a economia e o territÓrio do lÚpulo: eduardo fernandes ... · única mulher medieval a ser...

20
1 A ECONOMIA E O TERRITÓRIO DO LÚPULO: A história, análise mercadológica e o desenvolvimento do lúpulo no Brasil e no mundo Eduardo Fernandes Marcusso 1 Carlos Vitor Müller 2 RESUMO: O lúpulo é um elemento fundamental para a cerveja e sua história remonta desde a Grécia antiga, sendo utiliza na cerveja, provavelmente, pelos celtas no século 5 ou 6 a.c. no norte de Itália. Por meio da revisão bibliográfica sobre o tema, dos dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços-MDIC, Relatório BATH-HASS e do Ministério da Agricultura, Pecuárias e abastecimento-MAPA, este trabalho busca alcançar os seguintes objetivos: fazer um breve histórico do lúpulo; explorar o conceito de desen- volvimento territorial; analisar o atual estado da cadeia de valor do lúpulo no Mundo e Brasil e avaliar o papel a ser desempenhado por este cultivo no desenvolvimento territori- al. Após verificar as oscilações e correlações na produção de lúpulo no planeta e em ter- ras tupiniquins podemos verificar a importância dos alfa-ácidos neste cenário e como as atividades ligado ao lúpulo no Brasil podem ser consideradas como vetores para o desen- volvimento dos territórios onde a sua produção é organizada. PALAVRAS-CHAVE: Lúpulo, Desenvolvimento territorial, Cerveja, Importação. 1. INTRODUÇÃO O lúpulo é uma das matérias-primas características da cerveja, responsável por conferir características organolépticas típicas da bebida, além de conferir vantagens na sua conservação e estabilidade microbiológica (KUNZE, 2010). Segundo a legislação bra- sileira, o lúpulo é matéria-prima característica da cerveja. Desta forma, não podem ser produzidas e tampouco importadas ao Brasil cervejas que não contenham lúpulo em sua formulação (BRASIL, 2009) Para seu uso e conservação, o lúpulo deve ser seco e processado logo após a sua colheita, podendo ser comercializado em cones inteiros, em pellets e na forma de extratos (BRIGGS, 2004). Atualmente estas duas últimas formas, pellets e extratos, tem sido majo- 1 Geógrafo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento da Coordenação Geral de Vinhos e Be- bidas, Sommelier de Cerveja e Doutorando do programa de pós-graduação de Geografia na UnB com o projeto intitulado “Os Territórios da Cerveja”. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, Esplanada dos Ministérios, Bloco D, Brasília/DF, Brasil, CEP: 70.043-900, Sala 348B Anexo, tel: 61-3218- 2909. [email protected] 2 Auditor Fiscal Federal Agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Eng. Agrôno- mo, Mestre Cervejeiro VLB-Berlim e Msc. Tecnologias Químicas e Biológicas pela Unb. Ministério da Agri- cultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, Esplanada dos Ministérios, Bloco D, Brasília/DF, Brasil, CEP: 70.043-900, Sala 735, tel: 61-3218-3190. [email protected]

Upload: others

Post on 14-Sep-2019

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

A ECONOMIA E O TERRITÓRIO DO LÚPULO:

A história, análise mercadológica e o desenvolvimento do lúpulo no Brasil e no mundo

Eduardo Fernandes Marcusso1

Carlos Vitor Müller2

RESUMO: O lúpulo é um elemento fundamental para a cerveja e sua história remonta desde a Grécia antiga, sendo utiliza na cerveja, provavelmente, pelos celtas no século 5 ou 6 a.c. no norte de Itália. Por meio da revisão bibliográfica sobre o tema, dos dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços-MDIC, Relatório BATH-HASS e do Ministério da Agricultura, Pecuárias e abastecimento-MAPA, este trabalho busca alcançar os seguintes objetivos: fazer um breve histórico do lúpulo; explorar o conceito de desen-volvimento territorial; analisar o atual estado da cadeia de valor do lúpulo no Mundo e Brasil e avaliar o papel a ser desempenhado por este cultivo no desenvolvimento territori-al. Após verificar as oscilações e correlações na produção de lúpulo no planeta e em ter-ras tupiniquins podemos verificar a importância dos alfa-ácidos neste cenário e como as atividades ligado ao lúpulo no Brasil podem ser consideradas como vetores para o desen-volvimento dos territórios onde a sua produção é organizada. PALAVRAS-CHAVE: Lúpulo, Desenvolvimento territorial, Cerveja, Importação.

1. INTRODUÇÃO

O lúpulo é uma das matérias-primas características da cerveja, responsável por

conferir características organolépticas típicas da bebida, além de conferir vantagens na

sua conservação e estabilidade microbiológica (KUNZE, 2010). Segundo a legislação bra-

sileira, o lúpulo é matéria-prima característica da cerveja. Desta forma, não podem ser

produzidas e tampouco importadas ao Brasil cervejas que não contenham lúpulo em sua

formulação (BRASIL, 2009)

Para seu uso e conservação, o lúpulo deve ser seco e processado logo após a sua

colheita, podendo ser comercializado em cones inteiros, em pellets e na forma de extratos

(BRIGGS, 2004). Atualmente estas duas últimas formas, pellets e extratos, tem sido majo-

1 Geógrafo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento da Coordenação Geral de Vinhos e Be-

bidas, Sommelier de Cerveja e Doutorando do programa de pós-graduação de Geografia na UnB com o projeto intitulado “Os Territórios da Cerveja”. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, Esplanada dos Ministérios, Bloco D, Brasília/DF, Brasil, CEP: 70.043-900, Sala 348B Anexo, tel: 61-3218-2909. [email protected]

2 Auditor Fiscal Federal Agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Eng. Agrôno-

mo, Mestre Cervejeiro VLB-Berlim e Msc. Tecnologias Químicas e Biológicas pela Unb. Ministério da Agri-cultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, Esplanada dos Ministérios, Bloco D, Brasília/DF, Brasil, CEP: 70.043-900, Sala 735, tel: 61-3218-3190. [email protected]

2

ritariamente utilizada pela indústria cervejeira mundial devido à sua praticidade de empre-

go e melhor conservação (KUNZE, 2010).

O Brasil, 3º maior produtor mundial de cerveja, (CERVBRASIL, 2016) não possui

produção expressiva de lúpulo dependendo exclusivamente da importação desta matéria-

prima. Essa situação é uma das justificativas do trabalho e, além dessa dependência, te-

mos a florescência do mercado de produção de lúpulo no Brasil. Esse cenário nos coloca

a hipótese sobre a atividade do lúpulo no Brasil como vetor do desenvolvimento territorial.

Este trabalho tem como objetivos: fazer um breve histórico do lúpulo e suas utiliza-

ções; trazer o debate do desenvolvimento territorial; analisar o atual estado da cadeia de

valor do lúpulo no Mundo e Brasil e avaliar o papel a ser desempenhado por este cultivo

no desenvolvimento territorial.

