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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Programa de Pós-Graduação em Educação CENTRO DE EDUCAÇÃO A dialética entre o concreto e o abstrato na construção do conhecimento matemático Luís Havelange Soares João Pessoa, 09 de dezembro de 2015.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Programa de Pós-Graduação em Educação

CENTRO DE EDUCAÇÃO

A dialética entre o concreto e o abstrato na construção

do conhecimento matemático

Luís Havelange Soares

João Pessoa, 09 de dezembro de 2015.

iii

Luís Havelange Soares

A dialética entre o concreto e o abstrato na construção

do conhecimento matemático

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal da Paraíba como requisito parcial para

obtenção do título de Doutor em Educação, sob

orientação da Profª. Drª. Rogéria Gaudencio do

Rêgo.

João Pessoa, 09 de dezembro de 2015

iv

v

Luís Havelange Soares

A dialética entre o concreto e o abstrato na construção

do conhecimento matemático

BANCA EXAMINADORA

vi

Aos meus anjos, Bianca e Gabriel (In memoriam).

Ao meu filho amado Davi.

A minha Lakshmi Alexleide.

Aos meus pais Luiz e Sebastiana.

vii

Agradecimentos

Uma carga de histórias, Com enredos de vitórias, Fruto das trajetórias, Onde a vida me levou. Um contínuo de estreias, Uma trama de ideias, Vindas de muitas plateias. É desse jeito que sou.

Um arranjo em construção, Passado de mão em mão, Erguido em comunhão Com melodia sem fim. Um constructo coletivo Não constante, nem passivo, Mutável, enquanto vivo, A vida me fez assim.

(Luís Havelange)

Penso esse trabalho como uma porção de água a descer pela

margem de um grande rio, numa viagem contínua e longa que só irá

terminar ao encontrar o oceano. No início da caminhada, na nascente

do rio, a porção era diminuta, discreta, sem força. No percurso, desde

os primeiros deslocamentos, diversos afluentes têm contribuído para o

aumento do volume de água. De alguns afluentes vieram águas sujas,

turvas, que foram transformadas; de outros mais significativos, águas

limpas e cristalinas, que deram mais pureza ao volume principal e

mais força à correnteza. É natural que tenha havido obstáculos:

períodos de estiagem, barramentos, sujeira, ... No entanto, a água

persiste em se deslocar, a caminhada continuará na busca incessante

do objetivo final. A cada dia, novos afluentes, com novas águas, com

seus problemas, vão resignificando a correnteza.

Na trajetória da minha formação contribuíram

significativamente muitos afluentes (pessoas), tantos que seria difícil

nomear para agradecer, mesmo porque, muitos deles são anônimos.

viii

Agradeço a todos por fazerem parte da trajetória da minha “enchente”

acadêmica até aqui. Há, porém, outros afluentes tantos, que fazem

parte mais diretamente desse momento especial, e, a estes, gostaria de

agradecer nominalmente por suas puras e transparentes águas.

Muito Obrigado

à minha querida, companheira, amiga e amante Alexleide Diniz,

pelo amor, incentivo, carinho e compreensão, em todos os momentos;

à Professora Rogéria Gaudêncio, minha orientadora, por ter

aceitado a orientação no meio do percurso, por ter acreditado nas

minhas ideias de pesquisa, pelas contribuições significativas para o

desenvolvimento do trabalho, pela responsabilidade com a orientação,

pela competência, por ter me dado a oportunidade de caminhar

juntos;

aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação

da UFPB, pela mediação significativa nas aulas, nos guiando nos

caminhos da construção do conhecimento;

aos meus pais, por terem acreditado na educação como

elemento essencial para a minha vida, buscando desde cedo me guiar

neste caminho;

aos caríssimos professores que concordaram em analisar esta

pesquisa, contribuindo para a melhoria do trabalho, demonstrando

boa vontade e simplicidade acadêmica e tornando possível a conclusão

do estudo.

ao Professor Romero Tavares da Silva, pelas orientações nos

primeiros passos desse trabalho.

ix

aos colegas da turma 32 de doutorado, pelos bons momentos de

convivência e de construção do conhecimento, em especial ao amigo

Aníbal Menezes, pelos significativos momentos de discussões

intelectuais.

Outra vez, muito obrigado.

O autor

x

Resumo

A presente pesquisa, embora discuta a especificidade dos objetos de estudo da Matemática, tendo como foco os conceitos de concreto e de abstrato, não se caracteriza como um estudo ontológico, mas predominantemente epistemológico. Nela analisamos como o concreto e o abstrato são concebidos e se relacionam no processo de ensino-aprendizagem de Matemática. Para isso, consideramos elementos teóricos dos campos da Filosofia; da Educação e da História da Matemática. No âmbito da Educação Matemática, adotamos uma perspectiva construtivista e nossa investigação tem uma dimensão teórica, embora tratemos dos desdobramentos da tese que defendemos para o ensino e aprendizagem de Matemática. Visando ampliar a compreensão de nosso objeto de estudo, bem como sedimentar nossas argumentações, tomamos como fonte complementar de informações, além dos estudos teóricos já realizados sobre a temática, as concepções, crenças e práticas docentes. Procuramos identificar possíveis conexões entre elas e os aspectos conceituais relativos ao concreto e ao abstrato, nos objetos matemáticos e no processo de ensino e aprendizagem. Como instrumento, utilizamos entrevistas semiestruturadas, realizadas com um grupo de sete professores em atuação na Educação Básica, com base nas quais ficaram evidenciadas concepções sobre os conceitos de concreto e de abstrato, próximas do senso comum, sem evidências de promoção de uma relação dialética entre eles, no ensino de Matemática. A maior parte dos entrevistados afirma que a maioria dos objetos matemáticos estudados na Educação Básica é representável concretamente e que estes devem ser associados a objetos manipuláveis materialmente. Defendemos, entretanto, que a concretude de um objeto matemático não está relacionada aos aspectos sensitivos, à materialidade, mas depende de um conjunto específico de elementos e da realização de um processo de ensino que precisa ser pautado em uma relação dialética entre o concreto (seja material ou cognitivo) e o abstrato. Apenas quando atingem a condição de objetos concretos cognitivos e passam a ser passíveis de manipulação mental, constituem um conjunto de saberes prévios que servirão de apoio para a aprendizagem de novos objetos matemáticos a eles associados. Palavras-chave: Ensino de Matemática; Relação concreto e abstrato; Dialética no ensino de Matemática.

xi

Abstract

Although this research discusses the specificity of Mathematics objects of study, focusing on the concepts of concrete and abstract, it is not characterized as an ontological study, but a predominantly epistemological one. We have analyzed how the concrete and the abstract are conceived and how they relate to the mathematics teaching-learning process. Therefore, we have considered theoretical elements from the fields of Philosophy, Education and the History of Mathematics. In the field of mathematics education, we have adopted a constructivist perspective and our research has a theoretical dimension, although we approach the consequences of the thesis that advocate for the teaching and learning of mathematics. Aiming to expand the understanding of our object of study and settle our arguments, we take as an additional source of information, in addition to theoretical studies conducted on the subject, the views, beliefs and practices of teaching. We seek to identify possible connections between them and the conceptual aspects of the concrete and the abstract, in the mathematical objects and in the process of teaching and learning. As a tool, we used semi-structured interviews conducted with a group of seven teachers at work in Basic Education, under which were evidenced conceptions of the concrete and abstract concepts, close to common sense, with no evidence of promoting a dialectical relationship between them in the teaching of Mathematics. Most respondents said that most mathematical objects studied in Basic Education is concretely representable and that they should be associated with manipulated objects materially. We argue, however, that the concreteness of a mathematical object is not related to sensitive issues, to the materiality, but that it depends on a specific set of elements and on the performing of an educational process that needs to be based on a dialectical relationship between the concrete (whether material or cognitive) and the abstract. Only when they reach the condition of cognitive concrete objects and become susceptible to mental manipulation, they form a group of prior knowledge that will support the learning of new mathematical objects associated with them.

Keywords: Mathematics Education; concrete and abstract relationship; Dialectic in Mathematics teaching.

xii

Resumen

Esta investigación, aunque discuta la especificidad de los objetos de estudios de las Matemáticas, teniendo como foco los conceptos de concreto y de abstracto, no se caracteriza como un estudio ontológico, pero predominantemente epistemológico. En dicha investigación, analizamos como lo concreto y lo abstracto son concebidos y se relacionan en el proceso de enseñanza-aprendizaje de Matemática. Para ello, observamos elementos teóricos de los campos de la Filosofía, Educación y de la Historia de la Matemática. El el ámbito de la Educación Matemática, adherimos a un enfoque constructivista y nuestra investigación presenta una dimensión teórica, aunque tratemos de los despliegues de la tesis que defendemos para la enseñanza y aprendizaje de Matemáticas. Con el afán de ampliar la comprensión de nuestro objeto de estudio así como asentar nuestros argumentos, tomamos como fuente complementaria de informaciones, además de los estudos teóricos ya realizados sobre la temática, las concepciones creencias y prácticas docentes. Buscamos identificar posibles conexiones entre ellas y los aspectos conceptuales relativos a lo concreto y a lo abstracto en los objetos matemáticos y en el proceso de enseñanza y aprendizaje. Como instrumento, utilizamos entrevistas semiestructuradas, realizadas con un grupo de siete maestros en actuación en la Educación Básica, con base en las cuales se han evidenciado nociones sobre los conceptos de concreto y abstracto próximas del sentido común, sin evidencias de realización de una relación dialéctica entre ellos, en la enseñanza de Matemáticas. La mayor parte de los entrevistados afirma que la mayoría de los objetos matemáticos estudiados en la Educación Básica es representable concretamente y que estos deben ser asociados a objetos operable materialmente. Defendemos, sin embargo, que la concreción de un objeto matemático no está relacionada con los aspectos sensitivos o con la materialidad, sino depende de un conjunto específico de elementos y de la realización de un proceso de enseñanza que necesita pautarse en una realización dialéctica entre lo concreto (sea material o cognitivo) y lo abstracto. Apenas cuando logran la condición de objetos concretos cognitivos y pasan a ser pasibles de manipulación mental, constituyen un conjunto de saberes previos que actuarán como apoyo para el aprendizaje de nuevos objetos matemáticos que se les asocian.

Palabras clave: Enseñanza de Matemáticas; Relación concreto y abstracto; Dialéctica en la enseñanza de Matemáticas.

xiii

Lista de figuras

Figura 1: Possíveis relações entre as concepções de concreto e abstrato adotadas

no ensino de Matemática. .................................................................................................... 31

Figura 2: Número de professores entrevistados por nível de atuação ......................... 43

Figura 3: Representação do sistema de numeração egípcio ......................................... 71

Figura 4: Notação numérica ligada à escrita Brahmi e seus derivados imediatos. .... 72

Figura 5: Representação de valor do conhecimento. ...................................................... 89

Figura 6: Níveis do pensamento abstrato de acordo com Devlin (2006). .................. 130

Figura 7: Níveis de abstração do conhecimento matemático quando o nível físico é

instancia do primeiro nível de abstração ......................................................................... 132

Figura 8: Níveis de abstração do conhecimento matemático, quando o nível físico

não é instancia do primeiro nível de abstração. ............................................................. 134

Figura 9: Significações atribuídas por um sujeito a um objeto ..................................... 137

Figura 10: Relação entre o sujeito e o objeto ................................................................. 141

Figura 11: Relação entre um sujeito e as suas concepções relativas aos aspectos

concreto e abstrato .............................................................................................................. 142

Figura 12: Estágios do processo de compreensão relativo às concepções de

concreto e de abstrato ........................................................................................................ 143

Lista de Quadros

Quadro 1: Perfil dos professores entrevistados .............................................................. 105

Quadro 2: Classificação dada pelos professores aos objetos ..................................... 110

Quadro 3: Classificação dada pelos professores a alguns objetos da Matemática . 122

Lista de Tabelas

Tabela 1: Lista de palavras mais importantes associadas pelos professores à

matemática concreta e à matemática abstrata ................................................................. 97

xiv

Sumário

I. Educação e Ensino de Matemática ................................... 15

1.1. Introduzindo a temática de nossa pesquisa .................................................... 15

1.2. Onde estamos e onde pretendemos chegar ................................................... 29

1.3. Questões diretrizes da investigação ................................................................... 33

1.4. O caminho da investigação ................................................................................ 34

1.5. O caráter qualitativo da pesquisa ....................................................................... 36

1.6. Escolha dos participantes ................................................................................... 41

1.7. Estrtutura do trabalho ........................................................................................ 43

II. O Concreto, o Abstrato e o Conhecimento Matemático. 45

2.1. O binômio abstrato x concreto ............................................................................ 45

2.2. Como alcançamos o conhecimento? ................................................................. 49

2.3. A concepção platônica: o antes e o depois. ....................................................... 63

2.4. O Logicismo, o Formalismo e o Intuicionismo. ................................................... 80

III.O Concreto e o Abstrato .................................................... 88

3.1. Ampliando nossas discussões .......................................................................... 88

3.2. O Concreto e o Abstrato no ensino de Matemática ............................................ 92

3.3. Equívocos sobre as concepções de concreto e de abstrato na relação com o

conhecimento matemático ...................................................................................... 100

3.4. Os indícios derivados das entrevistas .............................................................. 105

3.5. Caracterização das concepções de conhecimento matemático presentes nas

práticas de ensino ................................................................................................... 107

3.6. Outras concepções para o Concreto e para o Abstrato ................................... 123

IV. ..... Concretização cognitiva do conhecimento matemático

na educação básica ............................................................. 146

Considerações Finais .......................................................... 157

Referências ........................................................................... 164

Anexos .................................................................................. 175

15

I. Educação e Ensino de Matemática

1.1. Introduzindo a temática de nossa pesquisa

Uma das inquietações que nos têm acompanhado ao longo dos mais de vinte

anos atuando como docente de Matemática é a busca de explicações para as

dificuldades que algumas pessoas têm para compreender conteúdos matemáticos,

de tal modo que possam aplicá-los em contextos diferentes daqueles em que foram

originalmente situações em sala de aula.

