a direita perdida

2
brasil de 7 a 13 de abril de 2011 4 Vinicius Mansur de Brasília (DF) COMO CONSEQUÊNCIA dos pouco mais de oito anos longe do governo fe- deral e, especialmente, da última derro- ta eleitoral, as forças que compuseram a candidatura de José Serra (PSDB) nas eleições à Presidência do ano passado parecem atingir, neste começo de gover- no Dilma Rousseff, o estágio mais pro- fundo de sua crise “existencial”. O PSDB — cuja divisão interna entre serristas e aecistas segue insolúvel — es- tuda a fusão com DEM e PPS como saída para a sobrevivência. Palavras do ex-se- nador tucano Tasso Jereissati. O DEM — que já elegeu 105 deputados federais e 14 senadores em 1998 e, agora, tem 44 e 2, respectivamente — dissolveu seu diretório regional de São Paulo, co- mo retaliação às articulações do prefeito da cidade, Gilberto Kassab, que leva ou- tros democratas e opositores do governo federal — descontentes com a oposição — para a fundação do “coringa” Partido So- cial Democrático (PSD). No Congresso Nacional, a oposição de direita dividiu-se ao enfrentar o governo na votação do salário mínimo, a mais im- portante até então. Nas demais pautas, a postura da oposição, via de regra, segue em baixo perfil. Na mídia, alguns veícu- los que aberta ou veladamente apoiaram Serra, dizendo que Dilma Roussef era “uma invenção do Lula”, “política inex- periente” ou “terrorista” agora a tratam como “uma mulher de estilo próprio”, “gestora competente” e “defensora dos direitos humanos”. Afinal, o que aconte- ce com essa oposição? A hegemonia do centro Para o professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto, a atual crise dos setores que en- camparam a candidatura Serra começa com a continuidade dada pelo governo Lula ao grosso das políticas do governo Fernando Henrique Cardoso. “Diante de um aprofundamento das políticas anteriores, a grande dificulda- de da oposição de fazer crítica ao gover- no é que ela o via como um filho abdica- do seu. Se você não tem políticas alterna- tivas, como você vai apresentar discurso alternativo?”, questiona. O sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) Chico de Oliveira explica que o Brasil passou por um grande pro- cesso de convergência para o centro, sen- do o PT a força mais importante desse movimento, liderado por José Dirceu e conduzido por Lula. “Não à toa, sem ne- nhum oportunismo, o ex-vice-presiden- te José de Alencar ganhou muito desta- que. Não que ele tivesse muita força polí- tica, mas ele simbolizou essa conversão”, aponta. Com essa transição do partido que es- tava mais à esquerda, a oposição perdeu o discurso. Entretanto, Oliveira ressalta que tal convergência para o centro não é mera decisão partidária, mas “um movi- mento em geral da sociedade: as pesso- as estão com posições mais de centro, há certa euforia econômica e nenhuma pro- posta radical tem muita viabilidade so- bre essa base social”. Por isso, o profes- sor considera que “não existe oposição no Brasil, assim como não existe posi- ção”. “Note que as oposições, não só o PSDB, têm muita dificuldade. Se a gente mudar de nível, do federal para o estadual, o que é que o PT tem a dizer sobre São Paulo? Nada. São Paulo está sobre controle tu- cano há 16 anos e o PT não tem nada a dizer. Isso não significa que as diferenças de desigualdades sociais estão diminuin- do, isso é ilusório. O que há é uma certa homogeneização, que retirou a percep- ção das desigualdades sociais como uma coisa que dividia a sociedade.” Dissociação do Lula Aprisionada no espectro centrista, a disputa política feita pela oposição de di- reita é