2. METODOLOGIA

Para alcançar o primeiro objetivo proposto foi feita uma revisão bibliográfica sobre

a utilização do lúpulo ao longo da história para posicionar o lúpulo na evolução da huma-

nidade e mostrar sua importância, principalmente, em relação à cerveja. A histórica do

lúpulo no Brasil, especificamente, ainda contou com questionário realizado com plantado-

res de lúpulo do país.

Já para entender os debates sobre o conceito de desenvolvimento territorial a revi-

são bibliográfica se pautou em autores franceses que trabalham com a noção de território

e desenvolvimento, além das abordagens brasileiras sobre os temas. Esses autores for-

mam a base para analisar os dados além de uma visão puramente mercadológica.

Para análise dos dados foram consultadas as informações do comércio exterior

disponibilizados pela plataforma Comexstat, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior

e Serviços-MDIC, os dados do Relatório alemão sobre produção mundial de lúpulo BATH-

HASS, em várias edições, bem como dados do Ministério da Agricultura, Pecuárias e

abastecimento-MAPA sobre número de cervejarias. A legislação brasileira foi resgatada a

parte que trata da cerveja e que cita o lúpulo como matéria-prima característica da bebida.

Após a revisão bibliográfica e a coleta de dados foram feitas análise das atividades

que envolvem o lúpulo no Brasil e no Mundo para tirarmos conclusões sobre o potencial

dessa atividade como promotora do desenvolvimento territorial.

3

3. BREVE HISTÓRIA DO LÚPULO

A origem espontânea do Lúpulo (Humulus Lupulus L.) foi provavelmente a China

de acordo com análise de DNA de geneticista Russos, Americanos, Japoneses e Chine-

ses. De lá as várias espécies de lúpulo migraram para a Europa e América do Norte

(BOUTAIN, 2014).

Os gregos usavam lúpulo, o qual chamavam de “Keltoi”, como salada. No passado,

muitos males do homem foram tratados por médicos com prescrições de lúpulo que tinha

a reputação ajudar no combate a várias doenças, com propriedades para “limpar” o san-

gue de impurezas, curar coceiras e outras doenças da pele, além de "aliviar o fígado"

(EDWARDSON, 1952).

A evidência mais antiga de uso de Lúpulo em cerveja vem dos Celtas. Os celtas

eram grandes guerreiros e trabalhavam bastante a produção de armas a base de ferro,

eles dominaram a Europa Central de 2.500 a 3.000 atrás. Em escavações de suas tum-

bas, realizada na região do piemonte italiano, se direcionava a um antigo assentamento

celta na cidade de Pombia (aprox. 550 a.c.), província de Novara. Uma das sepulturas

abertas continha um pequeno recipiente, perfeitamente preservado, com resquícios de cor

vermelho violeta depositado junto a uma bebida muito simular a cerveja (BARTH-HAAS,

2003)

A análise dos resquícios feita pelo laboratório paleobotânico do Museu de Arqueo-

logia de Como, próximo 70 km do Pombia, revelou substancial quantidade de grãos e

polén de lúpulo. Segundo o Dr. Gambari, diretor da agência de arqueologia de Turin, essa

foi a primeira vez que se pode verificar com clareza a composição de uma bebida de 5, 6

séculos a.c. da cultura Golasecca, que dominou a região norte da Itália entre os séculos 4

e 9 a.c. (idem).

Apesar dessa descoberta ser apenas fortes indícios do uso de lúpulo na cerveja, o

fato é que o lúpulo provavelmente cresceu selvagem na área ao redor da Pombia e era

conhecido pelas pessoas da época. Assim esse depósito de uma grama de extrato de

cerveja com traços de lúpulo se estabelece como um grande marco na história do lúpulo.

(idem).

O período celta foi seguido pelo domínio do império romano, cuja cultura de bebida

era aquela do vinho. Com o desaparecimento dos celtas, seus hábitos de consumo tam-

bém foram esquecidos.

Seguindo a linha do tempo existe a citação de Plínio, o Velho (23-79 d.c., Como,

Império Romano) sobre o lúpulo. No capítulo 50 de seu livro/enciclopédia, História Natu-

4

ral, ele descreve as plantas que nascem espontaneamente e o seu uso. Sobre o lúpulo

Plínio comenta sobre o uso na alimentação (PLINY THE ELDER, 1855).

O mais antigo registro do lúpulo como uma planta cultivada é datada de 760 d.C.

quando o rei Pepino o Breve, o pai de Carlos Magno, doou de presente, o que ele chamou

de “Humuloria” (Jardins de Lúpulo) para a basílica de Saint-Denis, região de seu nasci-

mento, atual Île-de-France, Paris (EDWARDSON, 1952).

Nos primeiros anos do século IX o abade Irmino, de Saint-Germain-des-Prés, men-

ciou em seu Políptico um pagamento em cotas de lúpulos. Durante a Idade Média muitos

mosteiros tornaram-se famosos por suas cervejas lupuladas. A cerveja foi a principal be-

bida, naquele tempo, para café da manhã, jantar e ceia.

Antes da famosa menção de lúpulo da cerveja de Hildegarda na Alemanha, o aba-

de Adelardo, na abadia de Corbie em Picardia, na região norte da França (Hauts-de-

France) fez o primeiro registro da história sobre utilização do lúpulo (idem).

O abade enumerava obrigações dos abades, sendo uma delas fornecer um décimo

do malte e do lúpulo colhido ao monge incumbido de fabricar a cerveja. “The first historical

mention of the use of hops in beer was from 822 AD in monastery rules written by

Adalhard the Elder, also known as Adalard of Corbie, use plants other than hops for fla-

vouring. (CORNELL, 2004). Interessante notar que Abelardo era meio irmão de Pepino, o

Breve, assim as peças vão se encaixando sobre o conhecimento do lúpulo.

A fama de Hildegarda vem de sua vastíssima obra em geral e sua explicação das

propriedades de conservação que o lúpulo fornecia a cerveja. Hildegarda de Bingen3

(1098-1179) iniciou sua vida eclesiástica aos 8 anos no mosteiro das beneditinas de Disi-

bodenberg, onde foi se tornou abadessa em 1136 e já iniciava seus estudos sobre as

plantas e curas. Cinco anos após, em 1141, teve sua primeira visão mística, momento em

teria recebido “um encargo de Deus” para escrever e pregar. Assim solicitou e recebeu da

igreja autorização para peregrinação do papa Eugênio III. Hildegarda foi a primeira mulher

a conseguir tal autorização (COSTA, 2012).

