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A difusão da questão indígena pela imprensa Mato-Grossense André Luís Alves * Universidade Federal de Mato Grosso Índice 1 Introdução 1 2 As sociedades indígenas 2 2.1 A Imprensa e As Sociedades In- dígenas ............. 3 3 Conceito de notícia 7 3.1 Importância da Notícia ..... 8 3.2 Gêneros Jornalísticos ...... 9 4 A difusão da questão indígena pela imprensa 10 4.1 Os Nambikwara ......... 11 4.2 Os Xavante ........... 13 4.3 Os Panará ............ 14 4.4 Os Paresi ............. 15 5 A Imprensa Opinativa 16 5.1 Editoriais ............ 16 5.2 Artigos .............. 17 5.3 Cartas .............. 17 6 Método da semana composta 20 7 Considerações finais 23 8 Referências bibliográficas 24 * 1999 1 Introdução Qual é o tratamento dado às questões indí- genas pela atual imprensa mato-grossense? Quando e por que um índio ou uma soci- edade indígena é notícia? Responder essas perguntas foram os objetivos desta pesquisa. Para tanto, algumas hipóteses precisaram ser levantadas para orientar os estudos: a) a imprensa tem pouco interesse em publi- car assuntos indígenas por acreditar que o tema não vende jornal; b) povos indígenas, na maioria das vezes, só aparecem na im- prensa quando estão relacionados a invasões de terra, sejam eles os invasores ou os invadi- dos; c) nas matérias sobre esses temas os ín- dios não são ouvidos adequadamente, com a imprensa se abastecendo quase somente pe- las fontes oficiais (Funai, Ministério Público, Polícia Federal e ONGs) e d) a falta de co- nhecimento do assunto do repórter ou editor pode reforçar estereótipos sobre essas socie- dades e de outras minorias. Primeiramente foram pesquisados alguns periódicos, compreendidos entre 1847 e 1969, microfilmados no Núcleo de Docu- mentação e Informação Histórico Regional de Mato Grosso (NDIHR). Pela análise dos jornais A Cruz, O Porvir, O Matto Grosso, A Opinião, O Iniciador, entre outros, pôde-

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A difusão da questão indígena pela imprensaMato-Grossense

André Luís Alves∗

Universidade Federal de Mato Grosso

Índice

1 Introdução 12 As sociedades indígenas 22.1 A Imprensa e As Sociedades In-

dígenas . . . . . . . . . . . . . 33 Conceito de notícia 73.1 Importância da Notícia. . . . . 83.2 Gêneros Jornalísticos. . . . . . 94 A difusão da questão indígena pela

imprensa 104.1 Os Nambikwara. . . . . . . . . 114.2 Os Xavante . . . . . . . . . . . 134.3 Os Panará. . . . . . . . . . . . 144.4 Os Paresi. . . . . . . . . . . . . 155 A Imprensa Opinativa 165.1 Editoriais . . . . . . . . . . . . 165.2 Artigos. . . . . . . . . . . . . . 175.3 Cartas . . . . . . . . . . . . . . 176 Método da semana composta 207 Considerações finais 238 Referências bibliográficas 24

∗1999

1 Introdução

Qual é o tratamento dado às questões indí-genas pela atual imprensa mato-grossense?Quando e por que um índio ou uma soci-edade indígena é notícia? Responder essasperguntas foram os objetivos desta pesquisa.

Para tanto, algumas hipóteses precisaramser levantadas para orientar os estudos: a)a imprensa tem pouco interesse em publi-car assuntos indígenas por acreditar que otema não vende jornal; b) povos indígenas,na maioria das vezes, só aparecem na im-prensa quando estão relacionados a invasõesde terra, sejam eles os invasores ou os invadi-dos; c) nas matérias sobre esses temas os ín-dios não são ouvidos adequadamente, com aimprensa se abastecendo quase somente pe-las fontes oficiais (Funai, Ministério Público,Polícia Federal e ONGs) e d) a falta de co-nhecimento do assunto do repórter ou editorpode reforçar estereótipos sobre essas socie-dades e de outras minorias.

Primeiramente foram pesquisados algunsperiódicos, compreendidos entre 1847 e1969, microfilmados no Núcleo de Docu-mentação e Informação Histórico Regionalde Mato Grosso (NDIHR). Pela análise dosjornais A Cruz, O Porvir, O Matto Grosso,A Opinião, O Iniciador, entre outros, pôde-

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2 André Luís Alves

se saber quais os enfoques que a imprensamato-grossense dava aos índios.

Para a análise da atual imprensa mato-grossense foram escolhidos os jornais Diáriode Cuiabá e A Gazeta. O primeiro por ser omais antigo em circulação no estado de MatoGrosso - completou 30 anos este ano - e osegundo por ter maior circulação na capitalmato-grossense - quase 70% de preferênciados leitores, de acordo com dados do Ibopede novembro de 1997.

Os jornais Diário de Cuiabá e A Gazetaforam analisados em dois momentos. Pri-meiro foi verificado, em números, a quanti-dade de material informativo e opinativo for-necida por esses dois jornais aos seus leito-res entre 1o de janeiro e 31 de dezembro de1997. Depois, essas matérias foram classifi-cadas como notícia, reportagem e entrevista(informativos), editorial, artigo, resenha ecarta (opinativos), de acordo com a classi-ficação proposta pelo jornalista Marques deMelo.

Num segundo momento utilizou-se o mé-todo da semana composta. O método é maiscomumente usado para aferir conteúdos te-levisivos mas foi adequado para medir a re-gularidade e os conteúdos das matérias, in-clusive para se poder fazer um estudo maisaprofundado, verificando, inclusive, a centi-metragem das matérias.

Paralelamente, foi aplicado um questio-nário estruturado aberto dirigido especifica-mente aos jornalistas.

2 As sociedades indígenas

Entende-se genericamente por "índio"aqueleindivíduo que dessa forma se auto identi-fica e é reconhecido pelas outras pessoas desua comunidade como um dos seus. Índio

é aquele que possui vínculos históricos compopulações de origens pré-colombianas.

Por questão indígena entende-se o con-junto de problemas que as diversas popula-ções vêm sofrendo cotidianamente: A in-vasão de garimpeiros, madeireiros, e fazen-deiros em territórios indígenas, a luta pelademarcação de terras, o alcoolismo, a des-nutrição, outras doenças. A construção deestradas que atravessam reservas, hidrelétri-cas e hidrovias, como a Paraná-Paraguai eAraguaia-Tocantins, que podem reduzir ouinundar muitas áreas indígenas também sãoquestões indígenas. De fato, os proble-mas sofridos pelas populações indígenas sãoquestões nacionais, pois os povos indígenastambém são povos brasileiros.

A população indígena no Brasil à época dachegada de Pedro Álvares Cabral girava emtorno dos cinco milhões. Daquela época até1950 os povos indígenas foram caçados, es-cravizados, sofreram graves reduções. Inú-meras sociedades desapareceram, e muitasoutras estiveram bem próximas do desapare-cimento, em função das práticas de extermí-nio dos governos e da sociedade brasileira.

A partir de 1950, embora em alguns gru-pos indígenas, como os Jabuti e os Avá-Canoeiros, existam apenas alguns represen-tantes, muitas outras sociedades começarama ver suas populações aumentando, ao con-trário do que era previsto:

A morte parecia ser o destinofatal dos índios brasileiros e, deresto, dos demais povos chamadosprimitivos. De repente, começoua se ver a reversão desse quadro.Os Nambiquara passaram a cresceraltivos e determinados a permane-cer em suas terras a qualquer custo.

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Os Urubu-Kaapor, que chegaram aquatrocentos em 1980, hoje são se-tecentos. Os Mundurucu já alcan-çam a casa dos 5 mil. Os Xavante,que eram 2500 em 1946, somam 8mil hoje (Ribeiro: 1996: 331).

Atualmente há 325.652 indivíduos1(semcontar os índios isolados), divididos emcerca de 215 etnias. São faladas por elesem torno de 170 línguas distintas, divididosem dois troncos principais, Tupi e Macro-Jêe outras seis importantes famílias lingüísti-cas: Aruak, Arawá, Karib, Maku, Tukano eYanomami. Sessenta por cento da populaçãoindígena do Brasil se encontra na chamadaAmazônia Legal, que inclui o estado de MatoGrosso.

Ao todo, os grupos indígenas estão distri-buídos em 554 áreas, que abrangem 964.452quilômetros quadrados, ou 11,12% do terri-tório nacional. Entretanto, mais da metadedessas terras ainda não foram sequer demar-cadas e várias delas encontram-se parcial-mente ocupadas por fazendeiros, garimpei-ros, madeireiros e posseiros.

Em Mato Grosso, desde o século XVII,os índios sofreram com o contado com osbrancos. Primeiramente por causa do ga-rimpos e a partir da segunda metade do sé-culo XIX por causa do extrativismo vege-tal, principalmente borracha, caucho e po-aia. Da década de 60 em diante, com a co-lonização do estado e a expansão agropecuá-ria, os índios continuam representando "obs-táculos"ao desenvolvimento da região e, por-tanto, deviam ser domados, caçados, escravi-zados, exterminados. Muitas sociedades in-dígenas, como os Coxiponé (subgrupo Bo-

1Dados atualizados foram adquiridos no site daFunai, pela Internet.

roro) e os Payaguás, foram inteiramente ex-terminadas.

Além da violência física sofrida, as popu-lações indígenas viram drasticamente redu-zidos seus imemoriais territórios de domínioque deram lugar aos latifúndios incorporadosem Mato Grosso.

Os "desbravadores"do sertão mato-grossense rapidamente impuseram novasnecessidades e novas tecnologias até entãoestranhas às suas culturas.

