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A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O TRABALHO ASSOCIATIVO Teorias e realidades * Marcia de Paula Leite Introdução Este texto consiste em um balanço de estudos sobre Economia Solidária, um fenômeno que vem se difundindo rapidamente no contexto de pro- fundas transformações por que vem passando o mundo do trabalho. Trata-se de discutir, de um lado, o quadro teórico que os estudos sobre o tema vêm conformando tanto em nível internacional, como nacional, e, de outro, a importância que o fenômeno vem adquirindo nos dois casos. Ele se articula, nesse sentido, a partir de três objetivos principais. Em primeiro lugar, busca deli- mitar a discussão teórica sobre o tema, abarcando não só os que a entendem como o prenúncio de um processo de transformação social, mas também aqueles que têm uma visão mais crítica do fenôme- no, enfatizando seu caráter efêmero e pouco alenta- dor no sentido de se configurar como uma alterna- tiva de geração de emprego e renda. Em segundo lugar, ele se debruça sobre o exemplo argentino, uma das experiências mais interessantes de difusão do cooperativismo como um fenômeno social expressi- vo nos primeiros anos da presente década. Finalmen- te, o texto propõe uma análise da experiência brasi- leira a partir de balanços nacionais. As considerações finais traçam algumas conclusões sobre os estudos analisados, sublinhando a complexidade do tema e a impropriedade de se pensar em termos dualistas seja no sentido de suas potencialidades e virtualida- des, seja no de seus limites e vulnerabilidades. RBCS Vol. 24 n o 69 fevereiro/2009 Texto elaborado no âmbito do projeto “A crise do traba- lho e as novas formas de geração de emprego e renda: as distintas faces do trabalho associado, os trabalhadores e a questão de gênero”, financiado pela Fapesp (projeto te- mático) e pelo CNPq (Edital Universal). * Artigo recebido em agosto/2008 Aprovado em dezembro/2008

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A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O TRABALHOASSOCIATIVOTeorias e realidades*

Marcia de Paula Leite

Introdução

Este texto consiste em um balanço de estudossobre Economia Solidária, um fenômeno que vemse difundindo rapidamente no contexto de pro-fundas transformações por que vem passando omundo do trabalho. Trata-se de discutir, de umlado, o quadro teórico que os estudos sobre o temavêm conformando tanto em nível internacional,como nacional, e, de outro, a importância que ofenômeno vem adquirindo nos dois casos.

Ele se articula, nesse sentido, a partir de três

objetivos principais. Em primeiro lugar, busca deli-mitar a discussão teórica sobre o tema, abarcandonão só os que a entendem como o prenúncio deum processo de transformação social, mas tambémaqueles que têm uma visão mais crítica do fenôme-no, enfatizando seu caráter efêmero e pouco alenta-dor no sentido de se configurar como uma alterna-tiva de geração de emprego e renda. Em segundolugar, ele se debruça sobre o exemplo argentino, umadas experiências mais interessantes de difusão docooperativismo como um fenômeno social expressi-vo nos primeiros anos da presente década. Finalmen-te, o texto propõe uma análise da experiência brasi-leira a partir de balanços nacionais. As consideraçõesfinais traçam algumas conclusões sobre os estudosanalisados, sublinhando a complexidade do tema ea impropriedade de se pensar em termos dualistasseja no sentido de suas potencialidades e virtualida-des, seja no de seus limites e vulnerabilidades.

RBCS Vol. 24 no 69 fevereiro/2009

Texto elaborado no âmbito do projeto “A crise do traba-lho e as novas formas de geração de emprego e renda: asdistintas faces do trabalho associado, os trabalhadores e aquestão de gênero”, financiado pela Fapesp (projeto te-mático) e pelo CNPq (Edital Universal).

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Artigo recebido em agosto/2008Aprovado em dezembro/2008

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Economia solidária e cooperativismo

A difusão das experiências de economia soli-dária não pode ser pensada sem o cuidado de inse-ri-las no quadro do conjunto de transformaçõesque vêm reconfigurando o social. De fato, é noquadro atual de crise do trabalho assalariado1 queos estudiosos começaram a detectar desde os anosde 1980, mas especialmente a partir da década se-guinte, um conjunto de movimentos empunhadospor trabalhadores que perderam seus empregos eque não conseguiram se reinserir no mercado detrabalho ou, ainda, por aqueles que sempre vive-ram na informalidade. Centrando-se, especialmen-te, na formação de cooperativas de trabalho e deprodução e de associações de trabalhadores, nasquais se busca a autogestão, tais experiências vêmsendo reconhecidas sob o nome de EconomiaSolidária2 . É a essa discussão que este tópico sedirige, a partir de uma reflexão centrada em quatrotemas: (i) uma discussão teórica geral, buscando cir-cunscrever a temática e as questões que ela traz paraos estudos atuais; (ii) um exame das teorias que in-terpretam a economia solidária como uma formade transformação social; (iii) uma síntese das visõescríticas da economia solidária; e, finalmente, (iv) umareflexão sobre os limites e as possibilidades da eco-nomia solidária.

Discussão teórica

Antes de tudo, é importante sublinhar que nãoexiste qualquer tipo de unanimidade no que se re-fere ao conceito de Economia Solidária. Para al-guns, ele remete às experiências britânicas do iníciodo século XIX, inspiradas por Richard Owen, nasquais sobressai a idéia da transformação social dasrelações de produção capitalistas e sua substituiçãopelos princípios socialistas de igualdade e solidarie-dade, baseados na idéia de autogestão e de contro-le operário sobre a produção (Singer, 2000b).

Para outros (Laville, 2006; França Filho, 2006)trata-se de um fenômeno novo, que tem a ver coma crise da relação salarial que se abriu no últimoquartel do século passado e que, embora retomeexperiências do século XIX como as cooperativase os empreendimentos autogestionários, adquire

novos significados no atual contexto econômico esocial.

Juntamente com Chanial, Laville contextualizaa economia solidária na ampla crise econômica ecultural que marcou o final dos anos de 1960, naqual se incluem a exigência de uma maior “qualida-de” de vida, a reivindicação de um crescimentoqualitativo e de uma política do nível de vida, “delevar em conta as dimensões de participação nasdiferentes esferas da vida social, de preservar o meioambiente, de mudar as relações entre os sexos e asidades” (Chanial e Laville, 2006, p. 50). É nessequadro que a década seguinte serà marcada poruma renovação das atividades associativas que tes-temunham não só uma alternativa à crise do em-prego, mas também o desejo de “trabalhar de ou-tra maneira” (Idem, p. 51).

Outros ainda consideram tais experimentoscomo efêmeros e fugazes, que tendem a se multi-plicar em momentos de crise do capitalismo, paradesaparecer logo em seguida, em função das difi-culdades que enfrentam para sobreviver em umcontexto capitalista, como a baixa capitalização, afalta de capacitação técnica dos trabalhadores paragerir os negócios, a falta de comprometimento doconjunto dos trabalhadores com os ideais coope-rativistas, para citar apenas os argumentos mais lem-brados. Nesse sentido, seriam experiências destituí-das de importância social.

Essa discussão, que já se tornou clássica, espe-cialmente entre os estudiosos de esquerda, colo-cando em lados opostos renomados pesquisado-res, como Rosa Luxemburgo (1986), Webb e Webb(1914), Bernstein (1961) e o próprio Marx (1979),3ressurge no momento atual, tendo em vista a gran-de quantidade de experiências que vêm se espa-lhando pelo mundo afora, em virtude das mudan-ças que têm ocorrido no mercado de trabalho.

Essa difusão das experiências cria, ademais, umconjunto de movimentos de economia solidária emnível nacional e internacional, colocando para osestudiosos novos problemas que não haviam sidopensados anteriormente.

É nesse contexto que a discussão sobre os li-mites e as potencialidades do cooperativismo seavivam e que novas teorias surgem para dar contado fenômeno. Em que medida essas novas expe-

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riências não poderiam ser tomadas no novo con-texto, tendo em vista a dimensão que o fenômenovem tomando, como portadoras de uma capaci-dade de transformação social?

Essa hipótese não pode deixar de considerar,entretanto, que os estudos sobre o fenômeno aindasão poucos; que ele carece de avaliações mais con-fiáveis em nível mundial, regional ou nacional e queas interpretações mais otimistas não levam em con-ta um sem número de “falsas cooperativas”, queem vez de experiências de trabalho solidário funcio-nam como forma de flexibilização do trabalho, aserviço do capital, nas quais os princípios de auto-gestão, igualdade e solidariedade não estão presentes.

Por outro lado, vale pensar que muitas experiên-cias, embora localizadas e prenhes de dificuldades,que muito dificilmente poderiam apontar para umprojeto de transformação mais radical da socie-dade, despontam como novas formas de sociabi-lidade, nas quais setores mais vulneráveis da socie-dade vêm encontrando possibilidades de inserçãosocial que lhes têm permitido recuperar a dignida-de e a auto-estima. Essas experiências poderiamestar apontando não para uma transformação ra-dical da sociedade em seu conjunto, mas para umtipo de convivência com a produção capitalista(Gaiger, 2000, p. 189).

É a esse debate que este tópico do trabalho sededica, buscando dialogar com a bibliografia in-ternacional. Talvez uma das primeiras questões aser tematizada consiste em lembrar que, sendo ocontexto de expansão das experiências associativaso de crise generalizada (crise ambiental, de ummodo de acumulação, do trabalho assalariado, deuma forma de estar no mundo), tais experiênciascarregam consigo as disjuntivas de risco e possibi-lidade, de velho e novo, emergindo, portanto, comoportadoras a um só tempo de um conjunto depotencialidades e de limites.

No que se refere ao passado, vale lembrar queessas experiências resgatam os princípios estabele-cidos pela cooperativa de Rochdale, criada emManchester, em 1844, tais como: vínculo aberto evoluntário; controle democrático por parte de seusmembros (baseado no lema “um membro, umvoto); participação econômica dos membros (ba-seada, sobretudo, no direito à participação nas

decisões sobre a distribuição de proveitos); auto-nomia e independência em relação ao Estado e aoutras organizações; compromisso em relação à edu-cação de seus membros; cooperação entre coope-rativas por meio de organizações locais, nacionais emundiais; e contribuição para o desenvolvimentoda sociedade em que está localizada. Nesse sentido,elas extrapolam o simples objetivo de alternativaao desemprego, adquirindo um nítido potencialemancipador.

Esses princípios ressurgem, contudo, reconfi-gurados no contexto atual, dando margem a dife-rentes teorias que buscam explicar o fenômeno re-cente de expansão do cooperativismo. A elas serãodedicados os próximos itens.

