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III Semana de Ciência Política
Universidade Federal de São Carlos
27 a 29 de abril de 2015
A ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA EM 1955 NAS PÁGINAS
DE O ESTADO DE S. PAULO (OESP)
Thiago Fidelis1
RESUMO: O presente artigo discute a abordagem e participação do jornal paulista O
Estado de S. Paulo (OESP) na eleição para presidente da República em 1955,
contextualizando-o através de sua formação histórica e de sua notória participação
política em vários momentos importantes no contexto politico brasileiro. Em linhas
gerais, a perspectiva abordada é uma descrição crítica com breve abordagem bibliográfica
sobre as movimentações políticas, desde a definição das candidaturas até as disputas para
o impedimento da posse dos candidatos eleitos Juscelino Kubitschek (JK) e João Goulart
(Jango), que acabou culminando com o Golpe da Legalidade desferido pelo General
Henrique Lott e assegurando a posse dos candidatos eleitos.
PALAVRAS-CHAVE: Eleições de 1955; O Estado de S. Paulo; Ciência Política;
História Política.
O jornal O Estado de S. Paulo (OESP) possuía a maior tiragem do estado de São
Paulo (e era um dos periódicos de maior circulação do Brasil) durante a década de 1950.
Criado em 1875 com o nome A Província de São Paulo (APSP) a partir de conversas
dentro do recém-fundado Partido Republicano (PR), trazia uma perspectiva de franca
oposição ao sistema monárquico defendendo bandeiras liberais como a abolição da
escravatura e uma maior autonomia das províncias frente ao poder central, entre outras
coisas. Na capa da primeira edição (04 de janeiro) o periódico trazia todas as informações
referentes à sua formação: os primeiros redatores foram o promotor público e jornalista
Américo de Campos (que ficou no jornal até 1884 quando saiu para fundar outro
periódico, o Diário Popular) e o político Francisco Rangel Pestana (que ficou no jornal
1 Doutorando em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”. E-mail: [email protected]
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até 1891); o administrador geral era o jornalista português José Maria Lisboa (que
também deixou o periódico em 1884 e foi um dos fundadores do Diário Popular junto
com Américo de Campos), além de possuir vários outros acionistas que contribuíram com
pequenas somas nessa primeira sociedade.
O jornal foi composto, basicamente, por pessoas ligadas à cafeicultura e ao
comércio do estado paulista, com uma pauta política bastante alinhada com o recém-
fundado PR. O periódico lutou pelas principais bandeiras em suas páginas, sendo bastante
enfáticos na cobertura de vários fatos importantes, como a abolição da escravatura
(13/05/1888) e a Proclamação da República (15/11/1889). Em relação a esse último fato,
o jornal editou vários textos em caráter “especial” devido à grande mudança que ocorrera
no país; nessa edição “comemorativa”, APSP foi bastante enfática em relação ao seu
posicionamento sobre a temática:
Notícias da Corte annunciam a proclamação da Republica – a forma de
governo que exprime o sentimento nacional! (...) Unamo-nos! para garantir a
ordem, porque o novo regime nasce da livre manifestação popular! (...) Povo!
o primeiro dever do republicano neste momento é ser calmo, previdente, justo,
tolerante, para ser energico na organização (...) A Republica significa a paz,
o progresso, a civilização (...) Unamo-nos sem distincção de partidos para
firmarmos esse novo regime que nos ha de trazer a gloria, a grandeza e a
felicidade! (...) Viva a Republica! (AFSP, 16/11/1889).
No período republicano que se seguiu, APSP sempre foi bastante ativa em relação
aos acontecimentos políticos nacionais e referentes ao próprio estado. Em 1890 o jornal
passou a chamar-se O Estado de S. Paulo e no final do século XIX boa parte dos acionistas
que iniciaram o periódico já tinham deixado o jornal e seu controle, de fato, estava nas
mãos de Júlio de Mesquita, jovem advogado natural de Campinas que começou a
trabalhar no periódico em 1885 por indicação de Alberto Salles (irmão do político
Campos Salles) que havia entrado posteriormente na sociedade (Júlio de Mesquita
assumiria o comando do jornal em 1891).
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Antes do período republicano, Júlio de Mesquita já tinha exercido o cargo de
vereador em Campinas. Logo após a Proclamação tornou-se secretário particular do
primeiro presidente da província paulista, Prudente de Morais (que tornaria-se presidente
do Brasil em 1894) e, em 1891, foi eleito deputado federal, sendo até o fim da segunda
década do século XX eleito sucessivas vezes (5 legislaturas) deputado estadual e foi
também senador estadual por um mandato.2
Embora filiado e com forte ligação ideológica com o PR, o diretor do OESP foi
muito crítico em relação à política exercida pelo partido, se opondo em vários momentos
à direção majoritária da agremiação como, por exemplo, contra a política dos
governadores exercida pelo presidente Campos Salles (1898 a 1902) além de discordar
publicamente de vários atos relacionados aos governos federal e estadual. Portanto, o
diário paulista sempre teve uma postura bastante crítica com os presidentes e mandatários
do partido e o principal canal opinativo era a seção Notas e Informações, na qual Júlio de
Mesquita expunha sua visão em relação aos acontecimentos nacionais e mundiais
(sobretudo a política).
Na década de 1920, após apoiar os tenentes na tentativa de golpe em São Paulo
em 1924 o jornal foi grande entusiasta da criação do Partido Democrático (PD, opositor
ao PR) (CAPELATO; PRADO, 1980, p. 23-40), uma vez que Júlio de Mesquita já havia
rompido com sua agremiação política de origem e também havia abandonado sua carreira
política. Após seu falecimento em 1927, o jornal passou a ser controlado pelo seu
primogênito Júlio de Mesquita Filho, que nunca chegou a exercer cargos na política mas
que manteve a linha de atuação do pai, próximo ao PD e fazendo franca oposição ao
governo federal.
Acompanhando de perto as movimentações relacionadas à oposição política,
OESP apoiou a Revolução de 1930 louvando a libertação da política daqueles que faziam
2 Na Constituição paulista de 1891, a Câmara era dividida entre deputados e senadores do próprio
estado, diferentemente da Constituição atual.
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seu mau uso (o jornal apoiara amplamente a candidatura de Getúlio Vargas, que perdera
a eleição em 1929 mas agora era empossado depois desse golpe de estado); no entanto
esta proximidade durou pouco tempo, uma vez que São Paulo não conquistou a autonomia
buscada e as promessas de Vargas não teriam sido cumpridas. As tensões foram
aumentando, chegando à Revolução de 32 com OESP na oposição novamente:
Não poderia caber neste palmo de prosa a descripção do enthusiasmo que,
num rhythmo crescente, accelerado, vao empolgando a alma generosa dos
paulistas (...) As pessoas que não tiveram a felicidade de viver comnosco esta
hora excepcional, jamais poderão fazer uma idéa precisa do que seja o
transbordamento cívico que empolgou nos ultimos dias, o animo
habitualmente sereno das nossas populações. Os moços, então, vivem neste
momento a sua grande hora, aquella que será lembrada com enternecimento
ao longo de toda a existencia (OESP, 15/07/1932).
Após a Assembleia Constituinte de 1933/1934, o jornal aproximou-se novamente
da política de Vargas e apoiou-o em algumas ações em seu governo, principalmente no
discurso anticomunista que começava a ganhar força nesse período. No entanto, a
instalação do Estado Novo em 1937 acabou sendo mais um motivo de rusga entre o diário
paulista com o presidente, uma vez que o governador de São Paulo Armando Sales de
Oliveira era um dos nomes que concorreriam ao cargo de presidente na eleição que seria
realizada em 1938 (e era apoiado pelo OESP). A instalação da nova política de Vargas
afetou em cheio as vozes dissonantes, sendo o cerco à imprensa cada vez maior. Embora
OESP tenha apoiado algumas iniciativas deste novo período, logo o grupo acabou sendo
afetado pelas medidas de exceção tomadas e em 1940, a mando de Adhemar de Barros
(então interventor do estado), o jornal perdeu sua autonomia e passou a ser controlado
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pelo governo federal, sendo que Júlio de Mesquita Filho foi exilado (passou pela França,
pelos Estados Unidos e pela Argentina) (CAPELATO; PRADO, op. Cit., p.54-71)3.
