público para o

trabalho, mas ainda privada da liberdade de ser, fazer e sentir como desejasse.

Dessa forma ainda que exista a presença do gênero masculino no trabalho em

enfermagem é relevante destacar esses aspectos para procurar compreender a dinâmica das

relações dos trabalhadores. Podemos então suscitar pontos relativos à defasagem entre os

salários dentro da área da saúde, destacando o médico, também ligado a uma hegemonia

histórica conforme abordado no segundo capítulo deste trabalho, visto que tratam de

profissões distintas, dessa forma não há como comparar a questão salarial médica e da

enfermagem, porém questionar a melhoria salarial é fundamental.

Assim não somente das questões salariais entre os profissionais consistiram as falas

dos discentes, mas estes apresentaram ainda uma diferença em relação ao trabalho nas

instituições públicas e privadas, sendo que os salários mais altos consideram as públicas e

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também a questão da execução do cuidado, em relação ao aporte material. Diferentemente do

que ocorre no privado, como demonstrado pelo discente D.C. 01 e no relato de D.C. 05.

[...] agora as condições depende da instituição, porque tem instituição, dá pra

colocar nosso caso aqui, eu to estagiando em instituição pública, lá você não

precisa se preocupar com material, você não precisa se preocupar com, assim,

quanto você vai gastar pra fazer um procedimento, então você consegue fazer um

trabalho mais eficaz, mais cuidar certinho de tudo, agora quando você vai numa

instituição privada, você tem que ficar cuidando e você tem a cobrança, da

instituição que diz assim, não gasta mais que isso, não faz mais que isso, porque se

acontecer você vai ter que tirar do seu bolso, e você vai ter que fazer isso [...] D.C.

01

Depende muito do lugar e da condição, se ele trabalha no particular, ele tem que

economizar material, a ter pouca verba pro pessoal dele, atender muito, muito,

excelentemente bem todos os clientes, todos os clientes bem, porque qualquer coisa

reclama, mais exigente mesmo, e no SUS, tem que também atender muito bem,

porque, porque se não nossa, no estágio do boa esperança lá, meu deus, você

atendendo muito, muito, muito bem as pessoas ainda, só porque é SUS, ainda tem

ainda aquele preconceito de que não é bom, de que vai atender de qualquer jeito, de

que vai fazer de qualquer jeito, de que não tem consideração pela pessoa, então eles

já chegam com aquela visão, então eles já chegam meio bravo, entendeu? D.C. 05

Percebe-se em ambos os relatos as diferenças materiais, e o resultado no cuidado,

quanto se trata de maior cobrança pela instituição privada, porém sem garantir um cuidado

feito com qualidade, e na instituição pública o cuidado pode ser melhor executado, visto as

condições materiais. Neste sentido Anselmi, Angerami e Gomes (1997), realizaram um estudo

sobre a rotatividade dos profissionais da saúde na cidade de Ribeirão Preto, tanto em

instituições públicas como privadas, destacando os seguintes pontos (ANSELMI;

ANGERAMI; GOMES, 1997, p. 49).

No tocante aos hospitais privados onde a lógica predominante é a de mercado, em

que a produtividade deve traduzir matematicamente o uso mais eficiente entre

capital e trabalho na busca de maximização dos lucros e minimização dos custos, o

trabalhador, assim como os demais recursos produtivos, pode ser manipulado no

sentido de conter ou estimular os desligamentos, conforme estes afetem a

produtividade organizacional. A rotatividade encontrada nestas instituições, para

algumas em níveis comprometedores, leva-nos a refletir acerca das bases ou critérios

que alicerçam a produtividade. Em algumas instituições filantrópicas e privadas, o

mecanismo de redução e controle de custos foi supostamente a própria rotatividade,

com a substituição de categorias mais qualificadas, com salários maiores, por

categorias sem preparo formal e de menor custo, como os atendentes.

Lógica de mercado, exploração capitalista, eis o contexto que a enfermagem e as

outras profissões da área da saúde estão inseridas, sob esta lógica esta também o paciente que

necessita dos atos de saúde, e que sofre as consequências da precarização através da

insegurança de ser receber cuidado integral, efetivo e eficiente, e ao profissional resta

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submeter-se ao que tem para manter sua sub-existência, mais ainda submisso do que a história

já lhe imprimiu, visto que a esta lógica de mercado, está também a competitividade e a

possibilidade de perda do emprego, com danos salariais mais expressivos.

Dentre os apontamentos dos discentes sobre o que acreditam ser precarização estão as

formas de utilização do tempo de trabalho, ou seja a jornada de trabalho extenuante que este

imprime no seu dia a dia. Assim representada nos relatos a baixo.

Querendo ou não eu sei mais do que hoje agente ve na prática, só que assim, eu

acredito que não é o ideal, as condições que agente encontra não são as ideais

porque, pelo menos aqui, são plantões de 12 por 36 nos hospitais, o salário não é o

melhor do mundo, então o profissional vive trocando plantão, as vezes fica 24

horas, 36 horas, então, ao meu ver isso não é favorável, porque chega um momento

que você não rende mais, e você já ta num ambiente, que querendo ou não você está

com tudo nas suas costas, então são inúmeros pacientes, sabe, uma, duas, três

enfermarias, que você tem que estar atento e você tem que estar responsável por

aquilo, então. E também a questão de os hospitais aqui também, a estrutura também

não é a melhor, recursos materiais também é muito falho ainda, então o enfermeiro

ele trabalha no limite ali, ele faz o que pode e o que não pode, pra prestar uma

assistência o mais próximo do adequado, pro paciente. D.C. 02

São precárias, muito precárias. O salário, não é valorizado. A carga horária, 40

horas semanais, é puxado. A estrutura, vamos dizer assim, não dá condições para

ele, poder trabalhar, para ele poder fazer, o atendimento correto, que muitas vezes

não tem material, falta material, falta a equipe, falta o técnico atender aquele

paciente, falta médico, então não é só o salário que está ruim, é toda a estrutura.

Pelo o que agente aprendeu e pela prática que agente tem realidades muito

diferentes, que você aprende a fazer de uma forma, e que chega lá você tem que

improvisar, você tem fazer de uma maneira diferente, então [...] D.C. 04

Assim iniciava Pires (2009, p. 659) a redação do editorial da Revista Brasileira de

Enfermagem.

Este número chega aos leitores em um momento histórico de grande mobilização

pela aprovação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei 2295/2000, que limita a

jornada de trabalho dos profissionais de Enfermagem em 30 horas semanais.

Esperamos fechar o ano de 2009, com a conquista da definição deste padrão mínimo

requerido para o desenvolvimento de um trabalho seguro para os profissionais de

enfermagem e para os usuários dos serviços de saúde. Trata-se do resgate de uma

dívida do Estado brasileiro para com este grupo profissional que desenvolve um

trabalho tão importante quanto a própria vida.

Porém desta forma Pires et al (2010, p. 116) vai finalizando seu artigo a respeito das

sonhadas 30 horas semanais da jornada de enfermagem.

Em outubro de 2010, o empenho das entidades e as fortes mobilizações da

enfermagem conquistaram a inclusão da reivindicação de regulamentação da jornada

de trabalho na agenda das eleições para a presidência da República, com

posicionamento favorável dos candidatos que disputavam o segundo turno. Nesse

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novo cenário, aumentam as possibilidades de aprovação do PL 2295/2000 ainda

nessa legislatura.

Não há argumentos quanto aos benefícios que uma jornada justa e medida do trabalho

da enfermagem trariam ao usuário da saúde. Assim também os relatos dos discentes

apresentados anteriormente denotam o quão este trabalho é prejudicado ao ocorrer no formato

em que se encontra, mas principalmente como a percepção do trabalho do enfermeiro como

árduo, e estafante é observado por eles, mesmo antes de estarem definitivamente inseridos no

contexto prático.

A luta pela enfermagem em um contexto de 30 horas semanais de trabalho, é um ponto

fortalecedor para a profissão, no contexto social principalmente, pois trata-se do

reconhecimento do trabalho que se realiza em condições diferenciadas, necessitando que sua

prática ocorra de forma segura. Por trabalhar com a dor, conviver com o sofrimento,

enfermidades, em turnos extensos, durante feriados e finais de semana, são somente alguns

pontos, quando comparado às más condições para o trabalho, o excesso de responsabilidade e

a pouca valorização tanto salarial quanto social, levam o profissional experimentar-se doente,

além dos altos índices e absenteísmo na profissão (PIRES et al, 2010).

Há doze anos a enfermagem luta pela jornada de trabalho de 30 horas, não contando o

tempo decorrido desde a aprovação da Lei do Exercício Profissional, que teve como único

ponto vetado, justamente a jornada de trabalho de 30 horas, compatível com a situação em

que este trabalho se dá. O mais importante desta medida seria sacramentar algo que parece

óbvio e normal a todos os profissionais da saúde, ou seja, a garantia do cuidado prestado de

forma segura, além disso iniciar uma desprecarização do trabalho da enfermagem, no que diz

respeito as formas justas de contratação, e assim permitir que este não necessite desenvolver

duplas jornadas de trabalho, que atualmente consistem em cerca de 88 horas semanais (PIRES

et al, 2010).

Refletindo sobre o exposto acima, não é possível cuidar desta forma, não é possível

viver desta forma, mas é a realidade de muitos profissionais da saúde, não somente o

enfermeiro há ainda os que se sujeitam a plantões noturnos e diurnos, possibilitando períodos

de sono a cada 24 horas apenas.

Finalizo a expropriação percebida do trabalho humano pelo capital, com Antunes

(2001, p. 44).

Neste sentido, desregulamentação, flexibilização, terceirização, downsizing,

“empresa enxuta”, bem como todo esse receituário que se esparrama pelo “mundo

empresarial”, são expressões de uma lógica societal onde tem-se a prevalência do

capital sobre a força humana de trabalho, que é considerada somente na exata

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medida em que é imprescindível para a reprodução deste mesmo capital. Isso porque

o capital pode diminuir o trabalho vivo, mas não e l i m i n á - l o. Pode intensificar

sua utilização, pode precarizá-lo e mesmo desempregar parcelas imensas, mas não

pode extinguí-lo. Estas consequências no interior do mundo do trabalho evidenciam

que, sob o capitalismo, não se constata o fim do trabalho como medida de valor,

mas uma mudança qualitativa, dada, por um lado, pelo peso crescente da sua

dimensão mais qualificada, do trabalho multifuncional, do operário apto a operar

com máquinas informatizadas, da objetivação de atividades cerebrais. Por outro

lado, pela intensificação levada ao limite das formas de exploração do trabalho,

presentes e em expansão no novo proletariado, no subproletariado industrial e de

serviços, no enorme leque de trabalhadores que são explorados crescentemente pelo

capital, não só nos países subordinados, mas no próprio coração do sistema

capitalista.