O estado de Mato Grosso é o quinto es-tado em quantidade de índios, superado ape-nas pela Amazônia, Roraima, Pernambucoe Mato Grosso do Sul, incluindo os que vi-vem em perímetros urbanos. São aproxima-damente 20 mil índios de 35 sociedades in-dígenas divididos em 56 áreas com diversosgraus de regularização fundiária, totalizandode 12 milhões de hectares, mais ou menos12% do estado, só perdendo em extensão deterritório para os estados da Amazônia e doPará.

Os grupos indígenas de Mato Grosso fa-lam línguas do tronco Macro-Jê, Tupi e lín-guas das famílias Karib, Aruak, Nambikwarae Irantxe. Isso evidencia uma variedade depráticas culturais, sociais e econômicas e di-versidade nas formas de interação com a na-tureza.

2.1 A Imprensa e As SociedadesIndígenas

As sociedades indígenas sempre foram pautapara jornal. Isso pode ser verificado comuma rápida pesquisa em arquivos ou mesmoobservando com um pouco mais de atençãoos jornais nas bancas. O que vem mudandoé a forma e o ângulo das abordagens dos te-mas indígenas pela imprensa. De violentos

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passaram a passivos, de sem voz a reclama-dores.

A imprensa mato-grossense foi inaugu-rada em 1839, com o jornal Themis Ma-togrossense, primeiro jornal editado e im-presso em Cuiabá. A partir de 1848, coma Gazeta Cuyabana, começam a serem da-dos os primeiros ensaios da imprensa mato-grossense informativa e opinativa.

Esses primeiros jornais, por sua naturezapolítica, e até amadora, eram efêmeros, ra-ramente passando dos quatro anos de vida.Outros jornais que vieram anos mais tarde,mas ainda com essas características foram OPorvir, A Opinião e O Iniciador.

Nesse início, os indígenas eram tratados,em pequenas notas, como violentos, cruéis,assassinos. Não eram raros textos como es-ses:

Índios Continuam os coroa-dos a fazer das suas: consta-nosque distante da Chapada menos demeia légua, matarão ultimamentetres pessoas, praticando em se-guida actos de maior barbaridade(O PORVIR, 28/06/1877).

Selvicolas Segundo vemos deuma carta particular que nos foiobsequiosamente mostrada, os sel-vicolas continuavão em suas de-predações bem perto da capital.

Matárão no lugar denominadoFazendinha um filho do indivi-duo Joaquim Rosa e um camarada.Atacárão o sítio de João da CostaTeixeira e ahi matarão um escravo(A OPINIÃO, 14/03/1878).

No bairro Canastra tem appare-cido indios que tem causado inqui-etações aos moradores, impedindo

que cuidem de suas roças (O INI-CIADOR, 08/02/1880).

A partir do final do século passado e nasprimeiras décadas deste, o enfoque ao índiocomeça a mudar. Parte devido ao amadure-cimento da imprensa - reflexo da mudançada postura da sociedade - mas também porcausa do aparecimento do Serviço de Pro-teção ao Índio (SPI) em 1910. O SPI foicriado com uma perspectiva positivista cha-mada de "doutrina de proteção fraternal aosilvícola", sistematizada e posta em práticapelo engenheiro-militar Cândido Mariano daSilva Rondon. Sob o lema morrer se preciso,matar nunca, Rondon criticou as práticas deextermínio bem como sua assimilação diri-gida e acelerada (...) defendendo ao contrá-rio um tratamento humanitário aos silvícolas(Oliveira, 1995:65). A imprensa começa, de-vagar, a publicar artigos como o de NicolauHorta Bueno2, Em Prol do Índio :

Afim de demonstrarmos anossa these a favor do concursoindigina, e desvanecer a ideia deque os indios mantém a linhatelegraphica continuadamentecortada, vamos valer-nos de doistestemunhos (...)

Testemunho official (...) "Atendencia evolucionária dos indiosNhambiquaras ao longo da Linhano sentido da civilização já é bemcaracterizada com o auxílio espon-taneo que, intermitentemente vãoprestando ao serviço de sua conser-vação..."

2Um dos engenheiros da Comissão de Linhas Te-legráficas Rondon. Neste artigo ele defende a atuaçãode índios na conservação de linhas telegráficas, defen-dendo acusações de um jornal carioca.

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Nucleo Utiarity - (...) "O nu-cleo indigina de Utiarity, criadopela commissão com o objectivode agrupar em torno da estaçãodesse nome os remanescentes danação Pareci, e aproveital-os nostrabalhos de conservação e tráfegoda linha, vae progredindo sensi-velmente. Presentemente acham-se nucleados 107 indios dos quaes63 adultos. Das 44 creanças,27 frequentam a escola mantidapelo governo de Matto Grosso.(OMATTO GROSSO, 21/12/1930).

Nessa mesma época, os índios muitasvezes foram tratados como "filhos ado-tivos"pela imprensa católica, então muitoforte em Mato Grosso. São representanteso jornal A Cruz e a Revista Matto Grosso. Éo resultado das campanhas religiosas de ca-tequização, em que o êxito, pelo que foi pu-blicado nos jornais da época, foi maior entreos Bororo.

O trechos a seguir são exemplos do quesaía publicado sobre os indígenas:

Esteve de passagem em Pariso Rev.ma Padre Antonio Malan,Inspector da Missão Salesiana emMatto Grosso e veio acompanhadopelo jovem indio Miguel, filho deBay-Mizera, cacique da tribu dosindios Bororos-Coroados, hoje al-deados na Colonia Central da Mis-são. Estes indios ainda ha poucosanos, constituindo uma tribu pode-rosa e indomavel, são hoje, gra-ças ao sacrificios e á abnegação damissão salesiana, os habitantes pa-cificos de tres colonias e entregam-se com proveito aos trabalhos da

agricultura (O Filho d’um Caciquedos Bororós em Paris / O MATOGROSSO, Março/1907).

As narrativas, em forma de crônicas, tam-bém eram comuns, escritas por missionáriosreligiosos que tiveram a experiência de vive-rem entre índios. O exemplo a seguir é deuma carta de autoria do padre Antonio Col-bacchini à Dom Aquino sobre suas necessi-dades religiosas frente aos Bororo.

... Sentia imperioso e irresis-tível desejo de lançar-me no meiodaquellas selvas para procurar ospobres indios que por lá vivem er-rantes e conduzil-os a Jesus Re-demptor e Senhor das Nações. Nofundo do coração exclamei: Do-mine! Adreniat regnum tuum! (OEvangelho nas Selvas / O MATOGROSSO, Fevereiro/1914)

Os jornais da primeira década do jorna-lismo mato-grossense traziam seções intitu-ladas Notícias do Paquete, ou nomes seme-lhantes, em que eram comentadas notíciasvindas de capital (Rio de Janeiro) por paque-tes. O jornal A Cruz replicou o "ataque"deum jornal carioca à uma missão religiosa en-tre comunidades indígenas:

Um vespertino carioca, A Rua,entendeu atacar a missão francis-cana que, com séde em Santarém,abnegadamente e com applausosgeraes, se veem dedicando ao tra-balho arduo e perigoso de inte-grar na civilização nossos infeli-zes irmãos, os selvicolas daquel-las longinquas e desamparadas re-giões do extremo Norte (Catequese

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de Índios no Tapajós / A CRUZ,09/04/1916).

A Igreja Católica obteve maior êxito, doponto de vista da catequização, entre os Bo-roro mas grupos dos Xavante também sofre-ram com as missões salesianas. Os jornaisvinculados às missões comprovam.

Entre as varias Missões que osSalesianos de Dom Bosco e as fi-lhas de Maria Auxiliadora man-tém em Mato Grosso destaca-sea "Colônia São José"de Sangra-douro. Residem nessa Missão 300Xavantes. A Missão sustenta umpequeno internato para 0meninoscom 40 indiozinhos e outro parameninas com umas 10 indiazinhas.(...) Fazem questão de serem con-siderados civilizados. Sua maiorfelicidade é receber o batismo. (...)Se por doença algum deles tiverque faltar à aula; no dia seguintese apresenta à irmã professora paraque lhe explique a lição da aula quefaltou! (A CRUZ, 06/11/60).

A partir do final da década de 60, os in-dígenas passam a figurar de maneira maisabrangente nos noticiários. Entre os motivospodemos destacar pelo menos quatro: A) acriação da Fundação Nacional do Índio (Fu-nai) em 1967, órgão substituto do SPI; B) apolítica de ocupação amazônica, que provo-cou a retirada dos Panará, por exemplo, doseu território tradicional; C) os antropólogosbrasileiros, como Darcy Ribeiro, se identi-ficaram, em muitas linhas de pesquisa, comassuntos indígenas e relações interétnicas eD) o surgimento de um novo tipo de lide-rança indígena, segundo Darcy Ribeiro, sem

nenhuma submissão diante dos missionários,de seus protetores oficiais ou de quaisqueragentes da civilização (1996:333). Ou seja,lideranças de várias nações indígenas come-çam a refletir sobre suas relações com a soci-edade brasileira. Com isso, passaram conse-guir em alguns momentos um espaço, aindaque pequeno, na imprensa brasileira.

Como bem lembra o jornalista Luiz Bel-trão3,

a análise das matérias indi-genistas divulgadas pela imprensabrasileira no período abrangido poresta pesquisa (janeiro de 1973 ajaneiro de 1975) torna evidente odespertar da consciência do abo-rígine de seus direitos nacionaisreconhecidos - embora nem sem-pre respeitados - pela civilizaçãobranca envolvente. Sobretudo dodireito à terra, às extensas áreasque seus antepassados habitaram...(1977:61)

De acordo com o antropólogo Carlos Al-berto Ricardo4 (1995:31) percebe-se que aimprensa nacional passou a ter um real in-teresse pelos povos indígenas, embora ofe-reça histórias superficiais, fragmentadas e,não raramente, errôneas. Ainda segundoo autor, a partir dessa época algumas et-nias surgem nos noticiários como "índios deplantão", devido a circunstâncias históricas.