Após o fim do Estado Novo, OESP voltou a ter seu controle e Júlio de Mesquita
Filho também voltou aos seus textos abordando a política de maneira bastante intensa,
tendo como companheiro de direção o jornalista Plínio Barreto (que em 1947 seria eleito
deputado federal pela União Democrática Nacional – UDN) e como redator-chefe o
jornalista Leo Vaz4. Nesse período foram reorganizados os partidos políticos e, mesmo
com o fim de seu longo período presidencial (ficou quase 15 anos no poder) Getúlio
Vargas continuou influenciando bastante as relações políticas na sociedade brasileira. Os
vários grupos dispostos a lutar pelo poder estruturam-se em partidos políticos distintos,
tendo como base três grandes agremiações: duas ligadas diretamente a Getúlio (o Partido
Social Democrático - PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB) e um partido de
liberais opositores de Vargas e de seu legado (a UDN), além de outros partidos que se
consolidaram conforme os resultados eleitorais e as negociações políticas em nível
nacional, estadual e regional.
Embora com várias outras agremiações buscando seu espaço na conjuntura
brasileira, a política nacional teve como marca principal as disputas entre esses três
principais grupos políticos: o PSD ligado aos setores agrícolas (latifundiários em geral),
o PTB aos sindicatos e a órgãos próximos aos trabalhadores urbanos (operários em sua
maioria) e a UDN agregando liberais e conservadores em franca oposição aos dois outros
partidos (especialmente ao PTB, cujo legado do partido vinha, sobretudo, do Estado
Novo). A eleição realizada em fins de 1945 levou ao cargo de presidente o então Ministro
da Guerra de Vargas, Eurico Gaspar Dutra (PSD) que venceu o candidato opositor
3 O jornal ficou sob intervenção até o fim de 1945; até hoje, o grupo não reconhece esse período como parte
de sua trajetória, uma vez que o conteúdo do jornal era controlado e não refletia a posição do grupo que
tinha seu controle. 4 Até 1955, dois outros nomes passaram como redatores-chefe no jornal: Paulo Duarte (um dos principais
nomes do jornalismo nacional no período, foi redator adjunto com Leo Vaz até 1950) e Marcelino Ritter
(jornalista originário de Piracicaba, assim como o próprio Leo Vaz e vários outros nomes do jornal, que
permaneceu como redator até sua aposentadoria, em 1971).
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Eduardo Gomes (UDN) amplamente apoiado pelo OESP. Embora não se colocasse como
um jornal partidário, o periódico paulista apoiou de maneira irrestrita a UDN nesse
contexto (e apoiaria até o fim do partido, em 1965), enfatizando o destaque da
organização do partido como um grupo de oposição a Vargas e a todo seu legado (o que
incluía o PSD e o PTB):
“O Estado de São Paulo”, se não oculta suas simpatias pela U.D.N., cinge-se
nessa orientação á identidade de programas, idéias e sentimentos que o ligam
ao partido. Dai não decorrem compromissos partidarios de especie alguma e
que não estariam, jamais, nem nas tradições deste jornal nem nas intenções
de sua atual direção, fidelíssima, nesse ponto como em todos, a um passado
de intransigente independencia em face dos partidos e dos governos. Eis
porque nos reservamos integral liberdade de ação, nos nossos comentários,
nas nossas críticas e nos nossos aplausos, que exprimem sempre opiniões
exclusivas de “O Estado”, que muitas vezes discorda e combate para melhor
servir (…) todos os partidos que devem apoio ao regime encarnado na
Constituição de 18 de setembro e não pretendem deixar o campo aberto aos
extremismos, aos caudilhismos e ás demagogias que rondam a Republica para
atacá-la e destrui-la se os republicanos democratas não cerrarem fileiras na
defesa constante e combativa das instituições (OESP, A palavra oficial da
U.D.N., 02/04/1949).
Na campanha eleitoral de 1950, a figura de Getúlio Vargas foi extremamente
combatida pelo OESP, que não aceitava o fato de seu algoz político durante o Estado
Novo estar apto novamente a concorrer ao cargo. Ao mesmo tempo em que a candidatura
de Vargas começou a ganhar apoio, o ataque de vários órgãos da imprensa foi acentuado
(por conta, principalmente, da censura sofrida durante seu governo) e OESP foi uma
dessas principais vozes de oposição. Em outubro de 1950, Vargas venceu a eleição
derrotando novamente o candidato da UDN Eduardo Gomes. Em seu editorial, OESP não
perdoou o eleitorado, os partidos políticos e o próprio Vargas pelo seu resultado vitorioso:
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O candidato democratico, por excelencia, foi vencido pelo candidato
antidemocratico, também por excelencia. Ao paladino da justiça e da lei
preferiu o eleitorado o paladino do totalitarismo e da violencia. Seja (...) Que
é que resta aos democraticos fazerem diante da vontade do eleitorado assim
manifestada nas urnas? (…) Em 1945, deposto o ditador, coube aos
democratas a tarefa de restaurar o regime da lei, elaborando uma constituição
que o consagrasse integralmente. Bem ou mal, essa tarefa foi cumprida.
Agora, com a vitoria do ex-ditador nas urnas, compete-lhes o trabalho de
amparar as instituições que estabeleceram. Esse trabalho não o levarão a
termo se, seduzidos pelos cantos de sereia do ex-ditador a seus companheiros,
perderem o ardor combativo e derem por consolidado definitivamente o
regime que a Constituição de 1946 consagrou (…) O que se pede, em suma,
aos democratas genuinos é que saibam conservar-se á distancia razoavel do
governo e que não se lancem, precipitadamente, ao primeiro aceno amistoso,
nos braços do homem que rasgou duas constituições e suprimiu, durante anos,
todas as liberdades que o povo estava habituado a desfrutar (...) O que se
espera, em suma, dos democratas verdadeiros é que tenham um pouco de
juizo e, principalmente, que tenham um pouco de vergonha (OESP, A posição
dos partidos, 17/10/1950).
Em relação à conjuntura política, o governo Vargas desde a posse foi
profundamente marcado por gradativa instabilidade, com o presidente perdendo cada vez
mais apoio político no cenário nacional. Com medidas visando fortalecer a produção
nacional em detrimento dos investimentos estrangeiros, o presidente acabou
desagradando vários políticos que não viam com bons olhos a tentativa de distanciamento
do governo com potencias estrangeiras, principalmente os EUA (D’ARAÚJO, 1992, p.
127-147). No contexto da Guerra Fria (1947/1991), tal política de Vargas acabou
gerando desconfiança do governo estadunidense, preocupado com uma possível perda de
controle do desenvolvimento econômico e da política brasileira (que poderia ocasionar
uma aproximação com a URSS).
Além desse aspecto, mesmo antes de assumir o governo Vargas já contava com
uma forte oposição, principalmente da UDN. Boa parte dos udenistas haviam sofrido os
efeitos de ser oposição durante o Estado Novo e estavam dispostos a dificultar o governo
do político gaúcho ao máximo; a principal voz dessa movimentação foi o jornalista Carlos
Lacerda, jovem líder em ascensão que escrevia sempre duras palavras contra o presidente
em editoriais e artigos do seu periódico Tribuna da Imprensa (LAURENZA, op. Cit., p.
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54-55); além disso, OESP também se opunha veementemente contra o nome de Vargas,
tanto na campanha como na posse (e durante seu governo inteiro).
Desde o início do mandato de Vargas OESP publicou, quase que diariamente,
críticas à imagem ou ao governo do presidente gaúcho, anotando desde pequenos
destemperos até análises bastante negativas sobre os desdobramentos políticos de seu
governo. Deixando bem claro que não concordava em nada com Getúlio, os editoriais não
o poupavam em nenhum momento associando-o a quaisquer perturbações no país, seja
no meio político ou no meio social:
Quanto mais o sr. presidente da Republica manifesta em publico as suas
opiniões e dá conta dos seus projetos, mais cresce no publico a desconfiança
de que s. exa. não tem vontade de bem governar o Brasil. O que s. exa. tem
é vontade de permanecer no poder. Em cada discurso ha muitas promessas e
poucas realizações. Explica-se a desconfiança geral no que diz e no que faz
s. exa., porque ha, sempre, nas suas palavras, desprezo pela verdade. Ora,
contra a verdade nada se pode. Tudo deve ser feito por ela e não contra ela
(..) (OESP, A desconfiança geral, 05/02/1954).
