a dimensÃo educativa do turismo no contexto do...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAIBA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
RAQUEL GENTILINI SAFAR
A DIMENSÃO EDUCATIVA DO TURISMO NO CONTEXTO DO
DESENVOLVIMENTO
CAMPINA GRANDE – PB
2015
RAQUEL GENTILINI SAFAR
A DIMENSÃO EDUCATIVA DO TURISMO NO CONTEXTO DO
DESENVOLVIMENTO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional da Universidade Estadual da
Paraíba, em cumprimento à exigência
para obtenção do grau de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Dilma Simões Brasileiro
CAMPINA GRANDE – PB
2015
É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua
forma impressa como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida
exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução
figure a identificação do autor, título, instituição e ano da dissertação.
AGRADECIMENTOS
O aprendizado é a nossa própria vida. Os anos dedicados ao mestrado me
proporcionaram constantes desafios, na vida acadêmica e pessoal. Agradeço ao amplo
apoio que recebi das pessoas que estavam perto e das que me acompanharam de longe.
Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Dilma, por sua competência em
ensinar, orientar e ouvir. Muito obrigada pelas atenciosas correções e sinceras
conversas.
Agradeço aos professores do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento
Regional da UEPB e professores convidados, por valorizarem a interdisciplinaridade na
discussão sobre o desenvolvimento.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, por viabilizar
a dedicação integral ao mestrado por meio da concessão de bolsa de estudos.
Aos membros da banca, agradeço pela disponibilidade em contribuir com este
estudo com um olhar diferenciado e positivamente crítico.
Pelo companheirismo e pela amizade descoberta em uma nova sala de aula,
agradeço aos amigos Diana, Wênio, Elis, Allana e Geórgia.
Agradeço aos moradores de Campina Grande, certamente, o maior bem que a
cidade possui. Aos entrevistados, parte fundamental e enriquecedora desta pesquisa,
agradeço pela receptividade.
O meu entusiasmo para o estudo foi herdado e inspirado na minha mãe, Sônia, a
quem agradeço por me ajudar a ter a calma necessária. À minha irmã, Laura, cujo apoio
e generosidade jamais poderão ser retribuídosà altura. Ao meu pai e as minhas avós (in
memoriam), que demonstravam orgulho pela minha dedicação aos estudos.
Ao tio João, à tia Tereza e à tia Solange que sempre me apoiaram nesta
caminhada acadêmica e paraibana. À amada Mari, pelo incentivo constante.
Ao meu maior companheiro, Luiz, não haverá palavras para agradecer por tudo
que proporcionou e contribuiu para que eu fizesse o mestrado. Obrigada pelo conforto,
apoio e carinho para seguir em frente.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto:
que as pessoas não estão sempre iguais, ainda
não foram terminadas - mas que elas vão sempre
mudando. Afinam ou desafinam.
(João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)
RESUMO
As novas abordagens do desenvolvimento, que vão para além da perspectiva econômica
vigente possuem, dentre seus objetivos, a melhoria da qualidade de vida da população, o
acesso a direitos humanos e a ampliação na participação política e social. Neste sentido,
a educação é um aspecto fundamental a ser inserido no processo de desenvolvimento,
podendo favorecer a cidadania e a compreensão dos territórios. A educação, entendida
como um processo contínuo e permanente, está associada ao turismo, por meio do
encontro entre turistas e autóctones. Partindo desta perspectiva, o objetivo deste estudo
é compreender a relação existente entre desenvolvimento territorial, educação e turismo.
Para verificar a forma como esta relação se estabelece é utilizada a pesquisa qualitativa,
em três eventos turísticos de Campina Grande/ PB: o Festival de Inverno, o Maior São
João do Mundo e o Encontro da Nova Consciência. Os sujeitos do estudo são
representantes do poder público e do setor privado que atuam na gestão do sistema
turístico de Campina Grande, e de organizações sociais que participam e/ou organizam
os eventos turísticos. Para a coleta de dados foram utilizados roteiros de entrevistas
semiestruturadas e os dados coletados foram analisados por meio da Análise de
Conteúdo. A pesquisa aponta para uma perspectiva do turismo que privilegia o
crescimento econômico do território. Diante da valorização de um megaevento
enquanto identidade turística de Campina Grande, a dimensão educativa do turismo é
relacionada a processos de qualificação profissional para atuar no Maior São João do
Mundo. A perspectiva de educação associada aos eventos analisados está relacionada
predominantemente às instituições escolares, embora os processos educativos não
formais sejam inerentes aos eventos turísticos. Conclui-se que o planejamento dos
eventos turísticos secundariza a dimensão educativa do turismo e seu potencial para o
desenvolvimento do território.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial, turismo, educação, eventos, Campina
Grande.
ABSTRACT
The new approaches of development, which go beyond the current economic outlook,
have, among its objectives, improving people's quality of life, access to human rights
and the expansion in political and social participation. In this way, education is a key
aspect to be inserted in the development process, which can lead to citizenship and
understanding of territories. Education, understood as a continuous and ongoing
process, is associated with tourism, through the encounter between tourists and local
people. From this perspective, this study objective is to understand the relationship
between territorial development, education and tourism. To check how this relationship
is established qualitative research is used in three tour events of Campina Grande / PB:
the “Festival de Inverno”, the “Maior São João do Mundo” and the “Encontro da Nova
Consciência”. The study subjects are government and private sector representatives who
work in Campina Grande‟s tourism system management, and social organizations
involved in and / or organizing tourist events. For the data collection, semi-structured
interview scripts were used and the collected data were analyzed using Content
Analysis. The research points to a tourism perspective that focuses on the territory
economic growth. Due to the value of a mega event as Campina Grande‟s tourism
identity, tourism educational dimension is related to professional qualification processes
to operate in the “Maior São João do Mundo”. The education perspective associated
with the analyzed events is related predominantly to educational institutions, although
the non-formal educational processes are inherent to tourist events. We conclude that
tourist events planning decreases tourism educational dimension and its potential for
territory development.
Key words: territorial development , tourism , education , events, Campina Grande.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: SUJEITOS DO ESTUDO ............................................................................... 18
Figura 2: ESTRUTURA DA ANÁLISE DE DADOS – DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL .............................................................................................................. 20
Figura 3: ESTRUTURA DA ANÁLISE DE DADOS - PROCESSOS EDUCATIVOS
NO CONTEXTO DA ATIVIDADE TURÍSTICA. ....................................................... 21
Figura 4: COMPARAÇÃO DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA
EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL ................................................................. 35
Figura 5: MAPA DE LOCALIZAÇÃO DOS EVENTOS TURÍSTICOS EM CAMPINA
GRANDE ....................................................................................................................... 52
FIGURA 6 - OFICINA COM O GRUPO GIRAMUNDO NO FESTIVAL DE
INVERNO DE CAMPINA GRANDE - 2014 ............................................................... 55
Figura 7: FOLDER DE DIVULGAÇÃO DO 39º FESTIVAL DE INVERNO DE
CAMPINA GRANDE – 2014 ........................................................................................ 56
Figura 8: DIVULGAÇÃO DE CAMPINA GRANDE PELO SITE DA EMBRATUR 59
Figura 9: REPRESENTAÇÃO DO CASINO EL DORADO NO PARQUE DO POVO
(ESQ.) E IMAGEM DA FACHADA DO PRÉDIO ORIGINAL, NO CENTRO DE
CAMPINA GRANDE, ANTES DO DESABAMENTO (DIR.) .................................... 59
Figura 10: RÉPLICA DA CATEDRAL DE CAMPINA GRANDE E DO CORETO NO
PARQUE DO POVO ..................................................................................................... 60
Figura 11: DIVULGAÇÃO COMERCIAL NO PARQUE DO POVO – 2014 ............. 61
Figura 12: PROGRAMAÇÃO DOS EVENTOS PARALELOS – ENCONTRO DA
NOVA CONSCIÊNCIA 2014 ........................................................................................ 65
Figura 13: ATO PELA PAZ NO ENCONTRO DA NOVA CONSCIÊNCIA –2004
(ESQ.) E 2014 (DIR.) ..................................................................................................... 66
Figura 14: MESA-REDONDA NO 23º ENCONTRO DA NOVA CONSCIÊNCIA .... 67
Figura 15: DESTAQUES AO POTENCIAL ECONÔMICO DO MSJM ..................... 81
Figura 16: A IDENTIDADE TURÍSTICA DE CAMPINA GRANDE ......................... 84
Figura 17 - PROCESSOS NÃO FORMAIS DE EDUCAÇÃO NOS EVENTOS DE
CAMPINA GRANDE .................................................................................................... 95
11
LISTA DE SIGLAS
Codemtur – Coordenadoria de Turismo da PMCG
Embratur – Empresa Brasileira de Turismo
ENC – Encontro da Nova Consciência
FI – Festival de Inverno de Campina Grande
FUNARTE – Fundação Nacional de Arte
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
MIEP – Movimento de Integração do Espírita Paraibano
MSJM – Maior São João do Mundo
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PIB – Produto Interno Bruto
PMCG – Prefeitura Municipal de Campina Grande
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RDH – Relatório de Desenvolvimento Humano
SEDE – Secretaria de Desenvolvimento Econômico da PMCG
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SESC – Serviço Social do Comércio
SindCampina – Sindicato Empresarial de Hospedagem e Alimentação de Campina
Grande
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13
1. PERCURSO METODOLÓGICO .............................................................................. 17
2. A EDUCAÇÃO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO COMO
LIBERDADE ................................................................................................................. 22
2.1. PROCESSOS EDUCATIVOS E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL . 25
3. PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO NA RECONSTRUÇÃO DO TURISMO ........ 34
3.1. OS PROCESSOS EDUCATIVOS E A EDUCAÇÃO PELO TURISMO ......... 36
3.2. A EDUCAÇÃO PARA O TURISMO: NOVOS CAMINHOS, NOVOS
OLHARES .................................................................................................................. 42
3.3. DO CRESCIMENTO DO TURISMO DE MASSA, AO DESENVOLVIMENTO
DO TURISMO SITUADO ......................................................................................... 45
4. A CONSTRUÇÃO DOS EVENTOS TURÍSTICOS EM CAMPINA GRANDE ..... 51
4.1. O FESTIVAL DE INVERNO DE CAMPINA GRANDE .................................. 53
4.2. O MAIOR SÃO JOÃO DO MUNDO ................................................................. 57
4.3. ENCONTRO DA NOVA CONSCIÊNCIA ........................................................ 63
5. PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO: O ECONÔMICO E O CULTURAL
NOS EVENTOS TURÍSTICOS DE CAMPINA GRANDE ......................................... 70
5.1. PLANEJAMENTO E AÇÕES NOS EVENTOS TURÍSTICOS DE CAMPINA
GRANDE: CONSEQUÊNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO ........................ 76
5.2. A IDENTIDADE DO TERRITÓRIO: O MAIOR SÃO JOÃO DO MUNDO ... 80
6. EDUCAÇÃO E TURISMO: POSSIBILIDADES E PERCEPÇÕES DOS
EVENTOS TURÍSTICOS .............................................................................................. 87
6.1. A EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL NOS EVENTOS TURÍSTICOS
.................................................................................................................................... 90
6.2. AS RELAÇÕES ENTRE TURISMO E EMPREGO NOS EVENTOS
TURÍSTICOS ............................................................................................................. 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 102
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 105
APÊNDICES ................................................................................................................ 112
13
INTRODUÇÃO
A educação é uma das dimensões da vida social que contribui para o
desenvolvimento de um território. O acesso ao conhecimento, que não se restringe à
educação formal, é um dos aspectos que promovem a participação nas decisões sociais,
o que contribui para a expansão das relações políticas, econômicas, ambientais e
socioculturais. Nesta perspectiva, a educação pode colaborar para a diminuição de
desigualdades sociais e para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, consideradas
primordiais para uma nova abordagem sobre o desenvolvimento.
O desenvolvimento compreende dimensões que não se restringem ao
crescimento econômico de um território. O crescimento econômico, entendido como o
progresso industrial, reflete-se na melhoria de indicadores de renda e consumo. A
medição dos índices de cada país – por meio do Produto Interno Bruto (PIB), por
exemplo – estabelece um ranking mundial, no qual as potências mais industrializadas
ocupam os primeiros lugares. Entretanto, devido às frequentes crises econômicas,
socioculturais e ambientais, tal perspectiva passa a ser questionada. Isto porque o
crescimento econômico dos países industrializados, a partir da década de 50, não se
refletiu na melhoria das estruturas sociais, como a ampliação de serviços básicos de
saúde, educação, melhoria da qualidade de vida e menor desigualdade social. Surgem,
então, perspectivas que pretendem ampliar as referências para o entendimento do
desenvolvimento, para além da economia de um território (VEIGA, 2005).
Essas perspectivas estão baseadas na compreensão de que o desenvolvimento
não é apenas o progresso econômico medido quantitativamente. Um projeto alternativo
de desenvolvimento requer o reconhecimento das heterogeneidades e homogeneidades
do território, possíveis de serem identificados na vida cotidiana dos indivíduos e das
organizações sociais (SAQUET, 2008). O território é aqui entendido como uma
construção coletiva e multidimensional, cuja análise envolve “as relações de poder, as
redes e as identidades; processos espaço-temporais que marcam determinadas parcelas
do espaço” (SAQUET, 2008, p. 81).
O desenvolvimento, em uma abordagem de múltiplas dimensões e escalas,
abrange aspectos que permitem a melhoria da qualidade de vida e da participação social.
Para Sen (2010) e Sachs (2008), a educação, seja no âmbito da capacitação para o
trabalho decente ou do empoderamento, estimulado por meio do acesso ao
conhecimento, promove a inclusão social e a expansão das liberdades individuais e
14
coletivas. A educação permite a valorização da cultura, da história e do patrimônio do
território, podendo contribuir para que a sociedade participe, de forma crítica e
consciente, dos processos que compõem a realidade em que se insere.
A educação se reflete, neste sentido, no aumento das oportunidades para que a
sociedade se desenvolva (DEMO, 1999). Considerar a educação como um processo
contínuo e constante abrange a valorização de diversos processos educativos que
contribuem para a expansão das liberdades humanas. Refletir sobre a educação e o
desenvolvimento territorial demanda o entendimento de que o conhecimento é
construído em “um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de
conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si”
(MORIN, 2000, p.38).
A educação não se restringe ao contexto escolar, embora a educação formal
tenha também significativa importância para o indivíduo e sua inserção na coletividade.
Porém, a educação formal – institucionalizada pela escola – está inserida em um
processo de formação, que na maioria das vezes, tem como objetivo o mercado de
trabalho, negligenciando a formação integral, cidadã e autônoma do indivíduo. Portanto,
é necessário que a educação abranja diversas práticas educativas, inclusive as que
podem ser realizadas em momentos de lazer, como as atividades turísticas.
O turismo, enquanto fenômeno que envolve descobertas de espaços e
significados, tem em sua essência uma dimensão educativa. No formato massivo como
o turismo é majoritariamente desenvolvido, o contato entre turistas e autóctones
acontece de forma superficial, inibindo possibilidades de compreensão e
compartilhamento de experiências entre as culturas que se encontram. O turismo de
massa é reflexo de uma abordagem pouco complexa sobre o fenômeno, baseada no
crescimento econômico possibilitado pela atividade turística (BRASILEIRO, 2012).
Secundariza, desta forma, as múltiplas dimensões (ambientais, sociais, históricas,
culturais, entre outras) que se integram na formação do território turístico.
O turismo situado, entretanto, é uma perspectiva alternativa ao paradigma
economicista vigente. O turismo situado (ZAOUAL, 2008) baseia-se no entendimento
de que os territórios são diversos e que o turismo se constrói fundamentado na
valorização desta diversidade. Os valores de cada sítio, conforme propõe Zaoual (2008),
podem ser transmitidos e compartilhados entre turistas e autóctones, em uma
abordagem que inclui tanto a educação pelo turismo como a educação para o turismo.
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O valor educativo do turismo está no encontro entre sujeitos que pertencem a
diferentes territórios e independe do segmento no qual a experiência turística está
inserida. A segmentação do turismo, associada à motivação principal da viagem, tem
um caráter transversal, ou seja, uma mesma viagem incorpora distintos segmentos
(turismo cultural, lazer, eventos, rural). Ainda que a viagem motivada pela qualificação
ou pela ampliação de conhecimentos seja definida como Turismo de Estudos e
Intercâmbio, pelo Ministério do Turismo (BRASIL, 2010a), a associação entre o
turismo e a educação não está restrita a este segmento. No Turismo de Eventos e
Negócios, cuja motivação é a participação em encontros de caráter “comercial, técnico,
promocional ou social” (BRASIL, 2010b, p. 16), os processos educativos, formais e não
formais, ocorrem de maneira intrínseca.
O Turismo de Eventos e Negócios contribui para gerar o aumento do fluxo
turístico em uma região e para propagar a imagem positiva do destino. Neste sentido, o
Ministério do Turismo apoia a realização dos chamados Eventos Geradores de Fluxo
Turístico, em escala regional, nacional e internacional. Entre os Eventos Geradores de
Fluxo Turístico, destacam-se: Carnaval; Festas juninas; Festivais culturais; Feiras e
exposições de produtos locais, regionais ou nacionais (BRASIL, 2010b, p. 51). Os
eventos são estimulados para a diversificação da oferta turística no destino e como
forma de marketing promocional, uma vez que o turista atraído por um evento pode
retornar ao destino em outros momentos.
Os eventos turísticos, enquanto indutores de fluxo turístico, têm sido o principal
segmento estimulado pelo setor público e privado no município de Campina Grande. O
surgimento do Turismo de Eventos em Campina Grande pode ser identificado a partir
da década de 1970. Os eventos passaram a ser promovidos no município com o objetivo
de soerguer a economia e a cultura de Campina Grande. Impulsionado pela elite política
e econômica, os eventos turísticos campinenses se constroem com base na
ressignificação de elementos culturais.
Dentre os eventos construídos na cidade, destacam-se o Festival de Inverno, o
Maior São João do Mundo e o Encontro da Nova Consciência. Foram iniciativas
pioneiras na cidade e que, atualmente, continuam sendo realizadas. O primeiro evento
institucionalizado na cidade, o Festival de Inverno, é realizado desde 1976, apoiado na
produção cultural local e nacional, com maior foco nas artes clássicas e eruditas. Após o
Festival de Inverno (FI) foi criado o Maior São João do Mundo, em 1986. Concebido a
partir das tradições rurais e religiosas associadas à colheita do milho no mês de junho, o
16
Maior São João do Mundo (MSJM) é, atualmente, o maior atrativo turístico de Campina
Grande, com estimativa de público de 2 milhões de pessoas nos 30 dias do megaevento
(PREFEITO, 2014). Posteriormente, em 1992, a prefeitura municipal cria o Encontro da
Nova Consciência (ENC), com o objetivo de fazer do carnaval de Campina Grande um
momento de celebração do ecumenismo e de reflexão espiritual.
Os eventos turísticos tornaram-se momentos de estímulo ao comércio e serviços
em Campina Grandee de promoção da imagem cultural do município em nível regional,
nacional e internacional. Entretanto, considerando a importância que a dimensão
educacional assume cada vez mais no desenvolvimento territorial e na atividade
turística, este estudo questiona: como a dimensão educativa é tratada nos eventos
turísticos e qual sua relação com o desenvolvimento territorial? Para refletir sobre esta
questão, é necessário entender as perspectivas do poder público, do setor privado e das
organizações sociais que são responsáveis pela promoção dos eventos turísticos.
De maneira específica, este estudo tem como problemática: Qual a percepção do
poder público sobre a relação entre os eventos turísticos e o desenvolvimento
territorial?Por ser um fenômeno social, este questionamento abrange também a
percepção do setor privado e das organizações sociais. Considerando que a educação é
uma das dimensões que pode promover a interrelação entre o turismo e o
desenvolvimento do território, é necessário identificar como a educação se insere nos
eventos que ocorrem em Campina Grande. Portanto, questiona-se aos setores públicos,
privados e organizações sociais sobre os tipos de processos educativos que ocorrem nos
eventos turísticos nesse território.A aproximação do turismo com a educação pode
abranger processos educativos formais e também processos não formais. Para tanto,
questiona-se: Como a dimensão educativa é tratada pelas instituições que promovem a
capacitação profissional para os eventos turísticos?
A importância desta pesquisa fundamenta-se na necessidade de que processos
sociais, como o turismo e a educação, sejam compreendidos no contexto no
desenvolvimento territorial. A dinâmica de cada território é construída socialmente e
pode se alterar de acordo com significados atribuídos a cada fenômeno que se constrói.
Portanto, a necessidade de superar o paradigma economicista que fundamenta de forma
hegemônica a ideia de desenvolvimento, inclui também analisar a educação e o turismo
que, de forma reflexiva, estão inseridos neste paradigma.
17
1. PERCURSO METODOLÓGICO
Esta pesquisa é de abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa possibilita a
interpretação de fatos que derivam de interações humanas e sociais, revelando os
significados atribuídos para a sua construção (CHIZZOTI, 2006, p. 27). Por se tratar da
análise de fenômenos sociais, verificados em uma realidade dinâmica, é fundamental
entender como esses fenômenos são interpretados pelas pessoas que atuam nesta
realidade. No âmbito das ciências humanas e sociais, “implica uma partilha densa com
pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio
os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível”
(CHIZZOTI, 2006, p. 28).
Os sujeitos desta pesquisa são representantes do poder público, do setor privado
e das organizações sociais relacionadas aos eventos turísticos de Campina Grande. O
poder público é constituído por representantes de órgãos municipais do governo que
estão envolvidos com a organização ou apoio aos eventos pesquisados e também inclui
uma representante da Secretaria de Educação. Atualmente, as decisões do poder público
do turismo em Campina Grande estão sob a responsabilidade da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico (SEDE), na qual estão associadas as Coordenadorias de
Turismo, de Eventos e de Desenvolvimento Local. Os assuntos relacionados ao turismo
na cidade são direcionados para a coordenadora de Turismo, que também é responsável
pela organização do Maior São João do Mundo.
No setor privado, os sujeitos do estudo são representantes de instituições do
comércio e de serviços em Campina Grande que atuam no apoio aos eventos turísticos
pesquisados. Foram selecionados para a pesquisa os sujeitos do setor privado que
constam como apoiadores ou patrocinadores dos eventos turísticos analisados, tendo
como referência o material de divulgação destes eventos.
As organizações sociais são representadas pelas instituições que coordenam os
eventos, assim como grupos que se apresentam e que realizam atividades culturais nos
eventos analisados. O Festival de Inverno(FI) é coordenado atualmente pela presidente
do Instituto Solidarium, instituição responsável pelo FI e outras ações culturais em
Campina Grande. A presidente do Instituto Solidarium foi a principal fundadora do FI e
se manteve como organizadora em quase todas as 39 edições do Festival. De forma
semelhante, atualmente a organização do Encontro da Nova Consciência (ENC) ainda
está sob a responsabilidade da principal articuladora do evento em 1992. As
18
organizações sociais recebem apoio do poder público e do setor privado, mas atuam de
forma independente. Os sujeitos deste estudo estão, portanto, assim distribuídos:
Figura 1: SUJEITOS DO ESTUDO
EVENTO ORGANIZAÇÕES
SOCIAIS PODER PÚBLICO SETOR PRIVADO
FESTIVAL DE
INVERNO
1. Presidente do
Instituto Solidarium.
2. Representante dos
Grupos de Danças
Populares.
3. Representante da
Diocese de Campina
Grande.
4. Representante do
Grupo de Tradições
Populares Acauã da
Serra
1. Coordenadora de
Turismo de
Campina
Grande.
2. Assessor do
Secretário de
Cultura e
Secretário de
Campina
Grande.
3. Representante da
Secretaria de
Educação de
Campina
Grande.
4. Gestor do Teatro
Municipal
Severino Cabral.
1. Presidente da
Associação
Comercial de
Campina Grande
(ACCG).
2. Coordenador de
Cultura do Serviço
Social do
Comércio (SESC).
3. Gerente de
Turismo do
Serviço Brasileiro
de Apoio a Micro e
Pequena Empresa
(SEBRAE)
4. Presidente do
Sindicato
Empresarial de
Hospedagem e
Alimentação de
Campina Grande
(SindCampina).
5. Presidente do
Paraíba
Conventions &
Visitors Bureau –
Campina Grande
(C&VB)
MAIOR SÃO
JOÃO DO
MUNDO
1. Representante da
Diocese de Campina
Grande.
2. Representante dos
Grupos de Danças
Populares.
3. Representante do
Grupo de Tradições
Populares Acauã da
Serra
ENCONTRO
DA NOVA
CONSCIÊNCIA
1. Coordenadora Geral
do Encontro da
Nova Consciência.
2. Representante da
Diocese de Campina
Grande.
FONTE: elaboração própria
O instrumento para a coleta de dados é a entrevista semiestruturada. De acordo
com Mattos (2006, p. 823), a entrevista semiestruturada é “aquela em que é deixado ao
entrevistado decidir-se pela forma de construir a resposta [...], é uma forma especial de
conversação”. A opção pela entrevista semiestruturada permite que o entrevistado se
expresse de forma livre e, ao mesmo tempo, que o diálogo se concentre no objetivo de
entender as perspectivas de cada sujeito sobre as questões que norteiam a pesquisa.
Desta forma, foram estruturados dois roteiros de entrevistas, sendo um roteiro para as
19
organizações sociais (ver Apêndice A) e outro para os setores público e privado (ver
Apêndice B).
Os dados foram analisados por meio da técnica de Análise de Conteúdo
(BARDIN, 2009). A Análise de Conteúdo é uma técnica de análise das comunicações,
que sistematiza de forma objetiva a descrição do conteúdo das mensagens. Visa a
superação da incerteza dos sentidos não declarados no discurso aparente e o
enriquecimento da leitura, por meio da descrição de características que a princípio não
são apreendidas. A intenção “é a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção (ou eventualmente de recepção) recorrendo a indicadores (quantitativos ou
não)” (BARDIN, 2009, p. 40).
Após a realização das entrevistas,foi realizada a transcrição integral das falas dos
sujeitos. A partir do material transcrito, foi possível iniciar a exploração dos dados. A
primeira fase da Análise de Conteúdo foi a descrição, em que os dados brutos do texto
foram transformados, para serem identificadas e descritas as características do conteúdo.
Para isso, foram definidas, a priori, as categorias analíticas do estudo: Desenvolvimento
Territorial e Processos Educativos no contexto da atividade turística.
A posteriori, foram definidas as subcategorias de análise, com base nas
inferências realizadas nas análises das categorias. Na categoria “Desenvolvimento
Territorial”, foram definidas como subcategorias de análise: a desarticulação no
planejamento e ações; a identidade do território. Na categoria “Processos Educativos no
contexto da atividade turística”, as subcategorias foram: institucionalização
educacional; emprego e renda. Os núcleos de sentido que sistematizaram a codificação
do material foram identificados por códigos. Os códigos permitiram identificar nas falas
dos sujeitos do estudo os trechos que representam a perspectiva sobre as subcategorias
de análise. Nas figuras a seguir, são apresentadas as subcategorias, núcleos de sentido e
códigos das categorias de análise, assim como trechos das entrevistas que exemplificam
os núcleos de sentido identificados.
20
Figura 2: ESTRUTURA DA ANÁLISE DE DADOS –DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL
CATEGORIA: Desenvolvimento Territorial
SUBCATEGORIAS NUCLEOS DE
SENTIDO ENTREVISTA CÓDIGO
1. Desarticulação
no planejamento e
ações.
2. Identidade do
território
1.1. Relações de poder
(planejamento)
1.2. Desarticulação do
planejamento
2.1. Impactos
econômicos
2.2. Relações de poder
(eventos)
2.3. O Maior São João
do Mundo
2.4. Indústria cultural
“[...] cada um querendo fazer uma
coisinha aqui, outra lá, para
aparecer”.
“[...] se fosse mais integrado e
houvesse uma participação mais
efetiva”.
“Em Campina Grande, a nossa
maior arrecadação acontece no
São João”.
