a educação do campo nos marcos da escola pública

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A EDUCAÇÃO DO CAMPO NOS MARCOS DA ESCOLA PÚBLICA Vanderlei Amboni Orientador Prof. Dr. Luiz Bezerra Neto RESUMO: Este escrito traz a educação do campo nos marcos escola pública. Para tanto, partiremos do estudo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº 9.394/96 e do movimento provocado pelos sujeitos do campo na articulação para a conquista da escola do campo dentro das normas oficiais do Estado burguês. Dessa forma, a escola ocupada ganha dimensões sociais no campo do direito, isto é, na legalidade burguesa via Estado. O campo de ação da escola é marcado pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, que disciplinam e dão legitimidade à escola do campo no marco institucional e reconhecem os sujeitos do campo na sua diversidade, pluralidade cultural e modos específicos de produção da vida material, a partir do trabalho com a terra. Palavras-chave: Movimentos sociais. LDB 9.394/96. Educação do campo. INTRODUÇÃO Na longa história das comunidades humanas, sempre esteve bem evidente a ligação entre a terra da qual todos nós, direta ou indiretamente, extraímos nossa subsistência, e as realizações da sociedade humana. E uma dessas realizações é a cidade [...]. (Wiliams Raymond, 1989). No presente artigo, apresentaremos uma discussão sobre a educação do campo nos marcos da escola pública, isto é, como escola institucionalizada. Para tanto, nosso estudo parte das normas legais que regulamentam a educação do campo no aparelho

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Educação do campo.

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A EDUCAO DO CAMPO NOS MARCOS DA ESCOLA PBLICAVanderlei Amboni

Orientador Prof. Dr. Luiz Bezerra NetoRESUMO: Este escrito traz a educao do campo nos marcos escola pblica. Para tanto, partiremos do estudo da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB, Lei n 9.394/96 e do movimento provocado pelos sujeitos do campo na articulao para a conquista da escola do campo dentro das normas oficiais do Estado burgus. Dessa forma, a escola ocupada ganha dimenses sociais no campo do direito, isto , na legalidade burguesa via Estado. O campo de ao da escola marcado pelas Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo, que disciplinam e do legitimidade escola do campo no marco institucional e reconhecem os sujeitos do campo na sua diversidade, pluralidade cultural e modos especficos de produo da vida material, a partir do trabalho com a terra. Palavras-chave: Movimentos sociais. LDB 9.394/96. Educao do campo.INTRODUONa longa histria das comunidades humanas, sempre esteve bem evidente a ligao entre a terra da qual todos ns, direta ou indiretamente, extramos nossa subsistncia, e as realizaes da sociedade humana. E uma dessas realizaes a cidade [...]. (Wiliams Raymond, 1989).

No presente artigo, apresentaremos uma discusso sobre a educao do campo nos marcos da escola pblica, isto , como escola institucionalizada. Para tanto, nosso estudo parte das normas legais que regulamentam a educao do campo no aparelho do estado burgus, mas no iremos tratar das experincias da Escola do Campo no tocante aos Estados e Municpios brasileiros. Dessa forma, nossa anlise partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB, Lei n 9.394/96.

O marco institucional da educao do campo a LDB 9394/96, que d, escola localizada no mundo rural, o devido respeito diversidade dos povos do campo, assegurando-lhes princpios organizacionais ligados s atividades do trabalho e da vida do campo. Isto implica em afirmar que as experincias ligadas vida e ao trabalho so instrumentos de formao dos sujeitos do campo que, quando chegam escola trazem um somatrio de experincias vividas nos diversos e diferentes espaos de sociabilidade e formas de trabalho, dentro da ordem burguesa. Neste aspecto, a escola um espao onde os sujeitos exprimem seus valores culturais, experienciam novas formas de relacionamento social e aprendem o que a humanidade at ento produziu e sistematizou em forma de conhecimento escolar.

Dessa forma, a LDB (1996) disciplinou uma escola para o meio rural, que aqui cito:

Art. 28. Na oferta de educao bsica para a populao rural, os sistemas de ensino promovero as adaptaes necessrias sua adequao s peculiaridades da vida rural e de cada regio, especialmente:I - contedos curriculares e metodologias apropriadas s reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;II - organizao escolar prpria, incluindo adequao do calendrio escolar s fases do ciclo agrcola e s condies climticas;III - adequao natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996).A LDB 9394/96, de inspirao liberal, apontou para a educao do campo uma natureza prpria, na qual, a vida do campo se fizesse presente em sua diversidade cultural e estabeleceu o respeito s regionalidades e formas de trabalho presente no campo, pois os indivduos vivem em meio cotidianidade do presente, cuja existncia j se encontra dada e estabelecida historicamente na sociedade. Nela, se tem presente a expresso da garantia de respeito s peculiaridades de trabalho e de vida do campo nas suas mltiplas dimenses e regionalidades e aponta para um currculo, metodologia, organizao e calendrio escolar adequados a cada situao vivenciada pelos sujeitos em seus respectivos territrios. A base material que d sustentao escola do campo a preservao dos valores sociais e a cultura do trabalho do homem do campo.A LDB 9394/96, portanto, trouxe a chave que abria o campo do direito para os movimentos sociais reivindicarem a escola para os sujeitos do campo. A fora do MST e da sociedade civil se mostrou presente na LDB, bem como nas legislaes vindouras, que destacamos: o Plano Nacional de Educao PNE, Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001 e a Resoluo CEB/CNE n 1, de 03 de abril de 2002, que institui as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo - Doebec.