A enfermagem experimenta não o fim da natureza de seu trabalho, o cuidado, mas sim

uma mudança qualitativa do mesmo, sob a forma da precarização, sendo esta não restrita

unicamente aos contratos de trabalho, mas principalmente em um não reconhecer sua prática,

e um não reconhecer-se enfermeiro, sob o julgo capitalista. Porém não somente com um tom

conformista e de submissão a realidade desta profissão deve manter-se na inércia, mas sim

utilizar de seus apoios legais, seja através do seu código de ética, seja através das melhorias

na formação do aluno crítico e reflexivo, mas principalmente na tentativa de extrair os pontos

negativos deixados da história desta profissão, e permitir que uma nova história possa ser

construída, imersa em conceitos reflexivos da prática e atitudes efetivas para implementação

real.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com esta dissertação versamos sobre o trabalho da enfermagem, sob a percepção dos

discentes do curso de graduação em enfermagem, estes alunos pertenciam a distintas etapas

da formação profissional, sendo os alunos que haviam acabado de adentrar a universidade, e

os alunos que estavam na última etapa do curso, no nono semestre de graduação.

O enfoque dado ao trabalho teve como principal apoio a escolha profissional feita

pelos discentes, fundamento para tecermos algumas considerações sobre a prática profissional

da enfermagem, confrontando paradigmas, na tentativa de desvelar as concepções que

discentes iniciantes e concluintes do curso de graduação em enfermagem têm sobre o que é a

profissão e tecer considerações entre estas concepções e a precarização do trabalho na saúde e

na enfermagem.

A relevância desta pesquisa encontra-se no tocante as concepções dos alunos em

relação ao trabalho do enfermeiro, voltando-se para uma reflexão real das condições precárias

da execução do cuidado de enfermagem, que refletem diretamente na qualidade do cuidado a

ser prestado.

Valemo-nos do referencial do materialismo histórico dialético para tratar questões

referentes à produção e reprodução material da vida humana nos diferentes contextos

históricos, desta forma o trabalho emerge como tema central desta dissertação, em um

contexto assumido por esta profissão.

Baseado em um contexto histórico a enfermagem e o trabalho percorreram um longo

período sob diversos olhares, o cuidado mudou em seu sentido conceitual, mas principalmente

da forma como foi entendido e assumido nos diversos momentos históricos, e assim o

trabalho nos diferentes modos de produção também assume diversos enfoques, porém é com o

capitalismo que se apresenta de modo alienante, o trabalhador neste contexto não é mais dono

de seu trabalho, mas sim força de trabalho que é comprada para o ganho do capital.

A enfermagem, a saúde e cuidado possuem pontos dentro da história determinantes

para a construção dos saberes práticos e teóricos. Assim para entender este contexto histórico

utilizamo-nos de autores da história da profissão como Padilha (2011, 1997, 1998), e através

de sua leitura observamos que as formas que o trabalho da enfermagem assumiu durante toda

a história, tendo como ponto de profissionalização o legado de Florence Nightingale, foram

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determinantes e fundamentais para a compreensão das concepções trazidas pelos alunos de

graduação, com ênfase maior no aluno iniciante na graduação em enfermagem.

Ainda em nossa leitura foi fundamental abordarmos o trabalho sob a visão de Marx

(1982, 1987, 1998, 2003, 2004 e 2007) para entendermos o trabalho em seu sentido

ontológico, como este foi modificado baseado nos modos de produção vigentes em diferentes

períodos, mas principalmente nos utilizarmos de sua crítica ao capitalismo, e de sua

concretude tão contemporânea.

Outros autores que corroboram com as ideias de Marx, considerados então marxistas

também foram de fundamental importância e que permitiram aproximarmos do mundo do

trabalho, entre eles podemos citar Frigotto (2009, 2001, 2006), Braverman (2001), Antunes

(2004, 1999) e Cattani (1997, 2002, 2009).

Destacamos ainda que o conceito do trabalho compreendido por esta autora no inicio

de sua jornada na educação muito se diferenciava da apreendida no momento, e os autores

com enfoque no trabalho porém na saúde, foram fundamentais para a construção deste texto,

principalmente por conseguirem integrar a crítica marxista dentro do trabalho em saúde, com

uma linguagem peculiar e por vezes mais fácil.

Trabalhamos então os conceitos de trabalho em saúde, reestruturação produtiva na

saúde e precarização na saúde, com auxilio e leitura vigorosa dos trabalhos de Merhy (2002,

1997) e Pires (2006, 1989, 2008) além de outros tantos artigos publicados por estes autores

conduziram a discussões e reflexões aproximando-nos do nosso objeto de estudo.

As questões que pretendemos responder com este estudo remetem a desvelar a

concepção dos discentes ingressantes no curso quanto a sua escolha profissional, e neste

ponto chegamos as considerações quanto a uma escolha profissional entremeada de aspectos

caritativos, de doação e vocação, inclusive com cunho religioso, apresentando o enfermeiro

como um ser ideal, quase que divino.

Refletimos ainda nestas falas como a escolha precoce da profissão, encontra-se

flutuando em um imaginário ideal, onde o cuidado assume para este discente ingressante o

sinônimo de ajuda. Observamos então que através da história da profissão esta visão foi

marcada pela submissão a Igreja e a hegemonia médica.

Ainda tratando-se dos discentes ingressantes um fato marcante foi apresentação da

forma de trabalhar do enfermeiro, no que diz respeito a precarização do processo de produção

do cuidado, como sendo algo normal para este profissional, não havendo por parte do discente

uma contestação da submissão deste profissional a esta prática precarizada, sem ideais de

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embates ou de luta para uma mudança, mas principalmente como a precarização foi concebida

como sinônimo de improviso dentro do processo de trabalho da enfermagem.

Desta forma isso muito nos chamou a atenção, principalmente enquanto docente do

Curso de Graduação em Enfermagem, pois percebemos uma leitura irreal dos fatos, onde este

profissional esta sob esta condição de improviso devido as formas de trabalho precário a que

está exposto, e o conformismo destes discentes implica em manutenção do caráter submisso

desta profissão. Sendo importante dentro dos espaços pedagógicos de formação uma leitura

crítica e reflexiva da realidade, trazendo este profissional regido sob o modo capitalista de

produção, sendo este explorador, desapropriador e construtor de um trabalhador aliena sem

força de luta.

Outra questão pretendida neste estudo foi quanto às concepções desses acadêmicos

agora no último semestre de graduação, perpassado as aulas teóricas e as práticas em campo,

seja no âmbito hospitalar quanto no âmbito da saúde pública.

Assim percebemos as representações de um cunho profissional sem muitos resquícios

da prática caritativa colocado pelos discentes ingressantes, sendo que em sua maioria as

concepções apontaram contrária a dos primeiros. Sob esse olhar da profissão perpassado todos

os pontos chaves da formação, estão concepções carregadas de responsabilidade, excesso de

atividades, e obrigações, com um caráter de gerência, também resultado da divisão técnica do

trabalho na enfermagem, do enfermeiro.

O cuidado passa a ser entendido como objeto de trabalho do enfermeiro, diferenciando

e entendendo que são trabalhos distintos, os exercidos pelo profissional enfermeiro e o

profissional médico, onde estes podem integrar a mesma equipe em torno da produção dos

atos de cuidado, porém não há uma relação de supremacia entre uma profissão e outra.

Fato este que se colocado confrontado as concepções dos discentes iniciantes é

completamente diferente, visto que este identifica o trabalho do enfermeiro como sendo o de

obedecer ao médico, também com uma forte representação histórica.

A formas de precarização do cuidado pelos discentes concluintes reflete-se em baixos

salários, jornadas longas de trabalho, e a precarização do seu ato de cuidar, no que diz respeito

a realização de suas práticas assistenciais.

A concepção do discente concluinte apresenta ainda um caráter de reflexão quanto as

condições reais e ideais da enfermagem, quanto ao que acontece em sala de aula e as reais

formas precárias em que ocorrem os atos do cuidado, juntamente a este fator, as diferenças

entre a realização dos atos de cuidar nas instituições públicas e particulares é abordado, com

ênfase a baixa qualidade da assistência prestada, quando há uma cobrança por economia de

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materiais, no caso da instituição particular, e como esse pode ser executado no setor público

de forma melhor.

Todas as concepções apresentadas ao longo deste trabalho, não tinham como pretensão

tecer uma comparação, visto que são dois grupos distintos, expostos a fatores diferentes, logo

com concepções diferentes no que diz respeito ao trabalho da enfermagem, porém foi

essencial para demonstrar aspectos comuns que podem correlacionar a história desta profissão

à submissão e falta de ação percebida destes futuros profissionais e as formas precárias de

produção do cuidado.

Assim a descaracterização do ato de cuidar seja no início do curso ou no final, pode

em alguma medida ser resultado do processo formativo destes profissionais, que ainda não

conseguiram apesar de tão distante temporalmente dos fatos marcantes da história desta

profissão, superar seus paradigmas, tentar mudar sua realidade enquanto sob o modo

capitalista de produção.

Levando em consideração o perfil do profissional que se pretende formar, atendendo

as propostas curriculares descritas no interior deste trabalho, ou seja, um profissional que seja

crítico, reflexivo, humano, atenda de forma geral a população, os agravos de saúde, seja

qualificado para o exercício da profissão, primando pela ética e cientificidade da prática do

cuidado e que ainda possa intervir sobre as situações/problemas de saúde-doença, responsável

e compromissado com a cidadania e com a promoção da saúde do ser humano, é

imprescindível que sua formação contribua efetivamente para este fim.

Não pretendemos colocar como única forma de redenção da atual condição da

profissão somente a formação desses discentes de graduação em enfermagem, visto que o

modo de produção capitalista forja amarras a toda a sociedade, mas também é o que sustenta a

subsistência desses profissionais, ainda que de forma precária. Porém vimos como ponto

primordial a ser trabalhado nos cursos de graduação em enfermagem a crítica e a reflexão

tanto instituída pelos projetos de curso e diretrizes, onde os docentes destas instituições de

ensino superior possam também libertar-se de currículos defasados, através de efetivas

discussões sobre práticas pedagógicas que permitam a ação-reflexão-ação, para a construção

de soluções ou alternativas a atual degradação do cuidado imposta pela lógica do sistema.

