a dureza da pétala

42
A dureza da pétala por Aldenilson Santos A flor, indiscutivelmente, tornou-se sinônimo de delicadeza, sensibilidade, afeto. Dar uma flor a uma mulher pode dizer muito. Pode deixá-la sensibilizada. Já para os homens, receber uma flor pode significar uma afronta. Afronta à masculinidade. Porém, tanto homens como mulheres recebem flores. Com lágrimas. São pétalas jogadas sobre corpos. Pétalas molhadas por lágrimas. Embora sinônimo de delicadeza, sensibilidade, elegância, a flor num enterro torna-se sinônimo de despedida. Eis ai o outro lado que está escondido atrás de cada pétala. O lado da dor. Do sofrimento de perda. Quando as pétalas que formam a flor caem sobre um corpo ou caixão é sinal que está na hora de dizer ADEUS!

Upload: phungthuan

Post on 10-Jan-2017

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A dureza da pétala

A dureza da pétala

por Aldenilson Santos

A flor, indiscutivelmente, tornou-se sinônimo de

delicadeza, sensibilidade, afeto.

Dar uma flor a uma mulher pode dizer muito. Pode

deixá-la sensibilizada.

Já para os homens, receber uma flor pode significar

uma afronta. Afronta à masculinidade.

Porém, tanto homens como mulheres recebem flores.

Com lágrimas. São pétalas jogadas sobre corpos. Pétalas

molhadas por lágrimas.

Embora sinônimo de delicadeza, sensibilidade,

elegância, a flor num enterro torna-se sinônimo de

despedida.

Eis ai o outro lado que está escondido atrás de cada

pétala. O lado da dor. Do sofrimento de perda.

Quando as pétalas que formam a flor caem sobre um

corpo ou caixão é sinal que está na hora de dizer ADEUS!

Page 2: A dureza da pétala

A leveza da pedra

por Aldenilson Santos

A leveza da pedra está justamente naquilo que ela

não parece ser. Ou seja, leve.

A pedra é a base para a construção. Com ela outras

ideias tomam forma.

Nas mãos de um especialista a pedra fica leve. Torna-

se joia.

É através do manejo com a rocha que aprendemos

que ela é mais leve do que imaginamos.

É preciso parar, pensar, dar forma, modelar a pedra

para assim ela ter seu valor. Sua leveza.

Um diamante é uma pedra, originalmente, mas toma

uma leveza ímpar quando modelado. Quando burilado.

A partir disso, um diamante nas mãos de uma dama

torna a pedra leve, sensível, sinônimo de elegância.

A leveza da pedra está no que ela pode ser. No que

ela pode vir a ser.

No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma

pedra no meio do caminho.

Page 3: A dureza da pétala

Uma outra carta

por Aldrey Iscaro

Gostaria de poder te ver de novo, de te dar um “oi”, de

te abraçar e de sentir teu cheiro. De poder ouvir de você:

“olá, querida, estava com saudades, que bom que você

está aqui agora!”.

Sinto sua falta, sinto falta dos muitos momentos que

vivi com você, sinto falta de, ao som de um bom samba,

batucar na sua perna, e você me olhar com aquela cara de

“você está fora do ritmo”, e eu te olhar com aquela cara de

“você é musico, é claro que eu não vou discutir com você”;

de rir junto com você ao te ouvir, todo debochado, dizendo:

“ah, a Viviane Araújo queria me dar um beijo mas eu achei

melhor não... eu cheguei perto e percebi que ela tinha

Page 4: A dureza da pétala

bafinho”; e de te ouvir falar: “tô livre sexta à noite, vamos

nos ver?”.

Mas sinto falta também das coisas que nunca tive, de

um anel prateado com uma pequena, leve e brilhante

pedrinha em cima e seu nome gravado na parte de dentro;

daquele enorme buque de rosas, que mal poderia segurar

de tão bonito, grande e pesado que ganharia de

aniversário; e de poder, à meia-noite, te dar feliz Natal.

Mas só os encontros e desencontros do destino

poderão me dizer se um dia, novamente, te darei um “oi”,

sentirei novamente teu cheiro, ouvirei de novo a tua voz e

responderei pra você: “também estava com saudades.”.

Page 5: A dureza da pétala

A leveza da pedra, o peso da pétala

por Antônio Augusto Veríssimo

Quando ouvimos, lemos ou nos lembramos da palavra

“pedra”, logo somos remetidos às ideias de dureza, peso,

rigidez e imobilidade. Mas, nas mãos de hábeis e criativos

arquitetos e escultores, materiais da natureza podem

assumir formas e significados que podem modificar de

maneira substancial nossas impressões acerca de suas

características. Citarei adiante os exemplos de três obras

de grandes artistas que nos propiciam, por meio de suas

realizações, sensações muito diversas das acima expostas.