rebaixada às diferenças de estilo e postura, apelando-se, muitas vezes, co- mo se viu durante o governo Lula, para o preconceito. Na opinião do professor Cláudio Cou- to, os elogios de setores da mídia a Dilma são a continuidade dessa oposição pre- conceituosa ao Lula, agora com o intuito de criar um contraste entre os dois. “A fi- gura do ex-presidente era muito questio- nada por seu estilo e origem social, por ser muito distinto do que é típico na po- lítica brasileira. Dilma vem de classe mé- dia, filha de imigrante, com universi- dade, com perfil muito mais tecnocráti- co do que de liderança política com iden- tificação popular. O que acaba agradan- do setores da mídia, da classe média e até mesmo da oposição. É uma atração pela semelhança. E a herança positiva de ima- gem e transferência de carisma que pode ser colocado para o governo Dilma inco- moda muito a oposição”, afirma. Enquadramento Francisco Fonseca, também professor da FGV, vê uma outra explicação para es- se apoio inicial da mídia: a tática de en- quadrar o governo. “A ideia é a de que se perdeu a batalha da eleição, mas a guerra da formulação da agenda continua. Este é um governo de continuidade, mas com ajustes, como a posição contra a violação dos direitos humanos no Irã. E eles di- zem ‘olha, essa é uma medida positiva, esse é o caminho’, colocando limites na agenda. Daqui a pouco, vão cobrar medi- das contra Venezuela, Bolívia, Mercosul, dizer para não mexer na mídia, no capi- tal financeiro etc.”, aponta. No que diz respeito à organização par- tidária, Fonseca crê que, de fato, um re- arranjo das forças de oposição está próxi- mo, uma vez que elas estão cientes da sis- temática perda de votos e da iminência de um quarto mandato da base Lula, seja com ele próprio, seja com Dilma. “A oposição atual é muito revanchista e elitista. O exemplo mais simbólico dis- so foi o PSDB, no programa eleitoral, fa- zer uma favela dentro do estúdio. Asso- ciaram-se com o que há de mais reacio- nário no Brasil. O DEM tentou mudar o discurso, mas é o velho partido da oligar- quia. O PPS tem um discurso udenista, moralista. O Brasil já é um país comple- xo, com comportamentos diversos, esté- tica cultural diversa, eles vão ter que mu- dar”, opina. Segundo Fonseca, as principais alte- rações devem ser a fusão de DEM, PS- DB e PPS, uma provável modificação nos quadros de partidos menores, como PP e PTB, além do já anunciado PSD, de Gil- berto Kassab. de Brasília (DF) O que esperar do PSD, partido cria- do pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, até então no DEM? Resultado de uma nova leitura da direita brasilei- ra para fazer oposição? Ou de uma relei- tura crítica que o colocará na base alia- da do governo Dilma? Ou apenas mais uma sigla fisiológica para disputar car- gos no Estado? Dada a diversidade de declarações fei- tas por Kassab, todas essas possibilida- des são plausíveis. Em uma entrevista à rádio Estadão, Kassab disse que a legen- da “não será de direita, não será de es- querda, nem de centro”. Ilustração fiel da sentença do sociólogo Chico de Oli- veira: “não existe oposição no Brasil, as- sim como não existe posição”. Para o professor, o surgimento do PSD é simplesmente a confirmação da “convergência ao centro” e “do uso do mandato para fazer fisiologia”. “Ele [o PSD] não é nada. Dizer que não é nem de direita nem de esquerda nem de cen- tro reflete isso. Não sabem o que fazer, a não ser uma coisa: quem tem man- dato, negocia. Então, o Kassab quer ter um mandato sui generis para poder ne- gociar cargos, prebendas e até uma po- sição dentro do jogo político”. Base