Enquanto propostas deste trabalho refletimos sobre a necessidade de mudança no foco

de discussão do cuidado, não somente como algo ideal, mas como algo que socialmente é

essencial, e fundamental para a manutenção da vida humana, e que não pode permanecer

submisso e conformado com a precarização de sua prática, visto que se perde de sua

subjetividade e separa-se do seu objeto de trabalho, o cuidado.

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159

APÊNDICE 1 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES

INGRESSANTES

1 – Porque optou pela Graduação em Enfermagem?

2 – Descreva como foi o seu ingresso no curso?

3 – O que você acredita significar ser enfermeiro?

4 – Fale o que você sabe sobre o trabalho de enfermagem e as condições trabalho?

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APÊNDICE 2 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES

CONCLUINTES

1 – Porque optou pela Graduação em Enfermagem?

2 – Descreva como foi o seu ingresso no curso?

3 – O que você acredita significar ser enfermeiro?

4 – Fale o que você sabe sobre o trabalho de enfermagem e as condições trabalho?

5 – O que você acredita ter mudado em sua concepção sobre o trabalho em enfermagem desde

o início da graduação?

6 – Sua concepção sobre o trabalho em enfermagem sofreu influências?

Se sim. Quais influências você acredita ter sofrido?

Se não. Por quê?

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161

APENDICE 3 – TERMO DE CONSCENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa intitulada “ A

enfermagem enquanto profissão: as concepções dos acadêmicos quanto ao trabalho e sua

precarização” . Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte

do estudo, assine ao final deste documento, que está me duas vias, uma delas é sua e a outra é do

pesquisador responsável. Em caso de recusa você não terá nenhum prejuízo em sua relação com o

pesquisador ou com a instituição que recebe assistência. Em caso de dúvida você pode procurar o

Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller – UFMT, pelo telefone (65) 3615

8254. O objetivo deste estudo é conhecer às percepções dos discentes de graduação em enfermagem

tem sobre a profissão ao início e ao término deste curso, e assim relacionar estas falas com as formas

de precarização do trabalho nesta profissão. Sua participação nesta pesquisa consistirá em conceder à

pesquisadora uma entrevista na qual você referirá qual motivo o levou a escolher esta profissão, com

ênfase no seu conhecimento sobre o trabalho nesta área baseado em suas experiências, lembrando que,

as entrevistas serão gravadas em um gravador digital, e transcritas de forma literal, não utilizaremos

fotos ou outras formas de mídia visual. Não há risco quanto a participação nesta pesquisa, visto que

estaremos trabalhando apenas com respostas das questões norteadoras. Os benefícios para você

enquanto participante da pesquisa, não serão imediatos, mas posteriores, e se darão através das falas

mencionadas pelos sujeitos que em um futuro próximo poderão ser utilizadas para traçar novas formas

de tratar assuntos como a valorização do trabalhador e do trabalho na enfermagem, e nortear melhores

formas de abordar estes temas nos cursos de graduação para os futuros profissionais. Os dados

referentes à sua pessoa serão confidenciais e garantimos o sigilo de sua participação durante toda

pesquisa, inclusive na divulgação da mesma. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar

sua identificação e para tal utilizaremos pseudônimos, garantindo assim o sigilo e anonimato. Você

receberá uma cópia desse termo onde tem o nome, telefone e endereço do pesquisador responsável,

para que você possa localizá-lo a qualquer tempo. Seu nome é Luciene Mantovani Silva Andrade,

Docente do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus

Universitário de Sinop e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, como telefone para

contato (66) 9995 4226, e-mail: [email protected] ou [email protected]

Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e verbalmente

dos objetivos desta pesquisa e em caso de divulgação por foto e/ou vídeo AUTORIZO a publicação.

Eu, ..........................................................................................................................., idade:...........

sexo:...............Naturalidade:......................................................portador(a) do documento RG

Nº:.................................declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na

pesquisa e concordo em participar.

Assinatura do participante

(ou do responsável, se menor):

.......................................................

Assinatura do pesquisador principal: ................................................................................................

Testemunha*

............................................................................................

* Testemunha só é exigido caso o participante não possa por algum motivo, assinar o termo.

Data (Cidade/dia mês e ano) ____________ ___ de ______________de 20___

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162

APENDICE 4 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES INICIANTES

Entrevista Nº 01

PORQUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM?

Hum a Enfermagem, por que... a enfermagem pra mim é assim desde quando eu me conheço

eu gosto de tá assim mexendo com gente com... doente, assim. Ai na época em que meu irmão

no caso veio falece né... na época o meu padrasto também tava... tava internado ficou acho

que 40 dia no hospital... ai eu tinha que dá banho, não conseguia tomar banho, tão aquilo

tudo assim já me ainda aumentou muito mais do que a vontade que eu já tinha, sentia de

fazer enfermagem só que eu não podia fazer porque tinha os filhos que estudavam e eu tinha

que trabalhar pra...

MAS ASSIM VC CONHECIA A PROFISSÃO OU VOCÊ SÓ CONHECEU ATRAVÉS DO

HOSPITAL? Não, o ato de cuidar desde de quando assim... do meu casamento, quando eu

casei que tinha 14 para 15 anos, é.. o esposo tinha farmácia, é era no Peixoto, então mas eu

sempre, nunca ficava, eu sempre tava levando um pro hospital, outro... aquela coisa de tá..

ENTÃO VOCÊ SEMPRE ESTEVE ENVOLVIDA ... sempre com pessoas com problemas de

saúde, é assim que... não ... sem entender né...mas assim sempre no que eu podia ajudar, tipo

tá levando, trazendo, cuidando, correndo atrás de um medicamento.

E ASSIM O TRABALHO NA ENFERMAGEM O QUE VOCÊ ACHA QUE É?... que que eu

acho que é? Aí, independente da pessoa, independente né, do que seja né, é cuidar eu assim

eu acho assim, eu quero ver aquela pessoa boa, entendeu, ai se aquela coisa de você, poder

ter feito alguma coisa, não assim, dó, as vezes eu falo assim eu não tenho, não é porque eu

não tenho dó, é porque eu sei que aquilo ali vai fazer bem, tipo fosse pra aplicar uma injeção

num filho meu, geralmente tem mãe assim que chora, eu já não... eu aplicava porque sabia

que se o médico mando com dois dias vai tá boa... eu não tinha dificuldade nessa parte não.

ENTÃO ANTES DE VOCÊ RESOLVER ESCOLHER A ENFERMAGEM MESMO VOCÊ

CHEGOU A FAZER ESSE TIPO DE COISA, COMO APLICAR INJEÇÃO?...sim que eu

trabalhava na farmácia daí, é... lá geralmente lá, naquela região... ah, tem que eu acho que

deixa eu ver, deve tá com quinze anos, que nós tamo aqui, então lá, nas farmácia, aplicava

soro pra malária, fazia tratamento assim,então na farmácia, assim... então isso eu gostava de

fazer...

FALA PRA MIM COMO É QUE ACONTECEU, QUE VOCÊ VIR PRA CÁ, NA UFMT?

COMO SE DEU ESSE PROCESSO, DE VOCÊ ESCOLHER A PROFISSÃO, AÍ VOCÊ FEZ

VESTIBULAR?

É assim, quando eu fiz aquele provão já lá naquela escola, tem uns 12 anos, é no Camões,

acho que tem uns 12 anos isso, e aí... aquela vontade só que eu nunca, eu queria saber assim

meu conhecimento, ai então eu não aceitava, ai eu consegui, fazer até o segundo ano, que eu

tinha eliminado aquela do segundo, e fazer o terceiro no Nilza...

Só que aí era assim, tudo pra mim era difícil né... as dificuldades com o base né.. sempre

assim, e daí eu tive que parar, pra trabalhar, fazia unha né, e as minhas crianças estudava lá

no Regina, então... eu tinha que trabalhar pra manter eles lá, né... que eu não queria que eles

tivessem o estudo que eu... não tive né... e daí quando agora que já casou, as minhas filhas, e

tá só o menino, não agora eu vô fazer o que eu quero né... e daí como eu consegui ir pra

UNIC, aí, eu pra mim, era o estudo da enfermagem, tipo assim, era eu tava assim, achando,

difícil né, com as minhas dificuldades né, mas tava levando né, achava que aqui não seria tão

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assim, difícil, mas é um difícil que eu to me sentindo, assim mesmo eu não, conseguindo as

vezes, mas eu to achando aquilo assim, maravilhoso, uma coisa assim que parece que eu to....

isso, é que lá é assim, o que eu agora com tempo, é que tem muita coisa que eu ainda assim,

não é igual um que já pega aquilo né... tipo aí agora, eu vejo no histórico, muita coisa que

tem lá, que eu nunca tive, tipo eu decorava pra ter lá uma anatomia, uma parte só, sendo que

aqui você... estuda um todo né...então é totalmente diferente, aí quando foi pra fazer essa

transferência eu não achava que, mesmo querendo fazer, eu achava que a capacidade minha

não... mas eu nunca gostei de... de admitir que agente não é capaz, pra mostrar pros meus

filhos que eles não é capaz, mas no fundo eu achava que eu num era... num tinha capacidade

de tá aqui, e aí foi onde as meninas chamaram assim, bom, não vou perder nada em fazer

essa prova, né... só que daí eu num, na verdade eu nem estudar pra vir pra cá, eu não estudei,

porque eu tava em DP em uma matéria, e era no dia que tinha que fazer essa prova, lá

também, aí... eu rezei e vim...e seja o que Deus quiser...(risos) e graças a Deus eu... fala

assim agora, me colocou aqui...até eu me emociono... aí eu falo.. ah, dez anos você sai de

lá...(risos)...

E O QUE VOCÊ ACREDITA QUE É SER ENFERMEIRO?

Ai...assim pra enfermeiro, é você cuida das pessoas, cuida... tipo assim cuidado de uma

pessoa mas é...assim o enfermeiro cuidar... eu sempre gostei de cuidar.. mas então eu num

tinha como é que fala, qualificação, pra cuidar... então é isso que eu to buscando... pra saber

realmente cuidar...é isso que eu quero...

E ASSIM VOCÊ IMANGINA O QUE O ENFERMEIRO FAZ, SE VOCÊ OLHAR HOJE NO

HOSPITAL AGORA QUE VOCÊ TÁ ESTUDANDO, VOCÊ SABE QUE AGENTE TEM

TÉCNICOS E TEM ENFERMEIROS, isso..., O QUE VOCÊ CONSIDERA SER O

TRABALHO DO ENFERMEIRO?