No PNE (Lei 10.172, de 2001), estabelece que A escola rural requer um tratamento diferenciado, pois a oferta de ensino fundamental precisa chegar a todos os recantos do Pas e a ampliao da oferta de quatro sries regulares [...], consideradas as peculiaridades regionais e a sazonalidade alm de prever formas mais flexveis de organizao escolar para a zona rural, bem como a adequada formao profissional dos professores, considerando a especificidade dos alunos e as exigncias do meio. (PNE, Lei 10.172, de 2001).

Na Resoluo CEB/CNE n 1, de 03 de abril de 2002, ao instituir as Doebec, traz em seu Artigo 2 que elas,

[...] constituem um conjunto de princpios e de procedimentos que visam adequar o projeto institucional das escolas do campo s Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil, o Ensino Fundamental e Mdio, a Educao de Jovens e Adultos, a Educao Especial, a Educao Indgena, a Educao Profissional de Nvel Tcnico e a Formao de Professores em Nvel Mdio na modalidade Normal. (MEC, 2002, p. 1).Para afirmar que:

A identidade da escola do campo definida pela sua vinculao s questes inerentes sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes prprios dos estudantes, na memria coletiva que sinaliza futuros, na rede de cincia e tecnologia disponvel na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as solues exigidas por essas questes qualidade social da vida coletiva no pas. (MEC, 2002, p. 1).Neste caso, trabalho e educao fazem parte da vida cotidiana dos indivduos e a escola, em suas dimenses educacionais, no apenas o espao de ao de formao escolar, onde o sujeito aprende o conhecimento humano sistematizado, mas tambm de sociabilidade e cultura poltica, pois nesse universo, as relaes e as lutas de classes se manifestam no cotidiano da vida individual. E isto tambm se manifesta no campo, onde as relaes sociais de trabalho determinantes so as engendradas pelo capitalismo e suas contradies, pois h conflitos na estrutura produtiva e uma base campesina que se organizou para a conquista da escola do campo dentro da ordem burguesa como resposta e em contraposio escola urbana assentada no iderio liberal, consagrada pela ps-modernidade, pois promove a excluso dentro da incluso.

Diante disso, Silva nos traz que:

Ao mesmo tempo, porm, os indivduos no so simplesmente moldados pelas condies estruturais. Existe um outro nvel, o das interaes dos indivduos na vida social cotidiana, com suas prprias estruturas, com suas caractersticas prprias, onde eles do um sentido prprio s condies que determinam sua vida. o nvel do grupo social, onde se identificam pelas formas prprias de vivenciar e interpretar as relaes e contradies, entre si e com a sociedade, o que produz uma interpretao peculiar dos diferentes equipamentos simblicos da sociedade, uma cultura prpria. [...]. (SILVA, s/d, p. 2-3).Neste aspecto, o movimento por uma educao do campo, nascido das lutas sociais, ganhou forma aps a sano da LDB 9394/96 e passou a imprimir as lutas nos marcos do Estado burgus pela educao do campo, pois O direitodas crianas e dos jovens tem de ser feito valer. Eles no so capazes de agir por si prprios. , no entanto, dever da sociedade agir em nome deles. (MARX, 1983, p. 83).