Em meio a peregrinação na década de 1150 escreveu uma grande obra de medici-

na, Liber subtilitatum diversarum naturarum creaturarum (Livro das sutilezas das várias

naturezas da criação), que, após sua morte, foi dividido em duas partes: Physica ou Liber

3 As menções à utilização de lúpulo na cerveja, na verdade, são um ínfima parte da obra de Hildegarda que,

em outros feitos, destaca-se: “foi a primeira mulher a ser considerada uma autoridade em assuntos teológi-cos; a única mulher medieval a quem se concedeu o direito de pregar a doutrina cristã em público; a autora do primeiro auto sacro jamais escrito e o único dramaturgo no século XII que não permaneceu anônimo; a única mulher medieval a ser lembrada como compositora de um extenso e qualificado corpo de obras musi-cais; o primeiro autor a escrever sobre sexualidade e ginecologia de um ponto de vista feminino, e o primei-ro santo a ter uma biografia oficial que inclui trechos autobiográficos” (COSTA, 2012, p. 206).

5

simplicis medicanae (Física ou Livro de medicina simples), que é um tratado de medicina

naturalista, em nove livros, e Causae et curaeou Liber compositae medicanae (Causas e

curas ou Livro da medicina composta).

Nos seus escritos pode-se notar que ela tinha ampla conhecimento da medicina da

época, mesmo não tendo formação universitária, proibido às mulheres. Um ponto impor-

tante é o conhecido que a monja tinha dos escritos de Plínio, o Velho, que já havia relata-

do o lúpulo em seu História Natural, ainda no século primeiro depois de cristo (COSTA,

2012). Na passagem do livro Physica, quando trata sobre o lúpulo, Hildergarda escreve:

“It is warm and dry, and has a moderate moisture, and is not very use-ful in benefiting man, because it makes melancholy grow in man and makes the soul of man sad, and weighs down his inner organs. But yet as a result of its own bitterness it keeps some putrefactions from drinks, to which it may be added, so that they may last so much long-er.” (HILDEGARD VON BIGEN, 1998)

A bebida que se refere é a cerveja que era amplamente disseminada nos monasté-

rios da Idade Média. Sobre a cerveja Hildergarda (1998) destaque que ela “positively af-

fects the body when moderately consumed […] beer fattens the flesh andlends a beautiful

color to the face.”

Mais tarde no século 14 a cultura do lúpulo tornou-se importante na região do Flan-

dres, sobretudo Ghent, e região flamenca, além das cidades do norte da Alemanha, so-

bretudo Einbeck que se tornaram ricas por meio da venda de sua cerveja lupulada. Na

Boêmia do século XIV o Imperador Carlos IV pessoalmente selecionava o local mais ade-

quado para o crescimento de lúpulo (EDWARDSON, 1952).

Lúpulos não foram introduzidos na Inglaterra até o final do Século XV. Henrique VII

e Henrique VIII da Inglaterra gostava de cerveja sem lúpulo e proibiram seu uso. Na Sué-

cia o direcionamento do governo eram exatamente o oposto, em 1440 existia regulamento

que exigia que todo agricultor tivesse 40 postes de lúpulo (idem).

Uma das mais propaladas normas que versam sobre lúpulo na história da cerveja é

a Reinheitsgebot ou lei da pureza da cerveja criadas pelos duques da Baviera, Wilhelm IV

e Ludwig X, no Parlamento Estadual de Ingolstadt, em 23 de abril de 1516. Esta lei insti-

tuiu que a cerveja deveria ser fabricada somente com os seguintes ingredientes: água,

malte de cevada e lúpulo (a levedura, como o organismo responsável pela fermentação,

foi mencionada pela primeira vez em 1551). Isto se constitui em um dos mais antigos de-

cretos alimentares do mundo (ESLINGER, H.; NARZISS, 2012).

6

Na época da promulgação da lei da pureza o principal ingrediente que era utilizado

na cerveja para lhe conferir mais sabores, além do malte e das leveduras, está última até

então não descrita, era o gruit4. Porém a época a fabricação e comercialização desse in-

grediente feito pelos senhores de Gruuthuse, casa que detinham o monopólio da venda

desse produto5. Então, por uma questão muito mais econômica do que alimentar, a lei da

pureza veio colocar o lúpulo no lugar do gruit como ingrediente da cerveja.

Em 1952 a lei de pureza alemã foi reafirmada pela Biersteuergesetz6, lei fiscal da

cerveja que regula sua tributação e das outras providências, porém devido as regras de

comércio entre os países membros da União Europeia podem ingressar cervejas na Ale-

manha que não seguem a lei da pureza (OPPENHEIMER, 1994).

O lúpulo chegou da Europa aos Estados Unidos pela Massachusetts Company em

1629 para suprir a necessidade de lúpulo para as cervejas americanas e rapidamente o

plantio se disseminou na costa leste. Os puritanos, por exemplo, eram produtores tão

bem-sucedidos que poderiam, eventualmente, enviar o excesso de lúpulo para os quakers

na Filadélfia7.

Já em 1849 os estados da Nova Inglaterra e Nova York produziram quase 680 to-

neladas de lúpulo. Depois da Guerra Civil, a indústria se desenvolveu em Wisconsin e o

lúpulo avançou para a costa do Pacífico entre 1859 e 1869, já em 1909 a região se tornou

a principal produtora de lúpulo dos Estados Unidos (EDWARDSON, 1952).

O lúpulo foi levado à África do Sul, em 1652, por Jan van Riebeeck, na Cidade do

Cabona província do Cabo Ocidental sudoeste do país. A primeira cerveja foi produzida

em 1658. A Cidade do Cabo, como escala na rota das Índias Orientais Holandesas, logo

ficou conhecida como “A Taverna dos Mares”8.

Na Austrália o lúpulo foi levado, especificamente na terra de Van Diemen na tas-

mânia, em 1822 por William Shoobridge, que não conseguiu o mesmo sucesso que tinha

4 Além do gruit, outros ingredientes eram usados nas cervejas para baratear seu preço deixando-as de pés-

sima qualidade. A família real da Baviera para justificar também a promulgação da lei da pureza promoveu uma pesquisa sobre as substâncias que eram adicionadas a cerveja durante sua fabricação e encontraram ingredientes indigestos como cal, fuligem e até óleo de fígado de boi, além de cereais para o malte como feijões e ervilhas (SLEMER, 1995). 5 Disponível em: https://www.visitbruges.be/en/gruuthusemuseum. Acesso em: 24/08/2018.

6 Em 1981 a cervejaria francesa, Brasserie du Pêcheur, processou o governo alemão por não permitir a

entrada de sua cerveja por não cumprir as normas descritas nos parágrafos 9 e 10 da Biersteuergesetz. A Comissão Europeia considerou que isso violava o artigo 30 da TEEC (tratado de Roma) e instaurou um processo por infração contra a Alemanha por proibição a comercialização de cerveja e importação de cerve-ja com aditivos. O Tribunal de Justiça da União Europeia, considerou que a proibição de comercialização era incompatível com os Tratados de Comercio Europeu (OPPENHEIMER, 1994). 7 Disponível em: https://beerandbrewing.com/dictionary/Bo6daRoGE5/american-hops-history/. Acesso em:

23/08/2018. 8 Disponível em: http://www.sab.co.za/post/the-sab-story/a-brief-history-of-hops-in-south-africa. Acesso em:

23/08/2018.