aliada O professor Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apon- ta que o PSD pode até nascer com uma propaganda de direita, mas não nas- ce como oposição. “É uma direita que adere a qualquer governo, um parti- do conservador que faz qualquer negó- cio”, avalia. Na prática, explica Fonseca, o parti- do do Kassab vai ser base do governo, só atuando como uma força de veto, ali dentro, quando questões mais fun- damentais de seus interesses estive- rem realmente sob ameaça. Entretan- to, tanto Francisco Fonseca como Chi- co de Oliveira não acreditam no boato de que a fusão de PSD e PSB, num futu- ro próximo, já está acertada. “Isso é um blefe que ele mesmo [Kassab] inventou com a anuência de alguns para conven- cer outros parlamentares. E ver se al- guém topa entrar no barco dele. O PSB, se fizer isso, dá um tiro no pé”, senten- cia Oliveira. Abandonando o barco Para Francisco Fonseca, Kassab criou o PSD para se dissociar de figuras co- mo Agripino Maia, César Maia e Antô- nio Carlos Magalhães e por saber que o DEM “faz água”. “O DEM pode sucumbir. Hoje tem só dois governadores, uma bancada dimi- nuta de senadores e deputados e é um partido satélite do PSDB, sem candi- datos fortes. A ideia do Kassab é ocu- par esse campo de centro-direita, lendo que o DEM faz água. Óbvio que não re- nova uma vírgula da vida política bra- sileira; é um partido a mais, conserva- dor, com um programa conservador, um partido liberal, quase neoliberal, com políticos conservadores”, avalia. Até o fechamento desta edição (no dia 5), Kassab já havia anunciado ade- sões ao PSD na Bahia, São Paulo, Goi- ás, Rio Grande do Norte e Rio de Ja- neiro. Os nomes de maior peso são o ex-candidato a vice de José Serra, Ín- dio da Costa (DEM-RJ), o vice-gover- nador de São Paulo, Guilherme Afif Do- mingos (DEM), a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e o deputado federal Paulo Magalhães (DEM-BA). O governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (DEM), poderá entrar na lista. A esmagadora maioria dos quadros já anunciados pelo PSD surge da sangria dos democratas que, por conta disso, já iniciaram uma guerra pública con- tra Kassab. Entretanto, o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, também partiu para o ataque, considerando a criação do partido como retrocesso. Caso perca dois parlamentares, o PS- DB, que conta hoje com 53 deputados na Câmara, perderá as condições regi- mentais de exigir verificação de quó- rum mínimo ou obstruir votações na Casa. (VM) Por onde anda a oposição de direita? POLÍTICA Em crise, setores que apoiaram a candidatura tucana buscam alternativas para sobreviver na política brasileira que “convergiu para o centro” “Não será de direita, não será de esquerda, nem de centro” Professor Chico de Oliveira vê frase de Kassab como reflexo da crise da oposição “O Kassab quer ter um mandato sui generis para poder negociar cargos, prebendas e até uma posição dentro do jogo político” Na prática, explica Fonseca, o partido do Kassab vai ser base do governo, só atuando como uma força de veto, ali dentro, quando questões mais fundamentais de seus interesses estiverem realmente sob ameaça “Diante de um aprofundamento das políticas anteriores, a grande dificuldade da oposição de fazer crítica ao governo é que ela o via como um filho abdicado seu” “A oposição atual é muito revanchista e elitista. O exemplo mais simbólico disso foi o PSDB, no programa eleitoral, fazer uma favela dentro do estúdio” O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, cujo novo partido pode ser base do governo Marlene Bergamo/Folhapress