Os teóricos e defensores da economia solidária

Laville e o princípio da reciprocidade

Sob os auspícios do Crida, Jean Louis Lavilletem sido um dos principais teóricos da economiasolidária. Vale destacar, em primeiro lugar, que suaanálise não se restringe às cooperativas, mas ao con-junto de “práticas que contribuem para rearticularo econômico às outras esferas da sociedade, naperspectiva de uma sociedade mais democrática eigualitária” (Guérin, 2005, p. 79). Tais práticas in-cluem a criação ou a manutenção de empregos; aprodução e a comercialização coletiva; a moradiacoletiva; a poupança e o crédito solidários; as tro-cas não monetárias; os serviços coletivos de saúde;a proteção coletiva do meio-ambiente; a segurançaalimentar; o apoio à criação de atividades indivi-duais ou coletivas; a criação de novos serviços. Em-bora as cooperativas (de consumo, de trabalho, deprodução e de crédito) constituam uma das for-mas importantes por meio das quais tais práticassociais se desenvolvem, elas não são as únicas; defato, há varias outras formas importantes como osclubes de troca, a autoconstrução, o microcréditoou o crédito solidário, os jardins comunitários, ascozinhas coletivas, os serviços da vida cotidiana(como cuidar de crianças ou idosos) (Idem, ibidem).

A economia solidária estaria emergindo comofruto ao mesmo tempo da crise da sociedade sala-rial e do processo de terceirização da economia.

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Diante da exclusão social provocada por esses fe-nômenos, ou da chamada nova questão social, “ofenômeno da economia solidária se apresenta [...]numa perspectiva de busca de novas formas deregulação da sociedade, sob a forma de auto-or-ganização social em torno de ações, ao mesmo tem-po econômicas e políticas” (Idem, p. 111).

Criticando o reducionismo que explica a açãoeconômica apenas pelo interesse material e indi-vidual, Laville recupera o conceito de Polanyi (2000)de que a economia é plural, constituída por uma di-versidade de formas de produção, entre as quais seencontrariam as baseadas na reciprocidade.4

As formas de produção baseadas na recipro-cidade emergiriam, assim, como formas de resis-tência ao mercado, resultantes de ações coletivasque, diferentemente das filantrópicas, seriam capa-zes de promover a solidariedade democrática, ademocratização da economia. Tal poder de demo-cratizar a economia, por sua vez, se basearia, se-gundo o autor, em duas características da econo-mia solidária, qualquer que seja a forma particularde que ela se revista.

A primeira delas reside na importância das prá-ticas de reciprocidades entendidas não como umresultado da tradição ou uma virtude feminina, masantes como uma forma completa de agir econo-micamente. A economia solidária tem como espe-cificidade combinar dinâmicas de iniciativas priva-das com propósitos centrados não no lucro, masno interesse coletivo. A razão econômica é acom-panhada por uma finalidade social que consiste emproduzir vínculos sociais e solidários, baseadosnuma solidariedade de proximidade; o auxíliomútuo e a reciprocidade estariam, assim, no âma-go da ação econômica (Idem, p. 80).

O recurso à reciprocidade consiste em tratarcoletivamente problemas cotidianos na esfera pú-blica, em vez de cada um tentar resolvê-los indivi-dualmente na esfera privada. Mas, como alertamFrança Filho e Laville,

[...] essa inscrição na esfera pública diferencia radical-mente a economia solidária da economia doméstica. Nãose trata, portanto, de encorajar, através da economia so-lidária, um retorno à família, lugar das solidariedadesnaturais. Os movimentos de êxodo rural ou de profissio-nalização das mulheres revelaram que a saída da econo-

mia doméstica representa uma liberação à qual nem sepensa em retornar (2004, pp. 104-105).

Os serviços de proximidade baseiam-se, as-sim, nas práticas cotidianas das populações, nas re-lações e nas trocas simbólicas que tecem a tramadiária da vida local, nas aspirações, nos valores edesejos das pessoas que são os usuários (Idem, p.105). Mas, embora se apóiem nos recursos familia-res, eles não visam a ratificar relações de subordi-nação no interior da família. Ao contrário, reúnempessoas preocupadas em “articular criação de em-prego e reforço da coesão social, ou geração de ati-vidades econômicas, com fins de produção dochamado liame social” (Idem, p. 112).

A segunda característica da economia solidáriareside na elaboração de formas de coordenação ede alocação de recursos alternativas à concorrênciaou à regulamentação administrativa representada pelacoordenação estatal, por meio de “espaços públicosde proximidade” que conduzem a uma co-constru-ção da oferta e da demanda (Guérin, 2005, p. 80).

Laville entende que diante da crise da socieda-de salarial, a crise do emprego não pode ser atacadaisoladamente, mas deve ser pensada em conjuntocom a crise da socialização, o que o leva a, junta-mente com França Filho, privilegiar três preocupa-ções: (i) a de assegurar a busca de uma repartiçãodo emprego menos desigual do que a realizada emdetrimento de certos grupos sociais como as mu-lheres, os jovens, os idosos, de forma a concorrerpara o reforço dos vínculos sociais; (ii) a de explo-rar todas as oportunidades de criação de emprego,sob a reserva de que elas se façam em condiçõessocialmente aceitáveis; (iii) a de favorecer outrasformas de trabalho além do emprego, contribuin-do com a socialização e o reconhecimento social(França Filho e Laville, 2004, p. 88). Essas orienta-ções devem ser tomadas na sua complementarida-de e, entre os vários objetivos que poderiam darcoerência à sua articulação, os autores destacam:

[...] a relativização no seio da esfera econômica do lugarassumido pela economia monetária [que] implica umarevalorização de diversas formas de economia não-mo-netária, que não se reduzem às formas dependentes re-presentadas pela economia subterrânea e o trabalho nocâmbio negro (Idem, p. 90).

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É precisamente no quadro da realização desseobjetivo que a economia solidária poderia, segun-do os autores, encontrar o seu lugar.

A economia solidária teria para Laville umanatureza híbrida, na medida em que não atua ex-clusivamente sob o princípio da reciprocidade; deacordo com ele, ela recorre também a recursos mo-netários. Nesse sentido, ela seria responsável porreligar o econômico ao social, combinando a reci-procidade às lógicas redistributiva e de barganha,visando a reforçar a auto-organização da socieda-de civil.

A democracia da economia consiste, portanto,para o autor, na emergência de uma nova regulaçãoque leve em conta a possível complementaridadeentre os aspectos redistributivos e de reciprocida-de, promovendo um fortalecimento da sociedadecivil, o que não significa, contudo, uma substituiçãodo Estado pela sociedade civil. Antes, seria um re-torno do Estado baseado numa mudança de inte-ração entre o Estado e a sociedade (Idem, p. 86).

Assim como Polanyi, Laville acredita na im-portância das práticas para informar a existência epara analisar as perspectivas de conciliação entreigualdade e liberdade. Nesse sentido, elas devemser reconhecidas e analisadas a partir do movimen-to econômico real e não de um projeto de refor-ma social construído pela teoria aprioristicamenteem relação ao seu aparecimento histórico.

De acordo com o autor, não se trata de esco-lher entre sociedade civil e Estado, mas de “encararuma democratização recíproca da sociedade civil edos poderes públicos” (Laville, 2006, p. 37), emque “a pluralização da democracia e da economiaentram em ressonância. A democratização recíprocada sociedade civil e da ação pública é congruentecom uma economia fundada na pluralidade dosprincípios econômicos e das formas de proprie-dade” (Idem, ibidem).

A questão que se coloca para Laville é, dessaforma, saber que instituições seriam capazes de as-segurar nos dias atuais a pluralização da economiapara inseri-la em um quadro democrático. Ou comoexpressa juntamente como Chanial, “quais são asregulações públicas suscetíveis de favorecer ummodelo de desenvolvimento sustentável, tanto noplano social quanto no do meio ambiente, e de se

articular com os engajamentos cidadãos na econo-mia?” (Chanial e Laville, 2006, p. 53).

Isso significa para os autores a necessidade deum mundo institucional que redesenhe os contor-nos da ação pública em matéria de economia, oque estaria ocorrendo tanto no caso do Brasil, comono da França com a criação respectivamente darede de gestores públicos e da rede dos territóriospara a economia solidária, ambas criadas em 2002.Isso considerando que as mudanças sociais nãoimplicam absolutamente em alternativas revolucio-nárias e radicais, em escolhas entre duas formas desociedades contraditórias, mas se fazem por pro-cedimentos de construção de grupos e de novasinstituições ao lado e por cima das antigas.

Convém lembrar ainda que em seus estudosmais recentes, Laville tem dado um importantedestaque à relação que as experiências de economiasolidária vêm criando com o desenvolvimento eco-nômico local, o que lhes estaria conferindo umarelevante dimensão pública e política. Como afir-ma em trabalho publicado com França Filho:

Em todo caso, as formas cooperativadas de produção,tratando-se de economia solidária, conhecem uma preo-cupação crescente com a questão do desenvolvimentolocal. Portanto, para além da sua ação no mercado, cujobenefício social restringir-se-ia apenas ao grupo dos coo-perados internos [...] a tendência do movimento é aquelade valorização de uma dimensão pública da sua açãomediante a ênfase nos impactos da organização na vidalocal. É exatamente esta dimensão pública da ação, ouseja, de um agir no espaço público, que confere à econo-mia solidária uma dimensão política fundamental (Fran-ça Filho e Laville, 2004, pp. 18 e 19).

Nesse sentido, o devir da economia solidáriadepende da evolução das formas de regulaçãopública (Laville, 2006, p. 39).

Coraggio e a economia do trabalho

Diferentemente de Laville, a reflexão teóricade Coraggio não se desenvolve em torno do con-ceito de economia solidária, mas a partir do que elechama de economia do trabalho. Esta é entendidapelo autor como uma economia social que vai alémdos interesses individuais e que busca, primordial-mente, a criação de bens coletivos.

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Este tipo de economia, baseada nas unidadesdomésticas, contemplaria um conjunto de atividades,entre as quais as cooperativas e outras formas deações econômicas, incluídas por Laville na econo-mia solidária, apareceriam juntamente com o tra-balho por conta própria e as atividades de produ-ção de bens e serviços que são consumidos pelasunidades domésticas sem passar pelo mercado. Taisatividades incluem o trabalho de limpeza, da cozi-nha, de tomar conta das crianças, na horta, do con-serto e confecção de roupas, de construção de mó-veis, da própria casa etc. (Coraggio, 2000, p. 98).

Para ele, a incapacidade do capitalismo atual deinserir o conjunto da população trabalhadora emseus empreendimentos, bem como a limitação daspolíticas públicas compensatórias em face do desas-tre social do desemprego e da precarização do tra-balho estariam levando a população excluída a bus-car formas de subsistência na economia doméstica,cuja lógica não é da reprodução do capital, mas dareprodução ampliada da vida.