7

no Reino Unido, em Kent, sudeste de Londres. Foi o filho de Willian, Ebenezer, que teve

êxito no plantio de lúpulo em Derwent Valley, centro sul da Tasmânia9.

Na Argentina o lúpulo chegou em 1865 em Golfo Nuevo, atual Puerto Madryn na

província de Chubut centro sul do país, com os imigrantes galeses. O repórter Lewis Jo-

nes, é considerado o introdutor de lúpulo na patagônia argentina10

Já no Brasil a história do lúpulo é bem peculiar e decorre, também, da sua posição

geográfica e condições climáticas não apropriadas para o crescimento11. A história mais

divulgada do início da plantação de lúpulo no Brasil é a do agrônomo Rodrigo Veraldi em

São Bento do Sapucaí (SP), município localizado na serra da Mantiqueira, Estância Cli-

mática do estado que oferece melhor adaptação do lúpulo.

Em 2005, Veraldi começou a plantar lúpulo e em 2007, após muitos testes 20 plan-

tas nasceram com sucesso cultivas em estufa e em 2009 quando levou a plantação para

o campo as chuvas dizimaram a plantação. Foi quando Rodrigo jogou fora as mudas de

lúpulos. Já em 2011, no local de descarte, havia se desenvolvido as plantas abandonadas

mesmo após intensas chuvas. Aparentemente uma mutação genética fez o lúpulo se tor-

nar resistente ao clima local.

Após essa obra do acaso o agrônomo investiu na plantação com clones da planta

resistente e expandiu a plantação. Em 2014 a Baden Baden, cervejaria artesanal de

Campos do Jordão que pertencia a Brasil Kirin12, se interessou pelo cultivo e financiou a

plantação de um hectare. O resultado da safra foi usado na cerveja Heller Bock 15 anos

da Baden Baden, em comemoração ao seu aniversário13. Em 2017 a colheita de Rodrigo

foi de 2000 quilos de lúpulo, mas ainda falta desenvolvimento genético para alcançar ren-

tabilidade ao negócio14.

9 Disponível emhttps://craftypint.com/news/1200/Beer_History_The_Kingdom_of_Hops. Acesso em:

23/08/2018. 10

Disponível emhttp://pulsocervecero.com/el-lupulo-en-la-argentina-historia-de-su-introduccion/. Acesso em: 23/08/2018. 11

Os lúpulos crescem com mais facilidades entre as altas de latitudes 35º e 55º, temperaturas amenas, uma exposição a luz do sol em torno de 14 horas diária e necessitam de grandes aportes de água durante a fase vegetativa de seu cultivo. Somente nestas condições alfa-ácidos e óleos essenciais se formam de maneira satisfatória. Disponível em: http://www.ars.usda.gov/Research/docs.htm?docid=14772. Acesso em: 25/09/2018. No Brasil temos médias na casa de 8, chegando a 10 horas de sol. Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/atlas/energia_solar/3_2.htm. Acesso: 25/08/2018. 12

Em 2017 a Brasil Kirin foi comprada pela Heineken por R$ 2.2 bilhões de reais com e a empresa holan-desa passou a dominar 17,4%. Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Negocios/noticia/2017/05/compra-da-kirin-pela-heineken-e-aprovada.html. Acesso em: 25/08/2018. 13

Disponível em: https://goronah.blog.br/2014/experimenta/baden-baden-comemora-15-anos-com-novo-rotulo-e-site-de-harmonizacao. Acesso em: 25/08/2018 14

Disponível em: https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/noticia/2017/02/conheca-producao-de-lupulo-brasileiro.html. Acesso em 25/08/2018.

8

Apesar da história do lúpulo da Mantiqueira ser a mais divulgada como o início da

plantação de lúpulo no Brasil, existem relatos de plantação que datam da década de

1950. Natanael Moschen Lahnel, da empresa Lúpulo Gaúcho, localizada em Gramado-

RS, nos conta que em 1955, na cidade de Nova Petrópolis-RS, o lúpulo foi trazido pelos

alemães imigrantes e era produzida em grande quantidade para venda para a Cervejaria

Antarctica na época. Com o passar dos anos tornou-se mais barato importar o produto e o

cultivo foi deixado de lado pelo fumo e milho.15

Outras experiências de plantação de lúpulo no Brasil estão aparecendo em várias

partes do Brasil, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, devido a questão climática e a no-

tada concentração de cervejarias.

Um marco na estruturação do mercado de plantação de lúpulo no Brasil foi a cria-

ção da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo – APROLUPULO, em 19 de maio

de 2018, na cidade de Lajes, na serra de Santa Catarina. A associação foi criada com

mais de 80 produtores. A sede fica no Centro de Ciências Agroveterinárias da Universida-

de do Estado de Santa Catarina (CAV-Udesc), instituição que faz pesquisas sobre a pro-

dução de lúpulo16.

Como podemos verificar a história do lúpulo passa de alimentação à cerveja e de

poucas regiões produtoras à diferentes partes do mundo. No Brasil a pequena história do

lúpulo ainda tem grande caminho pela frente até se tornar uma atividade rentável e que

forneça insumos em quantidade e qualidade ao crescente mercado de cerveja no Brasil,

sobretudo as artesanais.

Dessa forma entendemos que a produção de lúpulo no Brasil, assim como em ou-

tras partes do mundo, pode se tornar um vetor do desenvolvimento territorial levando

crescimento da renda das pessoas e ações colaborativas pautadas nos territórios de in-

serção das plantações.

15

Essas informações foram retiradas a partir de questionário, o qual ainda conta que existem registros his-tóricos fotografias, além de pessoas ainda vivas que trabalharam nessas plantações. Um documentário com entrevistas e o detalhamento da história está sendo criado, diz Natanael que também é membro da APRO-LUPULO. 16

Disponível em: http://revistadacerveja.com.br/aprolupulo-a-uniao-dos-produtores-de-lupulo/. Acesso em: 25/08/2018.

9

4. O DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Na geografia econômica a discussão sobre o desenvolvimento tem posição impor-

tante e, recentemente, analisam as transformações provocadas pela reestruturação pro-

dutiva no espaço. As diferentes abordagens buscam interpretar como essas alterações

tem sua distribuição espacial e como isso afeta às pessoas em cada região, local e territó-

rio.

A concepção territorial de desenvolvimento surge com uma dupla interpretação pa-

ra Veiga (2002), de um lado a noção de território não se restringe ao fenômeno “local”,

“regional”, “nacional” ou mesmo “continental”, podendo exprimir simultaneamente todas

essas dimensões, por outro lado apenas adjetivar o desenvolvimento como territorial não

revela a real importância da dimensão territorial do processo objetivo de desenvolvimento.