Upload: brasil-de-fato-10-anos

Post on 28-Mar-2016

214 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Por onde anda a oposição de direita?

TRANSCRIPT

brasilde 7 a 13 de abril de 20114

Vinicius Mansurde Brasília (DF)

COMO CONSEQUÊNCIA dos pouco mais de oito anos longe do governo fe-deral e, especialmente, da última derro-ta eleitoral, as forças que compuseram a candidatura de José Serra (PSDB) nas eleições à Presidência do ano passado parecem atingir, neste começo de gover-no Dilma Rousseff, o estágio mais pro-fundo de sua crise “existencial”.

O PSDB — cuja divisão interna entre serristas e aecistas segue insolúvel — es-tuda a fusão com DEM e PPS como saída para a sobrevivência. Palavras do ex-se-nador tucano Tasso Jereissati.

O DEM — que já elegeu 105 deputados federais e 14 senadores em 1998 e, agora, tem 44 e 2, respectivamente — dissolveu seu diretório regional de São Paulo, co-mo retaliação às articulações do prefeito da cidade, Gilberto Kassab, que leva ou-tros democratas e opositores do governo federal — descontentes com a oposição — para a fundação do “coringa” Partido So-cial Democrático (PSD).

No Congresso Nacional, a oposição de direita dividiu-se ao enfrentar o governo na votação do salário mínimo, a mais im-portante até então. Nas demais pautas, a postura da oposição, via de regra, segue em baixo perfi l. Na mídia, alguns veícu-los que aberta ou veladamente apoiaram Serra, dizendo que Dilma Roussef era “uma invenção do Lula”, “política inex-periente” ou “terrorista” agora a tratam como “uma mulher de estilo próprio”, “gestora competente” e “defensora dos direitos humanos”. Afi nal, o que aconte-ce com essa oposição?

A hegemonia do centroPara o professor de ciência política da

Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto, a atual crise dos setores que en-camparam a candidatura Serra começa

com a continuidade dada pelo governo Lula ao grosso das políticas do governo Fernando Henrique Cardoso.

“Diante de um aprofundamento das políticas anteriores, a grande difi culda-de da oposição de fazer crítica ao gover-no é que ela o via como um fi lho abdica-do seu. Se você não tem políticas alterna-tivas, como você vai apresentar discurso alternativo?”, questiona.

O sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) Chico de Oliveira explica que o Brasil passou por um grande pro-cesso de convergência para o centro, sen-do o PT a força mais importante desse movimento, liderado por José Dirceu e conduzido por Lula. “Não à toa, sem ne-nhum oportunismo, o ex-vice-presiden-te José de Alencar ganhou muito desta-que. Não que ele tivesse muita força polí-tica, mas ele simbolizou essa conversão”, aponta.

Com essa transição do partido que es-tava mais à esquerda, a oposição perdeu o discurso. Entretanto, Oliveira ressalta que tal convergência para o centro não é mera decisão partidária, mas “um movi-mento em geral da sociedade: as pesso-as estão com posições mais de centro, há certa euforia econômica e nenhuma pro-posta radical tem muita viabilidade so-bre essa base social”. Por isso, o profes-sor considera que “não existe oposição no Brasil, assim como não existe posi-ção”.

“Note que as oposições, não só o PSDB, têm muita difi culdade. Se a gente mudar de nível, do federal para o estadual, o que é que o PT tem a dizer sobre São Paulo? Nada. São Paulo está sobre controle tu-cano há 16 anos e o PT não tem nada a dizer. Isso não signifi ca que as diferenças de desigualdades sociais estão diminuin-

do, isso é ilusório. O que há é uma certa homogeneização, que retirou a percep-ção das desigualdades sociais como uma coisa que dividia a sociedade.”

Dissociação do LulaAprisionada no espectro centrista, a

disputa política feita pela oposição de di-reita é rebaixada às diferenças de estilo e postura, apelando-se, muitas vezes, co-mo se viu durante o governo Lula, para o preconceito.

Na opinião do professor Cláudio Cou-to, os elogios de setores da mídia a Dilma são a continuidade dessa oposição pre-conceituosa ao Lula, agora com o intuito de criar um contraste entre os dois. “A fi -gura do ex-presidente era muito questio-nada por seu estilo e origem social, por ser muito distinto do que é típico na po-lítica brasileira. Dilma vem de classe mé-dia, fi lha de imigrante, com universi-dade, com perfi l muito mais tecnocráti-co do que de liderança política com iden-tifi cação popular. O que acaba agradan-do setores da mídia, da classe média e até mesmo da oposição. É uma atração pela semelhança. E a herança positiva de ima-gem e transferência de carisma que pode ser colocado para o governo Dilma inco-moda muito a oposição”, afi rma.

EnquadramentoFrancisco Fonseca, também professor

da FGV, vê uma outra explicação para es-se apoio inicial da mídia: a tática de en-quadrar o governo. “A ideia é a de que se perdeu a batalha da eleição, mas a guerra da formulação da agenda continua. Este é um governo de continuidade, mas com ajustes, como a posição contra a violação dos direitos humanos no Irã. E eles di-zem ‘olha, essa é uma medida positiva,

esse é o caminho’, colocando limites na agenda. Daqui a pouco, vão cobrar medi-das contra Venezuela, Bolívia, Mercosul, dizer para não mexer na mídia, no capi-tal fi nanceiro etc.”, aponta.