Embora vários membros do governo Vargas tenham sido criticados pelo OESP,
um nome em especial foi bastante visado pela publicação, considerado o principal
“discípulo” do presidente: João Goulart, presidente nacional do PTB e um dos principais
articuladores da candidatura de Vargas além de tornar-se, em 1953, Ministro do Trabalho.
Principalmente quando assumiu o ministério, sua forma de encaminhar as questões
trabalhistas foi bastante contestada pelo periódico como, por exemplo, sua proposta de
dobrar o salário mínimo tendo em vista beneficiar os trabalhadores dos grandes centros
urbanos; além disso, supostamente Jango (como era popularmente conhecido)
incentivava a realização de greves por todo o Brasil, sendo considerado subversivo por
essa sua prática, um perigo ao “bom funcionamento” da sociedade brasileira:
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O povo brasileiro precisa ficar em estado de alerta diante do governo federal.
O que está sendo feito na pasta do Trabalho e o que se promete fazer ali
demandam a maior vigilancia por parte do povo. O rapazola que se acha á
frente daquele Ministerio, parece disposto a subverter completamente a
ordem social do Brasil e a fazer do operariado o principal instrumento dessa
subversão. As suas atividades, até agora conhecidas, dão-lhe direito á mais
completa confiança do Partido Comunista, mas tiram-lhe o direito á
confiança dos que não pertencem áquele partido (...) Entregar o Ministerio
do Trabalho a um comunista, apoiado na proteção que lhe dedica o chefe do
Executivo, é entregar um dos postos mais importantes ao partido que só cuida
de arrasar as instituições em vigor para se apossar do poder e, com a
supressão de todas as liberdades, submeter o povo brasileiro á terrível
escravidão sob que estão gemendo a Russia e os países satelites, na Europa,
e parte da Alemanha (...) A fomentação de greves e de outros movimentos
contrarios á ordem publica é um dos processos ordinarios a que o comunismo
recorre para destruir os regimes que lhe são contrarios. A esse processo de
política anti-social está o ministro do Trabalho, ao que se afirma, lançando
mão para aniquilar a estrutura economica do Brasil e preparar o terreno para
o advento de uma ditadura de feição totalitaria (...) (OESP, Estado de alerta,
19/07/1953).
A aproximação entre Jango e os comunistas era bastante comum nas publicações
uma vez que, ao reconhecer o direito à greve dos trabalhadores e discutir aumentos
sucessivos de sua renda, essa associação era quase que imediata para o jornal. Sua grande
proximidade com Vargas era a cereja do bolo de acusações do OESP, que em fins de 1953
passou a pedir abertamente sua saída da pasta, colocando que a manutenção de Jango
nesse posto era um perigo para todos os setores sociais do Brasil; tais críticas mantiveram-
se até a sua saída do ministério, em 23 de fevereiro de 1954. E este ano de 1954
desenrolou-se nas páginas do OESP como um período de intensa agitação política no
Brasil; além disso, a situação econômica brasileira tornava-se cada vez mais complexa,
uma vez que o parque industrial brasileiro não conseguia aumentar sua produção e as
taxas de importação subiam cada vez mais, acompanhando o aumento de preços em escala
mundial por conta dos acontecimentos referentes à Guerra Fria e de problemas
econômicos das grandes potências. Vargas passou a ser cada vez mais criticado pelo
OESP, sendo acusado diariamente como o grande responsável pela situação a qual
passava o Brasil.
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Em 05 de agosto de 1954, Carlos Lacerda foi vítima de um atentado em que foi
baleado; Rubens Vaz, major da Aeronáutica que fazia sua segurança naquela noite,
também foi baleado e faleceu. O crime foi ligado ao segurança pessoal de Vargas
Gregório Fortunato e, mesmo sem provas concretas, OESP associou de imediato o crime
à figura do presidente, que seria o principal interessado em calar as críticas do jornalista
e opositor político:
Manifestação do mais revoltante banditismo foi, indubiavelmente, a agressão
que, no Rio de Janeiro, sofreu o bravo jornalista, sr. Carlos Lacerda, quando,
em companhia de um filho e de um amigo, major da Aeronautica, foi atacado
inopinadamente por um grupo de cinco facinoras, ao aproximar-se de sua
residencia. Desse ataque resultaram a morte do oficial da Aeronautica e
ferimentos no jornalista. Os facinoras fugiram. Naturalmente, não fizeram a
obra por contra propria. Fizeram-na por conta de alguns dos covardes, mais
ou menos ligados ao Catete, contra os quais o sr. Carlos Lacerda tem movido
uma campanha desassobrada (…) Começa, dessa maneira, a expandir-se, na
capital do Brasil, o cangaceirismo político (…) O regime de terror que a gente
do governo procura estabelecer no País, numa ditadura disfarçada, tem que
ser eliminado no nascedouro (...) (OESP, Surto de banditismo, 06/08/1954).
Nos editoriais seguintes, OESP passou a responsabilizar diretamente Vargas
colocando que, se ele não fora o mandante, pecara pelo crime de ter sido permissivo frente
a possíveis ameaças que o jornalista já estaria sofrendo de pessoas próximas ao círculo
de amizades e familiares do presidente (embora o jornal não tenha especificado nenhum
nome em específico). Além da base política, o presidente perdeu o apoio de boa parte dos
militares, indignados com o atentado e com o suposto envolvimento de Vargas no crime;
imediatamente as Forças Armadas, assim como o Legislativo (e o próprio OESP)
passaram a apontar a renúncia ou o impeachment de Vargas como as únicas soluções
imediatas para a crise que se instalou.
Em 23 de agosto, uma reunião com seus ministros culminou em um
aconselhamento para o presidente afastar-se do cargo. Na madrugada do dia 24, Vargas
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recebeu um ultimato de setores do exército pedindo sua renúncia (caso contrário, seria
deposto); pouco tempo depois de ler o manifesto das Forças Armadas, Vargas matou-se
com um tiro no peito no Palácio do Catete, “deixando a vida para entrar na história”.5
Esse acontecimento mudou sensivelmente o rumo da política nacional, uma vez
que Vargas passou de vilão à mártir da república brasileira, sendo considerado um herói
por boa parte da população (FERREIRA apud GOMES, 1994, p. 61-96). Antes de sua
morte, na estruturação das campanhas nas eleições estaduais em 1954 os políticos
buscavam distância do político gaúcho, por medo de perder votos; no entanto, após sua
morte a imagem de Vargas foi extremamente exaltada por muitos desses mesmos
políticos, que buscavam aproveitar a nova maré eleitoral a partir de sua trágica morte.
Embora o acontecimento tenha sido da maior gravidade, OESP não alardeou o
tema tratando-o de maneira bastante discreta, não dando especial atenção ao ocorrido na
edição do dia seguinte. O caso foi relatado como se fosse um assunto como outro qualquer
na política, sendo especificados apenas os possíveis rumos que tal ação teria na política
nacional:
Não estava na previsão de quem quer que seja, nem seria desejado pelos
homens de sentimentos cristãos o trágico desfecho que teve a crise político-
militar oriunda do crime da Rua Toneleros. Na manhã de ontem, o sr.
presidente da Republica pôs termo á existencia com um tiro no coração.
Quando s. exa. vivia não poupamos criticas severas aos seus atos e ás suas
palavras que nos pareciam condenaveis. Agora que está morto só nos resta
descobrir-nos diante da sepultura em que jaz o seu corpo (OESP, Desfecho
tragico, 25/08/1954).
As análises da publicação foram mais voltadas à formação do novo governo do
que à morte de Vargas, relatando os desafios que Café Filho (até então vice-presidente)
5 Palavras finais da carta testamento deixada por Vargas.
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teria frente às problemáticas pelas quais o país passava nesse momento, buscando
encorajar os atos do novo presidente.