Diante do direito e, pelo conhecimento do mundo real, por parte de lideranas dos movimentos sociais, cujo futuro dos trabalhadores do campo e da cidade, eles sabem que depende da formao da gerao nascente e, portanto, essa formao passa pelo Estado e tem que ser arrancada do poder estatal por meio de presso popular. Nesse sentido, Marx aponta para o conhecimento e a experincia de vida que os trabalhadores trazem sobre o trabalho e as possibilidades reais de transformao social. Por isso, afirmou Marx que,[...] Eles sabem, antes de tudo o mais, que as crianas e os jovens trabalhadores tm de ser salvos dos efeitos esmagadores do presente sistema. Isto s poder ser efectuado convertendo arazo socialemfora sociale, em dadas circunstncias, no existe outro mtodo de o fazer seno atravs deleis geraisimpostas pelo poder do Estado. Impondo tais leis, a classe operria no fortifica o poder governamental. Pelo contrrio, eles transformam esse poder, agora usado contra eles, em seu prprio agente. Eles efectuam por uma medida[act]geral aquilo que em vo tentariam atingir por uma multido de esforos individuais isolados. (MARX, 1983, p. 83).Este , portanto, nosso objeto de estudo neste trabalho.SOCIEDADE, LUTAS SOCIAIS: A LDB 9394/96 E EDUCAO DO CAMPOOs idos de 1980 so marcados, no Brasil, como uma dcada perdida no campo da economia, mas, no campo das lutas de classes, foi de intensas lutas democrticas por reabertura poltica, democratizao do Estado, por reforma agrria e educao, que fizeram parte do cotidiano e de debates na sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, o movimento do capital em torno de uma reestruturao produtiva estava em curso, criando as bases para a flexibilizao do trabalho e uma nova diviso internacional do trabalho. Com as transformaes nas bases produtivas do capital, engendrada pelo rpido desenvolvimento tecnolgico e uma nova ordem mundial, permitiu ao capital uma reestruturao produtiva no parque industrial e o fechamento de vrios postos de trabalho nas fbricas. Diante disso, a sociedade burguesa se reelabora e marca como luta poltica, a criao do Estado mnimo, procurando liberar o Estado de seus monoplios estatais. Neste sentido, imprimiu uma onda de privatizaes de empresas estatais ligadas infraestrutura, telecomunicaes, entre outras. O ataque liberal, neste caso, teve um forte componente ideolgico fundamentado no fim da histria, pois o capital se livrou de um inimigo presente na luta de classes do sculo XX. O fim da URSS, em 1991, consolidou a hegemonia capitalista nas relaes internacionais do trabalho, permitindo ao capital, cada vez mais, um avano certeiro sobre reas de responsabilidade dos poderes pblicos, como educao, segurana, sade, etc., como novo padro de acumulao capitalista. No obstante, Pino nos traz que:Nos anos 90, como consequncia do rpido desenvolvimento tecnolgico e da nova ordem globalizada, ocorre, com grande velocidade, a evoluo das ideias relativas educao, polarizando-se em torno do seu valor econmico. A educao passa a ser central, porque constitutiva, para o novo modelo de desenvolvimento auto-sustentado e para a posio dos pases no processo de reinsero e realinhamento no cenrio mundial. (PINO, 2007, p. 26).Em discusso no parlamento desde 1988, a LDB foi sancionada pelo presidente da Repblica em 20/12/1996. Ela uma expresso da liberalidade estatal de suas funes pblicas, permitindo um rpido crescimento de instituies privadas no campo educacional, pois a educao, segundo Pino (2007), a partir do governo Collor, foi subassumida economia, tendo lugar privilegiado por seu valor econmico enquanto base do novo estilo de desenvolvimento. A educao acentuou seu carter mercadolgico na ordem social neoliberal, que se traduz no Estado enxuto. No Brasil, o Estado enxuto representa uma dualidade entre pblico e privado. Nas atividades da educao, valoriza a cidadania e a qualificao para o trabalho como meio de insero social no mercado de trabalho subsumido ao capital. O sentido neoliberal se manifestou quando a educao foi inscrita na lei como dever da famlia do Estado como de direito pblico subjetivo, o que implica em dizer que a responsabilidade educacional passou para a famlia e, para isso, o Estado deve ser acionado para dar cumprimento norma legal, quer seja na esfera do pblico ou do privado, mas mantendo a lgica de sempre escolas pobres para os pobres e ricas para os ricos (GENTILI, 2003, p. 37), pois o presentismo neoliberal mantm o apartheid escolar para o sofrido setor popular.

Para dar cumprimento ao pensamento liberal nos seus pressupostos doutrinrios, compete famlia definir com o que se quer como formao escolar, pois ningum, nenhuma instituio, em nenhuma hiptese, pode escolher ou direcionar o plano de vida de cada indivduo, ou de um conjunto de indivduos independentes (NAGEL, 2009, p. 3) e o cerne deste princpio reside no seguinte fato:

Se aos homens cabe a liberdade de proceder conforme seus desejos, suas opinies, de coloca-las em prtica durante a sua vida, sem impedimento fsico, moral ou legal, [...] no cabe, a nenhum tipo de Estado, aes que possam contrariar ou estorvar o caminho dessa liberdade, sustentada por ator privados, autnomos, reveladores de diferentes escolhas na maneira de viver e/ou de ser. (NAGEL, 2009, p. 2-3).Neste sentido, a sociedade liberal deu as bases da educao pautada no dever da famlia e do Estado, inspirada nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando e seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (LBD 9394/96), como meio de valorizao da individualidade liberal determinada pela mxima dos tericos da doutrina neoliberal, onde explicita que, tudo o que individual nos seres humanos deve ser incrementado, porque qualquer ato contrrio ao desenvolvimento determinado pela natureza ou pelos prprios sujeitos entendido como despotismo. (NAGEL, 2009, p. 2).A objetivao da cidadania, consagrada na LDB 9394/96, se expressa nas lutas sociais provocadas pela ascenso de governos populares ao implantarem experincias educacionais, tais como: Escola Cidad, Porto Alegre; Escola Plural, Belo Horizonte; Escola Candango, Braslia; Escola Indgena do Zeca, Mato Grosso, conforme nos ensino Frigotto (2008), e estas experincias no colocaram na ordem do dia nem o problema de classe, nem o problema trabalho como elemento organizador curricular. A cidadania, em sua dimenso social, traz como componente a noo de que somos todos cidados, o que implica em um mascaramento da violncia de classe, pois esconde as desigualdades sociais. Portanto, ao afirmar que somos todos cidados, no quer dizer que somos todos iguais. A marca da cidadania carrega, dessa forma, o carter ideolgico da classe dominante ao consagrar na sociedade o aspecto do cidado em meio s desigualdades sociais. Assim, o modo de produo capitalista chegou ao fim do sculo XX revigorado e nadando de braadas, pois se consolidou como modo de produo hegemnico. Internamente, as lutas sociais desencadeadas pelos movimentos sociais urbanos e do campo e os sindicatos pautaram a luta contra-hegemnica. Isto , inscreveram sua histria dentro da luta de classes, mas sem romper com a lgica do capital. Neste caso, as lutas sociais contra o capital passam necessariamente pelo Estado. Mas o que o Estado na reconformao neoliberal, seno o mercado dentro do Estado ou os poderes do Estado em funo do capital (FRIGOTTO, 2008, p. 18). As lutas sociais passam ento pela recuperao do Estado, pois as transformaes sociais, hoje, passam necessariamente pela mediao do Estado. (HOBSBAWM apud FRIGOTTO, 2008, p. 18). Neste caso, as contradies sociais entre capital e trabalho tem o Estado como elo de fortalecimento e apelo frente s lutas sociais. O Estado, aqui, um Estado da classe dominante, mas, sob determinadas circunstncias, pode ser o Estado da ditadura do proletariado. Marx (1983) ressaltou que a fora social, isto , o Estado em sua dimenso de classe deve ser acionado para promover as leis necessrias ao conjunto dos trabalhadores em todas as reas e, isto no implica no fortalecimento do Estado, pelo contrrio, pois os trabalhadores transformam o poder de Estado, podendo utiliz-lo contra a burguesia o seu prprio agente de poder, isto , o prprio Estado.Nas lutas de classes, os movimentos sociais do campo se reorganizaram em fins da dcada de 1970 para conquistar a terra por meio da reforma agrria. Em 1979, em plena ditadura militar, um grupo de colonos gachos ocupa a Fazenda Macali e Sarandi, no Rio Grande do Sul, e conquistam a terra. Dessa luta, os sem-terra se organizam e fundam em Cascavel, PR, no ano de 1984, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, uma organizao de carter nacional, definindo como princpio geral a luta pela reforma agrria com o lema, TERRA PARA QUEM NELA TRABALHA. E isso no um mero jogo de palavras, pois as palavras constituem elementos da luta, conforme nos ensina Fernandes, onde afirma que se a massa dos trabalhadores quiser desempenhar tarefas prticas especficas e criadoras, ela tem de se apossar primeiro de certas palavras-chave e em seguida, deve calibr-las cuidadosamente, porque o sentido daquelas palavras ter de confundir-se, inexoravelmente, com o sentido das aes coletivas envolvidas pelas mencionadas tarefas histricas. (FERNANDES, 2012, p. 47).Dessa forma, Bezerra Neto nos diz que,

O MST nasceu das lutas concretas pela conquista da terra, que os trabalhadores rurais foram desenvolvendo de forma isolada na regio sul, num momento que aumentava a concentrao de terras e ampliava a expulso dos pobres da rea rural, devido modernizao da agricultura e crise do processo de colonizao implementado pelo regime militar. [...]. (BEZERRA NETO, 1999, p. 11).O movimento em luta por reforma agrria tambm um movimento em luta pela escola, pois h trs cercas a romper, a saber: as cercas do latifndio, do capital e da ignorncia. Das lutas sociais do campo, por reforma agrria, s lutas pela escola, so marcas indelveis do MST. Forjar a conscincia do ser social para se manter organizado e mobilizado e romper a cerca da ignorncia fundamental para a vida coletiva nos espaos de ocupao da terra acampamento e ganhar solidez nos assentamentos.Dessa Forma, Bezerra Neto, nos traz que,A problemtica educacional ganha importncia medida que o MST coloca como fundamental o rompimento de trs grandes cercas: a cerca do latifndio, a cerca do capital e a cerca da ignorncia e que submetem os trabalhadores rurais sem terra a condies de vida degradante na sociedade brasileira. (BEZERRA NETO, 1999, p. 39).

Isto porque, de acordo com Silva,

[...] Quando qualquer um daqueles jovens nasceu, inseriu-se numa sociedade que j tinha uma existncia prvia, histrica, cuja estrutura no dependeu dele, portanto, no foi produzida por ele. So as macroestruturas que vo apontar, a principio, um leque mais ou menos definido de opes em relao a um destino social, seus padres de comportamento, seu nvel de acesso aos bens culturais, etc. Vai definir as experincias que cada um dos alunos teve e a que tm acesso. Assim, o gnero, a raa, o fato de serem filhos de trabalhadores desqualificados, grande parte deles com pouca escolaridade, entre outros aspectos, so dimenses que vo interferir na produo de cada um deles como sujeito social, independentemente da ao de cada um. (SILVA, s/d, p. 2)

No obstante, Frigotto disse que ouviu de Joo Pedro Stdile, em Passo Fundo, a seguinte expresso: o MST tem trs cercas: a cerca do latifndio que eles aprenderam a romper e tem estratgia militar para isto, e o faz; a cerca do capital que nem o MST e nem os trabalhadores do mundo todo tinham conseguido romper; e a cerca da ignorncia que fazia daquele militante do MST quase um animal. (FRIGOTTO, 2008, p. 12). Romper, portanto, a cerca da ignorncia um passo importante para o desenvolvimento da prpria luta pelo MST por reforma agrria, pois possuem um elemento de sucesso o nmero; mas o nmero s pesa na balana se unido pela combinao e guiado pelo conhecimento. (MARX, 1983-b, p. 12).