“Qualquer outro evento que esteja
dentro de Campina Grande acaba
sendo abafado pelo Maior São
João do Mundo”.
“[...] vê a logomarca da cidade que
é o Maior São João do Mundo, a
cidade do Maior São João do
Mundo”.
“[Campina Grande] já tinha isso,
mas isso não era dessa forma, com
o olhar da cultura industrial, da
cultura da indústria”.
RPP
DES
ECO
RPE
MSJM
IND
FONTE: elaboração própria
21
Figura 3: ESTRUTURA DA ANÁLISE DE DADOS - PROCESSOS EDUCATIVOS
NO CONTEXTO DA ATIVIDADE TURÍSTICA.
CATEGORIA: Processos Educativos no contexto da atividade turística.
SUBCATEGORIAS NUCLEOS DE
SENTIDO ENTREVISTA CÓDIGO
1. Institucionalização
educacional
2. Emprego e renda
1.1. Educação formal
1.2. Educação não
formal
“Então as escolas, elas acabam
tendo esses eventos como objetos
de estudo”.
“Eu tenho certeza que alguma
coisa de educação fica para os
cidadãos que tão ali presentes,
alguma mensagem educativa”.
“Falta treinar a mão de obra
capacitada. Capacitar essa mão de
obra, a exemplo de garçons [...]”.
“Quanto mais evento tiver em
Campina, mais turista a gente vai
ter, mais mão de obra a gente vai
consumir e mais renda vai ser
gerada pra cidade”.
EF
ENF
EMP
TM
2.1. Educação para o
trabalho
2.2. Educação no
paradigma do
Turismo de Massa
FONTE: elaboração própria
A segunda fase da Análise de Conteúdo teve como objetivo realizar inferências a
partir das falas dos sujeitos de pesquisa. O entendimento dos significados, explícitos e
implícitos, no conteúdo das entrevistas, possibilitou interpretar como os sujeitos
percebem a dimensão educativa no turismo em Campina Grande, e a relação desta
dimensão com o desenvolvimento territorial. Para que fossem realizadas deduções sobre
as categorias de análise, buscou-se entender as relações e contradições entre as falas dos
sujeitos, agrupando os trechos mais representativos das subcategorias analisadas. A
terceira faseda Análise de Conteúdo foi a de intepretação dos dados, para a interlocução
entre o campo empírico e o marco teórico. Nesta fase, as percepções de sujeitos e/ou
grupos de sujeitos do estudo relativas as categorias e subcategorias de análise foram
interpretadas. A interpretação do conteúdo das entrevistas foi realizadapor meio dos
núcleos de sentido identificados previamente.
22
2. A EDUCAÇÃO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO COMO
LIBERDADE
O desenvolvimento, assumido enquanto progresso, é o paradigma que segue
orientando as nações ocidentais neste início de século. O paradigma fundado pelos
países que lideraram a Revolução Industrial, baseado no consumo de produtos
industrializados e no dinamismo econômico gerado pelo progresso tecnológico, tornou-
se uma referência a ser seguida pelos demais países (FURTADO, 1974). No entanto,
esta concepção reduzida a aspectos econômicos secundariza fatores como a cidadania, a
cultura e a qualidade de vida. A opulência do mundo industrializado não consegue
atingir de forma efetiva problemas como a miséria, o aquecimento global ou o
analfabetismo. Como consequência, surgem perspectivas que buscam uma compreensão
do desenvolvimento em que outras dimensões da vida social tornam-se protagonistas.
O social, o econômico, o cultural e o ambiental, por exemplo, são dimensões
indissociáveis do contexto em que se inserem e próprios de cada território. Há uma
construção da ideia de desenvolvimento, enquanto um meio para se alcançar objetivos
concernentes à vida. Essas novas perspectivas compreendem o desenvolvimento como
um processo, que permite a melhoria da qualidade de vida das populações, “com o
intuito de apresentar outros caminhos e propostas alternativas para promover a inclusão
social, a valorização de bens culturais e ambientais e o bem-estar econômico”
(BRASILEIRO, 2012, p. 83).
Ummodo de entender o desenvolvimento é por meio da ampliação das
liberdades desfrutadas pela população envolvida.O desenvolvimento associado a
liberdade torna possível a valorização de processosque são construídos no território, que
visam a melhoria da qualidade de vida e da participação política dos que vivem no
próprio território. Desta maneira, entender o desenvolvimento pelo viés da liberdade
individual e coletiva permite uma visão ampla sobre as diferentes dimensões da vida e
do território.A noção de liberdade é ampla, incluindo a capacidade de interagir com o
mundo, de atuar politicamente, de ter assegurado o direito civil, não sentir fome, ter
acesso a serviços de saúde e saneamento, ou seja, preserva os direitos humanos. Para
distanciar a ideia de que o desenvolvimento depende de aspectos econômicos, o autor
do Desenvolvimento como Liberdade, Amartya Sen (2010), cita exemplos de
comparação entre nações ricas e pobres, destacando que nem sempre a maior renda
significa maior chance de viver. Comparando Kerala (India) com os Estados Unidos, a
23
expectativa de vida dos indianos é maior do que a dos negros norte-americanos, ainda
que estes tenham renda superior aos primeiros (SEN, 2010).
A ideia central desta perspectiva é a de que a liberdade humana é o fim
primordial do desenvolvimento (com um papel constitutivo) e o principal meio de
desenvolvimento (seu papel instrumental). Fatores como o aumento da renda e o avanço
tecnológico são considerados instrumentais, ou seja, são meios possíveis para se
alcançar a expansão das liberdades individuais. Há uma relação fundamental entre as
condições sociais e as liberdades instrumentais que o indivíduo desfruta. Neste sentido,
as liberdades individuais e sociais se complementam.
Existe uma acentuada complementaridade entre a condição de agente
individual e as disposições sociais: é importante o reconhecimento
simultâneo da centralidade da liberdade individual e da força das influências
sociais sobre o grau e o alcance da liberdade individual. Para combater os
problemas que enfrentamos, temos de considerar a liberdade individual um
comprometimento social (SEN, 2010, p. 10, grifo do autor).
Cinco tipos de liberdades instrumentais são realçados pelo autor, com o objetivo
de dar destaque às principais causas do cerceamento da liberdade: liberdades políticas,
facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança
protetora. As liberdades políticas referem-se ao direito de escolha, para que as pessoas
decidam sobre quem as governa. Engloba também a determinação dos princípios
políticos que serão seguidos e a possibilidade de atuar na fiscalização deste governo. A
dimensão econômica do desenvolvimento se refere às oportunidades de uso do próprio
recurso econômico para o consumo, a produção ou a troca. Está associada, desta forma,
à autonomia para a aplicação dos recursos e acesso ao crédito para indivíduos ou
empresas (SEN, 2010).
A dimensão social do desenvolvimento se relaciona à garantia de transparência
entre os indivíduos que interagem, à segurança protetora e às oportunidades sociais. O
primeiro aspecto trata da confiança que permeia as relações sociais, que pode ser
afetada por condutas corruptas, ilícitas ou irresponsáveis. A rede de segurança social
tem o papel de garantir condições de vida à população, diante de situações adversas.
Podem ser citadas as medidas de benefícios para desempregados ou a distribuição de
alimentos em momentos de crise. (SEN, 2010)
As oportunidades sociais, na perspectiva de Sen (2010), tratam das facilidades
que permitem ao indivíduo viver melhor. São considerados tanto aspectos para melhoria
da vida privada, como também para efetivar sua participação política e econômica. A
24
educação é uma oportunidade social: tanto no combate ao analfabetismo, que pode ser
uma barreira para uma vida mais independente, quanto na possibilidade de inserção em
atividades políticas e econômicas que, por exemplo, dependam de conhecimentos
técnicos.
Uma criança a quem é negada a oportunidade do aprendizado escolar básico
não só é destituída na juventude, mas desfavorecida por toda a vida (como
alguém incapaz de certos atos básicos que dependem de leitura, escrita e
aritmética). (SEN, 2010, p. 322)
A perspectiva de Sen, que trata do desenvolvimento a partir das liberdades, é
compartilhada por vários setores da academia, das instituições públicas, privadas e do
terceiro setor. O agravamento de problemas sociais e ambientais, em virtude de um
crescimento econômico desigual e predatório, contribui para que este novo
entendimento sobre o desenvolvimento seja endossada por organismos internacionais. O
novo paradigma do desenvolvimento foi discutido pela Organização das Nações Unidas
(ONU), por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Decorrente deste debate, o relatório sobre o Desenvolvimento Humano, publicado pela
primeira vez em 1990, dá visibilidade mundial à distinção entre crescimento econômico
e desenvolvimento. Tendo o próprio Amartya Sen como um de seus relatores, o
relatório reflete um posicionamento de pesquisadores e organizações que, desde os anos
1970, questionavam as consequências do progresso industrial:
Em 1990, o (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) PNUD
introduziu universalmente o conceito de Desenvolvimento Humano, que
parte do pressuposto de que para aferir o avanço na qualidade de vida de uma
população é preciso ir além do viés puramente econômico e considerar três
dimensões básicas: renda, saúde e educação. Esse conceito é a base do Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) e do Relatório de Desenvolvimento
Humano (RDH), publicado anualmente pelo PNUD1.
A perspectiva do Desenvolvimento Humano se assemelha à perspectiva do
Desenvolvimento como Liberdade (SEN, 2010). As duas abordagens consideram o
crescimento econômico como um instrumento para que aspectos qualitativos da vida
sejam melhorados. Este olhar crítico sobre a realidade pressupõe uma visão
interdisciplinar, que abranja todas as dimensões da vida social, entre elas, a educação.
Ao valorizar a cidadania alcançada por meio da educação, o desenvolvimento possibilita
à sociedade “fazer-se oportunidade” (DEMO, 2009, p. 14), no sentido de que a
1PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Sobre o PNUD. Disponível
em <http://www.pnud.org.br/SobrePNUD.aspx>. Acesso em 12 mar 2014.
25
sociedade seja protagonista na criação das próprias oportunidades de melhoria da vida.
Entre os indicadores utilizados para o ranking dos países (renda, saúde e educação), a
educação é uma estratégia decisiva para que a expectativa de vida e a renda alcancem
melhores resultados (DEMO, 1999).
No desenvolvimento, enquanto aumento das liberdades, a educação tem um
papel intrínseco e um papel instrumental. O papel intrínseco da educação está associado
a elementos subjetivos, “na medida em que contribui para o despertar cultural, a
conscientização, a compreensão dos direitos humanos, aumentando a adaptabilidade e o
sentido de autonomia, bem como a autoconfiança e a autoestima” (SACHS, 2008, p.
39). O papel instrumental da educação se refere à aproximação com o trabalho decente,
ao possível aumento da empregabilidade dos indivíduos. Portanto, depende de políticas
que equilibrem as desigualdades no próprio acesso à educação formal.
2.1. PROCESSOS EDUCATIVOS E O DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL
O acesso às oportunidades de educação tem um reflexo político na sociedade. A
relação entre o acesso à educação formal e a concentração de renda das famílias
(CORBUCCI, 2011), relacionada ao grau de participação política (RAMA, 1986)
reafirma a função política da educação. Na sociedade neoliberal, as pessoas com maior
renda possuem maior acesso às instituições formais de educação. A educação formal,
integrada ao envolvimento político do indivíduo, pode influenciar na função política
que a educação desempenha. Os efeitos desta associação contribuem para que a
educação exerça funções que ratificam a divisão social, como a transmissão da cultura e
do sistema dominante, maior apoio do governo, ocupação de cargos de liderança e
disponibilidade de mão de obra, que atenda as demandas do mercado (RAMA, 1986).
Há uma relação direta entre a renda das famílias e o acesso a escola. Na análise
dos dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD) do ano de 2009,
Corbucci (2011) constata maior incidência de analfabetismo em faixas de renda de até
um salário mínimo. Considerando que o papel instrumental da educação é também um
fator que limita o desenvolvimento das liberdades, a desigualdade de renda influencia a
viabilidade da educação, enquanto oportunidade para a formação de cidadãos mais
atuantes e integrados ao seu meio.
26
A função da educação para o desenvolvimento de um território não se apoia no
determinismo de causa e efeito. Não há como estabelecer uma correlação direta de que a
educação irá proporcionar o desenvolvimento humano. O conhecimento, quando
promove uma atitude, pode ser usado de forma positiva ou negativa (DEMO, 1999). Ao
assumir que a educação acontece durante toda a vida e em todos os momentos, passa-se
ao indivíduo a autonomia para aprender onde e o que quiser. Assegurar a liberdade para
o homem pensar criticamente não prescreve a natureza desta conduta.
A própria concepção da ideia de desenvolvimento se altera de acordo com as
práticas educacionais, formais e informais, estabelecidas no território. Quando há a
superação de práticas orientadas pelo e para o progresso técnico-industrial, outros
objetivos passam a ser reconhecidos pela sociedade. Ultrapassar as noções tradicionais
de desenvolvimento enquanto crescimento econômico, para além das estruturas e
perspectivas estabelecidas como modelo pela cultura ocidental, depende desta
conscientização por parte da população.
A educação deve reforçar o respeito pelas culturas, e compreender que elas
são imperfeitas em si mesmas, à imagem do ser humano. [...] Enquanto
continuarmos mentalmente subdesenvolvidos, aumentaremos o
subdesenvolvimento dos subdesenvolvidos. Em nossa era científica, a
diminuição da miséria mental dos desenvolvidos permitiria resolver
rapidamente o problema da miséria mental dos subdesenvolvidos. É
justamente esse subdesenvolvimento mental o que não conseguimos superar,
porque não temos consciência dele (MORIN, 2007, p. 105).
Superar o conceito de subdesenvolvimento é uma problemática decisiva para o
conceito de desenvolvimento. A função política da educação é acentuada, colocada em
destaque como forma de subsidiar a mudança de percepção sobre os valores e os
comportamentos vigentes, transformando o que as sociedades pensam sobre o próprio
desenvolvimento. Para tanto, Morin (2007) propõe eixos estratégicos-diretriz para que o
conhecimento complexo contribua o fortalecimento do ser humano, o reconhecimento
do mundo, o contexto em que vive e as relações que se estabelecem.
Em linhas gerais, os princípios propostos por Morin (2007) pretendem que o
conhecimento do todo seja relacionado ao conhecimento das partes e vice-versa. As
partes podem ser entendidas, por exemplo, como os indivíduos que trazem em si
aspectos culturais da sociedade em que se inserem (o todo), ao mesmo tempo em que a
sociedade é formada pelos indivíduos, em uma relação dialógica. O autor reconhece
também o papel ativo do sujeito na construção da sociedade, rompendo com a ideia de
27
linearidade da organização de sistemas – diferentes causas e efeitos agem criando
situações incertas. Não existem, portanto, processos autônomos, uma vez que são
múltiplas as formas de dependência do indivíduo, seja com o ecossistema ou com a
cultura (MORIN, 2007).
O primeiro eixo apresentado por Morin aborda o paradoxo existente entre as
ações conservacionistas e as revolucionantes. De acordo com o pensamento complexo,
as ações conservadoras e as ações revolucionantes são “antagonistas e complementares”
(MORIN, 2007, p. 100), na medida em que uma reafirma as formas de sobrevivência do
ser humano (conservacionista) e a outra, revolucionante, promove as revoluções e
progressos – biológicos, culturais e civilizatórios – necessários para a evolução humana.
O paradoxo existe porque a ação conservadora necessita do complemento de uma ação
revolucionante, afim de garantir a melhoria das relações da espécie humana com a
sociedade, com o conhecimento, com a natureza e com a tecnoburocracia.
O segundo eixo trata da ação de progredir resistindo, para que não haja um
retorno à brutalidade, tanto a presente nas “origens da história humana, mas também
aquela que surge da aliança da antiga barbárie de violência, ódio e dominação, com as
forças modernas tecnoburocráticas, anônimas e congeladas de desumanização e
desnaturalização” (MORIN, 2007, p. 102). O conhecimento, então, proporciona um
avanço da humanidade, com um diálogo entre ações conservadoras, revolucionantes e
de resistência.
O terceiro eixo trata do “regresso (reinvenção) do futuro e a reinvenção
(regresso) do passado” (MORIN, 2007, p. 106). Há uma relação entre
passado/presente/futuro que hoje se encontra conflituosa, pois cada sociedade tende a
afirmar o valor de um destes tempos, de forma dissociada. Cabe à educação, então,
revitalizar a forma como o presente se relaciona com o passado e com o futuro, evitando
que se criem ilusões sobre o futuro ou sobre a salvaguarda do passado, pois estes são
tempos que dialogam e se interpõem continuamente.
O quarto eixo estabelece que seja imprescindível que a educação contribua para
o surgimento de uma política da complexidade. Há uma crítica à política que se baseia
em uma forma racional e planejada de gestão, sem considerar as relações múltiplas e
indissociáveis que formam um problema. Com a articulação dos conhecimentos, será
possível “pensar global/agir local, pensar local/agir global” (MORIN, 2007, p. 109,
grifo do autor). A complexidade da política está associada à superação de uma
perspectiva reduzida da realidade.
28
O quinto eixo tem como premissa a civilização, a associação e a cooperação.
Com o propósito de alcançar uma civilização melhor, Morin (2007, p. 110), considera
que “não seria necessário cair uma vez mais no sonho da salvação terrestre. Querer um
mundo melhor, nossa finalidade principal, não é querer o melhor dos mundos”. A
proposta é que sejam construídas entidades planetárias que se concentrem na
geopolítica, reforçando as relações entre as sociedades e entre os contextos globais e
locais. Caberia à educação, neste sentido, promover a participação para que obstáculos
culturais, institucionais e étnicos sejam superados.
O sexto eixo traça uma diretriz que “permita problematizar e repensar o
desenvolvimento e criticar a ideia subdesenvolvida de subdesenvolvimento” (MORIN,
2007, p. 101). O autor reafirma que o sentido humano é o que mais importa no processo
de desenvolvimento, sendo então necessário abandonar sua concepção economicista,
com a colaboração da educação. Além disso, trata do próprio conceito de
subdesenvolvimento, que traz consigo a ideia de inferioridade em relação ao
desenvolvimento. O problema da mentalidade subdesenvolvida só se resolveria, então, a
partir da tomada de conhecimento de que esta mentalidade existe, possibilitando sua
superação.
Para alcançar a compreensão de uma realidade cada vez mais globalizada, na
educação do futuro há uma reunião dos saberes especializados e a superação da
hierarquia entre as ciências. Isso porque há uma tendência em diminuir a importância
dada às artes, aos saberes populares, à literatura, em detrimento das ciências naturais ou
matemáticas. Neste mesmo sentido, há uma valorização de índices quantificáveis, como
o de crescimento industrial ou de renda, em relação a aspectos mais difíceis de serem
mensurados, como o bem estar, a cidadania e a qualidade de vida.
Integrar o conhecimento existente e assumir outras formas de conhecimento
altera a forma como determinados paradigmas são reconhecidos. A educação tem o
papel de colocar o ser humano em diálogo com o outro e com os problemas de seu
tempo. Permite, assim, um posicionamento de resistência frente “aos poderes do
„desenraizamento‟ de que a civilização industrial a que nos filiamos está amplamente
armada” (FREIRE, 1967, p. 89). O desenraizamento do ser humano resulta de uma
massificação que o faz distanciar-se do seu contexto e dos seus desafios. Quando
integrado a sua realidade, o ser humano pode enraizar-se, com um posicionamento
crítico e corajoso.
29
Uma educação que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua
problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o advertisse dos
perigos de seu tempo, para que, consciente deles, ganhasse a força e a
coragem de lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu próprio
“eu”, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse em diálogo
constante com o outro. Que o predispusesse a constantes revisões. À análise
crítica de seus “achados”. A uma certa rebeldia, no sentido mais humano da
expressão (FREIRE, 1967, p. 90).
Trata-se de um processo contínuo e interativo. Desta forma, a educação não é
restrita a espaços ou a um tempo específico de aprendizagem, pois o ensino escolar é
uma das várias formas de aprendizagem. Os saberes adquiridos no cotidiano não são
menos válidos ou necessários do que os que fazem parte do currículo escolar. Assumir a
importância do que não se aprende só no espaço escolar institucionalizado confere
dignidade e legitimidade às experiências de cada indivíduo, possibilitando que formas
não hegemônicas de compreensão da realidade possam se fortalecer. Considera-se, desta
forma, a educação como um processo permanente e que não é neutro. Ou seja, a
educação ocorre durante toda a vida (permanente) e os indivíduos, mesmo
compartilhando experiências similares, possuem interpretações próprias (GADOTTI,
2000), pois cada um é sujeito na construção do conhecimento.
Além de superar a fragmentação do conhecimento, a formação cidadã não pode
ser restrita a uma instituição para a qual se atribui a função educativa. Para tanto, é
necessário um trabalho de junção entre conhecimentos formais e não formais2, em uma
compreensão que articula diferentes dimensões do saber, contribuindo para que visões
reducionistas da sociedade sejam superadas.
Os saberes formais com os quais trabalhamos (nas escolas) estariam, nesta
concepção, sempre e permanentemente entrelaçados a outros, de ordem
prática e informal, formando redes de conhecimentos que participam da
formação da rede de subjetividade que cada um de nós é (MACEDO, 2004,
p. 67).
O ensino formal, institucionalizado, é aliado ao conhecimento informal, como
estratégia para ampliar a perspectiva do desenvolvimento. Abrange, neste viés, o reforço
2Alguns autores estabelecem diferenças entre educação formal, não formal e informal. Segundo Von
Simson, Park e Fernandes (2001 apud GALANTE, 2008, p.22), a educação formal se dá de forma
sistematizada, com conteúdos definidos previamente. A educação não formal priorizaria situações e
experiências coletivas, objetivando a cidadania. Já a educação informal é mais abrangente, podendo
ocorrer de forma não organizada, ao longo da vida do indivíduo (por meio da família ou igreja, por
exemplo). Camargo (1998 apud GALANTE, 2008, p.9) também faz esta distinção, acreditando que a
educação completa ocorre pela junção de processos educativos formais, não formais e informais.
Considerando de forma ampla o processo educativo que ocorre além do tempo e espaço escolar
institucionalizado, a distinção entre educação não formal e informal não será aqui adotada.
30
à cidadania e à educação, para além das reduções positivistas, neoliberais e
instrucionistas (DEMO, 1999). Atribuem-se funções políticas ao campo educacional,
entendendo que o ser humano é formado por dimensões sociais, históricas e culturais e
que estas dimensões se complementam em todos os momentos da vida. Enquanto o
conhecimento for um aspecto formal, voltado majoritariamente para a qualificação e a
manutenção de competências necessárias ao mercado, não atingirá a autonomia
necessária para ser uma estratégia de emancipação.
A educação formal, associada à qualificação para o trabalho, é consequência da
influência do mercado sobre a sociedade. Decorre de uma perspectiva em que o avanço
técnico e industrial é o objetivo a ser alcançado pelas sociedades “desenvolvidas”,
havendo então um vínculo entre os mecanismos de trabalho e as práticas educacionais
de cada época. O produtivismo da educação brasileira, com origem entre os anos de
1950 e 1970, refletiu-se em uma visão de que a educação é objetiva, racional e técnica,
orientada ao trabalho industrial (LOMBARDI; SAVIANI; SANFELICE, 2005). É o que
possibilita afirmar que “digam-me onde está o trabalho em um tipo de sociedade e eu te
direi onde está a educação” (MÉSZÁROS, 2008).
Investir na educação significaria, na lógica do mercado, uma forma de incentivo
ao crescimento econômico, redução dos índices de desemprego e maior
competitividade, para que as economias nacionais se insiram no mercado mundial. O
que esta correlação não abrange são os problemas de exclusão, desigualdade e
segregação social que acompanham esta perspectiva. O caso brasileiro retrata esta
situação, em que o “modelo de desenvolvimento” do século XX atinge patamares
recordes de crescimento, ao mesmo tempo que convive com altos índices de
desigualdade social e educacional (LOMBARDI; SAVIANI; SANFELICE, 2005).
O desafio é superara lógica do capital, para que sejam estabelecidos valores que
promovam a cidadania. Significa uma quebra no paradigma de que a inserção no
mercado é o objetivo a ser alcançado, o que colabora para que o conhecimento tenha
este propósito, e não o de libertar. De acordo com Mészáros (2008, p. 12) “a educação
libertadora teria como função transformar o trabalhador em um agente político, que
pensa, que age, e que usa a palavra como arma para transformar o mundo.”
Atribui-se à educação o papel de protagonizar um processo de conscientização
que se estenderá para as demais estruturas da sociedade. Entendida desta forma, há um
extremismo em que não se consideram outros aspectos que formam o indivíduo, como a
cultura, a identidade e as relações sociais. Muitas expectativas atribuídas à relação entre
31
educação e desenvolvimento são fundamentadas por uma visão setorial “ou quando se
reduz a uma relação de mero manejo do conhecimento para fins de competitividade, ou
quando se abusa dela para prometer todas as transformações sociais” (DEMO, 1999,
p.11).
A educação é uma das dimensões estratégicas do desenvolvimento. Sob o risco
de tornar-se enganosa, esta relação requer que a cidadania seja garantida, como uma
forma de “despertar o espírito crítico, exercitar a capacidade de perguntar e questionar,
motivar a capacidade de argumentar para melhor intervir, impulsionar modos
alternativos de ler a realidade e assim por diante” (DEMO, 1999, p. 66). Entender o
ambiente em que vive significa estar alfabetizado, para decifrar e saber intervir na
realidade, mas vai além desta premissa. Envolve o olhar crítico, a intervenção e o
redirecionamento da própria história.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) discute, desde os anos 1970, estratégias para renovação da prática
educativa. Os pressupostos que orientam a atual perspectiva da entidade para a
educação do século XXI vão de encontro à concepção de que a formação de cidadãos é
o seu objetivo primordial. As bases para a compreensão da nova educação proposta pela
UNESCO, são os quatro pilares do Relatório Delors e os setes saberes discutidos por
Morin (2000). Os pilares do conhecimento do Relatório Delors seriam: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser (WERTHEIN;
CUNHA, 2005).
Os pilares aprender a conhecer e aprender a fazer referem-se aos objetivos
instrumentais e profissionais da educação. Portanto, relacionam-se aos aspectos formais
de ensino e aprendizagem. O aprender a viver juntos trata da educação para convivência
pacífica e solidária com o outro. O pilar aprender a ser está intrinsecamente ligado ao
exercício da cidadania, reunindo diferentes possibilidades de educação e ratificando a
importância de indivíduos que conheçam e atuem no mundo em que vivem. Neste
sentido, “é urgente que essa concepção de educação seja trabalhada por todos, pela
escola, pela família e pela sociedade civil, que juntos se disponham a explorar e
descobrir as ricas potencialidades que se escondem em todas as pessoas” (WERTHEIN;
CUNHA, 2005, p. 24).
Os sete saberes de Edgar Morin tratam da epistemologia da educação, com um
recorrente questionamento da validade e dos métodos do conhecimento. Tem como
missão “ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da
32
solidariedade intelectual e moral da humanidade” (MORIN, 2000, p. 93), com o
objetivo de colocar em evidência a necessária revisão dos valores que são transmitidos
por meio da educação. São propostas que buscam superar o conhecimento fragmentado
e a ideia de supremacia entre os povos; assim como incluir aspectos éticos que
conduzam a uma convivência pacífica e comunitária (WERTHEIN; CUNHA, 2005). Os
saberes necessários à educação, de acordo com Morin (2000) são:
a) As cegueiras do conhecimento - o erro e a ilusão: o conhecimento é uma
forma de percepção e tradução das coisas e do mundo, o que coloca o sujeito
que o interpreta como parte do que é interpretado. Por ser dotado de emoções
e sentimentos, não há um pensamento racional imune aos erros e as ilusões.
b) Princípios do conhecimento pertinente: o sujeito conhecedor do mundo em
que vive, do contexto, do global, do multidimensional e das relações
complexas que acontecem ao seu redor.
c) Ensinar a condição humana: integrar o ser humano ao universo, trabalhando a
diversidade da espécie humana, ao mesmo tempo que a considera uma
unidade;
d) Ensinar a identidade terrena: considera que o envolvimento do ser humano
com o volume de informações fragmentadas.
e) Enfrentar as incertezas: a história humana é incerta e contínua. A criação e a
destruição não podem ser previstas, o que contradiz a ideia da ordem e da
linearidade dos fenômenos sociais, vigente no século XX;
f) Ensinar a compreensão: no sentido solidário, no combate a incompreensão e a
intolerância entre povos e culturas diferentes. Por maior que seja o acesso a
informação, somente pela educação será possível entender o conhecimento
que se dissemina e as ideias que o “outro” possui.
g) A ética do gênero humano: entendido como uma interação contínua entre
indivíduo/sociedade/espécie. A ética traz em si um pouco dos outros saberes,
para que o ser humano possa ter consciência da humanidade e da cidadania.