Desde então, já foram apontados como limitadores desse processo os mais

diversos elementos, a exemplo dos materiais didáticos utilizados; dos modelos de

sistema educativo adotados; da organização curricular; da formação docente; dentre

outros. Compreendemos que cada um deles tem sua importância no processo, mas

mudanças em apenas um desses focos não resolve a maioria dos problemas já

identificados.

Em diferentes épocas, modificações nas concepções sobre o que é

Matemática, sobre seu ensino e sobre as relações externas a ela, transformam

nossas hipóteses sobre os entraves de aprendizagem nessa área. Nossa própria

experiência como estudante de Matemática foi marcada por transformações

pessoais no entendimento dos componentes que a constituem, às vezes em função

dos nossos esforços reflexivos, outras vezes ajudados pelas interlocuções dos

professores.

Nossa experiência como estudante de Matemática na escola básica foi

marcada por uma concepção de Matemática desconectada dos problemas do

cotidiano e, apesar dos bons resultados que obtivemos nas avaliações escolares,

nossas habilidades se limitavam aos contextos explorados na escola, sem

competência para aplicação do conhecimento em outros âmbitos.

Na Universidade nos deparamos com duas vertentes: por uma delas nos

distanciamos ainda mais dos problemas práticos da vida, enveredando pelo caminho

da formalidade da linguagem matemática, sem necessariamente haver a

preocupação de serem estabelecidas ligações entre o que estudávamos e a

realidade. Pela segunda via experienciamos o entendimento de que objetos e

16

fenômenos da vida cotidiana poderiam ser associados a elementos estudados na

Matemática.

Essas questões, que têm como temática principal a especificidade do

conhecimento matemático, têm nos levado a refletir sobre suas consequências para

as práticas de ensino, pois, de acordo com Fossa (1998), Machado (2004) e Silva

(1999), nossas concepções acerca desse conhecimento interferem diretamente na

forma como lidamos com a Matemática, seja como usuários ou como professores da

disciplina.

Nesse conjunto de questões estão: o que são os objetos matemáticos? Qual

a natureza das relações que podem ser estabelecidas entre os objetos matemáticos

e os objetos e fenômenos com os quais lidamos na vida cotidiana? De que forma a

compreensão dessas questões pode auxiliar na melhoria dos processos de ensino e

aprendizagem de Matemática?

Devlin (2006) entende que a diferença entre os processos de pensamentos

usados na vida cotidiana e na Matemática está no fato de que o pensamento

matemático é focalizado em objetos que são, eles mesmos, puras abstrações,

enquanto na vida diária nossos pensamentos, em geral, se centram em objetos reais

ou versões fictícias de objetos reais. Por isso, “para muita gente, a notação

altamente abstrata é um obstáculo à compreensão da matemática” (p.27).

Porém, “[a]s crianças pequenas não têm apenas a capacidade de dominar as

abstrações, mas um verdadeiro instinto de fazê-lo (...) [A] capacidade de lidar com a

matemática é algo básico e fundamental compartilhado por todos os humanos”

(DEVLIN, p.132 e p.289). O destaque de Devlin não é relativo à natureza dos

objetos de estudo da Matemática, mas à linguagem simbólica específica

desenvolvida para representá-los, fazer modelagens com seu auxílio ou operações

com eles.

As discussões acerca dos conceitos de concreto e de abstrato e de suas

relações com o conhecimento matemático estão inseridas em uma conjuntura maior,

em associação com campos diversos de investigações, incluindo os que tratam das

conexões entre Educação e ensino de Matemática. Estariam, assim, indiretamente

imersas na perspectiva ontológica, embora nossa preocupação maior se dê no

âmbito da Epistemologia da Educação Matemática.

17

Como é com base no modelo educacional vigente que fazemos nossas

reflexões e, como em qualquer investigação, trazemos conosco marcas, conscientes

ou não, do modo como compreendemos e concebemos o processo educacional, é

conveniente entendermos alguns elementos epistemológicos da Educação e como o

ensino de Matemática se insere nesse contexto. Não podemos esquecer que todos

esses processos estão continuadamente sendo alterados, assim como nossa

compreensão e concepção acerca da Educação, do que é ensinar e aprender, e do

que é Matemática.

Atualmente é aceita com certa naturalidade a afirmação de que graves

equívocos têm marcado o processo educacional sistematizado na era moderna. Tais

procedimentos são explicados, em parte, por um entendimento equivocado que se

tem sobre a concepção de educação e, de um modo mais restrito, de educação

formal. Se refletirmos de modo mais acurado sobre os objetivos principais da

educação veremos que as distorções começam em considerarmos educação formal

e educação informal como polos opostos, antagônicos e desconexos.

Na adoção de tais posicionamentos não cabe o entendimento e a

compreensão da mudança contínua como parte de tudo e presente em todos os

processos, nem a percepção das ligações entre a escola e a vida. Nessa

perspectiva não há diálogo entre os conhecimentos científicos historicamente

construídos e os saberes da prática cotidiana, que entendemos ser imprescindível.

Não enxergamos a possibilidade de termos uma relação dialógica entre educação

formal e educação informal, triunfando as concepções que as colocam em campos

opostos.

Este fato é evidenciado por várias pesquisas (CARRAHER, et al, 2006;

GIARDINETO, 1999; FERNANDES, 2004) que trazem indicativos de que, nas

práticas escolares, parece prevalecer a concepção de que há dois mundos distintos

e incomunicáveis: o mundo da escola, organizado em torno de atividades muitas

vezes dissociadas da realidade; e o mundo externo a ela, onde estão presentes as

atividades cotidianas, o trabalho, as relações sociais, o lazer, no qual ocorrem

fenômenos simples e complexos, mas sem reflexos na educação escolar.

No caso particular do ensino de Matemática, nossa área de investigação, este

se faz,

18

[...] tradicionalmente, sem referência ao que os alunos já sabem. Apesar de todos reconhecermos que os alunos podem aprender sem que o façam na sala de aula, tratamos nossos alunos como se nada soubessem sobre tópicos ainda não ensinados. (CARRAHER, et al, 2006, p.21)

Conceber a educação formal sob este enfoque é ignorar a história e as

relações sociais do indivíduo; é não considerar as construções cognitivas do sujeito

realizadas antes de sua inserção no espaço escolar, em ambientes educacionais

informais. Entendemos, porém, que a separação entre formal e informal centra-se,

predominantemente, na esfera organizacional, uma vez que defendemos serem tais

conceitos complementares e indissociáveis.

Compreendemos que só faz sentido nos referirmos à educação formal pela

existência da educação informal e que as práticas de ensino na escola devem ter

como ponto de partida os saberes prévios, construídos também no âmbito da

educação informal, que ajudam no desenvolvimento pleno das potencialidades dos

estudantes.

Se uma das maiores contribuições da educação formal no processo de

formação do indivíduo reside no desenvolvimento de uma compreensão do mundo,

com criticidade, então devemos supor a existência de uma escola que contribua

para tal. Nesse sentido, concordamos com Hannoun (1997, p.15), quando ele

enfatiza que “a educação formal deve contribuir para que o homem se torne

decididor de si mesmo”. É assentado nesse princípio que afirmamos ser a educação

o andaime que possibilita ao indivíduo a ascensão para patamares sociais mais

justos.

No entanto, a partir da mudança de concepção acerca das finalidades da

educação, especialmente a partir do século XVII, a escola passou a ser entendida

como espaço dissociado do contexto do educando, ignorando o saber originado nas

relações sociais e na cultura. Com isso, as práticas docentes foram, sob nossa ótica,

reduzidas, pois se tirou delas um aspecto que se constitui como fundamental nos

processos de ensino, na perspectiva construtivista que adotamos: a (re)criação.

O que se tem percebido, e nos parece estabelecido quase como regra, é um

ambiente de ensino que se resume ao desenvolvimento de atividades que não

consideram as relações entre o conhecimento escolar e o mundo, entre os saberes

institucionalizados (científicos) e os conhecimentos da vida.

19

É pertinente o questionamento de Fagundes et al (2000) sobre o estado atual

da educação formal para as novas gerações. Para eles, a escola é a instituição

destinada a garantir educação às crianças e aos adolescentes, mas tem se

constituído num lugar onde grupos diversificados de "especialistas" tentam transmitir

conjuntos estanques de informações a grupos de alunos dos quais se espera que

aprendam as mesmas coisas em um mesmo tempo. Porém, como o processo de

aprendizagem se dá de modo idiossincrático, o modelo de ensino é fragilizado,

tendo em vista a uniformização que se faz de todo o processo.

Hannoun (1997) afirma que

[E]ducar, no sentido formal do termo, é recusar a onipotência das determinações biológicas e ambientais como construtoras da personalidade atual e futura do homem e, correlativamente, permitir que esse acrescente sua própria marca à construção do seu destino (HANNOUN, 1997, p.14).

Ou seja, a educação, em um sentido amplo, contrapõe-se a uma perspectiva

determinista e cria a possibilidade de escolhas não apenas para o que somos, mas

também para o que desejamos ser. A contribuição mais importante da educação

formal reside na possibilidade que o indivíduo tem de compreender melhor o mundo,

as relações sociais e a sua cultura, considerando uma organização e

intencionalidade próprias da escola. E mais do que apenas compreender, os

conhecimentos escolares deverão auxiliar o indivíduo a atuar criticamente no mundo

e transformá-lo.

Porém, essa visão de educação, que, no nosso entendimento, deveria dar

destaque à relação entre o conhecimento escolar e o cotidiano, tem encontrado

barreiras para se desenvolver em nossa sociedade, na medida em que ela contribui

para a formação de um indivíduo mais focado em ter do que a ser, valorizando

sobremaneira a posse de bens, sejam eles materiais e/ou intelectuais.

Além disso, a escola, por se constituir num reflexo da sociedade, reforça tais

concepções, gerando efeito contrário ao que defendemos como ideal. O espaço

escolar instituído, que deveria ser o ambiente de práticas combativas a essas

concepções, termina por reforça-las. Isso se dá em razão dos problemas que

ocorrem em diferentes pontos do processo, ou seja, na seleção de metodologias de

ensino, na formação docente, na estrutura curricular, dentre outros.

20

De um modo mais direto, as concepções de educação, aliadas a modelos

sociais excludentes e injustos, plantam um modelo de escola que não corresponde

ao que defendemos, na direção de uma sociedade mais humanizada e justa. Sobre

isso, são esclarecedoras as considerações de Foucault (2011), ao afirmar que,

(...) o espaço escolar é uma máquina de aprender, mas também de vigiar, hierarquizar, recompensar. As sanções escolares e os exames são expressões do par fundamental poder-saber, cujos comandos estão nas mãos do mestre, visto que o exame combina a técnica da hierarquia que vigia com a da sanção que moraliza (FOUCAULT, 2011).

Na direção do que critica esse autor, as questões estruturais devem ser

particularmente consideradas, no debate que tem por objetivo maior uma educação

de qualidade. Na avaliação do modelo educacional vigente, têm tido grande peso as

respostas dos aprendizes, comparadas a padrões desejáveis, previamente definidos

para todos. Assim, o que deve ser ensinado, é escolhido e hierarquizado pelos que

ensinam ou gerenciam os sistemas educativos, independentemente das condições

estruturais, culturais, sociais e funcionais daqueles que precisam aprender. Os

critérios dessa escolha visam proporcionar uma base de fundamentos comuns para

qualquer profissão futura e, na melhor das hipóteses, formar o cidadão.

Essa estrutura educacional, no entanto, tem-se mostrado ineficiente,

considerando-se os padrões propostos ou outros, de cunho mais social. Os

resultados de avaliações de grande porte apontam que os alunos não têm aprendido

sequer uma pequena fração do que se lhes pretende ensinar e, além disso, tornam-

se incapazes de aplicar o pouco que aprendem na escola em espaços e situações

extraescolares ou diferentes das que foram originalmente apresentadas a ele. Os

professores não recebem ajuda para compreender os problemas de aprendizagem

de seus alunos e entender por que o fracasso, a violência e o desinteresse se

converteram em elementos do quotidiano nos ambientes escolares formais.

É compreensível que qualquer proposta inovadora, que tenha como objetivo a

transformação positiva desse quadro, seja recebida com muita esperança. No

entanto, há o risco de se gerar grandes equívocos, como resultaram, por exemplo,

muitos projetos educacionais desenvolvidos com base no uso de novas tecnologias,

concebidos como a salvação para problemas ligados ao ensino, em especial nas

últimas décadas do século passado e começo deste século.

21

Tais projetos demandaram grandes investimentos em muitos países,

contribuindo para a informatização de algumas escolas, mas sem consequências

significativas para a aprendizagem dos estudantes.

A tecnologia, apesar de ser essencial à educação, muitas vezes pode levar a projetos chatos e pouco eficazes. Mas por que isso acontece? As causas são muitas. Nem sempre é por incompetência ou má vontade dos profissionais envolvidos, sobretudo professores. A análise de vários casos já relatados em pesquisas e publicações na área da educação mostra alguns problemas recorrentes, que estão na base de muitos fracassos no uso das tecnologias mais atuais na educação. (KENSKI, 2007, p.56-57)

Usar as tecnologias recentes para repetir os procedimentos que ocorriam na

escola antes de tais recursos, provavelmente não alterará o estado atual, em termos

de ensino e aprendizagem. O fundamental é descobrir como usar esses artefatos ou

qualquer outro recurso de ensino para alcançar resultados que promovam a

melhoria desse processo, considerando suas potencialidades específicas, mas,

também, levar em conta as características singulares de quem aprende e do

conhecimento a ser aprendido.