No que diz respeito à organização par-tidária, Fonseca crê que, de fato, um re-arranjo das forças de oposição está próxi-mo, uma vez que elas estão cientes da sis-temática perda de votos e da iminência de um quarto mandato da base Lula, seja com ele próprio, seja com Dilma.

“A oposição atual é muito revanchista e elitista. O exemplo mais simbólico dis-so foi o PSDB, no programa eleitoral, fa-zer uma favela dentro do estúdio. Asso-ciaram-se com o que há de mais reacio-nário no Brasil. O DEM tentou mudar o discurso, mas é o velho partido da oligar-quia. O PPS tem um discurso udenista, moralista. O Brasil já é um país comple-xo, com comportamentos diversos, esté-tica cultural diversa, eles vão ter que mu-dar”, opina.

Segundo Fonseca, as principais alte-rações devem ser a fusão de DEM, PS-DB e PPS, uma provável modifi cação nos quadros de partidos menores, como PP e PTB, além do já anunciado PSD, de Gil-berto Kassab.

de Brasília (DF)

O que esperar do PSD, partido cria-do pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, até então no DEM? Resultado de uma nova leitura da direita brasilei-ra para fazer oposição? Ou de uma relei-tura crítica que o colocará na base alia-da do governo Dilma? Ou apenas mais uma sigla fi siológica para disputar car-gos no Estado?

Dada a diversidade de declarações fei-tas por Kassab, todas essas possibilida-des são plausíveis. Em uma entrevista à rádio Estadão, Kassab disse que a legen-da “não será de direita, não será de es-querda, nem de centro”. Ilustração fi el da sentença do sociólogo Chico de Oli-veira: “não existe oposição no Brasil, as-sim como não existe posição”.

Para o professor, o surgimento do PSD é simplesmente a confi rmação da “convergência ao centro” e “do uso do mandato para fazer fi siologia”. “Ele [o PSD] não é nada. Dizer que não é nem de direita nem de esquerda nem de cen-tro refl ete isso. Não sabem o que fazer,

a não ser uma coisa: quem tem man-dato, negocia. Então, o Kassab quer ter um mandato sui generis para poder ne-gociar cargos, prebendas e até uma po-sição dentro do jogo político”.

Base aliadaO professor Francisco Fonseca, da

Fundação Getúlio Vargas (FGV), apon-ta que o PSD pode até nascer com uma propaganda de direita, mas não nas-ce como oposição. “É uma direita que adere a qualquer governo, um parti-do conservador que faz qualquer negó-cio”, avalia.

Na prática, explica Fonseca, o parti-do do Kassab vai ser base do governo, só atuando como uma força de veto, ali dentro, quando questões mais fun-damentais de seus interesses estive-rem realmente sob ameaça. Entretan-to, tanto Francisco Fonseca como Chi-co de Oliveira não acreditam no boato de que a fusão de PSD e PSB, num futu-

ro próximo, já está acertada. “Isso é um blefe que ele mesmo [Kassab] inventou com a anuência de alguns para conven-cer outros parlamentares. E ver se al-guém topa entrar no barco dele. O PSB, se fi zer isso, dá um tiro no pé”, senten-cia Oliveira.

Abandonando o barcoPara Francisco Fonseca, Kassab criou

o PSD para se dissociar de fi guras co-mo Agripino Maia, César Maia e Antô-nio Carlos Magalhães e por saber que o DEM “faz água”.

“O DEM pode sucumbir. Hoje tem só dois governadores, uma bancada dimi-nuta de senadores e deputados e é um partido satélite do PSDB, sem candi-datos fortes. A ideia do Kassab é ocu-par esse campo de centro-direita, lendo que o DEM faz água. Óbvio que não re-nova uma vírgula da vida política bra-sileira; é um partido a mais, conserva-dor, com um programa conservador, um partido liberal, quase neoliberal, com políticos conservadores”, avalia.

