a política pública da educação do campo em feira de santana
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
ROSNGELIS RODRIGUES FERNANDES LIMA
A POLTICA PBLICA DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA: ENTRE O DIZER E O FAZER
Feira de Santana - BA 2014
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ROSNGELIS RODRIGUES FERNANDES LIMA
A POLTICA PBLICA DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA: ENTRE O DIZER E O FAZER
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Universidade Estadual de Feira de Santana para obteno de grau de Mestre em Educao. Orientador: Luiz Antonio Ferraro Jnior
Feira de Santana BA 2014
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Ficha Catalogrfica Biblioteca Central Julieta Carteado
Lima, Rosngelis Rodrigues Fernandes Lima
L71p A poltica pblica da educao do campo em Feira de
Santana : entre o dizer e o fazer / Rosngelis Rodrigues
Fernandes Lima. Feira de Santana, 2014.
174 f. : il.
Orientador: Luiz Antonio Ferraro Jnior.
Mestrado (dissertao) Universidade Estadual de Feira de Santana, Programa de Ps-Graduao em Educao, 2014.
1. Educao do campo Polticas pblicas Feira de Santana, BA. I. Ferraro Jnior, Luiz Antonio. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Ttulo.
CDU: 37(814.22)(1-22)
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ROSNGELIS RODRIGUES FERNANDES LIMA
A POLTICA PBLICA DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA: ENTRE O DIZER E O FAZER
Dissertao apresentada como requisito para obteno de grau de Mestre em Educao da Universidade Estadual de Feira de Santana, pela seguinte banca examinadora: __________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Antonio Ferraro Jnior Orientador ___________________________________________________________ Prof Dr Silvana Lcia da Silva Lima - (UFRB) Primeira Examinadora
___________________________________________________________ Prof Dr Antonia Almeida Silva - (UEFS) Segunda Examinadora
Feira de Santana, 26 de maro de 2014
Resultado: ___________________________________
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Dedico este trabalho a todos os
trabalhadores e trabalhadoras do campo
que vm lutando por uma Educao do
Campo na perspectiva da emancipao
humana. s professoras, diretora, e s
lderes comunitrias do distrito da Matinha
dos Pretos, bem como coordenadora da
SME, que sempre me receberam de
forma to acolhedora. minha famlia que
a cada dia me desafiava a continuar
nessa busca pelo conhecimento. E, por
fim, a todos aqueles e aquelas que
acreditaram que esta dissertao tem
relevncia, principalmente o meu
orientador, Luiz Antonio Ferraro Jnior.
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AGRADECIMENTOS
Ao escrever as ltimas linhas desta dissertao, aproveito para agradecer,
pois gratido para mim um sentimento fundamental nessa trajetria. Ento, meus
sinceros agradecimentos ao meu Deus, o meu criador e mantenedor. Obrigada por
me concederes foras para continuar a trilhar os caminhos deste estudo.
Ao meu esposo Fbio, pelo cuidado, carinho e pelas idas e vindas Matinha
dos Pretos. Voc, meu querido, tem sido um grande companheiro nesta jornada e se
tornou partcipe deste trabalho. Obrigada por tudo! Um beijo de gratido no teu
corao!
minha filha, Milayne Lanayra, companheira de toda a vida e que j comea
a enveredar pelas discusses no campo educacional. Mame s pode dizer
obrigada pelas palavras de nimo, incentivo e por voc ter feito com tanto afinco a
traduo e a correo do resumo em ingls.
Aos meus pais, Paulo Cesar e Maria Valda, pelo incentivo e apoio e pela
demonstrao de alegria em ver a sua filha construir e vencer mais uma etapa na
vida. Suas oraes foram fundamentais nesse processo. Obrigada, queridos!
Ao meu irmo Cezar, minha cunhada Mrcia e minha sobrinha Vanessa,
obrigada pelo carinho e incentivo.
Ao meu orientador, o Dr Luiz Antonio Ferraro Jnior, pelos dilogos ricos e
pelas orientaes precisas durante esta pesquisa.
s professoras, Dr Antonia Almeida Silva e Dr Silvana Lcia da Silva Lima,
pelas consideraes crticas to relevantes para construo desta dissertao.
minha amiga, Janeide Bispo, pelos dilogos e incentivos e, sobretudo, por
viver e acreditar na Educao do Campo emancipatria. Amiga, sua vivncia,
saberes e fazeres foram/so fundamentais para mim! Obrigada por tudo!
A Juclia Bispo, companheira de tantas discusses. Suas palavras me
contagiaram e agora estou terminando o meu mestrado.
A Lais, da terceira turma do Mestrado, obrigada pelo apoio, por sempre me
ouvir nos momentos difceis deste caminhar. Minhas sinceras estimas para que voc
to logo conclua o seu mestrado.
Aos professores, coordenao e funcionrios do PPGE/UEFS, sou grata
pelas vivncias e aprendncias ao longo desses dois anos.
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Aos meus colegas da turma de Mestrado 2012, s posso dizer obrigada pelos
momentos vividos. Em especial, gostaria de destacar: Luciane, Urnia, Vanda,
Manoel, Itamar e Edivan. Vocs so especiais!
s queridas professoras e gestora da Escola Municipal Rosa Maria
Esperidio Leite, s lderes comunitrias da Matinha dos Pretos, bem como
coordenadora da SME, obrigada pela participao ativa em minha pesquisa.
Obrigada pelo carinho e acolhimento!
Aos colegas do grupo de elaborao da Proposta Curricular do Ensino
Fundamental de Feira de Santana, muito obrigada pelas discusses to relevantes
para minha formao.
Faculdade Adventista da Bahia, nas pessoas de Selena e Gal, muito grata
pelo apoio incondicional dado a mim nesta jornada.
E, por fim, um sentimento de gratido a todos e todas que fazem parte do
distrito da Matinha dos Pretos, pela acolhida e pelos ensinamentos.
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(...) A superao da propriedade privada
a emancipao plena de todos os
sentidos e qualidades humanas; porm,
esta emancipao, precisamente, porque
todos estes sentidos e qualidades
tornaram-se humanos, tanto no sentido
objetivo quanto subjetivo (MARX;
ENGELS, 1983, p. 34).
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RESUMO
Este texto dissertativo, resultado da pesquisa acadmica desenvolvida no mestrado em Educao do PPGE UEFS, analisa a questo da Educao do Campo, bem como o papel da poltica pblica nacional da Educao do Campo em Feira de Santana, numa escola municipal da comunidade da Matinha dos Pretos. No transcorrer da pesquisa, buscou-se responder questes referentes aos desdobramentos e significados produzidos pela poltica pblica nacional da Educao do Campo no municpio de Feira de Santana. Buscou-se desvendar o significado do que se entende por educao enquanto processo de humanizao, de formao humana, para entender a Educao do Campo. Contudo, para compreend-la, no perodo histrico de 2002 a 2013, tornou-se necessrio investigar sua essncia a partir das lutas dos movimentos sociais pela terra e pela Reforma Agrria. Nas discusses entre os documentos e os contedos sobre Educao do Campo, buscou-se apresentar e entender as seguintes categorias: Estado, Polticas Pblicas, Movimentos Sociais, Trabalho, Educao, Formao Humana e Educao do Campo. Configura-se como uma pesquisa social com foco na abordagem qualitativa, utilizando os instrumentos de coleta de dados como a observao e a entrevista. Constitui-se como um trabalho de relevncia social, poltica e cientfica, pois trata da Educao do Campo, bem como da implementao da poltica pblica da Educao do Campo em Feira de Santana, mais especificamente no distrito da Matinha dos Pretos. Os escritos dialogam com autores que discutem a Educao do Campo e suas contradies e conflitos luz do materialismo histrico dialtico. Este texto apresenta em sua estrutura momentos distintos: a introduo, os captulos com seus subtpicos e as consideraes finais. A anlise dos dados indicou, atravs das vozes dos sujeitos participantes da pesquisa, que a Educao do Campo em Feira de Santana no atende as especificidades dos sujeitos do campo, bem como revelou que no existem explicitamente aes compreendidas pela poltica pblica nacional da Educao do Campo no municpio de Feira de Santana-BA. Palavras-chave: Educao do Campo. Poltica Pblica da Educao do Campo. Trabalho. Emancipao.
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ABSTRACT
This current text, the result of an academic research developed in PPGE UEFS
Masters in Education, analyzes the issue about Rural Education, as well as, how the
national public policy for Rural Education has been developed in Feira de Santana, in
a municipal school, located in the community of Matinha dos Pretos. During the
study, the research sought to answer questions related to the developments and
meanings of the national public policy for Rural Education of Feira de Santana.
It also sought to reveal the meaning of what is meant by education as a process of
humanization, and human development, to understand Rural Education. However, to
comprehend the Rural Education in the historical period from 2002 to 2013, it
became necessary to investigate its essence from the struggles of social movements
and agrarian reform. In the discussions between the documents and the contents
about Rural Education, it attempted to present and understand the following
categories: State, Public Policy, Education, Social Movements, Labor, Education,
Human Development and Rural Education. This text is configured as a social
research focusing on the qualitative approach using the tools of data collecting such
as observation and interviews. It can be placed as a social, political and scientific
relevant work, because it discuss Rural Education as well as the public policy for
Rural Education implementation, more specifically, in the district of Matinha dos
Pretos. This text dialogues with authors who discuss Rural Education
and its contradictions and conflicts based on Historical Dialectical Materialism. The
data analysis indicated through the voices of the participating subjects of the
research, showed that Feira de Santanas Rural Education doesn't obey the
specificities of the people who live in the countryside, as well as, revealed that the
actions made for the national public policy of Feira de Santana's Rural Education
don't really happen in an explicit way.