Page 6: A dureza da pétala

A primeira delas é uma obra-prima da arte gótica

francesa,Sainte-Chapelle. Atribuída ao arquiteto Pierre de

Montreuil, a construção dessa capela começou em 1241,

tendo sido construída com o objetivo de tornar-se um

grande relicário para acomodar as relíquias colecionadas

pelo rei Luís IX. Nesta obra foram utilizados, à perfeição, os

recursos e técnicas desenvolvidas pela arquitetura gótica

francesa, o que resultou em uma estrutura extremamente

delgada e delicada, vazada por vitrais majestosos, que nos

transmite uma sensação de leveza e que nos faz abstrair a

noção de que sobre nossas cabeças está uma estrutura

feita totalmente em pedra, cujo peso, em parte, é

engenhosamente descarregado, através de arcobotantes,

para contrafortes que estão fora de nossa visão. Sainte-

Chapelle é uma obra-prima da arquitetura universal que

nos dá a noção da capacidade do ser humano de modificar,

por meio de arte e engenho, as impressões que temos

sobre os materiais da natureza.

A segunda é a escultura O Rapto de Proserpina

(1621/1622), de Gian Lorenzo Bernini. Esta obra, de

grande beleza e referências eróticas, não somente nos

transmite leveza, pela visível facilidade com que Plutão

mantém o corpo de Proserpina no ar, mas sobretudo revela

a maciez daquele voluptuoso corpo feminino, marcado em

Page 7: A dureza da pétala

sua carne pela pressão vigorosa exercida pelas mãos

daquele deus mitológico.

A terceira é Loie Fuller das la Danse Serpentine, uma

escultura de 1893 que retrata a dançarina nascida na

cidade de Chicago considerada a precursora da dança

moderna. Nesta obra, o autor nos faz abstrair a concretude,

rigidez e imobilidade do material que a constitui. O que

temos diante de nossos olhos é o movimento, a fluidez, o

esvoaçar das vestes dessa bailarina que foi criadora da

Dança Serpentina e que, por meio de um artifício

engenhoso, criou uma extensão de seus braços, ampliando

os limites espaciais e volumétricos dos seus movimentos,

tornando-se inspiração para pintores e escultores do

movimento Art Nouveau.

Já sobre a pétala, pensada individualmente, parece

impossível lhe atribuir qualquer noção de peso; mas

pensada como constituinte da rosa, já nos permite atribuir-

lhe valores simbólicos que, se não remetem diretamente à

uma noção de peso no sentido físico, traz consigo a

densidade das ideias de sagrado, de paixão e de segredo.

Page 8: A dureza da pétala

CAMI(pedra)NHO

por Autenir Carvalho de Rezende

Page 9: A dureza da pétala

Movimento e permanência (ou, A leveza da

pedra)

Por Daniela Motisuke

Estática, em seu momento constante, pesa

Dinâmica, em equilíbrio instável, flutua

O vento que sopra, porém,

faz cantar o constante

Page 10: A dureza da pétala

e nem cócegas faz no instável

Leveza versus peso, eita falsa dicotomia

da vida, da arquitetura, da academia

Da arquitetura da pedra,

como já disseram o mestre francês e o mestre paulista,

“É preciso fazer cantar o ponto de apoio”

como uma pétala (ou pluma)

Page 11: A dureza da pétala

Leveza da pedra

Por Diana Aguiar

Abandonei-te porque assim como Gregório de Matos

te senti “madrasta dos naturais”, dos teus por nascimento.

Durante muito tempo quis ficar, mas me curvei à sensação

irremediável de que as pedras de tuas construções e

paralelepípedos no Centro Histórico, na Ribeira, no Dois de

Julho, no Bonfim eram grilhões que me atavam ao chão,

me impediam de voar. Então te abandonei voando em uma

estrutura de metal que, por uma engenharia que me é

incompreensível fora do campo da magia, torna-se leve e

se mantém suspensa no ar.

Longe de ti estive em muitos portos onde pousam

essas naves. Por muitos anos, voltava esporadicamente e

saía de fininho, sem compreender os amigos que ficavam,

por escolha, nessa terra “tão dessemelhante”. Mas

permaneceste em mim. Residindo com a teimosia de

Oxum. E sem me dar conta me vi subir as ladeiras da

Colina Sagrada aos prantos de saudade em tua procissão

mais afamada. Redescobri em cada esquina um deleite,

acompanhada de e iluminada por Carybé, Verger, Caymmi

e Amado.