Retomando o conceito de empresa social utili-zado por De Leonardis, Mauri e Rotelli, Coraggioconsidera que é a partir da economia do trabalho,da economia doméstica, que se poderia apoiar aempresa social: “os empreendimentos que não sóproduzem mercadorias, mas que ‘produzem socie-dade’ ou o social (formas sociais, instituições, com-portamentos) [...]. Tal tipo de empreendimento ‘in-veste num único capital que possui: ‘as pessoas’ eisto começa por dar créditos a elas, contraditoria-mente à categorização de ‘desvalidos”, que lhes édada pelos programas compensatórios (Idem, p.102). A reprodução ampliada da vida significa, parao autor, a melhoria da qualidade de vida com baseno desenvolvimento das capacidades e das opor-tunidades sociais das pessoas.

Coraggio admite a possibilidade do desenvol-vimento de relações de concorrência ou até de ex-ploração no interior dessa economia em vez derelações de solidariedade. Ao mesmo tempo, en-tretanto, o autor acredita na possibilidade de umaeconomia alternativa

[...] que se desenvolveria a partir da economia dos seto-res populares, fortalecendo suas vinculações e capacida-des, potencializando seus recursos, sua produtividade,sua qualidade, assumindo novas tarefas, incorporando e

autogerindo os recursos de políticas sociais de modo afortalecer os laços sociais entre seus membros, seus seg-mentos, suas micro-regiões; uma economia que estrutu-ralmente distribua com mais igualdade, que supere essastendências à exploração ou à violência, que seja um setorda sociedade mais harmônico e integrado com outrosvalores de solidariedade, com maiores recursos voltadospara a cooperação (Idem, p. 116).

É a partir dessas considerações que Coraggioacredita ser possível pensar em uma estratégia dedesenvolvimento de uma economia centrada notrabalho, uma “outra economia” que, sem a pre-tensão imediata de substituir a economia centradano capital, seja capaz, no entanto, de disputar comela (Coraggio, 2003, p. 13).

Embora o autor não considere que essa alter-nativa seja inexorável, ele a vê como possível, namedida em que essa outra economia pode satisfa-zer diretamente parte das necessidades das maioriaslocais e competir exitosamente no mercado nacio-nal ou global, “gerando ocupações mercantis e osingressos monetários necessários para sustentar-see ampliar-se sobre suas próprias bases de interde-pendência” (Idem, p. 166).

Tal organicidade não se constituirá, contudo,naturalmente, mas “requer que se invistam energiasimportantes no desenvolvimento, consolidação ealimentação de redes que articulem, comuniquem edinamizem a multiplicidade de empreendimentose microredes populares” (Idem, ibidem).

Apesar do mesmo otimismo de Laville comrelação à possibilidade de uma transformação so-cial profunda, a partir de uma outra economia,haveria que se considerar uma diferença importan-te de interpretação entre os dois autores no que serefere à idéia do devir histórico. Enquanto paraLaville a transformação social aparece quase comouma decorrência natural do desenvolvimento dasexperiências cooperativistas, para Coraggio elaaparece apenas como uma possibilidade que nãoobrigatoriamente deverá ocorrer. Para ele, a even-tualidade de que ela venha a se concretizar estácolocada na ação sociopolítica, baseada em umprograma que proponha “com audácia, mas res-ponsavelmente, tudo aquilo que pode ser feito paratransformar a economia dos setores populares numsistema de economia do trabalho” (Coraggio, 2000,p. 116).

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Singer: economia solidária e socialismo

Uma das visões mais otimistas da economiasolidária é a de Singer, que considera os princípioscooperativistas como sendo não capitalistas. Dife-rentemente de Laville e Coraggio, Singer vê umcontinuum entre as primeiras experiências operáriasde formação de cooperativas e as atuais e é nessesentido que as entende como um projeto em dire-ção ao socialismo. De acordo com suas palavras:

A economia solidária é o projeto que, em inúmeros paíseshá dois séculos, trabalhadores vêm ensaiando na práticae pensadores socialistas vêm estudando, sistematizando epropagando. Os resultados históricos deste projeto emconstrução podem ser sistematizados do seguinte modo:1) homens e mulheres vitimados pelo capital organizam-se como produtores associados tendo em vista não sóganhar a vida, mas reintegrar-se à divisão do trabalho emcondições de competir com as empresas capitalistas; 2)pequenos produtores de mercadorias, do campo e dacidade, se associam para comprar e vender em conjunto,visando economias de escala e passam eventualmente acriar empresas de produção socializada, de propriedadedeles; 3) assalariados se associam para adquirir em conjun-to bens e serviços de consumo, visando ganhos de escalae melhor qualidade de vida; 4) pequenos produtores eassalariados se associam para reunir suas poupanças emfundos rotativos que lhes permitem obter empréstimos ajuros baixos e eventualmente financiar empreendimentossolidários; 5) os mesmos criam também associações mú-tuas de seguros, cooperativas de habitação etc. (Singer,2000b, p. 14).

Para ele, a questão da autogestão é definitivana caracterização desses empreendimentos comoexperiências que se baseiam na igualdade e na de-mocracia. Nesse sentido, o cooperativismo consti-tui um modo de produção específico e as empresasautogestionárias, “ensaios de empresas socialistas”(Singer, 2000a, p. 159). Retomando os princípiossocialistas das cooperativas de meados do séculoXIX, Singer interpreta o ressurgimento das coopera-tivas como um resultado da crise do trabalho assa-lariado, do socialismo real e da social-democracia;tudo isso teria resultado, segundo o autor, num des-locamento do foco dos movimentos emancipa-tórios da tomada do poder do Estado para o for-talecimento da sociedade civil (Pinto, 2006, p. 42).

Esse raciocínio permite que o autor mantenhaseu otimismo e esperança em relação ao coopera-

tivismo, seja no que se refere à experiência interna-cional, seja no que respeita à experiência brasileira:

É possível considerar a organização de empreendimen-tos solidários o início de revoluções locais, que mudam orelacionamento entre os cooperados e destes com a famí-lia, vizinhos, autoridades públicas, religiosas, intelectuaisetc. Trata-se de revoluções tanto no nível individual comono social. A cooperativa passa a ser um modelo de orga-nização democrática e igualitária que contrasta commodelos hierárquicos (Singer, 2000b, p. 28).

De acordo com ele, as cooperativas que vêmsendo formadas por universidades, sindicatos eSecretarias Municipais do Trabalho, entre outrasiniciativas, deverão constituir uma vasta economiasolidária no Brasil (Singer, 2000a, p. 150). Isso nãoquer dizer, contudo, que a economia solidária ve-nha a se impor sobre as outras formas de produ-ção. Ao contrário, assim como para Laville e Corag-gio, Singer vê uma convivência entre diferentesformas de produção. A economia brasileira esta-ria, nesse sentido, caminhando para uma economiamista “com uma certa presença de Estado, umapresença de economia socialista ou solidária forte,uma presença de produção simples de mercadoriae, quem sabe, até, uma presença grande de econo-mia doméstica” (Idem, p. 165).

Embora consciente do perigo de as coopera-tivas se transformarem em simulacro da empresacapitalista, com normas igualitárias que não são le-vadas efetivamente em consideração, Singer acre-dita no poder de desalienação que a própria práti-ca autogestionária confere a seus trabalhadores, assimcomo no poder de uma educação crítica e desalie-nante contra a degenerescência que pode ocorrerpela acomodação (Idem, p. 158).

Conforme as palavras do próprio autor:

A Economia Solidária não é uma receita que se aplica, dácerto e o sujeito já pode esquecer, ir para outra. É umaluta contínua: descobri que a luta pela democracia, pelaigualdade provavelmente vai prosseguir sempre [...]. Achoque a democracia tem, junto com o cooperativismo, jun-to com as formas igualitárias, uma propensão à degenera-ção, portanto, é preciso lutar contra essa degeneração, épreciso regenerar essa democracia, eu diria, mais ou me-nos periodicamente (Idem, p. 149).

Vale destacar que o pensamento de Singer sediferencia claramente do de Laville e de Coraggio

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no que se refere à centralidade do cooperativismona economia solidária. Na verdade, tanto Lavillecomo Coraggio apresentam uma visão mais am-pla desse conceito.

Embora considerem as cooperativas como aforma principal de expressão das experiências deeconomia solidária, França Filho e Laville (2006)incluem também as experiências de comércio justo(que visam a estabelecer relações comerciais maisjustas entre países do Norte e certos produtoresdo Sul); de finança solidária (que visam ao forneci-mento de crédito para pessoas que não têm acessoao sistema bancário, como o microcrédito, a pou-pança solidária etc.) e de formas alternativas de tro-cas, não baseadas no dinheiro, como por exemploos clubes de troca.

Já Coraggio (2000), ao tratar das diferentes for-mas de economia popular, considera que o coope-rativismo não consiste no caminho único, nem nomais importante para se chegar à outra economia.

A economia solidária do ponto de vista de seus críticos

Como era de se esperar, os críticos da econo-mia solidária não têm dedicado a ela a mesma aten-ção de seus defensores. O ponto principal que osunifica é o descrédito na capacidade de que as co-operativas possam vir a significar uma experiênciasocial importante baseada em outros princípios queos capitalistas, seja por sua necessidade de se inserirno mercado capitalista, seja pelas dificuldades queenfrentam em termos tecnológicos, de capital, demercado etc.

Castel, por exemplo, criticando o conceito de“serviços de proximidade” de Laville considera quepoucas realizações desse tipo são inovadoras ou por-tadoras de futuro e que, ao contrário, elas são emgeral pouco visíveis socialmente, não logrando ul-trapassar o estágio da experimentação (Castel,1998, pp. 574-575). Embora reconheça que as ati-vidades inseridas na chamada “economia social”estão em vias de expansão, o autor acredita queessas realizações “têm sua utilidade numa conjun-tura catastrófica”, mas não podem ser pensadascomo políticas de emprego.

Também Quijano (2002) arrola as dificuldadesque as experiências de cooperativismo enfrentam

para sua disseminação. Discutindo a questão a par-tir de um conjunto de estudos de caso reunidos nolivro organizado por Souza Santos (2002), o autordebate tais experiências a partir da problemática dese elas podem ou não ser consideradas sistemas al-ternativos de produção. Embora peça cautela tan-to às expectativas sobre o seu potencial anticapita-lista, como às conclusões negativas apressadas sobreesse mesmo potencial, suas reflexões sobre os casosestudados são desalentadoras, ao apontar que os em-preendimentos que conseguem sobreviver o fazempor meio de redes de relações comerciais e finan-ceiras no mundo empresarial;5 que em geral o nú-mero de trabalhadores tende a diminuir em lugarde aumentar e ainda que, também em geral, a divi-são interna do trabalho não é muito diferente daempresarial (Idem, ibidem). De acordo com o autor,as organizações da economia solidária

[...] surgem por iniciativa ou com o apoio de instituiçõesde ajuda assistencial aos “pobres” [...], subsistem e atéparecem ajudar no desenvolvimento da convivência so-cial dos seus membros em direção a uma ética de solida-riedade. Mas quase todas elas desintegram-se logo que éinterrompida a ajuda financeira externa. E as muito pou-cas que sobrevivem transformam-se em pequenas ou mé-dias empresas dedicadas, explícita ou conscientemente,ao lucro individual e sob o controle e em benefício dosque administravam essas organizações (Idem, p. 496).