É assim o que eu tenho conhecimento e o que muita gente fala, que tem técnico e tem

enfermeiro, que uma amiga minha, no caso, eu penso né... tem enfermeiro que ele no caso ele

mais... pega lá uma.. um departamento.. e manda os técnicos... mas tem uns, que também

coloca a mão na massa, também né... então daí, parte pra várias áreas, eu acho assim, tem

vários departamentos.. mas o enfermeiro ele... tá pra lavar, colocar uma sonda, limpar.. eu

acho que tem que tá pronto pra tudo...

E COMO É QUE VOCÊ ACHA QUE ACONTECE ASSIM, DO QUE VOCÊ CONHECE DA

PROFISSÃO, QUE VOCÊ ACHA QUE SÃO AS CONDIÇÕES QUE O ENFERMEIRO TEM

PRA TRABALHAR... VOCÊ CONHECE?

Eu acho assim que...tem que ter muito amor... pela profissão.. é como se comparasse um

professor, to bem ciente disso assim.. tipo assim eu acho na minha opinião, eu não quero ser

professor, não é minha vontade.. então eu não tenho.. te várias vontades.. agora nessa altura

né...então assim..eu já mais a profissão só se fosse necessidade de ser um professor... mas eu

acho que o Brasil, ele é assim.. muito mau pago o professor, porque dali é que sai tudo,

então... acho isso... na minha opinião... assim é o enfermeiro.. o enfermeiro também não

tem... é... assim... quanto eu conheço coisas e já vi coisas assim, meu sobrinho.. tava na UTI

lá... uma coisa que eu to... é meu né... assim por isso que eu to colocando né... é... FICA A

VONTADE.. no caso assim do meu sobrinho... de chegar na UTI lá ... no hospital da Santa

Casa.. num lembro o hospital.. e a chefe lá da , do setor da UTI, porque o menino ia na parte

da tarde pra enfermaria, não queria usar o remédio que era muito caro, antibiótico.. uma

dose...

Isso é uma coisa de uma enfermeir??? Tem amor a profissão?? Sendo que o médico tinha

mandado colocar.. como se dái saísse da UTI aquele remédio, na época eu não entendia

muito, não entendo ainda né.. então aquele medicamento era da UTI, tipo ele não iria tomar

lá... na enfermaria, então tipo ele era muito específico dali né.. então porque não aplicasse o

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remédio já.. é... e sem contar com muita falta da necessidade das coisas, que tem muito no

Brasil...

Então o enfermeiro vai ter que pegar... é... não poder ajudar, com o coração porque não vai

poder ajudar em nada ninguém.. né... e.. a falta .. tipo ele bai ter que se virar com o que tem

pela falta que eu vejo e assisto muito a necessidade de ele ter na mão pra pegar e passar pra

um paciente...então é isso que é sufrido, então.. é.. pra mim eu penso que quando eu tiver lá..

é eu vô ter que saber conviver... isso é uma coisa que eu sei que eu vou ter que trabalhar...

pra mim... porque saber que se você chega lá, necessidade de um medicamento.. e eu vo lá

olhar não tem.. tipo ou tem uma dose.. e não tem pro outro...e você ter que decidir entre um e

outro... então é isso que... é isso que... eu assim, ainda tenho... a minha preocupação é essa..

do que vou encarar.. mas tipo de trabalhar não... no meu limite do que puder.. ENTÃO VOCÊ

ACREDITA QUE ÉSSA É A CONDIÇÃO QUE AGENTE TEM HOJE DE TRABALHO... é...

que eu acho é... eu acho assim, que o Brasil tá deixando muito a desejar.. é... porque eu mais

vejo na mídia é isso... então na minha opinião é essa..

Por que você não vai tá.. é tipo .. eu saí daqui e vo trabalhar no hospital... no.. no... não sei

como que é o nome lá.. que é lá... da... São Paulo... lá...aqueles... é... caríssimo... lá...É...

ALBERT EINSTER... isso... então..não é todos que vai ter a sorte... não é que eu não possa tá

lá um dia.. isso que eu falo.. mas pelo oque eu vejo... num ...eu conheço gente que já foi pra lá

tudo.. então lá é... o hospital... você num tem.. você num toca, pelo que já ... diz que ce passa

assim.. é tudo.. bem.... então lá é preparado.. a estrutura né... lá num deve... no meu

pensamento.. acho que lá não tem falta de ... no caso disso.. eu falo assim mais no SUS, essas

coisas que ...

Entrevista nº02

COMO FOI O SEU INGRESSO AQUI NA UNIVERSIDADE?

Olha, eu sou uma pessoa muito nervosa.. então quando eu fiz a prova.. na primeira e na

segunda chamada eu não fui chamado..fiquei pra lista de espera.. foi assim.. eu achei que eu

não ia conseguir mais entrar aqui.. mais eu fiz a prova tranquilo... tava confiante.. que ia

conseguir.. e consegui entrar no que eu gostei.. VOCÊ FEZ ENTÃO O ENEM O ÚLTIMO

ENEM, isso 2011... VOCÊ PASSOU PELO SISTEMA SISU.. isso mesmo.. E VOCÊ .. ESSE

CAMPUS FOI O PRIMEIRA ESCOLHA? Foi minha primeira opção... curso de graduação

em Enfermagem...

E PORQUE A GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM? Ah... eu acho que eu sempre me

identifiquei com isso.. E O QUE VOCÊ ACHA QUE FAZIA COM QUE VOCÊ SE

IDENTIFICASSE? Ah.. eu acho com a enfermagem.. ah.. eu sempre fui apaixonado pela área

da saúde... eu sempre.. porque é uma coisa muito... ah.. como é que eu vou falar.. que as

pessoas tem que se dar.. se dar muito pra fazer, você vai tá cuidando de pessoas, vai tá

lidando com vidas e eu sempre achei isso muito bonito, e sempre me chamou atenção..VOCE

TEVE ALGUMA OPORTUNIDADE ASSIM QUE ALGUM DIA VOCÊ LIDOU MAIS PERTO

DE PESSOAS NA ÁREA DA SAÚDE?

A minha mãe é técnica de enfermagem eu sempre gostei, li os livros dela do curso, fui em

algumas aulas com ela, sempre fui gostando... sempre me identifiquei..

E VOCÊ CONSEGUE PENSAR E ME DIZER O QUE VOCÊ ACHA QUE É SER

ENFERMEIRO?

Olha eu tenho uma visão muito diferente do que o povo ai fora pensa, porque todo mundo

pensa que o enfermeiro vai te aplicar injeção, coloca o soro no hospital, pra mim é uma

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forma totalmente diferente.. eu penso mais na cientificidade da profissão no lidar com

pessoas na questão psicológica, na questão familiar, porque vai tá cuidando de uma pessoa

que tem sentimento, você não vai poder chegar e aplicar uma técnica nela que você aprendeu

na graduação sem primeiro conhecer,conversar, saber o estado da pessoa, então eu, eu tenho

essa visão, não aquela visão de que o enfermeiro vem aplica injeção e a pessoa te dá o

remédio no hospital e só isso não..Pra mim é outra coisa, é muito mais além disso.

E QUE VOCÊ SABE SOBRE O TRABALHO DA ENFERMAGEM?COMO VOCÊ ACHA

QUE ACONTECE O TRABALHO DA ENFERMAGEM?

No geral eu vejo muito condições precárias de trabalho, vejo bastante reclamação do

trabalho, é no hospital, com condições bem precárias pra trabalhar, não só pro enfermeiro,

mas pra todos os profissionais que tão lá.. Salário baixo, é o que o pessoal mais reclama, é o

que eu vejo, mas conhece, conhece dentro da profissão ainda não tenho essa visão.

Entrevista nº03

CONTE COMO FOI SEU INGRESSO NA UFMT? E PORQUE A ENFERMAGEM?

Bom é assim, eu vim pra cá, primeiro pra cidade, junto com a minha irmã, que veio fazer

faculdade, então eu ainda fazia o ensino médio, aí, depois que eu acabei o ensino médio, eu

entrei no cursinho, e aí eu fiz um período de cursinho, uns 6 meses, que eu fiquei fazendo

cursinho, aí eu já tava pensando nisso, que profissão, que curso que eu ia fazer, comecei a

pensar, tudo isso, e eu não tinha certeza de nada né... porque eu pensei nossa acho que eu

vou me dar bem em tantos cursos, porque eu gosto de várias coisas, menos exatas, isso eu já

sabia que eu não ia me envolver com essas áreas, e aí eu fiquei pensando, nossa que que eu

vou fazer, né... Eu pensei que seria pedagogia, teve uma hora que eu tava, com certeza que

seria pedagogia, e aí depois, fisioterapia, biomedicina, pensei em ingressar numa partícula...

e aí eu falei.. mas tem o ENEM, e já que era uma prova que eu podia fazer, porque não?... aí

eu ainda não tinha certeza que opção que eu ia colocar, no SISU.. (risos).. aí chegou na hora

do SISU eu falei gente eu ainda não escolhi, eu falei nossa será que eu to tão pra traz assim...

parece que eu sou tão indeterminada, né... mas conversei com algumas pessoas na época..

mas não era só eu... (risos)

Eu pensei assim nossa, eu queria ter uma coisa já fixa né, eu tava me achando assim muito

inferior que eu não tinha uma opinião formada assim a respeito, aí, mas não conversei com

outras pessoas e não era só eu.. aí eu na hora de colocar as opções no SISU eu coloquei pra

enfermagem não sei... Deu na minha cabeça, comecei a pensar eu li sobre a profissão na

internet, conversei com a minha tia também que já exerce a um tempo, e eu falei eu acho que

eu vou gostar, aí eu coloquei a opção.. aí eu passei né...

E eu pensei assim eu to preparada pra enfrentar isso, eu gosto de cuidar das pessoas, em

casa eu sempre tive indícios disso, né.... (risos) e assim nos meios onde eu vivi, e eu... E O

QUE VOCÊ ACHA QUE FORAM OS SEUS INDÍCIOS?

Bom assim, gostar realmente de ajudar as pessoas, sempre gostei, sentia bem quando eu fazia

isso né...tanto em casa quanto fora, ajudar em todos os sentidos, na hora de cuidar da saúde,

na hora de dá uma opinião, na hora de dá uma ajuda qualquer, né... sempre gostei, no meio

da rua, em casa, com os meus vizinhos, todo mundo, na igreja, e tipo assim e na saúde

também, em casa as pessoas as vezes, tinham medo né... meu pai chegava, com um

machucado, e todo mundo tinha medo de chegar perto, e eu era a única que chegava,

mesmo.. enfrentava, e eu novinha ainda, mesmo assim eu tendo dó, não deixava de fazer, o

que precisava, né... se era... ele já chegou com uma madeira que caiu na cabeça, então virou

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um buraco, tinha que ficar cuidando daquilo né... então eu fazia, todo mundo tinha dó,

tremia, desmaiava (risos), e eu conseguia sabe fazer... e aí eu parei pra pensar, nisso.. eu

falei olha, tantas coisas que eu fiz, acho que eu vou gostar, sim.