Descobri que em muitas de tuas construções a

argamassa é composta de cal extraído da queima de

Page 12: A dureza da pétala

sambaquis. Sambaquis consolidados em milhares de anos

de ocupação indígena por toda Paraguaçu – o nome

Tupinambá da Bahia de Todos os Santos – apropriados

pela ocupação portuguesa. Descobri que tuas pedras

catalisam encontros e desencontros, idas e vindas, de teus

filhos naturais, bastardos e estrangeiros e daqueles que,

como eu, me senti-sinto um pouco de cada coisa ao longo

de minha vida. Continuo estranhando tua insistência em

(re)colonizar minha alma. Mas ando lutando (muito) menos

para resistir aos caprichos que exalam das pétalas da

Roma Negra.

Page 13: A dureza da pétala

Nautimodelista e apaixonado por Vespas -

Luiz de Castro (1931- 2013)

Por Frederica Padilha

Muitos anos atrás Luiz de Castro costumava levar as

filhas pequenas para uma represa, onde soltava suas

miniaturas na água. Num barco a remo ia seguindo com as

meninas as embarcações de brinquedo. Luiz era um

nautimodelista há mais de quarenta anos.

Sua paixão pelas miniaturas começou, na verdade,

com os aviões. Um dia, porém, viu no Ibirapuera alguns

barquinhos e decidiu construí-los. Exímio artesão e muito

caprichoso, seus minúsculos veleiros, que depois

passaram a ser guiados por controle, tornaram-se famosos.

Se não era o campeão, era o vice nas regatas, como

conta a família. Ganhou prêmios e ajudou a criar a

Associação Paulista de Nautimodelismo.

Natural de Santo André, viveu parte da infância em

Minas, até se estabelecer em São Paulo. Foi bancário e,

depois de se casar com Marília, em 1957, trabalhou com o

sogro em uma fábrica de laticínios.

Fazia a entrega dos queijos na capital paulista. Após a

morte do sogro, chegou a ter sua própria fábrica e ainda foi

cobrador num frigorífico.

Page 14: A dureza da pétala

Em 1992, ficou viúvo e voltou a andar em Vespas,

pelas quais era apaixonado. Antes, fora obrigado pela

mulher, que achava perigoso, a vender sua moto. Há

poucos anos quebrou a perna em um acidente, mas não

desistiu.

Estava feliz por ter encontrado uma nova

companheira, a publicitária Élmice, e por ter superado um

câncer na bexiga. Era piadista e otimista.

Na quarta foi levar um rádio para um amigo em São

Bernardo consertar, quando um caminhão o atingiu em sua

Vespa na Anchieta. Morreu na hora, aos 81, deixando duas

filhas e três netos.

Page 15: A dureza da pétala

A âncora do pintor chinês Fang - Chien

Kong Fong (1931- 2012)

Por Frederica Padilha

O pai de Chien, um engenheiro que dirigia fábricas de

papel na China, gostava de rabiscar figuras marítimas. O

filho sentava ao seu lado para desenhar e era incentivado

na prática artística.

Um dia o menino encasquetou com uma forma

desconhecida e quis saber o que era. O pai lhe explicou:

“As âncoras têm muita personalidade. São modestas e

silenciosas. O fundo do mar é um mundo cruel e, diante de

qualquer ameaça da correnteza, elas não mudam de

posição".

Chien Kong Fong ficou conhecido pelo nome artístico

Fang. Nascido na China, por volta dos dez anos viu o pai

ficar doente, perder o movimento da mão direita e morrer.

Em 1951, mudou-se com a mãe e o irmão para o Brasil.

Em 1954, Fang começou a estudar pintura com o

japonês Yoshiya Takaoka. Desde os quatorze anos já fazia

aquarelas e sumi-ê, pintura milenar chinesa trabalhada com

nanquim.

Começou a expor a partir de 1957 e a ganhar prêmios

em salões de arte. Quase não retratou figuras humanas.

Page 16: A dureza da pétala

Tinha paixão pelo “irregular, livre e assimétrico”,

características presentes nas pinturas que fazia de

casarios, plantas, paisagens e natureza morta.

Em 1972, foi convidado a dar aulas na Faculdade de

Belas-Artes de São Paulo. Quatro anos depois, expôs no

Masp.

Também mostrou sua arte em Brasília, Rio, Chicago,

Nova York e Tóquio. Assinava com uma âncora para

simbolizar que não desviara de seu rumo.

Praticava tai chi chuan todos os dias, como conta a

mulher Akiko. Passou por uma cirurgia cardíaca, mas não

resistiu a um infarto e morreu na quinta, aos 81. Teve três

filhos.

Page 17: A dureza da pétala

Leveza da pedra e dureza da pena

por Gilberto Schittini

A leveza da pedra e a dureza da pena,

são contingenciais, relacionais,

histórica e geograficamente determinadas

No espaço, a pedra flutua

Uma erupção lança a pedra como se não fosse nada

Numa lagoa a pedra pode quicar três vezes antes de

afundar

Sobre a dureza da pena

É bom perguntar para quem já tentou depenar um pato...

Melhor ainda, pergunte para o pato!