Os aspectos abordados por Morin (2000) tratam da importância da educação na
construção do pensamento e na compreensão da realidade. O autor defende o caráter
transformador da educação, atribuindo-lhe a capacidade de promover a solidariedade
entre as sociedades, na medida em que se reconheça a diversidade como parte da
unidade humana. Uma vez que estes pilares fazem parte do documento divulgado às
33
nações, por meio da UNESCO, as propostas ratificam o entendimento de que o ensino
vai além da função instrumental (WERTHEIN; CUNHA, 2005)
Valores como solidariedade, cidadania e respeito são os fundamentos para a
educação do século XXI (WERTHEIN; CUNHA, 2005). A formação humana, assim
como o Desenvolvimento Humano proposto pelo PNUD, faz parte da perspectiva em
que se superam os dogmas econômicos. Entende-se que o ser humano é o fator central
do desenvolvimento, cuja finalidade é a melhoria da qualidade de vida. Não há como
pensar o desenvolvimento sem pensar a educação. Porém, considerada de forma isolada,
a educação não promove as transformações sociais e políticas fundamentais para
embasar a formação de cidadãos.
Considera-se primordial a compreensão de que as dinâmicas sociais,
econômicas, políticas e culturais formam no território uma rede indissociável. Estas
dinâmicas exercem influência sobre o indivíduo, assim como o indivíduo também as
influencia. As práticas educacionais formais e não formais se completam e também se
correlacionam com os demais elementos que atuam no tecido social. Seja a família, os
meios de comunicação, as instituições públicas e privadas, artes, trabalho, cultura, lazer,
entre outros, todos atuam em maior ou menor grau na formação da sociedade.
De forma reflexiva, a educação altera a forma de pensar o desenvolvimento que,
por consequência, altera as perspectivas da educação. Na medida em que há a
conscientização sobre o desenvolvimento enquanto qualidade de vida e liberdade, esta
compreensão reproduz-se nas múltiplas e complexas dimensões da sociedade. Em
especial, há reflexos na forma de entender a atividade turística enquanto processo
educativo dos que viajam e dos que recebem os viajantes em seu território. Reflete-se,
portanto, na forma de compreender o turismo como fenômeno sociocultural associado à
educação e ao desenvolvimento.
34
3. PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO NA RECONSTRUÇÃO DO TURISMO
As perspectivas modernas que assumem o desenvolvimento enquanto
industrialização e progresso econômico estabelecem parâmetros para a educação formal
baseados no trabalho industrial. No atual período de transformações socioculturais,
políticas e econômicas pelas quais passam as sociedades contemporâneas, a
compreensão do desenvolvimento tem sido paulatinamente reconstruída para aspectos
que visam a qualidade de vida e a liberdade, tornando o ser humano o propósito
fundamental. Ter uma sociedade com uma formação educacional ampla e permanente,
revaloriza os papéis instrumental e intrínseco da educação na formação dos cidadãos,
sem os quais não é possível haver desenvolvimento. As práticas não formais de
educação apresentam-se, neste contexto, como fundamentais no processo de
transformações socioculturais.
As vivências e as experiências que se tornam processos educativos não formais
dependem dos interesses e da liberdade de escolha de cada pessoa. A educação não
formal abrange processos de aprendizagem em que se “prioriza a vivência de situações
e experiências coletivas, e o aprendizado se dá por meio da prática social. A cidadania é
seu objetivo principal, e é pensada em termos coletivos” (Von Simson, Park 2001
citados porGALANTE, 2008, p. 9). O aprendizado baseado em experiências não
formais visa, portanto, aprendizagens relacionadas às emoções e sentimentos das
pessoas que participam. Formas tradicionais de avaliação do aprendizado não se
aplicam ao processo de educação não formal, pois estes critérios de avaliação tendem a
reduzir a riqueza do saber construído a objetivos formaisda educação (GADOTTI,
2005).
Na figura a seguir, são apresentadas as principais características que permitem
entender o que se considera educação formal e educação não formal. Gohn (2006) faz
ainda, a distinção entre os aspectos da educação não formal e da educação informal, os
quais foram reunidos no quadro comparativo com o conceito único de educação não
formal. Cabe ressaltar que as fronteiras conceituais que se estabelecem entre a educação
formal e não formal são superadas na prática, como nos momentos de recreação nas
escolas em que alunos interagem livremente.
35
Figura 4: COMPARAÇÃO DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA
EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL
FONTE: Adaptado de Gohn (2006, p. 28-31)
EDUCAÇÃO FORMAL EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
Campo de
desenvolvimento
Escolas e universidades, com
conteúdo previamente
selecionados
Compartilhamento de experiências em
espaços coletivos; dá protagonismo aos
valores e à cultura, próprios dos grupos
que interagem.
Quem é o educador? Professores O grupo com o qual se interage ou do
qual se faz parte.
Qual é o espaço
físico/ territorial onde
transcorrem os atos e
os processos
educativos?
Escolas; instituições
regulamentadas por lei,
certificadoras, organizadas de
acordo com as diretrizes
nacionais.
Territórios que fazem parte da
trajetória de vida dos grupos e
indivíduos – além das escolas. Locais
informais onde há a intenção de
interagir com o ambiente ou com
outros grupos.
Como se educa?
Em ambientes normatizados,
seguindo regras e padrões
comportamentais
previamente estabelecidos.
Em ambientes e situações interativas;
formados espontaneamente ou
construídos para a vivência coletiva
(onde há a intenção de participar, de
aprender e de transmitir ou trocar
saberes).
Qual a finalidade ou
objetivos?
Ensino e aprendizagem de
conteúdos sistematizados,
normatizados por leis.
Objetivos não são previamente
estabelecidos, são construídos de forma
interativa, de acordo com o interesse de
quem participa. Finalidade é socializar
os indivíduos, desenvolver hábitos,
atitudes, comportamentos, modos de
pensar de acordo com o interesse
pessoal.
Principais atributos
Requer tempo, local
específico, equipe
especializada, organização e
sistematização das atividades.
Tem caráter metódico.
Não é organizada por séries/
idade/conteúdos; atua sobre aspectos
subjetivos do grupo. Atua no campo
das emoções e sentimentos. É um
processo permanente.
Ajuda na construção da identidade
coletiva do grupo; pode colaborar para
o desenvolvimento da autoestima e do
empoderamento do grupo.
Quais os resultados
esperados?
Espera-se que haja uma
aprendizagem efetiva, além
da certificação e titulação que
capacitam os indivíduos a
seguir para graus mais
avançados.
Os resultados não são pré-definidos,
mas pode desenvolver processos de
conscientização sobre o coletivo;
construção e reconstrução de
concepções de mundo e sobre o
mundo; sentimento de identidade com
uma dada comunidade; dá condições
aos indivíduos para desenvolverem
sentimentos de auto-valorização, de
rejeição dos preconceitos. Os
indivíduos aprendem a ler e interpretar
o mundo que os cerca.
36
As vivências educativas não formais são subjetivas, dependem do interesse de
cada indivíduo. Existe previamente uma intenção de ter a vivência e aprender, por ser
um processo que ocorre no território em que o indivíduo deseja estar, sem
obrigatoriedade. No entanto, as escolhas pessoais e coletivas são influenciadas tanto por
valores vinculados ao trabalho, como pela comunicação de massa, pelo ambiente
familiar e pela escola. Para que a educação não formal contribua para a promoção de
transformações sociais, é necessário que os indivíduos tenham a criatividade, a
liberdade e o relacionamento interpessoal incentivados por diferentes meios. Dependem,
portanto, do processo de educação pelo e para o lazer, que podem atribuir novos
significados aos momentos de lazer. Quando se faz referência ao lazer, define-se como:
[...] experiências subjetivas, materializadas em práticas físico-esportivas,
turísticas, artísticas e recreativas que formam parte de uma estrutura social,
vivenciada por um período de tempo, sem caráter obrigatório. [...] Os
indivíduos que destas práticas participam, manifestam suas emoções mais
latentes, como um modo de ser e perceber a vida, dentro de um descontrole
socialmente aprovado (BRASILEIRO, 2013, p. 103).
A proposta de aprendizagem pelo e para o lazer se aplica, portanto, às diversas
formas nas quais o lazer se manifesta, dentre elas a atividade turística. Desta forma, a
relação entre lazer e educação abrange também a educação pelo e para o turismo.
O turismo é entendido como um fenômeno complexo, formado pelas relações
que se estabelecem no sistema turístico e também pelas múltiplas interpretações
resultantes da diversidade de agentes que participam deste sistema. Cada agente
participante do sistema turístico interpreta o turismo com base nas próprias referências
culturais, pessoais e coletivas (MEDINA, 2012). A educação pelo e para o turismo são
oportunidades para se ampliar, aprofundar e transformar a forma como os agentes
envolvidos com o turismo compreendem e vivenciam este fenômeno.
3.1. OS PROCESSOS EDUCATIVOS E A EDUCAÇÃO PELO
TURISMO
A origem do turismo está associada à educação. No século XVIII, a aristocracia
inglesa estabelece para os jovens dessa classe social o Grand Tour, roteiro cujo objetivo
era visitar alguns países do continente europeu para conhecer a cultura erudita e o
“mundo real”, após o período dedicado a educação formal. Era um momento que
marcava a transição entre a juventude e a vida adulta, visando uma formação ampla do
37
viajante em relação às diferentes culturas. Esses roteiros incluíam a França, Itália, Suíça,
Alemanha e Países Baixos, com duração de seis meses a um ano (Withey, 1997 citado
por TASCHNER, 2008, p. 63)
A partir do século XIX, o Grand Tour passa a ser incorporado por outras classes
sociais, com diferentes nacionalidades. O roteiro é reeditado de acordo com os períodos
de prosperidade e guerra, e sofre transformações com os avanços nos meios de
transporte e hospedagem. Com os progressos em mobilidade, conforto nas viagens e
curiosidades sobre o desconhecido, o volume de pessoas viajando cresce
exponencialmente. A isto se acrescentam novas motivações e os serviços associados ao
turismo passaram a ser comercializados pelo grande público (Withey, 1997 citado por
TASCHNER, 2008, p. 65). O turismo, na segunda metade do século XX, deixa de ser
consumido somente pela elite e ascende enquanto produto comercial acessível a
diferentes classes sociais.
O turismo moderno transita, portanto, de uma origem estreitamente ligada à
educação não formal, para um movimento de massa cujos objetivos comerciais superam
os objetivos originários do Grand Tour. As grandes empresas do setor se apropriam das
possibilidades de crescimento no volume de turistas, barateando e homogeneizando os
produtos. A dimensão educativa, no turismo de massa, é também reconstruída. Na
contemporaneidade, o entendimento da educação pelo turismo é reduzido a um encontro
simulado, uma simplificação ou caracterização da realidade, para torná-la rapidamente
legível a um grupo maior de pessoas. Independente do segmento a que a lógica do
turismo de massa se aplica, a educação pelo turismo fica restrita à reprodução da
dinâmica formal dos processos turísticos, nos quais a experiência é conduzida com base
em vivências padronizadas. Quando há a inserção de experiências educativas nos
roteiros e atrativos do turismo de massa, estas baseiam-se na transferência de
informações predeterminadas.
A educação pelo turismo é também apropriada por instituições formais de
educação. Diante da necessidade de aprendizagem complementar aos conteúdos da
educação formal, paulatinamente a escola reconhece e se utiliza do turismo como
processo educativo. Gabrielsen e Holtzer (1971) tratam dos estímulos e das experiências
proporcionadas ao aluno pelo contato com a natureza, com iniciativas registradas desde
a década de 19303. A educação extraescolar, na qual se inclui o turismo, visa possibilitar
3 Entre estas inciativas estão a Outdoor Education Association (1940) e a Fundación W.K. Kellogg (1930
e 1940). (GABRIELSEN; HOLTZER, 1971)
38
a compreensão dos ambientes naturais e urbanos e também o incentivo ao contato entre
alunos e professores. É um processo educativo conduzido pela instituição formal que,
ao mesmo tempo, conserva modos de gerir o processo e avalia o ensino-aprendizagem
com características formais, mas também possibilita que cada aluno se desenvolva por
meio da própria experiência e da convivência com outros indivíduos.
Na atualidade, a educação pelo turismo é um segmento reconhecido
nacionalmente pelo Ministério do Turismo (BRASIL, 2010a). As viagens de cunho
educativo são encontradas com as seguintes denominações: Turismo Educacional,
Turismo de Intercâmbio, Turismo Educacional-Científico, Turismo Universitário,
Turismo Científico, Turismo Estudantil e Turismo Pedagógico (BRASIL, 2010a). Estas
denominações têm como foco a motivação da viagem, sendo o Turismo de Estudos
conceituado como a “movimentação turística gerada por atividades e programas de
aprendizagem e vivências para fins de qualificação, ampliação de conhecimento e de
desenvolvimento pessoal e profissional” (BRASIL, 2010, p. 16a). A partir dessas
vivências, o Ministério do Turismo reconhece que podem ocorrer processos educativos
formais e não formais.
O documento de orientação ao Turismo de Estudos e Intercâmbio, no entanto,
aponta para uma preocupação quase exclusiva com as viagens de intercâmbio
intercultural (aprendizado de outra língua ou qualificação), associando, em um primeiro
plano, o turismo a uma qualificação instrumental/formal. Percebe-se que o Ministério
do Turismo conserva a estruturação do turismo com objetivo educativo com base no
turismo de massa. Na orientação para que o destino se torne atrativo ao Turismo de
Estudos e Intercâmbio, espera-se que as características do destino se adequem às
preferências e ao comportamento da demanda, motivada pela existência de uma
instituição de ensino de interesse no território (BRASIL, 2010a). Há, portanto, uma
ratificação da ideia de que o turismo no território seja desenvolvido em função da
demanda, retirando a importância dos interesses e dos valores locais.
No que se refere à participação da comunidade local, a orientação é para que seja
“constantemente envolvida no processo de agregação de atratividade voltada à
experimentação turística, de modo a proporcionar sensações, emoções e aprendizado ao
turista” (BRASIL, 2010a, p. 42). O aprendizado do turista é o único objetivo
explicitamente proposto. O modo de pensar a educação pelo turismo, em função dos
turistas, é ainda ratificado nas orientações para o desenvolvimento da consciência
turística nas comunidades.
39
Neste sentido, a orientação é para preparar “anfitriões para receber bem, acolher
com satisfação e servir com excelência aos turistas, usuários dos serviços prestados”
(BRASIL, 2010a, p. 43). Mesmo que haja uma ideia secundária de que os anfitriões
sejam, neste caso, sujeitos da educação, visando o melhor atendimento ao turista,
reforça-se a adaptação do autóctone ao turista. Pode-se tratar esta orientação como uma
forma de hierarquização dos valores atribuídos ao autóctone e ao turista, sendo o turista
o principal sujeito do processo educativo.
A perspectiva da educação pelo turismo adotada pelo Ministério do Turismo no
Brasil não abrange uma perspectiva em que o turismo promove o diálogo intercultural
de forma igualitária e o compartilhamento de experiências entre autóctones e turistas. A
educação dos turistas com os autóctones pode ser promovida pela própria comunidade
receptora, pelos gestores do turismo no território ou por outro agente. Desta forma, é
possível que haja o compartilhamento de conhecimentos, visando a construção de
diálogos e o estabelecimento de novos valores. Os turistas e os autóctones participariam
conjuntamente das vivências lúdicas, sem que sejam criados simulacros ou espaços
destinados ao turista, separados dos espaços destinados à comunidade receptora
(BRASILEIRO, 2012).
A reconstrução do papel educativo do turismo é abrangente, baseada na
construção de novos valores para o próprio turismo. A educação pelo turismo está
associada às possibilidades de educação não formal que ocorrem nos momentos em que
turistas e autóctones compartilham experiências. O turismo, na perspectiva da
valorização do território em que ocorre, possibilita que turistas e autóctones interajam e
aprendam conjuntamente, buscando a formação cidadã por meio da educação não
formal.
A educação pelo turismo diz respeito ao uso do tempo livre e de lazer para
atividades de turismo, como momentos não formais de educação. Alia, portanto,
satisfação e aprendizado. O lazer abrange o desempenho de uma atividade durante o
intervalo temporal em que o indivíduo está livre de suas obrigações, desde que realizada
de forma prazerosa. De forma que “educar en el tiempo libre, pues, simplemente
significa aprovechar este tiempo como marco de alguna actividad educativa, sea del tipo
que sea” (ROVIRA; TRILLA, 1996, p. 83, grifo dos autores). Ratifica-se o valor
subjetivo da experiência, o enriquecimento pessoal e a formação humana, cujo resultado
só pode ser qualificado por quem vive a experiência.
40
A educação no tempo livre e de lazer, associada às vivências turísticas, pode
contribuir para o desenvolvimento pessoal e social. O prazer e o relaxamento gerados
pelas vivências turísticas contribuem para que o indivíduo se sinta modificado por
aquela experiência. O desenvolvimento pessoal pode acontecer por meio do
aprendizado instrumental, no qual o indivíduo passa por um processo de ensino-
aprendizagem visando a utilização prática do conteúdo aprendido. As vivências
turísticas contribuem também para o desenvolvimento social no sentido do aprendizado
vivencial, que resulta na melhor compreensão de valores, da cultura e das realidades do
mundo. Como analisa Marcellino (2011), a educação que ocorre durante uma
experiência lúdica sensibiliza o indivíduo e este estímulo reflete-se no coletivo,
resultando no desenvolvimento social.
Pelo reconhecimento das responsabilidades sociais, a partir do aguçamento
da sensibilidade ao nível pessoal, pelo incentivo ao auto aperfeiçoamento,
pelas oportunidades de contatos primários e de desenvolvimento de
sentimentos e solidariedade (MARCELLINO, 2011, p. 51).
Os processos educativos que ocorrem na atividade turística podem ser
experiências enriquecedoras e solidárias. O turismo é uma experiência compartilhada,
em que a comunicação e a vivência conjunta contribuem para a redução das diferenças
entre grupos sociais. A educação pelo turismo contribui para o reconhecimento do
território em que se vive, tanto do turista ao retornar a sua residência, como do
autóctone que vive no local visitado. É um processo contínuo e permanente que resulta
no desenvolvimento de habilidades, valores e atitudes. No compartilhamento de
momentos entre turistas e autóctones, é possível reconhecer as diferenças e as
semelhanças da cultura de cada um, praticando o respeito à diversidade cultural. As
vivências conjuntas entre turistas e autóctones podem promover um aprendizado
duradouro, em que há “mudanças no olhar, nos comportamentos, nos valores dos
turistas e autóctones” (BRASILEIRO, 2012, p. 91).
Baseado nesta possibilidade de transformação social pelo turismo, Krippendorf
(2000)defende duas teses possíveis em relação ao que a experiência de viagem pode
promover no turista. A primeira é a de que não ocorre uma real mudança de
comportamento no turista após a viagem. Neste sentido, sobram os souvenirs e as fotos,
e a retomada da vida cotidiana anula as impressões tidas durante a viagem, podendo ser
associada a uma experiência do turismo de massa. A segunda tese do autor é a de que o
41
aprendizado que ocorre durante a viagem, a partir do contato com a comunidade
receptora, promove novas atitudes e comportamentos no turista.
Estas teses de Krippendorf (2000) reforçam que há um potencial educativo no
turismo, porém depende de como a experiência é vivida. Quando o contato com o
território visitado acontece de forma superficial ou simulada, no caso de haver
aprendizado, este será efêmero, por ser descontextualizado. O valor das experiências
lúdicas e prazerosas para os agentes envolvidos com o turismo, está na possibilidade de
compreensão do outro e de si mesmo. Para tanto, é necessário um questionamento sobre
a forma hegemônica de se pensar o turismo na modernidade, baseado no turismo de
massa.
Para que a viagem proporcione aos turistas novos comportamentos e percepções,
que serão assimilados mesmo após o retorno ao domicílio, é necessário que sejam
promovidas vivências junto à comunidade visitada. No entanto, o entendimento
hegemônico de que os turistas são consumidores, em busca de tradições ou de
resquícios do passado, contribui para que sejam construídos produtos turísticos
descontextualizados dos territórios em que se inserem. Mesmo quando os autóctones
percebem o que é apresentado ao turista como um elemento cultural próprio do
território, pode haver uma sintetização ou reinvenção deste elemento, para que seja
melhor percebido pelo visitante (SANTANA TUREGANO, 2009). A educação pelo
turismo não é pensada para reafirmar tais condutas, mas para transformá-las. Um
reforço coletivo no entendimento da diversidade cultural e dos aspectos não formais das
vivências turísticas, assim como o aprendizado conjunto entre turistas e autóctones
poderá ser um dos caminhos para a educação pelo turismo.
Ao tratar do encontro entre turistas e visitantes, Santana Turegano (2009, p. 156)
aponta o surgimento de uma “cultura do encontro”, gerada pela associação de conceitos
e valores culturais de turistas e de autóctones. É uma combinação única entre a cultura
do turista e a cultura do autóctone, havendo a assimilação de elementos da cultura de
ambos, o que pode ser entendido como uma forma de aprendizado positiva. Como se
trata de uma relação complexa, existem aspectos positivos e negativos. Tanto
autóctones quanto turistas podem ter momentos de aprendizado que contribuam para a
formação humana e cidadã, mas podem também compartilhar experiências que resultem
em perda da identidade cultural ou geração de novos conflitos, como no caso do turismo
sexual. No entanto, em uma realidade cujos meios de comunicação estão
42
constantemente produzindo valores, avaliar mudanças culturais somente pelo ponto de
vista do contato com o turismo é uma compreensão parcial e reduzida do fenômeno.
A educação pelo turismo, que contribui para o desenvolvimento humano de
turistas e autóctones, relaciona-se à percepção que se tem sobre o uso do tempo livre. O
modo de fazer turismo e entender o turismo, quando se insere em um território, é
aprendido socialmente. Portando, a dimensão educativa do turismo abrange também a
educação para o turismo, como forma de construir um novo entendimento sobre este
fenômeno.
3.2. A EDUCAÇÃO PARA O TURISMO: NOVOS CAMINHOS, NOVOS
OLHARES
As atividades que podem ser entendidas como manifestações turísticas são
diversas, pois se relacionam com a subjetividade inerente a essas vivências. A educação
tem um papel fundamental em preparar os indivíduos para viverem momentos de lazer
na atividade turística de forma criativa e profunda, por meio da formação do indivíduo
para que utilize esse tempo de forma positiva. Ou seja, trata da possibilidade de que
momentos de aprendizado não formal sejam considerados prazerosos e lúdicos.
O turismo é uma das manifestações do lazer mais procuradas pelas sociedades
contemporâneas. A ascensão do turismo enquanto atividade de lazer é impulsionada por
preços mais acessíveis dos meios de transporte e de hospedagem e é também
consequência da necessidade criada de que o ser humano se distancie da rotina e da vida
cotidiana, no tempo e no espaço, para se sentir satisfeito. Os seres humanos buscam no
turismo o renovar do cotidiano, mesmo quando esses momentos podem ser vividos no
próprio lugar em que moram. “Nos nossos dias, a necessidade de viajar é sobretudo
criada pela sociedade e marcada pelo cotidiano. As pessoas viajam porque não se
sentem mais à vontade onde se encontram, seja nos locais de trabalho, seja onde
moram” (KRIPPENDORF, 2000, p. 14).
A necessidade de viajar é também construída pela publicidade em torno dos
destinos turísticos. O objetivo das mensagens publicitárias é o aumento da demanda, em
um contexto de grande concorrência entre os destinos. A busca pelo turista em potencial
faz com que a escolha da viagem para determinado local seja vendida como a realização
de um sonho. O turista viaja em busca de algo, impulsionado pelo meio social e pelas
mensagens publicitárias e com a intenção de aproveitar ao máximo a oportunidade.
Inserido neste paradigma, o turismo desperta um comportamento egocêntrico, de
43
satisfação das próprias vontades independente dos impactos para o outro
(KRIPPENDORF, 2000).
A educação para o turismo tem papel preponderante nos fatores que motivam o
ser humano a viajar. Conforme apontado, o turismo é uma necessidade construída, que
na contemporaneidade é estimulado pela publicidade e pelo desejo de romper com a
vida cotidiana, de conhecer coisas novas. Retomando o que foi apresentado sobre o
Grand Tour, pode-se afirmar que o turismo era, naquele momento, impulsionado pela
vontade de aprender, de conhecer outras culturas. Esta comparação entre dois momentos
distintos da atividade turística demonstra como os valores e hábitos de cada sociedade
influenciam e são influenciados pela atividade turística. O reestabelecimento do turismo
enquanto atividade educativa, portanto, está associado à mudança no sentido que se
atribui ao turismo. A educação para o turismo é a base para que os seres humanos
entendam e vivenciem o turismo como uma oportunidade de aprendizado, no sentido do
enriquecimento cultural e da formação cidadã.
A educação para o turismo visa, do ponto de vista dos turistas, superar o
comportamento predatório, principalmente em territórios subdesenvolvidos ou em vias
de desenvolvimento. Do ponto de vista do autóctone, a educação para o turismo
contribui para que o desenvolvimento do turismo em um território não seja
exclusivamente impulsionado pelas possibilidades de retorno financeiro. De forma
complexa e reflexiva, é uma transformação conjunta, uma mudança de paradigma para
toda a sociedade. Conforme afirma Coriolano (2003, p. 66), “é difícil o turismo mudar
sozinho, daí porque temos que mudar também a sociedade”.
Modificando-se as relações socioculturais e as formas de compreender e viver o
lazer, modifica-se o turismo, que retroalimentará a mudança em curso. Para que o
turismo seja entendido como uma atividade lúdica, multidimensional, libertadora e
subjetiva, é necessária uma mudança de paradigma que não se encerra no turismo. Os
novos olhares sobre o turismo estão associados àtransformação no entendimento que se
tem sobre o valor da interculturalidade, sobre a igualdade nas relações sociais, a
mercantilização da vida, a formação humana e a diversidade territorial, em todos os
segmentos da sociedade. O turismo, desenvolvido em conformidade com os aspectos
citados, fundamenta o que se entende por uma experiência educativa para turistas e
autóctones. Esta transformação implica o envolvimento dos diversos agentes do
território, para que seja contínua. A educação não formal, sendo um processo de livre
44
participação, contribui para que o debate sobre o turismo envolva diversos agentes e se
amplie para todo o território.
A educação para o turismo, no atual contexto em que a projeção do turismo em
um território é baseada na geração de renda e na criação de empregos, é
majoritariamente entendida como capacitação para trabalhar neste segmento. O objetivo
é promover cursos que melhorem o atendimento aos turistas. Porém,as oportunidades de
emprego geradas no destino, em especial, aqueles destinos considerados
“subdesenvolvidos”, restringem-se a subempregos, com baixa remuneração e pouca
interferência na gestão. Restringir o papel da população autóctone ao trabalho nos
equipamentos e atrativos turísticos – servindo turistas – reduz o turismo a contratos de
trabalho. Promove-se, então, um encontro baseado na exploração de autóctones, por
meio de trabalhos precários, e de turistas, pela oportunidade de retorno financeiro que
representam.