Na Europa o conceito de território foi importante referência para a criação da do

bloco continental e para sua união. Para Santinha (2014) o princípio da coesão territorial é

um elemento da coesão econômica e social, e é descrito por como um pilar do o desen-

volvimento harmonioso dos territórios valorizando a diversidade e cooperação dos agen-

tes e políticas de base territorial e setorial.

O autor ainda explicita as três dimensões do princípio de coesão territorial, a saber:

> Heterogeneidade territorial (justiça espacial e capital territorial); > Organização territorial

(desenvolvimento urbano equilibrado e em rede e integração territorial de proximidade); >

Governança territorial (governança multinível, cooperação institucional e coerência de po-

líticas).

Neste debate territorial Santos (1994) afirma que vivemos numa era de retorno ao

território, contudo a noção de território herdada da modernidade incompleta e do seu le-

gado de conceito puros traz uma ideia irreal de território uno e intocado, para o autor este

conceito só pode ser entendido como território usado e não território em si mesmo.

No mesmo sentido Pecqueur (2005) diferencia a ideia de território dado e território

construído, sendo esse último resultado da ação de um sistema local de atores que con-

segue revelar a especificação do território. Essa noção de território construído e seu prin-

cípio de especificação são para o autor umas das bases para o desenvolvimento territori-

al.

Nesse processo de revelação das especificidades de cada território nem todas as

ações são exitosas e existem regiões “ganhadoras”, aquelas que conseguem territorializar

fenômenos como elementos determinantes da competitividade dos sistemas territoriais de

produção e outras regiões a acabam perdendo (BENKO; LIPIETZ, 1992).

10

O desenvolvimento de baixo para cima é uma estratégia baseada na flexibilidade e

promoção dos recursos naturais e sociais do próprio território, visualizando um progresso

da própria região, da comunidade e da sociedade que nela vive (SANTOS,1996). Quando

Milton Santos fala dos recursos naturais e sociais do território Benko e Pecqueur (2001)

chamam de Recursos e Ativos Territoriais. O contexto dessa definição é sempre o da

concorrência em que se lançam os territórios

os espaços tendem a construir ou a reforçar vantagens comparativas [...] esta análise se funda sobre a redefinição da natureza da empresa, aquela, de lugar de combinação ótima de fatores de produção genéri-cos, se tornaria um lugar de combinação de competências e de aprendizagem de novos conhecimentos a partir de fatores específicos (PECQUER; ZIMMERMANN, 1994, p.56).

Os territórios estão em situação de concorrência uns com os outros e para que um

desses espaços saia vitorioso é necessário, ativos e recursos, genéricos e específicos.

Ativos, são os fatores em “atividade”, enquanto que por recursos entendemos os fatores a

revelar, a explorar, ou ainda a organizar. Os recursos diferentemente dos ativos, constitu-

em assim uma reserva, um potencial latente. A característica de genérico define-se pelo

fato que seu valor, ou potencial, é independente de sua participação a um determinado

processo produtivo (BENKO; PECQUEUR, 2001).

Os autores continuam a definição e abordam a características dos ativos e recur-

sos como genéricos por sua condição de transferência, ou seja, possuidores de um valor

de troca, já os ativos e recursos específicos são aqueles tem no valor de uso seu principal

aspecto.

É neste campo de discussão que a noção de governança se insere e partimos da

conceituação de Storper e Harrison (1994) que a entende como uma forma de organiza-

ção entre empresas que vai além das relações mercantis e trata da divisão sócia do traba-

lho, das instituições e convenções e das possibilidades de localização. Para Benko e Lipi-

etz (1997) governança é o conjunto de modos de regulação entre o mercado puro e a po-

lítica pura.

Nesse contexto de desenvolvimento territorial, a governança aqui tem o seu concei-

to expandido para compreendermos como se dá o desenvolvimento partindo de baixo

comandado pelos agentes locais territorializados, assim se tornando uma governança ter-

ritorial.

11

[...] a governança se torna territorial quando se reconhece que o terri-tório é o recorte espacial de poder que permite que empresas, Esta-dos e sociedade civil entrem em contato, manifestando diferentes formas de conflitos e de cooperação; direcionando, portanto, o pro-cesso de desenvolvimento territorial. O território é reconhecido por sua governança através da escala de ação político-econômico, sendo que as esferas locais e regionais se destacam como materialização das potencialidades (humanas e tecnológicas) da globalização. Neste sentido, a governança territorial, enquanto conceito, instrumento e processo de ação, poderia ser conhecida como novo "piloto" do de-senvolvimento econômico e social descentralizado (PIRES, 2011, p.26-7).

Dessa maneira os territórios se tornam “fonte de desenvolvimento” (AYDALOT,

1986) e uma instância institucional de exercício de poder de forma simétrica no nível terri-

torial. (DALLABRIDA, 2011). Ou seja, desenvolvimento e governança estão atrelados pela

noção de território.

As estratégias competitivas da globalização têm o território como ator principal do

desenvolvimento e as políticas, as organizações e a governança são recursos específi-

cos, a um só tempo disponível ou a ser criado. Desse modo, o desenvolvimento territorial

é o resultado de uma ação coletiva intencional de caráter local, um modo de regulação

territorial, portanto, uma ação associada a uma cultura, a um plano e instituições locais,

tendo em vista arranjos de regulação das práticas sociais (PIRES; MULLER; VERDI,

2006).

De maneira sintética podemos elencar as principais conclusões de Veiga (2002)

sobre a face territorial do desenvolvimento e o seu potencial futuro para análises científi-

cas:

1. O aproveitamento das vantagens competitivas depende do seu caráter empreendedo-

rista e endógeno, ligados a noção de “capital social”

2. A partir das transformações da política governamental fomentada pela globalização o

caráter de estruturas subnacinoais mostra a pertinência de uma abordagem territorial

3. A noção desenvolvimento territorial tende a substituir a tradicional expressão desenvol-

vimento regional, pois permite uma referência simultânea a desenvolvimento local, regio-

nal, nacional, e até continental (no caso da Europa), pelo forte debate entre as escalas do

local e global

4. Apesar do avanço do conceito de desenvolvimento territorial ele não supera as divisões

setoriais (primário, secundário e terciário) e espaciais (cidade e campo).

5. As mudanças semânticas do debate público sobre o desenvolvimento mostram sua

imprecisão, fluidez e ambiguidade.

12

No debate sobre o desenvolvimento territorial percebemos a inserção de novos

conceitos para entender a realidade dos territórios e do seu desenvolvimento. Aqui perce-

bemos que as formas de articulação ou não dos atores locais é que dão o tom do cami-

nho dos territórios na trilha do desenvolvimento.