3BELTRÃO, Luiz. O Índio, um Mito Brasileiro.Petrópolis: Ed. Vozes, 1977

4RICARDO, Carlos Alberto. "Os Índios"e a so-ciodiversidade nativa contemporânea do Brasil. In:SILVA, Aracy Lopes & GRUPIONI, Luis DoniseteBenzi. A temática indígena na escola: novos sub-sídios para professores de 1o e 2o graus. Brasília:MEC/MARI/UNESCO, 1995.

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Ele cita como exemplos os Panará ("paci-ficados"e removidos para a construção darodovia Cuiabá-Santarém, nos anos 70), osKayapó (de Raoni e Paiakã), os Yanomami(invasão de garimpeiros em seus territórios),os Guarani (suicídio de jovens), entre outros.

Na década de 90, por volta da reuniãomundial da ONU (Organização das NaçõesUnidas) sobre ecologia e desenvolvimento,que aconteceu no Rio de Janeiro (ECO 92),os índios foram descobertos pela imprensabrasileira como os "ecologicamente corre-tos", percebendo que manejam os recursosnaturais (animal, vegetal e mineral) de ma-neira branda, ou seja, com poucas alteraçõesambientais. A partir de então, matérias deassuntos indígenas correlacionadas ao ambi-ente tornaram-se freqüentes.

Atualmente, as notícias referentes às ques-tões indígenas são, conforme a jornalistaPriscila Siqueira (1992:227-230)5, muitofactuais, faltando reflexões de suas causase conseqüências por meio de editoriais ou,simplesmente, de suítes (tratamento conti-nuado das matérias). Para a jornalista, ha-veria um conflito entre as causas humanis-tas (dos jornalistas) e os interesses econô-micos (da empresa jornalística). Em outrostermos, a imprensa "evitaria"publicar deter-minadas matérias para não se indispor comcertos anunciantes ou com alguns setores dogoverno.

Segundo a autora, a imprensa e todos osprofissionais da comunicação deveriam re-fletir sobre a necessidade da democratizaçãoda informação, ainda mais se tratando de mi-norias, como é o caso das sociedades indíge-

5SIQUEIRA, Priscila. Imprensa e Questão Indí-gena: relações conflituosas. In: GRUPIONI, Luís Do-nisete Benzi (org.). Índios no Brasil. Brasília: MEC,1994.

nas. Ela alerta que os jornalistas têm várioscompromissos com a questão indígena mas,a não ser em alguns casos esporádicos comoé o caso do Washington Novaes, não o cum-prem:

Compromisso de resgate de500 anos de opressão das po-pulações nativas do nosso conti-nente; compromisso de resgate deculturas que só podem enrique-cer a nossa própria; compromissode sobrevivência não só de parce-las consideráveis de nossa popula-ção mas de sobrevivência mesmode quem provou ser até agora,os únicos que souberam convivercom a natureza sem expropriá-la(1992:230).

3 Conceito de notícia

Antes de analisar a difusão da questão in-dígena pela atual imprensa mato-grossense,necessário se faz delimitar e especificar oque significa o termo notícia.

José Marques de Melo (1994:65)6 adefine como uma forma de narrar o queestá se repercutindo no organismo social,diferenciando-a de nota (relato do que aindaestá se caracterizando), de reportagem (re-lato ampliado de um fato que gerou altera-ções percebidas pela sociedade) e de outrascategorias do jornalismo informativo e opi-nativo.

Num sentido mais amplo, considerando anotícia como o que é de interesse à empresajornalística e ao público-leitor, Ciro Marcon-

6MELO, José Marques de. A Opinião no Jorna-lismo Brasileiro. 2a ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994.

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des Filho7 a caracteriza como uma informa-ção transformada em mercadoria com todosos seus apelos estéticos, emocionais e sen-sacionais devendo sofrer, para isso um trata-mento que a adapta às normas mercadológi-cas de generalização, padronização, simplifi-cação e negação do subjetivismo (1989:13).Ainda mais que isso, o autor afirma ser a no-tícia uma forma de manipulação ideológica ede poder político.

A generalização, a padronização, a simpli-ficação e a negação do subjetivismo8, fazemparte da técnica jornalística como forma deatingir um maior número de leitores e pou-par tempo, já que a informação jornalísticacorre contra o tempo. A manipulação ide-ológica, segundo o autor (1989:14), se dáporque a notícia é apresentada de forma re-cortada, "quebrada", até mesmo desfiguradada realidade. No conjunto, as notícias têmum duplo caráter ideológico, de preocupa-ção e de alívio/ desconcentração. Assim,o caso recentemente divulgado pelo meiosde comunicação sobre o maníaco do Parque,em São Paulo, com dez assassinatos confes-sos, gerou preocupação (enquanto a políciao procurava) e alívio da população quando oacusado foi preso.

O poder político é mais ou menos evi-dente em cada jornal, mas é inegável sua in-fluência. O apoio da Folha de São Paulo àcampanha para as eleições diretas ("Diretas

7MARCONDES FILHO, Ciro. O Capital da No-tícia: Jornalismo como produção social de segundanatureza. 2a ed. São Paulo: Ática, 1989.

8Para Maria Baccega (1995:14), a objetividade éum processo de superação da subjetividade, determi-naria pelo nosso conhecimento do mundo. AlbertoDines (1996:120) afirma que o jornalista seleciona eopta durante todo o tempo do seu trabalho, do mo-mento da entrevista ao texto final da matéria.

Já"), em 1984, e apoio da Rede Globo à elei-ção de Fernando Collor, em 1989, são exem-plos nacionais visíveis. Localmente, sabe-sedo apoio que o Grupo Gazeta de Comunica-ções dá ao governador candidato à reeleição,Dante de Oliveira, enquanto que seu princi-pal adversário é apoiado pelos dois jornaisconcorrentes.

3.1 Importância da NotíciaMuniz Sodré9 conceitua ironicamente no-tícia como sendo aquilo que os jornalistasacham que interessa aos leitores e, portanto,notícia é aquilo que interessa aos jornalistas(1996:135). É evidente, ao selecionar deter-minadas informações como noticiáveis emdetrimento de outras, um público-leitor estásendo produzido, por exemplo o publico parajornais "sérios"ou "populares".

Sodré está se referindo, outrossim, emcomo se processa a escolha do material pu-blicável, ou melhor, das notícias, justificandoser o leitor-médio, um "ser abstrato", inven-tado e produzido, então, pelo arbítrio dosprofissionais e da empresa jornalística. Essaautoridade de certos profissionais da im-prensa pode gerar o que Dines10 (1996:59)chama de bumerangue cultural: as redaçõesnão recebem novas informações, não se atu-alizam, e o público-leitor passa a receber asmesmas mensagens, que por sua naturezajornalística já são simplificadas, reprocessa-das e reutilizadas. Como será visto no capí-tulo 03, a desocupação de garimpeiros e ma-deireiros da Reserva Sararé, dos índios Nam-

9SODRÉ, Muniz. Reinventando a Cultura: a co-municação e seus produtos. Petrópolis. Ed. Vozes,1996.

10DINES, Alberto. O Papel do Jornal. 6a ed. SãoPaulo: Summus, 1996

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bikwara, forneceu material para a imprensamato-grossense durante meses. Mesmo as-sim, não foi dado uma ampliação necessá-ria, com informações novas e mais aprofun-dadas.

A importância de uma notícia para oseu público-leitor pode ser medida peloseu ineditismo (fato novo), improbabilidade(acaso), apelo (curiosidade), empatia (iden-tificação do consumidor por um personagemdo fato noticioso) e interesse (quantidade depessoas que possam ter sua vida afetada pelofato). O interesse por um evento também temuma relação direta com a atualidade e com aproximidade do leitor.

E qual a finalidade da notícia, da trans-missão da informação? Para Sodré, a fina-lidade aparente da informação é ordenar (oureordenar) a experiência social do cidadão(1992:19), tendo, pois, uma função políticade manter o status quo e as ideologias predo-minantes.

3.2 Gêneros JornalísticosAlém da nota, notícia e reportagem, a entre-vista é a outra forma, segundo Marques deMelo, de se exercer o gênero informativo.Para ele, a entrevista é um relato que privi-legia um ou mais protagonistas do acontecer,possibilitando-lhes um contato direto com acoletividade (1994:65).

No campo do jornalismo opinativo, o edi-torial destina-se a ser a opinião da institui-ção jornalística, não possuindo, pois, autoria,com uma angulagem imediatista.

O artigo é o espaço em que o jornalista (ounão) opina sobre um assunto ou desenvolveuma idéia. Melo (1994:118) divide o artigoem dois tipos: o artigo, propriamente dito,e o ensaio, mais extenso e mais elaborado,

geralmente encontrado em suplementos e re-vistas.

Já a resenha é a orientação de um espe-cialista ao público leitor sobre determinadoproduto cultural. Ambos (resenha e artigo)necessitam de autoria, pois, na maioria doscasos o leitor lê "o autor"mais que "o con-teúdo". Ou seja, é a opinião de quem escreveque importa. A angulagem, tanto da resenhaquanto do artigo, depende da competência doautor.

A carta é o espaço do leitor no jornal. Nor-malmente ele se manifesta quando se senteofendido ou caluniado, mas é também umaforma de defender suas idéias num debatepúblico.

O comentário é o espaço onde um jorna-lista especializado omite, ou deixa nas en-trelinhas, sua opinião, que não é, necessaria-mente a da empresa onde atua. O comenta-rista, sempre bem remunerado, explica a no-tícia, seu alcance e aponta suas conseqüên-cias. Franklin Martins, da Rede Globo, é umbom exemplo de comentarista.