A capacitação para o turismo é um viés educativo relevante, desde que envolva a
comunidade autóctone nos processos decisórios e deliberativos. Portanto, não se baseia
na educação para o manejo do conhecimento técnico voltado para a produtividade, mas
no sentido de educação como um processo que contribui para a expansão da liberdade
da comunidade. Com base em Sen (2010), a liberdade consiste em garantir que o ser
humano tenha escolha, a partir da eliminação de privações que possam limitar estas
escolhas. A formação para o turismo seria, então, o aprendizado para “que sejamos seres
sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em
que vivemos e influenciando esse mundo” (SEN, 2010, p. 29).
A educação para o turismo alia-se ao conhecimento para a cidadania, formando
os autóctones para a participação nas decisões do sistema turístico. O teor político da
educação está na “iniciação à habilidade de saber pensar e de aprender a aprender, [...]
um substrato formal para o exercício da cidadania popular” (DEMO, 1999, p. 66). As
vivências lúdicas compartilhadas por turistas e autóctones são, por si, um momento de
aprendizado. Aprender a conhecer as diversidades culturais e entender a forma como
pensa e vive o outro, instiga a mudança de comportamento, sem a necessidade de que
este aprendizado seja institucionalizado.
A diversidade de vivências e de aprendizados gerados por processos de educação
não formal constitui-se um meio para que a sociedade se desenvolva. A educação para o
turismo é, assim, uma base para que se fomente a educação pelo turismo. São ideias
complementares, que podem ser reunidas no entendimento de educação mediante o
45
turismo. Rovira e Trilla (1996, p. 84) utilizam a expressão de educação mediante o
lazer, com o sentido de que o ser humano seja educado para os momentos de lazer,
principalmente por meio das próprias atividades de lazer.
A educação para o turismo e a educação pelo turismo são complementares no
estabelecimento de uma perspectiva do turismo aliada ao desenvolvimento enquanto
liberdade. Para haver liberdade, é necessário o diálogo entre turistas e autóctones, assim
como um turismo que desperte e provoque a criatividade e o espírito crítico destes
agentes. É fundamental que a relação entre turistas e autóctones se estabeleça em um
ambiente que propicie o desenvolvimento pessoal e social. A ascensão de novas
perspectivas para o turismo envolve a valorização da diversidade territorial, pelo
reconhecimento das dinâmicas sociais, históricas, culturais, ambientais e econômicas
que lhe são próprias. A homogeneização dos territórios no turismo de massa pode ser
superada pela diversidade, em uma nova proposta de turismo, o turismo situado
(ZAOUAL, 2008).
3.3. DO CRESCIMENTO DO TURISMO DE MASSA, AO
DESENVOLVIMENTO DO TURISMO SITUADO
A relação dialógica (MORIN, 2007) entre o turismo e o desenvolvimento
condiciona uma constante interdependência entre a perspectiva de desenvolvimento que
se adota em um território e a forma como a atividade turística é estabelecida nele. Na
relação entre o desenvolvimento e o turismo, pautado pelo paradigma do crescimento
econômico, o aumento da renda e a geração de empregos são os principais objetivos do
projeto turístico em um território. Considerado como um fenômeno sociocultural, o
turismo pode ter como base novos paradigmas de desenvolvimento, que consideram a
qualidade de vida e a liberdade de turistas e autóctones como objetivos primordiais.
Nesta perspectiva, encontram-se aspossibilidades de desenvolvimento da educação pelo
e para o turismo.
O turismo é multidimensional por ser um fenômeno sociocultural. Significa
entender que o turismo possui uma dimensão econômica, porém, engloba também
outras dimensões – sociais, ambientais, culturais, políticas, educativas. O foco na
dimensão econômica do turismo reflete-se na importância que atualmente os setores
públicos e privados atribuem à quantidade de investimentos e visitantes que cada
46
destino recebe. O turismo é uma atividade cujo sucesso está, ainda, relacionado a
aspectos quantitativos, em especial, ao movimento financeiro que lhe é atribuído.
Decorrente desta perspectiva, tem-se o turismo de massa mensurado pelo grande
volume de pessoas viajando a preços baixos, o que tornou os serviços e os produtos
homogeneizados (BRASILEIRO, 2012).
A opção pelo turismo de massa em detrimento de um projeto turístico que
busque benefícios amplos e duradouros à comunidade e ao meio ambiente reafirma, a
ideia de que o progresso é medido por índices apenas quantitativos. Na medida em que
operadoras de turismo se inserem no território, o interesse destes agentes é que seja cada
vez maior o número de turistas. Mesmo quando incentivado pelo próprio poder público
local, o turismo de massa é tratado como mais uma atividade econômica estabelecida no
território. A dimensão econômica supera, assim, as demais dimensões do turismo,
dificultando o desenvolvimento de processos que permitam o diálogo e o aprendizado
entre autóctones e turistas.
Os impactos do turismo de massa nos destinos em que ocorre podem ser
definitivos e devastadores. Por ser operado por grandes empresas ou estruturado sem a
participação da população, a comunidade local ocupa principalmente cargos de baixo
nível de qualificação e salário. Os atrativos selecionados para a visitação massiva
passam por um processo de esgotamento, seja pelo impacto ambiental devido ao grande
volume de visitantes, ou pelo impacto social causado pela inserção destes novos atores
no território. No panorama atual, cenários são criados para o desenvolvimento do
turismo, adequados aos padrões de atratividade, sem preocupação com a população e o
meio ambiente local (SCHUSSEL, 2012). Neste contexto, as possibilidades de educação
pelo turismo não encontram um território propício para acontecerem. Tanto turistas
como autóctones reproduzem o entendimento do diálogo como uma relação comercial.
O incentivo para que o turismo de massa seja desenvolvido em um território é
validado por um início lento e quase imperceptível da atividade. A contínua chegada de
turistas, no entanto, se não for discutida de forma participativa e com a consciência dos
impactos possíveis, insere no território necessidades que não lhe são próprias. Em
diferentes segmentos, o turismo pode ser construído com base em elementos culturais
apropriados pontualmente enquanto atrativo turístico. O turismo também pode ser
impulsionado pela infraestrutura do setor de serviços ou pela localização geográfica
favorável do território. Nestas condições, destaca-se o incentivo ao Turismo de Eventos.
47
O Turismo de Eventos4 é considerado, pelo Ministério do Turismo (BRASIL,
2006), como um dos segmentos a serem articulados nos territórios brasileiros. Ainda de
acordo com este órgão, o Turismo de Eventos pode ser destacado pela oportunidade de
equacionamento de períodos sazonais; pela alta rentabilidade; como ferramenta de
marketing para o destino; pelo incentivo às atividades de outros segmentos turísticos
com visitas realizadas em horários livres; pela possibilidade de ser realizado em cidades
menores (BRASIL, 2006, p. 47). O Ministério do Turismo caracteriza o Turismo de
Eventos a partir da identificação da oferta de serviços e infraestrutura que possibilitem a
realização de eventos – como teatros, parques, centros de exposição ou de convenções.
Superar esta dinâmica é um dos propósitos para que a dimensão educativa seja
valorizada, possibilitando uma participação ativa e crítica da comunidade autóctone na
forma de implementação do turismo em um território. Ainda que os autóctones possam
também se beneficiar de melhorias na infraestrutura, nos investimentos e da
movimentação econômica gerada, a dependência da presença dos turistas, para que se
mantenha esta dinâmica, tira a própria comunidade do centro de decisão. As melhorias
trazidas pelo turismo e para o turista são uma forma de imposição de costumes, de
“colonialismo, de dependência e domínio” (KRIPPENDORF, 2000, p. 81).
Uma das bases para uma nova compreensão do turismo está na educação,
associada às políticas públicas, à participação social e à conscientização sobre os
impactos gerados. Compreender o turismo enquanto processo educativo significa
revalorizar à experiência da viagem, tanto para os turistas como para a comunidade
receptora.
Frente a la pasividad y la incomunicación del desarrollo turístico de hace uno
años, el nuevo concepto defiende el diálogo, la integración y la implicación
de los distintos sectores de la sociedad en un mismo proyecto. […] Desde los
consumidores para que entiendan la importancia y el respeto que deben a los
bienes que disfrutan, desde la comunidad receptora para que tome conciencia
del cuidado y preservación de sus recursos, así como de la manera de
desarrollar un turismo que sea elemento de crecimiento personal y
comunitario (CABEZA, 1999, p. 45).
O diálogo e a interação entre turistas e autóctones proporciona maior liberdade
para se viver a interculturalidade, a cidadania e para construir novas visões de mundo.
4Segundo o Ministério do Turismo (2006, p. 45), o segmento abrange, conjuntamente, o Turismo de
Negócios e o turismo de Eventos. Isso se deve ao compartilhamento de estruturas comuns, tanto em
eventos para fins comerciais como eventos profissionais ou de lazer. No entanto, reconhece-se que o
turismo de negócios e o turismo de eventos podem ocorrer de forma independente.
48
Com base no pensamento complexo de Morin (2007), o diálogo promove melhorias nas
relações humanas e na compreensão do ambiente em que se vive. As vivências
compartilhadas entre autóctones e turistas são maneiras de reconhecer o passado e o
presente, na medida em que o patrimônio material e imaterial poderá ser
contextualizado aos processos históricos que o formam (mais que a soma das partes que
formam o todo). Autóctones e turistas passariam a reconhecer as múltiplas dimensões
do território, para integrarem-se aos fenômenos sociais, econômicos, políticos que
ocorrem. A possibilidade de que este diálogo aconteça em momentos lúdicos, de
autorrealização, satisfação e alegria, reafirmam o turismo como uma atividade com
potencial educativo não formal.
Novos modelos e paradigmas são a base para que seja possível a abordagem do
turismo enquanto processo educativo não formal. Perspectivas alternativas para o
turismo de massa pretendem reorientar a atividade para que o processo de
desenvolvimento turístico de um território seja sustentável, no sentido social, ambiental
e econômico. Zaoual (2008, 2010) reflete sobre as tendências e possibilidades de se
estabelecerem novos paradigmas para a atividade turística, cujas bases foram reunidas
no conceito de Turismo Situado. A concepção teórica desta perspectiva se encontra na
teoria dos Sítios Simbólicos de Pertencimento.
A perspectiva dos Sítios Simbólicos de Pertencimento dá protagonismo às
diferentes práticas sociais e econômicas dos agentes que atuam no território. Evidencia
a diversidade dos comportamentos humanos, contrária a homogeneização de valores
prevista pelas teorias econômicas tradicionais, nas quais o turismo de massa foi
fundamentado. O sítio é entendido como uma entidade invisível, onde ocorre a vida
social, de forma dinâmica, conduzida por convenções, culturas e inovações adaptadas e
próprias àrealidade. “O território aproximado pela noção de Sítio Simbólico de
Pertencimento é admitido, antes de tudo, como uma realidade viva, retirando todo o seu
sentido do imaginário compartilhado pelos indivíduos socializados” (ZAOUAL, 2010,
p. 24).
Os símbolos compartilhados nos sítios são resultados da interação entre o
indivíduo e o coletivo, entre o local e o global. A arquitetura, a paisagem, o saber-fazer,
a organização econômica e outras manifestações próprias dos sítios são resultantes dos
valores e dos comportamentos compartilhados pelos atores. A compreensão da
diversidade das crenças que se estabelecem nos sítios é a premissa para o
desenvolvimento do Turismo Situado. As interações imateriais que ocorrem nos sítios
49
formam o contexto que tornam os atrativos próprios a cada território. Há uma relação
intrínseca entre o que se estabelece como potencial turístico de um território e a
representação desses elementos para os atores dos sítios (ZAOUAL, 2008). O Turismo
Situado tem como base o respeito e a compreensão aos valores de cada sítio, e a
transmissão destes valores a turistas acontece por meio da educação pelo turismo.
O reconhecimento histórico e cultural dos sítios fundamenta as relações que se
estabelecem no Turismo Situado. Conhecendo a forma como vive a comunidade e os
processos históricos que constituem o território, é estabelecida uma relação de ensino-
aprendizagem com autóctones e turistas. Ou seja, o intercâmbio entre autóctones e
turistas é simbólico e não monetário, sugerindo um novo paradigma em que se
desenvolve o turismo que valoriza a diversidade e a profundidade de relações (turista –
território – autóctone). O Turismo Situado é uma resposta ao turismo que se estabelece
modelado pelas sociedades industriais, cujo esgotamento da cultura, do cotidiano e do
meio ambiente conduzem ao esgotamento dos próprios elementos que eram atrativos
turísticos. Como afirma Zaoual:
A proximidade, a profundidade do intercâmbio cultural e intercultural, as
novas percepções da natureza e das paisagens etc, exprimem uma
necessidade profunda de se situar em um mundo anônimo e dominado pela
técnica e uma economia mutáveis e alienantes. Esta necessidade de
referências simbólicas de existência está na raiz do turismo alternativo.
(ZAOUAL, 2008, p. 11)
As referências simbólicas de existência são necessárias para autóctones e
turistas. O sentimento de pertencimento é despertado pela compreensão das crenças e
valores culturais que formam o patrimônio imaterial e material e esta compreensão é
necessária para que se tenha um sítio simbólico de referência. A partir desta
autodescoberta, há a abertura para o diálogo com o outro, para a percepção das
diferenças e das semelhanças culturais. Estas referências simbólicas são inseparáveis
das múltiplas dimensões que compõem o território e não são entendidas de forma
superficial. A dinâmica das referências simbólicas não acontece quando sufocada por
um modelo de turismo industrial, que busca um produto uniforme, de rápido consumo e
fácil entendimento (ZAOUAL, 2008).
A imagem do turismo de massa é cada vez mais negativa, sendo perceptível que
o modelo utilizado gera impactos negativos no ambiente e na cultura explorada. No
modelo do turismo de massa, “a viagem torna-se uma jaula e passa a impressão de que a
mobilidade espacial é culturalmente imóvel, na medida em que tudo é organizado de tal
50
forma que o encontro com o outro aparenta um simulacro” (ZAOUAL, 2008, p. 4).
Ciente dos impactos do turismo de massa, a demanda turística atual busca experiências
de turismo mais personalizadas, que valorizem a diversidade e que permitam assim um
contato mais direto entre turistas e a cultura visitada. A dimensão educativa do turismo
está inserida nesta demanda, fundamentando e incentivando o diálogo e as vivências
entre turistas e autóctones.
As novas dinâmicas do turismo, motivadas pela diversidade, são sustentadas
pela cultura de cada sítio. A história e as tradições de cada sítio favorecem uma relação
de intercâmbio simbólico entre turistas e autóctones, em que “a racionalidade do lucro a
qualquer preço cede lugar à relação e à comunicação cultural e intercultural”
(ZAOUAL, 2008, p. 10). Muitas das tradições locais são representadas ou festejadas em
eventos, que podem ser apropriados enquanto atrativo turístico.
O Turismo de Eventos é um segmento que pode favorecer a dimensão educativa
do turismo, como no caso dos eventos científicos, ainda que associado à educação
formal. Por estar hegemonicamente associado ao turismo de massa, o Turismo de
Eventos se mantém como uma oportunidade de atração de turistas aos destinos, com
base na dimensão econômica da atividade. No entanto, os eventos podem exprimir parte
da diversidade cultural do território, com potencial para se tornarem momentos de
educação não formal para e pelo turismo. Para que seja alcançado o potencial educativo
de um evento turístico, envolvendo turistas e autóctones, é necessário que este objetivo
seja interiorizado pelos agentes que compõem o território em que o evento é realizado.
Depende, assim, do modelo de turismo adotado no território e da percepção e dos
valores dos agentes promotores dos eventos turísticos.
51
4. A CONSTRUÇÃO DOS EVENTOS TURÍSTICOS EM CAMPINA GRANDE
A história de Campina Grande está associada ao clima, ao solo favorável, à
produção de algodão e à localização estratégica entre o litoral e o sertão da Paraíba. O
crescimento populacional e industrial, impulsionado pela economia algodoeira, teve o
auge entre as décadas de 1930 e 1950. A partir da década de 50, a economia algodoeira
perde o dinamismo e Campina Grande vive, até a década de 80, de um modesto
comércio e agricultura. Esta crise é superada pela implementação da Universidade
Estadual da Paraíba em 1966, e com a criação do Parque Tecnológico em 1980. O
município atualmente se mantém como um reconhecido polo tecnológico e industrial
(NOBREGA, 2010) e também estimula o desenvolvimento do turismo, principalmente
por meio de eventos, com visibilidade a partir da década de 80 (SANTOS, 2008).
Campina Grande é o 3º município do estado da Paraíba com maior Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Os dados socioeconômicos de
escolaridade, longevidade e renda, indicam que Campina Grande está com um IDHM
(2010) de 0,720, com um aumento de aproximadamente 20% em relação ao IDHM do
ano 2000. Aliado ao crescimento no IDHM, constata-se também no município que
houve queda na desigualdade social, avaliada pelo Índice de Gini5. Com base na
comparação dos dados de 2000 e 2010, o Índice de Gini passou de 0,62 para 0,58. No
entanto, ainda se verifica uma porcentagem de mais de 20% da população na faixa de
renda baixa e extremamente baixa. De forma que os 20% da população renda alta
apropria aproximadamente 64% da renda total do município (PROGRAMA DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013).
Campina Grande possui 385.213 habitantes, com aproximadamente 95% desta
população em área urbana (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2010). Campina Grande é um município de referência política e
econômica para o interior da Paraíba (NÓBREGA, 2010), institucionalizada pela
criação da Região Metropolitana de Campina Grande, incluindo 22 munícipios
(PARAIBA, 2009). Campina Grande está localizada a 130 quilômetros da capital do
estado, João Pessoa, e a menos de 300 quilômetros de duas outras capitais nordestinas,
Recife e Natal. A rede hoteleira de Campina Grande totaliza 2.668 leitos que, no mês de
junho e no carnaval, tem um índice de ocupação que ultrapassa 90% (TAXA, 2014).
5 O índice de Gini é utilizado para mensurar o grau de concentração de renda de um município. A escala
de Gini vai de 0 a 1. O zero corresponde a situação de igualdade total e o um representa completa
desigualdade de renda (PNUD, 2013, p. 8)
52
O turismo é considerado um dos principais Arranjos Produtivos6 do município
(FEDERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO ESTADO DA PARAIBA, 2005). Quatro
setores são considerados de maior relevância, enquanto Arranjos Produtivos: Couro e
Calçados; Têxtil e Confecções; Tecnologias da Informação e de Comunicações;
Turismo. No turismo, destacam-se como principais atrativos os eventos do Maior São
João do Mundo (junho/ julho), o Encontro da Nova Consciência (de sexta-feira a terça-
feira de carnaval) e o Festival de Inverno (agosto) (FEDERAÇÃO DAS INDUSTRIAS
DO ESTADO DA PARAIBA, 2005).
Os principais eventos de Campina Grande se concentram no perímetro central da
cidade. Na figura abaixo, encontram-se indicados os principais locais de realização dos
eventos, todos na região central de Campina Grande, tendo como referência que o
centro comercial se desenvolve no entorno do Parque do Povo, Açude Novo, Açude
Velho e Praça da Bandeira.
A definição do centro da cidade para a realização dos eventos, ocorrida entre os
anos 70 e 90, permitia a manutenção dos territórios ocupados pela elite campinense
(SANTOS, 2008). De acordo com Santos (2008), era um momento em que a hegemonia
das famílias tradicionais estava ameaçada pelo crescimento populacional da cidade.
Núcleos familiares tradicionais atuavam nos meios de comunicação e na política, em
6Os arranjos produtivos são entendidos como sistemas de inovação, com ênfase no aprendizado e no
conhecimento acumulado sobre a atividade, no território em que se inserem (CASSIOLATO; LASTRES,
2003).
Fonte: Adaptado de SILVA; FREITAS FILHO; ENDRES (2013)
Figura 5: MAPA DE LOCALIZAÇÃO DOS EVENTOS TURÍSTICOS EM CAMPINA
GRANDE
53
uma tentativa de reconstrução da história da cidade, tendo como base os períodos
luxuosos do auge da economia algodoeira. As manifestações culturais legitimadas pela
elite não comportavam a população em massa que chegava a Campina Grande.
O Teatro Severino Cabral, um dos símbolos da elite campinense, foi inaugurado
em 1963. No entanto, a construção do teatro somente foi concluída onze anos depois,
em 1974. Neste mesmo ano, a administração do teatro ficou a cargo de uma educadora,
protagonista na criação do Festival de Inverno e que segue organizando o evento. Ainda
em 1974, foi realizado o I Festival Nacional de Teatro, com o apoio do poder público
municipal, estadual e do Ministério da Educação e Cultura. O sucesso do festival teve
repercussão na imprensa nacional. A convite da Federação Nacional de Teatro Amador,
no ano seguinte, o Teatro Severino Cabral recebe a Mostra Regional de Teatro. Estes
eventos incentivaram a criação do I Festival de Inverno de Campina Grande, em 1976,
marcado por práticas e discursos formulados pelas famílias tradicionais em torno da
vocação para a “modernidade” de Campina Grande e que também davam centralidade
ao prestígio destas famílias, reinserindo-as no território campinense (SANTOS, 2008).
4.1. O FESTIVAL DE INVERNO DE CAMPINA GRANDE
O Festival de Inverno de Campina Grande (FI) foi criado em 1976, sendo que as
primeiras edições ocorreram durante os anos de ditadura militar no Brasil. Foi um
período em que a censura do governo perseguia artistas e fechava teatros, mas que em
Campina Grande não impediu que o FI tivesse o apoio do poder público e da sociedade
campinense.
Inicialmente, o FI pretendia ter um mês de duração, com oito modalidades:
Teatro, Dança, Música, Artes Plásticas, Cinema, Artesanato, Encontro de Corais e
Folclore. Na primeira edição do FI foram realizadas cinco destas modalidades: Coral,
Teatro, Cinema, Dança e Música. A partir da segunda edição, em 1977, o FI promove
cursos, debates e seminários, além das apresentações em cada modalidade
(HERMÍNIO, 2002). De acordo com Hermínio (2002, p. 36), “entre os seus primeiros
objetivos [do FI] estava a formação de público e a abertura de espaço para novos
talentos”. Para que o objetivo do FI fosse alcançado, sempre houve a necessidade de que
o poder público, estadual e municipal, apoiasse sua realização. Este apoio estava
associado ao partido que se encontrava no poder, não sendo garantido de forma
constante.
54
As dificuldades financeiras pelas quais o FI passou se refletem na extensão e a
abrangência da programação do evento. Nos anos em que houve maior duração e
número de modalidades artísticas apresentadas – como nos anos de 1976, 1979 e 1989–
o FI teve em torno de 30 dias de duração e 5 modalidades artísticas (HERMÍNIO,
2002). Em contrapartida, no ano de 1983 o FI foi realizado com apenas uma
modalidade, no período de dez dias. Em toda a história do FI, o teatro foi a única
modalidade que não foi interrompida em nenhuma edição, sendo que as demais eram
realizadas de acordo com a viabilidade de recursos. Na edição de 1986 houve a
descentralização nas apresentações do FI para bairros de Campina Grande, nos quais era
montado um “circo da cultura”. A decisão de descentralizar o Festival corresponde ao
ano em que era inaugurado o Parque do Povo, para a realização do Maior São João do
Mundo. Somente em 1986, parte da programação do FI foi realizada no Parque do Povo
(HERMÍNIO, 2002).
O festival de 1987 ocorreu em uma lona de circo, montada próxima ao Teatro
Severino Cabral, que estava em reforma. No ano de 1988 iniciou-se um projeto de
extensão do Festival de Inverno em Polos para cidades além de Campina Grande, como
Areia, Boqueirão e Solânea, cidades em que as prefeituras apoiavam a realização do FI.
Em 1995 o Festival se concentra novamente em Campina Grande, por falta de
investimentos. Do final da década de 90 até o início dos anos 2000, o que se percebe é
que o festival é inconstante quanto aos eventos promovidos, espaços utilizados para a
realização e duração. A redução do período de duração do FI está relacionada aos
eventos que deixaram de serem realizados, como os Encontros de Corais, Artes
Populares e Cinema. O FI não desenvolve atividades simultaneamente, portanto, na
medida em que encontros e mostras deixavam de ser realizadas, reduziam-se os dias de
programação do FI (HERMÍNIO, 2002).
O ano de 2005 é marcante na história do FI pela criação do Instituto Solidarium,
uma entidade privada sem fins lucrativos (FESTIVAL, 2009). De acordo com Oliveira
(2010) é no ano de 2005 que o FI passa a ter um direcionamento em sua temática,
especialmente para manutenção da tradição cultural brasileira e nordestina. Os grupos
de teatro, dança e música que se apresentavam no FI buscavam retratar a diversidade
das regiões brasileiras e da região nordeste. Era um momento de afirmação da cultura,
em que os eventos realizados na cidade – o FI, assim como o Maior São João do Mundo
e o Encontro para a Nova Consciência – eram motivo de conflitos entre os dirigentes
políticos municipais e estaduais. Na tentativa de que o FI fosse “neutro” politicamente,
55
a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE) exigiu que a Prefeitura Municipal de
Campina Grande (PMCG) delegasse ao Instituto Solidarium a realização do FI. Desta
forma, o Instituto teria autonomia para captar recursos necessários ao FI.
As edições mais recentes do FI, a partir do ano de 2007, variam entre 6 a 8 dias
de duração, incluindo dança, música e teatro na programação oficial. A programação
gratuita para a população foi mantida nos 38 anos do FI, mas também são realizadas
apresentações pagas, especialmente de artistas de renome nacional. As oficinas
oferecidas, gratuitas ou pagas7, são direcionadas para pessoas já envolvidas com artes
cênicas. Na edição de 2014, entre as oficinas oferecidas, havia Ballet Clássico; Dança
Contemporânea; A Educação pela Dança; A semiótica do Teatro.
FIGURA 6 - OFICINA COM O GRUPO GIRAMUNDO NO FESTIVAL DE
INVERNO DE CAMPINA GRANDE - 2014
Fonte: Arquivo da autora
Em 2013, a programação do FI reuniu mais de 500 artistas e a expectativa era de
um público de 120 mil pessoas durante todo o evento. A PMCG foi a maior
financiadora do Festival, com investimentos de R$ 300 mil, que foram liberados por
meio da Secretaria Municipal de Cultura (FABRICIO, 2013). A arrecadação de
recursos, no entanto, segue como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo FI.
Uma comparação entre o Festival de Inverno de Campina Grande e o Festival de
Inverno de Garanhuns, em Pernambuco, aponta a disparidade de investimentos.
Enquanto o governo pernambucano investiu em 2013, cerca de R$ 12 milhões, o
7Nas oficinas pagas, o valor cobrado varia entre R$ 10,00 e R$ 50,00.
56
governo da Paraíba contribuiu com R$ 20 mil para o FI de Campina Grande (COM
QUANTO, 2013).
Os temas das oficinas e o folder de divulgação do evento (ver figura 4),
destacam elementos da cultura erudita, como o violino, a bailarina clássica e
dramaturgia. A presença de elementos eruditos e clássicos direciona o FI a uma classe
intelectualizada, ainda que sejam realizadas atividades nas ruas mais populares do
centro de Campina Grande. Conforme afirmam Costa e Sá (2006, p. 87), “o Festival de
Inverno nunca teve um apelo popular, sempre teve como público alvo uma classe média
intelectualizada, que aprecia as artes sob seu caráter mais erudito”.
Figura 7: FOLDER DE DIVULGAÇÃO DO 39º FESTIVAL DE INVERNO DE
CAMPINA GRANDE – 2014
Fonte: FESTIVAL DE INVERNO DE CAMPINA GRANDE 2013, 2014a
O Instituto Solidarium desenvolve, além do FI, atividades culturais ao longo do
ano, especialmente um projeto cultural com os detentos do presídio Serrotão e
moradores da periferia (VIEIRA; WOLNEY, 2013). Desde 1995, o projeto “Cultura no
Presídio”, promove oficinas de dança e teatro para os detentos que, posteriormente,
apresentavam-se durante a programação do Festival de Inverno. Na programação oficial
do FI 2014, no entanto, houve uma modificação neste projeto. Os detentos não saíram
do presídio para se apresentar no FI, porém parte da programação de dança, música e
teatro do FI foi apresentada no presídio do Serrotão, de Campina Grande (39º
FESTIVAL, 2014).