Em nosso entendimento, a Matemática, que é integrante comum da base de

formação educacional do indivíduo e que se caracteriza como um campo de saber

essencial, ainda mais nos dias atuais, tem sido uma disciplina contemplada com

grandes equívocos nas práticas educacionais. Para exemplificar podemos destacar

o pouco uso de novas tecnologias nos processos de ensino da disciplina, fato que se

explica, como afirma Kenski (2007), por razões diversas, como a formação docente

inadequada, limitações estruturais, dentre outras.

Além disso, entendemos que as relações com o conhecimento matemático,

tanto por parte dos que ensinam quanto dos que buscam aprender, influenciam as

formas como ocorrem os processos de ensino e aprendizagem de Matemática,

tendo sido investigado, em nosso trabalho, particularmente o primeiro elemento.

Como exemplo, destacamos, mais uma vez, o distanciamento entre a

Matemática escolar e a realidade, fato que pode ser analisado por diferentes

vertentes, desde a concepção platônica sobre o conhecimento até correntes atuais

que tentam dar sustentação teórico-filosófica à Matemática, como veremos adiante.

Não é de hoje que práticas de ensino de Matemática se prendem à

concepção de que Matemática é uma ciência puramente abstrata, não

22

podendo/devendo ser associada, por essa razão, à intuição e ao mundo material,

negando-se, em alguns casos, até mesmo a possibilidade de representação de

elementos desse campo. Essa visão de Matemática histórica e socialmente neutra, e

dada como pronta e acabada, pode favorecer a ideia de que só pessoas

particularmente inteligentes poderiam ter acesso aos conhecimentos desse campo.

Tal concepção, somada a outros mitos que permeiam essa área de

conhecimento, explica episódios que testemunhamos atuando como professor de

Matemática em escolas públicas e privadas no estado da Paraíba, na Educação

Básica, nos quais constatamos os desafios que se apresentam para os docentes

desta disciplina, no que se refere à busca de estratégias que favoreçam uma

aprendizagem satisfatória, em particular de alguns conteúdos.

Sobre essa temática, diversos estudos (FIORENTINI, 1995; CURY, 2001a;

FIORENTINI & LORENZATO, 2006) já foram desenvolvidos, evidenciando que, na

prática, há uma contradição entre o que temos feito e o que se lê nas

recomendações oficiais, quando estas defendem que

[E]m seu papel formativo, a matemática contribui para o desenvolvimento de processos de pensamento e a aquisição de atitudes, cuja utilidade e alcance transcendem o âmbito da própria matemática, podendo formar no aluno a capacidade de resolver problemas genuínos, gerando hábitos de investigação, proporcionando confiança e desprendimento para analisar e enfrentar situações novas, propiciando a formação de uma visão ampla e cientifica da realidade, a percepção da beleza e da harmonia, o desenvolvimento da criatividade e de outras capacidades pessoais. (BRASIL, 1999, p.251).

Para os estudantes que já gostam de Matemática, o modo como o professor

conduz a aula, a metodologia ou os materiais didáticos utilizados, talvez não

promovam muita interferência quanto provocam esses elementos naqueles que

apresentam deficiências de aprendizagem na área e que, infelizmente, constituem

uma grande parcela dos estudantes1, como evidenciam as avaliações de massa

realizadas no país. A despeito das limitações que tais sistemas de avaliação

1Os resultados das avaliações de desempenho dos estudantes da educação básica na área de

matemática, sejam estas nacionais ou internacionais, mostram uma defasagem de aprendizagem. Nos resultados oficiais do último Pisa (2012), entre os 65 países comparados, o Brasil ficou em 58º lugar em matemática e na Prova Brasil (2011) a média em matemática na terceira série do Ensino Médio, ficou abaixo do mínimo recomendado para essa etapa de ensino (PISA, 2012; BRASIL, 2011).

23

apresentam, os resultados apontados não são favoráveis em relação à

aprendizagem matemática.

Entendemos que as questões metodológicas, assim como as concepções que

o professor de Matemática tem acerca de como são elaborados os conhecimentos

desse campo, são importantes e podem interferir no desempenho de muitos

estudantes. Parece-nos que, da forma como está posto o ensino, os educandos

realizam as atividades matemáticas propostas (exercícios, testes, provas) apenas

para atender às exigências impostas pelo processo de aprovação.

O resultado, em sua maioria, tem sido a prevalência da memorização

ocasional para uso imediato em uma avaliação, em geral individual e escrita,

envolvendo o domínio de fatos e procedimentos do tipo padrão. Precisamos

entender, porém, que aprender Matemática

[D]eve ser mais do que memorizar resultados dessa ciência e a aquisição do conhecimento matemático deve estar vinculada ao domínio de um saber fazer matemática e de um saber pensar matemático (BRASIL, 1998, p. 252).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Matemática, já no fim do

século passado enfatizavam que, em face de temas complexos da sociedade atual,

alguns elementos ganham importância e devem ser contemplados no ensino. Como

exemplos são destacados, a mídia, as calculadoras e o computador, definidos como

recursos que permitem a abordagem de problemas com dados reais, requerendo

habilidades de seleção e análise de informações. (BRASIL, 1998, p.258).

Essa reflexão se faz necessária uma vez que a qualidade do ensino de

Matemática no Brasil vem sendo questionada com veemência. Os dados relativos à

educação brasileira evidenciam que, ao longo do tempo, a Matemática tem sido uma

das disciplinas com os mais baixos índices de aprendizagem (BRASIL, 2011; PISA,

2012; BRASIL, 2014). Tais índices manifestam-se na exclusão de muitos

estudantes, que repetem anos de estudo e, às vezes, até abandonam a escola, por

se sentirem desinteressados, incapazes e até desenvolverem um certo medo2 de

2 Há diversas pesquisas relacionadas ao “medo” ou “fobia” à Matemática: Papert (1988) chama de

matofobia o fator que “impede muitas pessoas de aprenderem qualquer coisa que reconheçam como Matemática, embora elas não tenham dificuldade com o conhecimento matemático quando não o percebem como tal”. (PAPERT, 1988, p. 21). Felicetti (2007) estudou a matofobia em sua dissertação de mestrado, identificando-a como uma questão cultural. Ela concluiu que os estudantes não gostam ou tem medo da matemática, geralmente porque não a entendem. Segundo ela, entre as

24

estudar matemática, em razão, dentre outras coisas, dos resultados obtidos por eles

nessa área de conhecimento.

Porém, mesmo entre aqueles que conseguem aprovação nas avaliações

escolares, nem sempre há garantia de uma aprendizagem matemática efetiva, ou

seja, baseada na compreensão e aplicável a contextos diferentes dos explorados em

sala de aula. Tais características são apontadas por Muniz (2007), ao afirmar que,

em uma visão mais geral do ensino de Matemática na Educação Básica, a avaliação

é restrita à produção escrita do aluno, produção esta que se limita à reprodução

mecânica de procedimentos e estratégias apresentadas pelo professor. Nessa visão,

o sucesso está atrelado à capacidade do aluno em dar as respostas esperadas pelo

professor (MUNIZ, 2007, p. 70).

Para Muniz (2007), essa redução da avaliação à produção matemática escrita

como resposta a uma determinada expectativa é, no mínimo, um fator limitante do

potencial do aluno para fazer Matemática. Como resultado dessa visão reducionista,

o estudante produz uma concepção equivocada do que é Matemática, uma vez que

o pensamento matemático é muito mais amplo e, certamente, mais rico do que

aquele retratado exclusivamente no tipo de produção escrita citado.

Mesmo os bons alunos em Matemática têm uma visão muito limitada da mesma. Manipulam corretamente a Aritmética, a Álgebra, mas apresentam dificuldades de relacioná-la com situações do dia-a-dia, e sentem limitações em atividades que requerem o pensar. Isto nos faz perceber que a Matemática vem sendo trabalhada de uma forma muito descontextualizada, desarticulada do pensar, do fazer e compreender, mas sim de forma decorada, instrucionista e, principalmente, algebrista3 (FELICETTI, 2007, p.45).

Essas reflexões apontam para a necessidade de o professor conceber outra

concepção para o conhecimento matemático que demanda, necessariamente, outra

postura metodológica, outros espaços e formas de produção e avaliação da

capacidade dos alunos fazerem Matemática, que não sejam unicamente via

instrumentos tradicionais de avaliação escrita. Essa prática nega ou, minimamente,

falseia, a real capacidade do aluno para pensar matematicamente, assim como essa

possibilidades de melhora, indicadas por docentes que obtiveram maior êxito no ensino da disciplina, está o desenvolvimento do ensino sob diversos enfoques. 3 Termo usado, segundo a autora, no sentido pejorativo, para designar aquele que complica, impõe a

Matemática a decorebas e repetições sem sentido, e não ao matemático algebrista em si.

25

exclusividade faz com que ele desenvolva uma visão equivocada da Matemática,

enxergando-a como um conjunto de produções exclusivamente formais, sem ligação

com o mundo real.

Porém, as mudanças na forma de avaliar devem ser associadas a outras

transformações, relativas aos procedimentos de ensino. Nesse âmbito, sabemos que

há fatores, inclusive externos à escola, que possibilitam inovações e que culminam

em propostas educacionais sustentadas por resultados de pesquisas, bem como

podem promover uma renovação dos materiais a serem utilizados em sala de aula e

o seu acesso aos alunos. Prova disso são as reformulações (atualizações) que

ocorrem nos livros didáticos para atender às orientações didático-pedagógicas

predominantes nas orientações oficiais que regulam, por exemplo, o Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD).

Uma análise nos estudos sobre a educação escolar no Brasil indica que, em

cada época, há uma forte relação entre o tipo de material utilizado nas práticas de

ensino (cartilhas, apostilas, livros, dentre outros) e as concepções que se tem de

educação e ensino. Valente (1999) destaca que a Matemática escolar no Brasil, sob

a forma de um campo específico de conteúdos, seguiu uma trajetória orientada por

modelos distintos.

Esse percurso pode ser demarcado a partir do século XVIII, com a introdução

de conteúdos matemáticos necessários para resolver problemas ligados às

atividades militares, período em que se tem registro das primeiras orientações sobre

conteúdos de Matemática em livros texto utilizados no Brasil. Passa, depois, pela

preocupação com a elementarização4, quando já se tem a instituição escolar e a

sequenciação dos conteúdos, dentro de um tempo e um espaço previamente

definidos, até a passagem de uma concepção de Matemática inserida na cultura

geral escolar, que aconteceu a partir das primeiras décadas do século XX, sob a

influência, no país, de discussões educacionais externas e internas.

4Termo utilizado para demarcar um período em que os livros didáticos, diferentemente dos primeiros

livros de matemática utilizados (com poucos conteúdos, destinados exclusivamente aos cursos militares), passaram a contemplar um conjunto amplo de conteúdos elementares de matemática, ganhando independência com uma relativa autonomia em relação aos cursos destinados às práticas militares. (VALENTE, 1999)

26

Para exemplificar a interferência no sistema de ensino de correntes externas

de pensamento5, citemos o Movimento da Matemática Moderna (MMM), implantado

durante as décadas de 1960 e 1970, e que provocou diversas mudanças na

estrutura então existente, em particular na definição dos conteúdos a serem

valorizados, os quais eram materializados nos livros didáticos da época. A

linguagem algébrica formal, baseada em elementos da Teoria dos Conjuntos,

predominava, minimizando-se os apelos à intuição.

No entanto, as mudanças propostas naquele modelo, e que se impuseram

nos livros didáticos, nas metodologias de ensino, na estrutura curricular e na

formação dos professores, dentre outras, não apresentaram os resultados

desejados, como já observava Kline (1976) à época, mas deixaram resquícios que

ainda hoje podem ser observados nos âmbitos aqui destacados.

Porém, apesar dos resultados negativos daquela proposta, por razões as

mais diversas e que não nos cabe aqui aprofundar, defendemos o intercâmbio de

ideias, a troca de experiências e o acesso a propostas de ensino que apresentem

resultados promissores fora do país, mas tendo-se o cuidado de atendermos às

especificidades de nossa realidade, antes de assumirmos projetos que possam não

ser adequados e gerar mais problemas do que soluções.

De qualquer modo, entendemos como urgente a elaboração de propostas que

possam auxiliar a mudar o quadro atual do processo de ensino e aprendizagem de

Matemática no Brasil. O que se presencia, por meio dos resultados das pesquisas

de desempenho nacional e internacional de nossos estudantes, em Matemática,

bem como em sala de aula, é uma realidade distante das propostas presentes nas

diretrizes educacionais apresentadas nas duas últimas décadas.

Os resultados do SAEB/PROVA BRASIL no ano de 2010 (BRASIL, 2011)

indicaram que, em Matemática, a média alcançada pelos alunos dos anos iniciais do

Ensino Fundamental foi de 209 pontos; 250 pontos pelos alunos dos anos finais do

Ensino Fundamental; e 273 pontos pelos do Ensino Médio. Isso significa que, nos

anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, no geral, os estudantes encontram-se

nos níveis 4 e 5, respectivamente, de uma escala de 13 níveis. Já no Ensino Médio,

os estudantes encontram-se no primeiro nível de uma escala de cinco níveis da

avaliação.

5 Estamos considerando como “correntes externas de pensamento” aquelas oriundas de outras

nações, aplicadas em seus sistemas escolares e copiadas para o sistema de ensino brasileiro.

27

Tais resultados, de acordo com os critérios das avaliações oficiais, indicam

que a maioria dos estudantes não atinge níveis de aprendizagem adequados ao

término das diferentes etapas da Educação Básica, considerando-se o domínio de

conteúdos matemáticos específicos mínimos, indicados para cada uma delas.