Neste sentido, lutar pela escola ganha dimenses sociais por parte dos movimentos sociais, particularmente para o MST. Da Constituio de 1988 LDB em 1996 foi um longo perodo de luta pelo reconhecimento do campo como espao de uma sociabilidade cultural distinta. Portanto, seus sujeitos, nos marcos do capitalismo, so portadores de direitos e de garantias constitucionais. Ao consagrar, na LDB 9394/96, o reconhecimento do campo e seus sujeitos com singularidades de trabalho e de organizao cultural, as lutas sociais por educao do campo d um salto ontolgico, pois o instrumento legal que faltava aos movimentos sociais foi sancionado em forma de lei em 1996. Assim, em julho de 1997, foi realizado o I Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrria - Enera, como resultado da parceria entre o Grupo de Trabalho de Apoio Reforma Agrria da Universidade de Braslia (GT-RA/UnB) e o MST com apoio do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef), do Fundo das Naes Unidas para a Cincia e Cultura (Unesco) e da CNBB.

Neste encontro,Os participantes concluram ser necessria uma articulao entre os trabalhos em desenvolvimento, bem como sua multiplicao, dada a grande demanda dos movimentos sociais por educao no meio rural e a situao deficitria da oferta educacional no campo, agravada pela ausncia de uma poltica pblica especfica no Plano Nacional de Educao. (BRASIL/INCRA).

No obstante, Santos nos traz que, No final dos anos 90, presenciamos a criao de diversos espaos pblicos de debate sobre a educao do campo, como por exemplo: o I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrria I ENERA, em 1997, organizado pelo MST e com o apoio da UnB Universidade de Braslia, entre outras entidades. Neste evento foi lanado um desafio: pensar a educao pblica para os povos do campo, levando em considerao o seu contexto em termos polticos, econmicos, sociais e culturais. Sua maneira de conceber o tempo, o espao, o meio ambiente e sua produo, alm da organizao coletiva, as questes familiares, o trabalho, entre outros aspectos. (SANTOS, s/d. p. 6).

Pensar uma educao do campo levando em considerao os seus sujeitos e as suas caractersticas de vida e organizao da produo da existncia material, foi a tnica dada pelo movimento por uma educao do campo no Estado capitalista. Dessa forma, a luta para romper com o apartheid escolar submetido escola pelo projeto neoliberal, pois a igualdade, os direitos e a justia social so meros artifcios discursivos em uma sociedade na qual no h lugar para todos, e proclama escola para todos, sim, mas direito educao para poucos. (GENTILI, 2003, p. 41).

No por acaso que Antonio; Martins pontuam que,No Brasil, o movimento Por uma Educao do Campo aponta para contradies das polticas educacionais e, respectivamente, para a gesto do Estado, pelas quais as necessidades por tais polticas para o campo so enfaticamente postas em evidncia por esse movimento. Com isso, evidenciamos que as possveis polticas para educao do campo esto mediadas pelas lutas sociais, as quais marcam as polticas que os movimentos sociais populares do campo vm tensionando no Estado atualmente. As lutas sociais por Educao do Campo sugerem, assim, que a formao dos sujeitos torne um movimento que prprio dos interesses superao das condies materiais e poltico-pedaggicas na realidade educacional no campo brasileiro. (ANTONIO; MARTINS, s/d, p. 1).O MOVIMENTO E A EDUCAO DO CAMPO NOS MARCOS DA ESCOLA PBLICA

A partir do ENERA e dos compromissos assumidos pelos participantes em construir a Conferncia Nacional Por uma Educao Bsica do Campo, ganhou visibilidade a necessidade de construir uma poltica educacional que rompesse com o iderio urbano sobre a vida e os costumes do campo, bem como dos esteretipos criados pelo urbano em relao ao campo e o ritmo de trabalho ditado pela cultural camponesa. No campo h um modo de produo e de cultura que lhe peculiar, onde seus sujeitos valorizam e cultivam a terra no se cotidiano. A formao do homem um processo de mediao do homem com a natureza, por meio do trabalho. No devir histrico do homem, no processo de formao e desenvolvimento das potencialidades do trabalho, as formaes humano-sociais determinam um tipo de sociedade e de relaes de produo engendradas nas lutas sociais pelas classes antagnicas entre si e de carter inconciliveis, pois nas determinaes histricas constitutivas da vida social, na produo da vida material, tambm h a produo das classes sociais e distintas formas de formao educacional. H, portanto, interesses de classe em disputa no campo educacional no ncleo urbano, acentuando as desigualdades entre campo e cidade. Romper esta lgica ditada pelo capital a luta pelo movimento por uma educao do campo.

Portanto, romper com o que lhe negativo e de submisso escola urbana, nasceu o interior dos debates dos movimentos sociais a necessidade poltica de mudar a expresso meio rural por campo, por entenderem que a expresso campo adequada todas os sujeitos que vivem da terra, produzem sua vida material e tem seus costumes ligados vida cotidiana do campo.