Key words: Rural Education; Rural Education's; Public Policy; Labor; Emancipation.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Mapa da localizao do municpio de Feira de Santana na Bahia 31
Figura 2 Localizao dos distritos de Feira de Santana 32
Figura 3 Etapas de desenvolvimento da pesquisa 39
Figura 4 Fachada da Fbrica de fcula e farinha de mandioca 126
Figura 5 Fachada da Minifbrica de doces e sequilhos 126
Figura 6 Fachada da Unidade de Beneficiamento de Fruta 127
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Total das Escolas da Rede Municipal de Ensino Ano 2013 32
Tabela 2 Estrutura Fundiria de Feira de Santana (2006) 111
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Contradies entre agronegcio e campesinato 89
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LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Lutas dos coletivos feirenses 113
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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS
ACOMA Associao Comunitria da Matinha
CDA Coordenao de Desenvolvimento Agrrio
CFRs Casas Familiares Rurais
CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CNBB Confederao Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educao
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CPT Comisso Pastoral da Terra
DIE Diviso de Informaes Educacionais
DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos
EBDA Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrcola
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
EFAs Escolas-Famlia Agrcolas
EMRMEL Escola Municipal Rosa Maria Esperidio Leite
I ENERA I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrria
FETRAF-SUL Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar na Regio Sul
FONEC Frum Nacional de Educao do Campo
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao - 9394/96
LDO Lei de Diretrizes Oramentria
MAB Movimentos dos Atingidos por Barragens
MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio
MASTER Movimento dos Agricultores Sem-Terra
MEC Ministrio da Educao
MMC Movimento das Mulheres Camponesas
MOC Movimento de Organizao Comunitria
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
NEAD Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural
ONGS Organizaes no governamentais
PCA Paradigma do Capitalismo Agrrio
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PEA Projeto Escola Ativa
PME Plano Municipal de Educao
PNE Plano Nacional de Educao
PPGE Programa de Ps-Graduao em Educao
PPP Projeto Poltico Pedaggico
PQA Paradigma da Questo Agrria
PROCAMPO Programa de Apoio formao Superior em Licenciatura em
Educao do Campo
PRONACAMPO Programa Nacional de Educao do Campo
PRONERA Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria
RESAB Rede de Educao do Semi-rido Brasileiro
SME Secretaria Municipal de Educao
STRFS Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana
UFSCAR Universidade Federal de So Carlos
UnB Universidade de Braslia
ULTABs Ligas Camponesas, as Unies de Lavradores e Trabalhadores Agrcolas
do Brasil
UNESCO Organizao das Naes Unidas pra Educao, Cincia e Cultura
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
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SUMRIO
1 INTRODUO
19
1.1 O PROBLEMA DA PESQUISA
27
1.2 OBJETIVOS DO TRABALHO
27
1.3 O MTODO E OS CAMINHOS METODOLGICOS 28
2 EDUCAO E EMANCIPAO NO HORIZONTE PARA A FORMAO HUMANA
42
2.1 EDUCAO E FORMAO OMNILATERAL
42
2.2 A FINALIDADE DA EDUCAO NA FORMAO HUMANA
48
2.3 O TRABALHO COMO PRINCPIO EDUCATIVO
56
2.4 CONTEXTOS DE INFLUNCIA: OS FUNDAMENTOS HISTRICOS, POLTICOS E FILOSFICOS DA EDUCAO DO CAMPO
64
3 EDUCAO DO CAMPO: ESPAO DE DISPUTA DE PROJETOS SOCIETRIOS
78
3.1 PROJETOS SOCIETRIOS: SOCIALISMO X CAPITALISMO
78
3.2 A EDUCAO DO CAMPO NO PROJETO DO AGRONEGCIO: QUE EDUCAO ESTA?
84
3.3 A EDUCAO DO CAMPO NA VISO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE LUTA PELA TERRA
93
4 A POLTICA PBLICA NACIONAL DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA E AS CONTRADIES NO PROCESSO DE FORMAO HUMANA
101
4.1 A POLTICA PBLICA NACIONAL DA EDUCAO DO CAMPO EM FEIRA DE SANTANA NO CONTEXTO DE LUTA PELA TERRA
101
4.2 O DISTRITO DA MATINHA DOS PRETOS: ESPAO DE RESISTNCIA NA LUTA PELA TERRA
121
4.3 A DIMENSO PEDAGGICA NO TRATO COM A EDUCAO DO CAMPO NO COTIDIANO ESCOLAR
136
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5 CONSIDERAES FINAIS
151
REFERNCIAS
156
APNDICES
169
ANEXOS
173
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1 INTRODUO
Esta dissertao tem como objeto de estudo a poltica pblica nacional da
Educao do Campo do municpio de Feira de Santana. Para realizao da
pesquisa, tomou-se como referncia a possvel efetivao dessa poltica e suas
contribuies para uma formao que garanta a emancipao dos sujeitos do
campo. Foi desenvolvida em uma escola situada na zona rural do mencionado
municpio. Este trabalho busca a compreenso das relaes entre a Educao do
Campo, a questo da terra e a emancipao social.
Assim, situa-se na problemtica da questo agrria no contexto de Modo de
Produo Capitalista e seus rebatimentos em relao Educao do Campo, nos
espaos escolares e no escolares dos grupos sociais. Para subsidiar o estudo,
tomou-se como referncia a Legislao Brasileira, as Diretrizes Operacionais para o
Campo, as documentaes da Secretaria Municipal de Educao e os saberes e
fazeres da comunidade do Distrito da Matinha, no perodo de 2002 a 2013.
Marx e Engels (1999) dizem que, para que haja a compreenso da histria,
deve-se partir do real, do concreto, do empiricamente comprovvel, e isto acontece
por meio de indivduos reais, com suas aes e condies materiais de vida. Assim,
o lcus desta dissertao est representado por espaos aqui entendidos como
histricos e no como sustentculo ou receptculo, mas como produto social
planejado e resultante das funes ontolgicas que fazem do homem ser humano,
uma vez que:
Sociedade e espao so como as duas faces do espelho. Vendo-se uma, est se vendo a outra; no como uma relao reflexa, mas como uma que vem da outra, como produtos recprocos. A sociedade se produz, produzindo seu espao; e o espao se produz, produzindo a sociedade (...) (MOREIRA, 2009, p. 113).
Os estudos sobre as polticas pblicas para a educao do/no campo no
Brasil revelam a presena de diferentes tendncias, enfoques e temticas que
mudaram ao longo do processo histrico da Educao do Campo. Ento, para fins
desta dissertao, considera-se que:
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Educao, cultura, produo, trabalho, infra-estrutura, organizao poltica, mercado etc. [...] So concomitantemente interativas e completivas. Elas no existem em separado. A educao no existe fora do territrio, assim como a cultura, a economia e todas as outras dimenses. A anlise separada das relaes sociais e dos territrios uma forma de construir dicotomias. tambm uma forma de dominao [...]. As relaes sociais e os territrios devem ser analisados em suas competividades (FERNANDES, 2006, p. 29).
Fernandes (2006) refora a ideia da interao, da totalidade e da
complementaridade entre as diversas dimenses relacionadas educao e a
necessidade de analisar as relaes sociais e os territrios de modo abrangente.
Os avanos de explorao capitalista e a modernizao da agricultura no
Brasil tm se caracterizado pela concentrao de propriedade da terra. Para Pires
(2012, p. 22), que se baseou nos dados do DIEESE/MDA/NEAD, 2011 a estrutura
fundiria extremamente concentrada tambm identificada pelo ndice Gini1, que ao
longo dos anos tem se apresentado na mesma sequncia: em 1967 apresentava
0,836 e em 2006 0,854.
Para Pires (2012), as polticas de modernizao promovidas pelo Estado vm
promovendo a capitalizao dos processos do trabalho rural, bem como uma
mercantilizao crescente na produo de pequena escala. Para essa autora, este
quadro praticamente permanece inalterado ao longo dos anos, pois desde as
Capitanias Hereditrias at a atualidade com os latifndios modernos, a estrutura
fundiria vem sendo mantida pelos mais altos ndices de concentrao, gerando
desigualdades sociais, econmicas e histricas no campo brasileiro. Paga-se um
preo muito alto com isso: destruio da agricultura familiar, diminuio vertiginosa
do emprego para o trabalhador rural, condies de vida miserveis para a populao
que vive no campo, degradao do meio ambiente e elevados ndices de
analfabetismo. Pires (2012, p. 23) afirma que:
23,2% da populao rural brasileira com 15 anos e mais analfabeta e 80% dos (as) trabalhadores (as) rurais no chegaram a concluir o ensino fundamental. Na faixa etria dos 9 aos 16 anos, a adequao idadesanos
1 O ndice de Gini, criado pelo matemtico italiano Conrado Gini, um instrumento para medir o grau de concentrao de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferena entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situao de igualdade, ou seja, todos tm a mesma renda. O valor um (ou cem) est no extremo oposto, isto , uma s pessoa detm toda a riqueza. Na prtica, o ndice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos. http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23Acesso em 19/05/2013
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid=23
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existe para 75% dos jovens do Brasil urbano e, apenas 56% dos jovens do Brasil rural. Os anos de escolaridade do Brasil rural (4,5 anos) a metade do Brasil urbano (7,8 anos).
Essas desigualdades sociais, educativas e escolares trazem a percepo de
que h uma dvida histrica/social quanto ao aporte/suporte de polticas pblicas
para os povos do campo. Pode-se afirmar que o agronegcio tipo de latifndio
que concentra a dominao na terra e tambm a tecnologia de produo o
modelo contemporneo de desenvolvimento agropecurio capitalista, ele promove a
excluso pela intensidade da produtividade, intensificando assim a explorao da
terra e dos homens e mulheres do campo.
A agricultura camponesa vive em conflito permanente com a agricultura
capitalista, pois os agricultores so expropriados de sua terra, de sua produo e
esto subordinados a uma renda capitalizada da terra, o que gera empobrecimento
e misria das populaes do campo. Mas, contraditoriamente, se o agronegcio
avana, a agricultura camponesa tambm o faz. Assim, os conflitos pelo poder da/na
terra esto presentes atravs das lutas dos camponeses organizados em
movimentos sociais do campo. Movimento social pode ser compreendido como:
Movimento mudana de lugar. De um ponto de vista lgico, de uma ordem, qualquer que seja ela, o modo como os seres que a constituem esto dispostos uns em relao aos outros. Se algum se movimenta porque est querendo mudar a ordem; nesse sentido, o movimento social portador de mudana. E s se movimenta quem espera e, portanto, tem esperana: o espao contrrio do desespero (GONALVES, 2005, p.405).