Page 18: A dureza da pétala

Pétala: a mulher Nua

Por Isis do Mar

Muitos conhecem o conto do Fernando Sabino, “O

homem nu”. Mas poucos conhecem a nudez das ruas e dos

becos de uma cidade, quiçá de uma cidade com tempos e

espaços distintos coexistentemente. A nudez da vida, para

Agamben, por exemplo, é uma vida nua que jamais se

despe e é obrigada a se vestir, maquiar-se e se mascarar

num cotidiano hegemônico.

Outra nudez, que representa a vestimenta da vida

nua, é a cidade e seu olhar para suas gentes. E, como

olhar aquilo que nunca é visto, narro agora meu olhar

diante do outro e de mim mesma, em um tempo e um

espaço distinto e múltiplo.

Hoje vi uma mulher nua. Completamente nua.

Sentada na calçada, tensa, envergonhada com sua nudez,

tentando dormir, mas percebendo os olhares destemidos e

desconfiados dos outros. Mulher nua que se despe ainda

mais na crueza da rua e no olhar atacado, mas

paradoxalmente o olhar de ausência das pessoas. O tempo

é curto, o espaço vai embora, a mulher passa... Mas será

que não fica em ninguém a angústia de ter passado por

essa nudez? Ninguém se move ao perceber que uma

mulher está nua, que sua vida está descoberta em todas as

Page 19: A dureza da pétala

feições e todas as situações? A mulher nua se despe

ainda mais, na cidade que se propõe igual, mas deixa, à

margem da calçada, a nudez de uma pessoa que vive e

que morre, em um mesmo tempo, em um mesmo espaço.

Hoje vi uma mulher vestida. Vestida de contradições e

de vergonhas por gente que sente vergonha de ver uma

mulher nua. Gente que, mesmo se sentindo aflito com a

desigualdade e com as máscaras da vestimenta que se

impõe sobre a nudez, passa rapidamente pela cidade, e

alimenta mais e mais esse mundo que jamais existiu e que

sempre foi assim. Uma vida tirana de uma mulher que

veste as roupas e as fardas de um mundo que não é seu,

mas também não é de ninguém. Essa mulher se

encontrava à margem da calçada, vestida de recolhimentos

e angústias, vestindo-se com as mãos no rosto, triste,

pensativa, sem contemplações, porque não há nada o que

contemplar neste mundo, não há nada a contemplar nesta

calçada, a não serem os olhares rápidos e imprecisos

sobre todos nós, que passamos rapidamente sobre o

conflito, e tentamos, sem conseguir, ignorar o tempo e o

espaço.

Hoje vi pessoas nuas, pelo menos por um segundo, a

observar mesmo que de lado a mulher nua, mesmo que por

um segundo cruzarem os olhares, e mil sentimentos

entrarem em conflitos e incursões sobre o que é vida, o que

Page 20: A dureza da pétala

é a nudez, o que é esta mulher... Mas, não sejamos

inocentes quanto aos nossos sentimentos. Passam coisas

boas e ruins, seja lá o que for bom ou ruim na vida nua, na

nudez, na nossa nudez.

Hoje vi um dia nu, tentando se vestir com roupas que

sempre e nunca serão suas.

Page 21: A dureza da pétala

Pedra: voz é sopro em pé

Por Isis do Mar

Na lenda da Ceiuci, dos índios Tuxauas, concentrados

em sua maioria no interior do Amazonas e Pará, o mundo e

o universo foi feito por tucandeiras. Tucandeiras são

formigas, uma espécie comum pela Amazônia, que possui

um ferrão e uma picada extremamente dolorosa, dizem que

mortal, dependendo da quantidade de picadas. O pai de

todos virou tucandeira. Ceiuci, a mãe de todas, virou cobra.

Mas os dois ensinam para todo o universo que voz é sopro

em pé.

Não à toa que sopramos e construímos, também, o

universo. Esse universo genérico, que não cabe na gente,

mas também nosso universo íntimo, peculiar, que cabe

menos ainda. Não à toa que fazemos nossas moradas a

partir deste universo desconhecido, para tentar conciliar

sua ajuda, que é a vida, nesse desenrolar doido que

fazemos da nossa trajetória, da nossa travessia. A voz é

um pouco esse tom vazio que é o sopro, entoado pela

gente (e quando falo gente, o tom da voz é de cada um, e

todo mundo sabe disso).

Por isso, é inalienável e intransferível nosso desejo de

resistir, seja na permanência de estar nesse mundo, seja

Page 22: A dureza da pétala

na produção de nossos próprios espaços, campos de ação,

de nossas escolhas.