De maneira geral, o jornal passou a criticar um possível adiamento das eleições
para governador que seriam realizados naquele ano, assim como da eleição para
presidente em 1955. Tal tese era ventilada por vários grupos políticos, que pensavam que
os eleitores não estariam em condições de opinar após a forte emoção causada pelo
suicídio e seus desdobramentos (inclusive vários da UDN). No entanto, as eleições
ocorreram normalmente para os cargos de governador, senador, deputados federais e
estaduais (em São Paulo, por exemplo, o prefeito paulistano Jânio Quadros derrotou o ex-
governador Adhemar de Barros, assumindo o governo do estado sem o apoio do OESP,
que defendia o candidato udenista Prestes Maia).
No entanto, mesmo antes de toda a crise que levou ao término abrupto do governo
Vargas e das eleições regionais, a sucessão presidencial já era um assunto posto nas
páginas do OESP. Desde inícios de 1954 dois nomes eram bastante citados em relação ao
assunto: o do militar Juarez Távora e do governador de Minas Gerais Juscelino
Kubitschek (mais conhecido como JK). Embora distantes politicamente (Távora era um
ex-aliado de Getúlio, sendo um dos principais articuladores dos militares contrários a
Vargas na crise de 1954 e JK era ligado ao senador mineiro e ex-interventor Benedito
Valadares, possuindo grande proximidade com Vargas) a aproximação dos dois nomes
(que haviam demonstrado vontade em concorrer) acontecia por um ideal já há tempos
buscado pelos políticos que era a ideia de uma candidatura única, que fizesse uma espécie
de conciliação entre os partidos políticos díspares e conduzissem o Brasil a um bom
desenvolvimento. O principal nome dessa articulação era o governador de Pernambuco
Etelvino Lins (PSD), que passou a dialogar com vários nomes de outros partidos
buscando compor uma chapa única entre os dois nomes, indicando Távora como
candidato a presidente e JK como vice.
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Tal articulação foi bem vista, a primeiro momento, por alguns setores políticos.
No entanto, não houve convergência para a estruturação de tal candidatura, pois grande
parte da UDN e principalmente do PSD se opuseram a tal esquema político
(BENEVIDES, 1981, p. 94). Embora as manifestações ainda fossem tímidas, esses dois
nomes iam sendo cada vez mais consolidados como rivais na disputa que seria realizada
no ano seguinte; alguns partidos estariam dispostos a dar espaço para a candidatura de
Távora (já que ele não era filiado a nenhum partido).
Após intensas articulações, a candidatura de JK ganhou força e era tida como
inevitável pelos ciclos do PSD. Em fins de 1954 (logo após as eleições estaduais) OESP
se posicionou em relação aos resultados e às movimentações eleitorais, criticando
veementemente o então governador de Minas Gerais por não ter concordado em ser vice
na chapa de Juarez Távora. Além de tudo, o editorial do jornal paulista execrou a
movimentação do político do PSD de já articular sua campanha, tendo em vista a situação
política que o país passava naquele momento:
Louvores não merecem, cremos nós, as ambições madrugadoras do
governador mineiro, encaminhadas á conquista da suprema magistratura da
Federação. Quer s. exa., antes de qualquer outro, atrair para si as atenções dos
políticos na carreira para o Catete. Pronto está para todas as concessões e para
todos os conchavos, a fim de conseguir o que almeja. Constrangimento não
terá, já o disse, em reunir no mesmo saco, para o serviço de suas ambições,
gatos, cachorros, ratos, gambás, macacos e outros bichos da fauna política
(...) Contentes devem estar, apenas, com a aforçurada movimentação política
de s.exa. os seus inimigos de toda a casta, principalmente os seus inimigos
mais íntimos. O balão, que s. exa. soltou, queimou-se logo ao subir. E não se
queimou de uma banda só. Queimou-se de todas as bandas (OESP, Ambições
madrugadoras, 27/10/1954).
Embora o periódico não acreditasse muito na consolidação da candidatura do
governador mineiro, continuou criticando constantemente o político na medida em que
seu nome foi ganhando força como candidato, tendo como principal partido de apoio à
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candidatura PTB (além de seu próprio partido); além disso, o candidato anunciado à vice-
presidência foi, para exasperação do OESP, João Goulart. A publicação também não
poupou seu adversário político de longa data Adhemar de Barros (o jornal não perdoava
o fato de ter sido ele como interventor de Vargas que ordenou a tomada do jornal em
1940), que mesmo derrotado na última eleição anunciou que concorreria ao cargo de
presidente (SAMPAIO, 1982, p. 88-89). Com o fortalecimento dessas duas candidaturas,
OESP passou a indicar cada vez mais a necessidade de uma candidatura ligada à UDN e
aos partidos de oposição, que seria uma movimentação de “salvação” da política
brasileira.
Embora várias possibilidades foram levantadas nesse contexto, o único nome que
ainda possuía algum respaldo era o de Juarez Távora. No entanto, esse anunciou no início
de abril que não seria mais candidato, uma vez que seu nome não conseguia encontrar
consenso em nenhum grupo. Chefe da Casa Militar do governo Café Filho, Távora
continuou sendo procurado para a candidatura, principalmente pelo Partido Democrata
Cristão (PDC), agremiação a qual o militar possuía proximidades por defender vários
aspectos ligados à democracia cristã no período (BUSETTO, 2002, p. 114-115). No mês
de maio, finalmente Távora aceitou o “sacrifício” de ser candidato, pedindo demissão do
governo para embarcar de vez em sua candidatura.
Além do PDC, outros partidos definiram apoio à sua candidatura: Partido
Libertador (PL), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e, por fim, a UDN. Embora
existiram muitas discussões dentro do partido em relação à candidatura, os principais
líderes udenistas convenceram-se de que a melhor opção seria o apoio a uma candidatura
já consolidada, uma vez que já era muito tarde para pensar em um nome próprio (as
eleições realizariam-se em outubro; novamente o nome do Brigadeiro Eduardo Gomes
foi lançado, mas não obteve entusiasmo nas fileiras do partido. Além disso, foram
considerados os nomes de Etelvino Lins – que tornou-se um dissidente do PSD – e de
Jânio Quadros, que acabaria organizando a campanha de Távora em São Paulo). Mesmo
não contando com apoio da maioria do partido (Carlos Lacerda e a sessão carioca do
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partido não endossaram a candidatura), o nome de Távora foi aceito e o partido lançou a
candidatura do seu presidente nacional e deputado federal mineiro Milton Campos à vice-
presidente, consolidando assim a aliança (BENEVIDES, op. Cit., p. 95-96).
Embora com algumas ressalvas, OESP apoiou a candidatura de Juarez Távora por
acreditar que seria a única capaz de levar o Brasil ao “caminho certo”. Além dessas três
candidaturas foi homologada uma quarta, do líder integralista Plínio Salgado (pelo
Partido da Representação Popular - PRP). Assim, o cenário eleitoral em 1955 organizara-
se com OESP mais uma vez ao lado da UDN e das forças antivarguistas:
Foi acertada a deliberação a que assim chegou o partido do brigadeiro
Eduardo Gomes (...) Quanto ao candidato que conseguiu reunir em torno do
seu nome as agremiações que desfraldam a bandeira da renovação da Patria
e da Republica, sempre o tivemos como um dos valores com que conta a
Nação (...) É natural, assim, que a ele nos ligássemos, além de pela
consideração merecida por aliado dessa estatura moral, além de pela
admiração conquistada por sua intrepidez e por sua retidão, pela amizade,
também, que o aproximou dos diretores deste jornal. É, pois, quase uma
tradição de identidade de anseios e aspirações que nos impele a apoiar,
consciente e anímosamente, a sua candidatura, reconhecendo nele todos os
títulos exigidos de quem se destina a criar, no País, atmosfera propicia á
restauração da moralidade republicana (OESP, A candidatura Juarez Tavora,
29/07/1955).