Neste sentido, o texto base para as discusses na I Conferncia Nacional por uma Educao Bsica do Campo, traz a seguinte preposio:

Decidimos utilizar a expresso campo e no mais meio rural, com o objetivo de incluir no processo da Conferencia uma reflexo sobre o sentido atual do trabalha campons e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam garantir a sobrevivncia deste trabalho. Mas quando discutimos a educao do campo estamos tratando da educao que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as naes indgenas, sejam os diversos tipos de assalariados vinculados vida e ao trabalho no meio rural. (1988, p. 9).O que est posto neste documento? O reconhecimento dos sujeitos do campo que vivem da produo do campo em suas mltiplas determinaes culturais. H uma unidade dentro a diversidade. E o ponto que d a identidade a estes sujeitos a terra, enquanto meio e instrumento de trabalho. Os Movimentos sociais se organizam e contam com o apoio de entidades que so referncias junto sociedade, para a construo da escola do campo no campo do direito burgus, em conformidade com as legislaes em vigor. Nesse sentido, a Conferncia Nacional Por uma Educao Bsica do Campo foi realizada em Luzinia, GO, entre os dias 27 a 31 de julho de 1998 e foram coordenadas pela CNBB, MST, UNICEF, UNESCO e UnB, na qual foram assumidos compromissos e desafios, o qual destacamos os itens 1 e 7, a saber:

Item 1. Vincular as prticas de Educao Bsica do campo com o processo de construo de um Projeto Popular de Desenvolvimento Nacional A Educao do Campo tem um compromisso com a vida, com a luta e com o Movimento Social que est buscando construir um pas onde possamos viver com dignidade.

A Escola, ao assumir a caminhada dos povos do campo, ajuda a interpretar os processos educativos que acontecem fora dela, e contribui para a insero de educadoras/educadores e educandas/educandos na transformao da sociedade.

Item 7. Produzir uma proposta de Educao Bsica do Campo A Educao do Campo, a partir de prticas e estudos cientficos, deve aprofundar uma pedagogia que respeita a cultura e a identidade dos povos do campo: tempos, ciclos da natureza, mstica da terra, valorizao do trabalho, festas populares. [].

A Escola necessita repensar a organizao de seus tempos e espaos, bem como as prticas de seus educadores/suas educadoras para dar conta deste novo desafio pedaggico. (DOCUMENTO, 2005. p. 161-162).A presso social sobre o governo de Fernando Henrique Cardoso abriu espao de atuao e conquista da escola do campo. O Conselho Nacional de Educao, neste caso, foi provocado a dar respostas ao contido no Artigo 28 da LDB 9394/96 e s reivindicaes dos movimentos sociais e setores da sociedade civil em torno da educao do campo. Neste sentido, sintomtica a apreciao dada pela relatora da Cmara da Educao Bsica - CEB, em consonncia com a legislao de adequar a escola vida do campo. No Parecer de Soares,

A educao do campo, tratada como educao rural na legislao brasileira, tem um significado que incorpora os espaos da floresta, da pecuria, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaos pesqueiros, caiaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um permetro no-urbano, um campo de possibilidades que dinamizam a ligao dos seres humanos com a prpria produo das condies da existncia social e com as realizaes da sociedade humana. (SOARES, 2001, p. 176).

Dessa forma, o CNE emitiu a Resoluo CNE/CEB 01, de 03 de Abril de 2002, que instituiu as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo - Doebec e reconhece, no pargrafo nico do Artigo 2 das Doebec que, A identidade da escola do campo definida pela sua vinculao s questes inerentes sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes prprios dos estudantes, na memria coletiva que sinaliza futuros, na rede de cincia e tecnologia disponvel na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as solues exigidas por essas questes qualidade social da vida coletiva no pas. (BRASIL, 2003, p. 202-203).Neste sentido, o Estado burgus, por meio de seus instrumentos educacionais, reconhece as particularidades do campo como meio e sujeito de educao de carter distinto, rompendo, com isso, a dualidade cidade e campo, pois ambos se complementam na reproduo social do capital e da vida material da sociedade. O Estado vai dando resposta s reivindicaes populares do campo na medida em que vai ampliando as bases de acumulao capitalista. A lgica do controle estatal sobre a escola do campo se estabelece a partir da institucionalizao que lhes d legalidade dentro do campo do direito. Neste caso, no decorrer da construo das prticas e do iderio da Educao do Campo, posto em movimento pelas foras sociais em luta pela escola do campo, o movimento consegue obter uma vitria impar nos marcos da legalidade quando institudo as Doebec, pois contribuem para o fortalecimento das lutas pela democratizao do direito educao dos sujeitos camponeses. (MOLINA, 2012, p. 451). Por isso, cabe destacar que o CNE, por meio do Parecer n 21/2002, aprovado em 05 de junho de 2002, regulamentou as prticas pedaggicas da escola de alternncia, reconhecendo, neste ato, o espao-tempo da escolaridade camponesa, que rompe com a lgica posta pelo calendrio escolar da escola urbana. Diante desta nova realidade, que as Doebec, compete ao Estado dar materialidade ao direito inscrito, e isto requer aes e estratgias de interveno junto sociedade por meio de programas dirigidos para consolidar direitos estabelecidos na forma da lei. Nesse sentido, sua reafirmao nos marcos legais supraconstitucionais legitima e explicita a organizao das aes a serem executadas pelo Estado (MOLINA, 2012, p. 452) no que toca escola do campo e, de certa forma, conter o fechamento de escolas nas reas rurais devido ao crescimento das lutas sociais pela escola de qualidade no campo.