Dia 22 de março, ao chegar à Aldeia Maracanã, e ver

os pertences de quem ali escolheu para habitar e para viver

sendo jogados à sorte de um caminhão de despacho,

desnudado de seus próprios construtores, fiquei pensando

nas escolhas dos outros para a gente. Mais ainda, fiquei

pensando nas escolhas que os outros fazem para a gente,

sem nenhum critério de sensibilidade e prazer, de afeto e

solidariedade. E como é fácil fazer escolhas para os outros

nos dias de hoje! E, ao contrário, como é duro e difícil, nos

dias de hoje, encarar nossas próprias escolhas e

considerá-las nossas, sem vergonha de viver e de soprar,

sem vergonha de entoar.

Ouvi no decorrer do dia e das reportagens (que

definiram as escolhas como se elas fossem as escolhas

erradas! Quem somos nós para definir que as escolhas dos

outros são erradas ou não?) alegarem que os índios nem

do Rio de Janeiro eram, que precisavam retornar ao seu

lugar de origem se quisessem lutar por algum pedaço de

terra. Concomitante a essas falas, em uma das reportagens

divulgadas na televisão, os índios em um abrigo andando

em direção a um terreno gramado por um mato verde claro.

A câmera fez um efeito que tendia a mostrar a nostalgia e

Page 23: A dureza da pétala

um retorno idílico e bucólico. Pensei: Por onde tudo isso

começou?

Aquele caminhão de mudança, mais cedo, ainda na

Aldeia Maracanã, me fez sentir a dor dos índios que lá

habitavam, mas também a dor de um morador na favela da

cidade do Rio de Janeiro que tem sua casa destruída por

algum órgão público, que é ameaçado veladamente e que

precisa entender o incompreensível: ele não faz parte

dessa cidade. Mas como? Ele se sente parte, ele produz

essa cidade e se produz em conjunto. Qual a razão e o

sentido dos outros escolherem que ele não é?

Abraçar o mundo com a voz. O grito seria o sopro

engasgado?

Após décadas de consolidação de uma política que

acentua as desigualdades espaciais, ao mesmo tempo em

que fantasia uma “cidade maravilhosa”, a relação e o

discurso do invasor, o problema que leva ao inchaço

urbano permanece como justificativa de atenuação de um

planejamento tendencioso e vinculado à máquina

capitalista.

Se a estrutura urbana precária tem como resposta

superficial a chegada do migrante, do escravo, do índio, a

resistência pela resistência permanece nas projeções de

subjetividade, de significante de uma ideia, na construção

de uma identidade imposta como o temporário, o pobre, o

Page 24: A dureza da pétala

não cidadão. Movimenta o discurso alheio do sujeito que

não é nem cidadão, nem parte da cidade. Da mesma

maneira o discurso de que suas pernas não são suas, nem

suas escolhas. Quem somos nós – os outros – para

dizermos quais são as nossas escolhas, e quais são as

nossas pernas?

Finalizo com a voz embargada, ao lembrar, em um

preciso momento, na Aldeia Maracanã, alguns índios

sentados, cantando forte e tenso, um cântico. Em meio ao

sol e ao calor que fazia, surge uma nuvem e começa a

chover exatamente onde nos encontrávamos. O choro, o

lamento, o silêncio, a espera da dor. Porque a dor dos

índios da Aldeia Maracanã é também a dor de quem não

pode saborear suas escolhas, nem defini-las como voz,

como sopro no universo, no nosso, no dos outros, nele

inteiro.

Page 25: A dureza da pétala

Sobre a leveza da pedra...

Por Josarlete Magalhães Soares

Epílogo

Pensando sobre a leveza e a dureza de objetos, a

princípio, inversamente duros e leves, fui levada

instintivamente para a dialética da vida e da morte. Acabei

escrevendo sobre a leveza da vida (que nem sempre é

leve) e a dureza da morte (que nem sempre deveria ser

dura)... No entanto, como pode ser percebido nos textos,

não pude falar da vida sem falar da morte e falar da morte

sem falar da vida. Sei lá, talvez tudo seja apenas uma

questão de ponto de vista...

Pensei sobre quão leve é o longo ciclo de

transformação da pedra na

natureza.

Afagada pelo vento – ar

– ou pela chuva – água –, a

pedra lentamente vai

retomando a mobilidade da

qual havia descansado por

algum tempo. E assim ela

encontra, num reencontro, a terra, os rios, retorna à

constituição dos seres vivos.

Page 26: A dureza da pétala

De início, quem sabe um alecrim, assa-peixe, flor-de-

maracujá, pé de manga, uma manga...

O verão se aproximando, o aroma se tornando cada

vez mais intenso e, num estupor de sabor, a pedra

devorada...

Por um sagui, talvez um pássaro, algumas centenas

de formigas doceiras, um menino banguela que, superando

a adversidade da idade, torna a pedra o seu próprio ser,

sua carne, seus ossos.

Hoje menino, amanhã homem. Talvez será feliz, talvez

amará, possivelmente comerá mais mangas e pedras...