Assim como fez nas duas campanhas a presidente anteriores, a partir dessa data
OESP passa a noticiar de maneira bastante ampla a movimentação de Távora e Milton
Campos frente aos concorrentes (sempre contrapondo os aspectos positivos dessa
campanha com as outras). Além disso, outros aspectos relacionados à eleição também
foram bastante discutidos como, por exemplo, a questão das cédulas eleitorais. Até então,
não existia uma cédula oficial para a votação: os papéis utilizados eram cedidos pelos
próprios candidatos, sendo que o eleitor depositava na urna o material próprio de cada
político. Após uma sugestão feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Legislativo
começou a debater a instituição de uma cédula única, que contivessem os nomes dos
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candidatos a presidente e a vice-presidente em um único espaço. A medida não foi bem
vista por alguns parlamentares (principalmente ligados ao PSD, que possuíam receio de
que parte da população não soubesse preenchê-la) e amplamente defendida pelo OESP,
que indicava que este modelo era um dos pontos fundamentais para moralizar as eleições
e diminuir o número de possíveis fraudes eleitorais (OESP – 29/07/1955):
Imagem 1 - Cédula instituída na eleição de 1955, extraída de
http://www.tse.jus.br/imagens/imagens/primeira-cedula-oficial-utilizada-no-brasil-eleicoes-para-
presidente-1955. Visualizada em: 20.03.2015.
Em fins de agosto a cédula foi aprovada e instituída como obrigatória nas eleições.
Além disso, a movimentação eleitoral ficou extremamente intensa com os candidatos
buscando frações significativas do eleitorado. Diariamente a publicação paulista animava
a candidatura Távora com imensos relatos e imagens dos comícios durante todo o Brasil,
enquanto que os comentários negativos em relação às candidaturas contrárias
(principalmente de JK e, em menor escala, de Ademar de Barros) ficavam cada vez mais
intensos. Dentro da perspectiva de demonstrar ao eleitor a superioridade da candidatura
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do militar, as imagens e os textos laudatórios eram uma ferramenta extremamente
utilizada pelo OESP para abarcar o maior número de seus leitores a tornarem-se eleitores:
Imagem 2 – Fotos feitas em comícios eleitorais – OESP, 02/10/1955.
O envolvimento do OESP com a eleição no último mês antes do pleito seguiu o
padrão já posto em 1945 e 1950, com o jornal fazendo forte propaganda do candidato
defendido pela UDN. Na mesma proporção, as críticas às outras candidaturas
aumentavam sua intensidade, com acusações políticas e muitas vezes pessoais em relação
aos principais concorrentes. Jango continuava sendo o principal alvo dos editoriais; o
PTB, como já ocorrera em outras situações, estava dividido na eleição, sendo que a ala
majoritária (comandada pelo próprio Jango) não conseguira evitar distensões dentro do
partido, principalmente da seção paulista, que em linhas gerais apoiava a candidatura de
Adhemar de Barros (BENEVIDES, 1989, p. 61-62); o principal articulador desse apoio
foi Danton Coelho, petebista que acabou se desligando do partido e filiando-se ao Partido
Social Progressista (PSP, partido de Adhemar de Barros) saindo como candidato a vice
nessa chapa (SAMPAIO, op. Cit.,p.89). Assim, o jornal questionava se Jango, que não
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conseguia “manter a ordem” dentro do próprio partido, teria capacidade suficiente para
governar o Brasil na função de vice-presidente:
o que se põe de manifesto, nesses debates domesticos, é aquilo que temos
assinalado por mais uma vez na vida partidaria do Brasil: a ausencia completa
de ideais. Os programas não têm para eles a mínima importancia. Poucos os
que se prendem a principios e dedicam a existencia a tarefas patrioticas.
Vivendo no meio de intrigas politicas, falta-lhes tempo, naturalmente, para
pensar nos problemas patrios. Todas as energias são voltadas para as
questiunculas pessoais (...) É por isso que a vida politica do Brasil se torna
cada vez mais rasteira e mediocre, constituindo os partidos, salvo uma ou
outra exceção, meros centros de atividades conjugadas para a conquista de
postos de representação ou de governo (...) Nenhuma confiança merecem
partidos com essa mentalidade. No governo, se o alcançarem, serão
extremamente facciosos e nada farão pelo bem da Patria (...) Divorciados da
justiça e afastados da verdade negarão aos adversarios pão e agua e
procurarão por todas as maneiras converter o País em feitoria propria, para
uso e gozo exclusivo da sua grel. O que acaso tenhamos ganho na pratica das
instituições democraticas seria irremediavelmente perdido. Dada a
indiferença do eleitorado pelos valores morais e intelectuais, não podemos
deixar de olhar com algum receio o pleito que se avizinha. Tememos que as
simpatias dos eleitores não se neguem, como fôra de desejar, a esses
profissionais da politicagem (OESP, Confusões politicas, 16.09.1955)
Além dos editoriais e das reportagens que passaram a estruturar seus escritos com
base na eleição que se aproximava, ganhou um espaço maior que o habitual os textos do
jornalista e deputado Rafael Corrêa de Oliveira. Profissional ligado a várias publicações
brasileiras e que depois entrou para o mundo da política filiado à UDN (nesse contexto,
era deputado federal pela Paraíba), o jornalista publicava esporadicamente textos de
opinião no jornal (aspecto pouco comum no OESP, cujas opiniões geralmente eram
restritas ao editorial). A partir do dia 15 de setembro (pouco menos de um mês antes do
pleito) suas colunas passaram a ser publicadas de 2 a 3 vezes por semana, todas elas com
relatos bastante intensos contra as candidaturas de JK e Adhemar, além de fortes críticas
ao legado de Vargas.
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Nesse meio tempo foi divulgada por Carlos Lacerda (LACERDA, 1978, p. 105)
uma suposta carta do deputado argentino Antonio Brandi a Jango, que sugestionava a
criação de uma “República Sindicalista” com base em um golpe de estado, sendo que eles
negociavam a troca recíproca de armamentos e a logística para que o ato acontecesse nos
dois países, instituindo um modelo de governo com base nas perspectivas “autoritárias”
de Perón e de Vargas.
A partir dessas movimentações, o apoio a Távora feito pelo jornal tornou-se ainda
mais intenso e, na mesma proporção, os ataques às outras candidaturas intensificam-se.
Nos últimos dias antes da votação, o clima de entusiasmo era intenso por parte da
publicação paulista, que colocava a vitória de Távora praticamente como certa.
Na edição do dia anterior à votação6, o editorial criou um texto bastante direto que
procurava “alertar” o eleitor para o fato de por que ele deveria votar em Juarez Távora, já
que esse era o único candidato que não possuía problemas legais nem morais:
Fazemos votos por que não saia decepção alguma do pleito que, amanhã, se
vai travar em todo o Brasil para a eleição do Presidente e Vice-Presidente da
Republica. Para que não haja decepção, deverá o eleitorado negar o seu voto
a todos os candidatos que não se recomendarem pela probidade e pela
capacidade administrativa (...) De todos, o unico que inspira confiança pelo
carater, pela elevação do espirito e pelo amor ao trabalho é o general Juarez
Távora. Representa s. exa. o que há de honestidade na vida política do Brasil
e o que há de nobre nas classes militares. É homem que se pode confiar e que
nunca nos poderá surpreender com alianças inqualificaveis como a que alguns
candidatos celebraram com os comunistas, nem com quaisquer transigencias
incompatíveis com os sentimentos cívicos do povo brasileiro (...) Dos seus
competidores – não se esqueça disto o eleitorado – nenhum oferece garantias
de fidelidade á democracia e de amor á Patria. Para satisfação de suas
ambições são capazes de toda sorte de conluios até com inimigos da Patria.
Não estamos a ver o ex-governador de Minas e o seu companheiro o ex-
ministro do Trabalho mancomunados com os comunistas para obter votos a
troco de tolerancia para a propaganda sovietica (...) O outro candidato, o que
se enriqueceu no governo de São Paulo, e transformou jogos ilícitos em fontes
de receitas particulares e estendeu a mão a tudo quanto há de reles na
sociedade paulista, deve ser repelido friamente por todos os homens de
6 O jornal não circulava às segundas-feiras, dia na qual a votação foi realizada.
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consciencia, por todos os patriotas sinceros (...) Quanto ao quarto candidato,
que representa os remanescentes do integralismo, nada precisamos dizer. A
sua insignificancia eleitoral torna-o um inimigo inofensivo (...) para votar
certo, para votar de acordo com as necessidades do Brasil, para votar em
candidato realmente democrata, o eleitor precisa votar no general Juarez
Távora (OESP, O pleito de amanhã, 02.10.1955).