Talvez os exames evidenciassem uma realidade ainda mais preocupante, caso

fosse analisado o atendimento às exigências de demandas formativas

contemporâneas, como a criticidade e a criatividade.

Diante de tais limitações, novas ferramentas e abordagens pedagógicas são

propostas como possibilidades de transformações, buscando ativar a curiosidade e a

motivação dos alunos, para dinamizar o ensino e diminuir a distância entre eles e o

conhecimento. Uma tendência mundial de pesquisa é a proposição de atividades

que promovam a interatividade entre o aprendiz e o objeto do conhecimento, uma

vez que tal interação potencializaria a elaboração de novos saberes. Tal perspectiva

está coerente com o pensamento de Almeida & Martins (2001), ao afirmarem que,

diante do atual contexto escolar brasileiro, os educadores necessitam de alternativas

pedagógicas que auxiliem o processo de ensino/ aprendizagem de forma mais

eficiente.

Ações interativas poderiam ser proporcionadas pelo uso de novas tecnologias

ou outros tipos de recursos didáticos, a exemplo de materiais manipuláveis e jogos,

ou ocorrer em atividades de modelagem, resolução de problemas, dentre outras

possibilidades. No entanto, defendemos que qualquer estratégia metodológica que

se utilize necessita estar aliada a uma mudança de concepção acerca do

conhecimento matemático, no qual a relação entre o concreto e abstrato, conceitos

centrais de nossa discussão, se dê de forma dialética, o que tratamos de forma

detalhada adiante no texto.

Essa ligação entre a metodologia de ensino e a especificidade - em termos de

nível de concretude -, do conceito ou do objeto matemático que se pretende ensinar,

definirá, por exemplo, o tipo de material didático a ser utilizado. Eventualmente, o

ensino de um conteúdo matemático (ou objeto matemático) demanda mais de um

recurso didático.

A tese que defendemos é que o professor precisa compreender a

especificidade da natureza do objeto matemático que pretende ensinar e adotar

28

metodologias de ensino que levem em consideração a dialética entre concreto e

abstrato relativa a esse objeto.

O concreto e o abstrato, que são os elementos centrais da nossa pesquisa,

serão aqui antecipados, de modo sintético, apenas para apresentarmos nosso

posicionamento de defesa de que os processos de ensino de Matemática na escola

básica sejam iniciados a partir das significações que o estudante já possua do objeto

a ser estudado, buscando-se avançar nos aspectos novos para ele, e ainda

incompreensíveis.

Consideramos nesse percurso que, para o sujeito, o nível de concretude de

um objeto matemático é mensurado pelos elementos, as particularidades, as

propriedades e os conceitos que já foram compreendidos. O abstrato, por outro lado,

se configura nas especificidades e características que ainda não foram

compreendidas e que, futuramente, possibilitarão a elaboração de um segundo nível

de concretude.

Compreendemos que o desenvolvimento desse entendimento sobre o

concreto e o abstrato, inseridos em um processo dialético que os abarque, em um

continuum, se fortalecerá na medida em que os tratarmos, considerando as

perspectivas da teoria e da prática. Nessa direção, podemos dizer que é na

abstração que são exploradas especificidades que não detectamos no concreto

inicial, pois este, em princípio, se apresenta de modo cognitivamente caótico, de

modo diferenciado e com características que dependem do objeto matemático em

estudo.

Acreditamos, porém, que é a partir de uma compreensão acurada da

especificidade do objeto matemático, em termos de possíveis relações com o

concreto, que a escolha do tipo de material didático será definida e os ganhos de

aprendizagem serão maximizados. Por isso, não se pode concluir por um

determinado material como ideal para o ensino de qualquer conceito matemático.

Para um conteúdo, os recursos tecnológicos poderão ser mais indicados e, para

outro, os materiais manipuláveis ou jogos.

29

1.2. Onde estamos e onde pretendemos chegar

Buscando responder à defasagem de aprendizagem matemática, muitos

professores têm discutido soluções e elaborado alternativas metodológicas, as quais

têm sido apresentadas em encontros regionais, nacionais e internacionais da área.

O ensino que prevalece nas escolas básicas tem reforçado a concepção de que a

Matemática é compreendida por um aglomerado de conceitos desconexos; sem

justificativa prática; pré-determinados; eternos; imutáveis e já acabados. Tal

entendimento desencadeia uma concepção de que a Matemática é puramente

abstrata, desvinculada da realidade e de difícil compreensão.

Aliada a essa concepção, acompanhamos a inclusão de novos conteúdos na

progressão dos anos de escolarização, quase sempre de forma justaposta a seus

precedentes, sem que haja relação entre eles. Os saberes prévios dos estudantes

sejam da educação formal (escolar) ou da educação informal (culturais, sociais,

entre outras), são desconsiderados, seguindo-se uma concepção linear de

apresentação dos conteúdos, em “gavetas” hierárquicas e incomunicáveis.

Esse fato tem sido minuciosamente estudado por pesquisadores como Cury

(2001), que discute o porquê da aleatoriedade dos procedimentos de ensino até

mesmo nas próprias disciplinas dos cursos de Licenciatura em Matemática. Parece-

nos pertinente o pensamento de Muzzi (2004), ao indagar

[...] não é hora de buscarmos ressignificar a Matemática com a qual trabalhamos? [...] Não é hora de buscarmos uma Matemática que instrumentalize o cidadão para atuar e transformar a realidade em que vive? Uma Matemática crítica, que o ajude a refletir sobre as organizações e relações sociais? Uma Matemática próxima da vida, útil, compreensível, reflexiva? Uma Matemática que não se mostre perfeita, infalível, mas que seja capaz de ajudar a encontrar soluções viáveis? (MUZZI, 2004, p. 39).

Refletir sobre essas questões corresponde a buscar um ensino de

Matemática que não só desenvolva nos alunos a capacidade de interpretar como

esse campo de conhecimento pode influenciar sua visão de mundo, mas, também,

possibilite compreender a conexão entre a Matemática e a realidade; sua

importância no contexto histórico, até os dias atuais; e a forma como os

conhecimentos dessa Ciência vão surgindo, evoluindo e sendo sistematizados.

30

É nesse âmbito que pretendemos contribuir ao colocar em destaque a relação

abstrato/concreto, os desdobramentos que se faz a partir dela e, também, suas

consequências para o ensino de Matemática na Educação Básica. Defendemos que

o tipo de material didático a ser utilizado pelo professor durante as aulas de

Matemática deve estar em consonância com a relação entre concreto e abstrato que

o objeto matemático em estudo demandar.

Assim, se lidamos com objetos matemáticos cujas representações são

facilitadas pelo uso de recursos tecnológicos, como é o caso das figuras

geométricas, das funções, ou outros, esses podem se constituir como elementos

essenciais, configurando-se como ferramentas de promoção do estreitamento da

relação abstrato/concreto e o fortalecimento da compreensão de conceitos

matemáticos.

Para tanto, o professor deve ter conhecimento epistemológico dos objetos de

estudo da Matemática para compreender que a relação do objeto com o concreto

material (real) varia de objeto para objeto. Consequentemente, os materiais a serem

utilizados nos processos de ensino, com o intuito do fortalecimento dessa relação,

deverão também ser diversos.

Mas, com base em nossa experiência profissional, identificamos em alguns

colegas concepções superficiais e pouco claras acerca dos conceitos de abstrato e

de concreto relacionadas ao conhecimento matemático, próximas do senso comum.

Observamos, ainda, uma antecipação prematura de aspectos abstratos da

Matemática básica, sem que tenham sido promovidas as ligações possíveis com

representações concretas de conhecimentos dessa área, contribuindo para a

geração de problemas de aprendizagem nesse nível de ensino.

A Matemática, entendida como uma ciência totalmente abstrata, que precisa

se distanciar do concreto, baseia-se no pressuposto de que, ao dominar os aspectos

abstratos de um conceito matemático, serão entendidos os objetos da realidade (o

concreto) que podem a ele ser associados. Essa concepção vê o abstrato e o

concreto como dois elementos opostos, defendendo-se que o primeiro é o ponto de

partida para a compreensão do segundo.

Por outro lado, há quem defenda que é partindo do concreto que se atinge o

nível de abstração matemática, interpretando-se essa orientação no sentido de que

sempre seria preciso associar os conteúdos matemáticos a objetos materiais

31

manipulativos e/ou a situações de aplicação imediata. Também aqui as concepções

de concreto e abstrato são antagônicas e o ensino é direcionado numa única via.

Nesses dois modelos de pensamento, o ensino de Matemática segue o

esquema cartesiano de conhecimento, qual seja, segue uma sequência linear, com

partes desconexas, tanto em termos de conceitos específicos da Matemática como

em no que se refere à própria relação entre concreto e abstrato.

Desse modo, entendemos haver um reducionismo das possibilidades de

compreensão dos conceitos matemáticos, tendo em vista a consideração de um fim

em si mesmo, disseminando a ideia de uma Matemática estanque e acabada, não

contribuindo para uma dialética entre o abstrato e o concreto, que, no nosso

entendimento, permeia o conhecimento matemático e é fundamental para um melhor

entendimento dos conceitos da área.

A partir de tais entendimentos sobre o modo de conceber o concreto e o

abstrato e que possivelmente estão impregnados nas práticas docentes de ensino

de Matemática na Educação Básica, produzimos a síntese descrita no modelo

apresentado na Figura 1, que, em linhas gerais, apresenta as duas vertentes que

distinguimos em relação ao conhecimento matemático.

Figura 1: Possíveis relações entre as concepções de concreto e abstrato adotadas no ensino de Matemática.

Fonte: Autoria própria

Em uma análise como esta tem que ser levado em consideração o aspecto da

não totalidade. Quando apontamos esses dois vieses para representar as possíveis

concepções de abstrato e de concreto no ensino de Matemática básica, não

32

devemos esquecer que existem professores de Matemática, educadores e

matemáticos que, assim como nós, defendem em suas práticas e concepções um

ensino no qual a construção de conhecimento se dê de modo diferente desses dois

modelos. Nos Capítulos seguintes de nosso trabalho aprofundaremos os elementos

filosóficos dessa discussão.

Direcionamos nossa investigação para a relação entre concreto e abstrato,

defendendo que ela esteja envolvida em uma concepção dialética, onde se entenda

que as descontinuidades entre os objetos da Matemática e os da realidade (o

concreto) existem, mas, variam em intensidade para cada objeto de estudo da

matemática. Para alguns objetos matemáticos essa descontinuidade está posta de

forma quase que imediata; para outros, ela se torna tão sutil que, às vezes,

negligenciamos e nos referimos aos elementos do concreto como sendo, eles

próprios, os objetos matemáticos.

Porém, entendemos que o pensamento abstrato deve servir para dar maior

compreensão à realidade, que nunca se apresenta em sua forma acabada,

descortinada, e o concreto deve auxiliar essa abstração. Nessa perspectiva, as

concepções de concreto e abstrato são apresentadas de modo diferente, numa

relação estreita e mútua, possibilitando a atribuição de sentido ao conhecimento e

ao processo de aprendizagem matemática.

Nessa perspectiva, a concepção que iremos adotar relativa ao ‘concreto’,

abrange não somente o concreto material, real, manipulável, mas considera que, a

partir do momento em que um objeto matemático é compreendido, os elementos

abstratos das relações desse objeto com o conhecimento já estruturado

cognitivamente, deixam de ser abstratos e se tornam um concreto cognitivo,

passando a ter existência para o indivíduo.

Nossa proposta é que o ensino de Matemática seja desenvolvido a partir de

uma visão não simplificada ou superficial do entendimento dos dois conceitos

evidenciados. Para isso, a escolha dos recursos didáticos a serem utilizados nas

práticas de ensino deve sempre levar em consideração o objeto de estudo da

Matemática, para que se possam maximizar os elos entre o concreto e o abstrato, e

os recursos didáticos serem efetivamente facilitadores da mediação (processo de

abstração) e da representação (processo de concretização) de objetos matemáticos.

33

Entendemos que essa visão interfere diretamente no processo de ensinar e

aprender Matemática, como afirma Silva (1999, p.57), ao enfatizar que qualquer

prática ou teoria pedagógica, de modo consciente ou não, sempre é influenciada,

quando não determinada, por uma concepção filosófica sobre a natureza do

conhecimento matemático.

Como veremos nos Capítulos que seguem, em detalhe, para a dialética o

concreto é ponto de partida e de chegada do processo de conhecimento, ou seja, o

concreto não é apreensível de forma imediata pelo pensamento, mas sim após um

processo de análise, isto é, através da mediação do abstrato. Porém, esse processo

não se acaba, pois ao atingirmos uma melhor compreensão do real (do concreto),

sempre haverá um estágio superior de compreensão. E este, será alcançado a partir

de um novo processo de abstração.

Entendemos que esse processo contínuo, que vai do concreto inicial, passa

pelo processo de abstração e retorna ao concreto como ponto de chegada, é

fundamental para a aprendizagem e pode ser desenvolvido, em termos

metodológicos, de diferentes formas e com diferentes materiais e ou ferramentas

auxiliares.

A partir dessas considerações, delineamos algumas questões diretrizes da

nossa investigação. No entanto, compreendemos que no percurso do processo

investigativo damos maior significação às questões iniciais, expandindo-as,

delimitando-as, ou, ainda, resignificando-as.

1.3. Questões diretrizes da investigação

A questão central que guiou nossa investigação foi a seguinte: Como tem se

dado a relação entre concreto e abstrato considerando-se os objetos de estudo da

Matemática? Evidentemente essa questão leva a muitas outras correlacionadas e

que também serão objetos de nossas reflexões. Dentre outras, destacamos: A

dialética tem sido utilizada na relação entre abstrato e concreto, no âmbito do

conhecimento matemático? A dialética tem sido utilizada na relação entre abstrato e

concreto, no âmbito do ensino de Matemática? Como classificar um objeto de estudo

da Matemática, em relação à concretude e à abstração? Como desenvolver

processos metodológicos para as práticas docentes de Matemática no ensino

34

básico, que levem em consideração a relação dialética entre o concreto e o abstrato

relativa a determinado objeto matemático?