A questo agrria no deve ser desvinculada da questo social, uma vez que
ponto de tenso entre duas estruturas sociais conflituosas: o campesinato2 e a
agricultura capitalista (agronegcio/ latifndio). Para Fernandes (2008, p. 174),
Conflitualidade um processo constante alimentado pelas contradies e desigualdades do capitalismo. O movimento da conflitualidade paradoxal ao promover concomitantemente, a territorializao desterritorializao reterritorializao de diferentes relaes sociais.
Estes sistemas seguem lgicas diferentes, os interesses dos grupos sociais
divergem, pois buscam projetos histricos e sociais diferentes. Nesse sentido, este
antagonismo pode ser expresso por meio do Paradigma da Questo Agrria PQA
e do Paradigma do Capitalismo Agrrio PCA. Fernandes (2005) aponta que a
2 Entendido aqui como todos os grupos sociais que produzem suas atividades de existncia/subsistncia no campo.
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diferena entre ambos a busca pela superao do capitalismo. Vale dizer que no
PQA a questo agrria est intrinsecamente ligada ao desenvolvimento desigual e
contraditrio do capitalismo. Para Fernandes O paradigma da questo agrria tem
como eixo de discusso o processo de diferenciao, destruio e recriao do
campesinato como consequncias do desenvolvimento desigual do capitalismo no
campo (2005, p. 340). Assim, o caminho para uma educao do campo defendida
pelos indivduos do campo a superao do capitalismo atravs de polticas que
visem combater o capital e suas mazelas. No entanto, no PCA no existe uma
questo agrria, uma vez que o capitalismo resolve seus problemas com o capital.
Fernandes (2008, p. 45) ainda sinaliza que:
Para o paradigma da questo agrria, a soluo est no enfrentamento com o capital e, por essa razo, o mercado amplamente renegado pelos estudiosos desse paradigma, que o compreendem, em sua maior parte, apenas como mercado capitalista. Para o paradigma do capitalismo agrrio, a soluo est na integrao com o capital e, por essa razo, o mercado capitalista venerado pelos estudiosos desse paradigma. Essas duas vises esto presentes nas teorias e nas polticas pblicas e se expressam na construo de diferentes realidades.
Para efeito de uma melhor compreenso, esta dissertao baseia-se nos
fundamentos do PQA, ao buscar entender/compreender que:
A questo agrria nasceu da contradio estrutural do capitalismo que produz simultaneamente a concentrao da riqueza e a expanso da pobreza e da misria. Essa desigualdade resultado de um conjunto de fatores polticos e econmicos. Ela produzida pela diferenciao econmica dos agricultores, predominantemente do campesinato, por meio da sujeio da renda da terra ao capital (MARTINS, 1981, p. 175).
Ao mesmo tempo, preciso considerar que o PCA, ao negar as questes
presentes no cotidiano das pessoas do campo e no seu espao geogrfico, como a
questo agrria, nega tambm a misria desenvolvida e sustentada pelo capitalista
que concentra a terra e, consequentemente, tira o campons de seu territrio.
A Educao do Campo surgiu das experincias de lutas pela questo agrria,
pelo enfrentamento ao sistema vigente, pelo direito educao e por um projeto
poltico pedaggico histrico de superao, voltado aos interesses dos trabalhadores
e trabalhadoras do campo. Mas quem so estes trabalhadores? De acordo com o
Decreto n. 7.352/2010, que dispe sobre a Poltica de Educao do Campo e o
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Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria PRONERA regulamenta em
seu artigo 1, inciso I, que as populaes do campo so:
Os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrria, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condies materiais de existncia a partir do trabalho no meio rural (BRASIL, 2010).
A Educao do Campo, bem como a escola do campo, so fundamentadas
em princpios terico-metodolgicos, nos quais o campons/camponesa possa
entender/compreender o contexto social em que est inserido/inserida. No dizer de
Caldart (2004, p. 17), preciso entender a educao do campo como processo de
construo de um projeto de educao dos trabalhadores e das trabalhadoras do
campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetria de luta de
suas organizaes.
A professora Celi Taffarel afirma que:
Educao do Campo a luta organizada dos movimentos sociais que reivindicam e conquistam, passo-a-passo, escolarizao de qualidade socialmente referenciada, para as crianas, jovens e adultos do campo, como um direito fundamental de todos, para que se desenvolva em cada ser humano singular o que foi fruto do desenvolvimento da humanidade. Direito garantido no marco da sociedade burguesa capitalista, pelo dever do Estado, visto estar assegurado, como resultado da luta de classes, no marco da Constituio Federativa do Brasil. Tem suas bases assentadas na necessidade do desenvolvimento de uma consistente base terica materialista-histrica-dialtica, na conscincia da classe em si e para si, na formao poltica e, na organizao revolucionria dos trabalhadores (TAFFAREL, 2013, s/p, grifo do autor).
Para Taffarel (2013), a Educao do Campo tem a sua gnese na luta
histrica dos povos do campo que se opem ao sistema burgus capitalista. Nesses
povos esto implcitos a propriedade privada dos meios de produo, o trabalho
alienado, o Estado capitalista, o imperialismo e os valores da burguesia partilhados
pela prpria classe trabalhadora, como dizem Marx e Engels em a Ideologia Alem.
A Educao do Campo tem se localizado, ao longo de sua trajetria, dentro de um
sistema de reivindicaes transitrias que lutam historicamente contra a imposio
do trabalho ao capital, bem como lutam contra o atendimento do Estado aos
interesses dos capitalistas. Para a Educao do Campo e para os trabalhadores do
campo, a luta pela Reforma Agrria:
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uma questo ttica para a classe trabalhadora no processo de trazer todos os seus segmentos para a difcil, mas necessria revoluo proletria e camponesa, para superar estrategicamente o projeto histrico capitalista rumo ao comunismo. Para tanto, necessrio um dado projeto de educao e so necessrios, tambm, excelentes professores, militantes culturais revolucionrios (TAFFAREL, 2013, s/p).
A Educao do Campo teve como marco inicial o I Encontro Nacional de
Educadoras e Educadores da Reforma Agrria - I ENERA3, em 1997. No ano
seguinte, aconteceu em Luzinia-GO a I Conferncia Nacional Por Uma Educao
Bsica do Campo, reafirmada nas lutas e em construo de sua(s) identidade(s),
bem como na busca de ampliar diferentes aes que visassem contemplar maior
nmero de movimentos e organizaes.
Nas discusses do campo no h uniformidade, uma vez que existem
diversos movimentos com suas concepes e formas de lutas, fundamentados no
ideal poltico. Como exemplo pode-se citar que as formas de ocupao da terra pelo
Movimento dos Trabalhadores sem Terra MST como luta poltica so contestadas
por alguns movimentos sociais e pelo Estado. Destaca-se ainda o tensionamento do
Estado para com alguns movimentos sociais ao no reconhecer os mesmos como
sujeitos polticos. Nesse sentido, os movimentos vm criando saberes que os
empoderam e o Estado assume a postura de regulador dessa emancipao.
Os grupos excludos do sistema hegemnico tm se organizado
historicamente em movimentos sociais como estratgia de enfrentamento na luta por
direitos negados, eles lutam por condies materiais e simblicas (territrio, cultura e
em todas as dimenses que constituem seu modo de vida) necessrias para a
existncia da vida humana. Tais movimentos tm-se constitudo como espaos de
denncias de condies desumanas a que muitos dos povos que vivem no campo
esto submetidos historicamente em relao terra, ao trabalho, educao,
sade, participao social e poltica, e at mesmo na proposio das polticas
pblicas (PIRES, 2012).
3 Nesta trajetria verifica-se: Diretrizes Operacionais da Educao Bsica para as Escolas do Campo
(2002); II congresso de Educao do Campo; Seminrios de Pesquisa; O Procampo (2008); Diretrizes complementares, normas e princpios para o desenvolvimento de polticas pblicas de atendimento da Educao Bsica do Campo (2008); Criao do Frum e Articulao da Frente Parlamentar pela Educao do Campo (2010); Reunies de Fruns; Criao do Decreto 7.352 - sobre a Poltica de Educao do Campo e o Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria PRONERA (2010); e, Pronacampo (2012).
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Os membros do Frum Nacional de Educao do Campo FONEC4 (2012, p.
4), no que diz respeito aos movimentos sociais, sinalizam que:
O eixo principal do contexto de surgimento desta nova prtica social foi a necessidade de lutas unitrias feitas pelos prprios trabalhadores e suas organizaes por uma poltica pblica de Educao do Campo que garantisse o direito das populaes do campo educao e que as experincias poltico-pedaggicas acumuladas por estes sujeitos fossem reconhecidas e legitimadas pelo sistema pblico nas suas esferas correspondentes. Mas exatamente pelos sujeitos envolvidos e a materialidade social que a institui, a marca de origem da Educao do Campo e de seu projeto educativo foi sendo constituda pela tomada de posio nos confrontos entre concepes de agricultura, de projetos de campo, de educao e de lgica de formulao das polticas pblicas. Costumamos dizer que a prpria existncia destes confrontos que essencialmente define o que a Educao do Campo e torna mais ntida sua configurao como fenmeno da realidade brasileira atual.
Os movimentos sociais, atravs de seus sujeitos e suas mobilizaes em
torno das lutas pela produo tanto material quanto simblica para existncia, tm
se constitudo como pedaggicos, uma vez que so espaos/lugares onde se
constroem situaes de humanizao. Segundo Grzyibowski (1991, p. 59),
Enquanto espaos de socializao poltica, os movimentos permitem aos trabalhadores em primeiro lugar, o aprendizado prtico de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar, em segundo lugar, a elaborao da identidade social, a conscincia de seus interesses, direitos e reivindicaes; finalmente, a apreenso crtica de seu mundo, de suas prticas e representaes, sociais e culturais.