Após a realização da votação, o resultado ainda era muito incerto (nesse contexto,
a apuração durava, aproximadamente, um mês). Nos primeiros dias posteriores ao pleito
o periódico paulista continuava confiante para a eleição de seu candidato; no entanto,
cinco dias após a eleição a vitória de JK e de Jango já se avistava claramente no horizonte
político, sendo que o jornal passou a se posicionar contra a posse dos eleitos,
principalmente do político do PTB. Como o jornal já vinha se pronunciando nos últimos
dias, para OESP era inconcebível que o legado varguista continuasse controlando o poder
no Brasil, já que este legado era sinônimo de instabilidade política, predomínio de
interesses pessoais sobre o bem-estar geral e corrupção, entre outras coisas; com o
advento da Guerra Fria e das disputas a nível mundial entre os polos capitalistas e
comunistas, a questão do comunismo ganhava cada vez mais força, sendo que Jango era,
nas páginas do jornal, um representante nato dos soviéticos no Brasil, uma vez que
flertava com a “irresponsabilidade” de utilizar o Estado para a dominação dos
trabalhadores, fazendo com que esses ficassem iludidos com uma possível melhora de
sua situação e não vissem o quanto continuariam dominados por um Estado que tornaria-
se cada vez mais autoritário.
A partir das publicações do dia 11 de outubro o diário paulista passou a defender
abertamente o impedimento da posse dos candidatos e uma possível intervenção militar
para a manutenção do Estado Democrático de Direito. As justificativas são bem
articuladas ao longo de todo o mês: inúmeras acusações de fraude eleitoral (com relatos
de possíveis testemunhas do processo), ataques intensos às figuras dos eleitos (o volume
de críticas a Jango, que já era grande, aumentou ainda mais) e a desqualificação do
sistema político e eleitoral brasileiro, visto como deficitário e aberto a todo tipo de desvios
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e achincalhes por conta dos possíveis interesseiros que estavam beneficiando-se do poder.
Assim, a única forma de fazer com que o sistema político “endireitasse-se” seria a
suspensão dessa eleição e a tomada de posse do poder pelo Exército para manter a
estabilidade com novas eleições, dessa vez “limpa”. Além de todos esses aspectos, o
discurso contra o comunismo também era bastante intenso: Jango era cada vez mais
apontado como um agente a serviço de Moscou e JK era acusado de trilhar o mesmo
caminho de seu parceiro, em nome da vitória eleitoral:
Não pode a Nação, portanto, considerar lídima a vitoria num pleito
democratico, de uma chapa levada ao triunfo pelos desafetos do regime.
Chapa, aliás, em que figura como beneficiario dessa contrafação da soberania
popular, quem se tem esmerado em demonstrações de extrema desafeição ao
regime, seja pelos entendimentos que anteriormente manteve com o
comunismo para a provocação de agitações sociais, seja pelas conspiratas que
chefiou para a implantação da republica sindicalista no Brasil. A pequena
diferença de votação que separa, na apuração geral do pleito, o general Juarez
Tavora do ex-governador mineiro, é, ao que se estima, menor que a força
eleitoral do comunismo no País. Quer isto dizer que foi um agrupamento cujas
atividades políticas se processam fora da lei quem decidiu do exito da
candidatura dos srs. Juscelino Kubitschek e João Goulart, se ao final da
apuração se confirmaram as tendencias até agora registradas. E poderá o
Brasil ficar á mercê de um governo eleito pelos comunistas, e a estes ligado
por compromissos perniciosos às instituições democraticas? (OESP, A
inquietação das raposas, 11.10.1955).
Ainda no mesmo editorial foram tecidas críticas bastante intensas ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) por ter permitido a manutenção das candidaturas de JK e Jango
e não terem fiscalizado melhor o processo eleitoral (principalmente nas cidades menores,
nas quais teriam ocorridos inúmeras fraudes). Nessa mesma edição, várias reportagens
deram vozes aos inúmeros críticos da possível vitória da chapa PSD e PTB
(principalmente Carlos Lacerda, que já bradava em alto e bom tom que lutaria com todas
suas forças para impedir a posse).
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No mês anterior às eleições a UDN já havia apresentado uma emenda
constitucional instituindo a tese da maioria absoluta – ou seja, um candidato que não
conseguisse a maioria dos votos (50% mais um) não poderia ser declarado eleito – e a
escolha seria feita pelo Congresso entre os dois candidatos mais votados (BENEVIDES,
op. Cit., p. 97-98). Além dessa proposta (não aceita), desde a discussão da Constituinte
de 1946 o tema do Parlamentarismo vinha sendo debatido (e sucessivamente rejeitado),
sendo seu criador e entusiasta o deputado gaúcho Raul Pila (líder do PL) e nesse contexto
a discussão veio à tona novamente, como uma possível solução para o caso.
A tese da maioria absoluta passou a ser a bandeira empenhada pela UDN e outros
grupos para o impedimento da posse de JK e Jango, uma vez que a diferença de votos
entre os candidatos (no caso, Adhemar de Barros era o segundo colocado para presidente
e Milton Campos o segundo colocado para vice) era muito pequena. A publicação paulista
foi desde o início intensos defensores dessa tese, sendo que OESP ia além, procurando
demonstrar que o governo dos políticos eleitos seria praticamente o fim da democracia
brasileira; além disso, o estigma do comunismo sempre era um fantasma a ser considerado
nessa nova conjuntura, como fica bem claro em um dos textos de Rafael Corrêa de
Oliveira:
Enquanto o Juscelino afirma que tomará posse a qualquer preço, o Jango
repete o seu “slogan” de aventureiro fronteiriço: “Pago para ver o jogo dos
militares”. Diabolicamente, o Partido Comunista debocha a Justiça Eleitoral,
rasga-lhe em atos publicos as decisões proferidas – e grita no apogeu à seu
triunfo para os militares perplexos: “Generais, almirantes, brigadeiros,
fascistas, lacaios do imperialismo norte-americano, traidores da Patria” (...)
Dos 58 milhões de brasileiros, 55 milhões vêem perplexos a desintegração
moral e social da propria Patria. Dos 9 milhões e quinhentos mil eleitores que
votaram no dia 3 do corrente nada menos de 6 milhões e quinhentos mil ficam
boquiabertos diante da minoria audaz e perigosa que ainda tem as mãos sujas
de lama – as mãos que mergulhavam gostosamente no mar de imundicies que
tragou o sr. Getulio Vargas (...) É a procissão dos moribundos. É a parada da
morte. São os 55 milhões de brasileiros, industriais, agricultores, intelectuais,
juízes de beca solene, militares garbosos, tanques, aviões, cruzadores e
submarinos – o enorme desfile do Brasil curvado, submisso, emasculado
diante de Jango, Prestes e Juscelino com seus 3 milhões de votos, os seus
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“currais”, os seus “viveiros” de eleitores, na apoteose de uma catástrofe
nacional (...) (OESP, Procissão do Brasil moribundo, 15.10.1955).
O caráter de embate passou a ser extremamente intenso e não permitia análises
ponderadas – tanto é que na edição do dia 16 de outubro, o editorial fez duras críticas ao
artigo de um colaborador, o pensador católico Gustavo Corção, que defendia a
manutenção do pleito e a posse de JK e Jango, além de uma discussão política
demonstrada em vários editoriais contra o jornal carioca O Correio da Manhã (CM), que
defendia a posse e a manutenção do pleito.
Nesse meio tempo JK deu uma declaração já como presidente eleito, propondo
um governo de “união nacional”. OESP se posicionou contra o possível candidato eleito,
lembrando que a perspectiva de união foi proposta antes da eleição e não foi aceita por
ele (OESP, 20.10.1955). O próprio Távora, a primeiro momento bastante prudente em
relação a qualquer declaração, passa a defender a anulação do pleito e o jornal apoia a
visão do possível candidato derrotado (é preciso lembrar que enquanto toda essa
discussão estava aflorada, a apuração continuava acontecendo e os dados divulgados eram
todos parciais), além de defender uma possível iniciativa não constitucional caso a justiça
não anulasse o pleito:
Apesar dessa insignificante votação pretende o candidato assumir o governo,
não obstante ter sido apoiado francamente por um partido posto fora da lei,
que é o Partido Comunista. Os seus adversários resolveram prosseguir na luta
perante os tribunais, mediante recursos que serão interpostos de um momento
para outro. Será esta a solução jurídica para libertar o Brasil da ameaça de
catastrofes que se contêm na retomada do poder pelos sobreviventes da
política ditatorial (...) Muita gente acredita que mais acertadamente andariam
os que se ergueram contra o retorno da gente ditatorial ao poder se, através
de um golpe de força, desviassem do Brasil essa calamidade. Outros estão
certos também de se somente por esse meio se poderia dar cabo da anarquia
em que a administração do ex-ditador lançou o Brasil. Dentro da lei, em
obediência aos preceitos constitucionais, essa restauração seria impraticavel
(...) Se essa justiça não encontrar nas leis o instrumento que necessita para
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restabelecer o sossego nos espiritos perturbados pela vizinhança da catastrofe,
veremos então se, diante desta, ou nos devemos resignar á desgraça de sermos
governados pela mesma gente que tanto mal fez ao Brasil ou se, dando largas
ao desespero, devemos arriscar tudo – o sossego e a vida – nas convulsões de
um movimento revolucionario (...) (OESP, Politica e justiça, 28.10.1955).