A coluna é, segundo Marques de Melo(1994:136), um mosaico, estruturadopor unidades curtíssimas de informação,caracterizando-se pela agilidade e pelaabrangência. É o espaço onde jornalistasmais bem informados e com as melhoresfontes podem dar o furo, a notícia emprimeira mão, quando não dá em matériascomuns dos jornais, impresso ou eletrônico.

Ainda segundo o autor (1994:145) a crô-nica é um gênero de jornalismo exclusiva-mente brasileiro. Sua forma, mistura-se coma literatura quando conta-se uma "estória",um caso, e com o jornalismo pois a funçãoda crônica no jornal é divulgar uma informa-ção e debatê-la. Carlos Heitor Cony é, prova-

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velmente, o cronista mor do atual jornalismobrasileiro.

A charge e a caricatura são formas deopinar sobre um personagem da notícia oua própria notícia de uma maneira bem-humorada, levando o leitor primeiramente aoriso e, em seguida, à reflexão. Geralmenteaparece na segunda página ao alto, à direita,ao lado do(s) editorial(is). Exceção à regra,o jornal O Globo, sempre traz as charges naprimeira página.

De todos as formas de jornalismo, a co-luna, o comentário e a crônica não foram lo-calizados, nesta pesquisa, na imprensa mato-grossense analisada se referindo à algumtema indígena.

4 A difusão da questão indígenapela imprensa

Os dois jornais utilizados para a pesquisa noano de 1997 foram o Diário de Cuiabá11 e AGazeta12. As edições desses dois jornais no-

11O Diário de Cuiabá foi fundado em 1968 pelo jor-nalista Alves de Oliveira. Atualmente o jornal circulacom uma média de 30 páginas nos dias de semanae 55 aos domingos. A redação do Diário de Cuiabáé totalmente informatizada e a paginação é eletrônicadesde 93. Foi o primeiro jornal a circular às segundas-feiras e o primeiro a ter sua versão on line na Internet.No final de abril deste ano fez algumas mudanças naapresentação do jornal, a principal foi a mudança dologotipo. Este ano, este jornal está apoiando o candi-dato ao governo do estado Júlio Campos e a UnidadeDemocrática.

12A Gazeta foi fundada em 23 de maio de 1990e pertence à Gráfica Editora Centro-Oeste Limitada,cuja composição societária é dividida entre alguns di-retores da Construtora Triunfo, majoritários, e o jor-nalista Dorileo Leal. Integra o Grupo Gazeta de Co-municação, que possui ainda emissora de televisão,emissora de rádio, instituto de pesquisa, além da grá-fica.. Nos dias de semana circula com uma média de

ticiaram, com uma certa freqüência, matériasrelacionadas a temas indígenas. As invasõese desocupações de garimpeiros e madeirei-ros da reserva Sararé, dos Nambikwara, fo-ram os fatos mais divulgados pela imprensano ano passado. Ao lado dos Nambikwara,os Xavante, os Bororo e os Paresi foram ospovos mais citados pelos dois jornais anali-sados.

Em 41 dias na Gazeta13 e em 63 diasno Diário de Cuiabá houve manchetes naprimeira página relacionadas a algum povoindígena. Somando-se os dois jornais, nogênero informativo foram veiculadas 257notícias, 39 reportagens e duas entrevis-tas sobre algum grupo indígena. É pouco,considerando-se que apenas no estado deMato Grosso existem 35 povos indígenas eque foram alguns poucos episódios, isola-dos, que constituíram a maioria das notíciase reportagens: a retirada dos garimpeirosda Reserva Sararé; o assassinato do PataxóGaldino dos Santos (que não será analisadoneste trabalho); a discussão sobre o arrenda-mento de uma parte das terras dos Paresi ea conquista dos Panará, que voltam às suasterras. Os grupos mais noticiados foram, en-tão, os Nambikwara, os Paresi, os Panará eos Xavante. Estes últimos apareceram cons-tantemente, mas em três diferentes assuntos:a visita de uma equipe da UFMT a aldeia São

36 páginas, aos domingos chega a 75 páginas. Aocompletar seu oitavo aniversário, a Gazeta mudou oseu projeto gráfico, passando a circular em cores ecom mais cadernos, além de inaugurar sua versão on-line na Internet. Apóia o governador de Mato Grosso,candidato à reeleição, Dante de Oliveira.

13Não foi localizado no arquivo do Grupo Gazetaos jornais do mês de maio de 1997, quando foi re-alizada esta pesquisa, nos meses de abril e maio de1998. Esse mês foi contabilizado apenas com algunsexemplares de A Gazeta adquiridos em outros locais.

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Marcos, a pressão feita por eles para a saídado então presidente da Funai, Júlio Gaiger ea discussão em torno da implantação da hi-drovia Paraguai-Paraná.

Os assuntos mais tratados pela imprensamato-grossense foram os conflitos entre ín-dios e brancos (fazendeiros, garimpeiros emadeireiros) sobre terras. O segundo assuntomais tratado foram as culturas indígenas e re-trospectos de indigenistas, como foi o casode Vicente Cañas, que viveu entre os Myky,Paresi, Enawenê-nawê e os Beiços-de-pau.Isso vem a comprovar as respostas dos jorna-listas em um questionário aplicado para essapesquisa, sobre quando os índios são notícia(ver anexo I) Uma repórter respondeu que

grupos indígenas de MatoGrosso conseguem espaço namídia em épocas festivas, quandoexiste ameaça às suas áreas e emcaso de conflito com madeireiros.

Comparando-se os dois jornais percebe-seque houve uma igualdade quanto ao númerode notícias e reportagens, pelo menos nostrês primeiros meses e também em junho eagosto do período analisado.

No gênero opinativo, dez editoriais, vintee um artigos, duas resenhas e três cartasabordaram temas indígenas, sendo que umasignificativa parte dos artigos não foram es-critos por jornalistas e sim por outros profis-sionais.

Os assuntos mais tratados pela imprensamato-grossense são abordados neste capí-tulo, divididos por sociedade indígena.

4.1 Os NambikwaraO nome Nambikwara é um termo genéricopara vinte subgrupos que falam três línguas

distintas além de vários dialetos. Como nãoaceitam morar em grandes aldeias, geram-se pequenas facções que migram para outrosterritórios. Para eles, a aldeia é um local sa-grado, onde estão enterrados os seus antepas-sados. Silbene de Almeida14 (1987:97-98)explica que onde há Nambikwara enterradoé aldeia, e onde não há ninguém enterradonão é aldeia ainda que aí vivam 50 habitan-tes.

Há oitenta anos os Nambikwara sofremcom as invasões de suas terras, que se inten-sificaram a partir da década de 70, com a co-nivência da Funai (Almeida:1987:95). Dos10 mil indivíduos no início deste século, elescontam atualmente com pouco mais de oito-centas pessoas.

A reserva Nambikwara, palco da Ope-ração Sararé15, abriga os NambikwaraKithaurlu e os Halotesu, fica em Comodoroe está regularizada desde 1990. Há um grupotambém na reserva Umutina, em Barra doBugres, onde também são encontrados Pa-resi e os próprios Umutina.

A desintrusão dos garimpeiros da reservaSararé por agentes da Polícia Federal e daFunai, que se iniciou no dia 10 de janeiro,foi noticiada quase todos os dias, no primeiromês de 1997, pelos dois jornais. Esse fatomereceu manchetes na primeira página dozevezes pelo Diário de Cuiabá e sete pela Ga-zeta. A ação dos policiais, batizada de Ope-

14OPAN/CIMI Dossiê Índios em Mato Grosso.Cuiabá: Gráfica Cuiabá, 1987.

15Operação Sararé foi o nome da operação reali-zada pela Polícia Federal em dezembro de 1992, pres-sionada pelo Banco Mundial e entidades de direitoshumanos, que retirou pacificamente 5 mil garimpei-ros da Reserva Sararé. A desocupação realizada em1997 nessa mesma área ficou conhecida como Opera-ção Sararé II.

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ração Sararé II foi mais enfatizada do que aatividade garimpeira ilícita ou mesmo sobrequem é o povo Nambikwara.

No dia 14 de janeiro de 1997, é chamada aatenção para a degradação ambiental provo-cada pela retirada de minérios que, segundoa imprensa, poderá levar até 40 anos para serecompor. Nesse mesmo dia, segundo de-núncia da Gazeta, os Nambikwara deixam deser vítimas, tornando-se coniventes: A extra-ção de madeira dentro da Reserva IndígenaSararé tinha até mesmo a participação de ín-dios e de indigenistas (ÍNDIOS CONIVEN-TES COM EXTRAÇÃO, A GAZETA, pág.3-C).

No dia seguinte, a reportagem do Diá-rio informa que os índios de Sararé são vi-olentos: ... os índios nhambiquaras (...)ameaçam espancar e matar garimpeiros queainda estiverem na área após a saída da Polí-cia Federal (ÍNDIOS AMEAÇAM MATARGARIMPEIROS QUE PERMANECEREMDENTRO DA RESERVA, DIÁRIO, pág. B-1). Este foi o único dia que o cacique Nam-bikwara Américo Xathitaurlu foi mostradonuma foto (e na primeira página) pela im-prensa. Entretanto, a legenda é bem suges-tiva: O cacique (...), armado com espingarda,ao lado dos dois filhos, ameaça os garimpei-ros que continuam na Reserva Sararé (DIÁ-RIO, 15/01/97).

Nos meses de março, setembro, novembroe dezembro há outras ocupações e expulsõesde garimpeiros e madeireiros na Reserva Sa-raré que são noticiadas pela imprensa, entre-tanto sem acrescentar novos dados sobre osíndios que vivem nessa reserva.