E o menino, um dia, breve, devolverá à terra a

substância de que é feito, inclusive a própria pedra, que

talvez descanse por algum tempo ou, não se sentindo

cansada, se entregue a uma nova aventura de viver.

Page 27: A dureza da pétala

Sobre a dureza da pétala...

por Josarlete Magalhães Soares

Pensei sobre o material do qual se constituem as

pétalas, em sua função na natureza e sobre as mesmas

forças naturais que agem sobre elas, implacáveis, não

deixando alternativa em sua curta existência enquanto flor.

Pensei na semente encoberta pela terra, violada pela água

da chuva e pelo calor do sol, que rompe a superfície à

procura de luz, fugindo, assim, da morte prematura.

E nesse ímpeto pela vida, a planta entranha suas

raízes pelo solo e se agarra ao chão, ao mesmo tempo em

que o caule se alonga, ainda perseguindo luz, e as folhas

se abrem, mais luz.

A voracidade pela sobrevivência continua. Surge um

broto, um botão, que voluptuosamente se desabrocha em

flor.

As formas, o perfume, o colorido das pétalas a

alcovitar maliciosamente os insetos e beija-flores, usando e

manipulando a mobilidade desses seres em prol da ânsia

reprodutiva dos vegetais.

Page 28: A dureza da pétala

E tentando assim

escapar da morte, as

pétalas se entregam ao

máximo de sua vida,

para logo então deixá-

la...

Função cumprida

ou não cumprida, a

juventude da flor não pode ser sustentada por mais tempo.

Eis que seca, definha, cai sobre a mesma terra que um dia

foi seu berço e agora se converteu em seu túmulo.

Page 29: A dureza da pétala

A leveza da pedra e a dureza da pétala

por Julianna Malerba

O signo representa o presente em sua ausência, o

substitui. Jaques Derrida

Além do berçário, não consigo pensar em lugar mais

demasiadamente humano: a radicalidade da vida tornada

espacialidade. Pois essa seria a ocasião e o lugar ideal

para me permitir sentir – é o sentir, não o pensar que

humaniza nossa presença no mundo – mas, simplesmente

não consigo: aqui é a racionalidade que orienta meu olhar.

Meu autoperdão: talvez não consiga sentir por rejeitar

profundamente esse lugar. E ele é verdadeiramente

abominável! Pode-se descrevê-lo em sua abundância de

símbolos: tudo aqui indica, significa, simboliza. É um

pleonasmo hiperbólico de semiose exagerada que torna

insuportável o que já é, por si só, insuperável.

Olho à minha volta e me enojo: os espaços vazios, as

imagens sagradas, a crueza das lápides, a monotonia das

cruzes... Fecho os olhos em busca de auxílio, mas esse

profundo silêncio pacífico me atormenta; minha pele é

então golpeada por um vento frio, que parece vir de alguma

tumba deixada aberta; na boca, o abominável gosto de

cinzas... Nauseante. Mas definitivamente não há nada pior

Page 30: A dureza da pétala

que o cheiro desse lugar. Temo que nunca mais poderei ter

com flores. É começo de novembro, não poderia ser pior...

Sabemos que, entre os órgãos dos sentidos, nenhum é de

correspondência mais instantânea que o olfato. Por

sinestesia, terei meus sentidos paralisados toda vez que

me deparar com esse perfume: outrora apreciado, será, a

partir de agora, por mim, eternamente execrado.

Por isso, Miguel, perdoe-me, preciso fugir

imediatamente daqui... Mas não, não entenda como

vingança, devolução do abandono que involuntariamente

você me impôs. É que, para mim, você sempre significou

vida e vida em abundância e nada, absolutamente nada

daqui o representa.

Vou te encontrar então onde primeiro seu olhar cruzou

o meu: aquele nosso lugar da cidade onde uma praia

termina só pra que a outra comece, onde céu mar e terra

se confundem, onde o pôr do sol é aplaudido por aqueles

que conseguem saber que milagres podem, sim, ser

diários. Lá todos meus sentidos poderão, em sinestesia

positiva, encontrar você. Inclusive o sexto, que ainda agora

pode te cheirar, te tocar, te ouvir, te ver e te gostar...

Aquela pedra, lá no alto do Arpoador, será nosso para

sempre santuário: o lugar onde irracionalmente você

persiste e eu sensivelmente já não mais existo: justamente

Page 31: A dureza da pétala

para continuar sermos o que sempre fomos: nem eu, nem

você: nós.

Page 32: A dureza da pétala

Manguinhos e a leveza das noites pesadas

por Leonardo Brasil Bueno

Panorâmica

Tela: Oficina Portinari

Rio Faria Timbó

Tela: Oficina Portinari

Page 33: A dureza da pétala

Barbearia no Trailer

Tela: Oficina Portinari

– Isso foi tiro, né, Pretinha?