Esse tipo de análise não o impede, contudo,de ressaltar experiências importantes no sentido depropiciar novas formas de sociabilidade como aSelf Employed Women’s Association (SEWA), or-ganizada por Gandhi em 1918, que possui hoje250 mil associadas e que promove a organizaçãode cooperativas em diversas áreas de atividade e decooperação técnica e administrativa (Quijano, 2002,p. 497). Referindo-se às cooperativas de coletorasde lixo associadas à SEWA, Quijano salienta que selevarmos em consideração que elas congregam não“apenas pobres, mulheres e trabalhadoras [...], mastambém intocáveis,6 pode inferir-se o extraordiná-rio valor que para elas tem a associação em umacooperativa e, sobretudo, o fato de estarem associa-das a uma instituição como a SEWA”. O autor re-fere-se aqui à melhoria da renda e das condiçõesde trabalho, à proteção contra os riscos de trabalho,à aprendizagem da leitura, da escrita e da gestão. E,

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acima de tudo, à criação de um sentimento de auto-estima individual e social dessas mulheres que acar-reta, sem sombra de dúvida, “uma perspectiva eum sentido novos para a sua própria existência”(Idem, p. 498).

Vale ressaltar, contudo, que ao mesmo tempoem que afirma que a preocupação em promoveruma economia solidária é respeitável, Quijano (Idem,p. 575) a considera mais como uma declaração deintenções do que a afirmação de uma política.

Economia solidária: uma hipótese sobre seus limitese possibilidades

Em suma, o que se deve reter, sobretudo, dessadiscussão é a complexidade que a caracteriza, as-sim como o contraste entre opiniões e teorias, crian-do uma zona nebulosa de contradições e discor-dâncias, com muito poucos pontos consensuais.Entre eles vale destacar para seus defensores a idéiade economia plural, presente em Laville, Coraggioe Singer, que dá espaço para o surgimento de for-mas de produção capazes de se relacionar com omercado e o Estado a partir de uma lógica dife-rente daquela baseada na acumulação capitalista: alógica da sobrevivência. Se a existência dessas ou-tras formas de economia (economia do trabalhopara Coraggio; economia distributiva para Laville;economia socialista para Singer) possuem potencialtransformador que poderá levar a uma reformasocial mais substantiva é uma questão que fica emaberto. Até o momento, a experiência concreta des-ses empreendimentos não nos autoriza grandesesperanças seja pela subsunção de muitos deles àeconomia capitalista (como é o exemplo de Mon-dragón), seja pelo enfraquecimento das experiênciasem momentos de ascensão econômica (como é oexemplo da Argentina), seja ainda pela sua dificul-dade de se expandir de forma a mudar efetiva-mente a regulação social como esperam as análisesmais otimistas, como demonstram os vários exem-plos internacionais, tanto quanto o brasileiro.

Isso não significa, contudo, que essas experiên-cias sejam carentes de significado, especialmente paraos atores nelas envolvidos. Ao contrário, nossa hi-pótese principal, a qual buscaremos desenvolveradiante a partir da análise dos casos concretos, con-

siste em considerar que, embora não sejam capazesde promover uma transformação social mais sig-nificativa, elas são parte da nossa história e vêmdeixando marcas importantes em nossa sociedadeao promover a solidariedade e a autonomia. Nessesentido, emergem como formas de resistência im-portantes à realidade atual do mercado de trabalhoe adquirem um significado extremamente relevan-te para os trabalhadores que nelas se inserem, des-pontando como um elemento central à compreen-são do novo momento do mundo do trabalho.

Ainda que elas venham a desaparecer no futu-ro, constituem um tipo de movimento que deixarámarcas, que ficará na história da classe trabalhado-ra, na memória não só de seus atores, mas de todaa sociedade.

O exemplo argentino

Tomarei neste item a experiência argentina derecuperação de empresas quebradas como umexemplo de resistência à crise do trabalho, vividade forma extrema pelo país nos três primeiros anosdo novo milênio, o qual, embora tenha perdido aimportância social de que desfrutou naquele perío-do, certamente deixou marcas profundas naquelasociedade. Um exemplo concreto, portanto, doslimites e das possibilidades da economia solidária.

Embora as primeiras empresas recuperadasdespontem desde o início dos anos de 1990, onúmero de empreendimentos mantém-se mais oumenos estável até 1999, subindo vertiginosamentea partir de 2000 e especialmente em 2001 e 2002quando quase 200 empresas recuperadas passam aexistir no país. Este incremento corresponde aoaprofundamento das dificuldades econômicas des-de o início dos anos de 1990, quando começam atomar lugar as reformas estruturais implementadaspelo governo Menem: abertura comercial, desre-gulação econômica, privatizações e paridade cam-bial com um peso supervalorizado (Rebón e Saa-vedra, 2006, p. 14). A agudização das dificuldadesdeu lugar a um processo recessivo a partir de 1998e desembocou em uma profunda crise em 2001(quando os credores se negaram a seguir empres-tando dinheiro à Argentina), que atingiu o seu auge

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no primeiro trimestre de 2002, momento em queocorreu uma virtual paralisação da atividade eco-nômica. De outubro de 1998 a novembro de 2002a atividade econômica caiu em relação ao mesmomês do ano anterior em praticamente todos osmeses (Magnani, 2003, p. 37).

É nesse quadro que muitas empresas que ha-viam conseguido sobreviver às dificuldades da dé-cada de 1990 entram em processo de falência. Aomesmo tempo, o mercado de trabalho é atingidopor um assombroso aumento do desemprego, quecresce de 6% em 1991 a 22% em 2002 e a socieda-de passa a viver um profundo processo de empo-brecimento, englobando mais da metade da popu-lação, sendo que em 1974 atingia apenas 5,8% dela(Rebón e Saavedra, 2006, p. 16).

Nesse contexto o clima de protesto toma con-ta do país com uma intensa disseminação de mani-festações de rua, cacerolazos, assembléias de bairro epiquetes. Os piquetes consistiam em grupos de sinnada que ocupavam as ruas reivindicando trabalhoe subsídios de desemprego, construindo empreen-dimentos autogestionários em seus bairros (Idem, p.22) e criando uma situação favorável para a expan-são das recuperações de empresas a partir de umasensibilidade social que as legitimou aos olhos deuma boa parte da sociedade (Idem, ibidem.). Con-forme explicita Magnani,

[...] em muitas das ocupações que terminaram exitosas,as assembléias de bairro foram importantes tanto do pontode vista logístico, como moral, já que lhes deram apoiospara seguir a luta contra forças muito superiores encarnadasgeralmente em síndicos e juízes (Magnani, 2003, p. 39).

Esta relação com a comunidade deu-se de for-ma tão forte em alguns casos que consolidou umsentimento de solidariedade entre as empresas re-cuperadas e a comunidade por meio de práticaspor parte das empresas que incluíram desde a cria-ção de centros culturais e de saúde até o apoio amovimentos de desempregados7 e de aposentados.

A recuperação recorta vários setores da eco-nomia, embora se concentre em 2/3 das empresasno setor industrial e 1/4 delas no ramo metalúrgi-co. No que se refere ao tamanho, as empresas maisatingidas foram as de pequeno e médio porte, oque faz com que as fábricas recuperadas não te-

nham um impacto significativo na economia nacio-nal. Seus efeitos sobre a sociedade, nesse sentido,deveram-se mais a seus traços qualitativos do quequantitativos.

Embora a maior parte dos processos de recu-peração tenha sido animada por algum tipo de pro-moção (movimentos de empresas recuperadas8 ,funcionários do Estado, sindicatos e partidos polí-ticos), o impulso inicial foi, na maioria dos casos, omedo de ficar sem trabalho, mais do que qualquerideário libertário ou autogestionário (Rebón e Saa-vedra, 2006; Magnani, 2003; Fajn, 2004).

Segundo entrevista de Alejandro Lopez, tra-balhador da cooperativa de cerâmicas Zanon, sur-gida em março de 2002:

Tudo o que pensamos é que tínhamos que manter nossosfamiliares... Fomos ver o governo, mas não nos deramnenhuma resposta... Batemos em 20 milhões de portas enos fecharam 20 milhões. A única porta que não estavafechada foi a vontade dos trabalhadores quando viemostrabalhar. Por isso é que sempre destacamos essa decisão,inclusive foi muito difícil decidir e foi uma questão denecessidade. Mas antes disso, não foi uma decisão arbi-trária de nossa parte, como dizer um dia: ‘Ocupemos ecomecemos a produzir’. Não, foi uma seqüência. Bate-mos em portas, não obtivemos respostas, não acontecianada... Então, tomamos a iniciativa. Tomamos esta inicia-tiva que hoje está sendo tomada por outros companhei-ros como os do supermercado Tigre, como Bruckman,9como outras cooperativas, e estamos fazendo algo con-creto, estamos lutando contra o desemprego. É uma al-ternativa. É uma alternativa concreta que os trabalhado-res enfrentamos diante da falta de resposta do governo edos patrões (Magnani, 2003, p. 150).

Em alguns casos, contudo, esses ideários auto-gestionários foram se desenvolvendo na luta e nocontato com organizações de apoio que os profes-savam de maneira mais explícita, como o MNER.

De acordo com Magnani, todavia, as fábricasrecuperadas mantiveram sempre uma preocupaçãomuito grande com relação à sua autonomia, emboraas relações dos empreendimentos com o MNER eo MNFRT sejam de natureza distinta.10

Conforme assinalam Rebón e Saavedra, desdeo primeiro movimento a questão jurídica emergiasempre a partir da decisão dos trabalhadores detomarem a fábrica em processo de quebra. As es-tratégias postas em prática para viabilizar a forma-ção das cooperativas foram no início um jogo de

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tentativa e erro que, pouco a pouco, se caracterizoucomo um aprendizado no interior do movimentoconsubstanciado nos seguintes passos: tomada daempresa, formação da cooperativa, negociação como dono ou juiz visando à expropriação. A produ-ção reiniciava-se o quanto antes. Como explicitamos autores, “na maioria dos processos de recupe-ração, os trabalhadores não questionavam o Esta-do, mas sim pediam sua proteção e apoio” (Rebóne Saavedra, 2006, p. 56).