Mas quando eu entrei no curso eu vi que, tipo enfermagem não é tão... o principal é isso,

cuidar.. hospital, mas não é tão limitado, assim, você pode trabalhar em muitas outras áreas,

que eu não sei qual que eu vou ainda, mas eu acho que tantos né... até a área da docência

mesmo.. e eu sempre gostei, eu sempre pensava assim, eu ... de ser professora, em alguma

coisa, não sei.. o que eu vou fazer, da mesma forma que eu não sabia, como que seria eu

entrar nesse curso né.. não sei o que eu vou fazer daqui pra frente, só sei que eu quero fazer,

que eu to disposta e tudo essas coisas né...

As pessoas elas sempre te perguntam em todos os lugares que eu vou... e como eu entrei

recente, então tem muita gente que não sabe que eu to fazendo enfermagem, aí pergunta.. e aí

como é que tá sua vida de estudante? E eu conto de novo que entrei, aí de novo, as pessoas

falam, ENFERMAGEM!!! Meu Deus.. você já se imaginou cuidando, das pessoas (risos), ... e

eu sim.. sim.. , você vai gostar? Tem certeza? ... nossa quanta certeza eu tive que falar (risos).

MAS O QUE VOCÊ ACHA QUE É SER ENFERMEIRO?

Bom, eu acho que é assim.. eu acho que é cuidar, eu acho que é você ter, uma, como eu posso

dizer, acho que você tem que ter uma, uma, ... personalidade característica, bem.. bem forte,

e ao mesmo tempo humana, pra você saber lidar, né com.. não ser assim, eu acho que mais

ou menos isso, e dentro do hospital,..que eu to dizendo assim, e agora fora.. eu já vi assim,

várias enfermeiras que não atuam exatamente dentro do hospital, e aí eu acho que é mais ou

menos assim,não sei... (risos)... eu to descobrindo.

O QUE VOCÊ SABE DO TRABALHO DO ENFERMEIRO?

O que que eu acho? Que dentro do hospital, envolve tudo no hospital, .. bom ele vai ter que...

inicialmente eu achava assim, que o enfermeiro ele cuidaria... ele ia ali do lado da pessoa

sempre, aquele que auxilia e dpois ele tipo assim... ele é orientado pelo médico, e as

satisfações ele tem que dar pra o médico, acompanha o médico na verdade, mas eu escuto as

pessoas falarem... não perguntei ainda pra nenhum enfermeiro, não fui em nenhum hospital

perguntar, que não é ele que realmente fica cuidando cuidando,.. é o técnico, então assim

disso eu não sei.. ainda né... eu não coloquei isso na minha cabeça de uma vez pra pensar

que, eu to fazendo enfermagem, não preciso aprender porque eu não sou eu que vou cuidar, é

técnico, eu não coloquei isso na minha cabeça, eu acho que ele tem que saber fazer tudo, que

aí ele tá se formando é pra isso, de verdade, pra saber lidar com os problemas sociais da

pessoa, com os problemas físico, com não somente, com o exterior dele, com o problema

físico que ele tá passando, saber olhar e enxergar, não como o psicólogo, mas de tudo um

pouquinho, disso, você aprende a lidar, um pouquinho.. com o que a pessoa tá sentindo, com

o que ela tá passando..

E VOCÊ SABE ALGUMA COISA DE COMO SÃO AS CONDIÇÕES DE TRABALHO?

Que não é tudo perfeitinho, falta muita coisa, você tem que ser uma pessoa que sabe lidar

com o improviso, né.. nem sempre você vai ter todo os aparelhos que você precisa, fazer um

determinado procedimento, e se você se limitar a que você só consegue fazer o procedimento

com 10 aparelhos, por exemplo, você não vai conseguir ser bem sucedido, vai ter que

improvisar e conseguir fazer com bem menos, porque.. não é só no hospital público, que

faltam essas coisas, e... eu digo assim.. em relação as condições de materiais mesmo, dentro

do hospital, agora assim.. em relação ao cuidado, ao trabalho assim, segurança profissional,

eu sei tem todo um cuidado que eles tem que ter, tá mexendo com saúde, com alguma coisa

que pode prejudicar eles também, eu acho mais ou menos assim.

Eu acho que as pessoas normalmente não trabalham sem pensar também no financeiro, né..

porque todo mundo tem que ter dinheiro, pra poder se manter né...

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Mas se a pessoa se focar só que ela precisa do dinheiro, ela não vai conseguir, ser uma

pessoa que atende as necessidades das outras na área da enfermagem, né.. que vê com amor

o que ela tá fazendo, não consegue se dedicado, eu acho que não dá certo, acho que você tem

que pensar que você precisa daquilo, não é por isso, não é porque você tá lá pra ajudar as

pessoas que você não vai pensar... em lutar pelos seus direitos, mas eu acho que não é o

principal, você tem que estar disposto, realmente poder ajudar pessoas que estão precisando,

ali, atender com vontade, gostar daquilo que você tá fazendo, independente de que profissão

seja, de passar o que você sabe seja de ensinar, de realmente preparar pessoas, pra que eles

sejam bem sucedidos no futuro, tanto no ensino, o professor é uma responsabilidade enorme

na mão dele. Não é simplesmente passar horas, lá e ganhar o dele... ele tá formando,

passando um conhecimento que vai refletir, talvez mudar a sociedade... mudar pessoas,

através da educação que transforma né..

Entrevista nº04

COMO ACONTECEU SUA ESCOLHA PELA ENFERMAGEM? COMO SE DEU SUA

ENTRADA NO CURSO?

Bom, desde de criança sempre tive consciência de que eu queria algo na área da saúde, né...

até então eu não sabia o que? Aí eu tenho uma tia, tenho parentes né, trabalham na área da

enfermagem onde então são técnicos, aí eu fui observando assim, eu comecei a achar

interessante, aí eu vim embora pra Sinop... á principio eu queria começar a fazer cursinho,

né.. começar a me prepara pra tá fazendo medicina, né... por causa que, eu tenho um sonho

que daí eu só vou conseguir concretizar ele com o salário que é obtido na medicina, que o

enfermeiro ainda ganha, infelizmente um valor muito baixo, apesar que dependendo do local

voce ganha bem, lá em Terra Nova, tem um enfermeiro que ganha super bem, enfim... aí eu

vim na verdade com a intenção de fazer cursinho, só que pai falou pra mim, que aí... que

pagar um cursinho, e uma faculdade, ele preferia pagar uma faculdade particular, aí... eu

vim... eu estudei na FASIPE a princípio, ano passado.. fiz um ano na FASIPE de enfermagem

né... que pra mim ainda era a área que mais se aproximava de medicina.

Só que oque aconteceu, eu fui fazendo enfermagem e fui entendendo como que realmente é o

trabalho, ou pelo menos achando que eu tava entendendo né... o pouco que agente ouve falar,

e fui gostando, sabe, comecei a achar uma profissão muito bonita, que lida com o cuidado,

sabe, você tá sempre ali com o paciente, toda a atenção...

E eu gosto disso, sabe, de tá me preocupando com as pessoas, de tá assim esse apego sabe...

e daí eu... peguei e decidi, não eu agora, como decidi que eu quero fazer enfermagem, resolvi

fazer... vir pra UFMT, que eu toda a vida uma federal, é mais, compensa mais que uma

particular, aí eu fiz o processo de transferência, aí eu consegui passar, pra cá... aí esse ano

eu estou aqui.. só que daí durante as férias, eu vim pensando muito...voltando a pensar

naquele sonho, por causa que assim.. eu sou muito assim... voltada pra igreja, sabe.. e daí eu

sempre... foi daí com 15 anos que veio essa vontade de realizar esse sonho que me veio a

mente... e foi sempre em oração, que eu tava em oração que me vinha essas vontades, que eu

tava em oração que imaginando como poderia ser meu futuro, e só me vinha, me via dessa

forma... montar uma ONG, alguma coisa assim... algo assim... unir a cura, assim, o cuidado

com a evangelização... né...

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E daí.. começou a me voltar essa vontade de tentar fazer medicina, mas pra isso né.. e eu

pegue não.. decidi fazer cursinho, aí eu aqui na UFMT, eu estudando aqui o dia inteiro,

fazendo cursinho a noite, mas daí eu vi que tava ficando muito complicado, que eu não estava

dando conta, que a UFMT puxa bastante, e daí eu desisti do cursinho, entreguei nas mãos de

Deus esse sonho, né... super... aí eu tava assim conversando com um amigo meu lá da igreja,

e ele falou pra mim que as vezes na área da enfermagem dá pra mim... mim, incluir a respeito

disso sabe, basta me informar, né... tem que ir atrás, porque eu ainda não... pra falar a

verdade, eu ainda não comecei a mover um dedo a respeito disso né... acho que isso é mais

pro futuro, quando eu tiver quase me formando, que eu vou começar a ir atrás disso, né... e

daí agora eu decidi, que eu quero fazer enfermagem, acho uma profissão muito bonita, e eu

quero tá ali sempre cuidando e evangelizando os meus pacientes (risos)...

E O VOCÊ ACHA QUE É O TRABALHO DA ENFERMAGEM?

Assim, a prática mesmo.. no caso pegar pesado, eu descobri que é mais, assim.. mais voltado

pros técnicos, né... ai, quando tiver, vamos supor... uma saturação de ter muitos pacientes, ou

poucos técnicos daí é onde o enfermeiro, também vai auxiliar no banho de leito, essas coisas

mais, eu ainda não sei muita coisa né.. da profissão, ainda estou por descobrir...acho que é

você tá ali com o paciente, dando força psicológica pra ele, lógico, cuidando também, a

saúde, sempre vendo, observando a alimentação, de acordo com o que o médico fala, é como

se fosse cuidar de um bebe, é você vai tá ali o tempo todo com ele, ele vai tá dependendo de

você como se fosse uma criança..

O QUE VOCÊ SABE SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DA ENFERMAGEM?