Nosso objetivo geral foi analisar a relação dialética entre o concreto e o

abstrato no processo de construção do conhecimento matemático.

Para alcançarmos nosso objetivo geral, delineamos os seguintes objetivos

específicos:

Investigar a relação entre o concreto e o abstrato no conhecimento

matemático, a partir de correntes teóricas da Filosofia da Matemática;

Identificar as concepções de concreto e de abstrato presentes em

professores que atuam no ensino de Matemática básica;

Caracterizar níveis de abstração para os objetos de estudo da Matemática;

Discutir o uso de recursos metodológicos para o ensino de Matemática,

considerando a relação dialética entre o concreto e o abstrato.

1.4. O caminho da investigação

Este estudo, realizado na área de Educação, traz consigo elementos que o

posicionam no campo denominado e bem definido atualmente como Educação

Matemática. Esse campo de estudos, que representa um elo de intersecção entre as

Ciências Humanas e as Ciências Exatas e da Natureza, engloba aspectos tanto da

própria Matemática - com questões epistemológicas, ontológicas e filosóficas -,

como também fatores pertinentes ao ser humano, marcados pelo estudo das

concepções e ações dos que lidam com a Matemática e seu ensino, em todos os

níveis escolares.

Apesar da indicação feita em campos anteriores desse texto sobre os

elementos da nossa investigação, antes de analisar e discutir os dados6 obtidos,

explicitaremos alguns fatores que caracterizam os elementos da nossa investigação,

bem como justificaremos os procedimentos adotados.

6Estamos utilizando o termo “dados”, de acordo com a consideração de Patton (1986, p.22), ao

enfatizar que "Os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações, eventos, pessoas, interações e comportamentos observáveis; citações diretas das pessoas sobre suas experiências, atitudes, crenças e pensamentos; e resumos ou trechos inteiros de documentos, correspondência, gravações e histórias de vida."

35

É sabido que as relações entre as concepções filosóficas e a prática docente

de Matemática têm sido tema de várias investigações desde que a Educação

Matemática começou a firmar-se como campo de pesquisa. Nosso interesse nesse

estudo está ligado à análise da relação entre o concreto e o abstrato no

conhecimento matemático e no ensino de Matemática e à possibilidade do uso da

dialética nessa relação para dar maior facilidade e significância ao processo de

ensino e aprendizagem.

Defendemos, assim como fazem Silva (1999, p.57) e Fossa (1998, p.11), que

as concepções de Matemática assumidas pelos professores, influenciam as práticas

de ensino. Também somos da opinião de que as concepções de concreto e de

abstrato sobre os objetos de estudo da Matemática têm interferências diretas no

ensino dessa disciplina escolar.

Sendo assim, entendemos que alguns conceitos que são usados com

frequência ao longo do texto, por apresentarem aspectos polissêmicos, demandam

delimitações para que o significado que cada um deles assume neste trabalho fique

suficientemente claro.

Quando falamos de “relação” ou “relações”, estamos considerando as

vinculações entre duas ou mais opiniões expressas por alguém sobre algo ou as

correspondências entre o discurso dos professores e sua prática docente ou ainda

as interligações utilizadas para especificar similitudes ou diferenças entre dois

conceitos ou dois objetos considerados.

Ao tratarmos de “concepção de Matemática”, estamos nos referindo às ideias

expressas por alguém, relativas à natureza da Matemática e dos objetos que nela

são estudados, ou, ainda, à compreensão que se tem do que é a Matemática,

enquanto campo de conhecimento e Ciência. Tais arranjos conceituais são

constituídos de vários elementos, como crenças, valores, cultura, formação, dentre

outros. Esse termo é utilizado no sentido amplo em que Ernest (1991, b) o emprega,

como uma filosofia particular, própria de cada professor que ensina Matemática.

Ao nos referimos ao termo “objeto matemático”, estamos tratando de qualquer

conceito matemático inserido nos currículos de Matemática das escolas. São

exemplos de objetos matemáticos, com o significado que adotamos: equação,

polígono, número, gráfico, matriz, sistema linear, dentre outros.

36

1.5. O caráter qualitativo da pesquisa

A partir das últimas décadas do século passado, ao emprego de métodos

quantitativos de investigação para pesquisas em Ciências Humanas, foi acrescido

um novo modelo metodológico que emergiu sob os aspectos da fenomenologia e do

marxismo, adotando metodologias qualitativas para abordar os temas de pesquisas

da área.

Segundo Taylor e Bogdan (1986), a expressão “metodologia qualitativa”

refere-se

a compreensão, em um nível pessoal, dos motivos e crenças que estão por trás das ações das pessoas através de investigação que produz dados descritivos: as próprias palavras das pessoas, faladas ou escritas e a conduta observável. (p.16 e p.20)

Sobre as origens histórico-filosóficas da metodologia qualitativa, Patton

(1986), Erickson (1989), Taylor e Bogdan (1986) situam os primeiros trabalhos entre

o final do século XIX e o início do século XX, com pesquisas sociológicas e

antropológicas. No entanto, o amadurecimento dessa linha metodológica, nos

moldes do que se tem atualmente, só se deu a partir da década de 70 do século

passado (TAYLOR E BOGDAN, 1986).

A definição desse perfil metodológico justifica nossa opção por uma

metodologia qualitativa, em razão da natureza do tema abordado na presente

pesquisa: a ampliação da compreensão de como tem se dado a relação entre o

concreto e o abstrato no conhecimento matemático e no ensino de Matemática.

Nessa direção, realizamos um estudo que se caracteriza como prioritariamente

teórico, embora contenha elementos que se refletem no campo da prática docente.

Para isso, baseamo-nos em estudos já realizados sobre o conhecimento matemático

e sobre as concepções de professores de Matemática, referentes a esse campo de

conhecimento e ao seu ensino.

Como fonte auxiliar de discussão, realizamos entrevistas com um grupo de

docentes em atuação na Educação Básica, com base nas quais buscamos indícios

de suas práticas e suas concepções sobre os objetos de estudo da Matemática. O

estudo não apresenta, porém, uma "população de observação comparável", pois

cada docente de Matemática tem modo diferente de conceber o conhecimento

37

matemático e é centrado nessa concepção que norteia sua prática. Cada

pesquisador que já escreveu sobre o conhecimento matemático traz consigo uma

ideia específica do que é a Matemática e da natureza dos objetos de estudo da

Matemática.

As especificidades de cada um, em termos de concepções, crenças e práticas

docentes, devem ser salientadas e analisadas para que sejam detectadas as

possíveis interações entre essas concepções e considerações sobre os aspectos de

concreto e abstrato no conhecimento matemático e no ensino de Matemática. Isso

também justifica a nossa escolha ao considerar que “os métodos qualitativos

enfatizam as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua

razão de ser”. (HAGUETTE, 1990, p.55).

Concordamos com o entendimento de Cury (1994), sobre a definição do

pesquisador qualitativo, e procuramos seguir essa perspectiva em nosso estudo.

A) O pesquisador qualitativo não tem um modelo pré-estabelecido que possa ser testado com os dados obtidos. Pelo contrário, as categorias de análise emergem das observações feitas, na medida em que o investigador tenta entender os padrões de organização que existem; B) O pesquisador qualitativo vê a pessoa e as situações como um todo, sem a preocupação de quantificar informações e reduzi-las a variáveis; C) O pesquisador qualitativo é sensível ao efeito que pode causar sobre os pesquisados e procura intervir o mínimo possível. Em uma entrevista, procura deixar que os assuntos se sucedam naturalmente, como em uma conversação normal, reduzindo ao máximo as perguntas e aceitando os desvios do tema, por saber que toda expressão de idéias traz associações que podem auxiliar na interpretação. (CURY, 1994, p.100)

Os procedimentos de investigação utilizados nesse estudo foram adotados

tendo em vista o caráter interpretativo na abordagem do tema. Assim, a escolha e a

elaboração dos instrumentos foram baseadas nas ideias apresentadas no referencial

teórico e em suas implicações em termos de processos de ensino de Matemática.

Tendo em vista as questões que nortearam nossa investigação,

consideramos necessário aplicar, inicialmente, um Questionário (presente nos

anexos), visando levantar informações gerais sobre os docentes e suas concepções.

No entanto, após a aplicação desse instrumento a quatro participantes, percebemos

38

que ele apresentava limitações importantes para a análise que pretendíamos

realizar.

Com isso, e com base na visão geral sobre os aspectos já delimitados e

aprofundados adiante no presente texto, decidimos pela aplicação de uma entrevista

semiestruturada contemplando algumas questões centrais: concepções sobre a

Matemática e seus objetos de estudo; concepções sobre os conceitos de concreto e

de abstrato; considerações sobre a relação entre os objetos de estudo da

Matemática e os aspectos de concreto e de abstrato; e posturas pedagógicas

assumidas pelo professor em sala de aula. Entendemos, como Duarte, que

[E]ntrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados (DUARTE, 2004, p.215)

Para o desenvolvimento das entrevistas, semiestruturadas, foi elaborado um

roteiro (presente nos Anexos). As questões visaram apenas, nos guiar através dos

tópicos principais, e novas perguntas foram feitas à medida que as respostas

direcionavam o tema da conversação. Para Ludke e André (1986, p.33-34), não

havendo uma ordem rígida de questões, o entrevistado argumenta sobre o tema

proposto com base nas informações que ele detém e que são a verdadeira razão da

entrevista.

Entendemos que o roteiro proporciona uma estrutura básica para desenvolver

questões específicas de cada item e para variar a sequência das questões, de

acordo com o desenrolar das entrevistas, tomando por base as respostas anteriores

para inserir novas questões e, também, aprofundando aqueles aspectos que, pelas

respostas do entrevistado, mereceram uma investigação mais detalhada.

[A] entrevista semiestruturada tem como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos a novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. (MANZINI, 2005, p.3)

Nosso objetivo, ao realizar as entrevistas com os professores, foi o de

aprofundar os aspectos mais relacionados às questões de pesquisa, confrontando

nossas impressões de suas falas com aspectos já delineados em outras pesquisas

39

relacionadas à mesma temática. A abordagem desses aspectos através de

questionários não é suficiente para uma análise consistente, pois é necessário o

debate entre entrevistador e entrevistado, de forma que se possa partir das

respostas escritas e esmiuçar aspectos e ideias a eles associadas, bem como as

possíveis ligações dessas respostas com outras que tenham sido, também,

apresentadas.

Assim como qualquer instrumento de coleta de dados, a entrevista apresenta

vantagens e desvantagens. Por ser, no caso de nossa investigação, uma conversa

entre “iguais”, a entrevista pode produzir as mesmas distorções que caracterizam a

conversação normal, tais como exageros e omissões. Os indivíduos podem estar

receosos de se verem expostos, se não para sua comunidade, pelo menos para o

entrevistador que, no caso do presente trabalho, é um colega de profissão. Além

disso, as pessoas falam e agem de maneiras diferentes, em situações diferentes.

Não se pode garantir que as mesmas perguntas, feitas pelo mesmo

entrevistador ao mesmo entrevistado, não teriam respostas diferentes, em outro

momento, quando outros fatores, das mais diversas origens, pudessem tê-los

influenciado. Esse fato, que é alertado pelos estudiosos de metodologia de pesquisa

científica, tem um caráter especial em nosso trabalho, uma vez que defendemos a

mudança ou transformação contínua dos processos, tanto do ponto de vista de

conhecimento, como também de tudo aquilo que pensamos sobre as coisas do

mundo, sobre o que entendemos de algo.

Nada do que temos construído de conhecimento está livre de influências e

interferências e, assim, é modificado continuadamente. Esse fato está relacionado

ao que Gee et al. (1992) chamam de "matriz sócio-histórica", ou seja, a cada dia, as

influências que professores e alunos recebem do ambiente que os cerca - em

termos psicológicos, sociais, culturais, institucionais, políticos e econômicos - fazem

com que eles mudem as concepções que têm sobre a Matemática e seu ensino.

Portanto, ao interpretar as relações complexas que se estabelecem nessa

interação, analisando o conteúdo das respostas dos docentes, deve-se considerar

que "o discurso reflete a experiência humana e, ao mesmo tempo, constitui parte

importante dessa experiência."(GEE et al., 1992, p.228).

Além disso, é necessário lembrar que o discurso é oral, transcrito por uma

pessoa que também está exposta às influências do meio e que pode, por vezes,

40

introduzir, no texto escrito, alguma característica que não seja do entrevistador. Por

esse motivo, houve o cuidado de transcrever todas as palavras e expressões,

mesmo aquelas que não colaboram para a leitura do texto produzido, pois são

ruídos emitidos enquanto o entrevistado pensa em uma resposta.

Como não adotamos a metodologia de análise de discurso, seguimos a

orientação de Duarte (2004), segundo a qual as entrevistas podem e devem ser

editadas. Portanto, após uma primeira transcrição7 geral – com todos os detalhes,

fizemos uma edição, corrigindo frases excessivamente coloquiais, interjeições,

repetições, falas incompletas, vícios de linguagem, cacoetes e erros gramaticais.

Com relação à interpretação das entrevistas, adotamos a análise temática, de

acordo com Duarte (2004). Em linhas gerais tomamos o conjunto de informações

recolhidas junto aos entrevistados e organizamos, primeiramente, em eixos centrais

temáticos, articulados aos objetivos centrais da pesquisa. A partir disso,

enveredamos por categorias de análise emergidas a partir de referências

teórico/conceituais; ou do conhecimento prévio do campo empírico; ou, ainda, pela

identificação de conteúdos recorrentes no discurso de seus entrevistados.