As relações com os distintos níveis de governoforam, no entanto, muito diversas. No nível local, acidade de Buenos Aires foi a que mais apoiou oprocesso, chegando, em novembro de 1994, a pro-mover a expropriação definitiva de empresas quese encontravam nesta situação temporariamente,garantindo a transferência da propriedade do imó-vel sob condições creditícias favoráveis. Situaçõesfavoráveis desenvolveram-se também nas provínciasde Buenos Aires, Rio Negro e Entre Rios, enquantonas de Rioja, Neuquén e Santa Fé as empresas en-contraram forte oposição do governo provincial.

No âmbito do governo federal, houve umaposição bastante ambígua até a gestão Kirchner. Apartir de então, o governo criou o Programa deTrabalho Autogestionado, na Secretaria de Empre-go do Ministério do Trabalho, que passou a pro-mover um assessoramento legal e organizativo, alémde facilitação de créditos e apoio técnico e econô-mico para a implementação de projetos.

Para o movimento, contudo, a ação do gover-no federal foi muito incipiente: os pedidos de umalei de expropriação definitiva não foram atendidose, apesar de alguns gestos positivos, o governo nun-ca chegou a pensar na recuperação como uma po-lítica de Estado (Idem, p. 59).

Os empreendimentos desenvolveram-se, assim,a partir de suas próprias forças e em uma relaçãode oposição, distanciamento ou, na melhor das hi-póteses, indiferença com empresários, vários níveisdo governo, partidos políticos e sindicalistas. Estesúltimos não conseguiram desenvolver qualquer li-nha de apoio às cooperativas, optando no geralsimplesmente por ignorá-las como se fossem algocompletamente alheio à sua prática.

No que se refere à viabilidade dos empreendi-mentos, não obstante, os estudos sobre o tema re-

velam que, uma vez superados os problemas le-gais, as empresas em geral funcionaram bem, con-seguindo crescer, ampliar vendas, aumentar a reti-rada dos cooperados, atingir novos mercados einovar tecnologicamente. Ainda que não tenham tidogrande impacto no PIB (por seu porte em geralnão muito grande), muitas delas criaram novospostos de trabalho e dinamizaram bairros e pe-quenos povoados, como a fábrica de tratores Za-nello,11 que acabou empregando todos os oficiaismecânicos, soldadores e torneiros da cidadezinhade Las Varillas, reativando o comércio local (Mag-nani, 2003, p. 117).

Rebón e Saavedra (2006, p. 101), todavia, cha-mam a atenção para o fato de que com a retoma-da do crescimento do país o movimento entrouem uma fase descendente, anunciando seu fim. Osautores apontam para sua institucionalização, con-comitantemente a um processo de diminuição desua capacidade de mobilização e articulação social:

[...] por uma parte alguns de seus promotores, que ante-riormente lutavam nas ruas, fizeram da recuperação [deempresas] seu espaço de ingresso na institucionalidadepolítica. No outro extremo, muito trabalhadores que jáobtiveram a cobertura legal da empresa, e a mesma já estáfuncionando relativamente bem, não vêem porque se-guir lutando por outros. Nesse sentido, pode se esperarque os movimentos tendam a converter-se em pequenascorporações, em associações de defesa de interesses pri-vados, atuando mais como grupos de interesse que cana-lizam demandas particulares do que como movimentossociais que se articulam com outros grupos na luta porobjetivos mais amplos (Idem, p. 102).

Isto não significa, contudo, que o movimentonão tenha cumprido um papel extremamente im-portante na história da resistência operária argenti-na (e mundial) a uma crise profunda que jogou umaporcentagem extremamente expressiva dos traba-lhadores no desemprego e na miséria. Se o sonhode construção de um novo país, presente em mui-tos experimentos (especialmente os vinculados aoMNER), não se consolidou, a experiência foi im-portante por ter criado um número significativode postos de trabalho, nos quais os trabalhadoresvivenciaram experiências relevantes de trabalhoparticipativo e democrático, as quais deixaram mar-cas indeléveis não só em sua subjetividade comotambém na cultura operária de uma forma ampla.

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A economia solidária no Brasil

As experiências de cooperativismo no Brasilconcentraram-se, até os anos de 1980, no meio ru-ral.12 Nas cidades, seu surgimento deveu-se a umduplo processo. De um lado, a crise econômicaque se abre no início da década com seu forte im-pacto sobre o desemprego será seguida de um pro-cesso de reestruturação produtiva e econômica queespecialmente, a partir da década de 1990, terá for-tes repercussões no mercado de trabalho com umsignificativo processo de desestruturação do mes-mo, evidenciado em todos os seus indicadores:diminuição do trabalho industrial, aumento do de-semprego e do tempo em que os trabalhadorespassam a levar para encontrar outras formas decolocação no mercado de trabalho, aumento da in-formalidade, queda do valor real dos salários etc.Tal desestruturação será uma conseqüência diretanão só das baixas taxas de crescimento econômico(quando não de retração), como também dos pro-cessos que acompanham a reestruturação empre-sarial, tal como o enxugamento das empresas e adecorrente terceirização e precarização das condi-ções e das relações de trabalho.

É nesse contexto que serão fortalecidas medi-das voltadas à geração de emprego e renda, entreas quais a economia solidária desponta como umaalternativa importante. Vale lembrar também que,à semelhança do que ocorreu na Argentina, a criseensejou que os trabalhadores procedessem à recu-peração de empresas que entraram em processofalimentar, como forma de garantir seus postos detrabalho.

De outro lado, a democratização do país nosanos de 1980 fortaleceu, no movimento social bra-sileiro, um processo de discussão dirigido à ques-tão da democratização no mundo do trabalho, apartir do qual “trabalhadores de diversos ramosde atividades iniciam a formação de cooperativas,movimentos sociais passam a fomentar práticas deautogestão, universidades e outras entidades come-çam a apoiar a criação de empreendimentos soli-dários” (Pereira, 2007, p. 18).

A organização desse movimento apoiou-se emquatro importantes iniciativas, que podem ser con-sideradas como seus pilares fundamentais.

A primeira, a Cáritas Brasileira, entidade liga-da à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), possui desde o início dos anos de 1990um conjunto de incubadoras de cooperativas es-palhadas pelo país, embora haja uma evidente con-centração das atividades da entidade no Sul, sobre-tudo no Rio Grande do Sul.

Em 1994 nasce a Anteag (Associação Nacio-nal de Trabalhadores em Empresas de Auto-ges-tão e Co-gestão), a partir da iniciativa de um deter-minado setor sindical, com a finalidade de apoiarexperiências já existentes, especialmente em termosde assessoria técnica.

Também as Incubadoras Universitárias mere-cem destaque nesse quadro. A primeira Incubado-ra Universitária surgiu em 1998, como uma inicia-tiva do Centro de Pós-Graduação em Engenharia(Cope) da UFRJ. Ainda em 1998 foi fundada aRede Universitária de Incubadoras Tecnológicasde Cooperativas Populares (ITCP) com o objetivode difundir a experiência do Cope pelas universi-dades do país e de vincular as incubadoras de for-ma interativa e dinâmica, fomentando a transferênciade tecnologias e conhecimentos. A Rede rapida-mente favoreceu a expansão das Incubadoras pe-las universidades públicas brasileiras, congregando,nos dias atuais, 37 incubadoras universitárias.

Por fim, a Central Única dos Trabalhadores(CUT) possui três entidades que, conjuntamente,fomentam a economia solidária: a Agência de De-senvolvimento Solidário (ADS), a Central de Coo-perativas e Empreendimentos Solidários (Unisol) ea Cooperativa Central de Crédito e Economia So-lidária (Ecosol).

A ADS foi criada em dezembro de 1999 “apartir de um intenso debate no sindicalismo cutistasobre as novas configurações do mercado de tra-balho e da reestruturação produtiva no Brasil e anecessidade de constituir novos referenciais de gera-ção de trabalho e renda e de alternativas de desen-volvimento, tendo como princípios fundamentaisa Economia Solidária e o desenvolvimento localsustentável” (ADS, 2004, p. 9). Sua ação está cen-trada no planejamento e na articulação dos em-preendimentos solidários, tendo como estratégiabásica a formação de complexos cooperativos pormeio da vinculação dos diversos atores e organiza-

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ções econômicas dos territórios em torno de obje-tivos e metas comuns (ADS, 2005, p. 14).

A ADS entende que a formação de redes decooperação com base na consolidação de parceriasentre os empreendimentos, as instituições financei-ras e outras organizações facilita o fluxo de infor-mações: “os complexos cooperativos possibilitammaior proximidade entre empreendimentos que,por sua vez, contribuem para ampliar a produtivi-dade e a capacidade de inovação” (Idem, ibidem).

Segundo essa Agência, as maiores dificuldadesque as experiências de economia solidária enfrentamestão relacionadas com as condições de acesso aosmercados. Nesse sentido, questões relativas à comer-cialização também adquirem centralidade nos com-plexos cooperativos. As políticas de comercializaçãosão implementadas por meio da articulação de ato-res para a criação de sistemas locais de comerciali-zação, buscando caminhos para reduzir as assime-trias do mercado e os custos de transação. A partirdestas práticas – criando novas instituições, ado-tando políticas de marketing e fomentando a orga-nização de espaços públicos e cooperativos para acomercialização de produtos e serviços da econo-mia solidária – a ADS tenta ampliar o acesso dosempreendimentos solidários aos mercados (ADS,2002, p. 42). A Agência possui parceria com váriosministérios do Governo Federal, entidades nacio-nais e internacionais: Ministério do Desenvolvimen-to Agrário (MAD), Ministério da Educação (MEC),Ministério do Trabalho e Emprego (MET), Servi-ço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Em-presas (Sebrae), Central Sindical Alemã (DGB),Organização Intereclesiástica para a Cooperação eDesenvolvimento (ICCO) e Fundação Rosa Lu-xemburgo Stiftung (RLS).

A ADS vem atuando na formação de várioscomplexos cooperativos. Atualmente, há 27, sen-do 13 na área agrícola (congregando 20 cooperati-vas e 8.124 trabalhadores) e 14 distribuídos entreas áreas de indústria, serviços, pesca, reciclagem,comércio e artesanato (reunindo 177 empreendi-mentos e 8.115 trabalhadores).13 Alguns desses com-plexos abrangem empreendimentos em diversosEstados como, por exemplo, o Complexo Coo-perativo Têxtil, que articula atores de diferentespartes da cadeia produtiva, visando à produção de

têxteis orgânicos de algodão e respeitando os princí-pios do comércio solidário. A cadeia compõe-sede muitos segmentos: insumos para a agricultura;produção agrícola; beneficiamento do algodão;fiação; tecelagem; acabamento (tinturaria e estampa-ria); confecção e distribuição. Começando no Ceará(cidade de Tauá), onde o algodão é plantado, pas-sa por Fortaleza, onde ele é beneficiado, vai paraNova Odessa e Santo André em São Paulo, onde éfeita a fiação e a tecelagem e termina em Santa Cata-rina e no Rio Grande do Sul, onde é realizada aconfecção e o acabamento (ADS, 2002, pp. 43-66).