Ah... eu ouvi falar, que no hospital assim, as condições são muito precárias, as vezes falta

alguns instrumentos, daí agente vai lidar, muito com o improviso, né... muitas coisas vai ter

que acabar improvisando, as vezes falta, por exemplo, quando você vai dar um banho de

leito, tem aquele tampão que você coloca em volta do paciente... né... as vezes não tem vai ter

isso, que é o próprio as vezes vai ter que pegar um negócio de soro, pegar uns lençóis... tudo

a base do improviso, né.. então acho que ainda, em relação a isso, que pro enfermeiro

conseguir fazer seu trabalho, ainda falta algum, algumas coisas, na estrutura, só que aí vai

da ... vontade do enfermeiro... de ... sei lá.. de tentar ser criativo, né... de te... aí... mais ou

menos isso...

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APENDICE 5 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES CONCLUÍNTES

Entrevista Nº 01

PRIMEIRAMENTE COMO ACONTECEU O SEU INGRESSO NA UFMT? DESDE A

ESCOLHA PELO CURSO DE ENFERMAGEM.

De vim pra UFMT, na época que eu ingressei era vestibular ainda, então de eu vim pra

UFMT Sinop, foi meio que assim, é... pelos amigos, pela galera.. por que eu já estudava fora

antes, e daí tinha um grupo de dois três amigos, que agente optou assim.. vamos todos, todo

mundo opta por um mesmo lugar, pra gente continuar junto, pra gente mora junto em tal

lugar, a primeira opção que eu tentei foi o Campus Barra do Garça, eu ia pra lá, aí o menino

que até hoje mora comigo ainda ele também.. se vamo pra Barra vamos os dois, aí o curso

que ele queria, que era engenharia florestal não tinha no campus dele, então ele falou, eu vou

pra Sinop, porque lá tem o que eu quero, e vai ficar mais perto da minha casa, e fiquei

pensando não vou sozinho pra Barra do Garça... E QUAL CURSO VOCÊ TINHA PENSADO

LÁ EM BARRA?

Eu ia fazer enfermagem lá em Barra também, só que o dele não tinha.. que era engenharia

florestal, aí eu falei.. ah pra mim tanto faz, num... por causo disso num dá diferença, não

vamo pra Sinop também... aí acabei optando por Sinop...

Já a questão enfermagem, se eu falar que desde o começo eu queria enfermagem não..porque

antes da enfermagem, eu fazia técnico agrícola, então não tem nada a ver com a enfermagem,

todo mundo fala, porque que você não fez uma veterinária, uma agronomia? E coisa.. eu não

gostava mesmo muito daquela área, só que quando eu entrei na enfermagem eu também não

gostei, foi bem por exigência da minha mãe mesmo.. pessoal fala não você escolhe porque

você quer.. não é.. influencia de casa sim.. aí minha mãe .. não.. faz enfermagem... que isso é

bom.. que não sei o que.. não sei o que... tão tá... vamo fazer o negócio que a mãe quer..

acabei me inscrevendo pra enfermagem, Sinop eu decidi em cima da hora, assim, foi na hora

de preencher o catálogo, do vestibular... eu coloquei.. Sinop.. e dai acabou meio que sendo

isso... agente acabou que os três amigos que tinham optado por Sinop, agente passou os três,

pra cá.. e os três pra primeira turma... e vamo vim.. eu pra enfermagem, um pra florestal, e

um pra agronomia.. aí foi aquele negócio.. foi bom que agente veio pra cá, ninguém tava

sozinho, eu to atrasado, só que eu sou da segunda turma de enfermagem, então quando eu

vim pra cá.. era tudo muito novo, eu tive aula na FASIPE, nem campus tinha.. ainda.. aí foi

aquele negócio.. no começo aquele baque porque era enfermagem, que eu sabia de

enfermagem.. gente.. eu... tudo foi novidade.. O QUE VOCÊ SABIA DE ENFERMAGEM.. O

QUE SUA MÃE SABIA QUE TE INFLUENCIOU?

É que todo mundo fala assim, que quando você trabalha na enfermagem, você nunca fica

desempregado, o salário é bom.. é isso e aquilo.. ai conforme vai passando o tempo da

faculdade você vai vendo, que não é bem aquilo, e coisa, só que assim, é , até o quarto

semestre, eu até o quarto semestre, eu pensei em desistir mesmo, eu fiquei pensando o que

que eu to fazendo aqui? Não era mesmo o negócio, só que daí vc fica pensando, passa o

semestre vc não, não vou desistir, quem sabe eu goste, pq já passou um semestre, passa dois,

não, não vou desistir pq, já passou dois, ai foi indo, ai quando foi quando eu cheguei no

quarto semestre, eu fiz práticas a primeira vez, reprovei de práticas, reprovei na prática

mesmo, ai eu pensei será que agora eu desisto? Será que eu largo mão, desse trem. Ai eu

conversei com a Profa Heloísa, uma vez, daí ela falou não não desiste que vc vai gostar, não

sei o que , não sei o que, ai eu pensei, vamo.. ai fui de novo pra prática, fiz práticas, aí

começou a gostar, ai quando eu gostei de práticas mesmo, foi quando eu fiz urgência e

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emergência, com a Suellen no quinto, que foi assim que eu me achei, que meio, agente é meio

tapadinho, ainda na época, mas, começou a gostar mesmo, daí, ai o trem deu uma alinhada.

OLHANDO A ENFERMAGEM, QUANDO VC OPTOU POR ELA, O QUE ELA ERA PARA

VOCÊ?

No começo... eu levava mais pelas mesmas questões da minha mãe, eu pensava assim eu

terminando a faculdade de enfermagem, eu não vou ficar desempregado, vai ter um emprego

legal, e o salário é mais ou menos. Aí vai por essa, só que durante a graduação, quatro, cinco

anos, vc muda de idéia, hj em dia eu já penso assim, eu sei que emprego não seria ruim, se

você passasse em um concurso público, só que eu não vejo a enfermagem como uma coisa

que eu quero levar pro resto da minha vida, porque é assim, dá pra vc ter uma vida legal

como enfermeiro, só que é um trabalho judiado, e coisa, que no final do mês vai vir aquele

teu salário, e só.. então hj em dia o que eu penso da enfermagem, é assim, alguma coisa que

eu quero levar, agora durante cinco ou dez anos, só que durante esse tempo, se possível eu

quero fazer outra faculdade, ai ver alguma coisa que dê para eu trabalhar como autônomo.

O QUE VC ACHA QUE É A PROFISSÃO, QUAL O TRABALHO DO ENFERMEIRO?

SUA CONCEPÇÃO MUDOU DO INÍCIO PARA AGORA NO FINAL?

A mudou, no começo vc acha que enfermeiro é.. é o topetudo, que vc tá,... primeiro todo

mundo fala que enfermeiro é auxiliar do médico, e isso já muda, porque no início da

faculdade vc acha isso mesmo, que vc tá ali, pra obedecer o que o médico falou, e só, o

medico fala faz isso, faz isso, tipo, agora já no final da faculdade, vc ve que não, vc tem uma

graduação, igual a do médico, vc tá ali, o médico vai, dá o diagnóstico, e coisa, passar a

medicação, vc vai ficar responsável pelo cuidado, são duas situações diferentes, e vc ve que o

médico, tipo, eu vejo isso, o médico não está preocupado com o cuidado em si, ele tá

preocupado em estar aí, dar o dignóstico, e a medicação, se o paciente melhora ou não, ele

não vai intervir, no seu cuidado, na sua forma de cuidar, é você quem lidera sua equipe para

agir de tal forma, agora do começo da faculdade, o que eu pensava assim, eu tinha uma idéia

errada do negócio, achava que o enfermeiro obedecia o médico, e a enfermagem seria o

serviço do técnico mesmo. O que o técnico faz eu via como o serviço do enfermeiro. E dpois

vai passando o tempo e vc ve que é mais, o enfermeiro tem que ver a equipe como um todo,

tem que fazer a educação continuada, tem muitas coisas fora do hospital que o enfermeiro

tem que cuidar também, então, a idéia sempre muda. Eu acho que em cada setor que você vai

trabalhando você vai abrindo as... que o enfermeiro tem umas funções a mais.

O FATOR PARA SUA MUDANÇA DE CONCEPÇÃO, FORAM AS PRÁTICAS?

Isso, daí você vivencia mesmo, porque daí quando você tá dentro da sala, é tudo muito

bonito, o que todo mundo fala, a enfermeiro é isso, enfermeiro é aquilo, você vai vendo

aquelas mensagezinha na internet, e coisa, como se fosse um mil maravilhas, que a vida do

enfermeiro é só realizar ação, que ele vai lá cuida do paciente, o paciente sai de lá curado,

sai bem, que o paciente vai agradecer mil anos pra você, que foi tudo aquilo, dentro do

hospital você ve que não é isso, você recebe mais chingão, do que agradecimento, então eu

acho que nessa parte mudou bastante.

E O QUE VOCÊ SABE HOJE SOBRE AS CONDIÇOES DE TRABALHO DO

ENFERMEIRO, E A PRECARIZAÇÃO O QUE VOCÊ SABE?

Ai tem duas coisas, depende da instituição que você está trabalhando, acho que vai muito

disso, independente da instituição, acho que hoje o enfermeiro não tem salário bom,

principalmente porque você não deixa de comparar com o salário de um médico, um médico

vai ganhar quinze vinte mil, então você compara, agora as condições depende da instituição,

porque tem instituição, dá pra colocar nosso caso aqui, eu to estagiando em instituição

pública, lá você não precisa se preocupar com material, você não precisa se preocupar com,

assim... quanto você vai gastar pra fazer um procedimento, então você consegue fazer um

trabalho mais eficaz, mais cuidar certinho de tudo, agora quando você vai numa instituição

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privada, você tem que ficar cuidando e vc tem a cobrança, da instituição que diz assim, não

gasta mais que isso, naõ faz mais que isso, porque se acontecer você vai ter que tirar do seu

bolso, e você vai ter que fazer isso, intão isto varia, mas, em termo de tempo tanto na pública,

quanto na privada, você vai ter que fazer 12 por 36, as vezes tem que fazer um plantão extra,

para cobrir alguém, pq tem muita falta, mas é.. pra quem gosta, não pode desistir.

A situação salarial no privado é muito ruim, ai o público, se você der sorte de passar em um

público, tem concursos bons, hoje em dia, aí sim você tem um salário, não seria o ideal, mas

comparando aos outros, você tem um salario bom, aí a questão pra você passar em um

concurso é muita gente disputando poucas vagas, então não é sempre também.

Entrevista Nº 02

PORQUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM?