57
A presidente do Instituto Solidarium é também coordenadora geral do FI. A 39ª
edição do FI, no ano de 2014, teve uma semana de duração, sendo realizadacom o apoio
da prefeitura municipal. As apresentações aconteceram no Teatro Severino Cabral,
Praça da Bandeira, Calçadão Cardoso Vieira e no teatro SESC Centro. A seleção das
atrações que compõem a mostra de dança, teatro e música acontece por meio de edital
público, nas seguintes categorias: Teatro Adulto; Teatro Infantil; Teatro de Rua; Dança;
Circo; Bonecos e Música (FESTIVAL DE INVERNO DE CAMPINA GRANDE 2013,
2014b).
A programação do FI ratifica a valorização da cultura erudita, tornando-o um
evento de participação e atratividade com menor demanda do que o Maior São João do
Mundo. No entanto, a comparação entre os investimentos direcionados para o Maior
São João do Mundo e para o Festival de Inverno é inevitável. De acordo com a
coordenadora geral do FI, “se o Festival tivesse o apoio e patrocínio do Maior São João
do Mundo, essa cidade daria um banho de cultura na Paraíba e no Nordeste, para ficar
na história” (VIEIRA; WOLNEY, 2013, s.p.).
A PMCG não percebe o FI enquanto atrativo turístico, mas como um projeto
cultural da cidade. Ainda que o FI incentive o turismo na cidade, com a vinda de
companhias teatrais, músicos e dançarinos de outras regiões do país, além de
espectadores das regiões próximas, não há uma associação entre o FI a Coordenação de
Turismo da cidade. Em contrapartida, há o direcionamento de amplos recursos pela
PMCG ao São João, consolidando-o como o maior e mais conhecido evento turístico da
cidade, sendo chamado de “Maior São João do Mundo” (MSJM).
4.2. O MAIOR SÃO JOÃO DO MUNDO
O MSJM é um evento que se apropria dos festejos juninos da área rural,
relacionados à mudança de estação climática e à colheita do milho. Originalmente, era
uma festa de cunho religioso, pela exaltação a São João, reconhecido como um “santo
do amor e amante da festa”. Ao ser incorporada ao ambiente urbano, a festa junina é
reinventada, conectando elementos tradicionais à modernidade, “passando a existir
como uma festa comercializada por meio de um marketing turístico, econômico, social,
cultural e político” (LIMA, 2008, p. 20).
A origem do São João de Campina Grande, enquanto evento turístico, tem início
na década de 1970. Em 1976, a Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG)
58
organiza e unifica a festa de São João em dois locais, o Pátio da Estação Velha e o Pátio
do Açude Novo, que se mantiveram enquanto locais de realização do São João pela
PMCG até o ano de 1982. Neste período, em 1980, há também a decisão para que fosse
realizado um evento longo, com aproximadamente 30 dias de festa (LIMA, 2008).
Em 1982, o São João de Campina Grande passa a ser centralizado no
“Palhoção”, um barracão rudimentar construído em um terreno desapropriado que,
posteriormente, tornou-seo Parque do Povo. O prefeito Ronaldo Cunha Lima assume o
governo em 1983 e reestrutura o evento, sendo notória a divulgação do MSJM nos
meios de comunicação, ressaltando o número de visitantes que a cidade recebia. Ao
político é atribuída a criação do evento e sua implementação, simbólica e prática
(LIMA, 2008).
A inauguração do Parque do Povo, construído especificamente para a realização
do evento, em 1986, pode ser considerada a origem oficial do “Maior São João do
Mundo”, embora este nome já fosse utilizado desde a época do “Palhoção”. Atualmente,
o Parque do Povo é um terreno que abrange 42 mil metros quadrados, com uma grande
estrutura erguida em seu centro, a Pirâmide. Na primeira edição, o prefeito Ronaldo
Cunha Lima afirmava que o evento tinha como objetivos: “resgatar as raízes culturais
comuns às festas juninas e abrir caminhos para a retomada do desenvolvimento
econômico local, sob a forma de inserir a cidade no universo da indústria turística”
(NÓBREGA, 2010, p. 125).
O MSJM é o maior produto turístico da cidade. O turista que busca informações
sobre Campina Grande, encontra a festa de São João como representante da cidade. A
Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR), responsável pela divulgação do Brasil
no exterior, aponta quatro motivos para conhecer Campina Grande, inseridos no
segmento “cultura”: Festa de São João; Quadrilha: a mais típica das danças; Delícias do
Nordeste junino; Forró. Não é mencionado, no site da Embratur, o nome “Maior São
João do Mundo”.
59
Figura 8: DIVULGAÇÃO DE CAMPINA GRANDE PELO SITE DA EMBRATUR
Fonte: http://www.visitbrasil.com/visitbrasil/opencms/portalembratur/pt/campina-grande.html>. Acesso
em 14 jul 2014
Os aspectos culturais são destacados na divulgação de Campina Grande para os
turistas, relacionados a elementos tradicionais do meio rural, como a religiosidade, a
dança e a gastronomia. Na reconstrução destes elementos no Parque do Povo, durante os
30 dias do MSJM, a ambientação e os cenários buscam retratar o passado de Campina
Grande. No Parque do Povo é construída uma cidade cenográfica, em que prédios mais
antigos e tradicionais da cidade são representados. No entanto, em alguns casos, é um
paradoxo em relação à situação real de valorização do patrimônio histórico de Campina
Grande. Um exemplo é a representação do Casino El Dorado (com auge na década de
1930), no cenário do MSJM, reproduzindo-o de maneira majestosa, ao mesmo tempo
em que o prédio original do cassino, no centro de Campina Grande, encontrava-se
abandonado (ver figura 7). No início do mês de julho de 2014, a fachada original do
prédio desabou (ANTIGO, 2014).
Figura 9: REPRESENTAÇÃO DO CASINO EL DORADO NO PARQUE DO POVO
(ESQ.) E IMAGEM DA FACHADA DO PRÉDIO ORIGINAL, NO CENTRO DE
CAMPINA GRANDE, ANTES DO DESABAMENTO (DIR.)
60
Fonte: Arquivo da autora (esq.); ANTIGO, 2014 (dir.)
Há a reprodução de elementos do patrimônio urbano no Parque do Povo, assim
como de ambientes rurais. Três palhoças onde acontecem os shows dos trios de forró
são ornamentadas com galhos e é feito o plantio de milho atrás do palco principal. Há
também a reprodução da fachada da catedral de Campina Grande, em tamanho real,
buscando a valorização dos aspectos religiosos da festa. No entanto, o espaço reservado
para o projeto Fé e Cultura, da Diocese de Campina Grande, que seria realizado no
coreto em frente a catedral, foi transformado em um stand comercial (CANUTO, 2014).
É o que permite constatar que “a minimização do teor religioso é mais um fator, entre
tantos outros, que aponta para a tendência de pasteurização do evento, em detrimento
das expressões autênticas da identidade junina.” (NÓBREGA, 2010, p. 46)
Figura 10: RÉPLICA DA CATEDRAL DE CAMPINA GRANDE E DO CORETO NO
PARQUE DO POVO
Fonte: Arquivo da autora
O espaço do MSJM é repleto de stands promocionais de grandes marcas
patrocinadoras, que se apropriam de elementos juninos para compor o cenário. Uma das
marcas patrocinadoras montou um stand em que os visitantes puxam uma trança para
medir a força, com o objetivo de traduzir a força que um shampoo dá aos cabelos e
distribui brindes. Outras marcas utilizam de jogos lúdicos para atrair o público. Em todo
o Parque do Povo, em quase todos os ângulos que se tente olhar ou fotografar de forma
panorâmica, há uma divulgação comercial. A opção da PMCG pelo megaevento impõe
a necessidade de patrocínios e parcerias com empresas privadas, para conseguir os
recursos que garantam a magnitude da festa (NÓBREGA, 2010). Esta associação gera
61
uma dicotomia entre o discurso pelo tradicionalismo e a presença ostensiva de grandes
patrocinadores em todo o evento.
Figura 11: DIVULGAÇÃO COMERCIAL NO PARQUE DO POVO – 2014
Fonte: Arquivo da autora
Nóbrega (2010) analisa a dimensão cultural do MSJM, concluindo que há uma
hibridação entre os elementos da cultura nordestina-junina e elementos da modernidade,
seja na gastronomia, na estrutura do cenário ou na programação musical. Na
gastronomia, a origem do evento está associada à colheita do milho, no entanto,
atualmente há escassez de comidas típicas no Parque do Povo (LINS; OLIVEIRA,
2014). A oferta de comidas nacionais ou internacionais é destaque em barracas de
alimentação, com comida japonesa, mexicana, acarajé, pizza, sanduíches, pastéis, entre
variadas opções. A manutenção das comidas típicas e regionais tem sido garantida,
minimamente, pela obrigatoriedade de que parte das barracas que se instalam no Parque
do Povo seja especificamente regional. Por meio de edital, no ano de 2014 foram
selecionados 231 comerciantes, sendo 19 destes para comida típica e regional
(PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE, 2014d).
As atrações musicais do MSJM seguem a hibridação entre o tradicional e o
moderno. No palco principal se apresentam músicos regionais do forró tradicional e
também grupos de forró “estilizado” com grande sucesso popular (ARAUJO, 2014). Em
dias de artistas de renome nacional ou regional, o Parque do Povo recebe até 200 mil
pessoas, comprovando que “o comportamento massivo é eficaz para dar maior
visibilidade aos organizadores da festa” (NÓBREGA, 2010, p. 126). Além do palco
62
principal, trios de forró tocam nas três “ilhas de forró” distribuídas pelo Parque do
Povo.
De acordo com o prefeito, em 2014, as ilhas de forró tiveram seu espaço
aumentado, em virtude da demanda de turistas por um espaço maior para dançar. Ainda
neste discurso, o prefeito afirma que o MSJM tem como meta “retratar a cultura local,
não apenas com a contratação de bandas e cantores conhecidos nacionalmente, mas
também valorizando os artistas locais e as quadrilhas juninas” (PREFEITURA
MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE, 2014b).
Em diferentes vertentes, o MSJM busca a consolidação de uma imagem em que
tudo é superlativo. Além da alcunha de Maior São João do Mundo, na edição de 2014, o
evento obteve o recorde de Maior Quadrilhão Junino do Mundo, alcançado e validado
em 716 casais dançando quadrilha simultaneamente (SILVA; COSTA, 2014). Em 2014,
o casamento coletivo que acontece na Pirâmide no dia 13 de junho, reuniu 150 casais.
Em dados divulgados sobre o perfil do turista do MSJM em 2014, constata-se
que cerca 76,5% dos turistas são provenientes da própria região nordeste
(SINDCAMPINA, 2014). Ainda de acordo com o Sindcampina, a maioria dos turistas,
de todas as regiões, é formada por amigos ou parentes de moradores de Campina
Grande, fato que pode ser comprovado pela porcentagem que se hospeda em casas de
amigos ou parentes (55%), com uma média de cinco dias na cidade. Durante o São João,
a PMCG faz o credenciamento e a seleção de hospedagens alternativas, para atender a
demanda. O nível de satisfação do turista em relação ao evento é alto, 98%, assim como
a satisfação com a cidade, 97% (SINDICATO EMPRESARIAL DE HOSPEDAGEM E
ALIMENTAÇÃO DE CAMPINA GRANDE E INTERIOR DA PARAIBA, 2014).
O potencial econômico do MSJM é destacado pela PMCG nos discursos oficiais.
A previsão de gastos públicos e privados para o ano de 2014 é de R$ 10 milhões, com
expectativa de um retorno financeiro de R$ 30 milhões (MELO, 2014). De acordo a
PMCG, o retorno para os investimentos públicos acontece “tanto pela preservação da
cultura, quanto por parte da relação com o ICMS [Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Prestação de Serviços]”(PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINA
GRANDE, 2014a).
A consolidação e a ampliação do MSJM estimularam o desenvolvimento do
turismo em Campina Grande. O sucesso atribuído à festa estabeleceu em Campina
Grande uma perspectiva econômica e política de que o turismo, no segmento dos
eventos, poderia reinserir a imagem de grandiosidade, modernidade e pioneirismo
63
associada à cidade. Foi uma prerrogativa para que outros eventos fossem inseridos no
território. Em especial, um evento para tornar o carnaval de Campina Grande o
“carnaval da alma” (SCHWADE, 2011, p. 182). O Encontro da Nova Consciência surge
em 1992,seis anos após a inauguração do Parque do Povo, por iniciativa da
Coordenadoria de Turismo da PMCG.
4.3. ENCONTRO DA NOVA CONSCIÊNCIA
No início da década de 90, surgem novos projetos de eventos para impulsionar o
turismo em Campina Grande. Em abril de 1990, é criada a Micarande, um carnaval fora
de época que visava (re)instituir a imagem da modernidade para Campina Grande.
Concomitante à criação da Micarande, o prefeito determina o fim das festas de carnaval
no período oficial, que não condiziam com a imagem que a PMCG queria para a cidade.
Desde a década de 70, o carnaval de rua havia se transformado em um evento
extremamente popular, afastando a participação da elite econômica (SANTOS, 2008). O
novo projeto para o carnaval da cidade já estava traçado e seria marcado por encontros
espirituais:
O Encontro para a Nova Consciência foi um evento gestado ainda no
primeiro mandato de Cássio Cunha Lima, em seu último ano de governo,
1992, com o objetivo declarado de “substituir o carnaval e suprir o vazio
deixado com o fim deste evento”. [...] A administração de Cássio tentava
substituir o carnaval por um evento religioso. Evento este que os discursos
oficiais diziam ecumênico e voltado a discutir os preceitos da “cultura e do
pensamento emergente” e que a partir do segundo mandato de Cássio passa a
ser dito, de forma mais enfática, como o “maior encontro ecumênico do
mundo” (SANTOS, 2008, p. 211)
O Encontro da Nova Consciência (ENC) não foi o primeiro evento religioso
criado em Campina Grande durante o período oficial de carnaval. O Movimento de
Integração do Espírita Paraibano (MIEP) acontecia na cidade desde 1972 e trouxe para
Campina Grande o “clima espiritual” necessário para que fosse pensado um evento
espiritual de maior porte (SCHWADE, 2011). O I Encontro para a Nova Consciência8
buscava construir uma tradição religiosa para Campina Grande, com novos territórios e
8 Há uma mudança no nome do encontro a partir da 14ª edição (2005), em que deixou de ser utilizado o
“Encontro para a Nova Consciência” e passou a ser “Encontro da Nova Consciência”. De acordo com
Lain (2007), a primeira ideia – para a nova consciência – retratava o desafio de se alcançar o diálogo e a
consciência ecumênica. Após 15 anos, os organizadores consideram que uma maturidade neste diálogo
com a diversidade já havia sido alcançada, sendo necessário manter o exercício desta nova consciência.
64
temáticas (religiosidade, esoterismo), formando uma nova vocação para o turismo na
cidade. Este processo sofreu a influência de pessoas ligadas ao prefeito, que já se
envolviam com o neoesoterismo (SCHWADE, 2011). Para Santos (2008, p 212), a
criação do ENC foi uma forma de atender aos interesses de intelectuais que
“reivindicavam posições e espaços de movimentação estratégicos e privilegiados na e
para a sociedade local”.
O I ENC foi organizado pela Coordenadoria de Turismo (Codemtur) da PMCG,
em 1992. Atribui-se a coordenadora geral Codemtur na época, a concepção do evento,
pelo seu envolvimento pessoal com a temática neoesotérica:
A principal característica do “Encontro Para a Nova Consciência”: contar
com a presença de representantes de universos confessionais consolidados
(católicos, espíritas, protestantes, entre outros) em interação com
representantes de religiosidades em construção, bem como com grupos e
filosofias diversas que integram o neoesoterismo (SCHWADE, 2011, p. 184).
O ENC incluía um fórum principal e uma Feira Esotérica e de Livros, realizados
no Teatro Severino Cabral até o ano de 2009. Eram realizados também eventos
paralelos em diversos locais de Campina Grande, o que criava uma relação entre os
participantes do ENC e a cidade. Havia uma constante abertura a novos temas e novos
diálogos, ao longo de suas edições, embora as temáticas fossem majoritariamente
relacionadas à paz e ao futuro da humanidade. Ao longo dos anos, o ENC cresceu, uma
vez que em 1992 aconteceram 8 palestras e 3 eventos paralelos e, em 2006, o ENC já
contava com 25 palestras e mesas redondas no fórum principal e 42 eventos paralelos
(LAIN, 2007).
Embora tenha havido um perceptível crescimento no ENC, houve significativas
transformações ao longo dos anos. Eventos paralelos surgiram e, em alguns casos,
tornaram-se eventos dissidentes ou conflituosos. Os católicos, a partir de 1997, realizam
um evento próprio, o Crescer. Em 1999 foi oficializado o Encontro para a Consciência
Cristã, no Parque do Povo (SANTOS, 2008). Com a consolidação do Encontro para a
Consciência Cristã são percebidos conflitos entre a comunidade evangélica, que
frequentava ao Parque do Povo, e a comunidade ecumênica que frequentava o Encontro
da Nova Consciência9. Em 2008, o MIEP foi realizado pela última vez enquanto evento
paralelo do ENC, tornando-se um evento independente.
9Em 2000, um cartaz em frente ao Teatro Severino Cabral convidava para o “II Encontro Para a
Consciência Cristã: A Verdadeira Consciência” (SCHWADE, 2011). Em 2007, jovens evangélicos
tentaram impedir o acesso das pessoas ao Teatro Severino Cabral (COSTA, 2008, p. 90).
65
Até o ano de 2008, o Encontro da Nova Consciência acontecia no Teatro
Severino Cabral. Por uma determinação da PMCG, devido à reforma no Teatro
Severino Cabral, a partir de 2009, o ENC passa a ser realizado no prédio do Serviço
Social do Comércio (SESC). A mudança foi aprovada pela comissão organizadora do
ENC, que mantém a realização do evento no SESC Centro, mesmo após a conclusão
das obras do teatro (SESC-CENTRO, 2009). O Encontro da Nova Consciência (ENC) é
atualmente organizado pela Organização Nova Consciência, pessoa jurídica de direito
privado, sem fins lucrativos, criada em 2004. O 23º ENC, em 2014, teve como tema:
Ética, Direitos Humanos e Liberdade de Expressão. Os eventos paralelos, consultas e
atendimentos foram organizados da seguinte forma:
Figura 12: PROGRAMAÇÃO DOS EVENTOS PARALELOS – ENCONTRO DA
NOVA CONSCIÊNCIA 2014
SESC Centro Antigo Prédio da UEPB
Edição Encontro Edição Encontro Edição Encontro
18º Consciência Ecológica 22º Hare Krishna 1º Budismo Tibetano
12º Anime Cult 7º Neopaganismo 9º Homoafetividade/ LGBTT
11º Cinema 10º Ufologia 13º Xamanismo
21º Santo Daime 16º Ateus e Agnósticos 5º Mística e Militância dos
Movimentos Sociais
- Mahikari 14º Jogadores de RPG 13º Iniciativa das Religiões Unidas
16º Esperanto 4º Comunicação e Mídias Digitais
4º Vegetarianismo - Teosofia
7º Arqueologia - Religião e Sagrado no cinema de
Eduardo Coutinho
Outras atividades: Mostra de
Cinema; feira exotérica; consultas
e atendimentos: tarô, runas,
mahikari, baralho cigano e leitura
das mãos, reiki, massagem, mapa
astral, leitura de Oghan, cone
hindu, terapia mandalica, feng
shui, entre outros.
Outras atividades: Fórum da Diversidade Religiosa; Simpósio de
Terapias Alternativas; Vivências (Círculo de cura e Jornada Xamânica;
Perfumes mágicos; Aromaterapia; Teia dos Sonhos; Yoga; Cânticos de
mantras); Budismo Zen (realizado separadamente)
Fonte: Adaptado de ONG NOVA CONSCIÊNCIA, 2014
A programação do Fórum Principal do ENC, consultas, atendimentos, feira
esotérica, feira e lançamentos de livros e revistas aconteceu no prédio do SESC Centro.
Houve, ainda, uma programação noturna na praça do viaduto Elpídio de Almeida
(localizado em frente ao SESC Centro), onde acontecem shows. São momentos lúdicos
e de confraternização, que reúnem participantes do ENC e não participantes.
66
O ENC é considerado um evento gratuito, ainda que alguns cursos e vivências
sejam pagos10
. Também não é necessário fazer qualquer tipo de inscrição, permitindo a
livre circulação entre as atividades (ONG NOVA CONSCIÊNCIA, 2014). Muitas
atividades que acontecem nos cinco dias de Encontro são simultâneas, o que possibilita
a expressiva quantidade de eventos. Mesmo que algumas atividades pareçam destoantes
entre si, todas estão incluídas em uma perspectiva comum, que é o exercício da
tolerância e do diálogo.
Um momento que marca o ENC é a Caminhada e Ato pela Paz11
, em que todos
os participantes são convidados a fazer uma pequena caminhada e, ao final, formam um
círculo. O círculo que marca o Ato pela Paz congrega representantes das religiões,
tradições e grupos, que fazem intervenções, com danças, cantos e breves falas. Celebra
a integração, o respeito e o convívio inter-religioso.
Figura13: ATO PELA PAZ NO ENCONTRO DA NOVA CONSCIÊNCIA –2004
(ESQ.) E 2014 (DIR.)
Fonte: https://sites.google.com/site/ongnovaconsciencia/fotos-do-encontro (esq.) e arquivo da autora (dir.)
Schwade (2011) analisa o Encontro da Nova Consciência como um
acontecimento simultâneo de momentos formais/informais; coletivos/individuais. A
dinâmica do ENC favorece diferentes formas de integração entre participantes,
palestrantes e pessoas envolvidas nas vivências. Os debates de conteúdos sistematizados
podem ser comparados, segundo a autora, a um “congresso científico”. Nas mesas
redondas e palestras, acontecem momentos formais, nos quais os convidados
10
Os valores para atendimentos individuais e consultas a tarô, runas, baralho cigano, leitura de mãos,
mapa astral, massagens, feng shui, entre outros, são variados, com uma faixa de preços entre R$ 50,00 e
R$ 150,00. 11
Conforme análise das programações, na 8ª; 10ª e 11ªedição do ENC, a caminhada ecumênica era um
ato inserido no Encontro Nordestino do Movimento Hare Krishna. A partir da 12ª edição, é incorporada
na programação principal do ENC. (ONG NOVA CONSCIÊNCIA, 2014)
67
privilegiam a comunicação verbal, sistematizada em conteúdos previamente
organizados para serem desenvolvidos coletivamente. Há também momentos em que
palestrantes se comunicam com os participantes de forma subjetiva, informal, propondo
“práticas de conscientização corporal, envolvendo aspectos como respiração e, nessas
ocasiões, distanciam-se da perspectiva de um congresso acadêmico” (SCHWADE,
2011, p. 192)
Figura 14: MESA-REDONDA NO 23º ENCONTRO DA NOVA CONSCIÊNCIA
Fonte: Arquivo da autora
Nos eventos paralelos e nas vivências, há o caráter formal e também não formal,
de acordo com cada proposta. São diferentes formas de interação entre os participantes e
os mediadores dos eventos, podendo haver uma conversa, uma consulta individual ou
práticas musicais, corporais, religiosas, de forma coletiva. Nestas ocasiões, percebe-se
um direcionamento mais personalizado, seja com uma proposta de vivência individual
(massagem, consultas, orientações) ou restrito a um pequeno grupo, que torna o
momento subjetivo e orientado para as pessoas que dele participam.
Schwade (2011) identifica os atores do ENC em três grupos: palestrantes,
participantes e facilitadores de vivências/workshops. No ENC é possível perceber a
convivência e o diálogo constante entre estes atores. Percebe-se, também,que o
pertencimento a cada grupo se altera, de acordo com o momento. Os palestrantes de
uma mesa redonda tornam-se participantes em um evento paralelo, por exemplo. A
análise do perfil dos participantes do ENC, no ano de 2000, constata uma assiduidade
entre os participantes, com expressivo número de pessoas que já haviam participado de
outras edições do Encontro. O perfil dos participantes indica também que os sujeitos do
68
evento têm em comum o envolvimento com o neoesoterismo e a busca por novas
experiências. O neoesoterismo tem como uma de suas principais características a
multiplicidade de diálogos, culturas e filosofias. (SCHWADE, 2011).
A proposta ecumênica do evento o torna menos atrativo para patrocinadores e o
aumento do número de participantes não é um objetivo central para os organizadores.
Ainda que o ENC tenha uma ideologia multicultural, que promove o diálogo e a
reflexão, é um evento que se mantem em um território que pouco dialoga com grupos
sociais que não compartilham da diversidade da ideologia neoesotérica.
O Encontro da Nova Consciência atrai turistas interessados no debate e nas
vivências que o evento possibilita e, por isso, é apoiado pelo poder público.
Considerando todos os eventos que ocorrem no período carnavalesco, a estimativa era
de 80 mil pessoas participantes, entre turistas e autóctones (PREFEITURA
MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE, 2014c). O ENC de 2014 teve o apoio
financeiro da prefeitura, com um investimento de R$ 100 mil. A PMCG tem interesse
em investir nos eventos que ocorrem durante o carnaval, como forma de incentivo ao
turismo na cidade:
São eventos consolidados, que atraem turistas e, portanto, a Prefeitura faz o
seu papel, no sentido de fomentar essa programação, que é de importância
enorme porque movimenta a economia como um todo, desde os hotéis, bares,
restaurantes até o comércio informal. Por isso, a PMCG está de braços
abertos para esses e outros eventos do porte, bem como para os turistas que
visitam a nossa cidade no período (PREFEITURA MUNICIPAL DE
CAMPINA GRANDE, 2014c).
O Festival de Inverno, o Maior São João do Mundo e o Encontro da Nova
Consciência possuem dimensões políticas, econômicas e culturais. A compreensão dos
aspectos históricos e dos agentes que participam da construção dos territórios turísticos
da cidade, permite um olhar crítico em relação à configuração que estes eventos seguem
atualmente. O turismo em Campina Grande é articulado entre a visibilidade política que
os eventos promovem e os ganhos econômicos a partir de sua realização. No entanto, os
aspectos culturais são indissociáveis da política e da economia.
A dimensão cultural é fundamental para consolidar os territórios em que os
eventos se desenvolvem. A dinâmica dos territórios se altera na medida em que se
inserem novos atores e novas necessidades. Neste sentido, a cultura de Campina Grande
é moldada e construída sob a influência das dimensões políticas e econômicas dos
eventos. Nos eventos turísticos de Campina Grande, a valorização da cultura, como
69
dimensão basilar para o desenvolvimento do turismo em um território, é secundarizada.
Os eventos em Campina Grande estão relacionados a grupos políticos, econômicos ou
sociais, que detêm o poder ou têm influência sobre o poder na cidade.
O FI, o MSJM e o ENC foram e são construídos “de cima para baixo”, assim
como a própria escolha do Turismo de Eventos para a cidade não envolveu a
participação popular. Cada evento está associado a um grupo ou uma pessoa
organizadora, que concentra as decisões do MSJM, do FI e do ENC em cada edição. Os
eventos são, então, momentos em que determinados grupos se destacam no território
campinense. As relações de poder associadas aos eventos de Campina Grande
restringem a participação popular nas decisões relativas ao turismo na cidade. Não há
uma formação para que os próprios campinenses participem dos processos deliberativos
ou da gestão dos equipamentos turísticos.
A ampliação do conhecimento sobre a cultura, a política e a economia de
Campina Grande permitiria a aproximação entre turistas e autóctones, apoiada nos
valores que realmente fundamentam a existência dos eventos. A receptividade, a
hospitalidade e a simpatia são valores próprios do povo campinense, que é formado por
diferentes origens e ainda ligado às tradições rurais de famílias que, nos últimos cem
anos, chegaram à cidade. A educação tem, neste contexto, o papel de formar cidadãos
conscientes sobre a importância de sua cultura e de sua participação, para que o turismo
se desenvolva. O turismo está também associado à educação patrimonial, material e
imaterial, para que a cultura junina, as crenças e artes populares sejam percebidas pelo
valor em si, e não somente pelo valor comercial que representam.