Para Duarte (2004), analisar entrevistas é uma tarefa complicada, que exige

muito cuidado com a interpretação, a construção de categorias e, principalmente,

com uma tendência bastante comum entre pesquisadores de debruçar-se sobre o

material empírico procurando “extrair” dali elementos que confirmem suas hipóteses

de trabalho e/ou os pressupostos de suas teorias de referência. “Precisamos estar

muito atentos à interferência de nossa subjetividade, ter consciência dela e assumi-

la como parte do processo de investigação”. (DUARTE, 2004, p.216)

Se a entrevista é um encontro entre duas pessoas, cada uma delas com suas

expectativas e bagagem de experiências, a análise da entrevista é, no entanto, uma

tarefa que será realizada apenas por uma delas: o entrevistador-pesquisador. É ele

quem vai debruçar-se sobre o discurso, procurando, ao mesmo tempo, afastar-se da

cena e aceitar a opinião do outro com isenção, lembrando que os resultados da

pesquisa são definidos pelas ideias do outro e, não, pelas suas.

[T]omar depoimentos como fonte de investigação implica extrair daquilo que é subjetivo e pessoal neles o que nos permite pensar a dimensão coletiva, isto é, que nos permite compreender a lógica das

7 As transcrições completas encontram-se nos apêndices.

41

relações que se estabelecem (estabeleceram) no interior dos grupos sociais dos quais o entrevistado participa (participou), em um determinado tempo e lugar. (DUARTE, 2004, p.219)

As entrevistas foram objeto de várias leituras interpretativas, para avançarmos

na busca de direcionamentos para as questões que orientaram nossa pesquisa.

Para isso seguimos a indicação de Ludke e André de que "[É] preciso que a análise

não se restrinja ao que está explícito no material, mas procure ir mais a fundo,

desvelando mensagens implícitas, dimensões contraditórias e temas

sistematicamente 'silenciados'". (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.48).

1.6. Escolha dos participantes

Com base na proposta de investigação já exposta, centrados na

compreensão de que as concepções dos professores sobre o que é Matemática e

seus objetos de estudo interferem no processo de ensino de Matemática,

poderíamos trabalhar com professores dessa disciplina em qualquer nível de

escolaridade, optando por um grupo que nos permitiu contar com representantes da

Educação Básica e do Ensino Superior.

Apesar de nossas principais preocupações estarem relacionadas à Educação

Básica, entendemos que a fala dos docentes atuantes no Ensino Superior também é

igualmente importante, uma vez que eles também desenvolvem atividades de

formação de futuros professores de Matemática, logo, suas crenças e concepções

sobre Matemática também compõem o “arranjo” de conhecimentos do aluno em

formação. Sobre essa questão são pertinentes as considerações de Cury (1994):

Consideramos, além de tudo, que os professores de Departamentos de Matemática que têm, sob seu cargo, um curso de Licenciatura em Matemática arcam com uma responsabilidade maior, pois, para esse curso, a Matemática não é apenas uma ferramenta que será utilizada nas disciplinas básicas da área (como, por exemplo, a Matemática lecionada em cursos de Engenharia). Em cursos de Licenciatura em Matemática, além dos conteúdos ministrados, os professores passam aos alunos a maneira de ensinar, de avaliar, os critérios de seleção de conteúdos, enfim, a prática docente que, muitas vezes, serve de modelo para os futuros professores. (CURY, 1994, p.107)

42

Por se tratar de uma pesquisa de cunho qualitativo, não foi considerada uma

amostra probabilística nem foram utilizados critérios estatísticos na definição dos

professores que seriam entrevistados. Nesse particular, seguimos as ideias de

Michelat, considerando que “[N]uma pesquisa qualitativa, só um pequeno número de

pessoas é interrogado. São escolhidas em função de critérios que nada têm de

probabilistas e não constituem de modo algum uma amostra representativa no

sentido estatístico”. (MICHELAT, 1987, p.199).

Procurando contemplar a representatividade dos níveis de ensino

Fundamental e Médio da Educação Básica e do ensino Superior, delimitamos, em

um primeiro momento, um recorte de nove participantes, representado pelos

professores com os quais fizemos contato e que se dispuseram a colaborar com

nossa investigação.

Fizeram parte do grupo: três professores de Matemática que atuam na

Educação Básica, na rede de ensino pública (pelo menos um representante da rede

municipal e um da rede estadual) e privada (pelo menos um representante); três

professores vinculados ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da

Paraíba (IFPB) do Campus de Campina Grande e um professor da Universidade

Estadual da Paraíba (UEPB), do Campus da mesma cidade.

Ao realizarmos as entrevistas com docentes do IFPB, verificamos que dois

deles atuam tanto no nível Médio como no Superior. Do mesmo modo, ao

realizarmos as entrevistas com os docentes da Educação Básica, identificamos que

um atua apenas no nível Fundamental e dois nos níveis Fundamental e Médio, com

um deles tendo, também, inserção no ensino superior, em uma Instituição particular.

O representante da UEPB leciona apenas no Ensino Superior. As interseções dos

níveis de atuação dos participantes podem ser vislumbradas na Figura 2.

43

Figura 2: Número de professores entrevistados por nível de atuação

Fonte: Produção do pesquisador

A atuação em diferentes níveis de escolaridade dos participantes, no ensino

de Matemática em nosso estado, não foi surpresa, em razão da carência de

profissionais com formação adequada para atuarem na área, conforme dados da

Secretaria de Educação da Paraíba (FARIAS, 2009).

1.7. Estrutura do trabalho

Nesse Texto, fazemos uma reflexão sobre a relação entre o concreto e

abstrato no processo de ensino de Matemática, buscando compreender como tal

relação interfere nas práticas de ensino de professres que atuam na Educação

Básica. No entanto, devido aos objetivos delineados no percurso da investigação,

buscamos subsídios teóricos em campos do saber como a Filosofia, a Filosofia da

Matemática, a Filosofia da Educação Matemática, a Dialética e a Educação.

O presente estudo está dividido em quatro Capítulos. No primeiro, fazemos

uma introdução da pesquisa, colocando-a no contexto atual, apontando as questões

correlacionadas, mostrando os fatores justificantes, delineando a questão diretriz, os

objetivos do trabalho e a vertente metodológica. No Capítulo II fazemos uma

discussão sobre as concepções de concreto e de abstrato no conhecimento

matemático. Considerando as definições convencionais desses termos, refletimos

acerca do processo de alcance do conhecimento e relacionamos as concepções de

conhecimento matemático delineados pela História da Matemática aos aspectos de

concreto e de abstrato.

44

No terceiro Capítulo aprofundamos a discussão sobre as concepções de

concreto e abstrato além de apontarmos fatores que mostram os equívocos sobre as

concepções desses termos no ensino básico de matemática. Apresentamos nossas

interpretações sobre as falas dos professores que entrevistamos e construímos

outras concepções para o concreto e para o abstrato.

O quarto Capítulo apresenta uma proposta metodológica que, no nosso

entendimento, favorece a relação dialética que propomos para o concreto e o

abstrato no ensino de matemática. Por fim, fazemos as Considerações Finais sobre

o estudo.

45

II. O Concreto, o Abstrato e o Conhecimento Matemático.

2.1. O binômio abstrato x concreto

A especificidade do conhecimento matemático tem sido ao longo do tempo

um tema de difícil entendimento, em razão de suas características, da diversidade

de pontos de vista e das diferentes concepções de pesquisadores educacionais,

filósofos, matemáticos e educadores matemáticos. Porém, para dialogar sobre a

relação entre o concreto e o abstrato no âmbito do conhecimento matemático, é

necessário que se adentre em questões epistemológicas da Matemática e, portanto,

que se trate da natureza desse conhecimento.

O binômio “concreto-abstrato” tem uma carga filosófica significativa em

qualquer contexto. O estudo da relação desse par conceitual com o conhecimento

matemático e suas consequências para a própria Matemática, o seu ensino e a

aprendizagem, exige aprofundamento teórico e, como consequência, reflexões

cuidadosas sobre a Matemática. Isso não significa que iremos aqui esgotar os

entendimentos ou as concepções que se tem sobre o que é a Matemática e de que

trata seu conhecimento.

No entanto, como também o fazem outros pesquisadores da área (como

destacaremos em seguida), defendemos que a forma como concebemos a

Matemática, o modo como entendemos a sua construção e a maneira como

compreendemos a sua relação com o mundo, direciona nossas práticas docentes e

tudo aquilo que fazemos relacionado a ela.

Isso demarca essencialmente a necessidade de se avançar na discussão

filosófica, perpassando tanto a Filosofia como a Filosofia da Matemática e da

Educação Matemática, uma vez que, como afirma Silva (1999, p.46), “a Filosofia e a

Matemática sempre se influenciaram e alimentaram-se reciprocamente”. Para Cirne-

Lima (2002) “a Filosofia é a grande Ciência que contém dentro de si todas as

ciências particulares com suas teorias e suas questões em aberto”. Para ele, a

tarefa central e primeira da Filosofia está na explicação do ser e do pensar,

princípios que são o fundamento racional de todas as outras ciências particulares.

46

Outra definição que se apresenta resumida, mas bastante significativa para o

entendimento do que é Filosofia, é dada por Chauí (2000), ao comentar sobre

atitude filosófica. Para ela, a filosofia nos dá “[a] decisão de não aceitar como óbvias

e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os

comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá–los sem antes havê-

los investigado e compreendido”. Entendemos que é esse caráter de não aceitação

da evidência das coisas, da não compreensão total, do conhecimento sempre

inacabado, que faz com que a relação entre Filosofia e Matemática seja considerada

por muitos, como essencial para o desenvolvimento e o conhecimento de ambas.

Por exemplo, D’Amore (2012), ao tratar dessa relação, comenta:

Temo que os estudos escolares de filosofia, disjuntos de considerações matemáticas, contribuam para um dano quase irreparável na cultura de muitos países: a distinção, ou até mesmo a oposição, entre as disciplinas. (...) A disjunção entre matemática e filosofia, como se fossem disciplinas diferentes ou antagônicas, retira muito de ambas (D’AMORE, 2012, p.13)

Qualquer observação do atual modelo educacional brasileiro, mesmo sem

maiores aprofundamentos, nos levará a posicionar as considerações de D’Amore

como indo de encontro a uma estrutura curricular de Matemática voltada quase que

exclusivamente para o desenvolvimento de um conhecimento desligado do caráter

filosófico, graças a um discurso ingênuo de neutralidade e ao caráter exaustivo de

uma abstração sem quaisquer traços de significação dos conceitos matemáticos.

Segundo Costa (2008), numa introdução dos fundamentos da Matemática, a

Filosofia da Matemática, da forma que se apresenta, tem a finalidade de caracterizar

e explicar o estado presente da evolução da Matemática, clarificar e explicitar os

conceitos e os princípios básicos dessa ciência. Para ele, a Filosofia da Matemática,

de acordo com tais finalidades, deve determinar, dentre outras coisas, quais as

suposições e as ideias que servem de fundamentos para as verdades matemáticas.

Noutras palavras, é a partir da filosofia que se devem questionar coisas do tipo: O

que são as verdades matemáticas? Em que bases estão sustentadas as afirmações

matemáticas? Qual a origem do conhecimento matemático? Como se dá a relação

do conhecimento matemático com o mundo?

Acrescentamos a esse pensamento de Costa, que a filosofia da Matemática,

além do interesse com a natureza do estágio atual do conhecimento matemático,

47

deve servir também de base para a compreensão da forma como tal conhecimento

se estruturou ao longo da história, tendo em vista que as discussões filosóficas

sobre a Matemática sempre estiveram presentes nas reflexões dos mais importantes

filósofos e matemáticos em qualquer época.

Conforme descreve Chauí (2000), um tema muito discutido na Filosofia das

Ciências refere-se à natureza dos objetos e princípios matemáticos. Dentre outras

questões pergunta-se:

São eles uma abstração e uma purificação dos dados de nossa experiência sensível? Originam-se da percepção? Ou são realidades ideais, alcançadas exclusivamente pelas operações do pensamento puro? São inteiramente a priori? Existem em si e por si mesmos, de tal modo que nosso pensamento simplesmente os descobre? Ou são construções perfeitas conseguidas pelo pensamento humano? (CHAUÍ, 2000, p.332)

Segundo a autora, essas perguntas tornaram-se necessárias por vários

motivos. Primeiramente, porque uma corrente filosófica, iniciada com Pitágoras e

Platão, mantida por Galileu, Descartes, Newton e Leibniz, afirma que o mundo é em

si mesmo matemático, isto é, a estrutura da realidade é de tipo matemático. Essa

concepção garantiu o surgimento da Física Matemática moderna.

Em segundo lugar, porque o desenvolvimento da álgebra contemporânea e

das chamadas geometrias não euclidianas, deram à Matemática uma liberdade de

criação teórica sem precedentes, justamente por haver abandonado a ideia de que a

estrutura da realidade é matemática. Nesse segundo caso, como já dizia Kant, a

Matemática é uma pura invenção do espírito humano, uma construção imaginária

rigorosa e perfeita, mas sem objetos correspondentes no mundo.

Em terceiro lugar, porque, em nosso século, o avanço da criação e da

construção matemáticas foi decisivo para o surgimento da teoria da relatividade, na

Física, da teoria das valências, na Química, e da teoria sobre o ácido

desoxirribonucleico, na Biologia. Em outras palavras, quanto mais avançou a

invenção e a criação matemática, tanto mais ela tornou-se útil para as ciências da

Natureza, fazendo com que, agora, tenhamos que indagar: Os objetos matemáticos

existem realmente (como queriam Platão, Galileu e Descartes), formando a estrutura

do mundo, ou esta é uma pura construção teórica e por isso pode valer-se da

construção matemática?