A imprensa mato-grossense utilizou aOperação Sararé II para mostrar a falta de es-trutura da Funai, para apontar falhas na açãoda Polícia Federal e para revelar à sociedade

que o garimpeiro mato-grossense ou brasi-leiro é apenas mais um excluído que está forado modelo econômico (DIÁRIO, 19/01/97,PÁG. B-1).

Quanto aos Nambikwara da Reserva Sa-raré, foi informado que eles vivem a 540quilômetros ao noroeste de Cuiabá, possuemuma área de 67, 4 mil hectares e totalizam 79indivíduos, entre adultos e crianças.

Constitui-se prática comum na imprensacitar a população da aldeia ou de um povoe a extensão do seu território. Ao fazer isso,sem nenhuma relativização, a imprensa, re-força um preconceito em relação aos índios.Qualquer cidadão brasileiro fará a conta everá que há quase mil hectares para cada ín-dio Nambikwara. Uma área para fazer invejaa muitos fazendeiros e aos sem-terra.

Entretanto, a imprensa não informa que aterra significa, para as sociedades indígenas,muito mais que um simples meio de sub-sistência. A terra, de uso coletivo, repre-senta o suporte da vida social e está direta-mente ligada ao sistema de crenças e conhe-cimento (Ramos:1988 13). O território indí-gena, além de ser o local onde um povo indí-gena garante a sua sobrevivência e se apro-pria dos recursos naturais existentes para sealimentar, fabricar utensílios e extrair plantasmedicinais, é também um espaço simbólicoem que as pessoas travam relações entre si ecom seus deuses (Fernandes:1993, 81).

Não foi encontrada nos jornais a explica-ção da significação das terras indígenas emtermos legais. A área continua pertencendoà União, é limitada a utilização exclusiva dospovos indígenas que a ocupa e representaapenas uma pequena parcela dos territóriostradicionais.

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4.2 Os XavanteOs Xavante se autodenominam A’úwê e per-tencem ao tronco lingüístico Macro-Jê. Em1946 foi realizado o primeiro contato pací-fico com um grupo Xavante, que na época es-tavam dispersos em três grupos, com o Ser-viço de Proteção ao Índio (SPI). Atualmenteeles se encontram divididos em nove áreas,das quais apenas quatro estão regularizadas,em diversos municípios do estado de MatoGrosso.

Eram tradicionalmente seminomâdes, co-letores e caçadores, tendo a agricultura o pa-pel menos importante para sua sobrevivên-cia. Entretanto, a Funai, a partir da décadade 70 começou a incentivar a agricultura me-canizada entre os Xavante.

As crianças Xavante estudam em escolasda Funai ou das Missões da Igreja Católica.

Os Xavante são muito relu-tantes em não perder a sua iden-tidade cultural tentando se afir-mar como um povo livre, man-tendo seus rituais, seu modo devida, mas ao mesmo tempo, pre-enchendo suas necessidades bási-cas como membros consumidorese produtores da economia nacional(Graham:1987:168).

Em meados de março, os dois jornais lo-cais diários analisados noticiaram a pres-são que lideranças Xavante estavam fazendopara que o então presidente da Funai, JúlioGaiger, renunciasse. Entre os motivos alega-dos por lideranças Xavante, estavam a inefi-cácia da assistência da Funai e

a construção de hidrovias,abertura de estradas em terras de-

marcadas, desmatamento, conta-minação das águas com agrotó-xicos e a contaminação dos ín-dios com as doenças dos bran-cos (CACIQUE XAVANTE RE-CLAMA DA ATUAL CONDI-ÇÃO DE VIDA DOS ÍNDIOS,DIÁRIO, 18/04/97, pág. B-3).

Gaiger responde que caciques Xavanteo estariam pressionando porque ele haviacortado "mordomias"que o órgão distribui-ria tradicionalmente às lideranças indíge-nas. Haveria até uma tabela dos "honorá-rios"mensais, que variariam de 50 reais (paraos "guerreiros") a duzentos reais (para os ca-ciques) (GAZETA e DIÁRIO 10/03/97):

Com o conhecimento dos pre-sidentes anteriores da Funai, fun-cionários do órgão pagavam "ho-norários"aos índios que visitavamBrasília, além de custear passagensaéreas e estadias em hotéis, numsistema de cooptação de lideranças(Diário, 10/03/97).

Os Xavante aumentam a pressão para asaída de Júlio Gaiger da Funai e, segundoo Diário, a Polícia Federal faz uma ope-ração de guerra para tirar índios da Funai(12/06/97). Mesmo assim, no dia 16 de ju-lho, Júlio Gaiger pede demissão da presidên-cia da Funai. O Movimento Indígena indicaMarcos Terena, mas foi o procurador SulivanSilvestre quem passou a ser o presidente daFunai.

Nos dias 31 de maio e 1o de junho os Xa-vante voltam a ser destaque nos noticiárioslocais por causa da visita de uma equipe daUniversidade Federal de Mato Grosso à al-deia Xavante São Marcos, localizada a 150

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quilômetros de Barra dos Garças. Foramcinco páginas inteiras de notícias, juntandoos dois jornais, afora as manchetes na pri-meira página.

Os leitores tiveram uma oportunidade deficarem um pouco a par dos problemas, dahistória e da cultura Xavante. Entre as notí-cias estão: 1) o questionamento por parte dosXavante, entre eles o cacique Aniceto Tsud-zaware, sobre a atuação da Missão Salesiana,que difunde o cristianismo na aldeia; 2) crí-ticas perante as ações da Funai; 3) a falta deanimais para caça; o sistema de coleta; 4) oritual da "furação de orelha"e outros.

Entretanto, pode ser percebido que a Ga-zeta retratou a equipe da UFMT como umasalvadora dos problemas indígenas:

O grupo foi recebido com en-tusiasmo pelos Xavante que enal-teceram a iniciativa da UFMT porconsiderá-la um meio de preserva-ção da cultura indígena e do pró-prio índio (REITOR ENFATIZAINTERCÂMBIO, 31/05/98).

Vale ressaltar que tanto a equipe de repor-tagem do Diário quanto a da Gazeta foram aconvite da UFMT .

A Hidrovia Paraguai-Paraná entra no no-ticiário local relacionado aos Xavante, maisuma vez, e aos impactos ambientais que po-deria trazer e as populações indígenas queseriam afetadas. A imprensa apóia, em certamedida, organizações não-governamentais elideranças indígenas que se posicionam con-tra a essa hidrovia. Índios, como o caci-que Xavante Megaron Aniceto, denunciamos problemas que poderiam ser gerados coma construção da hidrovia.

A divulgação do Estudo de Impacto Am-biental e do Relatório de Impacto Ambien-tal (EIA/Rima) da hidrovia Paraguai-Paranámostra que 88 aldeias indígenas estavamsendo ignoradas,

de acordo com o Estudo deImpacto Ambiental e Relatório(EIA/Rima) a hidrovia passarápróximo ou dentro de 88 aldeiasindígenas num total de 12 muni-cípios (...) seriam 5,3 mil indíge-nas em área de influência direta ouindireta. (FUNAI CRITICA DA-DOS SOBRE OS INDÍGENAS,DIÁRIO, 16/03/97)

4.3 Os PanaráA Reserva Panará, no município de Guarantãdo Norte, tem 484 mil hectares. Está delimi-tada mas ainda não foi demarcada. O pri-meiro contato com os brancos foi há 25 anospelos sertanistas Orlando e Cláudio Villas-Boas. Eles foram levados para o Parque Na-cional do Xingu porque a rodovia Cuiabá-Santarém, que estava sendo construída, em1973, passava no seu território de origem.Dos 600 na época do contato em poucotempo restaram apenas 79. Os primeiroscontatos com os "Índios Gigantes"foram re-gistrados e amplamente divulgados pela mí-dia nacional.

Em 1990, enfim, eles voltaram para Gua-rantã do Norte e contam atualmente com 198índios.

No dia 22 de outubro de 1997 vem à tonaa reivindicação dos Panará a demarcação fí-sica da reserva onde estão inseridos em Gua-rantã do Norte. A área já havia sido determi-nada em novembro de 1996 pelo então mi-

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nistro da Justiça, Nelson Jobim. Mas essareivindicação só foi ouvida quando fazen-deiros da região acusam os Panará de "sa-quear"quatro propriedades. (FAZENDEI-ROS DE GUARANTÃ ACUSAM PANA-RÁS DE SAQUEAR 4 PROPRIEDADES -DIÁRIO).

No dia seguinte (23 de outubro) é notici-ado que as terras onde estão as fazendas per-tencem à União (FAZENDEIROS OCUPAMTERRAS DA UNIÃO, GARANTE INCRADIÁRIO).

Os Panará ainda estão em evidência no no-ticiário local 20 dias após o incidente. Ojuiz Novely Villanova da Silva, da 7a varafederal de Brasília (e pai de um dos acusa-dos de terem ateado fogo no Pataxó Galdinodos Santos, em abril do mesmo ano) con-dena a União a indenizar os parentes dos Pa-nará mortos durante a construção da BR-163(Cuiabá - Santarém), na década de 70.

Desta vez os jornais noticiam que os Ín-dios Gigantes têm outros problemas, alémdas invasões e da demarcação física das ter-ras. Escreve A Gazeta que durante a constru-ção da BR-163 muitos dos Panará

morreram vítimas de doen-ças venéreas, tuberculose, alcoo-lismo, malária, além de outras do-enças reduzindo a população daetnia de 254 membros para 79.(UNIÃO DEVE INDENIZAR OSPANARÁ – 12/11/97).