Tendo a base teórica do desenvolvimento territorial podemos passar as aprecia-

ções da atividade do lúpulo para, ao final no artigo, elencarmos conclusões sobre indicati-

vos para o desenvolvimento da atividade no Brasil.

5. OS DADOS E AS ANÁLISES DO MERCADO DE LÚPULO NO MUNDO E NO BRASIL

O lúpulo tem produção com grande representatividade na Europa, Estados Unidos

e China, sendo que Estados Unidos e Alemanha despontam com mais de 40000 tonela-

das produzidas anualmente. Em um segundo patamar a China e a República Tcheca por

volta de 7000, a Polônia e Eslovênia na casa das 3000, a Inglaterra e Austrália com mais

de 1000 e outros países abaixo desse valor.

Tabela 1:: Produção de Lúpulo (ton) e Cerveja (1000 hl) em 2017, por países.

País Estados Unidos

Alemanha China República Tcheca

Polônia Eslovênia Inglaterra Austrália França Nova Zelândia

Lúpulo 48190 41556 7044 6796 2993 2766 1780 1438 763 760

Cerveja 217753 93013 440150 20322 40500 1550 43300 15950 21300 2886

L/kg 452 224 6249 299 1353 56 2433 1109 2792 380

Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios BARTH-HAAS 2017-2018.

Quando os números de produção de lúpulo são comparados com os de produção

de cerveja podemos ter uma relação de quantos litros de cervejas são produzidos a cada

quilo de lúpulo, em uma situação hipotética sem importação e exportação de lúpulo e cer-

veja.

Nessa situação podemos verificar a pequena proporção de quilo de lúpulo por litro

de cerveja, tendo nos dez países principais produtores de lúpulo uma média de 1.535

L/kg. Traduzindo para uma escala menor são aproximadamente 1 grama de lúpulo a cada

15 litros de cerveja.

Claro que esse valor não traduz a realidade de maneira fiel, mas já é uma pequena

referência para depois avaliarmos a situação no Brasil.

A produção mundial de lúpulo tem dois aspectos fundamentais para serem obser-

vados, um é a área plantada e o outro é a produção de alfa ácido, elemento fundamental

13

na produção de cerveja. A figura 1 traz o comparativo desses três elementos de forma

didática.

Figura 1: Comparativo entre produção de lúpulo e alfa-ácidos em toneladas e área cultivada em hectares.

Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios BARTH-HAAS, vários anos

Como podemos notar área plantada, produção de lúpulo e de alfa-ácidos apresen-

tam uma tendência de crescimento da década de 1970 até meados da década de 1990.

Esse panorama muda por volta de 1993 quando a área plantada tem expressiva queda

passando de 91596 hectares (há), neste ano, para 57427 em 1999, último ano de queda

consecutiva nessa sequência17.

Essa queda de 38% da área plantada, consequentemente, foi acompanhada pela

redução na produção de lúpulo em toneladas (ton), que saiu do patamar de 121.323 ton

em 1994 para 118.401 ton em 2017. A produção de alfa-ácido, contudo, apresentou uma

tendência de crescimento passando de da casa de 6.907 ton em 1994 para 11.248 em

17

Além do aumento da produtividade, que reduziu a área plantada, os baixos preços pagos aos produtores também contribuíram para essa redução. O diretor do Centro de Pesquisas do Lúpulo em Hüll, na Baviera, sul da Alemanha, Bernhard Engelhard, expõe que depois de uma safra relativamente fraca em 2006 e do ingresso da China como compradora no mercado mundial de lúpulo, o preço do ingrediente da cerveja tripli-cou em 2007. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/l%C3%BApulo-o-ouro-verde-da-baviera/a-2720385. Acesso em: 28/08/2017. Este fato explica a forte oscilação que encontramos entre 2006 e 2007 na figura 1

0

2000

4000

6000

8000

10000

120001

97

0

19

72

19

74

19

76

19

78

19

80

19

82

19

84

19

86

19

88

19

90

19

92

19

94

19

96

19

98

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

14

20

16

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

140000

160000

Pro

du

ção

de

Alf

a-ác

ido

(to

n)

linh

a ve

rmel

ha

Pro

du

ção

de

Lúp

ulo

(to

n)

linh

a am

arel

a Á

rea

Cu

ltiv

ada

(ha)

lin

ha

verd

e

Produção de Lúpulo Área Cultivada Produção de Alfa-ácido

14

2017, ou seja, é necessário menos espaço e cones de lúpulo para produzir mais propor-

ção de alfa-ácido18.

Esse resultado da análise mostra que houve incremento na produtividade de alfa-

ácidos por área, advindo do aumento da produtividade de cones por planta e do incre-

mento no teor de alfa-ácidos nos cones. A proporção de alfa-ácidos em cada cone de lú-

pulo é obtida em função do melhoramento genético realizado nas variedades com este

fim19.

O Brasil não possui produção expressiva de lúpulo, sendo, praticamente, toda a

demanda da indústria nacional abastecida por importações. Os principais fornecedores de

lúpulo ao Brasil são Alemanha e EUA com, respectivamente, 1.457 e 864 toneladas ex-

portadas ao Brasil em 2017. O Reino Unido ainda figura entre os maiores exportadores de

lúpulo ao Brasil com 162 toneladas exportadas em 2017.

Os primeiros postos do ranking de exportadores de lúpulo ao Brasil são invertidos

quando os valores financeiros das operações são levados em conta. Conforme demonstra

a figura 3, os EUA lideram a balança comercial do lúpulo com aproximadamente 19 mi-

lhões de dólares exportados ao Brasil, enquanto a Alemanha, em segundo posto, expor-

tou 15,7 milhões de dólares em 2017.

Tabela 2: Importações brasileiras de lúpulo de acordo com sua origem (em milhares de dólares americanos).

País/Ano 2015 2016 2017

Estados Unidos 18312,00 12426,79 18995,85

Alemanha 9284,12 11877,07 15700,48

Reino Unido 6092,15 7958,27 2830,36

Eslovênia 698,93 562,65 330,22

Austrália 143,54 95,35 281,05

República Tcheca 113,09 57,70 145,88

China 23,18 52,93 106,47

Nova Zelândia 24,24 0,00 19,71

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados COMEXSTAT/MDIC.