48

Sobre o estágio atual do conhecimento matemático, são importantes as

considerações de Gerdes (2008), que adentra nessa questão com ainda mais

veemência ao comentar que os filósofos e matemáticos devem ligar o estudo dos

desenvolvimentos mais recentes na Matemática ao estudo da Dialética da Natureza

de Engels; aos Cadernos Filosóficos de Lénine; e aos Manuscritos Matemáticos de

Marx, com o objetivo de “achar novos caminhos para a resolução de uma série de

questões principais, que se encontram na fronteira entre a matemática e a filosofia”

(GERDES, 2008, pp.82-83). No seu entendimento, são muitas as questões que

merecem a atenção de matemáticos e filósofos, com destaque para

[A] relação entre a matemática e a realidade material; O papel do método axiomático na matemática; O rigor na fundamentação da matemática; O conteúdo e o significado da simbologia matemática; O problema da infinibilidade (actual, potencial ou uma unidade das duas?); O que é uma verdade matemática?; A luta dos contrários (discreto e contínuo, concreto e abstrato, finito e infinito (...)”. (GERDES, 2008, pp.82-83)

Quaisquer dessas questões não se apresentarão de forma simples quando

direcionamos esforços em compreendê-las. Talvez seja essa complexidade que nos

faz evitar pensarmos sobre elas, nos limitando ao cotidiano trivial, acabado e dito

“inquestionável”, que tem marcado o conhecimento matemático nas esferas

educativas.

Essa característica se apresenta não somente para a grande maioria dos

professores de Matemática. Como afirmou Fossa (1998, p.15), “com exceção de um

punhado de fenomenologistas e vários outros filósofos desajustados, os pensadores

modernos tendem a não tratar assuntos ontológicos”. Pensar sobre o que é

Matemática, seus limites, suas convenções, sua simbologia, seus exageros, dentre

outros, não têm sido temas dos cursos de formação de professores de Matemática,

como enfatizou Cury (2001).

Há uma concepção presente nos espaços escolares para a qual o bom

professor de Matemática é aquele que tem a habilidade de manipular algoritmos

para resolver problemas fechados, com respostas únicas e caminhos pré-definidos,

não lhe interessando as relações da Matemática com o meio, com os objetos, com a

sociedade, com o mundo.

49

Nesse caso ignoram-se as consequências, para a vida das pessoas, das

aplicações de conhecimentos matemáticos em situações do cotidiano. Trata-se a

Matemática como se ela estivesse à margem das questões sociais, como se não

interferisse nas relações do cotidiano e como se não influenciasse uma gama de

problemas que são postos para a vida das pessoas.

Para que o conhecimento matemático tenha maior significação e,

consequentemente, formemos uma nova concepção sobre o que é Matemática, é

necessário que haja um fortalecimento da prática docente, adentrando-nos com

mais profundidade nas questões referidas. Isso só será atingido buscando-se um

novo direcionamento, nos cursos de formação de professores, no que entendemos

ser a Matemática, investigando suas relações internas e seus reflexos na sociedade.

Associada à reflexão sobre o caráter dos objetos matemáticos, precisamos ter

clareza de qual concepção adotar acerca de como se atinge o conhecimento nos

processos de aprendizagem para, a partir disso, direcionarmos nossa postura frente

ao ensino de Matemática.

Por tanto, adentramo-nos em uma discussão que está relacionada com o

conhecimento matemático, mas buscando compreender, em face da relação

problemática entre o concreto e o abstrato, pela hierarquização que se tem do

abstrato, como se caracteriza e como se alcança ou se atinge o conhecimento.

Começamos dialogando sobre a representação da construção do conhecimento, ou

da imagem que se faz deste, nos processos de ensino e aprendizagem,

posteriormente relacionando tal entendimento com o conhecimento matemático.

2.2. Como alcançamos o conhecimento?

Há muito se questiona, seja pela via da Filosofia, da Pedagogia ou da

Psicologia, como ocorre o processo que dá origem ao conhecimento. Em termos

filosóficos, esta questão que tem embaraçado pensadores de todos os tempos é

colocada, em nossos dias, por vários caminhos.

A corrente inatista defende que o conhecimento é pré-formado, ou seja, já

nascemos com as estruturas do conhecimento e elas se atualizam à medida que nos

desenvolvemos. O Inatismo desencadeou muitas outras vertentes filosóficas sobre o

conhecimento, mas duas delas se destacam: o Racionalismo e o Idealismo.

50

O Racionalismo tem por base que a única forma de se chegar ao

conhecimento é pela via da razão, e esta é inata, imutável e igual em todos os

homens. No Idealismo, o real se confunde com o mundo das ideias e dos

significados. De acordo com Chauí, “[P]ara o racionalismo, a fonte do conhecimento

verdadeiro é a razão operando por si mesma, sem o auxílio da experiência sensível

e controlando a própria experiência sensível” (CHAUÍ, 2000, p.146).

Alguns autores, talvez por uma interpretação clássica do que seja à

Matemática, apontam uma similaridade entre o Racionalismo e conhecimento

matemático.

[U]ma forma determinada do conhecimento serviu evidentemente de modelo à interpretação racionalista do conhecimento. Não é difícil dizer qual é: é o conhecimento matemático. Este é, com efeito, um conhecimento predominantemente conceptual e dedutivo. Na geometria, por exemplo, todos os conhecimentos derivam de alguns conceitos e axiomas supremos. O pensamento impera com absoluta independência de toda a experiência, seguindo somente as suas próprias leis. Todos os juízos que formula, distinguem-se, além disso, pelas características da necessidade lógica e da validade universal. Por essas razões, quase todos os representantes do racionalismo procedem da matemática (HESSEN, 1980, p.62).

Fatos como esse explicam entendimentos que perduram nas práticas

educativas, que defendem que, ao aprender, o ser humano aprimora aquilo que já é

inato, avançando no seu desenvolvimento. Tal perspectiva se nutre da afirmação de

que o ser humano deve deixar desabrochar suas potencialidades e aptidões. Isso

também demarca a maneira como o conhecimento matemático tem sido encarado

nos espaços escolares, como um conhecimento acabado, universal e neutro.

A forma mais antiga de Racionalismo encontra-se em Platão. Este defendia

que todo o verdadeiro saber se distingue pelas notas da necessidade lógica e da

validade universal. No entanto, o mundo da experiência encontra-se em contínua

mudança. Assim, para ele, são se pode procurar um verdadeiro saber na

experiência. Com isso, ele citava a Matemática como sendo o maior exemplo do

saber verdadeiro e indiscutível.

Em oposição aos inatistas, a corrente do Empirismo entende que o

conhecimento tem origem e evolui a partir da experiência que o indivíduo vai

acumulando. Nessa concepção entende-se que,

51

[A] consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da experiência. O espírito humano está por natureza vazio; é uma tábua rasa, uma folha em branco onde a experiência escreve. Todos os nossos conceitos, incluindo os mais gerais e abstratos, procedem da experiência (HESSEN, 1980, p.68).

Se por um lado o Inatismo tem por base uma ideia determinada, um

conhecimento geral a priori, o Empirismo, por outro, sustenta que o conhecimento só

pode ser dado a partir dos fatos concretos. Para defender seus posicionamentos os

empiristas alegam que tudo começa com as percepções concretas na criança, que

levam, paulatinamente, a formar representações gerais e conceitos. Nessa

perspectiva, o mais importante para que se dê o conhecimento está naquilo que os

sentidos evocam da experiência.

Berkeley (2006), ao defender essa concepção, enfatiza que

[Q]uando nos distanciamos dos sentidos e do instinto para seguir a luz de um princípio superior, a razão, e meditamos e refletimos sobre a natureza das coisas, mil escrúpulos surgem em nossa mente no que se refere a essas coisas que antes nos pareciam totalmente compreensíveis (BERKELEY, 2006, p.19)

O desenvolvimento sistemático do Empirismo se deu na Idade Moderna, e em

especial com a escola filosófica inglesa nos séculos XVII e XVIII. Segundo Hessen

(1980, p.70), “[o] verdadeiro fundador da corrente empirista foi Jon Locke (1632-

1704). Locke combatia com ênfase a teoria das ideias inatas. Para ele, há uma

experiência externa (sensação) e uma interna (reflexão)”. Esse entendimento de

dois tipos de experiências, fez com que os empiristas admitissem a importância do

pensamento, porém, como instrumento de reflexão. Mas, para eles, o pensamento

não agrega um novo elemento, pois se limita a unir uns com os outros os diferentes

dados da experiência.

A qualquer um que considere quais são os objetos do conhecimento humano, lhe será evidente que estes são ou ideias que de fato estão impressas nos sentidos, ou ideias que são percebidas quando fixamos a atenção nas paixões e operações da mente ou, por ultimo, ideias que se formam com a ajuda da memória e da imaginação e que são resultados de composições, divisões ou, simplesmente, representações de outras que originalmente foram percebidas da maneira dita anteriormente (BERKELEY, 2006, p.39)

52

A notoriedade do antagonismo entre o Inatismo e o Empirismo é algo

indiscutível. Compreendendo as limitações derivadas da primeira corrente,

possivelmente já comprovadas e aceitas na atualidade, entendemos que dois

elementos trouxeram embaraços para a segunda corrente. O primeiro fator se

caracteriza pela limitação imposta ao conhecimento humano quando se presume

que este só ocorre a partir do conjunto das experiências. Se todos os conteúdos do

conhecimento procedem da experiência, o conhecimento humano fica encerrado de

antemão dentro dos limites do mundo empírico.

O segundo fator nos mostra, mais uma vez, o quanto o conhecimento

matemático tem sido elemento de embates ao longo da história da humanidade. Até

nas análises mais aprofundadas sobre algo filosoficamente bastante complexo, a

relação entre Inatismo e Empirismo, parece-nos que a Matemática é usada, por um

lado, para validar uma das correntes (o Inatismo) e, por outro, para expor

incoerências ou contradições dentro do enfoque empirista.

[A]ssim como Locke, também Hume reconhece na esfera matemática um conhecimento válido. Todos os conceitos deste conhecimento procedem também da experiência, mas as relações existentes entre eles são válidas independentemente de toda a experiência (HESSEN, 1980, p.72).

Uma corrente filosófica que tenta uma mediação entre o Racionalismo e o

Empirismo é denominada por Hessen (1980) de Intelectualismo. Enquanto o

Racionalismo considera o pensamento como a fonte e base do conhecimento, e o

Empirismo destaca a experiência, o Intelectualismo é da opinião que ambos os

fatores tomam parte na produção do conhecimento.

Essa corrente aceita que juízos são necessários e que precisam de uma

validade universal, tanto para os objetos ideais, quanto para os reais, no entanto, os

juízos derivam da experiência, a consciência cognoscente tira seus conceitos da

experiência. Com isso, estabelece-se que pensamento e experiência são as bases

do conhecimento humano.

Para os empiristas, a sensação conduz à percepção como uma síntese passiva, isto é, que depende do objeto exterior. Para os intelectualistas, a sensação conduz à percepção como síntese ativa, isto é, que depende da atividade do entendimento. Para os empiristas, as ideias são provenientes das percepções. Para os

53

intelectualistas, a sensação e a percepção são sempre confusas e devem ser abandonadas quando o pensamento formula as ideias puras (CHAUÍ, 2000, p.152).

Também buscando uma mediação entre o Racionalismo e o Empirismo,

temos uma corrente denominada de Apriorismo. Esta teve no filósofo Immanuel Kant

seu principal pensador, defendendo a experiência e o pensamento como fontes do

conhecimento. No entanto, diferentemente do Intelectualismo, esta concepção

advoga que o conhecimento apresenta elementos a priori, independentes da

experiência.

Segundo Hessen (1980), a diferença entre o pensamento dos racionalistas e

dos aprioristas reside no fato de que aqueles entendem que os fatores do

conhecimento são dados a priori e completos, enquanto esses compreendem que

tais fatores são de natureza formal e necessitam da experiência para afirmação dos

seus conteúdos.

Sobre a diferença entre o Intelectualismo e o Apriorismo, Hessen (1980),

comenta:

O intelectualismo deriva o factor racional do empírico; todos os conceitos procedem, segundo ele, da experiência. O apriorismo nega, do modo mais categórico, semelhante derivação. O fator a priori não procede, segundo ele, da experiência, mas, sim do pensamento, da razão. Esta imprime de certo modo as formas a priori na matéria empírica e constitui assim os objetos do conhecimento. No apriorismo, o pensamento não se conduz receptiva e passivamente perante a experiência, como no intelectualismo, mas sim espontânea e activamente (HESSEN, 1980, p.78).

Essas são algumas das principais correntes histórico-filosóficas que tentam

explicar como alcançamos o conhecimento. Várias outras têm surgido, sejam

totalmente inseridas em alguma dessas, demarcadas apenas com similaridades ou

ainda tentando refutações.

Se olharmos tais perspectivas, tomando como parâmetro o aspecto

educacional e o ambiente escolar, veremos que todas as tendências que norteiam

as práticas pedagógicas têm raízes nessas grandes correntes. Um exemplo disso

pode ser encontrado na perspectiva Interacionista, que tem como representantes

principais Piaget e Vygotsky.

54

Nessa concepção, a construção do conhecimento é um processo dinâmico,

privilegiando a interação entre o sujeito que busca conhecer o objeto e o próprio

objeto a ser conhecido, estabelecendo-se uma relação dialética entre ambos, que

modifica tanto o primeiro quanto o segundo. Apesar de Piaget e Vygostsky

partilharem de algumas crenças – por exemplo, que o desenvolvimento é um

processo dialético e que as crianças são cognitivamente ativas no processo de imitar

modelos em seu mundo social – eles divergem na ênfase sobre outros aspectos.