Eu sempre quis alguma coisa na área da saúde, e daí como eu tava terminando o terceiro

ano, a cidade mais próxima que tinha esse, aporte, no caso, vestibular, e tal universidade, era

Sinop, aí tinha aberto as inscrições para enfermagem, era público né, eu prestei, e na sorte,

não foi nem por esforço, eu passei e minha mãe me obrigou a fazer o curso.

Eu não tinha nem idéia de como seria o curso, do conteúdo, não tinha noção, mas assim, eu

não gosto da parte de exatas, e eu queria algo na área da saúde. Eu tenho uma tia que é

técnica de enfermagem, e a minha mãe sempre quis ser enfermeira, mas isso também foi

coincidência, porque ela nunca cultivou nada relacionado a isso, dentro, de casa, e como a

minha mãe é professora, eu também não queria seguir a profissão dela, ai eu optei pela

enfermagem, mas assim o porque.

E AGORA AO FINAL DO CURSO, O QUE VOCÊ ACHA QUE É SER ENFERMEIRO?

O que é ser enfermeiro?.. é uma bagagem enorme, é sei lá dentro do âmbito hospitalar, e

relacionado a saúde mesmo, independente do local que o enfermeiro trabalhe, eu acredito

que o peso maior sempre cai sobre o enfermeiro, é incrível isso, porque é assim, em relação

aos técnicos ele tem que ser a referencia, em relação aos médicos também, que médico nunca

tá a par de toda a situação, então sobrou alguma coisa, então ah.. é o enfermeiro. O técnico,

ah eu tenho um problema, ah, é o enfermeiro, então assim é uma profissão que, que além de

toda a bagagem teórica, que você tem que ter durante todo o curso e até a experiência

conforme você for trabalhando, você tem que ter uma capacidade, de relacionamento, e de

estar uma postura frente a equipe, que eu acho que é impar. É bem diferente em relação as

outras profissões da área da saúde, porque por mais que você tenha uma equipe

multidisciplinar, num ambiente que você tá trabalhando, eu pelo menos vejo assim que o

enfermeiro é referencia, pra tudo.

SUA CONCEPÇÃO SOBRE A ENFERMAGEM MUDOU?

Mudou completamente, na verdade eu entrei sem ter muita noção, eu sabia que o enfermeiro

ficava ali cuidando do paciente o dia inteiro, mas assim, não tinha uma concepção do era

aquilo. E conforme foram passando os semestres, inclusive no quarto semestre onde começou

mesmo, as disciplinas específicas do curso, eu pensei em desistir, porque eu comecei a me

apavorar, mas hoje eu vejo que assim, o conceito mudou completamente, o que eu pensava

não tinha uma base assim concreta, e hoje eu vejo que na verdade tudo foi se encaixando,

desde o primeiro semestre até agora, foi sendo criado um profissional, uma pessoa que está

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apta, pelo menos teoricamente, para quando sair daqui atuar no hospital, no psf

independente do lugar.

O QUE INFLUENCIOU A MUDANÇA DA SUA CONCEPÇÃO?

Acho que a parte prática e a parte teórica influenciaram essa mudança, por mais que ate o

oitavo semestre no caso, foi mínima essa vivencia prática, no oitavo e no nono que agente

começou a vivenciar mais, foi isso que contribuiu eu acho com maior peso, pra essa

concepção, porque agente vivenciando, por cada setor, tinha um enfermeiro diferente, então

querendo ou não você vai comparando, e você vai moldando dentro de você a concepção de

um enfermeiro, do que é, de como ele trabalha, do que ele pode, do que ele não pode, o que

ele tem que ter, o que ele não pode ter.

E O QUE VOCE SABE HOJE SOBRE O TRABALHO DO ENFERMEIRO, AS CONDIÇÕES

E A PRECARIZAÇÃO.

Querendo ou não eu sei mais do que hoje agente ve na prática, só que assim, eu acredito que

não é o ideal, as condições que agente encontra não são as ideais porque, pelo menos aqui,

são plantões de 12 por 36 nos hospitais, o salário não é o melhor do mundo, então o

profissional vive trocando plantão, as vezes fica 24 horas, 36 horas, então, ao meu ver isso

não é favorável, porque chega um momento que você não rende mais, e você já ta num

ambiente, que querendo ou não você está com tudo nas suas costas, então são inúmeros

pacientes, sabe, uma, duas, três enfermarias, que você tem que estar atento e você tem que

estar responsável por aquilo, então. E também a questão de os hospitais aqui também, a

estrutura também não é a melhor, recursos materiais também é muito falho ainda, então o

enfermeiro ele trabalha no limite ali, ele faz o que pode e o que não pode, pra prestar uma

assistência o mais próximo do adequado, pro paciente.

Entrevista Nº 03

PORQUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM?

Eu escolhi a enfermagem porque, porque eu gostava eu, sempre fui muito atencioso, acho que

isso envolve, um pouco a questão da enfermagem, eu estava um pouco em dúvida, de que

curso escolher, e eu optei pela enfermagem, porque é um curso, que eu acho que eu pudesse

me identificar, até pelo fato de ser um pouco, um pouco de amor pelas pessoas, de ter

cuidado. Eu não conhecia mesmo.

E QUE VOCÊ ACREDITA SER ENFERMEIRO, O TRABALHO?

Pra mim ser enfermeiro, é saber cuidar de forma integral, das pessoas dentro de uma

instituição de saúde, ou vinculado em uma instituição de saúde, que seja pra comunidade, e

poder gerenciar, poder prestar esse serviço de saúde, e oferecer esse uma atenção integral

mesmo. Abordar as variáveis que atinjam a população, que atinjam a saúde da população.

Em cooperação com as outras, os outros ramos da área da saúde, com a medicina, com a,

então trabalhar junto para poder, abordar todas as variáveis que atingem a saúde das

pessoas.

E O QUE VOCE SABE HOJE SOBRE O TRABALHO DO ENFERMEIRO, AS CONDIÇÕES

E A PRECARIZAÇÃO.

Eu sei que a enfermagem atua em várias formas, dentro da instituição hospitalar, na área da

saúde pública, também tem o Home Care, que já vem sendo executado, na verdade eu acho

que começou com o Home Care e dpois que evoluiu pra...

Eu acho que o enfermeiro do hospital ele tem que se responsabilizar pela administração, da

saúde pública ele aborda mais a comunidade em geral, as condições de trabalho, as vezes as

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condições de trabalho eu acho que tem forçado um pouco a responsabilidade dos

enfermeiros, por exigir uma carga horária muito alta de trabalho, sendo que o trabalho é

muito duro né, dentro do hospital para o enfermeiro, por que ele é responsável por uma série

de, de uma equipe e tem que ser responsável pelos atos desta equipe, então ele tem que

treinar para que ele não precise responder por algo, que aconteça dentro da instituição,

então é isso, eu acho que o enfermeiro da saúde pública então ele tem que abordar uma

população de certa quantidade de pessoas, então ele tem que ser treinado para poder saber

desenvolver as formas de abranger esse pessoal, então se ele não recebe uma boa formação

ele não consegue atingir essa população, e as metas do SUS de abordagem ficam defasada,

então, acho que o enfermeiro de saúde pública, tem sua importância fundamental nas

atitudes preventivas de saúde.

Pelas opções que estamos tendo ao sair da faculdade eu acho que o salário do enfermeiro

poderia ser melhor comparado ao salário da medicina por exemplo, por que a

responsabilidade é maior, um médico ele tem que fazer um diagnóstico, mas quem vai prestar

esse cuidado, quem vai acompanhar esse tratamento? Quem vai fazer essa pessoa seguir ou

não esse tratamento? É o enfermeiro. Quem vai ser responsável por uma atitude de

enfermagem errada, pela equipe é o enfermeiro. Então eu acho que as condições de trabalho

são defasadas, eu acho que o enfermeiro deveria sim receber um salário maior, deveria ter

uma carga horária um pouco reduzida, para que pudesse prestar um cuidado de maior

qualidade, até por que eu acho que o sistema de ensino tem facilitado muito a entrada no

ensino superior do profissional enfermeiro, a qualidade do profissional vem sendo afetada

por isso, até mesmo pela questão do capitalismo, as instituições de ensino superior privadas

tem muito lucro com a formação dos profissionais e talvez não tem se preocupado muito, eu

acho que isso é outro fator que altera não no trabalho, mas é o um outro fator que altera na

qualidade, na prestação direta de assistência de enfermagem.

A SUA CONCEPÇÃO DE ENFERMAGEM MUDOU?

Eu acho que mudou de certa forma, eu adquiri conhecimento, adquiri bagagem teórica, e

prática, dentro do curso de enfermagem, agora eu acho que se eu não tivesse esse apreço,

esse cuidado com as pessoas, eu teria que desistir do curso, não mudou, mas eu apenas

implementei essa questão com o conhecimento. Pra que pudesse desenvolver a sistematização

de enfermagem, que devemos desenvolver durante o trabalho.

Entrevista Nº 04

PORQUE QUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM?

A minha mãe é técnica de enfermagem desde de que eu me entendo por gente ela trabalha na

área da saúde e eu sempre gostei, tanto que antes, quando eu tava no terceiro ano, eu

comecei a fazer o técnico, de enfermagem, ai eu fiz o técnico e comecei a fazer vestibular

para a enfermagem, mas não conseguia passar, ai eu já tinha desistido, passei num concurso

público, na minha cidade como técnico, passei em primeiro lugar, aí comecei a trabalhar,

acho que com uns vinte dias que eu estava trabalhando, descobri que eu tinha passado no

vestibular, daí foi aquele vem, num vem, e acabei vindo porque, eu queria fazer enfermagem,

sempre quis, todo mundo, ah porque você não faz medicina, nunca quis fazer medicina, agora

dpois de ver toda a situação da enfermagem, talvez eu faça medicina, mas sempre tive

vontade desde criança.

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Acho que a escolha da enfermagem sempre foi uma coisa minha, minha mãe nunca

influenciou, sempre deixou agente muito livre pra escolher o que queria, tanto que só eu

escolhi a área da saúde, a enfermagem né. Mas é um gosto, eu gosto de enfermagem.

O QUE VOCÊ ACREDITA SIGNIFICAR SER ENFERMEIRO?

Acho que é uma responsabilidade muito grande, por que você é tudo, você é psicólogo, você é

meio médico, tudo. E é você cuidar do paciente, você ter aquela responsabilidade de olhar o

paciente com um todo, por que ele tá assim, se ele tá com aquela doença, se por que, é

problema em casa, na alimentação, enfermagem é cuidado, cuidado integral ao paciente.