A ADS considera, ainda, como um de seus ob-jetivos a implementação de uma política de organi-zação sindical articulada à economia solidária, tendoa CUT como condutora do processo. Tal política,desenvolvida por intermédio do sindicato dos tra-balhadores dos empreendimentos autogestionários,está voltada para a luta conjunta contra o desem-prego e a favor dos direitos trabalhistas, sociais eprevidenciários de todos os trabalhadores.

A Unisol foi fundada em 2000 com a finalidadede atuar na busca da melhoria socioeconômica deentidades e empresas coletivas e de garantir a ge-ração de trabalho e renda com dignidade. A enti-dade surgiu inicialmente como Unisol-SP, congre-gando doze empreendimentos solidários do estadode São Paulo. Em 2004 ela já contava com mais desetenta empreendimentos; além disso, a existênciade várias cooperativas de outros estados que eramatendidas pela entidade fez com que ela se trans-formasse em um complexo nacional: Unisol-Bra-sil. Hoje, de acordo com seu diretor, ela possui 230empresas filiadas, entre cooperativas (65%) e asso-ciações (35%).14

As entidades filiadas pagam uma mensalidadea esta entidade e em troca recebem assistência téc-nica, formação, assessoria em markentig e comercia-lização, e, sobretudo, uma representação política. AUnisol também presta serviço de financiamento aosempreendimentos filiados.

O principal projeto da entidade atualmente –Programa de Inclusão e Organização Produtiva dosEmpreendedores Cooperados – vem sendo de-senvolvido com o Sebrae em conjunto com 99 em-preendimentos. O objetivo do programa é fortale-cer os empreendimentos, articulando-os entre si por

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atividade econômica; está dirigido para alguns se-tores específicos, como construção civil, apicultu-ra, confecção e têxtil, metalurgia, artesanato e reci-clagem.15 O programa pressupõe a contratação deum técnico para acompanhar cada projeto.16

A Unisol já possui um centro de formação eestá desenvolvendo uma parceria com Mondragóne com cooperativas de Quebec para a construçãode um Centro Tecnológico.

Por fim, a Ecosol, criada em 2004, em parceriacom o Sebrae, congrega um conjunto de cooperati-vas de crédito que operam segundo os princípios daeconomia solidária. Seu objetivo é promover a soli-dariedade financeira entre associados, utilizandorecursos poupados pelos cooperados que resultamna geração de renda para empréstimos aos demaismembros. A Ecosol propõe-se a viabilizar a inclusãoda população de baixa renda no sistema financeiropor meio desses recursos, com o intuito de impul-sionar o desenvolvimento das regiões em que atua.

Com o governo Lula, a economia solidáriaganha estatuto de política pública federal, ingres-sando no Ministério do Trabalho e Emprego pormeio da Secretaria Nacional de Economia Solidá-ria (Senaes), criada por lei em maio de 2003. Para-lelamente, é criado o Fórum Brasileiro de Econo-mia Solidária (FBES), com a finalidade de articularas experiências de economia solidária no territórionacional e representá-las junto aos governos e fó-runs internacionais17 (Barbosa, 2007). O FBES tra-balha diretamente com a Senaes e desdobra-se emfóruns estaduais, buscando fornecer capilaridade aomovimento organizado de economia solidária. Emvários estados já foram também criados fórunsmunicipais e microrregionais, reunindo um conjuntode municípios (Singer, 2006, p. 202).

Esse conjunto de organizações aponta, no casodo brasileiro, para um quadro mais amplo e maisdiverso de experiências autogestionárias se compa-rarmos à Argentina, no qual as empresas incubadasocupam um importante papel. Por outro lado, elerepresenta, em parte, as diferentes visões que exis-tem no país sobre a economia solidária. Visões, noentanto, que envolvem um espectro muito maisextenso, contemplando também concepções teóri-cas críticas às experiências autogestionárias, tal comoocorre na discussão internacional.

As diferentes visões sobre a economiasolidária no Brasil

Existe já um conjunto bastante amplo de pes-quisas sobre os empreendimentos solidários noBrasil. Em sua grande maioria trata-se de estudosde caso que vêm apresentando dados preciosos paraa reflexão teórica. Tendo em vista, contudo, a difi-culdade de trabalhar com um conjunto muito di-versificado de casos, centrarei a discussão em tor-no de alguns textos que fazem balanços mais geraisde resultados de pesquisa, tais como os de Gaiger,(2000, 2004); Pinto (2006); Lima (2002, 2007); Viei-tez e Dal Ri (2001); Singer (2000a, 2000b, 2006).Alguns outros estudos serão lembrados tambémna análise de pontos específicos.

Um primeiro aspecto a ser destacado é a di-versidade do universo do cooperativismo no país,que vai desde as “falsas” cooperativas, formadaspelas próprias empresas como forma de rebaixa-mento de custos, até empreendimentos verdadei-ramente autogestionários, formados pelos própriostrabalhadores ou, mais comumente, sob a iniciativade alguma entidade de fomento, que buscam semanter fiéis aos princípios cooperativistas. Diver-sos autores chamam a atenção para o fato de que oquadro é bastante complexo e que a oposição en-tre falsas e verdadeiras cooperativas não dá contada realidade (Lima, 2007; Pinto, 2006), tendo emvista que muitas delas nascem com o ideal autoges-tionário, mas vão perdendo sua independência namedida em que começam a se vincular a redes em-presariais para poder sobreviver, abrindo um am-plo espectro de distintos níveis de dependência.

Para complexificar um pouco mais a questão,vale lembrar o estudo de Guimarães et al. (2006, p.318), que considera a possibilidade de uma evolu-ção das experiências no sentido inverso, ou seja, deum desenvolvimento dos empreendimentos quecaminharia no sentido da concretização da auto-gestão ao longo do tempo. Essa pesquisa (realiza-da com 25 cooperativas em Santa Catarina) evi-dencia que a autogestão deve ser analisada comouma categoria dinâmica, “num crescendo ou conti-nuum, partindo de formas embrionárias, até atingirexperiências concretas de autogestão no contextoorganizacional, onde não somente os meios de pro-

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dução e o controle acionário da empresa passampara os trabalhadores, mas também o controle dagestão, inserindo-se aí o controle sobre o processode trabalho” (Idem, ibidem).

Em segundo lugar, há uma certa unanimidadenos estudos em ressaltar as dificuldades que os em-preendimentos enfrentam. Essa visão perpassa todaa bibliografia, abarcando desde os mais céticos atéos mais entusiastas das potencialidades do coope-rativismo. A defasagem tecnológica, a falta de re-cursos, a baixa escolaridade dos associados, o usode mão-de-obra intensiva, a fragmentação do tra-balho, as longas jornadas que exaurem os trabalha-dores, as diferenciações na distribuição das retira-das, o pouco compromisso dos trabalhadores como ideal autogestionário são alguns dos aspectos as-sinalados (cf. Vieitez e Dal Ri, 2001; Lima, 2007;Singer, 2000a; Guimarães et al., 2006; Pinto, 2006).

Aprofundando a discussão, Guimarães et al.apontam, na pesquisa citada, diferenças importan-tes entre as cooperativas originárias de falência deempresas, as formadas por programas de fomen-to de ONGs ou órgãos governamentais e as oriun-das de iniciativas do movimento social. Segundoos autores, as dificuldades das primeiras são bas-tante evidentes, tendo em vista o choque culturalque vivem os trabalhadores com a brusca transfor-mação das relações de trabalho:

Habituados com uma estrutura rígida e autoritária, apassagem para uma administração autogestionária nomesmo ambiente de trabalho acarreta muitas dificulda-des para a participação plena na tomada de decisão, auto-nomia e controle do processo de trabalho (Guimarães etal., 2006, pp. 308-309).

Nas organizações formadas por ONGs e ór-gãos governamentais, Guimarães et al. destacam asrelações de dependência dos empreendimentos paracom os órgãos de fomento, especialmente no quese refere à gestão, interferindo, algumas vezes, atémesmo nos processos de tomada de decisão deforma democrática (Idem, ibidem).

Já os empreendimentos originados de iniciati-vas dos movimentos sociais teriam sido os que re-velaram características mais evidentes de autoges-tão, “com participação efetiva dos trabalhadoresem todos os níveis decisórios [...] e nos quais se

verifica uma transformação mais evidente nas rela-ções de trabalho” (Idem, ibidem). Consoante os au-tores, o fato de terem tido origem em um esforçocoletivo em torno de uma causa comum, de con-teúdo transformador e emancipatório reveste-osde um cunho ideológico não encontrado nas de-mais experiências.

Nesse quadro, outros estudos também desta-cam alguns aspectos positivos das experiências deeconomia solidária, no sentido de facilitar a sua via-bilização. Além dos já levantados por Guimarães etal., cabe ressaltar o destaque de Gaiger a essa ques-tão, ao sublinhar a facilidade de transferência desaberes, menor rotatividade, maior estabilidade,maior comunicação entre os trabalhadores, maiorfacilidade para identificar problemas no processode trabalho, maior envolvimento na busca de solu-ções, entre outros aspectos (Gaiger, 2000, p. 184).Esse conjunto de elementos positivos poderia, emcertas circunstâncias, estabelecer o que o autor cha-ma de círculo virtuoso do trabalho cooperativo,em que “há um estímulo material, que redundanuma série de atitudes positivas que acabam resul-tando numa diminuição de conflitos laborais, o que,por sua vez, fortalece moralmente os trabalhado-res” (Idem, p. 185).

Outra questão bastante discutida na literaturadiz respeito ao papel das políticas públicas, enten-didas cada vez mais como um elemento central parao bom desempenho dos empreendimentos.

França Filho (2006) apresenta uma reflexão bas-tante estruturada sobre o tema, a qual ressalta ocaráter recente das políticas. De fato, o autor con-sidera que a atual política pública brasileira de eco-nomia solidária encontra-se em processo de cons-trução, cujas metodologias ainda estão em fase deexperimentação (Idem, p. 260), apresentando umasignificativa heterogeneidade. Esta expressa, para oautor, os diferentes níveis de organização do pró-prio movimento de economia solidária nos diver-sos contextos locais e regionais. Apesar dessa hete-rogeneidade, França Filho sublinha uma importantemudança na visão estratégica da política pública,ao substituir a preocupação com a simples reprodu-ção das condições de vida por “uma possibilidadede reprodução ampliada do modo de vida, o quepermite transformações institucionais efetivas nas

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condições mais gerais de existência das pessoas numterritório” (Idem, p. 266). Segundo ele,

[...] esta é também a visão estratégica da passagem de umestado de subsistência das iniciativas empreendidas paraum estado de sustentabilidade, refletindo o salto estraté-gico necessário que induzem tais políticas de uma condi-ção de economia popular apenas, para uma condição deeconomia popular e solidária (Idem, ibidem).