Acrescenta, no mesmo dia, o Diário:

o sofrimento dos panarás nãocessaram com as mortes. Reduzi-dos, eles foram levados pela Funaipara o Parque do Xingu, em 1975,

exatamente para onde viviam osseus maiores inimigos, os caiapós(...) mais dez morreram no parque.(JUSTIÇA CONDENA UNIÃO AINDENIZAR PANARÁS).

4.4 Os ParesiOs Paresi falam língua Aruak e se autode-nominam Halíti. A história dos Paresi coma sociedade envolvente remonta há mais deduzentos e cinqüenta anos. Mas foi a rela-ção deles com a Comissão Rondon, chefiadapor Cândido Mariano da Silva Rondon, queatravessou o território Paresi para estabele-cer uma linha telegráfica que ligaria MatoGrosso ao Amazonas, que trouxe os maioresimpactos a esse povo. Grupos de índios fo-ram afastados de seus territórios tradicionaise tecnologia e valores alheios foram intro-duzidos provocando alterações na sociedadedeles.

Da década de 40 em diante, famílias intei-ras fugiram para os centros urbanos. São so-breviventes de grupos que foram dizimadospor ataques e doenças trazidas por poaieirose seringueiros que invadiram seus territórios.

Atualmente os Paresi vivem dispersos emdez áreas, das quais sete encontram-se re-gularizadas, nos municípios de Comodoro,Diamantino, Nova Marilândia, Tangará daSerra, Pontes e Lacerda, Sapezal, Barra dosBugres e Campo Novo dos Parecis.

Já chegando no final de setembro, umainiciativa dos índios da reserva Paresi, emCampo Novo dos Parecis, de arrendar umaparte de suas terras para agricultura é notici-ada pelo Diário e pela Gazeta. O enfoquedado pela imprensa foi a extensão da áreaque estava para ser negociada, entre 20 e 50mil hectares de terras férteis, que se valoriza-

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ria com a Hidrovia Madeira-Amazonas paraa plantação de soja, girassol, milho, arroz ealgodão.

Manfro (Sérgio Manfro, ge-rente da Agrofel, uma das empre-sas interessadas na parceria) disseque foram os próprios índios queprocuraram o diretor da empresaDarci Ferrarin, propondo uma par-ceria agrícola em 20 mil hectares."Houve, de fato, interesse na par-ceria e, fomos até as terras para co-nhecer o local onde provavelmenteocorreria o plantio de soja", disseo gerente (EMPRESAS REAFIR-MAM INTERESSE EM PARCE-RIAS COM ÍNDIOS - DIÁRIO30/09/97)

Entretanto, a imprensa noticia que apesarde experiências em outros estados com pe-quenas faixas de terra, essa seria a primeiravez que a Funai iria permitir um acordo desseporte entre índios e fazendeiros. Afora isso,não havia legalidade, uma vez que a Cons-tituição Federal16 não prevê essa possibili-dade de parceria.

Até o final do ano de 1997 estava suspensaa audiência pública entre os Paresi, a Funai eas várias cooperativas e empresas interessa-das, que iriam discutir a parceria agrícola.

A imprensa mato-grossense apenas citou oque poderia ter sido um relato dos problemasque os Paresi de Campo Novo dos Parecisvem enfrentando:

16O artigo 231 da Constituição Federal afirma nãoter efeito jurídico a ocupação, domínio ou posse deterceiros para exploração de recursos naturais de solo,rios e lagos ocupados tradicionalmente por povos in-dígenas.

Os índios paresi de MatoGrosso estão dispostos a arrendarde 20 a 50 mil hectares de suasterras para os produtores de cere-ais do Médio Norte. O administra-dor regional da Funai em Cuiabá,Ademir Gudrin, disse que os ín-dios tomaram a decisão por causada ineficiência do Poder Público,que nas aldeia geraria fome, faltade assistência médica e transporte(ÍNDIOS QUEREM ARRENDARTERRAS PARA VIVER - DIÁ-RIO - 20/09/97).

5 A Imprensa Opinativa

O gênero opinativo na imprensa versoumuito pouco sobre os problemas indígenas.As empresas jornalísticas, por meio de edito-riais, e os jornalistas, por meio de artigos, seexpressaram principalmente sobre a ReservaSararé, cobrando maior eficiência da Funai eda Polícia Federal e mostrando que os garim-peiros são apenas mais uma categoria dentreoutras na imensa massa dos excluídos.

5.1 EditoriaisUma vez no Diário e uma vez na Gazeta, es-ses jornais trouxeram no editorial opiniõessobre o índio como agente social e histórico.

O editorial do Diário de Cuiabá dia 8de novembro de 1997 discursava sobre apressão de organizações não-governamentais(ONGs) para se aproveitar uma parte do Pro-grama de Apoio ao Desenvolvimento Co-munitário (Padic) às comunidades indígenas.No final do texto, elogia-se a luta de comu-nidades indígenas pelos seus direitos:

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A grande maioria das comuni-dades indígenas de Mato Grosso,há tempos, deixou de viver no iso-lamento e, por meio de seus pró-prios líderes ou daqueles que abra-çam sua causa, aprendeu a reivin-dicar tudo aquilo que considera dedireito (A VEZ DO ÍNDIO).

Entretanto, anteriormente o editorial já ha-via se pronunciado à favor da integração dosíndios à sociedade envolvente:

O fato de se discutir meios paradirecionar recursos do Padic paraas comunidades indígenas, não hácomo negar, significa um grandepasso para, definitivamente, se in-tegrar o índio à "civilização"semque para tanto seja forçosa sua re-tirada do meio onde vive.

O editorial de A Gazeta sobre as possíveisconseqüências do projeto BID-Pantanal, quevisa o desenvolvimento auto-sustentável e oecoturismo no Pantanal, criticava entidadesque se opunham a esse projeto. É escritoque o estado de Mato Grosso tem uma voca-ção ecológica e indígena mas que "precisa"se"desenvolver".

Neste editorial são enumerados exemplosde inovações tecnológicas como a agroin-dustrialização e as hidrelétricas que seraimnecessárias ao estado e que podem ser feitassem prejudicar o meio ambiente.

O editorial conclui, então, que se deveconciliar a modernidade com a tradição:

Mato Grosso não pode per-der nem desprezar sua imensa he-rança indígena, não pode destruir

seus intensos e ainda misteriososem grande parte, recursos naturais.Tampouco pode ir na contramãoda história e abdicar do desenvol-vimento dentro de uma sociedadeglobalizada. Sejamos, assim, indí-genas, ecológicos e desenvolvidos(INDÍGENAS, ECOLÓGICOS ERICOS).

Sutilmente, o editorial sugere no termo"herança indígena"que os índios fazem partedo passado e que algumas coisas boas delesforam transmitidos aos brancos.

Os dois editoriais defenderam, no mínimosugeriram, a integração das sociedades indí-genas à sociedade envolvente.

5.2 ArtigosOs 21 artigos encontrados nas edições dosdois jornais se concentraram na visita do rei-tor da UFMT à uma aldeia Xavante, a Ope-ração Sararé e o assassinato do Pataxó Gal-dino dos Santos, em Brasília. Entretantoquase não foram escritos por jornalistas esim por sociólogos (João Vieira), historiado-res (Luiza Volpato) e até um médico (JúlioCapilé). Exceção feita ao articulista OnofreRibeiro que, na Gazeta, escreveu uma sériede artigos sobre os Xavante.

As duas resenhas se referiam ao lança-mento de uma biografia do senador e antro-pólogo Darcy Ribeiro, poucos meses depoisde sua morte.

5.3 CartasAs três cartas localizadas na pesquisa se re-feriram a assuntos distintos. A primeira, pu-blicada no Diário no dia 04 de março fica-

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ria melhor na forma de um artigo, pois de-senvolvia uma idéia de um especialista emassuntos indígenas que estava envolvido noproblema em questão. A carta tratou da voltados garimpeiros à reserva Sararé, apesar daretirada deles pela Polícia Federal. O autor,Darci Secchi, professor universitário e asses-sor para assuntos indígenas, escreve sobre aineficácia da desintrusão:

No campo, os poucos funci-onários da Funai dobram-se paraexpulsar os invasores, pondo emrisco suas vidas e a dos índios.Estes, atônitos, apenas observam,e em português precário pergun-tam: o que acontece? O queacontece? Acontece que o poderpúblico é complacente, tolerante,conivente (QUE SURPRESA! OSGARIMPEIROS RETORNARAMAO SARARÉ) .

A segunda carta foi também foi publicadano Diário. Em quatro de abril de 1997, oscaciques Xavante Aniceto Tsudzaware (Al-deia São Marcos), Tibúrcio Abnooai (AldeiaNossa Senhora de Aparecida), Simão Butre(Aldeia Namunkurá) e Domingos Nahobo-reá (Aldeia Dom Bosco) respondem, atra-vés de uma carta às acusações das "mordo-mias"feitas pelo então presidente da Funai,Júlio Gaiger:

Nós, lideranças xavante, enten-demos a tutela como uma forma deproteção e possibilidade de apoio,e por decisão de todos os membrosde nossa sociedade, vontade denossos anciões, já encaminhamos

documento as autoridades execu-tivas e legislativas sobre esse as-sunto.

(...) Para esclarecimento ao pú-blico, no ano passado, somente naaldeia xavante de S. Marcos, mor-reram 21 índios, na maioria cri-anças menores de 5 anos. Aindatemos tuberculose, ainda temospneumonia, ainda sofremos a in-vasão dos homens brancos, e te-mos como presidente do órgão in-digenista uma pessoa insensata, in-sensível e descomprometida comas questões indígenas (A FUNAIE AS MORDOMIAS, DIÁRIO05/04/97 A-2).