SUA CONCEPÇÃO SOBRE O QUE É A ENFERMAGEM MUDOU?

Não, não alterou o que eu achava, mas agente acaba tendo uma visão diferente, porque você

ve que o que você aprende, você não pode colocar em prática tudo, porque, não tem subsidio,

não tem vamos dizer assim, você não tem formas de você fazer.

Muitas vezes assim você tem vontade de fazer, mas não tem estrutura, você atende uma

população, vamos dizer, que você trabalhe em um PSF, você não consegue abranger a

população toda, que é da sua área, num hospital, você não consegue fazer um atendimento

humanizado com todos os pacientes, tem vez que você está com trinta pacientes num quarto,

como você vai fazer trinta SAE, numa noite, num plantão de doze horas, é difícil.

O QUE VOCÊ SABE SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DA ENFERMAGEM E DA

PRECARIZAÇÃO?

São precárias, muito precárias, O QUE VOCÊ ACHA QUE É PRECÁRIO? O salário, não é

valorizado. A carga horária, 40 horas semanais, é puxado. A estrutura, vamos dizer assim,

não dá condições para ele, poder trabalhar, para ele poder fazer, o atendimento correto, que

muitas vezes não tem material, falta material, falta a equipe, falta o técnico atender aquele

paciente, falta médico, então não é só o salário que está ruim, é toda a estrutura.

Pelo o que agente aprendeu e pela prática que agente tem realidades muito diferentes, que

você aprende a fazer de uma forma, e que chega lá você tem que improvisar, você tem fazer

de uma maneira diferente, então..

Entrevista Nº 05

PORQUE VOCÊ OPTOU PELA GRADUAÇÃO EM ENFERMGEM?

Por que é assim, eu gosto muito de ajudar, sempre gostei muito assim, de ah você, ah num sei

desde pequenininha eu sempre vi na televisão o trabalho do enfermeiro, o trabalho do

médico, o trabalho de saúde em geral, e sempre achei aquilo muito bonito, sabe, primeiros

socorros, assim, que daí fazia até reanimação, eu achava aquilo, eu nossa, eu fica assim, ai

eu tive a oportunidade de fazer um curso técnico por que eu não sabia se eu ia estudar fora,

porque lá em Juína não tem, só tem contabilidade, administração, essas coisas assim, você

sabe. Não tinha nada, nada, nada na área da saúde, aí, eu não gostava, aí esse negócio de

trabalhar no escritório, fechada, vendo número, fazendo cobrança e essas coisas eu não

gosto, então assim teve a oportunidade de fazer o técnico de enfermagem, eu não tinha nem

terminado o ensino médio ainda, e comecei a fazer, eu vi que eu gostei eu vi que eu tinha

facilidade, que no estágio que, eu conseguia fazer, que muita gente não consegue ve sangue,

não consegue muito, que eu conseguia que comecei a gostar. Ai eu prestei o vestibular para

cá, e vim, mas assim sempre pergunta, ah você gostaria de fazer medicina, eu gostaria, mas

assim to satisfeita com enfermagem, gostei, gosto é realmente o que eu pensava que era, que

o enfermeiro é o que, na minha visão, é o coordenador, é o responsável, pelo cuidado, é tão

importante quanto o médico, tão importante porque, se não tiver esse cuidado, não ia

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adiantar nada prescrever, antibiótico, prescrever medicamento se não, vai dar infecção, vai

complicar, o psicológico do paciente também não vai ajudar, o apoio da família e tudo, o

enfermeiro é, que vai faltar no hospital, que vai gerenciar tudo, se não tiver o enfermeiro,

não anda, e assim, é isso, e o bom enfermeiro, é aquele que coordena, que tem visão, que dá

atenção pro paciente também, e que sabe fazer o exame físico, que sabe observar quando está

ruim, quanto que não tá, que dá o atendimento e não somente o procedimento.

No início eu não sabia muito bem o que era ser enfermeiro, que ele tinha um pouco mais de

responsabilidade do que o técnico, e também não tinha toda a autonomia, digamos assim,

que agente vê. Eu não sabia que tinha tanta sobrecarga de trabalho, e o estresse do médico,

mas eu acho que é só.

O QUE VOCÊ ACREDITA QUE É SER ENFERMEIRO?

Enfermeiro é ser responsável pelo funcionamento de uma unidade de saúde, e ser responsável

até pelo trabalho do próprio médico, se responsável por até vigiar se ele está fazendo o certo,

se não, ser responsável pelo paciente, é ser enfermeiro.

O QUE VOCÊ SABE SOBRE O TRABALHO DO ENFERMEIRO EM RELAÇÃO AS

CONDIÇÕES E PRECARIZAÇÃO?

Depende muito do lugar e da condição, se ele trabalha no particular, ele tem que economizar

material, a ter pouca verba pro pessoal dele, atender muito, muito, excelentemente bem todos

os clientes, todos os clientes bem, porque qualquer coisa reclama, mais exigente mesmo, e no

SUS, tem que também atender muito bem, porque, porque se não nossa, no estágio do boa

esperança lá, meu deus, você atendendo muito, muito, muito bem as pessoas ainda, só porque

é SUS, ainda tem ainda aquele preconceito de que não é bom, de que vai atender de qualquer

jeito, de que vai fazer de qualquer jeito, de que não tem consideração pela pessoa, então eles

já chegam com aquela visão, então eles já chegam meio bravo, entendeu, então você

atendendo muito bem ainda vai ter de trinta, um que vai chegar bravo, mas ainda assim aí,

ele consegue ainda se acalmar se ve que você tem consideração por ele, e ainda também que

os outros falam, não mas pq aquela enfermeira, é assim, assado, aquela enfermeira, aquele

doutor, é assim assado, ai ele já diminui um pouco esse preconceito que ele tem. Então é, ter

que dá muita atenção ao ser humano, porque o mais difícil é o ser humano.

Não é difícil você gerenciar que material falta, ou seja gerenciar, quem que trabalha bem, e

quem não trabalha bem, isso não é difícil, o difícil é você fazer o seu trabalho bem feito, e dar

valor com ética na medida certa, é difícil.

SUA CONCEPÇÃO SOBRE A ENFERMAGEM MUDOU?

Eu não sabia antes o que o enfermeiro fazia, sabia que ele fazia procedimento, que ele ficava

olhando, por exemplo no postinho, não faz consulta, eu achava né, eu achava que não faz

consulta, não pode prescrever medicação, o que ele faz lá? Eu pensava que ele assim, não faz

nada né (risos).

E agora eu vejo que ele faz muita coisa, ele faz preventivo, ele faz consulta de enfermagem,

ele faz uma avaliação, por que é muita gente no PSF, ele dá orientação, orientação, porque

ele é muito na prevenção, é responsável por vacina, é responsável pela qualidade da vacina,

é responsável pela medicação, por não deixar faltar, por tudo isso assim, tem muita coisa que

ele não pode fazer, ele organiza todo o encaminhamento, tudo o que é prioridade, o que não

é, ele sabe exatamente o que ele tem que fazer, só que tem muita coisa que ele não pode

mudar, vacinar, e coisa, ele avalia quem que é principal, que é que não é, as vezes já agiliza,

ele gerencia mesmo.

O QUE INFLUENCIOU A MUDANÇA DE CONCEPÇÃO?

Acho que mudou porque eu não sabia mesmo o que ele fazia, igual, eu não sabia que ele

coletava preventivo, eu não sabia nada. Eu só sabia que ele era responsável pela unidade

mas eu não sabia o que ele fazia lá dentro. Ai conforme entrou no primeiro semestre, que

você já vai criando uma noção, ai já vai falando, tal, aí no estágio que agente vai ver o que

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ele faz mesmo, só que assim principalmente administração, aprendi bastante o que ele faz e

introdução a enfermagem, que eu aprendi mais. Mas ai em cada matéria, você aprende o que

ele faz em cada setor, em pediatria você aprende a função dele, com criança, em neonatal,

em urgência e emergência você aprende a função dele na urgência, e em cada estágio vai

aprendendo um pouco mais o que ele faz.

Mas antes eu não sabia não. Eu sempre ouvia falar que ele não pode fazer isso, não pode

fazer aquilo, mas o que ele pode? Daí eu pensava que ele só comandava o trabalho do

técnico, e não é.

Tipo, a sondagem, a aspiração que só enfermeiro que pode fazer, não sabia destes detalhes,

foi na graduação que eu fui aprender mesmo.

Assim também, a forma de atuar no público e no hospitalar é diferente, pelo menos é assim lá

no Boa Esperança, eu tinha muita autonomia, muito, muito, ela atendia muita criança, e

mandava vir no outro dia para o doutor olhar, só que ela atendia, muitas vezes ela passava

medicação, entendeu, ela via o doutor não estava mais lá, muita coisa ela resolvia.

E quando eu fiz clinica médica, tem autonomia, tem saber o que você está administrando, tem

que saber porque você está fazendo, se tiver uma coisa errada, você tem que saber, porque

não vai poder matar o paciente, prever algum erro, algum lapso de memória do médico, você

tem que saber corrigir, só que na maioria das vezes você faz o que ele prescreve, na maioria

das vezes você acaba presa naquilo lá, e na saúde publica ela também fica presa, só que é um

pouquinho diferente.

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X

ANEXO 1 – FOLHA DE APROVAÇÃO COMITÊ DE ÉTICA CEP/HUJM

Ministério da Educação

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO JÚLIO MÜLLER

Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller Registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em 25/08/97

TERMO DE APROVAÇÃO ÉTICA DE PROJETO DE PESQUISA

REFERÊNCIA: Projeto de protocolo Nº 161/CEP-HUJM/2011

“Com pendências”

Aprovado “ad referendum”

APROVAÇÃO FINAL

Não aprovado

O projeto de pesquisa intitulado: “A enfermagem enquanto profissão: As

concepções dos acadêmicos quanto ao trabalho e a sua precarização”

encaminhado pelo (a) pesquisador (a) Luciene Mantovani Silva Andrade foi

analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUJM, sendo aprovado “ad

referendum”.

Cuiabá, 05 de Março de 2012.

Profa. Dra. Shirley Ferreira Pereira P/Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa do HUJM

Hospital Universitário Júlio Müller

Avenida Fernando Corrêa da Costa, Nº 2367 Bairro Boa Esperança - Cuiabá –MT, Brasil

CCBS I – 1º Piso – Universidade Federal de Mato Grosso

Fone: 65-3615-8254 - e-mail: [email protected]

http://www.ufmt.br/cep_hujm