Nesse salto estratégico a política pública deslo-caria sua ênfase das noções de assistência e com-pensação para a de emancipação, passando a cons-tituir-se como uma política de “organização dasociedade”, cujos resultados remetem ao médio elongo prazos.

Também Gaiger sublinha a mudança de focodas políticas públicas nos últimos anos, passandoda promoção de empreendimentos com um cará-ter emergencial ou paliativo, no sentido de provercondições mínimas de sobrevivência, para a cons-trução de alternativas duradouras e generalizáveis,focadas na busca de novos formatos de geração eapropriação de tecnologias que visam à auto-sus-tentação dos empreendimentos (Gaiger, 2000, pp.176-177). Nesse sentido, as políticas públicas de-sempenham um papel de enorme importância naviabilização das experiências solidárias.

Outro estudo importante sobre políticas públi-cas de economia solidária é o de Alves (2006), vol-tado para os municípios de Santo André, Diademae São Bernardo no ABC paulista e o de São Carlos.O autor destaca a política de Santo André, que pro-põe uma nova forma de atuação do poder muni-cipal ao considerar que o município deve ter um

[...] papel de estimulador de projetos e ações demandadase concebidas pelos sujeitos sociais e para isto é necessárioque ele deixe de ser o autor e executor de projetos eações. Para isto, é necessário que haja envolvimento maiordos atores sociais, objetos das ações na concepção dapolítica, deixando de ser objetos das ações para se torna-rem sujeitos sociais (Idem, p. 275).

Para Alves, essa mudança na orientação da po-lítica pública é exemplar e deveria servir de mode-lo a outros municípios na medida em que,

[...] somente quando a concepção da política é realizadapelos próprios sujeitos, a política de economia solidária

exercida pelo poder público passa a ser uma política dossujeitos sociais e, desta forma, desaparece o problema dadescontinuidade, decorrente da mudança de orientaçãopública dos gestores municipais, provocada pelas elei-ções (Idem, ibidem).

Observa-se, portanto, que não só a discussãosobre as políticas públicas, mas também as própriaspropostas de política voltadas para a economiasolidária vêm avançando significativamente no país,preocupando-se com sua continuidade, com o for-talecimento do tecido social da sociedade civil orga-nizada, entendido como suporte das ações políticas(Girard, 2006, p. 287), e com as formas de monito-ração das mesmas que passam a se dirigir aos avan-ços qualitativos, como o da organização política,das relações sociais, das atitudes individuais etc.(França Filho, 2006, p. 266).

Esses progressos da política pública se con-substanciaram no Ciclo de Debates sobre Desen-volvimento Econômico Sustentável e EconomiaSolidária, realizado pela Rede de Gestores duranteo ano de 2004, objetivando contribuir para “a ela-boração de uma política pública de economia so-lidária que seja estruturada federativamente e queseja capaz de atuar no combate efetivo às causasestruturais da pobreza e promover a inclusão e odesenvolvimento social” (Schwengber, 2006, p.293). Um dos avanços importantes da contribui-ção do Ciclo de Debates está em compreender ofomento à economia solidária como uma políticade desenvolvimento, que não deve ser relegada àspolíticas de corte assistencial; outra contribuição quemerece destaque é a de que como política de de-senvolvimento, voltada para um público tradi-cionalmente excluído socialmente, ela demandaações transversais que articulem instrumentos dasvárias áreas do governo, como educação, saúde,trabalho, habitação, desenvolvimento econômico,tecnologia, crédito e financiamento, entre outras(Idem, p. 294).

Apesar desses efetivos avanços, não se deveperder de vista o alerta de França Filho sobre afragilidade do marco institucional sob o qual aspolíticas públicas ainda repousam, o que o deixa“em alguns casos muito dependente das caracterís-ticas e sensibilidade do gestor público responsávelpela política” (França Filho, 2006, p. 267).

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Por fim, uma discussão central, e é nesse pontoque encontramos mais discordância entre os estudos,refere-se ao potencial das cooperativas como umaforma alternativa de organização que aponta parauma possibilidade de inserção ocupacional demo-crática. As divergências quanto a esse tema apresen-tam-se já nas diferentes maneiras a partir das quaisos estudos abordam a realidade das cooperativas.Enquanto alguns se debruçam principalmente sobreas cooperativas de empresas (Lima, 2002, 2007),18

que em alguns casos chegam a ser induzidas pelopróprio governo estadual, como no caso do Ceará,na área de calçados e confecções, outros dirigem oolhar às experiências mais bem-sucedidas (Gaiger,2000, p. 172), a partir da compreensão de que nãose deve discutir as potencialidades do fenômeno ana-lisando o seu lado fraudulento, ou o lado que fracas-sa. Sob essa perspectiva, Gaiger sustenta que a no-ção de eficácia para a economia solidária não podeser a mesma utilizada para pensar a trajetória deuma empresa capitalista, já que os objetivos sãodiversos. Nesse sentido, o autor retoma o conceitode reprodução ampliada da vida, formulado porCoraggio (2000), para pensar o desempenho dosempreendimentos solidários. A questão central quelhe interessa é saber como esses empreendimentosprovêm a reprodução ampliada da vida e não ape-nas a acumulação de capital (Gaiger, 2000, p. 181).

Em texto mais recente, baseado em uma pes-quisa de caráter nacional realizada em nove estadosdo país, o autor ressalta que a economia solidáriadeve ser pensada como uma experiência de eman-cipação do trabalho desumanizado e desprovidode sentido, na restituição do trabalhador à condi-ção de sujeito de sua existência. Gaiger é cuidado-so, contudo, ao apontar não só que os empreendi-mentos enfrentam dificuldades que, muitas vezes,os inviabilizam, mas também que não há receitasque possam ser aplicadas a todas as experiências,tendo em vista que o conjunto de empreendimen-tos existentes é muito variado do ponto de vista deseus atores, suas escolhas organizativas, suas razõesde ser, suas formas de inserção na economia e suaspossibilidades de influência no entorno em que selocalizam (Gaiger, 2004).

Há que considerar, ainda, que outras pesquisasabrangentes, como as de Guimarães et al. e as de

Vieitez e Dal Ri, chegaram a resultados menos al-vissareiros. Embora tenham encontrado um grupode empresas que apresentam mais características deautogestão (as originadas nos movimentos sociais,conforme explicitamos anteriormente), Guimarãeset al. acreditam que não se pode utilizar a expressãoorganizações autogestionárias, mas apenas organi-zações com características autogestionárias, “consi-derando-se a impossibilidade de experiências au-togeridas plenas no modo de produção capitalista”(Guimarães et al., 2006, p. 318).

No mesmo sentido vão as conclusões de Viei-tez e Dal Ri, baseadas em pesquisa realizada emdezenove empresas autogestionárias, localizadas emvários estados do país e ligadas à Anteag. Os auto-res também constataram nessas empresas contradi-ções relacionadas tanto com o não desenvolvimentoda gestão coletiva de forma plena e democrática,como com incompatibilidades entre as virtualida-des democráticas e socialistas da comunidade detrabalho e o seu caráter atual de produção inde-pendente de mercadorias (Vieitez e Dal Ri, 2001, p.145). Eles advertem, ainda, para a possibilidade deevolução regressiva dos empreendimentos no sen-tido de se reconverterem ao estatuto capitalista oude manterem uma gestão de quadros tecnocrataou conservadora (Idem, p. 146).

Também João Roberto Pinto, em pesquisa rea-lizada em treze empreendimentos acompanhadospelo escritório da Anteag no Rio Grande do Sul(escolhidos como uma amostra representativa dos100, que constituem o universo dos empreendimen-tos ligados à entidade no estado) chama a aten-ção para o caráter incipiente dos mesmos, assimcomo para o fato de que, por estarem voltados àrecuperação ou à manutenção dos postos de tra-balho, os trabalhadores mostravam-se pouco pre-ocupados com a troca de conhecimento e expe-riência, ou com o estabelecimento de intercâmbiosmercantis (Pinto, 2006, pp. 176-177).

Uma última questão refere-se ao significado dasexperiências para os próprios trabalhadores nelasenvolvidos. Os estudos que se referem ao temaapontam para conclusões que corroboram nossahipótese de que essas experiências sugerem novasformas de sociabilidade para a recuperação da iden-tidade e da dignidade dos trabalhadores.

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João Roberto, por exemplo, apresenta achadosnesse sentido ao explicitar que para 63% dos trabalha-dores (num total de 367 abordados pela pesquisa)“o comportamento pessoal se alterou depois quepassou a trabalhar no empreendimento associado.Destes, 19% ‘está mais tranqüilo e bem-humorado’,18% ‘ficou mais responsável’ e 16% ‘se tornou maiscooperativo e solidário’”. O autor ressalta a valori-zação dos ganhos relativos ao próprio engajamen-to associativo, citando a frase de um entrevistado:“porque resgatamos nossa dignidade” (Idem, p. 171).

A pesquisa de Pereira (2007), levada a cabo emduas cooperativas da ITCP da Unicamp, apresentaexatamente as mesmas conclusões. Embora algunsentrevistados tenham dito que abandonariam a co-operativa se tivessem oportunidade de assumir umtrabalho no mercado formal, grande parte subli-nha a satisfação com as relações pessoais no interiordo empreendimento, associadas a relações familia-res, de ajuda, de cooperação, de solidariedade, emcontraste com as experiências vividas anteriormen-te em empresas privadas. A autora destaca essesaspectos, sublinhando a perspectiva de “libertação”vivida por algumas mulheres em relação ao traba-lho anterior como empregadas domésticas ou à si-tuação de donas de casa. (Pereira, 2007, p. 85).

Também Singer refere-se a esse sentimento, aoafirmar que em suas conversas com os coopera-dos, eles dizem geralmente não pretender voltar aotrabalho assalariado porque “já não agüentam maistrabalhar para patrão” (Singer, 2000b, p. 28).

É importante considerar, entretanto, que essefato não representa uma unanimidade entre as pes-quisas. Em seus estudos sobre cooperativas que tra-balham como terceirizadas de outras empresas noCeará e no Rio Grande do Sul, Lima afirma que,embora o trabalho cooperativado seja valorizado“por permitir um cotidiano de trabalho mais tran-qüilo e, enquanto estável, não percebido como pre-cário” (Lima, 2007, p. 151), o “ideal do trabalhoassalariado não foi substituído pela possível superio-ridade do trabalho autogestionário” (Idem, ibidem).