Entrementes, ao longo dos anos se manteve a hegemonia do capital e o
Estado facilitou este crescimento, apenas para citar uma ao, ao financiar
empresas privadas com recursos pblicos. A hegemonia est presente nas esferas
polticas e da sociedade civil organizada. Para os membros do FONEC (2012, p. 4 e
5):
Nesta ltima dcada e meia, avanou no campo brasileiro a hegemonia do capital, na forma conhecida como agronegcio, impulsionado por uma entrada ainda maior do grande capital financeiro internacional na agricultura. Esta hegemonia no se fez sem a forte participao do Estado, por meio da facilitao de financiamento com volume considervel de recursos pblicos. A hegemonia est na base econmica, mas se estende para ampla representao poltica no Congresso Nacional, estendendo seus
4Os membros do FONEC 2012: Antonio Munarim, Eliene Novaes Rocha, Mnica Castagna Molina e
Roseli Salete Caldart e o MST. Ver Frum Nacional de Educao do Campo FONEC - Notas para anlise do momento atual da Educao do Campo - Seminrio Nacional BSB, 15 a 17 de agosto 2012.
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tentculos tambm para o Poder Judicirio e o conjunto da sociedade civil, com destaque para o papel hoje desempenhado pela grande mdia.
A despeito disso, muitos trabalhadores e trabalhadoras no deixaram de lutar,
resistir e buscar, atravs dos movimentos sociais organizados, condies para
disputar a hegemonia. Na atual conjuntura, os trabalhadores do campo no
deixaram de se inserir no PCA, pois, na viso de Fernandes (2008, p. 46),
[...] no a participao do campons no mercado capitalista que o torna capitalista. Como tambm no o uso de novas tecnologias ou a venda para a indstria que o torna capitalista. a mudana de uma relao social organizada no trabalho familiar para uma relao social organizada na contratao do trabalho assalariado em condio que supere a fora de trabalho da famlia em determinadas condies espaciais e temporais.
Assim, destaca-se o avano do agronegcio com largo e explcito apoio do
Estado, pois O Estado tem papel ativo na sustentao dessa estratgia,
subordinando-se cada vez mais s demandas das grandes empresas e do capital
financeiro que comandam o processo de expanso do agronegcio. (FONEC, 2012,
p. 6). O Estado brasileiro sempre esteve subordinado ao capital internacional, o
prprio processo de formao do territrio se deu a partir desta relao. Nesse
sentido, o Estado tem utilizado a mxima de que se est tirando a agricultura da
esfera de produo de subsistncia e inserindo-a no modelo capitalista neoliberal.
Vale dizer que neste cenrio atual, o agronegcio impede que terras sejam obtidas
para a Reforma Agrria.
por isso que os governos brasileiros se alinham hoje explicitamente ao modelo do agronegcio, e com muito mais vigor e convico do que fizeram os governos do final da dcada de 1990, poca em que comeamos a articulao por uma Educao do Campo, e em que exatamente essa estratgia se desenhava e comeava a ser implementada, retirando a agricultura do limbo em que se encontrava e inserindo-a no modelo capitalista neoliberal. No cenrio atual, este avano do agronegcio que protege as terras improdutivas para futura expanso dos negcios agrcolas, travando a obteno de terras para a Reforma Agrria (FONEC, 2012, p. 7).
A perspectiva da luta dos camponeses por uma Educao do Campo, quando
considerada dentro do PQA, deve se materializar de modo intrinsecamente
associado luta pela terra, resistncia na terra, pelos territrios e atravs da
conscincia de si e de classe. Essa luta deve acontecer no campo das polticas
pblicas e dos movimentos sociais, que possibilitem aos povos do campo entender
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as contradies sociais, histricas e culturais a que esto submetidos. Assim, a
concepo de Educao do Campo pensada, e que tem sido construda pelos
camponeses, busca romper com a ambiguidade do projeto de educao capitalista e
universalizar a educao do campo para que esta seja mecanismo de formao
humana emancipatria.
1.1 O PROBLEMA DA PESQUISA
O problema central desta pesquisa parte da seguinte considerao: os
processos educativos das escolas do campo do municpio de Feira de Santana
devem tratar o conhecimento a partir de uma perspectiva terico-metodolgica que
questione a racionalidade tcnica e possibilite aos indivduos compreender a
questo agrria como uma realidade socialmente construda, possibilitando-lhes
compreender os seus papis sociais, para que, consequentemente, se organizem
politicamente na construo de territorialidades contra-hegemnicas; que
considerem que os caminhos para o enfrentamento das questes agrrias sejam
trilhados mediante a apropriao do conhecimento e na luta por um projeto histrico,
cujo objetivo seja a emancipao para o campo brasileiro. Assim, a questo
suscitada foi: Quais os desdobramentos e significados produzidos pela poltica
pblica nacional da Educao do Campo no municpio de Feira de Santana-BA?
1.2 OBJETIVOS DO TRABALHO
Tendo em vista a questo norteadora desta pesquisa, delimitou-se o seguinte
objetivo geral: identificar possveis desdobramentos e analisar os significados
produzidos pela poltica pblica nacional da Educao do Campo no municpio de
Feira de Santana. Como desdobramento do objetivo geral, constituram-se os
seguintes objetivos especficos: a) analisar historicamente os conceitos de
Educao, Formao humana, Trabalho, Polticas Pblicas, Emancipao e
Educao do Campo; b) compreender os processos de construo da Educao do
Campo na perspectiva do materialismo histrico dialtico; c) analisar a concepo da
Educao do Campo presente nos documentos oficiais e no Projeto Poltico
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Pedaggico da escola investigada; d) identificar, na relao entre as vozes dos
sujeitos da pesquisa (professoras, diretora escolar, coordenadora da SME e lderes
comunitrias) e os documentos oficiais, como se efetiva a poltica pblica nacional
da Educao do Campo no municpio de Feira de Santana.
1.3 O MTODO E OS CAMINHOS METODOLGICOS
A escolha de um pressuposto terico-metodolgico de extrema relevncia
nos caminhos percorridos para realizao e anlise deste objeto de estudo: A
Poltica Pblica da Educao do Campo do municpio de Feira de Santana, pois,
conforme Frigotto,
(...) quando nos propomos ao debate terico, entendemos deva ser que as nossas escolhas tericas no se justificam nelas mesmas. Por trs das disputas tericas que se travam no espao acadmico, situa-se um embate mais fundamental, de carter tico-poltico, que diz respeito ao papel da teoria na compreenso e transformao do modo social mediante o qual os seres humanos produzem sua existncia, neste fim de sculo, ainda sob a gide de uma sociedade classista, vale dizer, estruturada na extrao combinada de mais-valia absoluta, relativa e extra. As escolhas tericas, neste sentido, no so nem neutras e nem arbitrrias - tenhamos ou no conscincia disto. Em nenhum plano, mormente o tico, se justifica teorizar por teorizar ou pesquisar por diletantismo (FRIGOTTO, 1998, p. 26).
Um trabalho cientfico exige do pesquisador alguns posicionamentos, e dentre
eles, destaca-se o mtodo. O mtodo base da interpretao do objeto e da teoria
estudados, pois diz respeito concepo de mundo do pesquisador, sua viso da
realidade, da cincia, do movimento, etc. a sistematizao das formas de ver o
real. (MORAES; COSTA, 1999, p. 27). A metodologia refere-se aos procedimentos
e encaminhamentos no fazer da pesquisa.
Para compreender como a poltica pblica nacional poderia facilitar as
condies para um carter emancipatrio da Educao do Campo, utilizou-se um
mtodo de anlise que permitiu abordar os conflitos e as contradies relativas
realidade complexa expressa nos saberes e fazeres dos sujeitos do campo.
Do ponto de vista metodolgico, esta pesquisa utilizou como mtodo
epistmico uma reflexo crtica a partir do materialismo histrico dialtico. Nesse
sentido, o materialismo histrico dialtico um instrumento de anlise. Seu sistema
de categorias visa compreender e transformar a realidade. (FREITAS, 1995, p.15).
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Para este mtodo todo conhecimento, seja ele da agricultura, da filosofia, das letras,
das artes ou das cincias, nasce da atividade prtica humana no sentido de produzir
sua existncia, ele , portanto, produto histrico do trabalho humano.
As categorias do materialismo histrico dialtico so constitudas a partir da
matria, da conscincia e da prtica social. Nesta pesquisa, a prtica social foi
determinante, haja vista que os sujeitos da pesquisa foram educadores e pessoas
da comunidade.
A prtica de pesquisa est ligada a intenes e valores. Assim, os
questionamentos sistematizados buscaram valorizar a argumentao e a relao
entre teoria e prtica social. Nesse sentido, uma pesquisa histrico-dialtica busca
romper o carter apenas emprico e compreende a realidade concreta a partir dos
elementos que constituem o processo.
Ento, a investigao iniciou-se por uma pesquisa bibliogrfica, que ocorreu
paralelamente ao cumprimento dos crditos no Programa de Mestrado em
Educao. Assim, a questo norteadora foi: Qual o projeto histrico e societrio
representado na poltica pblica nacional da Educao do Campo em Feira de
Santana? Para tanto, optou-se pela literatura especializada escrita por autores que
discutem educao e emancipao para a formao humana, Estado, Movimentos
Sociais, Educao do Campo como espao de lutas, bem como a poltica pblica
nacional da Educao do campo. Esta fase foi permeada por pesquisa documental,
atravs da anlise de documentos existentes na escola e na Secretaria de Educao
do Municpio de Feira de Santana.