– Foi, mas está longe...

– Porra, vem pra cá, aumentou e agora tá mais perto,

parece troca com armas diferentes... acho melhor você sair

do quarto com janela e vir pra cá.

– Tô indo, já vou levantar da cama... caramba, que sono.

– Iiih, Leo, já sei que você vai demorar a dormir hoje...

Noite pesada e sono leve na favela. Levanto cansado

e preocupado, ligações telefônicas e mensagens virtuais.

Helicópteros voam baixo, as rajadas assustam. Aquele som

dos tiros parece se afastar, mas continua a preocupar. A

leveza das balas desconhece os limites da distância,

enquanto o peso das fardas e dos cordões brilhantes é

plenamente conhecido por quem aqui vive.

Page 34: A dureza da pétala

Qual o grau de precisão de uma guerra não

convencional na favela? Quanto de “projeto bem definido e

calculado” contém essa obra trágica imposta a

trabalhadores e trabalhadoras da cidade?

Nesse momento surgem várias imagens precisas na

cabeça. Parece incrivelmente nítida a imagem do pequeno

Diego andando pela rua, vestido pela surrada camisa do

Vasco, descalço, poucos dentes na boca, atrás de alguém

pra brincar na praça deserta ou no outro beco.

Por um instante, o pensamento também descreve a

família da corajosa Fernanda que tem muitos filhos, casa

pequena, olhar incisivo e pouco tempo para sorrir. A

memória também olha para seu caçula Carlos. Cabelos

longos, sorriso e choro fácil, sempre dois dedos em “v” na

pose de todas as fotos, além de uma receosa e contida

maneira de falar. Também aparecem as lágrimas correndo

sem parar ao ouvir a mãe falar da memória do irmão,

assassinado de forma brutal por policiais da UPP.

Lembro-me de Ana, cunhada de Fernanda. Expressiva

e bastante alta, andando com a pequenina Victória, mãos

dadas e mochila da filha de saúde frágil no ombro. Fala

bastante porque tem coragem, e tem coragem porque fala

bastante. Naquele momento pelo telefone, porém, a fala é

rápida, em baixo volume e precisa: “Leo, muito tiro e

Page 35: A dureza da pétala

bomba aqui, e tem uns caras de preto passando direto aqui

no beco da minha casa”.

Essas imagens e palavras insistem em residir na

minha memória. Aparecem com frequência nesses

momentos de noites pesadas, banalizadas. São acionadas

pela preocupação e por um desejo de leveza. É possível?

Por que há tanta leveza nas imagens que invadem o

pensamento em tão pesado momento? Não há resposta

segura. A noite vaga assusta, pois exige preocupação e

desespero que se somam a imaginação e a beleza das

quais nenhum trabalhador, jovem ou velho militante, deve

se desprender.

Chuva fina, manhã do dia seguinte. Um grito

estridente de criança: “Leooo!”. Um pulo repentino no colo,

um largo sorriso seguido de abraço carinhoso. Pergunto à

afetuosa Mari enquanto a seguro:

– Você comeu chumbo ou cresceu enquanto sonhava de

noite?

Page 36: A dureza da pétala

PÉTALA. PESA em PEDRA. LEVE

Por Letícia Castilhos Coelho

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o

ódio.

Carlos Drummond de Andrade

Eis que me chega uma provocação:

expressar em escrita “o peso da pétala e a leveza da

pedra”.

Pergunto-me:

O que dizer do peso da pétala?

O que dizer da leveza da pedra?

Num primeiro instante, entre ideias bobas e certo

incômodo, dada a dificuldade de imaginar uma escrita

sobre tal assunto, decido não prosseguir... No entanto, a

perturbação não cessa e insistentes imagens perseguem

meus pensamentos. Constato e aceito o desafio.

Page 37: A dureza da pétala

O provocatório havia cumprido seu dever e, nesse ponto,

eu já não conseguia me manter isenta e deter os impulsos

indisciplinados que caracterizam o processo criativo.

Convencida, me entrego, me abismo e esboço,

timidamente, as palavras-imagem que me habitam e

povoam a imaginação.

Lembro-me do poeta, e me inclino a concordar que “uma

pedra é uma pedra é uma pedra” e “uma pétala é uma

pétala é uma pétala”.

Mas, e o peso e a leveza?

Soam como “rótulos” que se grudam às coisas e,

instantaneamente, atribuem qualidades, provocam

sensações, despertam memórias. Memórias...

Sob a guarda de Mnemosine, mãe das musas, sou

invadida por lembranças e rememorações de outros

tempos-espaços.

No fio que trama pedras e pétalas e pesos e levezas, me

trans[porto] para um outro Porto, nem distante, nem perto,

nem rio, nem mar, nem triste, porém, dito Alegre.