Considerações Finais

A discussão bibliográfica apresentada aqui sedebruçou sobre um conjunto de aspectos relacio-

nados com a economia solidária, voltando-se tan-to para o debate teórico sobre seus limites e poten-cialidades, como para políticas públicas dirigidas àsua promoção, no caso brasileiro. As conclusõesdesse debate apontam para uma realidade complexae heterogênea, que inclui experiências extremamentediversificadas de formas de assalariamento disfarça-do até exemplos bastante interessantes de complexoscooperativos que envolvem conjuntos expressivosde cooperativas e de trabalhadores e que indicamexperiências sociais muito significativas.

Os estudos aqui discutidos e comentados leva-ram à hipótese de pesquisa que consiste em enten-der os empreendimentos cooperativos vinculadosà economia solidária como alternativas de inserçãosocial que, embora não tenham a potencialidade detransformação social apontada por aqueles que asconsideram germes de uma nova sociedade, po-dem vir a ser experiências importantes de resistên-cia ao desemprego, apontando para novas formasde sociabilidade – espaços abertos para a constitui-ção de uma identidade coletiva dos trabalhadorese para a recuperação de sua dignidade.

Ainda que esse tipo de inserção social não pos-sa ser considerado uma tendência de longo prazo,como testemunha a experiência argentina, ele podese configurar como uma reação dos trabalhadoresao desemprego aberto pela nova realidade domercado de trabalho. Trata-se, nesse sentido, de umaexperiência de mobilização e organização dos tra-balhadores que, baseando-se em princípios demo-cráticos, pode ser capaz, em alguns casos, de deixarmarcas significativas não só na vida daqueles que aexperimentam concretamente, como também nasociedade em seu conjunto.

Notas

Vários são os estudos sobre a atual crise do trabalho.Como não é este exatamente o objetivo deste texto,remeto o leitor a algumas análises já consagradas so-bre o tema, como Castel (1998) e Hirata e Preteceille(2002), entre outros.A expressão Economia Solidária foi criada na França,no início de 1990, “fruto, sobretudo, das pesquisasdesenvolvidas em Paris no Crida (Centre de Recher-che et d’Information sur la Democratie et l’Auto-

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nomie), sob a coordenação de Jean Louis Laville, vi-sando a exatamente dar conta da emergência e dodesenvolvimento do fenômeno da proliferação deiniciativas e práticas socioeconômicas diversas, as cha-madas iniciativas locais na Europa” (França Filho eLaville, 2004, p. 109).Rosa Luxemburgo sustentou uma acirrada polêmicacom Bernstein sobre o tema; enquanto o último foium defensor das experiências cooperativistas comoum caminho para o socialismo, a primeira alertavapara o duplo perigo que elas enfrentavam: ou se tor-navam exitosas e entravam na lógica do capitalismo,ou mantinham seus ideais de solidariedade e auto-gestão e acabavam sucumbindo à concorrência capita-lista. O mesmo argumento foi defendido pelo casalWebb, dando origem à tese da degenerescência dascooperativas. Já Marx manteve uma posição ambí-gua com relação ao tema, destacando ao mesmo tem-po a importância das cooperativas como possibilida-de de um novo modo de produção e os riscos de elasse transformarem em instrumento de auto-explora-ção operária.Polanyi identifica quatro princípios de comportamen-to econômico que operam em nossas sociedadescomo fatores de organização da produção e distribui-ção da riqueza: (i)os princípios do mercado, que per-mitem o encontro entre oferta e demanda de bens eserviços com fim de troca por meio da fixação depreços; (ii) os da redistribuição, a partir dos quais aprodução é remetida a uma autoridade central (o Es-tado) que tem a responsabilidade de reparti-la; (iii) osda reciprocidade, que correspondem à relação estabe-lecida entre os grupos ou pessoas a partir de doaçõesou préstimos mútuos, cujo sentido está na vontadede manifestar um liame social entre as partes envolvi-das; e (iv) os da domesticidade, a partir dos quais aspessoas produzem para o seu próprio uso, proven-do as necessidades dos membros do grupo (Pinto,2006, p. 46; França Filho e Laville, 2004, pp. 32-33).As atividades comandadas pelos princípios da do-mesticidade e da reciprocidade constituiriam a econo-mia não monetária, enquanto as de mercado e redis-tributivas fariam parte da economia monetária (Pinto,2006, p. 46).“As que não conseguem, desaparecem de cena”, assi-nala Quijano (2002, p. 493).Os/as intocáveis constituem a classe mais oprimida esocialmente desprezada da sociedade indiana.Houve casos, por exemplo, em que o apoio dos de-sempregados à recuperação da empresa implicou na

inserção de muitos deles na empresa quando de suaconsolidação e crescimento (Magnani, 2003).Em 2001 surge o MNER (Movimiento Nacional deFábricas Recuperadas) e, em 2003, o MNFRT (Movi-miento Nacional de Fábricas Recuperadas por los Tra-bajadores), como uma cisão do MNER. A partir de2005 o MNER entra em uma grave crise.Trata-se de uma fábrica de confecção recuperada.O estudo de Magnani aponta para uma relação depoder mais concreta das empresas recuperadas com oMNFRT do que com o MNER. Tendo em vista,entretanto, o caráter menos ideológico do primeiromovimento, sua interferência se exerce mais no sen-tido de encarregar-se dos problemas legais das em-presas. De todo modo, ele pode significar um riscopara os empreendimentos, na medida em que podelevar os trabalhadores por caminhos não desejadospor eles mesmos (Magnani, 2003, p. 56).Esta cooperativa possuía um capital misto que con-templava, além do seu próprio, capitais privados e doEstado.Isso não significa, entretanto, que não tenha existidoaté então nenhuma experiência importante de coo-perativismo no meio urbano. Rizek e Pereira lem-bram, por exemplo, que a própria cidade de Osascoteve sua origem ligada a um grupo de operários anar-quistas que, depois de demitidos da vidraçaria SantaMarina devido à participação em um movimento gre-vista, tentaram criar uma empresa na região que veioa se constituir como a cidade de Osasco. O bairroRochdale provavelmente teve esse nome como he-rança deste movimento (Rizek, 1988; Pereira, 2007,pp. 17-18).Dados disponíveis no site http://www.ads.org.br/downloads.asp, consultado em 20/5/2008.Segundo entrevista realizada com o diretor da Uni-sol, as associações são grupos de trabalhadores queainda não conseguem se organizar como cooperativa.Mas, de acordo com a legislação, a associação não estávoltada para fins comerciais ou produtivos, como ascooperativas, mas à promoção, à educação e à assistên-cia social. A atividade comercial só pode ser realizadapara a implementação de seus objetivos sociais. Osassociados não podem ser remunerados, salvo se esti-verem envolvidos com atividades necessárias ao cum-primento da função associativa, caso em que devemser contratados como empregados da associação.A reciclagem é o setor mais presente entre as empre-sas filiadas à Unisol.

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A Unisol possui atualmente vinte técnicos contrata-dos para o acompanhamento de projetos.De acordo com o Atlas da economia solidária reali-zado pela Senaes, ela contempla um conjunto de quase20 mil unidades no país, entre cooperativas e asso-ciações.As cooperativas de empresa, incentivadas pelos pró-prios empresários, como forma de evitar o pagamen-to dos direitos trabalhistas, se difundiram de formaextremamente significativa pelo país, sobretudo até2003. Nos últimos anos, em função de uma fiscaliza-ção mais efetiva dos órgãos do governo sobre essetipo de prática, seu crescimento arrefeceu, embora elascontinuem constituindo um fenômeno altamentedisseminado. Todavia, como conformam experiênci-as que não se enquadram no âmbito da EconomiaSolidária, elas não serão discutidas aqui.

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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 201

A ECONOMIA SOLIDÁRIAE O TRABALHO ASSOCIATIVO:TEORIAS E REALIDADES

Marcia de Paula Leite

Palavras-chave: Economia solidária;Geração de emprego e renda; Cooperati-vas; Autogestão; Mercado de trabalho.

Este texto consiste em um balanço sobreestudos relacionados com a economia so-lidária a partir de três objetivos. Em pri-meiro lugar, busca delimitar a discussãoteórica sobre o tema, abarcando tanto osque a entendem como o prenúncio deum processo de transformação social,como aqueles que têm uma visão maiscrítica do fenômeno, enfatizando seu ca-ráter efêmero. Em segundo lugar, a auto-ra debruça-se sobre o exemplo argentino,uma das experiências mais interessantesde difusão do cooperativismo como fe-nômeno social expressivo nos primeirosanos da presente década. Por fim, pro-põe-se uma análise da experiência brasi-leira com base em alguns balanços nacio-nais. As considerações finais sublinham acomplexidade do fenômeno e a impro-priedade de se pensar em termos dualis-tas, seja no sentido de suas potencialida-des, seja no de seus limites.

L’ÉCONOMIE SOLIDAIRE ET LETRAVAIL ASSOCIATIF :THÉORIES ET RÉALITÉS

Marcia de Paula Leite

Mots-clés: Économie solidaire; Géné-ration d’emploi et de rente; Coopératives;Autogestion; Marché de travail.

Ce texte est un bilan des études liées àl’économie solidaire. Il a été conçu à par-tir de trois objectifs. Le premier consisteà délimiter la discussion théorique sur lethème, en y incluant aussi bien ceux quila comprennent comme l’annonce d’unprocessus de transformation sociale, ainsique ceux qui ont une approche plus criti-que du phénomène, en mettant l’accentsur son caractère éphémère. L’auteur sepenche ensuite sur l’exemple argentin,une des expériences les plus intéressantesde diffusion du coopératisme en tant quephénomène social expressif des premiè-res années de la décennie actuelle. Fina-lement, une analyse de l’expériencebrésilienne est proposée, sur la base dequelques bilans nationaux. Les considéra-tions finales mettent l’accent sur lacomplexité du phénomène et l’impro-priété de penser en termes dualistes, soitdans le sens de ses potentialités, soit deses limites.

SOCIAL ECONOMICS ANDCOLLECTIVE WORK:THEORIES AND REALITIES

Marcia de Paula Leite

Keywords: Social economics; Incomeand employment generation; Coopera-tives; Self-management; Labor market.

This text is a balance of current studieson Social Economy, with three goals inmind: Firstly, it seeks to set out a profileof theoretical discussions, examiningthose authors who consider Social Econo-my a process of social transformation orthose who emphasize the ephemeral char-acter of economic units inside this sec-tor; secondly, it analyses the Argentineanexperience, one of the most importantsocial phenomenon in the first years ofthe current decade; finally, based on somebalances on the national level, it looks atthe Brazilian experience. The final con-siderations underline the complexity ofthe Social economy phenomenon, criti-cizing dualistic analyses, which empha-size either its potentialities or its limits.

15 rbcs 69 resumos abstracts résumés.p65 14/4/2009, 13:34201