Em linhas gerais, a situação foi ficando cada vez mais próxima de uma solução
imposta, uma vez que os (possíveis) derrotados na eleição apelaram à Justiça contra o
pleito. Nesse caleidoscópio de acusações, no início de novembro a famosa carta Brandi
foi declarada falsa, tendo sido forjada por políticos argentinos dispostos a desestabilizar
a política argentina e brasileira (LACERDA, op. Cit., p. 105-106). Mesmo com a
comprovação da fraude as acusações contra Jango continuaram, pois OESP lembrava que,
se a carta era falsa, seu conteúdo no entanto não era nada fora da realidade vigente, ou
seja, Jango continuava sendo um entusiasta da República Sindicalista mesmo que não
existissem provas verdadeiras contra ele (OESP, 02.11.1955).
No dia 31 de outubro, morreu na capital federal o chefe do Estado Maior do
Exército brasileiro, General Canrobert Pereira da Costa. Seu enterro, no dia seguinte,
reuniu todas as grandes lideranças do Exército, sendo que ocorreram vários discursos em
sua homenagem. Entre essas falas, a de maior repercussão foi a do Coronel Jurandir
Bizarria Mamede, um dos principais nomes da Escola Superior de Guerra (ESG) e um
dos mentores do impedimento da posse de JK e Jango. Em seu pronunciamento, utilizou
o espaço de homenagem fúnebre para atacar violentamente os políticos eleitos e a situação
política pela qual o Brasil passava no período:
Não será por acaso indiscutível mentira democrática um regime presidencial
que, dada a enorme soma de poder que concentra em mãos do Executivo,
possa vir a consagrar, para a investidura do mais alto mandatário da Nação,
uma vitória da minoria? Não será também, por acaso, pseudolegalidade
patente, aquela que ousa legitimar-se para defesa intransigente de um
mecanismo adrede preparado para assegurar, em toda a sua plenitude, o voto
do analfabeto, proibido por lei? (...) (ARGOLO et all, 1996, p. 57-58).
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O ministro da Guerra, o general Henrique Teixeira Lott, estava presente ao funeral
e considerou o discurso uma afronta à hierarquia do Exército, já que não era permitido
aos militares manifestações de cunho político (principalmente em público). No entanto,
como Mamede era ligado a ESG, o único nome que poderia autorizar ou não alguma
punição era o presidente da República. E Café Filho, na manhã do dia 03 de novembro,
foi internado em estado grave devido a um acidente cardiovascular, deixando a
presidência provisoriamente nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Carlos
Luz (deputado mineiro do PSD). Assim, em poucos dias a instabilidade política brasileira
aumentou ainda mais devido a esses aspectos, já que Lott ficou a espera da definição do
presidente e o deputado do PSD assumiria o cargo em definitivo apenas no dia 08 –
durante praticamente cinco dias, o Brasil ficou oficialmente sem um presidente “oficial”,
tornando a situação ainda mais instável (SILVA, 1975, p. 95).
Nesse contexto, OESP posicionou-se favorável a Mamede e passou a fazer forte
oposição à figura de Lott. Relembrando que Canrobert era um dos principais nomes
antigetulistas das forças armadas e Mamede era um dos seus principais apoiadores, o
jornal convergiu com as críticas de ambos os militares e valorizou as palavras
pronunciadas por Mamede no enterro de seu superior:
As palavras do cel. Mamede trouxeram grande alento aos que temem pela
sorte do Brasil diante da insanidade dos políticos empenhados em levar ao
segundo posto da Republica o perigoso demagogo imbuido de idéias
totalitarias que preconiza para o Brasil um regime opressivo e degradante
como aquele que Peron estabeleceu em seu país e do qual este só foi libertado
ultimamente pela ação patriotica e corajosa das forças armadas (OESP,
Roteiro patriotico, 04.11.1955).
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Juarez Távora e Milton Campos declararam, em 06 de novembro, que eram
favoráveis a suspensão das eleições apenas se fosse comprovada fraude nas votações – os
candidatos derrotados não foram favoráveis à tese da maioria absoluta, por indicarem que
tal aspecto não constava na Constituição e seria um ponto colocado após as eleições,
mudando as regras do jogo conforme esse já estivesse no seu fim. Tal postura causou
espanto nos grupos que defendiam a suspensão da eleição, já que a tese da maioria
absoluta possuía força entre seus membros. Em editorial, o jornal paulista teve certo
cuidado ao ir contra os candidatos, mas ao mesmo tempo foi bastante firme em seu
posicionamento criticando os próceres derrotados:
A alegação da maioria absoluta devera ser feita fôssem quais fôssem as
circunstancias. Se as opiniões estão divididas sobre a necessidade ou não de
figurar na Carta Constitucional essa exigencia, motivo não há para abandoná-
la, mas exatamente para levá-la á decisão da Justiça Eleitoral. Se divergem as
opiniões só aquele tribunal poderá dizer a palavra definitiva (...) Daqui se
conclui que não devemos facilitar mas dificultar por todas as formas a posse
dos candidatos que se dizem eleitos, porque eles trazem na bagagem terriveis
bombas explosivas. Abandonar um argumento, que poderia dificultar essa
posse, não nos parece de grande habilidade política (...) Não nos esqueçamos
também que esses homens, beneficiados pela renuncia dos adversários,
representam, na política, o que há de mais corrupto em toda a historia do
Brasil. (OESP, Renuncias injustificaveis, 08.11.1955).
O General Lott ainda esperava uma resposta definitiva para a possível punição a
Mamede (embora, pelo próprio tempo que já passara, era pouco provável que essa fosse
autorizada). Além disso, a Justiça também avaliava o pedido feito por políticos
(encabeçados pela UDN) para fazer valer a tese da maioria absoluta e a fiscalização das
fraudes eleitorais que teriam ocorrido durante o pleito, beneficiando os virtuais candidatos
eleitos JK e Jango. Quando do afastamento definitivo de Café Filho e a posse de Carlos
Luz, a resposta em não punir o Coronel Mamede foi extremamente valorizada pelo OESP.
Em suas páginas, Rafael Corrêa de Oliveira teceu comentários pouco amáveis à figura do
então ministro da Guerra:
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Mas nada disso teria importancia se as Forças Armadas estivessem unidas,
alertas, vigilantes na defesa dos interesses nacionais. O fato lamentavel e
tragico, no entanto, é que o general Lott, por ambição ou incapacidade se
dispôs a colocar o Exercito a reboque do “mar de lama”. É, hoje, o ministro
da Guerra um elemento de desordem que sob o pretexto ridiculo de defender
a legalidade por ele mesmo ignorada em 1954 se lança na vanguarda de uma
recua de aventureiros ligados a Moscou por um lado e á especulação
internacional por outro, sem pensar no Brasil no seu futuro, na continuidade
de suas tradições sociais e politicas (...) (OESP, Recordemos o 10 de
novembro, 11.11.1955).