Por suas ruas e primaveras, a estação mais bela naquele

porto, me lembro caminhante, a errar pela cidade que,

outrora concreta como pedra do cotidiano, surge efêmera e

leve como imagem do pensamento.

Page 38: A dureza da pétala

Imagens nem nítidas, nem esvanecidas, imagens moventes

em que a pedra se faz rua ou calçada ou portuguesa ou

granito e a pétala se faz vento ou tapete ou cor ou textura.

Nessa mistura, o paradoxo se instaura entre a “pétala-leve:

pedra-pesa” e a “pétala-pesa: pedra-leve”.

E da pedra (às vezes pesada) surge a leveza do mosaico

esculpido pela mão humana. Torna-se caminho. Oferece-

se ao movimento caminhante, no qual fluxos, pensamentos

e olhares se desdobram em intensidades leves (e também

pesadas).

E da pétala (às vezes leve) surge no chão um tapete

colorido e denso, porque mesmo leve tem peso e

gravidade. Torna-se caminho. Oferece-se aos pés

caminhantes, no qual corpo, tatos e contatos se desdobram

em intensidade pesadas (e também leves).

Page 39: A dureza da pétala

945 PAVUNA- ANCHIETA

Por Natalia Urbina

Dedicado aos moradores da Maré, Acari, Jorge Turco,

Fogo Cruzado, Morro da Pedreira e Fim do Mundo. Zona

Norte - Rio de Janeiro

8/10/2014

Rota Fundão- Coelho Netto

Ônibus 945

Eis aqui no 945 Pavuna-Anchieta, saí cedo da aula

pra pegar meu filho na Escola, Escola nova para ele:

"Paula Fonseca", escola municipal situada na Praça

Zuinara, no morro do Jorge Turco. Um lindo lugar, que de

vez em quanto se vê interrompido, invadido por tiros que

obrigam as crianças a ter boas pernas, entre subir pra

estudar e se agachar para sobreviver (falando de pétalas,

pedras e balas).

Page 40: A dureza da pétala

Sim, minha pétala de rosa, meu filho maior tem sete

anos, é lindo, pequeno e macio, é uma flor, arrebento dos

meus sonhos e esperanças. A vizinhança conta que nessa

escola, o ensino é "melhor" (chame- se melhor a uma

professora que grita nos estudantes, que desliga a luz para

os estudantes ficarem quietos e que usa o medo e o

estigma verbal para ter alunos bem disciplinados, sem

contar os golpes na mesa) – falando sobre a dureza da

pedra e as pétalas da rosa e a educação pública das

nossas crianças.

Hoje eu estou conhecendo esta linha de ônibus,

antigamente eu pegava uma integração que custava R$

4,50 e hoje nessa mesma integração teria que pagar R$

6,50, ou seja, estou procurando alternativas. Na dureza de

um assento sem banco e uma janela pichada, o sol marca

meus braços que cortam o vento que flui, livre e fresco

embaixo do sol. É um ônibus bem bonito, muito colorido, na

dureza do tal 945 tem várias flores, nelas me incluo, a

mulher de vestido curto amarelo, a senhora dos brincos

dourados e eu, tentando escrever, várias flores que

ornamentam o contexto duro, como uma pedra. Aí que eu

penso: as flores mais lindas são aquelas resistentes,

falando das flores que crescem entre as pedras.

Poesia acadêmica, realista ou favelada?

Ao mais puro estilo de Gullar.

Page 41: A dureza da pétala

Se eu tivesse pegado a integração, aquele ônibus frio

e caro, eu estaria num contexto mais "macio", ar-

condicionado, janelas fechadas, cores cinzas, pardos,

pretos e brancos, não tem sol que esquente porque o ar

congela, até os pensamentos que poderiam –

eventualmente – dar um pouco de calor. Nesse ônibus que

é feito para flores, todo delicado, a dureza da pedra se

sente quando os estudantes não têm o rosto da vida, e

guardam as cores do frio, dentro de si, uma cor de pedra.

Há algumas semanas, subiu um rapaz nessa

integração, em frente dos tanques do exercito e gritou bem

forte: Perdeu, perdeu, universitário, agora você que

perdeu!!!! Os passageiros perderam tudo.

Quando o rapaz chegou até mim, e nos vimos frente a

frente, nos reconhecemos sim, nos lembramos da oficina,

da passeata, das crianças, do baseado, aí, justo aí, o

ônibus parou, e ele desceu correndo, só falou assim: toma

cuidado que mais na frente uns revoltados vão jogar

pedras. Agradeci por ter salvo os brincos de flor, herança

da minha avó.

Por tanto concluí que a melhor decisão é voltar para

casa de 945.

Um ônibus feito para pedras e enfeitado por varias

flores.

Vixi, cai na conta.

Page 42: A dureza da pétala

Na dureza do cotidiano.

Surgiu uma poesia.