Em 27 de outubro de 2002, Lula foi eleito presidente do Brasil com uma ampla base de apoio popular. Desse fato, a Folha de So Paulo traz que Lula ter de administrar demandas sociais reprimidas e responder expectativa de grupos historicamente ligados ao PT, como o MST [...] (FOLHA, 28/10/2002). Ou seja, pelos menos duas das trs cercas que fala Stdile podero ser rompidas, a saber: a do latifndio e a da ignorncia, por meio da reforma agrria e da escola do campo.

Em seu programa de governo, intitulado Uma Escola do Tamanho do Brasil, o PT traz que,

O sculo XX foi considerado o sculo da criana devido aos ndices de legitimao de uma poltica da infncia, como o avano nos conhecimentos sobre a infncia nas reas de sade, de histria, de seu desenvolvimento e aprendizagem; o reconhecimento da criana como sujeito de direitos e de cidadania; a legalizao de tais direitos no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA); a retirada gradual de crianas do trabalho; o avano dos cuidados e da proteo nas famlias e em conselhos da sociedade; a configurao de profissionais especializados em sua sade e em sua educao e o reconhecimento do direito da criana educao. [...] (LULA, 2002, p 33).

Ou seja, aponta o compromisso do governo popular com o direito da infncia na vida social. H, neste aspecto, um processo que procura dar visibilidade a infncia lhes assegurando os direitos bsicos da vida no Estado burgus. No tocante escola, o programa do governo popular apontou para uma educao do campo que assegura o reconhecimento dos seus sujeitos como articuladores do projeto educacional, que aqui cito:Do ponto de vista da concepo da escola unitria, a qualidade da educao bsica no deve distinguir campo e cidade, ou alunos que pertenam a famlias de trabalhadores industriais, de servios, camponeses, profissionais liberais ou mesmo proprietrios. fundamental para 32 milhes de habitantes das zonas rurais que se aprofunde a discusso sobre a exigncia de uma modalidade de ensino rural. Levando-se em conta que o processo de conhecimento se constri a partir da cultura, das vivncias do meio social em que o educando interage, a especificidade do ensino no campo requer um mtodo que construa o conhecimento a partir dos sujeitos e de sua realidade. (LULA, 2002, p. 22).Com a vitria de Lula, foi realizada a II Conferncia Nacional por uma Educao do Campo, em Braslia, nos dias 26 a 29 de novembro de 2002. Diante da certeza de que a esperana venceu o medo, os movimentos sociais em luta pela escola do campo, no campo do direito positivado, tambm espera que o governo popular resolva as demandas por educao do campo como explicitado no programa de governo, que nada mais reafirmou os princpios postos nas Doebec, ou seja, de materialidade ao esprito da lei. Por isso, na II Conferncia, os movimentos sociais reafirmam que o campo existe e que legitima a luta por polticas pblicas especificas e por um projeto educativo prprio para quem vive nele, pois no campo esto milhes de brasileiros, da infncia terceira idade, que vivem e trabalham no campo como pequenos agricultores, quilombolas, povos indgenas, pescadores, camponeses, assentados, reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, boias-frias, entre outros. (SEMINRIO. 2005, p. 207-208). Na construo da escola do campo, dentro dos marcos legal, o Governo imprime uma srie de programas, projetos e aes voltadas aos povos do campo, tais como: o Programa de Apoio Formao Superior em Licenciatura em Educao do Campo Procampo; Projovem Campo Saberes da Terra. Esses ltimos so aes pontuais e esto voltados para as aes de Educao do Campo, mas, essas aes carregam em si uma srie de contradies, pois so polticas afirmativas, localizadas e, na maioria das vezes, insuficientes. (ANTONIO; MARTINS, s/d, p. 56). Contudo, afirmam Antonio; Martins que so essas aes que, diferentemente dos documentos estatais, materializam efetivamente investimentos para a Educao do Campo. nesse constante movimento em cima do fio da navalha que vai se construindo e consolidando as prticas de Educao do Campo. (ANTONIO; MARTINS, s/d, p. 57).Neste aspecto, cabe ressaltar que, por meio da Resoluo CNE/CEB n 1/2002, o Estado admite um novo paradigma para a escola no meio rural, pois apontou em seu artigo 3 a universalizao do acesso educao bsica e profissional de nvel mdio populao do campo. No artigo 5, traz a diversidade, conforme se l: as propostas pedaggicas [...] contemplaro a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, polticos, econmicos, de gnero, gerao e etnia.

A denominao Educao do Campo aparece, pela primeira vez em um documento oficial, na Resoluo n 2, de 28 de abril de 2008. Dessa forma, o artigo 1 da Resoluo, vem afirmar o conceito de Educao do Campo, ao determinar que: A Educao do Campo compreende a Educao Bsica em suas etapas de Educao Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Mdio e Educao Profissional Tcnica de nvel mdio integrada com o Ensino Mdio e destina-se ao atendimento s populaes rurais em suas mais variadas formas de produo da vida. [...] (CNE/CEB, 2008, p. 1).