Feira de Santana possui 556.642 habitantes, segundo dados do censo de
20105, com uma estimativa de 568.099 em 2012. Foi escolhida como cidade lcus
desta pesquisa, porque, desde 2003, j existia na Secretaria Municipal de Educao
SME um ncleo de Educao do Campo. Outros fatores tambm foram
considerados importantes, como: trata-se de um municpio tipicamente urbano, pois
sede da maior regio metropolitana do interior nordestino, concentrando cerca de
914.650 habitantes; o principal centro urbano, poltico, educacional, tecnolgico,
econmico, imobilirio, industrial, financeiro, administrativo, cultural e comercial do
interior da Bahia; tem o comrcio como a sua principal atividade econmica. No
entanto, do ponto de vista da organizao pedaggica da Secretaria Municipal de
5 Disponvel em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 23 de maro de2013.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_metropolitanahttp://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1
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Educao foi uma das primeiras a instituir um ncleo pedaggico voltado para a
Educao do Campo. Tambm notvel considerar que pela sua posio
geogrfica, situada no maior entroncamento rodovirio do norte-nordeste, atraiu
historicamente um grande contingente de pessoas, sendo elas, em sua maioria,
oriundas do campo.
O municpio possui a Universidade Estadual de Feira de Santana, diversas
faculdades particulares presenciais e a distncia, e est em processo de
implantao da Universidade Federal do Recncavo da Bahia, alm da Educao
Bsica, quer seja no mbito estadual, municipal ou da rede privada de ensino. Na
Educao bsica, os dados do IBGE (2010)6, apontam que as matrculas por nvel
foram: Pr-escolar: 14.050 alunos; Ensino Fundamental: 83. 202 alunos; e Ensino
Mdio: 21.105 alunos.
O municpio de Feira de Santana est situado no centro-norte da Bahia,
conforme figura 1.
6Disponvel em
http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/educacao.php?lang=&codmun=291080&search=bahia|feira-de-santana|infograficos:-escolas-docentes-e-matriculas-por-nivel. Acesso em 20 de janeiro de 2014.
http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/educacao.php?lang=&codmun=291080&search=bahia|feira-de-santana|infograficos:-escolas-docentes-e-matriculas-por-nivelhttp://www.cidades.ibge.gov.br/painel/educacao.php?lang=&codmun=291080&search=bahia|feira-de-santana|infograficos:-escolas-docentes-e-matriculas-por-nivel
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Figura 1: Mapa da localizao do municpio de Feira de Santana na Bahia
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/11/Bahia_RM_FeiradeSantana_AreadeExpan
sao.svg
Feira de Santana possui oito distritos: Bonfim de Feira, Governador Joo
Durval Carneiro, Humildes, Jaguara, Jaba, Maria Quitria, Matinha e Tiquaruu,
conforme figura 2, destacando o distrito da Matinha.
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Figura 2: Localizao dos Distritos de Feira de Santana
Fonte: Elaborado por Arislena B. Godinho, 2014.
No que diz respeito Rede Pblica Municipal de Ensino, segundo dados
fornecidos pela SME, no ano letivo de 2013 existiam 207 escolas distribudas entre a
sede, com suas cinco regies assim delimitadas e, os distritos:
Tabela 1 - Total de Escolas da Rede Municipal de Ensino - Ano 2013
Sede Quantidade de escolas Distrito - Quantidade de escolas
Regio 01 17 Bonfim 07
Regio 02 16 Humildes 16
Regio 03 18 Governador Joo Durval Carneiro 09
Regio 04 42 Jaquara 12
Regio 05 21 Jaiba 11
Maria Quitria 19
Matinha 08
Tiguaruu 11
Total 114 Total 93 Fonte - Diviso de Informaes Educacionais (DIE) da SME.
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Aps estas consideraes sobre a cidade lcus, preciso sinalizar que esta
pesquisa, que se caracteriza pela anlise crtica acerca da Educao do Campo e
da poltica pblica que a rege, fundamentalmente uma pesquisa social, com foco
na abordagem qualitativa.
A opo pela pesquisa qualitativa se deu porque esta abordagem busca
entender um fenmeno especfico com profundidade, o que permite um trabalho com
descries, comparaes e interpretaes. Alm disso, a pesquisa qualitativa um
importante instrumento para a realizao de uma pesquisa consistente e
significativa, uma vez que esta opera no patamar da realidade. Para Denzin &
Lincoln (2008), ela possibilita verificar os pontos de vista individuais e, tambm,
permite uma descrio mais rica do mundo social, bem como do campo
estudado/pesquisado. Estes autores ainda sinalizam que:
A pesquisa qualitativa uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de prticas materiais e interpretativas que do visibilidade ao mundo. Essas prticas transformam o mundo em uma srie de representaes, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravaes e os lembretes. Neste nvel, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenrios naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenmenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem (DENZIN & LINCOLN, 2006, p. 17).
Para Minayo (2007, p. 21), a pesquisa qualitativa responde a questes muito
particulares, pois
[...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspiraes, das crenas, dos valores e das atitudes. Este conjunto de fenmenos humanos entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue no s por agir, mas por pensar sobre o que fez e interpretar suas aes dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com os seus semelhantes.
Esta abordagem busca identificar as ideias e pensamentos dos indivduos
participantes da pesquisa, considerando seus valores, crenas e atitudes dentro da
realidade social vivida por eles. Minayo (2007, p. 25) afirma que a abordagem
qualitativa um
trabalho artesanal que no prescinde da criatividade, realiza-se fundamentalmente por uma linguagem baseada em conceitos, proposies, hipteses, mtodos e tcnicas, linguagem esta que constri um ritmo prprio e particular.
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A abordagem qualitativa referenda-se numa pesquisa no padronizada, que
possui caractersticas prprias, uma vez que toma por base as experincias e
prticas cotidianas vivenciadas pelos participantes (FLINCK, 2009).
A escolha do lcus da pesquisa se deu a partir de uma macroanlise do
municpio de Feira de Santana, perpassando pela totalidade das Escolas do Campo.
Foram consideradas tambm as escolas factveis para a pesquisa de mestrado,
levando-se em conta a questo do tempo e da distncia para se chegar ao distrito e
escola escolhida. A Secretaria Municipal de Educao tambm se configurou como
espao desta pesquisa.
O ncleo da Educao do Campo da SME era composto7 por trs
coordenadoras. Nos Planos de Ao propostos pelas mesmas, estavam, entre
outras, as seguintes aes para a implementao do Projeto Escola Ativa PEA:
Organizar e realizar a capacitao do Projeto Escola Ativa.
Assegurar a capacitao dos professores em servio nas escolas da
zona rural, da rede municipal.
Ampliar o quadro de coordenadores para atuarem no Projeto.
Assegurar a orientao e acompanhamento tcnico-pedaggico aos
professores e alunos das escolas inseridas no Projeto.
Assegurar a presena das Comunidades nas Assemblias e em vistas
s escolas, para o xito do Projeto.
Assegurar a disponibilidade de transporte para o bom andamento do
Projeto, nas visitas e Assembleias.
Assegurar a participao dos professores das classes multisseriadas
na jornada pedaggica, referente ao Projeto.
Formao continuada dos profissionais da Educao do Campo.
Acompanhamento e apreciao das aes realizadas pela comunidade
escolar, relativas ao PPP.
Articulao a nvel municipal, Conselhos, Fruns, ONGs e outras
organizaes representativas da sociedade.
Planejar, promover e coordenar os Microcentros do PEA.
7 Esse ncleo da Educao do Campo efetivou-se at o ano de 2012. Em 2013 com a formatao colocada pela nova Secretria de Educao do Municpio, as coordenadoras deste ncleo passaram a fazer parte do que a SEDUC chama de Projeto Mediao. Na atualidade uma delas coordenadora especfica da Educao do Campo no Grupo de Elaborao da Proposta Curricular do Ensino Fundamental.
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Realizar visitas pedaggicas mensalmente s escolas envolvidas.
Realizar encontros mensais com as comunidades envolvidas com o
PEA. (Memorial elaborado pelas coordenadoras da educao do
campo da SME 2012).
Ao analisar as aes que foram transcritas em um memorial a partir dos
planos de ao, pde-se perceber que as aes dessas coordenadoras estavam
voltadas para implementao/acompanhamento do PEA, uma vez que os dados
apresentados por elas apontam que, durante o perodo de 2004 a 2008, foram
contempladas com este projeto 100 escolas do campo em Feira de Santana.
Entretanto, no foi possvel identificar os resultados alcanados com dados ou em
forma descritiva, pois os mesmos so apontados atravs da exposio de fotos de
algumas aes realizadas e no h uma anlise escrita das aes efetuadas. No
entanto, este foi o nico programa com relao Educao do Campo que
funcionou at 2012 em Feira de Santana.
Quanto aos distritos, fez-se um breve sondeio em trs deles: Maria Quitria,
Matinha dos Pretos e Tiquaruu, a fim de se avaliar a comunidade geral e a
comunidade escolar. Aps a realizao de tais visitas, optou-se pelo distrito da
Matinha dos Pretos, pois o mesmo permitiu pesquisadora maior acessibilidade,
mas tambm se considerou a relevncia social e lutas desta comunidade para o
municpio.
A escola escolhida como lcus da pesquisa foi a Escola Municipal Rosa Maria
Esperidio Leite, que est localizada na avenida Anzio Pereira, S/N, sede do distrito
da Matinha dos Pretos. A escola oferece o Ensino fundamental nos anos iniciais e
finais a 5708 estudantes distribudos entre os turnos: matutino, com 10 turmas, num
total de 277 alunos; no vespertino so 08 turmas com 188 alunos; e no noturno, 06
turmas, num total de 105 alunos. A equipe gestora formada pela diretora, duas
vices-diretoras e duas coordenadoras pedaggicas. Quanto ao corpo docente
formado por 03 professores e 26 professoras, perfazendo um total de 29
professores, que na sua formao possuem graduao e ps-graduao, alm de
um estagirio e uma estagiria.