Um texto de autoria indígena e veiculadona íntegra por um meio de comunicação éuma exceção no espaço destinado pela mídiaàs sociedades indígenas. Além disso, estacarta desmitifica a idéia de índios fortes esaudáveis comumente encontrada em livrosdidáticos17.A terceira carta, publicada na Ga-zeta no dia 15 de agosto, inserida no espaçonormalmente destinado a artigos, na metadesuperior da página A-3. Foi escrita por umaauxiliar de enfermagem da Fundação Naci-onal de Saúde, Fabiene dos Santos, pedindoa devolução de uma Toyota que alguns Xa-vante haveriam tomado. A auxiliar de en-fermagem não mencionou o motivo que oslevou a pegar o automóvel (protesto contraa Funai dos Xavante da aldeia Felipe, emCampinapólis, porque a aldeia não foi in-serida num programa de produtividade agrí-

17Maria de Lourdes Nosella dedica um capítulo emAs Belas Mentiras sobre como os índios são tratadosnos livros didáticos.

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cola) muito menos que foram apenas algunsíndios de uma aldeia.

O texto é um sermão a todos os Xavante e,por extensão, a todos os índios:

vocês estão melhor do que eu,não pagam impostos, não pagampara morar em suas terras, tudo édado pelo governo (...) Não se la-mentem, não se queixem, entendoas suas dores...

Eu admiro vocês, são tão in-teligentes quanto os brancos, va-mos sentar, vamos dialogar, con-versar, fazer documentos pedindoalgo para lhes beneficiar, não va-mos brigar, isso não leva a nada...(APELO AOS XAVANTES - GA-ZETA - 15/08/97)

Ela apela ao patriotismo dos brasileirospara que o veículo seja devolvido:

Vamos ser bons, compreensi-vos, sábios e inteligentes, encon-trar uma forma amigável de resol-ver este caso. Por favor, devolvamo Toyota, eu vos peço aos caci-ques e lideranças indígenas, ao ad-ministrador da Funai, precisamosde um carro pois a FNS está comtão pouco e ainda perde mais um.O que faremos? Não é meu, não éseu, é do governo, é do País, é dopovo e dos brasileiros que habitamnesta terra que é o nosso Brasil.

Para facilitar a leitura pelos consumido-res de jornais, a imprensa "aportuguesa"osnomes indígenas, divergindo das regras con-vencionadas pela antropologia.

Por essas regras, definidas em 1953 pelaAssociação Brasileira de Antropologia, osnomes de povos indígenas não podem ser fle-xionados nem em gênero nem em número,pois trata-se da identificação de um povo.Assim, Enawenê-nawê se refere tanto a umíndio deste grupo quanto ao grupo todo, di-ferente de "brasileiro", flexionado e em mi-núsculo por possuir diversas culturas, não re-presentando uma unidade.

Entretanto, o Manual de Redação da Fo-lha de São Paulo (1992:81) ensina aos seusjornalistas que nomes de nações, povos e tri-bos indígenas do país são flexionados comoos de qualquer etnia, povo, ou nação. Damesma forma o Manual de Redação e Estilode O Globo (1997:63) repassa aos seus lei-tores que nomes de tribos indígenas são gra-fados no plural. E ainda recomenda o apor-tuguesamento dos nomes indígenas, que de-vem ser grafados sem o "w", "y"ou "k".

No caso da imprensa mato-grossense, háuma falta de convenções. Embora na maio-ria dos casos siga-se as regras definidas pe-los manuais de redações há exemplos de to-tal falta de conhecimento. Os Nambikwaraservem de exemplo. Eles foram grafadosde pelo menos três maneiras: nhambiqua-ras, inhambiquaras e Nambiquaras. Ou seja,ficou livre ao conhecimento do jornalista aforma de se escrever os nomes das naçõesindígenas.

O baixo índice de matérias de opinião re-flete que praticamente não houve no períodoanalisado uma reflexão nas linhas editoriaisdos jornais sobre as causas e conseqüênciasdas lutas indígenas, conforme ressalta Si-queira:

a notícia relacionada com aquestão indígena é sempre factual.

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Sobre ela não há maior reflexão desuas causas e conseqüências que setraduziriam por editoriais, artigosou mesmo as "suítes", ou seja, otratamento continuado dessas ma-térias (1992:227).

Todas as vezes que matérias saíram publi-cadas a respeito dos índios, o homem brancoestava envolvido. E ambos trocavam de pa-péis, de acordo com o episódio, sendo ora oíndio bom e o branco mau e vice-versa. Nocaso da Reserva Sararé os garimpeiros eramos maus porque estavam invadindo uma áreaque não lhes pertencia. Entretanto, quandose amontoaram em Pontes e Lacerda e osNambikwara começaram a se impacientarcom as invasões foram estes que se conver-teram em vilões, deixando de serem víti-mas. Quando os Xavante se manifestam con-tra a hidrovia Paraguai-Paraná eles são en-carnados como protetores da natureza, masquando são acusados de receberem um "sa-lário"da Funai, mudam de personagem.

A grande maioria das matérias se referiuàs reservas indígenas e era explicitada a área,mas sem explicações sobre o porquê da ex-tensão, que é uma área muito menor a anteri-ormente ocupada pelas sociedades indígenase que foi delimitada por brancos. Esse fatoserve para reforçar preconceitos, pois o queum sem terra, um fazendeiro ou mesmo ummorador da cidade vai pensar de mil hectarespara cada índio, sem entender a necessidade?

Essa atitude e o desinteresse dos leitorespodem ser comprovados nas respostas dosjornalistas (ver Anexo I):

O público se interessa muitopouco por índio (...) as editorias er-ram ao dar destaque para esses as-suntos, que só merecem registros.

O leitor quer futebol, boas histó-rias, bons exemplos e, acima detudo, crimes.

Quando os índios estão mor-rendo, mas não ameaçam os bran-cos, o "leitor médio"de jornal nãoquer nem saber.

A sociedade (classe média) écontra o fato de os índios terem re-servas intocadas pela lei. Como amaioria das reportagens dizem res-peito às reservas, há uma reaçãoruim da classe média.

Ou seja, embora as notícias sobre temasindígenas sejam verdadeiras e fidedignas,a "angulação"das matérias deixaram passarpreconceitos (muita terra para pouco índio)e estereótipos (vítimas porque "impotentes"eviolentos porque "selvagens").

6 Método da semana composta

O método da Semana Composta consiste emverificar quantitativamente a constância ouo enfoque de um assunto nos meios de co-municação. Analisa-se o conteúdo veiculadoem um domingo, depois na segunda-feira daoutra semana, depois na terça-feira da se-guinte até se completar todos os dias da se-mana. Esse método tenta evitar viéses quepossam ocorrer em outros métodos. A co-leta das edições do Diário de Cuiabá e de AGazeta foi feita nos mesmos dias.

Em cinco dos sete dias da Semana Com-posta foram registrados quatro notícias euma crônica sobre assuntos indígenas. Emtrês desses dias houve chamadas na primeirapágina, comprovando um certo interesse emse noticiar esse tema. Apesar disso, os doisjornais não trataram do mesmo assunto nas

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edições analisadas, o que poderia ser umconfronto de interesses editoriais.

No dia 03 de março, a Gazeta trazia nocanto inferior direito da primeira página,uma chamada referente à morte do sertanistaCláudio Villas Bôas. Havia uma foto dearquivo (sem legenda) de Villas-Boas comduas crianças índias. O texto, de uma colunae 6,5 cm de altura, reprodução do lead, des-taca a perda que os índios do Brasil tiveram:

Os povos indígenas de todo opaís perderam no último final desemana um dos mais importantessertanistas brasileiro, Cláudio Vil-las Bôas, que, em companhia dosseus dois irmãos, ficou 32 anos naselva fazendo contato com índiosarredios (grifo nosso). Neste pe-ríodo, criaram reservas e defende-ram a causa indígena, inclusive cri-ando a própria Fundação Nacionaldo Índio (Funai) em 1967 e o Par-que Nacional do Xingu.

Na página 3C, do caderno Geral, é desta-cada a importância do Parque Nacional doXingu, criado pelos irmãos Villas Bôas etambém a "Marcha para o Oeste", expediçãodos três irmãos pelo Brasil Central e Amazô-nia que resultou no contato de 21 grupos in-dígenas.

Na quinta-feira, 19 de março, vem à pú-blico a notificação do primeiro caso de Aidsem um índio mato-grossense. A Gazeta trazna primeira página uma caixa18 (4,8 X 10,3cm) logo abaixo do título e ao centro a fotode um Bororo e do administrador regional da

18Chamada para reportagens internas no alto daPrimeira Página e das capas dos cadernos. Editadaentre fios, como uma moldura. Ver anexos.

Funai em Cuiabá, Idevar Sardinha: O Mi-nistério da Saúde notificou o primeiro casode Aids em um índio em Mato Grosso. Emtodo o País, é o quinto caso. A vítima é umbororo.

Na página 01 do caderno Geral é infor-mado aos leitores que a descoberta só foipossível porque dois técnicos do Ministé-rio da Saúde estiveram em Rondonópolispara fazer um levantamento das condições desaúde das aldeias (NOTIFICADO 1o CASODE EM ÍNDIO NO ESTADO). A partir doterceiro parágrafo o enfoque dado é para aelaboração de um programa de prevenção dedoenças sexualmente transmissíveis (DST) eAids em aldeias indígenas. No sexto pará-grafo a matéria alerta que os cinco casos re-gistrados de Aids em índios preocupa porqueapesar do crescente processo de aculturação(grifo nosso) da maioria das 215 etnias dopaís muitas tribos ainda vivem isoladas e nãotêm qualquer contato com os brancos.