Até o fechamento desta edição (no dia 5), Kassab já havia anunciado ade-sões ao PSD na Bahia, São Paulo, Goi-ás, Rio Grande do Norte e Rio de Ja-neiro. Os nomes de maior peso são o ex-candidato a vice de José Serra, Ín-dio da Costa (DEM-RJ), o vice-gover-nador de São Paulo, Guilherme Afi f Do-mingos (DEM), a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e o deputado federal Paulo

Magalhães (DEM-BA). O governadorde Santa Catarina, Raimundo Colombo(DEM), poderá entrar na lista.

A esmagadora maioria dos quadros jáanunciados pelo PSD surge da sangriados democratas que, por conta disso,já iniciaram uma guerra pública con-tra Kassab. Entretanto, o presidente doPSDB, Sérgio Guerra, também partiupara o ataque, considerando a criaçãodo partido como retrocesso.

Caso perca dois parlamentares, o PS-DB, que conta hoje com 53 deputados na Câmara, perderá as condições regi-mentais de exigir verifi cação de quó-rum mínimo ou obstruir votações na Casa. (VM)

Por onde anda a oposição de direita?POLÍTICA Em crise, setores que apoiaram a candidatura tucana buscam alternativas para sobreviver na política brasileira que “convergiu para o centro”

“Não será de direita, não será de esquerda, nem de centro”Professor Chico de Oliveira vê frase de Kassab como refl exo da crise da oposição

“O Kassab quer ter um mandato sui generis para poder negociar

cargos, prebendas e até uma posição dentro do jogo político”

Na prática, explica Fonseca, o partido do Kassab vai ser base do governo, só atuando como uma força de veto, ali dentro, quando questões mais fundamentais de seus interesses estiverem realmente sob ameaça

“Diante de um aprofundamento das políticas anteriores, a grande difi culdade da oposição de fazer crítica ao governo é que ela o via como um fi lho abdicado seu”

“A oposição atual é muito revanchista e elitista. O exemplo

mais simbólico disso foi o PSDB, no programa eleitoral, fazer uma favela

dentro do estúdio”

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, cujo novo partido pode ser base do governo

Marlene Bergamo/Folhapress

de 7 a 13 de abril de 2011 5brasil

Eduardo Sales de Lima da Redação

O DEPUTADO federal Jair Bolsona-ro (PP/RJ) notabilizou-se, nos últimos anos, por exercer práticas bem-sucedi-das de autopropaganda. Isso porque, apesar de suas recorrentes declarações fascistas provocarem na sociedade bra-sileira mais desaprovação do que o con-trário, ele ainda angaria votos sufi cien-tes para ser eleito.

Suas últimas declarações o colocaram novamente em evidência. A postura de extrema direita deixou transbordar ho-mofobia e racismo, juntos e em plena re-de nacional de TV, na noite de uma se-gunda-feira.

Ao responder à artista Preta Gil o que ele faria se um de seus fi lhos tivesse rela-ções amorosas com uma mulher negra, Bolsonaro afi rmou que não iria “discutir promiscuidade com quem quer que se-ja”, e acrescentou: “eu não corro esse ris-co porque meus fi lhos foram muito bem educados, não viveram em ambiente co-mo lamentavelmente foi o seu”.

No programa, ele também criticou de forma grosseira a política de cotas em universidades ao declarar que não en-traria num avião pilotado por um co-tista, nem aceitaria ser operado por um médico cotista.

Caricatura?“Ele é um fascista em todos os senti-

dos”, afi rma Cecília Coimbra, presiden-ta do Grupo Tortura Nunca Mais do esta-do do Rio de Janeiro. Ela acredita que o deputado federal obtém êxito ao realizar a propaganda de si mesmo, mas também avalia que, sustentando esse mesmo dis-curso, existe uma força política residual levada a cabo pelos chamados “militares de pijama”, que continuam a comemorar datas como a “revolução” de 1964.