Devido à recusa de Carlos Luz em punir Mamede, Lott pediu demissão do
Ministério em 11 de novembro. No entanto nesse mesmo dia o General, já articulado com
várias lideranças militares, instituiu um golpe depondo Carlos Luz (que estava a apenas
3 dias como presidente) do cargo, sob a alegação que ele estaria do lado do grupo que
tendia a dar um golpe no país (embora fosse do PSD, Luz não era simpático a ideia de JK
assumir o poder, aproximando-se da UDN) e empossando o senador catarinense Nereu
Ramos (também do PSD, quarto nome na linha sucessória). Em um caso raro nas
democracias ocidentais, o chamado Golpe da Legalidade foi uma quebra dos princípios
da Constituição para mantê-la – ou seja, Lott abriu mão da situação legal ao deferir um
golpe exatamente para evitar outro que estaria por vir (SILVA, op. Cit., p. 104-122). Tal
ato foi tão impactante que causou uma mudança significativa no OESP: depois de muitos
anos dedicando sua capa somente a fatos internacionais (nem mesmo Vargas tinha
ocupado essa parte em seus piores momentos de crise), a edição do dia 12 de novembro
estampava de maneira bastante declarada o golpe militar efetuado no Rio de Janeiro:
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Imagem 3 – capa do dia 12.11.1955, na qual o jornal destaca, passo a passo, os acontecimentos
referentes a deposição de Carlos Luz e a posse do novo presidente, Nereu Ramos.
Embora tenha dado um amplo destaque de notícias sobre o acontecimento, não há
nenhum texto opinativo nessa edição – o editorial refletiu sobre a situação econômica no
Brasil (curiosamente não há nenhuma menção à situação política do período) – e como o
jornal era matutino, sua edição fechava na noite anterior. A movimentação de Lott e os
outros membros do Exército ocorreu no dia 11 de manhã e durou o restante do dia –
portanto, em tese poderia ter aparecido textos de opinião. No entanto, a edição do dia 13
trouxe um editorial perplexo com a situação do país, tentando compreender melhor a
dinâmica do momento (e explicando a “ausência” crítica no dia anterior):
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Limitamo-nos ontem a informar os nossos leitores, com a exatidão e a
segurança que eles se habituaram a encontrar em nossas colunas, sobre os
acontecimentos que alteraram o cenario de nossa vida politica. E hoje,
pensando serenamente os fatos que surpreenderam a opinião publica, vamos
sobre eles definir o nosso pensamento. Orientar-nos-emos, para tal, em nossas
tradições de lisura e independencia em face das lutas que norteiam os destinos
da Nação, e de fidelidade ao que vemos de inviolavel nas conveniencias
coletivas. Não seria este momento que nos iria desviar, pela omissão da
lealdade que sempre guardamos ao País e á Republica, da sinceridade, e
também da franqueza, bem como da imparcialidade de que nos revestimos na
analise dos interesses supremos da Nacionalidade (...) A posição assumida
pelo sr. ministro da Guerra contra um ato do chefe do governo não poderia,
pois, enquadrar-se na legalidade: converteu-se, assim, num indiscutivel
atentado á Constituição (...) Ao Parlamento Nacional faltou também a
necessaria coragem para decidir sobre a atitude que deveria assumir na
eventualidade. Elegendo e empossando um novo presidente da Republica
antes da vacancia da suprema magistratura do País, feriu o Congresso o
regime, fazendo tabula rasa dos dispositivos essenciais da lei fundamental do
País (...) Uma comoção das proporções da que acaba de traumatizar a Nação
não pode ser determinada senão por causas muito profundas, e estas não
podem, por seu turno, ser eliminadas pelas razões de uma simples aparencia
de legalidade (...) Mas, o que acabamos de assistir será, como o de 1922,
apenas o primeiro ato. Corremos o risco de ver a ele sucederem-se outros.
Quais? Como? Quando? É nos impossível predizer: as nuvens que toldam os
sombrios horizontes da Nacionalidade e da Republica impedem-nos a todos
a visão do futuro! (OESP, A situação nacional, 13.11.1955).
Embora a bancada da UDN não tenha concordado com a movimentação do
Congresso, a maioria fez prevalecer sua vontade e Nereu Ramos foi mantido como
presidente do Brasil. A partir desse ponto, o jornal continuou voltando suas palavras
contra a dupla JK e Jango e, principalmente, contra o general Lott, uma vez que esse teria
desfechado o golpe apenas por um “capricho pessoal” e não teria respeitado a
Constituição brasileira. No dia 16 de novembro o ministro da Guerra deu uma entrevista
à agência de notícias estadunidenses United Press apontando que os principais nomes que
articulavam o golpe no Brasil eram Eduardo Gomes e Carlos Lacerda. Essas menções
mexeram com o brio do OESP, que passou a atacar ainda mais a figura de Lott e do
movimento, como fica bem marcado no texto No baile da legalidade à fantasia, de Rafael
Côrrea de Oliveira:
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Como vemos, o que se está passando é o baile carnavalesco da legalidade,
com o objetivo de restituir o Brasil aos criminosos que o Exercito, a Marinha
e a Aeronautica, num ato revolucionario, dignamente, depuseram no dia 24
de agosto do ano passado. Naturalmente, com medo da opinião publica,
querem que dancemos neste baile ao ritmo das musicas impostas pela vontade
dos mascarados em armas. Ou eles despem a fantasia e se apresentam perante
o País com as suas metralhadoras e os seus canhões esmagando todos os
direitos que a Constituição assegura, ou nos reservamos a perigosa tarefa de
agir na conformidade das nossas leis (...) (OESP, 17.11.1955).
No dia 22 de novembro, o presidente licenciado Café Filho (que era ligado ao
PSP) manifestou o desejo de voltar à presidência (aspecto que era legítimo, já que se
encontrava em melhores condições de saúde). No entanto, na movimentação do dia 11
ele também havia sido apontado como um dos conspiradores contra a eleição de JK e
Jango e, por conta disso, tanto a Câmara quanto o Senado votaram seu impedimento já
no dia 22, tirando-o do cargo. Tal medida fechava o ciclo contra a UDN e grupos de
outros partidos que ainda desejavam não permitir fazer valer o resultado da eleição (que
ainda não saíra oficialmente); além desse ato, também foi sugerido pelo presidente (e
aprovado pelas duas casas) o Estado de Sítio, que manteria a “calmaria” no país até a
posse. Diante desses aspectos, OESP publicou o seu editorial mais contundente sobre o
caso, intitulado Tudo acabado no qual decretava o “fim” da democracia no Brasil:
Está tudo acabado. Nada mais resta daquilo que foi um dia o regime
constitucional (...) Dos que votaram pela suspensão dos direitos individuais,
outra coisa não se poderia esperar. Na sua totalidade vêm do “estado novo”,
formaram seu espirito no contacto do caudilho de São Borja, o que os fez
supor estarmos pura e simplesmente assistindo á volta áquilo que no curto
espaço de dez anos levou esse mesmo Exercito, por duas vezes, a varrê-los
do poder (...) (OESP, 25.11.1955).
Com tais medidas, foram neutralizados todos os meios com que os oposicionistas
vinham se utilizando para barrar a posse de JK e Jango. No entanto, a situação continuou
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bastante complexa, uma vez que havia muita tensão no meio político na capital; foi
cogitada até a renúncia de Jango ao cargo de vice-presidente, mas tal aspecto não ganhou
força. Em 07 de janeiro de 1956, o TSE publicou os resultados oficiais do processo
eleitoral de 1955, sendo os seguintes: JK foi eleito com mais de 3 milhões de votos, contra
cerca de 2,6 milhões de Juarez Távora, 2,2 milhões de Adhemar de Barros e mais de 700
mil votos de Plínio Salgado; já para vice-presidente, Jango foi eleito com mais de 3,5
milhões de votos (500 mil a mais que JK), Milton Campos ficou em segundo lugar com
mais de 3,3 milhões seguido por Danton Coelho com mais de 1,1 milhões. A partir desses
números, as disputas pelo resultado foram encerradas e os partidários proclamados,
mesmo ainda com várias movimentações da oposição (a principal delas foi a tentativa de
convocação de Lott para dar explicações no Congresso, medida a qual não vingou).
Por fim, mais que uma descrição das reportagens da época esse trabalho procurou
fazer uma breve análise do conteúdo das notícias e artigos de opinião do OESP e sua
dinâmica com a política e a sociedade, indicando que analisar a imprensa é ir muito além
de uma análise simplificadora dos fatos traçados por ela; por conta disso, a imprensa como
objeto continua sendo uma opção de extremo interesse e importância para os
pesquisadores em Ciências Sociais.
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