Do modo como foi escrito pelo jornalistaele está sugerindo que o "processo de acul-turação"(conceito abandonado pela modernaAntropologia) é benéfico às sociedades indí-genas, pois as "aculturadas"teriam mais fa-cilmente acesso, no caso, à medicina preven-tiva da sociedade envolvente.

A teoria da aculturação acredita que o con-tato interétnico, ou seja, entre sociedades di-ferentes, faz que a cultura "mais fraca"sedescaracterize frente a cultura "mais forte",é uma teoria etnocêntrica19. No exemploda matéria as sociedades indígenas sucum-biriam à branca. Esse conceito foi abando-

19É una visão de mundo onde o nosso própriogrupo é tomado como centro de tudo e todos os ou-tros são pensados e sentidos através dos nossos va-lores, nossos modelos, nossas definições do que é aexistência (Rocha: 1994:07).

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nado pela moderna antropologia tendo emvista que as sociedades podem se apropriarde elementos de outra sociedade sem perderos elementos de sua cultura. Os Xavante e osBakairi, por exemplo, utilizam a escola paraensinar aos alunos índios a visão de mundoprópria de suas sociedades.

Num box o repórter informa que há umalto índice de desnutrição, alcoolismo epneumonia entre os povos indígenas no es-tado. Mas, uma vez mais, não é informadoaos leitores as causas desses três problemaslevados pelos brancos.

A única matéria referente a um grupo indí-gena de outro estado saiu na Gazeta no dia 27de março. O texto foi reproduzido da Agên-cia Estado sobre uma disputa entre duas "fac-ções"dos Quiriri que vivem na reserva deMirandela, a 296 quilômetros de Salvador(BA). A matéria os trata como indisciplina-dos, que precisam de tropas do Exército, Po-lícia Militar e agentes federais (...) para evi-tar um conflito dos quiriris, armados com ar-cos e flechas (CLIMA É TENSO ENTREQUIRIRIS):

Os quiriris brigam pelas terrasde Mirandela desde a década de70. Primeiro entraram em conflitocom fazendeiros e posseiros depoisque a reserva de 12.320 hectaresfoi demarcada em 82 (e legalizadaem 96) começaram a abrigar entresi, disputando cada palmo da área.

Esta matéria junta dois estereótipos muitocomum que se tem sobre os índios: o pri-meiro, de que às vezes eles são violentos eselvagens e o segundo de que possuem maisterras do que precisam para viverem. Ma-ria de Lourdes Nosella observa que esses es-

tereótipos são os mesmos tratados em livrosescolares infantis:

Os textos de leitura apresen-tam descrições desses "selvagens",como "um bando de golfinhos",isto é, como alegres animais ino-fensivos. Ou então, contraditori-amente, como selvagens, capazesde guerras terríveis e cruéis, bárba-ros horríveis e alucinados. (...) Osíndios possuem já uma quantidadede terra suficiente... (1981:192)

O atraso na demarcação da reserva Panaráfoi o assunto da única matéria sobre a temá-tica indígena verificada no Diário. Na pri-meira página, a chamada no canto inferiordireito culpa a Funai pelo atraso. Os ÍndiosGigantes são vistos como vítimas exempla-res dos contatos com os brancos.

Vítimas históricas de pressões,doenças e invasões de terra nosúltimos 25 anos, os panarás co-meçam a se impacientar com ademora. (...) A Funai pre-cisa agilizar a demarcação, por-que está muito difícil agüentar",disse o cacique Aká Paraná, emsua língua. "Se não fizer logo, ascoisas vão piorar"(BUROCRACIAATRASA DEMARCAÇÃO DARESERVA PANARÁ, NO EX-TREMO NORTE)

Num momento raro na imprensa mato-grossense, são os caciques que falam sobreesse problema que eles, os Panará, enfren-tam. O cacique Aká falou na sua língua e foitraduzida para o repórter.

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Dois boxes integram a página B-1. O pri-meiro sobre o livro "Panará A volta dos ín-dios gigantes". O outro, na verdade uma ou-tra notícia, sobre o anteprojeto de cursos uni-versitários indígenas na UFMT e Unemat:

A única expressão do jornalismo opinativoobservada pela Semana Composta foi umacrônica do historiador e membro da Acade-mia Mato-grossense de Letras, Luis-PhillipePereira Leite que versava particularmente so-bre Cândido Rondon. O texto, no caderno decultura do Diário (D-3), não relacionou Ron-don a algum grupo indígena, a não ser porum detalhe:

Filho da índia Claudina, guar-dou pela sua gente pela terra doberço, entranhado amor. (...) Suavida foi marcada por a ascensorialtrajetória de lutas, principalmentepelos sertões que o colocou entreos grandes sertanistas de todos ostempos"(RONDON).

Apesar de ter sido verificado uma certafreqüência de veiculação de assuntos indí-genas por esse método, em nenhum dia amesma notícia foi veiculada pelos dois jor-nais, apontando que geralmente não há inte-resse da imprensa por essa temática.

As duas nações que vivem em MatoGrosso (Panará e Bororo) explicitadas nasmatérias dos jornais são, pode-se dizer, bas-tante conhecidas. Representam para a im-prensa e para a sociedade mato-grossense afigura dos "índios de plantão". Os Panará,que chamaram a atenção da mídia nacionaldesde a época do primeiro contato, em 1973,e da remoção do seu povo para o Parque Na-cional do Xingu para que seu território dessepassagem a BR-163, ligando Cuiabá a San-

tarém. Recentemente voltaram aos noticiá-rios quando, quase extintos, puderam voltara região de origem (Guarantã do Norte) e lu-tar pela demarcação da área. E os Bororo,talvez o povo mais significativo para os cui-abanos já que a capital foi erguida em cimado território dos Coxiponé, um subgrupo dosBororo. Desde o início da imprensa mato-grossense eles foram notícia nos jornais (vercapítulo 01).

A imprensa local, então, só considera no-ticiáveis as sociedades indígenas já conheci-das pela população, descartando e ignorandoas outras, que aí sim só têm espaço em casosexcepcionais, como os Quiriri da Bahia. Osmotivos podem ser falta de interesse dos edi-tores, falta de conhecimento dos repórteres eprecariedade dos jornais em ir atrás dos fatosnoticiosos que ocorram fora da capital.

7 Considerações finais

Pela conferência das matérias dos jornais AGazeta e Diário de Cuiabá, em todas ediçõesno ano 1997 e pelo método da semana com-posta percebeu-se que houve uma constânciana divulgação de informações sobre diver-sas sociedades indígenas no estado de MatoGrosso. Em alguns casos graves, como a ro-tineira ocupação de madeireiros e garimpei-ros na Reserva Sararé, os dois jornais deramampla cobertura, embora o enfoque, às ve-zes, possa ter sido discutível.

Em certa medida, todas as hipóteses le-vantadas na introdução deste trabalho foramcomprovadas.

De fato, os assuntos indígenas são quasesomente ligados a terras, seja demarcação dealguma reserva, ocupações de brancos emterras indígenas ou justamente o contrário.

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Outras questões, como a educação esco-lar e a saúde indígena são tratadas de formaesporádica e sem uma real compreensão dosfatos. Ou seja, não há interesse da mídia emassuntos que não afetem, explicitamente, oseu público consumidor.

A sociedade brasileira conhece pouco etem introjetados muitos estereótipos e pre-conceitos em relação aos povos indígenasdo país. Esta é uma verdade que pôde seraveriguada pelo material noticioso coletadoe analisado nessa pesquisa, uma vez que aimprensa local reflete a sociedade dessa re-gião. Assim sendo, a sociedade envolventese interessa mais pela folclorização dos ín-dios do que pela valorização das identidadesindígenas. Mesmo nas matérias que visa-ram mostrar um pouco a realidade de algumgrupo indígena o mais observado foi a van-gloriação dos índios como "guardiães da na-tureza", "guerreiros"e "vítimas"dos brancos.

Ou seja, apesar de muitas notícias sempreconceitos e uma quantidade até surpre-endente de notícias, no geral as informa-ções, da maneira como foram reprocessa-das e passadas para o público-leitor, servi-ram mais para reafirmar preconceitos e este-reótipos que para esclarecer o consumidor.

Um desses motivos é o descompasso en-tre as informação correntes dos produtoresde notícias e as teorias da moderna antropo-logia. O conceito de aculturação, abando-nado pela antropologia, é um exemplo bas-tante preciso. A falta de especialização dosjornalistas pode gerar ou agravar preconcei-tos ao tratar temas complicados, principal-mente em relação a minorias étnicas ou so-ciais.

Os índios, principais personagens das ma-térias analisadas, quase não foram citadoscomo fonte, comprovando a hipótese que a

imprensa não os ouve. É uma falha gravecometida pela imprensa, pois quando os jor-nalistas vão atrás somente das fontes oficiais(Funai, Polícia Federal e Ministério Público)as notícias têm uma tendência maior de sairenviesada.

A grafia errada dos nomes indígenas pe-los jornais também é outra falha, embora seja"desculpável"nos manuais de redação pelomotivo de pretender tornar mais fácil a lei-tura desses nomes pelo público.

O fato de somente os "índios de plan-tão"(Xavante, Bororo, Panará, Nambikwarae Paresi) serem transformados em notíciasrevela a falta de interesse mas também a pre-cariedade das empresas jornalísticas em co-brir assuntos que exijam um pouco mais detrabalho.

Na prática, como foi averiguado, nãoexiste uma imprensa opinativa que realmentediscuta a questão indígena. O artigo é oúnico espaço dedicado a especialistas, quenão são jornalistas, para debater a temáticaindígena. Mesmo assim só em momentos ex-cepcionais como no caso do assassinato doPataxó Galdino dos Santos, em Brasília, daOperação Sararé II e nas discussões sobre aimplantação das hidrovias Paraguai-Paraná,Araguaia-Tocantins e do Madeira.

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