O sociólogo Chico de Oliveira, profes-sor da Universidade de São Paulo (USP), reduz a importância dada às declarações de Bolsonaro. Não nega, entretanto, que o mesmo se insere dentro de um seg-mento político no mínimo retrógrado.“É uma fi gura patética, um personagem em busca de autor. Está na mesma catego-ria do Tiririca, só que muito mais nefas-to. Ele representa essa midiatização da política, que virou, na verdade, palco on-de vários existem em suas qualidades ou na falta delas.”

Direita residual, mas presenteBOLSONARO Caricato, o deputado federal pelo PP do Rio de Janeiro representa uma minoria obscurantista da sociedade brasileira

Apesar de folclórico ou caricato, no fi -nal das contas, o deputado federal nãodeixa de representar uma minoria re-al, que, de fato, tem ideias semelhantesàs dele. “Há um conjunto de brasileiros que lamentavelmente possuem um pen-samento que já não se expressa, mas queé real”, defende o ex-secretário de Justi-ça do Estado de São Paulo, Hédio SilvaJr. Segundo ele, Bolsonaro está dialo-gando com o que há de mais conserva-dor, atrasado, com o “rebotalho [escó-ria] da política brasileira”, e com sua di-mensão mais obscurantista.

Com um histórico de afi rmações fas-cistas, é possível dizer que o deputado se esconde atrás de uma farda que nem usa mais? “Ele sabe que a sociedade ci-vil tem medo dos militares, que, a meu ver, são dignos de respeito, não de me-do”, pontua o ex-preso político e jorna-lista Ivan Seixas.

HistóricoA atuação política de Bolsonaro sem-

pre foi bastante corporativista e redu-zida. Ainda como militar, assumiu abandeira das reivindicações salariaise, após se desligar das Forças Arma-das, transformou-se em candidato dasfamílias dos militares. “Com o passardo tempo e com as reivindicações sen-do atendidas e os salários melhorando,ele se alia à extrema direita militar, fa-zendo a pregação em favor das torturasna ditadura”, lembra Seixas.

Seu conjunto de frases bisonhas aolongo da vida parlamentar signifi camuito mais do que parece. A falta deprojeto político-social do deputado re-fl ete-se na prática persecutória traduzi-da em seu constante ataque a homosse-xuais, negros (nesse caso, disfarçado) emilitantes de esquerda. Dessa forma,para Seixas, seu discurso homofóbicoe a favor da tortura funciona bem e semantém por ser uma importante estra-tégia para captar votos.

Durante bate-boca com manifestan-tes do Grupo Tortura Nunca Mais deGoiás e da União Nacional dos Estu-dantes (UNE), em 2008, ele declarou:“O grande erro foi ter torturado e nãomatado”, fazendo uma alusão aos mi-litantes políticos que sofreram tortu-ra no período da ditadura civil-militarbrasileira.

Em 2009, o deputado colou um car-taz na porta de seu gabinete, em quedizia: “Quem procura osso é cachorro”,referindo-se aos militantes de esquer-da mortos e desaparecidos na Guer-rilha do Araguaia. Em 2010, foi a vezde escancarar frases homofóbicas. Eledeclarou ser a favor de dar surras emcrianças e adolescentes que tenhamtendências homossexuais. (ColaborouVinicius Mansur)

da Redação

“Não existe nenhuma dúvida de que ali está confi gurado um crime de incitação ao racismo”. É o que pontua o ex-secre-tário de Justiça do Estado de São Paulo, Hédio Silva Jr, sobre as declarações do deputado federal Jair Bolsonaro (PP/RJ) a um programa de TV.

Ao ser questionado sobre uma possí-vel relação amorosa entre qualquer um de seus fi lhos com uma mulher negra, disse que não corria o “risco” disso acon-tecer porque sua prole fora muito bem-educada.

“Ao sacar aquele tipo de ofensa, ele es-tá encorajando outras pessoas a fazerem o mesmo, o que a gente chama de incita-ção ou indução ao racismo, à discrimina-ção e ao preconceito”, afi rma Hédio. Se-gundo ele, não resta dúvidas de que está confi gurado crime de racismo.

A ministra-chefe da Secretaria de Po-líticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, apontou, publi-camente, para a necessidade de não se confundir liberdade de expressão com o cometimento de crimes que, como o ra-cismo, estão previstos na Constituição.