70
5. PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO: O ECONÔMICO E O
CULTURAL NOS EVENTOS TURÍSTICOS DE CAMPINA GRANDE
A compreensão sobre os eventos turísticos no desenvolvimento de Campina
Grande apresenta perspectivas divergentes. O poder público e o setor privado municipal
entendem a relação entre os eventos turísticos e o desenvolvimento do município, a
partir de uma perspectiva marcadamente econômica. Para as organizações sociais, os
eventos turísticos poderiam ser uma forma de divulgação da cultura do território, porém
a prioridade dada pelo poder público à dimensão econômica dos eventos tem
comprometido a valorização da cultura.
Para o poder público, o turismo está associado à melhoria na arrecadação de
impostos, aumento das vendas no comércio e geração de emprego e renda. Este
conjunto de resultados econômicos, na perspectiva do poder público, reflete no
crescimento de Campina Grande, a partir do aumento do Produto Interno Bruto (PIB)
do município: “O impacto [dos eventos turísticos para Campina Grande] é na parte de
hotelaria e restaurante. Ou seja, fica lotada a cidade, movimenta nisso. O impacto é de
economia, geração de emprego e renda” (Gestor do Teatro Municipal, 2014).
O poder público é um agente de desenvolvimento do turismo em um município.
Desta forma, o planejamento e as ações do poder público e, principalmente, as
deliberações sobre os investimentos municipais, interferem na dinâmica do território. O
investimento público na divulgação dos atrativos do território, com o objetivo de
impulsionar o turismo enquanto gerador de emprego e renda, tem reflexos nos impactos
gerados pela atividade. A concorrência entre os destinos não se restringe à possibilidade
de atrair um número maior de turistas, “consumidores”, mas também de investidores
para a cidade (VARGAS, 1996). Este é o posicionamento do Presidente do
SindCampina (2014) ao afirmar que:
As visitas que nós recebemos em Campina Grande durante esse período
[Maior São João do Mundo], não somente do turista, mas de investidores
curiosos de saber o porquê do crescimento desse evento, de repente partem
deles a visão e o interesse de investir em Campina Grande, trazendo para cá
as suas empresas, fruto justamente dessa visita, talvez rápida ou talvez
interesseira deles, né? De vir a Campina Grande durante esse período para
saber de fato o potencial que tem a cidade, juntando-se o útil ao agradável
(Presidente do SindCampina, 2014).
O planejamento e as ações para o turismo, mantidas sob a égide do crescimento
econômico, tendem a ratificar a dinâmica do desenvolvimento desigual e predatório.
71
Isto porque falta na realidade analisada, como também analisa Krippendorf (2000) em
outroscontextos, a participação de diferentes sujeitos do território no planejamento do
sistema turístico. Ao viabilizar uma maior participação nos processos decisórios, podem
ser colocadas em discussão formas de controle sobre os impactos do turismo. As
transformações e melhorias para que o sistema turístico viabilize o desenvolvimento, no
sentido amplo, são precedidas pela conscientização sobre os impactos gerados.
O “custo social do turismo” (KRIPPENDORF, 2000, p. 76) não é considerado
pelos sujeitos do poder público que atuam no turismo no território campinense. O
turismo tem reflexos na dimensão social do território, que vão além de aspectos
quantitativos, o que dificulta a mensuração e o controle destes impactos qualitativos por
parte dos planejadores. De acordo com Krippendorf (2000, p. 76), podem ser
considerados custos sociais do turismo, os golpes na qualidade do meio ambiente
(alteração das características das localidades e da paisagem em geral, poluição,
barulho); o perigo de crise da economia local pela dependência do turismo; as mudanças
na sociedade nativa (hábitos de consumo, comportamento, inferioridade, servilismo,
criminalidade); a influência sobre hábitos, costumes, tradições e normas ou a vida social
e familiar; o fardo psicológico pelo confisco estrangeiro (a vida de acordo com regras
estrangeiras). Entre os custos sociais do turismo em Campina Grande, o Gerente de
Cultura do Serviço Social do Comércio (SESC) (2014) destaca uma alteração
decorrente do MSJM: “Em torno dessa centralização [do São João no Parque do Povo]
foi um impacto enorme, porque desagregou [...]. Acabou-se aquela coisa afetiva que
existia”.
No discurso do poder público campinense são apresentadas propostas para a
redução dos impactos negativos do turismo no território, especificamente relacionados
ao Maior São João do Mundo (MSJM). Este evento, organizado diretamente pela
Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG), segundo a Coordenadora de
Turismo (2014), é realizado em parceria com os catadores de lixo, como uma maneira
de reduzir o impacto ambiental. Em relação aos impactos socioculturais, foi inaugurado
um novo espaço no Parque do Povo para divulgar o trabalho dos artesãos locais. A ideia
é que sejam agregados valores, de forma que famílias e visitantes percebam o MSJM
não somente como festa, mas como um espaço de lazer: “Que valores são esses?
Valores de você trazer a família, valores de você trazer uma atração, valores de você
poder proporcionar cultura e conhecimento a todos” (Coordenadora de Turismo, 2014).
72
Para reduzir os impactos socioculturais, a Coordenadora de Turismo (2014)
menciona, ainda, as ações para revalorizar os aspectos religiosos do MSJM. A criação
do projeto “Fé e Cultura” tem como objetivo a valorização de aspectos culturais e
religiosos do São João, uma vez que “a tradição aqui de Campina perdeu essa parte
religiosa. Ficou só a tradição da festa profana. E isso é uma perda muito grande, porque
perde o sentido maior da festa” (Representante da Diocese, 2014). Entretanto, diante da
apropriação comercial dos elementos juninos, as medidas de redução dos impactos –
ambientais e socioculturais – têm pouca abrangência e são incipientes. Ao investir na
divulgação e atração de turistas em massa para o evento, priorizando os aspectos
quantitativos, as ações do poder público que pretendem minimizar os impactos do
turismo não encontram eco em ações públicas mais estruturantes.
O discurso do poder público sobre o crescimento econômico,por meio dos
eventos turísticos, não é endossado por organizações sociais que atuam na organização
do Encontro da Nova Consciência (ENC), do Festival de Inverno (FI) e do Projeto “Fé e
Cultura” no Maior São João do Mundo (MSJM). No discurso dos grupos de artistas de
Campina Grande também não é ratificado o papel econômico dos eventos, mas sim os
aspectos culturais e sociais. Neste sentido, as organizações sociais percebem a relação
entre o turismo e o desenvolvimento de forma ampla e multidimensional: “A economia
ela varia muito. Então, num momento, hoje, esse desenvolvimento econômico está
servindo para cidade, mas futuramente pode deixar de servir” (Representante da
Diocese, 2014). A presidente do Instituto Solidarium afirma que “[...] quem faz
desenvolvimento não é a economia, é a cultura”.
As diferenças entre os discursos do poder público e das organizações sociais
evidenciam a complexidade do sistema turístico. De acordo com Medina (2012), há no
turismo uma complexidade oriunda da diversidade de agentes envolvidos no sistema,
entendida como complexidade sistêmica. No turismo há também, a complexidade
fenomenológica, decorrente das distintas interpretações e pontos de vistas dos agentes
envolvidos. Com isso, o turismo gera no território diferentes percepções, uma vez que o
“conocimiento de cada uno de los agentes sobre la realidad está condicionado por su
historia de acciones y por los distintos tipos de conocimiento sobre ella” (MEDINA,
2012, p. 26). A construção do turismo resulta de leituras divergentes e convergentes dos
diversos sujeitos coletivos sobre a realidade. E os eventos turísticos de Campina Grande
não fogem a esta realidade.
73
Outro fator que justifica as diferentes percepções dos sujeitos sobre os territórios
turísticos é decorrente dosdiferentes interesses e campos de atuação do poder público e
das organizações sociais. As organizações sociais, por serem organizações sem fins
lucrativos, têm maior liberdade para atuar no território, priorizando as dimensões
culturais e sociais. O poder público atua para impulsionar a economia do território,
inserido no paradigma que hierarquiza e valoriza a riqueza de cada território em base à
economia. Aliados à perspectiva do poder público, agentes do setor privado também
entendem os eventos turísticos de Campina Grande como aumento da lucratividade.
Os representantes do setor privado destacam os benefícios econômicos que os
eventos turísticos trazem para a cidade, por atuarem no setor do comércio e dos
serviços. Este discurso está presente em organizações como o SindCampina, o
Conventions & Visitors Bureau (C&VB) e a Associação Comercial de Campina Grande
(ACCG). De maneira diferenciada em relação ao setor privado, representantes do
Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE) e do SESC
consideram a importância da melhoria na qualidade de vida e da infraestrutura que os
eventos trazem para o desenvolvimento de Campina Grande:
O fato de esses eventos existirem e outros pequenos eventos terem
acontecido dentro da cidade, fez com que a cidade também mudasse o ar. Se
eu vou receber na minha casa, eu tenho que estar com a casa arrumada. [...]
Quantas pessoas já vieram aqui por conta desses eventos e quantos quiseram
voltar porque acharam a cidade aconchegante? Então, isso impacta. O ideal
era que nós tivéssemos para cada mês do ano aqui em Campina um evento. A
gente teria uma outra cidade (Gerente de Turismo do SEBRAE, 2014).
O setor privado, o poder público e as organizações sociais de Campina Grande
possuem diferentes formas de atuação no sistema turístico, construindo um território
heterogêneo (SAQUET, 2008). No sistema turístico de Campina Grande, o MSJM
ocupa no território um lugar prioritário, concentrando a maior parte dos recursos para o
planejamento, investimentos e divulgação do evento. Não obstante, as organizadoras do
FI e do ENC fazem críticas à falta de apoio do poder público para os demais eventos:
“O patrocínio está pequeno, tem pouco edital [...]. A gente está sempre um pouco na
corda bamba, porque a gente depende de edital público” (Coordenadora Geral do ENC,
2014).
O poder econômico tem influência na organização do território, pois interfere na
concentração de recursos em atividades que se tornam mais lucrativas. Na organização
dos eventos turísticos em Campina Grande, “os poderes se exercem em níveis variados
74
e em pontos diferentes da rede social e neste complexo os micropoderes existem
integrados ou não ao Estado” (FOUCAULT, p. XII, 2008). A rede de micropoderes no
território turístico se forma por meio de relações mais próximas ou mais distantes de
quem detém o poder político e econômico. Em Campina Grande, os recursos
direcionados para o MSJM estão relacionados ao apoio político que este evento possui.
O MSJM, organizado pelo poder público, tem como objetivo dar visibilidade
para a cidade e atrair um público massivo, caracterizando-o como um megaevento. A
estrutura de um megaevento requer “a ampla mobilização de recursos financeiros para a
construção de infraestrutura destinada à hospedagem de eventos e o objetivo deliberado
de modificar a estrutura urbana para inserir a cidade na economia internacional”
(OLIVEIRA, 2011, p. 265). Para que seja viabilizado, o megaevento necessita de
investimentos públicos, que seriam justificados pelo retorno em geração de impostos e
empregos. No caso do MSJM, no ano de 2013, foram gastos R$ 5 milhões pelo
município (PARLAMENTO PB, 2014).
O planejamento estratégico para o desenvolvimento territorial pode ter o
megaevento como uma das bases, complementado pelo investimento em outras
estratégias municipais. No caso brasileiro, o megaevento deixa de ser uma das bases
para se tornar, o próprio megaevento, a estratégia de crescimento econômico e social.
Desta forma, a existência de infraestrutura urbana deixa de ser uma prerrogativa para a
implementação dos megaeventos e se torna consequência da existência dos
megaeventos (OLIVEIRA, 2011). Em Campina Grande, os investimentos em
infraestrutura são realizados em função do MSJM e não enquanto política pública, que
beneficie a diversidade de territórios.
Associado aos investimentos públicos, o grande número de patrocinadores
privados possibilita o crescimento do MSJM, tornando-o um megaevento com uma
explícita dimensão política e econômica. Os eventos, especialmente o MSJM, são
considerados estratégia de crescimento econômico para Campina Grande desde a
década de 80. O MSJM é realizado no centro econômico e político de Campina Grande,
demonstrando a concentração de investimentos públicos nesta área da cidade. O MSJM
gera visibilidade ao poder público municipal que realiza o megaevento, sendo
caracterizado por um “perfil eminentemente comercial em benefício dos políticos locais
e da elite econômica campinense, solapando os aspectos sociais e culturais”
(NÓBREGA, 2010, p. 127). Desta maneira, o MSJM deixa de contribuir para o
75
desenvolvimento de Campina Grande, no sentido do desenvolvimento humano proposto
por Coriolano (2003):
O turismo como desenvolvimento humano significa aprendizagem, encontros
de pessoas, estilo de vida, fator educativo, realização do direito ao ócio e
crescimento pessoal e comunitário. Significa turismo de qualidade, sendo um
bom negócio para quem vende e para quem compra (CORIOLANO, 2003, p.
70).
Em contrapartida, o discurso dos sujeitos do ENC e do FI está associado à
contribuição destes eventos para o desenvolvimento sociocultural e educacional da
cidade. Ainda que sejam possíveis críticas, quanto à abrangência do FI e do ENC nos
bairros mais distantes do centro de Campina Grande, estes eventos se aproximam da
perspectiva de desenvolvimento da cidade aliado ao turismo. Para a Coordenadora Geral
do ENC (2014) “a proposta do evento [ENC] é: de que maneira nós podemos mudar o
mundo para melhor? Não é o que diverge entre mim e você, mas o que converge”. Ao
dar prioridade para que o evento seja uma oportunidade de promover o diálogo e o
aprendizado, o ENC se aproxima das perspectivas de desenvolvimento enquanto
promoção da cidadania.
O objetivo prioritário do ENC não é gerar renda e emprego para Campina
Grande, assim como não é objetivo do FI. Ainda assim, reconhece-se que a promoção
do ENC e do FI gera renda para a cidade, principalmente, nos serviços de apoio ao
evento e na contratação de palestrantes e artistas (Coordenadora Geral do ENC;
Presidente do Instituto Solidarium, 2014). Em determinados aspectos, o FI e o ENC se
assemelham como promotores de desenvolvimento em Campina Grande. Há o caráter
pedagógico dos eventos, ao priorizarem atrações e vivências que contribuem para o
desenvolvimento humano. O caráter pedagógico do FI é ressaltado pela presidente do
Instituto Solidarium, ao considerar que o FI permitiu que os artistas de Campina Grande
se conscientizassem a respeito das técnicas e do conhecimento científico necessários no
processo de criação. Neste sentido, conclui que a “maior contribuição que foi a questão,
a mentalidade do povo campinense mudou, porque se não tivesse mudado, a cidade teria
parado [...]. Festa somente festa, é recreação, entendeu? Quem dá respaldo é o
conhecimento” (Presidente do Instituto Solidarium, 2014).
O FI e o ENC podem contribuir para que autóctones e turistas sejam sujeitos do
processo de desenvolvimento do território. São eventos que, originalmente, tinham uma
maior abrangência e que, ao longo dos anos, tiveram sua programação e área de atuação
diminuídas. Por serem eventos de menor porte, se comparados ao MSJM, o FI e o ENC
76
permitem uma maior aproximação com o território em que são realizados. Analisando
os impactos socioculturais do turismo em um território, Oliveira (2009) aponta três
contextos em que o encontro entre turistas e autóctones acontece no território,
associando os dois primeiros aos contatos resultantes do turismo de massa: “quando o
turista compra um bem ou serviço do residente; quando ambos compartilham o mesmo
espaço físico; quando ambos trocam informações e/ou ideias” (OLIVEIRA, 2009, p.
24). Neste sentido, as dinâmicas do FI e do ENC favorecem o contato entre turistas e
autóctones, baseado na troca de informações e/ou ideias e no compartilhamento do
mesmo espaço físico.
O FI e o ENC não priorizam aspectos econômicos e quantitativos, mas sim
aspectos imateriais e imensuráveis para validar o sucesso do evento. A Coordenadora
Geral do ENC (2014) considera que o evento possibilitou um diálogo entre religiões
diferentes, o que antes do ENC não acontecia. O compartilhamento de informações e
ideias, no sentido da conscientização e do diálogo, são elementos fundamentais para se
considerar o desenvolvimento enquanto aumento da qualidade de vida e da liberdade
desfrutadas pela população (SEN, 2010; BRASILEIRO, 2012). No caso de Campina
Grande, a maneira como cada evento turístico é conduzido, desde a organização até a
realização, tem diferentes reflexos nas dimensões do desenvolvimento territorial.
5.1. PLANEJAMENTO E AÇÕES NOS EVENTOS TURÍSTICOS DE
CAMPINA GRANDE: CONSEQUÊNCIAS PARA O
DESENVOLVIMENTO
O desenvolvimento é um processo intrínseco à complexidade do território, sendo
necessário o envolvimento de diferentes sujeitos, setores e organizações, para que o
território se desenvolva. Nesta diversidade de sujeitos, o sistema turístico desempenha
um relevante papel em Campina Grande, ainda que seja composto por agentes que
possuem diferentes interpretações (MEDINA, 2012). Em Campina Grande, a
desarticulação entre os sujeitos que atuam no sistema turístico resulta em entraves para
o desenvolvimento territorial, decorrentes da atividade turística. Os micropoderes que
atuam na construção do território turístico de Campina Grande geram um sistema
turístico disperso e conflitante, com pouca comunicação entre os envolvidos:
Campina Grande não tem noção do potencial que Campina Grande tem em
termos de desenvolvimento do turismo, mas a gente não tem um fio condutor
77
que consiga ainda reunir tudo isso e criar um planejamento estratégico
(Gerente de Turismo do SEBRAE, 2014).
Para os representantes do setor público, no entanto, não é perceptível a
desarticulação no planejamento dos eventos em Campina Grande. A Coordenadora de
Turismo (2014), ao citar especificamente a organização do MSJM, descreve como um
processo que envolve todos os segmentos da PMCG. A PMCG convoca diferentes
setores para entender as demandas em relação ao MSJM, como o Presidente da ACCG,
o presidente do SindCampina e o Representante dos Grupos de Danças Populares. No
entanto, as ações demonstram que o atendimento a determinadas demandas é priorizado,
especialmente as demandas do setor privado, que visam a melhoria dos aspectos
comerciais do MSJM.
Neste sentido, o Representante dos Grupos de Danças Populares (2014) relata a
realização de uma reunião com os responsáveis pelo MSJM, “só que tudo que a gente
falou, tudo que a gente expressou, as nossas necessidades [...] é só naquela questão da
mesa mesmo”. Entretanto, a participação dos diferentes cidadãos e sujeitos coletivos na
vida política, na avaliação e nas decisões decorrentes de diferentes setores, é um
elemento constituinte do desenvolvimento como liberdade (SEN, 2010):
A liberdade para participar da avaliação crítica e do processo de formação de
valores é, com efeito, uma das liberdades mais cruciais da existência social.
A escolha de valores sociais não pode ser decidida meramente pelos
pronunciamentos daqueles que se encontram em posições de mando e
controlam as alavancas do governo (SEN, 2010, p. 365).
O FI e o ENC possuem dinâmicas de organização que se assemelham ao MSJM,
no sentido da centralização no planejamento destes eventos. No FI e no ENC, a
organização está restrita às entidades responsáveis, ou seja, ao Instituto Solidarium e à
Organização Não Governamental Nova Consciência, respectivamente. As decisões do
FI envolvem curadorias, que coordenam as mostras de dança, teatro e música, mas a
presidente do Instituto Solidarium (2014) afirma que: “como diretora geral, eu dou uma
assistência em tudo e quero saber de tudo e vejo tudo, porque afinal de contas, eu pari
esse festival”. Semelhante ao FI, a organização do ENC está centralizada em uma
entidade, a ONG Nova Consciência, sendo que a coordenadora geral do ENC é a
principal responsável pela construção e manutenção do ENC.
As organizações que apoiam o ENC participam com patrocínios, mas não são
incluídas no planejamento do evento. Na perspectiva do Gerente de Cultura do SESC
78
(2014), manter a organização do ENC e do FI centralizada é uma estratégia para a
manutenção da identidade destes eventos: “às vezes, quando você abre demais [as
discussões sobre os eventos], você muitas vezes não passa a contribuir com o
pensamento do evento” (Coordenador de Cultura do SESC, 2014).
O poder público reconhece a importância que o FI e o ENC desempenham para
o turismo na cidade e, por isso, apoia a realização. No entanto, a PMCG não participa
dos processos decisórios destes eventos e não atua para que o FI e o ENC tenham maior
abrangência no território campinense. Estes eventos passaram por significativas
reduções no período de duração e nos espaços que ocupavam na cidade, sendo também
as organizações responsáveis pelo FI e pelo ENC responsáveis por estas mudanças. A
menor participação do FI e do ENC no território turístico de Campina Grande
demonstra que a construção do turismo está inserida em um processo histórico, com o
envolvimento de diferentes atores e interesses. As mudanças ocorridas no FI e no ENC
resultam da falta de planejamento do poder público e também das organizações sociais.
Representantes do setor privado apontam a necessidade de que o FI se reinvente,
para que possa reconstruir a função cultural que desempenhava para a cidade. O FI é
referenciado pelo papel que desempenhou no passado, mobilizando Campina Grande
para as artes e espetáculos. Conforme afirma Morin (2007), entender os fenômenos
sociais de forma complexa, envolve a consciência sobre as ações conservadoras, sendo
complementadas por ações revolucionantes. Analisando a realidade estudada a partir
deste autor, as ações do FI demonstram um viés conservador, arraigado no formato com
o qual o festival foi criado na década de 70. No mundo contemporâneo, cuja
complexidade é uma realidade, ações revolucionantes são necessárias, para
complementar as ações conservadoras. Alguns sujeitos que são apoiadores do FI
percebem esta necessidade. No entanto, não são partícipes do processo, o que inibe que
novos pensamentos e ações sejam postos em prática.
De acordo com a Coordenadora de Turismo (2014), o FI “é um evento que hoje
ele passa por uma, digamos assim, uma necessidade de se reinventar, se repaginar”. De
maneira semelhante, a gestora de turismo do SEBRAE (2014) aponta que o FI “não
conseguiu ainda ter uma dimensão de um festival, por exemplo, que talvez já pudesse
ser regional, e atrair mais pessoas para Campina Grande, sem mudar o teor do festival”.
Além de destacar a falta de modificações no festival, o Gerente de Cultura do SESC
(2014) também considera a falta de recursos financeiros: “O FI, embora tivesse buscado
79
modificações, força, etc., faltou incentivo. Faltou perna financeira para poder dá um voo
maior, para poder se expandir, continuar com a mesma importância”.
Ao não participar do planejamento e das ações referentes à organização do ENC,
a PMCG deixa de intervir nos conflitos entre eventos religiosos no carnaval de Campina
Grande. São conflitos que perpassam a dimensão turística, por atraírem visitantes para o
município; por outro lado, perpassam também a dimensão religiosa do território, pois
são realizados eventos específicos de cada religião durante o mesmo período. As
disputas entre os eventos religiosos que ocorrem no carnaval, em especial entre o evento
evangélico e o ENC, são chamadas pela Coordenadora do ENC (2014) de “Guerra
Santa”: “Vieram os evangélicos, criaram um evento [o Consciência Cristã] para bater de
frente. Fazem queima de pneu, tudo que você puder imaginar” (Coordenadora do ENC,
2014).
O evento Consciência Cristã está presente nos discursos dos diferentes sujeitos
do estudo. Entretanto, falta conhecimento sobre a organização do evento. O
representante do Grupo de Tradições Populares Acauã da Serra (2014), por exemplo,
confunde os nomes dos eventos, ao considerar que o evento que ocorre no Parque do
Povo é o ENC, sendo que este é o Encontro da Consciência Cristã. Possivelmente, o
termo “consciência” utilizado noEncontro da Nova Consciência e na Consciência
Cristã, gera dúvidas sobre o que se trata em cada evento. O evento Consciência Cristã
foi criado posteriormente ao ENC, construindo uma relação de poder entre ambos. Há
uma disputa por investimentos, por público e por espaços de realização, ratificada pelo
discurso da conscientização religiosa verificada nos dois eventos. Foucault (2008, p.
179) considera que o estabelecimento de relações de poder é indissociável de “uma
produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso”, tal como
se verifica no carnaval de Campina Grande.
O representante da Diocese reconhece que, dentre os eventos religiosos que
ocorrem no carnaval, o ENC é o mais representativo, pois “a proposta é diferente, é uma
proposta de uma reflexão, de uma convivência entre as mais diversas expressões
religiosas. Eu acho isso muito interessante” (Representante da Diocese, 2014). A
PMCG não interfere neste conflito, com um posicionamento que busca neutralidade,
visando à manutenção dos eventos que atraem turistas para o Carnaval:
De um evento [o ENC] maior, acabamos hoje com dois eventos no período
de carnaval dentro da cidade [ENC e Consciência Cristã]. São dois eventos
que nós apoiamos, né? São dois eventos que a gente entende e vende como
80
grande encontro que Campina Grande proporciona dentro de uma macrovisão
para o Encontro da Nova Consciência. Para nós, são segmentos que
convivem. A gente, enquanto prefeitura, nós não fazemos nenhuma distinção
entre os eventos (Coordenadora de Turismo, 2014).
De acordo com a Coordenadora de Turismo (2014), é uma prioridade para o
poder público viabilizar a criação de uma Secretaria de Turismo em Campina Grande,
com a eleição de um Conselho Municipal de Turismo e a formatação de diretrizes do
município para o desenvolvimento local com base no turismo, o que possibilita que o
município receba recursos federais. Mesmo que o objetivo da criação do Conselho seja
a captação de recursos (Coordenadora de Turismo, 2014), esta decisão poderá incitar a
participação de mais sujeitos no sistema turístico de Campina Grande. Ainda assim,
para que ocorra a efetiva gestão participativa do território, a criação de uma Secretaria
ou de um Conselho não são suficientes. A prerrogativa é de que o sistema turístico seja
considerado na sua complexidade, para que possa contribuir para o desenvolvimento do
território. A complexidade envolve a multiplicidade de agentes e dimensões que o
turismo envolve, não podendo está restrito às decisões que visam apenas à consolidação
do MSJM, enquanto identidade turística de Campina Grande.
5.2. A IDENTIDADE DO TERRITÓRIO: O MAIOR SÃO JOÃO DO
MUNDO
O planejamento turístico de Campina Grande favorece o crescimento e a
consolidação do MSJM em detrimento do FI e do ENC. Na mídia e nos discursos dos
sujeitos do estudo, o MSJM é o principal destaque turístico da cidade. Os impactos
econômicos do MSJM no território são mais significativos do que do FI e do ENC, o
que impulsiona a constante opção de direcionamento de recursos públicos e privados
para o MSJM. Representantes do poder público, do setor privado e de organizações
sociais reconhecem o potencial econômico e a geração de emprego e renda, associados
ao MSJM. Reafirmam, desta forma, o discurso econômico associado à promoção
turística de um território (BRASILEIRO, 2012), como se verifica nos discursos
apresentados:
81
Figura 15: DESTAQUES AO POTENCIAL ECONÔMICO DO MSJM
SUJEITOS DISCURSOS
Representante da
Diocese
“Para a cidade tem um impacto na questão econômica, porque nós temos os
hotéis repletos.”
Coordenadora de
Turismo “A nossa maior arrecadação acontece no São João. Então é o nosso natal.”
Gestor Teatro Municipal “O impacto é na parte de hotelaria e restaurante, ou seja, fica lotado a cidade,
movimenta nisso. O impacto é de economia, geração de emprego e renda.”
Presidente ACCG
“Historicamente o comércio de Campina Grande, principalmente no São
João, tem todo mês de junho. Há um crescimento no emprego formal em
torno hoje de umas 500 vagas”
Gerente de Turismo do
SEBRAE
“Aqueles 30 dias, onde todo mundo tenta ganhar para ter o dinheiro do ano.
E isso vai do pequenininho ao maior.”
Gerente de Cultura do
SESC
“Movimenta a economia da cidade. É “Seu Zé” da castanha passa a vender
mais, porque monta ali seu quiosquezinho.”