A escola Rosa Maria Esperidio Leite considerada de grande porte e sua
estrutura fsica composta por 10 salas de aulas, 01 diretoria, 01 secretaria, 01 sala
8 Dados das Atas de Resultados Finais do ano de 2013.
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de professores, 01 sala de leitura e de informtica, 01 cantina/cozinha, 01 biblioteca,
01 almoxarifado, 12 banheiros, 01 ptio coberto e 01 rea descoberta na lateral da
escola. Possui ainda 01 sala que ser transformada em Sala de Recursos.
Em seu Projeto Poltico Pedaggico consta que a escola surgiu da
necessidade de atender a demanda do crescimento do nmero de alunos no distrito
da Matinha dos Pretos. Sendo assim, apresenta como misso:
Construir suas aes, processos que contribuam para a formao de cidados com senso crtico-reflexivo e consciente de seus direitos e deveres, garantindo assim um exerccio pleno de sua cidadania em sociedade, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de suas vidas. Essa cidadania perpassa pelo processo de identificao enquanto pessoas do campo com ancestralidade afrodescendente (PPP, EMRMEL, 2011. p. 39).
Ainda no PPP consta que a viso da escola que seja uma instituio de
excelncia e que possa crescer e se desenvolver atendendo as necessidades da
comunidade, levando em considerao as reais necessidades do lugar em que est
inserida (PPP, EMRMEL, 2011. p. 39).
A Escola Municipal Rosa Maria Esperidio apresenta sua misso, viso e
outros elementos de maneira contextualizada, no sentido de reconhecer as
diversidades da comunidade na qual a escola est inserida. No decorrer do
documento, possvel verificar que existem referncias histria, cultura e
identidade do lugar e dos sujeitos que vivem ali. Pode-se verificar que na misso da
escola foi feita uma breve meno s pessoas do campo.
O PPP desta escola est amparado na legislao educacional vigente:
Constituio Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educao LDB
9394/96, no Plano Nacional de Educao PNE 2001 e no Estatuto da Criana e do
Adolescente ECA. Vale destacar, entretanto, que no texto no aparecem
referncias s Diretrizes Operacionais da Educao Bsica para as Escolas do
Campo (2002), bem como as Diretrizes complementares, normas e princpios para o
desenvolvimento de polticas pblicas de atendimento da Educao Bsica do
Campo (2008). Esse um dado a ser considerado na retomada e na avaliao
desse PPP, pois a escola citada localiza-se na zona rural do municpio.
Quanto aos instrumentos de coleta de dados, estes so fundamentais, no
momento de coletar (in loco) o fenmeno estudado. Assim, o instrumento utilizado
para a coleta de dados foi a entrevista, que, segundo Minayo (2007), possibilita
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conhecer a realidade estudada atravs da fala de interlocutores no momento da
realizao do trabalho de campo.
Antes da realizao da entrevista propriamente dita, os momentos de
observao in loco foram de extrema importncia para a conduo desta pesquisa.
Utilizou-se como porta de entrada para tais observaes o Rapport (a escuta), na
qual a pesquisadora buscava os primeiros dilogos com as possveis pessoas que
seriam entrevistadas com questes do tipo: fale um pouco de voc, das suas
atribuies, entre outras.
A entrevista uma das formas de interao social entre os indivduos, uma
vez que busca saber as opinies, posicionamentos, ideologias de cada um. Permite
tambm o dilogo sobre os fatos estudados. Assim:
A entrevista , portanto, uma forma de interao social. Mais especificamente, uma forma de dilogo assimtrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informao. (GIL, 2008, p. 109).
Trata-se de uma conversa a dois, que conta com a iniciativa do entrevistador,
ela tem o objetivo de construir informaes pertinentes para um objeto de pesquisa,
e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes com vistas a este
objetivo. (MINAYO, 2007, p. 64).
Ento, nesses espaos escolhidos como lcus da pesquisa, foram
entrevistadas: uma diretora da escola, quatro professoras, duas lderes comunitrias
e uma coordenadora da Educao do Campo da SME. Foram aplicadas entrevistas
semiestruturadas individuais, fundamentadas no seguinte roteiro:
QUESTES NUCLEARES
1- O que voc pensa da implementao da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo em Feira de Santana e na sua escola? 2- A Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo tem contribudo para os movimentos de lutas da comunidade de Feira de Santana-BA? 3- Quais desafios e o que deve ser feito para melhorar/aprimorar a implementao da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo? 4- Quais as dificuldades para a implementao da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo em sua comunidade?
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QUESTES COMPLEMENTARES 1- Como a Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo tem contribudo para a crtica da sociedade, da educao, do posicionamento em relao ao campo-cidade? 2- Que aes, articulaes, atitudes, engajamentos emergem ou deveriam emergir em funo da implementao da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo? 3- A Educao do Campo tem contribudo para constituio do sujeito do campo, para formao humana na perspectiva da emancipao? De que forma? 4- Como voc avalia a trajetria da Poltica Pblica Nacional da Educao do Campo em Feira de Santana?
A realizao das entrevistas possibilitou aos indivduos envolvidos nesse
processo a liberdade de expressar suas ideias, bem como a certeza de que os
dados coletados foram tratados com respeito e sigilo. Assim sendo, o papel desta
entrevistadora foi de uma conversa amistosa, tranquila, sem assumir posies
tendenciosas, estando atenta ao discurso das entrevistadas e registrando todas as
impresses.
O processo de investigao desta pesquisa se deu em trs fases ou etapas,
conforme pontuado por Ldke e Andr (2001): a) fase aberta ou exploratria; b)
pesquisa de campo; c) anlise dos dados e elaborao do documento final,
conforme a figura abaixo:
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39
Figura 3 Etapas do desenvolvimento da pesquisa
Fonte: Elaborada pela autora.
Na primeira fase aberta ou exploratria, na 1 etapa, foi feito um plano de
trabalho, que objetivou especificar melhor o objeto de estudo, o problema da
pesquisa, os objetivos, bem como a composio do quadro terico como resultado
da pesquisa bibliogrfica na 2 etapa. Foram identificadas possveis fontes de
pesquisa, tais como: literatura disponvel em bibliotecas e livrarias, banco de dados
fornecido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico -
CNPq - teses e peridicos de Universidades Federais e Estaduais e atravs de
buscas na internet atravs em sites como o Scielo Brasil.
2 ETAPA:
Elaborao de
referencial
terico
2 ETAPA:
Elaborao
do texto final
da pesquisa
1 ETAPA:
Anlise dos
dados
1 ETAPA:
Pesquisa
bibliogrfica/
documental
2 ETAPA:
Observao
in loco
3 ETAPA:
Aplicao dos
instrumentos de
coleta de dados
1 ETAPA:
Elaborao de
plano de
trabalho
Etapas do desenvolvimento da pesquisa
2 FASE:
Pesquisa
de campo
1 FASE:
Aberta ou
Exploratria
3 FASE: Anlise
e elaborao do
texto (relatrio)
final
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40
Na segunda fase aconteceu a pesquisa de campo em consonncia com a
pesquisa bibliogrfica e documental, as observaes in loco e as entrevistas. Os
meses de maio e junho foram reservados para as primeiras observaes; porm,
devido a algumas paralisaes das aulas na Rede Municipal de Ensino, esse
processo comeou em meados de maio com o sondeio j dito anteriormente. No
incio do ms de maio, obteve-se acesso a alguns documentos com respeito
Educao do Campo produzidos pela SME. Nos meses de setembro a novembro de
2013 foram realizadas as entrevistas.
Quanto a terceira e ltima fase, a anlise dos dados, aconteceu medida que
os dados coletados foram analisados e, concomitante a isto, o processo de redao
final do texto da dissertao foi sendo desenvolvido.
Para atender aos desafios e possibilidades colocados pela Poltica Pblica da
Educao do Campo, frente s aes/reivindicaes dos sujeitos que vivem do/no
campo e sua realidade histrica e social, bem como dos movimentos sociais, os
princpios e leis da dialtica foram fundamentais para este estudo e para sua
metodologia.
Os contedos apontados neste trabalho so compreendidos como questes
sociais formadas e oriundas das lutas por uma Educao do Campo. No decorrer do
estudo bibliogrfico, documental e de pesquisa de campo foram se definindo as
principais questes e categoriais para exposio desta dissertao. Esses
contedos foram caracterizados em captulos.
A introduo apresenta o campo terico, bem como os elementos essenciais
do problema, dos objetivos, do mtodo e metodologia da pesquisa.
O primeiro captulo aborda o conceito de educao omnilateral, como fator
elementar para Educao do Campo, uma vez que a omnilateralidade se refere
formao humana; identifica elementos sobre a finalidade da educao na formao
humana, a luz da pedagogia freireana, aponta o trabalho como princpio educativo,
pois este uma atividade especificamente humana e, por fim, faz um levantamento
sobre os fundamentos histricos, polticos e filosficos da Educao do Campo, pois
esta tem centrado suas reflexes sobre uma educao para alm das foras
hegemnicas.
O segundo captulo apresenta uma discusso sobre a Educao do Campo
como espao de lutas e de disputa de projetos societrios, uma vez que a Educao
do Campo emerge em um contexto histrico, social e econmico de conflito. Aborda
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a Educao do Campo no projeto do agronegcio fazendo referncia aos
paradigmas da Questo Agrria e do Capitalismo Agrrio, bem como traz os
Movimentos Sociais e suas reivindicaes atravs das lutas pela terra e por uma
Educao do Campo.
O terceiro captulo traz uma discusso sobre a poltica pblica nacional da
Educao do Campo em Feira de Santana, destacando a concepo de Estado e o
contexto de lutas pela terra. Aborda como referenciais histricos as lutas e
resistncias dos povos do distrito da Matinha dos Pretos pela terra. Aponta a
dimenso pedaggica da Educao do Campo no cotidiano de uma escola municipal
do referido distrito. Ainda neste captulo visualiza-se o entrecruzamento das vozes e
dos saberes e fazeres dos sujeitos participantes desta pesquisa.