18

Importante perceber que o gráfico mostra bem as naturais oscilações na produção de lúpulo, devido a flutuações estacionais normais à demais cultivos agrícolas. Mesmo assim é possível observar a tendência de queda na área plantada e produção de lúpulo e aumento na produção de alfa-ácido 19

Podemos corroborar com essa tese a partir do depoimento de Fritz Schmucker, diretor executivo da Soci-edade para a Pesquisa do Lúpulo (GfH) da Alemanha. O desenvolvimento da espécie de lúpulo Herkules foi um estudo de anos para obter um melhoramento genético importante para o setor. Segundo Schmuker "Ela [a variedade de lúpulo] é resistente a doenças e tem uma produtividade superior a qualquer outra [...] Em 1975, obtinha-se cerca de 50 kg de ácido alfa de um hectare de lúpulo. Com a nova espécie Herkules, são 400 kg por hectare. Não há nenhuma planta cultivada comparável que tenha tido um aumento de produtivi-dade dessa ordem em tão pouco tempo". Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/l%C3%BApulo-o-ouro-verde-da-baviera/a-2720385. Acesso em: 28/08/2018

15

Tal relação entre o valor e quantidade do lúpulo exportado se deve ao tipo deste

produto, e consequentemente ao teor de alfa-ácidos do mesmo, pois enquanto os EUA

exportam extratos concentrados de lúpulo em maior quantidade ao Brasil, a Alemanha

exporta majoritariamente lúpulo em pellets20. Isto acaba impactando drasticamente o valor

e quantidade dos produtos exportados ao Brasil, enquanto pellets de lúpulo raramente

excedem 15% de conteúdo de alfa-ácidos, extratos podem conter até 70% desta molécu-

la. Extratos de lúpulo também são mais estáveis e se conservam melhor que o lúpulo em

pellets, tornando a escolha de melhor relação custo/benefício para as cervejarias.

Na figura 4 pode ser observada a relação descrita anteriormente, os EUA vêm se

consolidando como exportadores de extratos de lúpulo enquanto a Alemanha concentra

suas exportações em pellets.

Figura 2: Exportações em quilogramas de pellets e extrato de lúpulo ao Brasil oriundos da Alemanha (ALE) e Estados Unidos da América (EUA).

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados COMEXSTAT/MDIC.

Fenômeno semelhante vem sendo observado nas importações brasileiras de lúpulo

nos últimos 20 anos. A quantidade importada vem gradativamente caindo devido à mu-

dança do perfil dos produtos importados. À despeito da crescente produção cervejeira

nacional a quantidade importada de lúpulo pelo Brasil mantém-se estável. Tal fenômeno

20

Pellets são estruturas que agregam o pó das flores do lúpulo. Segundo a European Brewery Convention - EBC a produção de lúpulo deve seguir o Manual de boas práticas (ISBN3-418-00758-9) que descreve sua produção. As flores da planta de lúpulo são limpas, secas e trituradas. O pó é homogeneizado e pressiona-do nas máquinas peletizadoras, formando os pellets, os quais são resfriados e envasados sob atmosfera de gás inerte (N2 e CO2). Disponível em: http://www.hvg-germany.de/images/stories/pdf/zertifikate/MSDS-HVG-Pellets_en.pdf. Acesso em: 28/08/2018

0100000200000300000400000500000600000700000800000900000100000011000001200000130000014000001500000

2017201620152014P

elle

ts e

Ext

rato

s (k

g)

ALE Pellets EUA Extratos EUA Pellets ALE Extrato

16

pode ser explicado pela mudança no perfil dos produtos importados. A importação de ex-

tratos de lúpulo com alta concentração de alfa-ácidos (50-70%) permite que a quantidade

absoluta de lúpulo importado ao Brasil se mantenha inalterada mesmo com o constante

crescimento da produção cervejeira local.

Como pode ser observado na Figura 3a quantidade de lúpulo por hectolitro de cer-

veja vem caindo gradativamente no Brasil, à medida que cresce o valor gasto em lúpulo

por hectolitro de cerveja.

Figura 3: Comparativo entre a quantidade de lúpulo por Hectolitro de cerveja e preço do Kg de lúpulo em dólares americanos no Brasil.

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados COMEXSTAT/MDIC.

Tal variação observada na figura anterior pode, também, ser atribuída à elevação

na concentração de alfa-ácidos dos produtos importados, elevando consequentemente o

seu preço e reduzindo a quantidade necessária para a obtenção do mesmo resultado or-

ganoléptico na cerveja.

Na última década houve no Brasil uma alteração significativa do mercado local de

cervejas, com o crescimento do segmento artesanal constituído por cervejarias pequeno

porte que, em sua maioria, produzem cervejas características distintas do mercado mains-

tream. Em geral cervejas artesanais são entendidas como produtos que prezam pelo uso

intenso de matérias primas, entre elas o lúpulo. Desta forma o crescimento no número de

estabelecimentos artesanais, evidenciado na figura 4, poderia promover impactos no mer-

cado nacional de lúpulo, devido a este maior emprego de lúpulo por litro de cerveja pro-

movido por estes estabelecimentos.

0

5

10

15

20

25

0

0,005

0,01

0,015

0,02

0,025

0,03

0,035

19

97

19

98

19

99

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

20

15

20

16

20

17

US$

/kg

Kg/

HL

kg/hl US$/kg

17

Figura 4: Número total de cervejarias registradas no Brasil.

Fonte: Adaptado de MARCUSSO & MÜLLER, 2017

Porém não é possível identificar qualquer correlação ou impacto do aumento dos

estabelecimentos artesanais no mercado nacional de lúpulo. Isto se deve, provavelmente,

à diminuta parcela de produção de cerveja destes estabelecimentos frente ao mercado

nacional de cerveja que atualmente figura em 14 bilhões de litros anuais (BARTH-HASS,

2017).

6. CONCLUSÕES

O resgate histórico do lúpulo traz com mais clareza o porquê do cenário atual, além

de se mostrar um importante ponto dessa história para o Brasil, país de pouquíssimas

pesquisas sobre essa temática.

Como podemos notar o debate sobre o desenvolvimento territorial traz as bases

teóricas para verificarmos como a atividade do lúpulo pode ou não ser um vetor do de-

senvolvimento dos territórios por onde essa atividade é desenvolvida.

A produção de lúpulo no mundo teve grande crescimento até a década de 1990,

quando teve considerada queda. Porém essa diminuição, sobretudo na área plantada e

toneladas de lúpulo, não foi verificada, como o mesmo grau de importância, na produção

total de alfa-ácidos.

Esse fato se deve a maior proporção de alfa-ácidos em cada cone de lúpulo, resul-

tado obtida por meio do melhoramento genético realizado nas variedades destinadas a

0

100

200

300

400

500

600

700

800

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

18

somente conferir amargor, sendo este ainda, o uso responsável pelo maior consumo de

lúpulo no mundo.

Sobre a importação de lúpulo pelo Brasil, podemos concluir que a quantidade de

lúpulo importada não tem relação direta com o valor total das transações, já que a moda-

lidade de extrato de lúpulo tem valor agregado muito superior ao lúpulo em pellets, o que

explica os posicionamentos de EUA e Alemanha na balança comercial do lúpulo no país.

Nos últimos 20 anos houve uma redução no uso em peso de lúpulo na formulação

de cervejas no Brasil. Tal fenômeno é em parte explicado pelo aumento no teor de alfa-

ácidos dos produtos utilizados, mas pode também significar a redução no amargor das

cervejas produzidas localmente.