Alm disso, traz outros aspectos que diz respeito a materialidade da educao no que diz respeito a frequncia e oferta da educao do campo, pois tratou de coibir o uso indiscriminado do transporte escolar no sentido campo-cidade, primando pelo deslocamento dos alunos de campo a campo, orientando-os para as escolas localizadas no campo, alm da ao para impedir o fechamento de escolas, pois, durante a vigncia do PNE (2001-2011), foram fechadas 37 mil escolas localizadas em reas rurais.

O marco da legalidade da escola do campo que os movimentos sociais conquistam dado pelo Decreto n 7.352, de 2010, pois a Educao do Campo alada poltica de Estado. Nesse sentido, o Decreto normatiza a poltica da educao do campo como meio de assegurar, por um lado, a educao do campo no escopo do Ministrio da Educao, que disciplinar os requisitos e os procedimentos para apresentao, por parte dos Estados, Municpios e Distrito Federal, de demandas de apoio tcnico e financeiro suplementares para atendimento educacional das populaes do campo, no que toca ao ente federado [...] prever no respectivo plano de educao, diretrizes e metas para o desenvolvimento e a manuteno da educao do campo. Traz, dessa forma, que os Estados e o Distrito Federal devero ter equipes de trabalho tcnico-pedaggico no mbito das Secretarias de Educao para efetivar as polticas pblicas para a educao do campo, alm, de constituir instncias colegiadas tendo a participao de representantes municipais, das organizaes sociais do campo, das universidades pblicas e outras instituies afins, com vistas a colaborar com a formulao, implementao e acompanhamento das polticas de educao do campo. (BRASIL, 2010).

Por outro lado, o Decreto disciplina a ao do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio na oferta de educao do campo aos jovens e adultos beneficirios da reforma agrria em todos os nveis de ensino, por meio do Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria PRONERA a ser executado pelo Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA.Neste caso, o PRONERA tem por objetivos melhorar as condies do acesso educao do pblico do PNRA alm de proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais por meio da qualificao do pblico do PNRA e dos profissionais que desenvolvem atividades educacionais e tcnicas nos assentamentos (BRASIL, 2010).

Da LDB 9394/96 ao Decreto Presidencial n 7.352, de 2010, houve um salto qualitativo no reconhecimento do campo como espao de produo e de conhecimentos especficos cada regio e territrios ocupados pelo MST, quer sejam nas reas de assentamento, quer sejam nas reas ocupadas espera da reforma agrria. Mas, entre os desejos de uma escola emancipatria, a educao do campo se encontra nos marcos da escola capitalista, e isto traz as marcas das desigualdades sociais e de formao escolar, pois os interesses do Estado e dos movimentos sociais entram em conflito e, como meio de ao, o Estado traz polticas compensatrias sem mexer na lgica do mercado. Excluso dos includos, por meio de uma escola pobre para os pobres e uma escola secundarizada, como meio de formar a fora de trabalho requerida por um mercado de baixos salrios, eis o estado da questo. CONCLUSONo capitalismo, o Estado exerce o controle social por meio de leis gerais. Para disciplinar o controle e conter as massas populares, as polticas pblicas servem de pelego e assim amortece as lutas reivindicatrias por sade, educao, etc. As contradies sociais so mascaradas ideologicamente, pois h um processo de universalizao do direito de todos educao, sade, etc, mas o carter do direito universal se d no mbito da abstrao, pois o Estado capitalista traz a dualidade do pblico e do privado. Diante disso, cada um consome de acordo com a riqueza pessoal e o valor dos bens postos no mercado.

No que toca a escola do campo, as desigualdades se acentuam, pois h dois projetos em disputas. Um, do agronegcio, assentado na grande propriedade monocultura. Outro, da famlia camponesa, assentados e acampados em luta pela terra. Um, que necessita da educao como meio e processo de formao da fora de trabalho para atender as demandas do capital e, outro, que necessita e luta para que a educao seja emancipatria. As contradies sociais se alargam nestes plos em lutas de classes. No tensionamento poltico, o Estado vai, de conta gotas, recriando e ampliando os espaos e territrios da educao do campo, ao mesmo tempo, reconhecendo os sujeitos do campo na sua diversidade de trabalho e cultura e, assim, promove a universalizao da educao do campo nos marcos da escola pblica, o que implica em reafirmar a escola pobre para os pobres.Em termos conclusivos, apontamos que a luta dos movimentos sociais, por educao do campo, se d nos marcos do Estado capitalista, portanto, nos marcos do direito burgus. Em resposta as lutas sociais, o Estado neoliberal deu os instrumentos legais para o reconhecimento dos sujeitos, dos mtodos de trabalho pedaggico e organizao escolar e da montagem do calendrio escolar, respeitando a sazonalidade produtiva como elementos fundantes da educao do campo. Das letras materialidade das leis h uma distncia muito grande a ser vencida. Neste campo, reina a contradio e os interesses de classes e, at aqui, o Estado soube neutralizar as lutas sociais, por meio de dosagem homeoptica, e conduzir a educao do campo na institucionalidade capitalista, apontando a formao escolar para nos marcos do trabalho e da cidadania. O marco do trabalho, como preparao da fora de trabalho para o capital e, o marco da cidadania, como mscara ideolgica para dotar o indivduo de princpios individualistas, valorizando com isto a sociedade da competio ditada pelo mercado, ou seja, uma sociedade corroda em seu carter humanitrio.REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

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