As consideraes finais deste estudo apresentam aspectos da Educao do
Campo, bem como sobre a poltica pblica nacional da Educao do Campo e suas
demandas no referido municpio, o que possibilitou um olhar mais abrangente sobre
tal temtica.
Acredita-se que os resultados apresentados nesta pesquisa daro
embasamento compreenso de questes que se referem Educao do Campo,
favorecendo o debate para a implementao, de fato, da poltica pblica nacional da
Educao do Campo em Feira de Santana.
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2 EDUCAO E EMANCIPAO NO HORIZONTE PARA A FORMAO HUMANA
Este captulo aborda o conceito de educao omnilateral, como fator
relevante para Educao do Campo, uma vez que a emancipao humana s se
efetiva na perspectiva da omnilateralidade. Identifica elementos sobre a finalidade da
educao na formao humana, com foco na pedagogia de Paulo Freire, bem como
aponta o trabalho como princpio educativo, pois este se configura como uma
atividade estritamente do homem e, por fim, faz consideraes sobre os
fundamentos histricos, polticos e filosficos da Educao do Campo, pois esta tem
configurado suas reflexes sobre uma educao para alm das foras hegemnicas
do modo de produo do capital.
2.1 EDUCAO E FORMAO OMNILATERAL
Frigotto (2012, p. 265) afirma que Omnilateral um termo que vem do latim e
cuja traduo literal significa todos os lados ou dimenses. Este autor ainda pontua
que educao omnilateral significa a concepo de educao ou de formao
humana que busca levar em conta todas as dimenses que constituem a
especificidade do ser humano e as condies objetivas e subjetivas reais para seu
pleno desenvolvimento histrico. Assim, a educao omnilateral abrange a
educao e a emancipao humana em todos os sentidos da vida humana.
O conceito de omnilateralidade se refere a uma formao humana que busca
uma ruptura radical com a sociedade capitalista, o que o torna relevante para as
reflexes em torno da Educao do Campo. A emancipao humana s se constri
na perspectiva do homem omnilateral.
Ao discorrer sobre a categoria de formao omnilateral com base em Marx,
deve-se considerar a centralidade do trabalho como princpio educativo, mas levar
em conta a forma contraditria na qual o trabalho em sua dimenso histrica tem se
apresentado na sociedade capitalista.
A categoria de formao omnilateral destaca o papel de formao do trabalho
quando ligado instruo, pois nesta categoria procura-se no analisar apenas a
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ontologia do trabalho na vida do homem enquanto ser social. Por isso, possvel
afirmar que a formao omnilateral traz elementos de articulao entre o trabalho e a
formao humana como processo de luta para superao da diviso de classes,
referendando o princpio educativo do trabalho.
Torna-se necessrio fazer uma breve retomada dessa categoria de formao
omnilateral, uma vez que a abordagem feita por Marx possibilita uma leitura crtica
sobre a sociedade atual e as diferentes possibilidades que tm revestido as polticas
pblicas, que em alguns momentos adotam categorias que se aproximam das lutas
dos movimentos sociais e em outros momentos afastam-se destas.
Esta compreenso do ser humano evidentemente se contrape concepo
burguesa que o visualiza como um ser sem histria, individualista e competitivo.
Frigotto (2012, p. 266), ao falar sobre o trabalho, afirma que sendo o trabalho a
atividade vital e criadora mediante a qual o ser humano produz e reproduz a si
mesmo, a educao omnilateral o tem como parte constituinte. Assim, na viso de
Marx, para superar a sociedade capitalista, o trabalho deve acontecer na sua
dimenso de valor de uso, como princpio educativo.
Os fundamentos filosficos e histricos do desenvolvimento omnilateral do
indivduo, da educao e da formao humana, segundo Frigotto (2012), so
encontrados em Marx, Engels e, em especial, em Gramsci e Lukcs. Em Marx
(1989b, p. 197),
O trabalho como manifestao humana, como atividade no alienada/estranhada o fundamento para que se estabelea uma relao positiva entre o homem e a natureza em que se torna possvel naturalizao do homem e a humanizao da natureza. [...] O homem apropria-se do seu ser omnilateral de uma maneira onicompreensiva, portanto como homem total. Todas as relaes humanas com o mundo viso, audio, olfato, gosto, percepo, pensamento, observao, sensao, vontade, atividade, amor em suma, todos os rgos de sua individualidade, como tambm os rgo que so diretamente comunais na forma, so a apropriao da realidade humana.
Ento, a omnilateralidade9 est estritamente ligada formao humana,
entretanto depende de um rompimento com a sociedade burguesa, bem como com a
9 Para Souza Junior (2010, p. 90 e 91) a omnilateralidade proclamada por Marx no encontra par na
sociedade burguesa, nem muito menos num estgio inferior a esta, digamos, num estgio embrionrio de sociedade burguesa como o caso do contexto histrico vivido por John Bellers. O homem onilateral construo da sociabilidade nova, emancipada, portanto, impossvel a existncia desse homem onilateral no seio de um intercmbio social estranhado. O homem onilateral expresso de uma totalidade de determinaes no estranhadas, construdas no cotidiano da nova
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diviso social do trabalho, com a alienao/estranhamento, com o fetichismo e
antagonismo social e de classes.
A formao omnilateral depende de relaes no alienadas entre o homem/
natureza/ trabalho. Souza Junior (2010, p 86-87) enfatiza A absoluta inviabilidade
da onilateralidade no mbito da sociabilidade burguesa, porque a omnilateralidade
no diz respeito apenas a uma capacidade maior do indivduo de realizar atividade
complexas e diversas. Pode-se dizer que a omnilateralidade busca romper com os
nveis da moral, da tica, da prtica, da teoria, do afetivo, representa uma profunda
ruptura com os modos de subjetividade, individualidade e vida social estranhadas.
(SOUZA JUNIOR, 2010, p. 87).
Marx apresenta a categoria de formao omnilateral em contraposio
unilateralidade dos homens na sociedade capitalista que conduzida por uma prtica
social e uma formao unilateral separa a atividade material da intelectual.
Segundo Marx e Engels (2004), a formao do homem deve superar a
oposio entre a formao intelectual e a formao tcnica, uma vez que a atividade
prtica possibilita a aquisio de experincia, bem como saber terico. Em outras
palavras, os saberes prticos e os saberes tericos so indispensveis para a
formao omnilateral do indivduo. Dessa forma, a concepo marxiana destaca tais
saberes como forma de criticar a sociedade alienante e capitalista.
As possibilidades do desenvolvimento do homem omnilateral e da educao
omnilateral esto pautadas na construo de um novo projeto de sociedade que,
segundo Frigotto (2012, p. 267), Liberte o trabalho, o conhecimento, a cincia, a
tecnologia, a cultura, as relaes humanas em seu conjunto dos grilhes da
sociedade capitalista, pois, ainda de acordo com Frigotto (2012, p. 270 e 271):
A tarefa do desenvolvimento humano omnilateral e dos processos educativos que a ele se articulam direciona-se num sentido antagnico ao iderio neoliberal. O desafio , pois, a partir das desigualdades que so dadas pela realidade social, desenvolver processos pedaggicos que garantam, ao final do processo educativo, o acesso efetivamente democrtico ao conhecimento na sua mais elevada universalidade. No se trata de tarefa fcil e nem que se realize plenamente no interior das relaes sociais capitalistas. Esta, todavia, a tarefa para aqueles que buscam abolir estas relaes sociais.
A omnilateralidade pressupe outro projeto de sociedade como j fora
afirmado aqui anteriormente que resgate a integralidade da formao humana, uma
vida social, cujo fundamento o trabalho social livre, o planejamento e a execuo coletiva do trabalho, bem como a repartio justa dos produtos do trabalho.
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vez que a mesma um elemento para superao da formao unilateral do homem.
Vale dizer que a categoria de formao omnilateral busca a unio entre ensino e
trabalho na perspectiva da emancipao humana, no qual o trabalho enquanto
princpio educativo se efetive como atividade realizadora do homem e como
atividade de superao de classes.
Assim sendo, ao fazer essas breves consideraes sobre a categoria de
formao omnilateral com base nos pressupostos marxistas, faz-se mister destacar
a importncia de uma leitura crtica das polticas educacionais brasileiras, sobretudo
no que diz respeito poltica pblica nacional da Educao do Campo, que visa a
construo de uma nova sociedade, a formao para a emancipao humana, a fim
de que o homem esteja livre da explorao do prprio homem.
A espcie humana s pode ser considerada como tal medida que se efetiva
em sociedade, no se humano fora de um tecido social. O conhecimento, a
cultura, o trabalho e a educao pressupem um solo de relaes sociais. Para
Freire (1996), Saviani (1980a), Severino (2006), um dos desafios da sociedade
brasileira na atualidade a constituio de um sistema educacional democrtico,
descentralizado e acessvel, que fomente, difunda e preserve a produo social,
histrica e cultural, a prtica social. Um sistema educacional que respeite e valorize
a ampla diversidade, a construo de identidades e seja capaz de promover a
incluso dos mais diferentes setores da populao brasileira.
No se pode perder de vista que a educao no deve ser compreendida
como desenvolvimento das faculdades mentais e morais, como disciplinamento,
instruo, ato de ensinar, ajustamento ao meio social, a fim de atender classe
dominante (SEVERINO, 2006). Tais definies, que so inculcadas/alardeadas ao
longo dos processos educativos/histricos, tm se perpetuado na vida e na
conscincia dos indivduos. Educao no um processo de
acumulao/ajustamento de informaes; vai alm da transmisso de
conhecimentos tcnicos acumulados pela humanidade. Educar deve ser uma ao
humanizadora e, segundo Freire (1969, p. 128), uma educao verdadeiramente
humanista se [...] esfora-se no sentido da desocultao da realidade. Desocultao
na qual o homem existencialize sua real vocao: a de transformar a realidade.
relevante para a sociedade que os sujeitos envolvidos no processo educativo tomem
para si o papel poltico de desvelar a realidade escondida pelas ideologias que
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mascaram, marginalizam e oprimem, no sentido de superar a miopia que impede a
percepo daquilo que cerca o indivduo.