Até o momento o mercado nacional de lúpulo tem seu cenário definido pelo padrão

de consumo dos grandes grupos cervejeiros, tratando este produto quase que unicamente

como uma fonte de alfa-ácidos.

Apesar de crescer em escala expressiva e fazer intenso emprego de lúpulo, o

segmento artesanal do mercado cervejeiro nacional ainda tem consumo insignificante de

lúpulo perante a totalidade do mercado nacional.

Podemos concluir que a atividade de lúpulo, quando tiver uma integração forte com

a cadeia produtiva cervejeiro no Brasil, poderá ser um elemento de coesão territorial e

como o lúpulo não crescem em todos os lugares e climas, então sua produção pode ser

considerada como um recurso do território, podendo, junto do ambiente de industrializa-

ção da atividade, se configurar como uma especificidade do território.

Em termos de governança podemos ver a organização da atividade do lúpulo, so-

bretudo com a formação da APROLUPULO, como um passo importante na criação da

autonomia dos atores envolvidos, das empresas e uma configuração de regulação setorial

nascente.

Por fim, entendemos que as atividades do lúpulo no Brasil está se baseando em

uma ação coletiva intencional de caráter local, assim a criação de uma cultura em torno

do lúpulo, a organização dos atores envolvidos e a formação de arranjos institucionais em

torno dessa atividade fazem com que o lúpulo, no Brasil, possa se configurar como impor-

tante elemento de desenvolvimento territorial no brasil

19

7. REFERÊNCIAS

AYDALOT, P. Milieux Innovateurs en Europe. Paris: GREMI, 1986.

BARTH-HASS. The Barth Report.. Nuremberg: Joh.Barth & Sohn, vários números (1970-2017). Disponível: https://www.barthhaasgroup.com/images/mediacenter/downloads/. Di-versos acessos.

BENKO, G. A recomposição dos espaços. Interações: Revista Internacional de Desen-volvimento Local. v.1(2):7-12. março, 2001.

BENKO, G. & PECQUEUR, B. Os recursos de territórios e os territórios de recursos. Ge-osul, Florianópolis, v.16, n.32, p 31-50, jul./dez. 2001.

BENKO, G.; LIPIETZ, A. De la regulación de los espacios a los espacios de La regulación. In: BOYER, R., SAILLARD, Y. Teoría de la Regulación: estado de los conocimientos. Buenos Aires: Oficina de Publicaciones del CBC, 1997.

BOUTAIN, J. On the origin df Hops: Genetic variability, phylogenetic relationships, and Ecological Plasticity of Humulus (Cannabaceae). Doutorado em bontânica na University of Hawaii at Manoa, EUA, 2014.

BRASIL. Decreto nº 6.871, de 4 de junho de 2009. Regulamenta a Lei no 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas. Diário Oficial da União, Brasília, 04 jun. 2009.

BRIGGS, D. E. et al. Brewing: science and practice. 1st. ed. Cambridge, UK: Woodhead Publishing limited, 2004. v. 86

CERVBRASIL. Anuário 2016. p. 64, 2016.

CORNELL, M. Beer: The Story of the Pint. Reino Unido, Londres: Headline, 2004

COSTA, M. R. N. Mulheres Intelectuais na Idade Média: Hildegarda de Bingen – Entre a Medicina, a Filosofia e a Mística. Trans/Form/Ação, Marília, v. 35, 2012,p. 187-208. Dis-ponível em: http://www.scielo.br/pdf/trans/v35nspe/13.pdf. Acesso em: 22/08/2018.

DALLABRIDA, V. (org.) Governança territorial e desenvolvimento: descentralização político administrativa, estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento e capaci-dades estaduais. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.

EDWARDSON, J.R. Hops: Their Botany, History, Production and Utilization. Economic Botany, vol. 6 n°2, apr-jun., 1952, 160-175.

HILDEGARD VON BIGEN, Physica: The Complete English Translation of Her Classic Work on Health and Healing, Tradução: Priscilla Throop. EUA: Inner Traditions & Bear Company, 1998.

KUNZE, W. Technology Brewing & Malting. 4. ed. Berlin: VLB, 2010.

OPPENHEIMER, A. The relationship between European Community law and national law: the cases. Cambridge, New York, USA: Grotius Publications, Cambridge University Press, 1994.

PECQUEUR, B. O desenvolvimento territorial: uma nova abordagem dos processos de desenvolvimento para as economias do sul. Raízes, Campina Grande, v. 24, n. 01 e 02, p. 10–22, jan./dez. 2005.

20

PECQUER, B. & ZIMMERMANN, J-B. Fundamentos de uma Economia da Proximidade In: BENKO, G.; LIPIETZ, A. As Regiões Ganhadoras Distritos e Redes: Os Novos Pa-radigmas da Geografia Econômica, Oeiras: Celta, 1994. p.77-101.

PIRES, E. et.aliii. Governança territorial: conceitos, fatos e modalidades. Rio Claro: UNESP - IGCE: Programa de Pós-graduação em Geografia, 2011.

PIRES, E.L.S; MÜLLER, G.; VERDI, A. Instituições, Territórios e Desenvolvimento Local: Delineamento preliminar dos aspectos teóricos e morfológicos. Geografia – Associação de Geografia Teorética - Rio Claro, SP: v. 31, p. 437-454, set./dez. 2006.

PLINY THE ELDER. The Natural History. B.A. London. Taylor and Francis, Red Lion Court, Fleet Street. 1855.

SANTINHA, G. O princípio de coesão territorial enquanto novo paradigma de desenvolvi-mento na formulação de políticas públicas: (re) construindo idéias dominantes. Revista Eure. Espanha. 2014.

SANTOS, M. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. e SOUZA, M. A. (orgs.) Território – Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec/Anpur, 1994, pp. 15-20.

SANTOS, S. Os Primórdios da cerveja no Brasil. Cotia: Ateliê, 2004.

SLEMER, O. Os prazeres da cerveja. São Paulo: Makron Books, 1995.

STORPER, M.; HARRISON, B. Flexibilidade, Hierarquia e Desenvolvimento Regional: As mudanças de estrutura dos Sistemas Produtivos Industriais e seus novos modos de Go-vernança nos anos 90. In: BENKO, G. e LIPIETZ, A (org.), As Regiões Ganhadoras. Dis-tritos e Redes: Os novos paradigmas da Geografia Econômica. Oeiras: Celta Editora, p. 171-188, 1994.

VEIGA, J. E. da. A face territorial do desenvolvimento. Interações: revista internacional

de desenvolvimento local, Campo Grande, v. 3, n. 5, p. 5-19, 2002.

ESLINGER, H.; NARZISS, L. Ullmann's Encyclopedia of Industrial Chemistry. Wiley-

VCH Verlag GmbH & Co. KGaA, Weinheim, 2012.