Presidente do
SindCampina
“Do lado econômico, ele é rentável. Ele é um evento que, por conta desse
crescimento dele, que vem crescendo de ano para ano”
Representante Grupos de
Danças Populares
“O São João é o mais significativo em termos de público, né? Em termos de
trazer receita, né?
Fonte: Elaboração própria
Ainda que se reconheça o impacto econômico que o MSJM gera para Campina
Grande, determinados setores da sociedade almejam um MSJM ainda maior. Para o
setor privado, a visibilidade atual do MSJM é prejudicada pela ausência de
infraestrutura turística da cidade: “Campina Grande precisa muita coisa para chegar ao
ponto de um destino turístico. [...] Não temos um portal na entrada da cidade [...]”
(Presidente do Paraiba Convention & Visitors Bureau, 2014). Para o poder público, o
investimento na divulgação do MSJM em feiras de turismo e campanhas de abrangência
nacional é uma prioridade. De acordo com a Coordenadora de Turismo (2014), “[...] nós
já conseguimos que o São João, Festas Juninas do Nordeste, fosse conhecido pelo Brasil
inteiro e uma campanha internacional da Embratur, em que o cartão postal é Campina
Grande.” O Gestor do Teatro Municipal (2014) complementa que: “A gente [PMCG]
participou, de 2013 para cá, em mais de 80 feiras, divulgando com stand ou com
folheteria, divulgando as ações do Maior São João do Mundo”.
A oferta de bens de consumo e de serviços – alimentação, bebidas, produtos
típicos, camarotes, entre outros – durante o MSJM, objetiva atrair turistas e autóctones
ao Parque do Povo. Os organizadores divulgam também os aspectos culturais das Festas
Juninas que são reconstruídos no MSJM, especificamente para atrair turistas que se
interessam por esta vivência. Os elementos culturais associados ao MSJM, no entanto,
82
estão inseridos na lógica do turismo de massa, ainda que a divulgação esteja apoiada em
um possível encontro do visitante com a cultura tradicional do São João, como a
gastronomia e as quadrilhas. Zaoual (2008) aponta o crescimento da demanda turística
que valoriza a diversidade intercultural e defende que a satisfação desta demanda
depende de mudanças no paradigma do turismo. Ou seja, ainda que o MSJM divulgue o
encontro do turista com a cultura junina como atrativo para evento, não se trata de uma
vivência de turismo situado, pois a lógica do turismo de massa está mantida.
Associada à divulgação em massa de elementos culturais do São João, estão
também os artistas de renome nacional que participam do MSJM. A presença destes
artistas é amplamente divulgada e, em sua grande maioria, são cantores que não estão
envolvidos com as tradições juninas territoriais. Por outro lado, os trios de forró
tradicionais que se apresentam nas palhoças do Parque do Povo não são valorizados
pelo poder público local. Entretanto, para as organizações sociais e parte do setor
privado, existe a insatisfação com a visibilidade do artista nacional no MSJM, em
detrimento dos artistas locais. Para a Coordenadora Geral do ENC (2014), o turista
“quer ver o forró verdadeiro, o trio de forró, o cantor de forró o ano inteiro, não é uma
banda imitando qualquer coisa lá do Sul”. Ainda neste sentido, o Representante dos
Grupos de Danças Populares (2014) aponta que: “o Aviões do Forró que canta aqui,
canta em Minas Gerais. Está todo dia no Faustão ou em outros programas de auditório.
[...] E, no entanto, o São João aqui investe muito nisso [nas bandas de renome
nacional]”.
Diante da desvalorização do artista local, o Representante dos Grupos de Danças
Populares demonstra falta de estímulo para continuar participando do MSJM. Os grupos
de danças populares apresentam-se em horários em que ainda não há público no Parque
do Povo, não têm apoio logístico dos organizadores – segurança, transporte, camarim e
água – e há atraso no pagamento do cachê:
Porque a partir do momento que eu não me apresento, eu estou deixando de
divulgar o meu trabalho e de fazer o que eu acredito, não é? Ao mesmo
tempo, se eu me apresento, eu estou corroborando com uma política que eu
não aceito, não é? E que eles [a PMCG], de certa forma, não estão nem aí.
(Representante dos Grupos Populares, 2014).
Os investimentos do poder público em artistas da indústria de massa estabelecem
e ratificam uma cultura dominante, com o apoio dos grandes meios de comunicação
nacionais e regionais. Bourdieu (1989) discorre sobre o efeito ideológico que a cultura
83
dominante tem sobre sociedade, no sentido da legitimação do poder e das hierarquias
sociais. A cultura dominante produz um sistema simbólico que cria uma “integração
social”, ainda que fictícia (BOURDIEU, 1989, p. 10). Na realidade analisada, o MSJM
é um território que privilegia a cultura de massa, coletivamente compartilhada, mas que
serve particularmente para a manutenção da elite da cidade, seja a econômica e/ou a
política.
O público que se reúne no Parque do Povo, nos dias de atrações musicais de
renome nacional, é mobilizado pelos meios de comunicação de massa, que são “de
modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo,
do poder material ou simbólico” (BOURDIEU, 1989, p. 11). A visibilidade do MSJM
nos meios de comunicação fortalece a classe política que o organiza e também reafirma
a identidade turística de Campina Grande associada ao MSJM. Desta maneira, Nóbrega
(2010) conclui que a dimensão cultural do MSJM está comprometida por interesses
econômicos e políticos.
Os discursos oficiais apesar de insistirem no caráter tradicionalista e imutável
da festa, como ideário de respeito, de continuidade das origens e de
reconstrutor de identidades, não conseguem dissimular a intencionalidade de
realizar um evento para ser reconhecido como uma benesse política, e mais
que ser vivido, visto promocionalmente (NOBREGA, 2010, p. 131).
Para as organizações sociais, o MSJM tornou-se um produto comercial a ser
vendido e explorado. Trata-se de uma identidade construída e constantemente reforçada
por diferentes veículos midiáticos, por meio de uma ampla divulgação criada para atrair
maior público para o Parque do Povo, sejam turistas ou autóctones. Nesta dinâmica, o
comportamento egocêntrico de turistas (KRIPPENDORF, 2000), que não foram
sensibilizados pelos aspectos culturais e sociais do evento, favorece o consumo do
atrativo sem a compreensão do contexto em que se insere, e a aceitação da substituição
de elementos culturais tradicionais por elementos com maior apelo popular.
Ainda assim, a visibilidade que Campina Grande tem com o MSJM é constatada
de forma positiva pelos sujeitos da pesquisa. No entanto, a manutenção do MSJM como
identidade turística de Campina Grande inibe o reconhecimento de outros elementos
culturais da cidade, como os eventos FI e ENC:
84
Figura 16: A IDENTIDADE TURÍSTICA DE CAMPINA GRANDE
SUJEITOS DISCURSOS
Representante dos
Grupos de Danças
Populares
“Os olhos do Brasil, nesse período junino, [...] está voltado aqui para o São
João.”
Coordenadora de
Turismo
“Campina Grande só pode ser vista como festa junina? Não. Mas é o nosso
cartão postal, é a nossa abertura, é por onde as pessoas conhecem, por onde
as pessoas acabam tendo referência para nós, no mundo do turismo”.
“A gente sempre começa a apresentar Campina Grande pelo São João, mas
logo em seguida a gente dá ênfase às faculdades, às instituições”.
Gerente de Turismo do
SEBRAE
“Qualquer outro evento que esteja dentro de Campina Grande acaba sendo
abafado pelo MSJM”.
Secretaria de Cultura “[...] foi um evento que foi crescendo e que, independente de críticas, ele
realmente colocou a cidade na mídia nacional e até internacional.”
Presidente ACCG “Dentro da realidade da Paraíba, Campina Grande conseguiu, principalmente
pelo MSJM, é um destaque, vamos dizer, a nível nacional.”
Fonte: elaboração própria
A relação afetiva que o campinense mantém, por exemplo, com o meio rural,
com a religiosidade, com a quadrilha e com o forró,é o que fundamenta a consolidação
do São João enquanto identidade de Campina Grande. No entanto, os bens culturais
associados ao MSJM estão subordinados à lógica da mercadoria, formatando, de acordo
com Rubim (2000, s.p), uma indústria cultural. O MSJM é um evento paradoxal, ao
tentar se firmar enquanto identidade cultural de Campina Grande e, paralelamente,
consolidar-se no formato da indústria cultural, como analisa o Gerente de Cultura do
SESC. Para este entrevistado, é visível a diferença entre o São João de Campina Grande
com o atual MSJM:
[o São João] não era dessa forma, com o olhar da cultura industrial, da
cultura da indústria. Não era, não tinha esse olhar. Mas assim, Campina
Grande antes do MSJM, as famílias todas se juntavam, o pessoal vinha do
interior [...] A reunião familiar se dá agora no Parque do Povo, com muita
cachaça, sem fogueira, sem milho assado (Gerente de Cultura do SESC,
2014).
O MSJM, enquanto indústria cultural, está inserido nas políticas culturais
brasileiras, caracterizadas como ausentes, autoritárias e instáveis (RUBIM, 2007). Para
este autor, a ausência das políticas culturais no Brasil refere-se ao não posicionamento
efetivo do Estado nas deliberações sobre a cultura, passando ao setor privado esta
função. Ao caracterizar a política cultural como “autoritária”, o autor se refere à falta de
85
apoio e valorização às culturas populares, que foram sendo reprimidas por políticas que
privilegiavam a cultura “monumental, ocidental, branca e católica (RUBIM, 2008, p.
130). O caráter instável das políticas culturais atinge as instituições e deriva de
“fragilidade organizacional; ausência de políticas mais permanentes; descontinuidades
administrativas; agressões em situações autoritárias, etc” (RUBIM, 2007, p. 6).
No contexto de Campina Grande pode-se verificar a ausência, o autoritarismo e
a instabilidade das políticas públicas para a cultura e o turismo. A presença massiva e
marcante de empresas de grande porte no Parque do Povo, assim como a dependência
do empresariado como patrocinador, confere ao setor privado o poder deliberativo sobre
o MSJM, diminuindo o poder do Estado. No MSJM verifica-se a desvalorização de
elementos culturais populares, reafirmando o autoritarismo das culturas de massa. O
Representante dos Grupos de Danças Populares (2014) destaca a dificuldade em
conseguir novos dançarinos para os grupos, pelo desconhecimento que as novas
gerações têm sobre a própria cultura: “Às vezes, há uma cultura que é própria nossa,
eles [as crianças] não sabem, eles têm um estranhamento [...], porque não existe uma
política voltada para essa inclusão da cultura popular” (Representante dos Grupos de
Danças Populares, 2014).
A instabilidade é verificada nos três eventos turísticos de Campina Grande – FI,
ENC e MSJM – ainda que se manifestem de maneiras diferentes. No FI e no ENC a
instabilidade está nas organizações responsáveis, com a ausência de recursos
antecipados para a organização dos eventos. No MSJM, a instabilidade se revela nas
trocas de governo municipal, em que são realizadas mudanças na estrutura do evento,
como forma de dar visibilidade às diferenças entre os governos. Em Campina Grande, o
turismo está associado à manutenção dos interesses das classes políticas e econômicas
que atuam no território. Neste contexto, verifica-se a construção do MSJM enquanto
evento que identifica Campina Grande, concentrando recursos e sendo destaque na
promoção da cidade.
Paulatinamente, o FI e o ENC perdem visibilidade regional e nacional, em
detrimento de um planejamento turístico que impulsiona o crescimento econômico do
município. A educação tem um papel fundamental para que ocorram mudanças sociais e
culturais, que possam favorecer o desenvolvimento territorial. A reconstrução do
território turístico está associada à ascensão de valores culturais próprios de Campina
Grande, considerados por sua importância na história e na sociedade. Para subsidiar
novos olhares sobre o turismo em Campina Grande, a educação pode promover a
86
conscientização sobre os impactos negativos do turismo no território, envolvendo
autóctones e turistas em processos educativos e de valorização cultural. Neste sentido, é
necessário compreender como os processos educativos estão inseridos nos eventos
turísticos, assim como as possibilidades de educação pelo e para o turismo de Campina
Grande.
87
6. EDUCAÇÃO E TURISMO: POSSIBILIDADES E PERCEPÇÕES DOS
EVENTOS TURÍSTICOS
O turismo, enquanto fenômeno sociocultural que proporciona o encontro entre
turistas e autóctones, é educativo. Os processos educativos ocorrem quando os
indivíduos envolvidos passam a ter novas percepções sobre os territórios em que vivem
ou que visitam. Para tanto, a ampliação do entendimento sobre o turismo está associada
à compreensão de que é possível ocorrerem processos de ensino-aprendizagem nos
momentos do lazer turístico. Na medida em que o turismo é desenvolvido com o
objetivo de impulsionar o conhecimento de novas realidades para os turistas, e
qualidade de vida para as pessoas do lugar, para além do crescimento econômico.
Entretanto, esta não é a realidade encontrada nos discursos da grande maioria
dos que planejam, organizam e promovem o turismo. A prioridade dada pelos diferentes
setores responsáveis pelo turismo é a do crescimento no volume de turistas que visitam
os destinos, tornando os produtos turísticos homogeneizados para serem de consumo
rápido e acessível a diferentes públicos. Este modelo de turismo visa o lucro imediato,
não existindo o interesse dos gestores para a criação de produtos que se aproximem dos
sítios simbólicos (ZAUOAL, 2008). Esta perspectiva distancia-se da promoção de
experiências com base no respeito e no entendimento dos valores imateriais
compartilhados pelos indivíduos que formam o território (ZAOUAL, 2008). A
valorização da dimensão educativa do turismo está associada a um consumo lento,
subjetivo e que tem o desenvolvimento humano e dos territórios como o seu principal
objetivo.
A construção de novas perspectivas para o turismo, tanto para os autóctones
como para os turistas, passa por uma atuação ativa e consciente dos sujeitos que fazem
parte do sistema turístico. A educação pelo turismo visa a superação da lógica
predominante do desenvolvimento econômico e técnico-científico, na qual a atividade
está inserida (BRASILEIRO, 2012). Com base nessas perspectivas, as análises que
perpassam os três eventos turísticos de Campina Grande – Maior São João do Mundo
(MSJM); Festival de Inverno (FI) e Encontro da Nova Consciência (ENC) – permitem
afirmar que a dimensão educativa não é central nos eventos turísticos: “Que eu tenha
conhecimento, poucos desses eventos, não vou citar... têm conseguido passar uma
imagem educativa. Mesmo para as pessoas que frequentam também é difícil perceber a
mensagem desses eventos” (Representante do Grupo de Tradições Populares Acauã da
Serra, 2014).
88
Embora o impacto econômico e a geração de emprego e renda ainda
predominem no imaginário e nos discursos dos gestores públicos e privados, é possível
construir espaços para novas perspectivas nos eventos turísticos. Neste sentido, o poder
público, o setor privado e as organizações sociais possuem destacada importância ao
imprimir uma determinada perspectiva na organização e promoção dos eventos
turísticos. Entretanto, pelas posições que ocupam na organização social, estes setores
possuem expectativas diferentes sobre esses eventos e, por consequência, sobre os
processos educativos que neles são gerados.
O conteúdo apresentado nos eventos turísticos é característico da perspectiva de
desenvolvimento e de turismo que se busca com o evento. No caso do MSJM, esta é
uma preocupação para os gestores de organizações sociais, que estão envolvidos com a
dimensão cultural desses eventos. A cultura de massa apresentada como principal
atrativo do evento está inserida em um modelo que segue a racionalidade da
acumulação capitalista (ADORNO; HORKHEIMER, 1996 apud SETTON, 2002, p.
113), na medida em que reproduz símbolos, valores e discursos coerentes à lógica do
lucro e da competitividade. As experiências vividas e apreendidas nos momentos de
lazer e turismo, como fenômenos de massa, também fazem parte do processo de
construção da identidade individual e coletiva, que envolve uma ampla rede de
instituições, vivências e interpretações.
As organizações sociais são as mais críticas em relação ao processo de
massificação em que está inserido o MSJM. As críticas decorrem do valor comercial
que foi atribuído ao evento, em detrimento da importância cultural que o São João tem
para a sociedade de Campina Grande:
Eu não vejo a inserção do São João enquanto um propagador da educação,
que eu acho que poderia fazer esse link, né? Transformar as pessoas mais
conscientes do que é a sua cultura. Principalmente os jovens, porque hoje se
você for perguntar a um jovem o que é que representa o São João para ele,
ele vai dizer: “É Calcinha Preta, é Aviões do Forró”, é isso que representa
(Representante dos Grupos de Danças Populares, 2014).
O MSJM reproduz a lógica de que o tempo de lazer, de turistas e autóctones,
está associado ao tempo de consumo, ou seja, o consumo de produtos e artistas no
evento ou nas propagandas comerciais que estão distribuídas pelo Parque do Povo. O
turismo, por ser um processo educativo, pode contribuir para que os valores associados
ao consumo sejam reafirmados, mas também pode ser uma oportunidade de promover
89
uma experiência prazerosa com base em novos significados. O modo como a sociedade
vive o turismo é influenciado por processos sociais, como a educação, por serem
fenômenos que se integram ao território. A educação para o turismo pode “preparar,
formar a la persona para que viva su tiempo disponible de la manera más positiva”
(ROVIRA, 1996, p. 83).
Enquanto o MSJM é associado à cultura de massa, o FI representa para os
gestores de Campina Grande, uma cultura intelectualizada, clássica: “O Festival de
Inverno é outro grande evento, mas [...] ele atende uma classe mais intelectual da
cidade. O Festival de Inverno ele não vai muito a essa classe C e D. Já o São João vai”
(Representante da Secretaria de Educação, 2014). Neste sentido, os eventos turísticos de
Campina Grande representam a dicotomia entre a cultura da elite, apresentada no FI, e a
cultura de massa, das atrações do MSJM. Os sentidos atribuídos à alta cultura revelam
“as características de „superioridade‟ do mundo artístico em relação a outros domínios
da sociedade” (ORTIZ, 2002, p. 20); como também se associa à ideia de oposição entre
as manifestações culturais. A dualidade está presente desde a criação destes eventos, em
que a elite se mobiliza para criar o FI, enquanto o MSJM é construído para o consumo e
apropriação popular, visando benefícios políticos e econômicos.
A educação possibilitada pelo maior acesso ao teatro ou às oficinas artísticas
está relacionada à educação para a formação de plateias. A possível formação de
plateias está associada ao aumento quantitativo de público: “É uma oportunidade dessa
grande massa de pessoas na área educacional, não só em nível universitário, mas
também 2º grau, de ter a oportunidade de conhecerem esses espetáculos, às vezes até a
nível nacional” (Presidente da Associação Comercial de Campina Grande – ACCG,
2014). Desta forma, os eventos turísticos contribuem para o aumento de espectadores,
ao mesmo tempo em que diversificam a oferta de atrações musicais e artísticas. A
possibilidade de acesso aos espetáculos, no entanto, não garante o despertar do interesse
do público. O processo para que se formem plateias é amplo, e não pode se restringir ao
número de espectadores ou ao aprendizado unilateral, no qual uma pessoa ou uma
instituição é contemplada pelo espectador, de maneira passiva (RANCIÈRE, 2002 apud
MORAES, 2014, p. 62).
O sentido da emancipação e da participação consciente no processo de troca que
ocorre durante uma apresentação cultural, requer uma percepção que ultrapassa o
sentido da “formação” de plateias. Para além do formar, “pode-se estimular, mediar,
trocar, pode-se compartilhar leituras, desdobrar sentidos, porque o caminho da arte é o
90
da sugestão, da provocação e não o da proposição” (MORAES, 2014, p. 63). Neste
percurso, o processo de formação de plateias envolve “políticas de educação e cultura
aos professores, às instituições de fomento e apoio (públicas e privadas), aos gestores e
produtores culturais e aos atores/diretores/cias. de teatro” (MORAES, 2014, p. 63).
Em Campina Grande, as ações do FI para popularizar o acesso ao teatro e a
dança estão isoladas da formação de pessoas pela e para as artes. As ações dos eventos
estão desconectadas de um contexto político e social que estimule a formação de
público: “Para mim o teatro deveria estar super, hiper lotado, com tanta coisa boa que
aconteceu. Mas não estava, né? Então, há que se pensar isso aí....”(Gerente de Turismo
do SEBRAE, 2014). A existência de oportunidades para que os autóctones tenham
contato com manifestações artísticas diferentes das que habitualmente são apresentadas
no território não tem garantido uma quantidade expressiva de público no evento. As
possibilidades de desenvolvimento social e de conquista da cidadania relacionadas à
educação por meio dos bens culturais ficam, desta forma, restritas ao público que foi
estimulado a participar do evento.
Para além do acesso, Chauí (1995) considera necessárias propostas que suscitem
a cidadania cultural, ou seja, o estímulo à participação e a auto-organização de
indivíduos, grupos e classes, enquanto sujeitos sociais e políticos que atuam
coletivamente na construção de “símbolos, valores, ideias e comportamentos” (CHAUI,
1995, p. 81). A formação é um dos pontos centrais para que a cidadania cultural seja
considerada um direito dos sujeitos, aliada a programas de informação, reflexão, lazer,
ao acesso a bens culturais e à criação. A superação do consumo passivo da cultura,
inclusive dos elementos inseridos nos eventos turísticos, pode ser a base para que os
sujeitos atuem no estabelecimento com novos olhares sobre a construção do turismo no
território. A complexidade dos fenômenos socioculturais torna fundamental que o
turismo seja entendido como uma construção social, sendo que a educação influencia a
maneira como os sujeitos vivem e percebem as atividades turísticas no território.
6.1. A EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL NOS EVENTOS
TURÍSTICOS
Quando se reflete sobre a associação entre turismo e educação, as instituições de
educação formal, como as escolas e universidades, são as primeiras a serem citadas. Isto
demonstra que o processo educativo tem como espaço, por excelência, as instituições
91
educacionais. Como analisa Saviani (2005), geralmente as instituições são criadas para
formalizar a realização de atividades que eram realizadas de modo espontâneo, difuso e
assistemático. As instituições educativas referem-se “a educação na sua especificidade,
como ação propriamente pedagógica, cuja forma mais conspícua se expressa na escola”
(SAVIANI, 2005, p. 29). A educação é, neste sentido, um processo que ocorre no
ambiente escolar e impulsionado por esta instituição. Este entendimento está presente,
também, nas associações existentes entre os processos educativos e os eventos turísticos
realizados em Campina Grande: “Tem algumas escolas que mantêm, fazem o trabalho
de tradução, isso no São João... que ainda inserem [o São João] no seu calendário... que
vão fazer as festas juninas” (Gerente de Cultura do SESC, 2014), em que as instituições
escolares contribuem na manutenção do MSJM enquanto elemento da cultura local.
A relação entre educação e turismo é apresentada como atividades desenvolvidas
pelas escolas, que resultam no resgate e na manutenção das tradições juninas. Desta
maneira, reforça-se “a ideia de que a escola é a „única‟ instituição educativa e que os
conhecimentos por ela transmitidos são os legítimos” (BARBOSA, 2007, p. 1061). O
debate sobre a relação entre educação e turismo envolve diferentes e diversos campos
de aprendizado e socialização, sem que estes processos sejam restritos às escolas como
indutoras do conhecimento.
A ideia de que são as escolas que traduzem ou mantêm uma manifestação
cultural está relacionada à legitimação de determinados saberes e processos sociais. A
educação deixa de ser pensada como um processo transformador para ser um processo
que reafirma o status quo. Na construção de produtos turísticos, a escola reafirma e/ou
reforça os elementos que são apropriados comercialmente, como se verifica na
valorização do São João como manifestação que representa a cultura campinense. A
legitimação do MSJM enquanto evento que representa a identidade turística de Campina
Grande está relacionada, entre outros fatores, à inserção dos elementos juninos no
contexto escolar. Para que o evento promova uma leitura crítica sobre as relações que o
constroem, a transformação está associada à educação, a fim de que o indivíduo
aprenda a ser(WERTHEIN; CUNHA, 2005). O aprender a ser convoca o sujeito a ser
protagonista do território em que vive(WERTHEIN; CUNHA, 2005) e, portanto, supera
a ideia de aprender a reproduzir, que está presente no discurso e ações dos gestores do
MSJM.
A educação para a cidadania envolve a problematização, conscientização e a
atuação, princípios do conhecimento pertinente e complexo (MORIN, 2000). O
92
processo educacional é incerto, por não haver uma verdade absoluta, mas instiga o ser
humano a reunir informações que possibilitam entender o contexto em que vive. Ao
compreender a realidade em que vive, por meio da escola ou de outras formas de
aprendizagem, o indivíduo pode despertar o interesse em participar do processo de
construção dos eventos. Desta forma, a educação pode oportunizar a percepção de que
os eventos turísticos estão inseridos em contextos políticos, turísticos, econômicos e
sociais que foram (e são) historicamente construídos.
[o aluno] estuda a música regional, outro tema muito utilizado são as
quadrilhas e os folguetos, as festas... Então eles vêm pra ver como é que a
população se divide, como é que consome. Outro tema, assim, que eles
trabalham muito é... como é que eu posso me expressar? O sentimento. Como
é que esse aluno ele se sente parte integrante dessa festa, buscando mais a
parte da identidade. Outro tema que eles também trabalham é a relação...
fazendo a relação dessa cultura local, com essa cultura nacional.
(Representante da Secretaria de Educação, 2014).
Ainda que haja a predefinição de temas para serem estudados em relação ao
MSJM, os alunos têm sua própria leitura sobre o contexto que está sendo apresentado,
de acordo com vivências e olhares próprios. Neste aspecto, a educação não é neutra
(GADOTTI, 2000) e o conhecimento adquirido durante a vida escolar contribui para
que o sujeito desenvolva aspectos cognitivos, instrumentais e inovadores (DEMO,
1999; SEN, 2010). Associado ao conhecimento adquirido nas instituições escolares e
ampliando o sentido de aprendizado para além dos conteúdos e situações definidas
previamente, as experiências adquiridas em diversos momentos da vida são também
processos educativos.
A Secretaria de Educação demonstra preocupação com as experiências e
informações que as crianças vivem ou têm acesso durante o MSJM. Com o intuito de
superar este problema, a Representante da Secretaria de Educação (2014) descreve uma
ação em que crianças que estão sozinhas no MSJM são levadas ao Centro Cultural de
Campina Grande, para desenvolverem atividades. Posteriormente, essas crianças são
conduzidas, pela prefeitura, para os locais em que residem. Esta ação, no entanto, não
altera os motivos e situações que determinaram a presença da criança no Parque do
Povo, já que essas são crianças que foram “abandonadas pelos pais, que fogem de casa,
dessas áreas mais periféricas e mais perigosas da cidade” (Representante da Secretaria
de Educação, 2014). Desta maneira, a atuação do poder público em relação à presença
de crianças “abandonadas”, demostra o paradoxo do próprio paradigma de
93
desenvolvimento: parte da população que não está integrada ao modelo de opulência e
consumo é excluída, inclusive do evento turístico.
Apesar do reforço da desigualdade social manifesta no MSJM, o poder público
considera que o MSJM possui dimensões educativas, que contribuem para o
desenvolvimento social. A coordenadora de Turismo (2014) menciona o “Projeto Fé e
Cultura”, como um processo educativo, por ser uma exposição realizada no interior da
réplica da catedral de Campina Grande, em que são apresentados os símbolos e
significados relacionados ao São João. Há, neste projeto, possibilidades de processos
educativos que mesclam elementos da educação formal e não formal (GOHN, 2006).
Isto acontece porque são atividades sistematicamente organizadas, restritas a um
ambiente e a um tempo, com conteúdos previamente definidos (atributos da educação
formal), mas o processo educativo é desenvolvido em um território não escolar, que visa
o compartilhamento da experiência em grupo, de maneira interativa e espontânea
(atributos da educação não formal). Os processos educativos inseridos nos eventos
turísticos podem se apoiar na complementaridade da educação formal e da educação não
formal, como formas de oportunizar o desenvolvimento humano e territorial.