E é na Carta Magna do Brasil que o artigo 53 diz que deputados e senado-res não podem ser processados na Jus-

tiça por suas opiniões. Entretanto, para o ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo, nesse caso, a imunidade parla-mentar não deve ser utilizada para fazer apologia ao crime, incitar brasileiros uns contra os outros, enxovalhar a dignidade da mulher brasileira, e, especialmente, da mulher negra. “Imunidade não pode ser sinônimo de impunidade parlamen-tar”, critica.

Portanto, segundo ele, além de caber a cassação dos direitos políticos de Bol-sonaro por quebra de decoro, ainda é possível levar a cabo uma ação penal, por incitação ao racismo. A prática de racismo é crime inafi ançável desde ju-nho de 1989.

Homofobia Bolsonaro sabe que pode ser levado à

Justiça e, para se livrar da acusação de racismo, vem afi rmando que durante o programa de TV compreendeu mal a per-gunta e pensou que se referia à possibili-dade de um de seus fi lhos ter um caso ho-mossexual, não com um mulher negra.

À Rede Brasil Atual, o deputado Je-an Willys (Psol/RJ) destacou que o de-putado do Partido Progressista está uti-lizando da homofobia para fugir de con-denação legal. Homofobia, no Brasil, ain-da não é crime.

Enquanto isso, o Projeto de Lei 122, que propõe a criminalização da homofo-bia, vem sendo discutido desde 2006 no Congresso Nacional. O texto foi aprova-do na Câmara em 2006, mas ainda espe-ra a análise dos senadores e conta com extrema oposição da bancada evangéli-ca da Casa.

Quatro representações contra o depu-tado Jair Bolsonaro já foram protocola-das na Corregedoria da Câmara dos De-putados até o fechamento desta edição (no dia 5). A seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) encaminhará um pedido de cassação do mandato de Bolsonaro por quebra de decoro parlamentar, justifi cando que su-as declarações possuem cunho racista e homofóbico. (ESL)

da Redação

Nos últimos dias do mês de março, três deputados federais fi zeram declarações com viés racista. As que ganharam maior repercussão foram a de Jair Bolsonaro (PP/RJ), dadas em 28 de março.

Mas o deputado federal evangélico Marco Feliciano (PSC/SP) também deu o ar de sua graça. Ele escreveu, na pági-na de uma rede social da internet, no dia 31 de março, que os africanos são des-cendentes de um “ancestral amaldiçoa-do por Noé” e que sobre a África repousa maldições como o paganismo, misérias, doenças e a fome.

Dias antes, em 22 de março, o ex-governador e deputado Júlio Campos(DEM-MT) se referiu ao ministro doSupremo Tribunal Federal (STF), Jo-aquim Barbosa, como “moreno escu-ro” durante uma reunião da bancada dopartido, o que causou mal-estar entrealguns presentes.

Fatos isolados? Não. Segundo o ex-se-cretário de Justiça do Estado de São Pau-lo, Hédio Silva Jr, tais manifestações in-dicam que o país precisa enfrentar de forma defi nitiva a problemática do racis-mo no Brasil. “Quanto mais avançam as conquistas de direitos da população ne-gra, mais isso provoca determinados ti-pos de reações que fi caram latentes e submersas durante séculos, e que come-çam a vir à tona”, analisa. (ESL)

Racista com “máscara” de homofóbico? Março racistaPara se livrar de crime de racismo, deputado federal ataca homossexuais

“Ao sacar aquele tipo de ofensa, ele está encorajando outras pessoas a fazerem o mesmo, o que a gente chama de incitação ou indução ao racismo, à discriminação e ao preconceito”

“É uma fi gura patética, um personagem em busca de autor. Está na mesma categoria do Tiririca, só que muito mais nefasto”

A falta de projeto político-social do deputado refl ete-se na prática persecutória traduzida em seu constante ataque a homossexuais, negros (nesse caso, disfarçado) e militantes de esquerda

O deputado Jair Bolsonaro

Dorivan Marinho/Folhapress