Para Severino (2006, p. 309):
educao cabe, como prtica intencionalizada, investir nas foras emancipatrias dessas mediaes num procedimento contnuo e simultneo de denncia, desmascaramento e superao de sua inrcia de entropia, bem de anncio e instaurao de formas solidrias de ao histrica, buscando contribuir com base na sua prpria especificidade, para a construo de uma humanidade.
Segundo este autor, a educao se configura como um processo de formao
humana na dimenso da relao pedaggica pessoal, bem como na dimenso das
relaes sociais coletivas. Severino afirma que (2006, p. 310),
Cabe educao, no plano da intencionalidade da conscincia, desvendar os mascaramentos ideolgicos de sua prpria atividade, evitando assim que ela se instaure como mera fora de reproduo social e torne fora de transformao da sociedade, contribuindo para extirpar do tecido todos os focos de alienao.
Pensar, falar ou refletir sobre a educao requer pensar na intencionalidade,
nos processos histricos10, no desvendar das ideologias dominantes e na prpria
humanizao dos sujeitos que so seres de relaes e transcendem a si prprios,
pois como tais so seres inacabados, em constante processo de construo. Para
Freire (1996, p. 50) O inacabamento do ser ou sua inconcluso prprio da
experincia vital. Onde h vida, h inacabamento.
Na legislao educacional brasileira11, o conceito de educao est
estritamente relacionado escola, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional LDB 9.394/96 no artigo 1, 1, 2
Art. 1 A educao abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais.
10No livro Pedagogia da Esperana, Freire (1992) afirma que no possvel entender os homens e as mulheres, a no ser mais do que simplesmente vivendo histrica, cultural e socialmente existindo como seres fazedores de seu caminho que ao faz-lo, se expem ou se entregam ao caminho que esto fazendo e que assim os refaz tambm. 11
Para compreender o sentido/razo do atual sistema educacional brasileiro sugere-se ver as reflexes tecidas por Saviani (2008) que aponta o avano da Lei de Diretrizes e bases da Educacional Nacional 9.394/96 em relao as anteriores, mas, tambm, evidencia que a mesma continua a legitimar uma educao voltada para as elites.
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1 Esta Lei disciplina a educao escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituies prprias. 2 A educao escolar dever vincular-se ao mundo do trabalho e prtica social.
O Art. 1 da LDB 9394/96 traz uma definio de educao abrangente, pois
flexibiliza a carga semntica da educao, o que, para Saviani (2008, p. 201 e 202),
um aspecto positivo, uma vez que constitui um ponto de partida para se corrigir a
fragmentao, assim como os unilateralismos que tm marcado a situao
educacional em nosso pas. Outro ponto de destaque que o pargrafo 1
especificou e definiu a educao escolar, que, segundo Saviani (2008, p. 202)
parece procedente [...], a educao escolar emergiu na modernidade como a forma
principal e dominante da educao, erigindo-se em ponto de referncia e critrio
para se aferir as demais formas de educar. Ao passo que o segundo pargrafo
preconiza que a educao escolar deve se vincular ao mundo do trabalho e prtica
social. Retorna-se a Saviani (2008, p. 202) que: adverte que o significado real
desse enunciado depender do entendimento que se tem de mundo do trabalho e
prtica social.
Pode-se corroborar com as ideias de Saviani (1980, p. 129) quando este
conceitua educao como uma atividade mediadora no seio da prtica social.
Partindo da prtica social, torna-se possvel perceber a educao como mediao,
como meio para emancipao humana, pois ela uma prtica social como as outras
questes da vida humana: sade, moradia, comunicao, religio, cultura, entre
outras. A educao como prtica social busca desenvolver na pessoa humana os
saberes e fazeres pertinentes para sua formao enquanto sujeito social. A
educao como prtica social atua sobre a vida do indivduo, bem como sobre a
sociedade.
A atividade educativa faz parte do contexto histrico, pois se configura como
um processo de mediao/emancipao entre o indivduo e a sociedade. A
emancipao tem que ser dos e pelos trabalhadores e trabalhadoras. Para Marx e
Engels (2003, p. 107):
A emancipao das classes trabalhadoras dever ser conquistada pelas prprias classes trabalhadoras; que a luta pela emancipao das classes trabalhadoras no significa uma luta por privilgios e monoplios de classe, e sim uma luta por direitos e deveres iguais, bem como pela abolio de todo domnio de classe.
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Verifica-se, portanto, a necessidade de lidar com o conhecimento a partir da
realidade, para alm da viso neoliberal, uma vez que o foco deve ser o projeto
formativo da classe trabalhadora numa perspectiva de luta social e identidade de
classe.
Em acordo com o conceito de omnilateralidade, a Educao do/no Campo,
pensada para formao da conscincia poltica em vista da libertao da classe
trabalhadora, na perspectiva da emancipao social, que busque a superao do
capitalismo. Para chegar emancipao realmente, com base em Marx e Engels
(2003), busca-se a superao do capital e do Estado, uma vez que a emancipao
humana seria contrria ao Estado burgus. Para construir uma sociedade na
perspectiva emancipatria, necessria a luta, a resistncia e a criao de um
projeto histrico que traga contribuies para formao de conscincias e
identidades que se materializam nas aes concretas. Afinal, no Modo de Produo
Capitalista, a grande maioria da populao, a que despossuda dos bens materiais
e detentora da fora de trabalho, se tornou executora de tarefas e aes pensadas
pela classe dominante. Tal fato desdobrou-se em uma srie de questes de ordem
social, poltica e econmica. Essas questes so materializadas na disposio desta
sociedade no espao, mas tambm, na forma de pensar e agir sobre o espao.
A formao omnilateral vista como uma possibilidade de formao dos
sujeitos sociais excludos para tensionar a ordem hegemnica em prol de um projeto
societrio que traga menos danos ao prprio homem. Mas, qual a finalidade da
educao na formao humana? Tal ponto ser discutido a seguir.
2.2 A FINALIDADE DA EDUCAO NA FORMAO HUMANA
A educao existe em todas as esferas da vida humana, em cada povo, raa,
tribo. Brando (2006, p.11) afirma que:
A educao , como outras, uma frao do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenes de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educao que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber atravessa as palavras da tribo, os cdigos sociais de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou religio, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos, atravs de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas existem dentro do mundo social onde a prpria educao
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habita, e desde onde ajuda a explicar s vezes a ocultar, s vezes a inculcar de gerao a gerao, a necessidade da existncia de sua ordem.
A educao existe onde no h escola, est em todo lugar e presente nas
mais diversas formas de saberes. No existe um nico modelo de educao, nem
tampouco a escola o nico lugar para aprendizagens ou o professor o nico a
ensin-las. Existem inmeras educaes com suas mais variadas formas de atender
as demandas da sociedade, dentre elas a dimenso da formao humana.
Coube a Karl Marx e outros pensadores, fundamentar uma concepo de
formao humana nos seguintes princpios: articulao entre esprito e matria,
subjetividade e objetividade, inferioridade e exterioridade. Para Marx, o ser no se
define pelo esprito e sim pela prxis. Ento, pode-se afirmar com base em Marx e
Engels (1999) que o trabalho uma atividade fundamental no desenvolvimento do
ser humano, bem como a educao mediadora do processo de formao do
indivduo.
Ao longo da histria da humanidade, a atividade educativa se desenvolveu
assumindo formas e contedos diversos de acordo com as condies de produo e
reproduo da vida, pois,
o primeiro pressuposto de toda a histria humana naturalmente a existncia de indivduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar , pois, a organizao corporal destes indivduos e, por meio disto, sua relao dada com o resto da natureza [...] Toda historiografia deve partir destes fundamentos naturais e de sua modificao no curso da histria pela ao dos homens (MARX & ENGELS,1999, p. 29).
O fato que considerar as caractersticas genricas do ser humano ao longo
da histria em seu processo de formao garantir sua prpria ao. Esta ao do
indivduo o que Marx e Engels (1999) consideram como trabalho, atividade vital
para a humanidade, pois por meio deste, o homem se apropria dos elementos da
natureza e transforma-os para produo de sua existncia. Estes autores veem o
homem constituindo-se historicamente e socialmente por meio do agir prtico
coletivo, em busca da emancipao humana.
Marx reivindicava a necessidade de uma formao que contribusse para a
emancipao humana, uma formao que possibilitasse ao indivduo desenvolver
todas as suas relaes humanas com o mundo viso, audio, olfato, gosto,
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percepo. Pensamento, observao, sensao, vontade, atividade, amor em
sntese, todos os rgos da sua individualidade (2003, p. 141). Mas isto s seria
possvel com a supresso da propriedade privada, que significava para ele:
[...] a emancipao total de todos os sentidos e qualidades humanas. Mas s essa emancipao porque os referidos sentidos e propriedades se tornaram humanos, tanto do ponto de vista subjetivo como objetivo. O olho tornou-se um olho humano, no momento em que seu objeto transformou-se em objeto humano, social, criado pelo homem para o homem. Por conseqncia, os sentidos tornaram- se diretamente tericos na sua prtica. Relacionam-se coisa por ela mesma, mas a prpria coisa j constitui uma relao humana objetiva a si mesma e ao homem, e vice-versa. A necessidade ou o prazer perderam, portanto, o carter egosta e a natureza perdeu a sua mera utilidade, na medida em que sua utilizao se tornou utilizao humana (MARX, 2003, p. 142).
Sabe-se que a diviso do trabalho contribuiu historicamente e socialmente
para o desenvolvimento das foras produtivas colocando-as num contexto mais
amplo ao estabelecer ponte com as outras dimenses da vida e da educao, mas
tambm contribuiu para o desenvolvimento do processo de alienao dos indivduos.
Para Marx,
A alienao no se revela apenas no fato de que os meus meios de vida pertencem a outro, de que os meus desejos so a posse inatingvel de outro, mas de que tudo algo diferente de