Reafirmando as diferentes perspectivas que envolvem o entendimento sobre a
educação, aspectos subjetivos também são enfatizados com a realização do MSJM:
“Você acaba tendo, assim, um certo sentido da alteridade. Eu conheço o outro a partir
de mim e o outro se reconhece em mim e nós percebemos que somos diferentes e que
somos cultura diversas” (Representante da Secretaria de Educação, 2014). O
aprendizado por meio das vivências turísticas aproxima-se, neste discurso, de um
sentido de sensibilização dos indivíduos que compartilham experiências. Este
intercâmbio não se limita ao indivíduo, tendo também reflexos na sociedade, conforme
aponta Marcellino (2011):
[...] as atividades de lazer favorecem, a par do desenvolvimento pessoal,
também o desenvolvimento social, pelo reconhecimento das
responsabilidades sociais, a partir do aguçamento da sensibilidade ao nível
pessoal, pelo incentivo ao auto aperfeiçoamento, pelas oportunidades de
contatos primários e de desenvolvimento de sentimentos e solidariedade.
(MARCELLINO, 2011, p. 51)
A relação entre o desenvolvimento social e o indivíduo é o que fundamenta a
promoção da educação, enquanto elemento transformador da sociedade. Ao contribuir
para despertar nos indivíduos a capacidade de refletir sobre as dimensões do território e
94
atuar criticamente na construção dos fenômenos, os processos educativos atuam em
nível pessoal/individual, com reflexos nas diferentes percepções e ações das pessoas. O
desenvolvimento pessoal, no sentido da sensibilização ou do contato com o outro, pode
ocorrer independente da intenção do evento. Ou seja, ainda que a dimensão educativa
não seja o objetivo principal do evento (ou sequer seja um objetivo explícito), há
propostas turísticas que podem induzir ao processo ensino-aprendizado. O sujeito que se
dispõe ou é incentivado a ter uma experiência educativa, assume o papel de protagonista
neste processo.
No ENC há a intenção de que processos educativos sejam promovidos,
principalmente por meio do diálogo entre os participantes: “A proposta do evento é: De
que maneira nós podemos mudar o mundo para melhor? Não é o que diverge entre mim
e você, mas o que converge. [...] Então nesse ponto aí, é educativo” (Coordenadora
Geral do ENC, 2014). Desta maneira, as possibilidades de aprendizado resultantes do
encontro inter-religioso, das vivências espirituais, das discussões relacionadas ao meio
ambiente, formas de comunicação, grupos minoritários, filosofia, entre outros, são
destacadas como contribuição do evento para o desenvolvimento humano, social e
territorial.
Os principais temas do ENC estão à margem dos debates promovidos por grande
parte da mídia, das famílias e das escolas: “É a discussão exatamente da integração
entre as comunidades que tenham, porventura, pensamentos divergentes na religião,
mas com foco no homem” (Coordenadora de Turismo, 2014). Os debates que são
promovidos em um evento ecumênico e voltado para a diversidade de pensamentos,
como o ENC, não fazem parte do cotidiano da maioria da população. Este
desconhecimento pode estar associado ao privilégio dado a elementos católicos e
ocidentais na cultura brasileira (RUBIM, 2008). Desta maneira, processos educativos
que ocorrem em momentos diversos podem contribuir para o reforço da cultura
hegemônica. As diversas formas de aprendizado podem também colaborar para a
valorização de temas e grupos que são subvalorizados neste discurso, como nos
processos que ocorrem no ENC.
Neste sentido, Pires (2007) aponta para a necessidade de ampliação do debate
sobre novas formas dos processos ensino-aprendizagem, que se encontram no
paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida: “aprendizagens que as pessoas
realizam ao longo de suas trajetórias pessoais, sociais e profissionais, ultrapassando as
tradicionais fronteiras espaço-temporais delimitadas institucionalmente pelos sistemas
95
de educação/formação” (PIRES, 2007, p. 7). A autora considera que o reconhecimento
de que as experiências se traduzem em aprendizado, pode trazer respostas mais rápidas
às novas demandas e práticas do campo organizacional/produtivo e também oportunizar
a validação de experiências não formais de grupos que não têm acesso a diferentes
níveis de escolarização. Acrescenta-se como aspectos do aprendizado por meio de
experiências a formação pessoal, a conscientização por si e/ou para si (PIRES, 2007, p.
12). A tomada de consciência sobre o aprendizado e os saberes que foram apropriados
pelo indivíduo é uma maneira de autoavaliação e reconhecimento dos aprendizados que
ocorrem ao longo da vida.
O reconhecimento das experiências subjetivas e pessoais enquanto formas de
aprendizagens, encontra um ambiente em que as referências para validação estão
restritas ao ambiente educativo formal e institucionalizado (PIRES, 2007). A
dificuldade para perceber que processos de ensino-aprendizagem ocorrem em
momentos de educação não formal está presente nos discursos sobre educação nos
eventos turísticos de Campina Grande. A escola, nestes discursos, é considerada o
principal agente promotor do processo ensino-aprendizagem, embora ainda seja possível
constatar alguns indicativos da ocorrência de processos educativos não formais:
Figura 17 - PROCESSOS NÃO FORMAIS DE EDUCAÇÃO NOS EVENTOS DE
CAMPINA GRANDE
SUJEITOS DISCURSOS
Representante Grupo
Popular Acauã da
Serra
“Na integridade dos eventos, eles sempre procuram mostrar as diferenças
educativas de um palestrante pra outro, de uma mensagem de um grupo de
teatro, de uma mensagem de um grupo de dança. Porque se não for passado
pelos organizadores do próprio evento, mas os grupos participantes, de
cultura e de teatro e de poesia, de música, através da mensagem de cada um,
eles passam uma mensagem educativa”.
Coordenadora Geral
do Encontro da Nova
Consciência.
“Esse evento [o Encontro da Nova Consciência] é lado a lado com a
educação. Não tem como separar. Porque do mesmo jeito que você senta um
representante dos catadores e ele tem muito pra dizer, você traz um professor
doutor, que vem falar de energia limpa e tão falando a mesma língua, tão
falando do mesmo assunto e há uma troca, há uma assimilação. O nosso
discurso lá não tem aquela coisa formal, acadêmica”.
Gerente de Turismo do
SEBRAE
“Principalmente o Festival de Inverno, ao abrir as portas do teatro, ao abrir as
portas pra que haja oficinas, pra que haja... na verdade, você está
oportunizando educação”.
Gerente de Cultura do
SESC
“[A Secretaria de Cultura] deveria também deixar de se preocupar só com
quadro e com giz e também ver este campo de formação que se estende além
da sala de aula, né? Que é justamente estes eventos. Estes eventos são, pra
mim, na minha cabeça, são extra... é... são aulas-extra”.
Representante
Secretaria de
“[o Festival de Inverno contribui para] levar esse público participante, seja
alunos ou professores, a ampliar uma visão de mundo, a ampliar uma visão
96
Educação mais de outra cultura ou consumir ou admirar ou apreciar outros ritmos
culturais ou manifestações que normalmente não são do cotidiano da vida
deles”.
Coordenadora de
Turismo
“A gente faz o São João das crianças também, passando exatamente a
agregar valor cultural e folclórico, que é o que a gente tem por referência.
Nenhuma educação vai a frente se a gente não fizer primeiro a criança
conhecer a sua base”.
Fonte: elaboração própria
As considerações que remetem ao aprendizado para além do espaço, do tempo e
da dinâmica escolar estão relacionadas à valorização da cultura, à ampliação da visão de
mundo e ao diálogo. Reafirmam-se, desta forma, as contribuições que a educação não
formal traz para a capacidade do ser humano de dialogar com os problemas e
inquietações da sociedade e do indivíduo. Estas contribuições podem promover o
aumento da liberdade para que a população atue politicamente e interaja com o mundo,
princípios do desenvolvimento de um território com base na preservação dos direitos
humanos. O desenvolvimento perpassa a dimensão cultural, histórica e social, sendo um
processo associado a diferentes formas de ensino-aprendizagem que visam a reflexão e
a cidadania.
Uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa, propondo ao
povo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas
responsabilidades, sobre seu papel no novo clima cultural da época de
transição. Uma educação, que lhe propiciasse a reflexão sobre seu próprio
poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no
desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de que
decorreria sua capacidade de opção. (FREIRE, 1967, p. 57)
O sentido da educação não é direcionado à obtenção de uma certificação ou ao
aumento da empregabilidade, mas uma proposta ampla que se relaciona ao aumento das
possibilidades de que o ser humano decida e atue na realidade que o cerca. Associada ao
turismo, as propostas educacionais envolvem autóctones e turistas. Para os autóctones
“não estaria vinculado apenas ao emprego e renda, com simulacros da sua cultura, mas
como parte do seu cotidiano e das vivências lúdicas do lugar” (BRASILEIRO, 2012, p.
93). Para os turistas, é um processo de reconhecimento do território, baseado na
autenticidade, no intercambio intercultural, na harmonia com a natureza e com a
memória dos sítios visitados (ZAOUAL, 2008).
A relação entre a educação e os eventos turísticos de Campina Grande está
relacionada à ideia de que os autóctones têm a oportunidade de aprender com os eventos
97
turísticos realizados: “O [FI] contribuiu para esse desenvolvimento, porque formou
outras mentalidades [...] A mentalidade do povo campinense mudou, porque se não
tivesse mudado, a cidade teria parado” (Presidente do Instituto Solidarium, 2014). A
mudança de mentalidade, impulsionada pelo evento, tem os autóctones como principais
sujeitos dos processos educativos.
A dimensão educativa no turismo é também entendida pela oferta de
oportunidades de qualificação profissional e de estudos no território: “Não é difícil você
encontrar pessoas nas universidades de outros locais e essas pessoas estão, digamos
assim, sendo referência pra nós do ponto de vista da tecnologia, da engenharia”
(Coordenadora de Turismo, 2014). É uma vertente do turismo que possibilita a
convivência entre autóctones e visitantes por um período de tempo maior, que contribui
para que as vivências e experiências aconteçam de maneira subjetiva, valorizando a
diversidade e as relações interpessoais. Esta é uma possibilidade de que a educação
formal seja um elemento que impulsiona o Turismo Situado (ZAOUAL, 2008), para
além do sentido de que os turistas são apenas fonte de renda para o território.
A educação pelo turismo em Campina Grande tem como ponto basilar, portanto,
as instituições formais, promovendo o encontro de autóctones e de turistas com os
elementos culturais dos eventos turísticos. Por outro lado, a educação para o turismo é
entendida como o papel da educação na qualificação profissional para atuar nos eventos.
Neste viés, a educação formal conecta-se ao crescimento econômico, reproduzindo o
entendimento de que o turismo em Campina Grande significa a geração de emprego e
renda para o território.
6.2. AS RELAÇÕES ENTRE TURISMO E EMPREGO NOS EVENTOS
TURÍSTICOS
Nos eventos turísticos de Campina Grande, em especial no MSJM, verificam-se
iniciativas que visam à qualificação profissional. Entretanto, essas iniciativas estão
restritas à capacitação profissional para atuar nos equipamentos turísticos do Parque do
Povo ou em hotéis que recebem turistas durante o evento. A qualificação profissional é
entendida, pelo setor público e privado, como a formação educacional presente neste
evento: “Para os barraqueiros do Parque do Povo, para alguns ambulantes que estão ali,
a prefeitura geralmente faz um convênio com o SEBRAE para que a gente faça a
qualificação deles, para que eles participem e recebam um selo” (Gerente de Turismo do
98
SEBRAE, 2014). A educação para o trabalho em equipamentos turísticos reafirma a
associação do turismo com a geração de emprego. Desconsideram, entretanto, a
formação para a gestão e o planejamento do turismo no território, reduzindo as
oportunidades de que a população intervenha e participe dos processos decisórios da
gestão turística.
É fundamental que a educação esteja relacionada ao desenvolvimento humano
para além da perspectiva da valorização do conhecimento técnico, O objetivo é
desenvolver as capacidades de “saber pensar” e “aprender a aprender”, necessários para
a formação cidadã (DEMO, 1999, p. 22). A inserção no mercado de trabalho é uma das
dimensões da cidadania, que inclui também o conhecimento crítico e criativo (DEMO,
1999). A educação que visa a formação cidadã pode contribuir para alterar as decisões e
formas de gestão do turismo no território. No entanto, em Campina Grande, a política
pública de formação para o turismo está restrita à qualificação profissional dos
trabalhadores dos eventos turísticos. A educação direcionada para a empregabilidade e a
racionalidade, resume-se a uma estratégia para manutenção da lógica vigente. De
maneira crítica, a educação “não pode ser reduzida a conhecimento, porque recairia no
cognitivismo que ignora outras faces não menos importantes do ser humano, como
emoção e subjetividade” (DEMO, 1999, p. 9).
A relação entre trabalho e educação é condicionada, portanto, pela influência do
sistema produtivo e político, assim como pelos processos socioculturais, que “não
podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações
educacionais gerais da sociedade como um todo”. (MESZÁROS, 2008, p. 43, grifo do
autor). Desta forma, a educação para a qualificação profissional retroalimenta a
manutenção do entendimento de que o sucesso do turismo é medido pela quantidade de
empregos gerados.
Os cursos de qualificação para o turismo em Campina Grande são propostas do
poder público e do setor privado que visam a educação para o trabalho no sistema
turístico. Santos (2003) correlaciona a perspectiva da educação voltada para o trabalho
com a institucionalização da educação, sendo parte de um processo que, historicamente,
atribuiu à escola o sentido de formação para o trabalho, dentro do paradigma industrial.
O fato de o direito a educação ter vindo a significar, para os filhos das
famílias operárias, o direito à formação técnica profissional é revelador do
modo como a reivindicação democrática da educação foi subordinada, no
marco das relações sociais capitalistas, às exigências do desenvolvimento
99
tecnológico da produção industrial fortemente sentidas a partir da década de
sessenta (SANTOS, 2003, p. 231)
Atualmente, a perspectiva de desenvolvimento pautada no progresso técnico
direciona as decisões referentes à educação para a formação profissional. A
Coordenadora de Turismo (2014) pontua que a qualificação profissional abrange as
áreas de hotelaria, restaurantes, atendimento e hospitalidade. Para a definição dos
cursos, o poder público atendeu a demanda do setor privado: “fizemos reuniões e
escolhemos os cursos de acordo com o que o Sindicato estava solicitando”
(Coordenadora de Turismo, 2014). A oferta dos cursos de qualificação para o turismo,
portanto, está restrita ao diálogo entre agentes públicos e privados que atuam
diretamente na gestão do sistema turístico. Não há a inserção de sujeitos de outros
setores, assim como de instituições ou sujeitos que atuam em outras dimensões do
turismo – meio ambiente, cultura, educação, por exemplo.
A abertura para que outros agentes participem das decisões sobre os cursos de
educação para o turismo promove a diversificação do conteúdo dos cursos, de acordo
com a demanda da própria população. Ao restringir a escolha dos cursos à demanda dos
empresários, o poder público delegou ao setor privado o processo decisório. Ainda
assim, devido à falta de estímulo dos empresários em permitir que os funcionários
realizem a capacitação, não há grande participação: “eu mandei pessoalmente pessoal
daqui pra dentro das empresas fazer inscrição e não houve estímulo do empresário ou
“não pode, esse horário tá ruim”. Bom, se você não faz concessão, como é que você
qualifica? (Coordenadora de Turismo, 2014).
O poder público ou o setor privado não realizam o acompanhamento sistemático
da inserção dos participantes dos cursos de qualificação no sistema turístico: “Como
não tem mensuração, você acaba muito frágil para defender alguns números, algumas
ideias. Mas na verdade, a gente precisa fazer uma revertida disso” (Coordenadora de
Turismo, 2014). Acompanhar a inserção dos sujeitos que fazem a qualificação para o
turismo está associada à quantificação e a mensuração das ações dos cursos de
qualificação. Em uma perspectiva qualitativa, a ausência de acompanhamento impede
que as oportunidades para que os sujeitos atuem efetivamente nas decisões do turismo
no território sejam verificadas, constatando se houve a formação cidadã, a
conscientização sobre o contexto em que vivem e o desenvolvimento do senso crítico.
Também não há um acompanhamento qualitativo em relação aos empregos que
são gerados pelos eventos turísticos. Desta maneira, a lógica do turismo de massa para a
100
geração de emprego não inclui um debate sobre a qualidade dos empregos gerados.
Uma situação sintomática a respeito das condições de trabalho dos músicos que tocam
nas palhoças de forró do MSJM foi descrita pelo representante dos Grupos de Danças
Populares (2014):
O turista vai e vê: ele entra numa ilha daquela, dança, mas não tem noção do
que aquele senhor que está ali, porque geralmente são senhores, o trio de
forró. Eles não têm noção do que eles passam para está ali. Aí ainda vem
depois a humilhação para passar não sei, mais quanto tempo para receber o
que eles oferecem. E o cachê, pelo que me consta, [é de] R$ 400, parece. Ai
você tira... faz um paralelo com uma banda que vem para cá. Esses senhores
que tocam, esses rapazes, esses moços que dão dando prosseguimento ao
forró pé de serra, que eu acho que deveria ser a marca do São João, tocam ali,
4, 5 horas seguidas às vezes sem nem uma água para tomar (Representante
dos Grupos de Danças Populares, 2014)
A desvalorização do trabalho relacionado aos elementos típicos da cultura
regional faz com que a inserção dos trios de forró tradicionais no Parque do Povo,
ratifique a lógica do turismo de massa, de geração de subempregos para os autóctones
(CORIOLANO, 2003). Os autóctones estão sendo incluídos no sistema turístico para
“servir” aos turistas, reduzindo, desta forma, as possibilidades de que experiências
sejam compartilhadas em momentos lúdicos de turistas e autóctones. O sucesso de um
evento que se constrói na lógica do turismo de massa é auferido pela quantidade de
empregos gerados. Em eventos com dimensões de público menores, como o FI e o
ENC, a geração de empregos não é percebida e pode ser um dos fatores que determinam
a diminuição da participação e do apoio que estes eventos recebem no território
turístico.
O MSJM é considerado, pelos moradores, uma oportunidade de aumento da
renda, seja na atuação como vendedores dentro do Parque do Povo ou como
beneficiários da movimentação que o evento gera no comércio e nos serviços. Desta
maneira, o evento significa a possibilidade de que diferentes sujeitos possam se
beneficiar economicamente: “O movimento da cidade no todo, desde o vendedor de
milho assado, ao grande empresário que está lá na ponta, que é o dono de hotel e de
restaurante. [...] Movimenta toda a cidade, a cadeia produtiva toda da cidade é
movimentada nesse período” (Gestor do Teatro Municipal, 2014). Há neste movimento
uma crença no turismo enquanto “tábua da salvação” do município (NOBREGA, 2010,
p. 165), considerando que o desenvolvimento turístico visa a valorização das pessoas e
das economias, sem um entendimento crítico sobre a situação. A educação para o
101
turismo pode conduzir, entretanto, a um novo olhar sobre a atividade, provocando
questionamentos sobre a condução do processo de massificação do turismo. O
entendimento sobre o turismo no território inclui “o lado contraproducente da atividade
e seus impactos na cultura, meio ambiente, sociedade e economia” (NOBREGA, 2010,
p. 165).
A educação para o turismo também encontra o sentido da atribuição de novos
valores para viver as experiências turísticas. O rompimento do ciclo em que o turismo é
entendido como o consumo do atrativo está relacionado a uma nova postura frente ao
uso do tempo de lazer. A educação para viver o lazer é preponderante tanto na
reafirmação, como na transformação das formas de uso do tempo disponível para
atividades prazerosas, pois “o lazer precisa ser tratado como um fenômeno social,
político, cultural e historicamente situado” (GOMES, 2011, p. 16). O debate sobre o
turismo em Campina Grande está situado no âmbito quantitativo, adequado à
perspectiva social, política, cultural e historicamente construída de que o progresso
econômico é a dimensão prioritária do desenvolvimento territorial.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O paradigma do desenvolvimento econômico e técnico-científico promove a
institucionalização do social, em diferentes instâncias e escalas. Isso porque há a
necessidade do controle racional e objetivo das relações que constroem os territórios. A
educação é delegada às instituições de ensino, formalizando as relações de ensino-
aprendizagem que são consideradas legítimas pela sociedade. Na medida em que a
educação está, majoritariamente, relacionada à formação profissional e ao trabalho, há
um estigma negativo, que a distancia dos momentos de lazer. Nesta perspectiva, o
turismo, enquanto manifestação do lazer, não está associado aos processos subjetivos de
troca e diálogo inerentes a esta prática social. A segmentação, quantificação e
delimitação do turismo a um espaço e tempo, interferem na construção de um turismo
que promova experiências de ensino-aprendizagem para turistas e autóctones.
A atividade turística pode ampliar as possibilidades de promoção da educação,
assim como a educação pode contribuir no estabelecimento de novas bases para o
desenvolvimento do turismo. Esta inter-relação demanda uma atuação conjunta de
diferentes setores da sociedade, com vistas à criação de oportunidades para que os seres
humanos se desenvolvam independentemente das fronteiras – sociais, culturais,
econômicas, institucionais e políticas – que delimitam a construção do turismo e da
educação. Desta forma, a educação e o turismo são considerados estratégicos para o
desenvolvimento dos territórios.
A promoção dos eventos turísticos torna-se relevante para a desenvolvimento
turístico e territorial. Entretanto, no município de Campina Grande, não se verifica o
diálogo e a atuação entre setores da sociedade que objetivem integrar educação e
turismo. Isto porque o planejamento turístico de Campina Grande prioriza as relações
econômicas geradas pelos eventos turísticos, ratificado pelo projeto político e pelo
modelo de gestão do turismo no território, implementados pelo poder público e setor
privado. A análise do sistema turístico de Campina Grande revela que a participação de
outros setores nas decisões sobre o sistema turístico, tais como as organizações sociais,
não é incentivada pelos gestores. Desta maneira, as organizações sociais não se
fortalecem enquanto entidades que podem apresentar perspectivas diferenciadas sobre a
gestão do turismo nos territórios, por serem organizações que visam a valorização da
diversidade cultural.
103
A complexa rede de interesses – marcadamente políticos e econômicos – em que
o turismo se insere, inibe o diálogo ou a atuação integrada de setores da sociedade. O
turismo é, assim, construído em base a interesses que mantêm a lógica da geração do
emprego e o aumento da renda. Os gestores públicos e privados priorizam os atrativos
turísticos subordinados à lógica da indústria cultural – como os shows realizados no
Parque do Povo, durante o Maior São João do Mundo – que mobilizam um grande
número de participantes e, consequentemente, consumidores. A escolha do megaevento
como meio de estímulo ao turismo e à promoção do território campinense, reafirma a
predominância do econômico sobre as outras dimensões das sociedades. Por outro lado,
o Festival de Inverno e o Encontro da Nova Consciência possuem dimensões e objetivos
que não trazem o retorno financeiro esperado de um evento turístico inserido no
paradigma do crescimento econômico e, portanto, passam por dificuldades relacionadas
ao financiamento do evento e sua consolidação enquanto atrativo turístico.
Ratificando a predominância de aspectos econômicos na gestão do turismo, as
instituições que qualificam para a atuação no sistema turístico visam a formação para
empregos de atendimento ao turista. Neste sentido, a contribuição do turismo para o
desenvolvimento territorial é reduzida aos ganhos econômicos da parcela da população,
que se insere profissionalmente nos eventos. O poder público e o setor privado
incentivam a dimensão educativa dos eventos relacionada à qualificação de
profissionais para a atuação nos equipamentos e serviços turísticos, em detrimento de
uma formação profissional em que os autóctones participem da gestão e dos processos
deliberativos do turismo no território.
Devido à hegemonia da educação formal e institucionalizada, verificada em
Campina Grande, não são estimulados encontros entre turistas e autóctones que
contribuam para o ensino e a aprendizagem de maneira subjetiva e autônoma, sem a
presença de uma instituição fomentando o processo educativo. A realização de eventos
turísticos pode instigar a participação de instituições escolares, integrando o turismo aos
aspectos formais da educação. No entanto, os aspectos não formais da educação
permitem a valorização de saberes e experiências que empoderam e dão autonomia para
o ser humano refletir sobre a construção do território em que se insere. A educação
libertadora promove a cidadania, contribuindo para transformar a maneira como os
fenômenos sociais são desenvolvidos, entre eles, o turismo.
Neste sentido, a dimensão educativa existente no turismo, mais especificamente,
nos eventos turísticos, é subvalorizada e secundarizada em relação ao potencial
104
econômico que os eventos possuem, o que reduz as possibilidades de que o turismo
contribua para o desenvolvimento territorial. Em concordância com a perspectiva
hegemônica de desenvolvimento que prioriza os benefícios econômicos que as
atividades geram no território, o turismo está inserido na lógica do turismo de massa e
da geração de empregos. Este contexto reduz as possibilidades de que o turismo
contribua para cidadania e a valorização da diversidade dos territórios, envolvendo
turistas e autóctones em experiências prazerosas e educativas.
A complexidade dos fenômenos sociais, tais como o turismo, a educação e o
desenvolvimento, permite que novas análises sejam feitas para o entendimento das
relações existentes entre esses processos. As atividades turísticas promovidas por
instituições formais de educação podem ser estudadas no âmbito da promoção do
desenvolvimento territorial. Uma nova proposta de pesquisa pode contemplar a
realização de um mapeamento das práticas educativas identificadas nos eventos
turísticos. O envolvimento da demanda, incluindo a participação de turistas, afim de
entender o ponto de vista destes sujeitos, também é relevante para se entender a
dimensão educativa do turismo em um território, aspecto a ser contemplado em novos
estudos.
105
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______. O homo situs e suas perspectivas paradigmáticas. Revista OIKOS, Rio de
Janeiro, v. 9, n. 1, p. 13-39, 2010.
112
APÊNDICES
APÊNDICE A: Questionário elaborado para entrevistas semiestruturadas com as
organizações sociais.
Nome do entrevistado:
Formação:
Função (cargo/ período):
Contato:
Data, local e hora da entrevista:
1) Como o sr(a). percebe atualmente o desenvolvimento do Turismo de Eventos na
cidade?
2) Quais os principais impactos (sociais, econômicos, ambientais e culturais) que o
sr(a) considera no turismo de eventos estabelecido em Campina Grande?
3) Qual seu posicionamento a respeito do papel do turismo enquanto indutor do
desenvolvimento em CG?
4) Na sua percepção, qual a imagem turística que a cidade está construindo
atualmente? (segmento, perfil, expectativas);
5) Como o sr(a). entende as possibilidades de educação (para visitantes e moradores)
associadas a promoção de eventos em Campina Grande?
6) Como a educação é inserida nas atividades desenvolvidas pela organização do
evento que ocorre em Campina Grande?
7) O sr(a). vê relação entre a educação, o evento e o desenvolvimento de Campina
Grande?
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APÊNDICE B: Questionário elaborado para entrevistas semiestruturadas com o
setor público e o setor privado:
Nome do entrevistado:
Formação:
Função (cargo/ período):
Contato:
Data, local e hora da entrevista:
1) Como o sr(a). percebe atualmente o desenvolvimento do Turismo de Eventos na
cidade?
2) Quais os principais impactos (sociais, econômicos, ambientais e culturais) que o
sr(a) considera no turismo de eventos estabelecido em Campina Grande?
3) Qual seu posicionamento a respeito do papel do turismo enquanto indutor do
desenvolvimento em CG?
4) Na sua percepção, qual a imagem turística que a cidade está construindo
atualmente? (segmento, perfil, expectativas);
5) Como o sr(a). entende as possibilidades de educação (para visitantes e moradores)
associadas a promoção de eventos em Campina Grande?
6) Como a educação é inserida nas atividades desenvolvidas pela organização do
evento que ocorre em Campina Grande?
7) O sr(a). vê relação entre a educação, o evento e o desenvolvimento de Campina
Grande?
8) Como o sr(a) entende o papel da educação associado a capacitação profissional para
atuar na área do turismo?
9) Como é o processo decisório a respeito de quais cursos de capacitação serão
oferecidos na cidade?
10) Qual a inserção no sistema turístico das pessoas que se capacitam para trabalhar
com o turismo?