A relação cognitiva sujeito/objeto é uma relação dialética porque se trata de processos de assimilação (por meio de esquemas de ação, conceitualizações ou teorizações, segundo os níveis) que procedem por aproximações sucessivas e através dos quais o objeto apresenta novos aspectos, características, propriedades, etc. que um sujeito também em modificação vai reconhecendo. Tal relação dialética é um produto da interação, através da ação, dos processos antagônicos (mas indissociáveis) de assimilação e acomodação. (tradução nossa) (PIAGET, 1980, p.12)

Entendemos que um dos pontos de discordância entre ambos se dá

relativamente à consideração sobre a aprendizagem. Piaget defende que o

desenvolvimento precede a aprendizagem, enquanto que Vyskostsky defende que a

aprendizagem deve anteceder o desenvolvimento. Tais perspectivas se estabelecem

pelo fato de Vysgostsky ter analisado o desenvolvimento das funções cognitivas

propondo que a interação entre as pessoas é o fator mais importante para o

desenvolvimento cognitivo.

Piaget defende que o homem não nasce inteligente, mas também não é

passivo sob a influência do meio. Isto é, ele responde aos estímulos externos agindo

sobre ele para construir e organizar o seu próprio conhecimento, de forma cada vez

mais elaborada, através de um processo interligado por assimilação, acomodação e

adaptação. Para Freitas (2001), Piaget e Vygotsky não se referem unicamente a

aspectos específicos, mas, também culturais, sociais e psicológicos. Piaget

propunha o trabalho com base em esquemas de assimilação e

acomodação8partindo do que o aluno já possui, enquanto que Vygotsky propõe que

a aprendizagem ocorre na zona de desenvolvimento proximal9.

8 Processo de integração à estruturas cognitivas prévias, que podem permanecer invariáveis

ou são mais ou menos modificadas por esta própria integração, mas sem descontinuidade com o

55

Apesar das muitas pesquisas sobre a temática da aquisição do conhecimento,

de como passamos a compreender algo novo, entendemos que em termos

educativos, as práticas de ensino estão enraizadas em concepções que há muito

estão ultrapassadas. Por isso, nos ambientes escolares, persistem considerações

como “transmitir o conteúdo”, “passar o conhecimento” e “ensinar a matéria”.

Foi dentro desse contexto de criticidade que Machado (2004), ao tratar da

questão da construção do conhecimento, trouxe as seguintes indagações para

depois expor seu posicionamento sobre o tema:

Conhecer é como encher um balde de matéria, ou como construir um cuidadoso encadeamento de temas, ou como tecer uma teia de significações, ou como fazer emergir como a ponta de um iceberg algo que já existe dentro de nós, ou ... tudo isso junto? (MACHADO, 2004, p. 15)

Ele apresenta quatro imagens para a representação da construção do

conhecimento que, na sua visão, estão diretamente associadas às práticas

desenvolvidas pelos professores em sala de aula: o balde, a cadeia, a rede e o

iceberg. Para o autor, cada professor, mesmo inconscientemente, atua de acordo

com, pelos menos, uma dessas imagens e, ao seguir uma direção, é importante

adequar suas práticas para que não mergulhe em um mar de incongruências.

A imagem do balde, na concepção de Machado (2004), está completamente

ofuscada nos discursos dos atores educacionais, mas, ainda é percebida quando se

ouve coisas do tipo “nível do aluno” ou “conhecimento acumulado”. Os seguidores

dessa concepção de imagem do conhecimento compreendem a estrutura cognitiva

do aprendiz como um balde vazio a ser preenchido com a matéria (conhecimento)

recebida na escola. É pertinente o comentário do autor ao enfatizar que “o balde não

existe, mas está em toda parte”.

A perspectiva do conhecimento como cadeia, para Machado (2004), está

associada diretamente ao pensamento cartesiano. Os seus adeptos têm o

entendimento de que o processo de construção do conhecimento se dá numa

estado precedente, isto é, sem serem destruídas, mas simplesmente acomodando-se à nova situação. (PIAGET, 1996)

9 Definido por Vygostsky como sendo a distância entre o nível de desenvolvimento atual

determinado pela resolução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela resolução de problemas sob orientação ou em colaboração com parceiros mais capazes" (VYGOTSKY, 1987).

56

sequência linear bem definida, com um encadeamento sequencial, ainda que

fragmentado, com temas que precisam ser estudados antes de outros, não podendo

ser quebrada a cadeia lógica de apresentação dos diversos conteúdos. Um exemplo

característico dessa perspectiva é o modelo de organização do currículo de

Matemática com base em um sequenciamento específico, com pré-requisitos

estabelecidos e imutáveis.

A representação do conhecimento pela imagem de rede se baseia na ideia de

que,

(...) o conhecimento é uma grande teia, uma grande rede de significações. Os nós são os conceitos, as noções, as ideias, os significados; os fios que compõem os nós são as relações que estabelecemos entre algo – ou um significado que se constrói – e o resto do mundo. Iniciar essa teia não constitui – nunca constituiu um problema escolar: todos os alunos já chegam à escola com uma prototeia de significações, engendrada pelo domínio da língua em sua forma oral. (MACHADO, 2004, p.17)

O pensamento de que construímos o conhecimento a partir de uma rede

também é explorado por Azevedo (2001), ao considerar que os saberes existentes

na estrutura cognitiva do educando estão postos em uma estrutura dessa natureza,

sempre inacabada, com nós atados e nós desatados. Os fios soltos oferecem a

possibilidade contínua para a ligação com outros fios novos, enquanto que os

amarrados poderão ser desatados a partir das novas informações, para que haja

uma expansão da rede. Nessa concepção, os fios já existentes, que se ligam aos

novos, funcionam como ancoradouros, bases, suportes, para que novas malhas

sejam tecidas e novas aprendizagens sejam adquiridas.

A defesa de Machado (2004) sobre a “teia” de saberes que o aluno já possui

ao chegar ao ambiente educacional pode ser reforçada por outros elementos além

da língua em sua forma oral. Vygostsky (1987) entende que tais conhecimentos são

fundamentais para o processo de ascensão até os conhecimentos científicos, num

processo expansão dos saberes prévios e de maior compreensão dos saberes

formais escolares.

Ausubel et al (1980), os definem como subçunsores, âncoras para o

conhecimento novo, mas ampliam o entendimento acerca desses saberes ao

enfatizarem que os mesmos são traçados pela cultura, pela vivência, pelas

atividades do cotidiano, pela escola, dentre outros. Estes saberes prévios e sua

57

relação ou ligação com os conhecimentos novos são, para esses autores, os

elementos mais importantes para que o estudante (aprendiz) possa atingir uma

aprendizagem que classificam como significativa.

A quarta imagem para a representação do conhecimento, o iceberg, se

baseia, de acordo com Machado (2004), na defesa de que “nosso conhecimento

sobre qualquer tema é sempre apenas parcialmente explícito, ou passível de

explicação, sendo na maior parte, tácito, subjazendo como a parte submersa de um

iceberg (p.18)”. Ou seja, o que se sabe é muito mais do que aquilo que se consegue

explicitar, expressar em palavras ou de alguma outra forma. Os mecanismos de

percepção são muito mais ricos e complexos do que imaginam as simplificadas

teorias baseadas em associações do tipo estímulo-resposta.

Para o autor, como seres humanos, o conhecimento pessoal que se tem

sempre estaria representado por estes dois domínios fundamentais: o tácito e o

explícito. Com isso, a função do trabalho escolar seria arquitetar estratégias de

emergências do tácito, buscando ampliar a capacidade de explicitação,

compreendendo que o ser humano está “condenado” a esse ir e vir entre o que se

sabe tacitamente, o que se incorporou por meio de vivências, hábitos ou estratégias

culturais, e o conhecimento de que precisamos dar “provas” explícitas nos processos

de avaliação.

Para Machado (2004), nenhuma dessas imagens pode servir para representar

o processo de construção do conhecimento em sua totalidade. Em certo sentido,

cada imagem, apesar de insuficiente, propicia uma perspectiva, uma visão parcial da

forma como alcançamos o conhecimento. Fica evidente a partir dessas ideias que o

mais importante é que a escola, nos processos de ensino, explore a possibilidade de

múltiplos percursos ou de várias representações de imagens do conhecimento. Ou

agir de forma mais radical, como defende Machado, ao enfatizar que

[E]m certo momento, é necessário aprender a esquecer, uma vez que quem guarda absolutamente tudo termina por perder a capacidade de se ater ao que é fundamental, por tornar-se incapaz de abstrair, de pensar e, por conseguinte de conhecer (MACHADO, 2004, p.19).

Os vários posicionamentos relativos à aquisição do conhecimento, colocados

até então, contribuíram e deram bases para que pudéssemos construir uma

concepção, uma opinião sobre o tema. Nosso entendimento é que o ato de conhecer

58

é uma ação que requer múltiplas variáveis e muitos diálogos. Não se pode falar em

aquisição do conhecimento de algo, como um ato unidirecional, ou seja, nem

partindo somente do objeto que se busca conhecer, nem tampouco partindo só do

sujeito, tendo-se como base apenas o aspecto cognitivo.

Compreendemos que o alcance do conhecimento ou a aquisição dele é,

essencialmente, uma ação múltipla, que envolve o objeto, o sujeito, os saberes

prévios do sujeito em relação ao objeto, as significações do objeto para o sujeito e,

também, as relações do objeto e do sujeito com o contexto social e cultural que os

circunscreve.

Nosso entendimento refuta a visão absolutista do conhecimento,

especialmente no caso da Matemática, uma vez que tal concepção é baseada em

dois tipos de pressupostos: os da própria Matemática, relativos à assunção de

axiomas e definições, e os da lógica relativa à assunção de axiomas, regras de

inferência e da linguagem formal e sua sintaxe. Ora, essa visão é contraditória ao

que defendemos, por ser unidirecional, por se prestar aos limites da própria

Matemática e por omitir o aspecto sociocultural na construção desse conhecimento.

O abandono da concepção absolutista do conhecimento matemático, não

significa fragilização nem ruptura desse conhecimento. Pelo contrário, como entende

Ernest (1991), assim como ocorreu com as mudanças de concepções em outras

ciências, como no caso da Física, a reformulação do entendimento na filosofia

matemática trará mais significação para o próprio conhecimento, dando-lhe sentido,

fortalecendo o que já foi estruturado. Isso significa aprender mais sobre suas bases

de sustentação. Assim, representa um avanço no conhecimento, e não um recuo ao

passado da certeza infalível. Como diz Ernest (1991, p.20), “o Jardim do Éden

absolutista era nada além de um paraíso de tolos” (nossa tradução).

A partir dessa concepção, a relação entre o concreto e o abstrato é altamente

significativa na aquisição do conhecimento. Eles são personagens centrais nas

ações educativas de qualquer conhecimento científico, e, como veremos também,

na aquisição do conhecimento matemático.

O conhecimento matemático é entendido como uma construção sociocultural,

a partir do que propõe Ernest (1991), ao enfatizar que o mesmo mecanismo que

está por trás da construção do conhecimento matemático, está presente em outras

representações. Esse fato faz com que, os objetos da Matemática tenham

59

objetividade, na medida em que são construções socialmente aceitas. Do mesmo

modo que outros conceitos construídos socialmente são conhecidos por terem um

forte impacto sobre as nossas vidas, tais como "dinheiro", "tempo" (horas), "gênero",

"Justiça" e "verdade". Cada um destes é, inegavelmente, uma construção social.

No entanto, cada um destes conceitos tem uma forte ligação com muitos

objetos concretamente existentes. Ernest (1991), para argumentar seu ponto de

vista, toma como exemplo o conceito de "dinheiro". Esse conceito representa um

conceito organizador na vida social moderna de grande poder, e pode-se falar que

possui existência inegável. No entanto, é claramente uma representação simbólica,

pensada pelo homem, de valor convencional, quantificada, ao contrário de alguns

aspectos do mundo físico.

Podemos perguntar, então: o que é que dá existência ao dinheiro? Para

Ernest (1991), há duas características em que o seu estatuto ontológico é baseado.

Primeiro, ele é socialmente aceito, o que lhe confere objetividade. Em segundo

lugar, é representado por elementos simbólicos (notas, moedas, papeis, dentre

outros), o que significa que ele tem referência ao concreto tangível.

Ernest (1991) discute que os objetos da Matemática têm objetividade, uma

vez que são socialmente aceitos. Além disso, ele considera que os conceitos

primitivos da Matemática têm exemplos concretos em nossas percepções no mundo

físico. Nesse ponto, discordamos de Ernest (1991). Talvez a melhor afirmação fosse

dizer que conceitos primitivos da Matemática possuem associação direta com o

mundo físico, dada por representações, mas existem aqueles que não possuem

associação direta.

Ernest (1991) considera que nesse grupo estão os conceitos matemáticos

que só podem ter aplicações concretas indiretamente, através de cadeias de

definição (propriedades, equações, teoremas, dentre outros). Embora não haja uma

analogia entre estes objetos abstratos da Matemática e as aplicações mais

abstraídas de dinheiro (orçamento, previsão financeira, etc.), o que pode ser dito, de

acordo com Ernest (1991), é que a analogia entre "dinheiro" e objetos matemáticos

empresta alguma plausibilidade à crença subjetiva nos últimos objetos. Ambos são

objetos de construções sociais e têm manifestações concretas.

Baseados nessa perspectiva, compreendemos que nas ações educativas

ligadas ao ensino de Matemática, é possível e significativo que se considere a

60

relação entre o concreto e o abstrato. Isso faz sentido por consideramos que a

concepção de Matemática adotada, a partir do entendimento do concreto e do

abstrato, poderá interferir nas diversas representações do conhecimento nos

processos de aprendizagem.

Assim, agora, precisamos nos perguntar: qual é a melhor maneira de ensinar?

E, para respondermos essa pergunta, precisamos responder a outra: O que é o

objeto matemático, em termos de concreto e de abstrato? A única certeza é que as

controvérsias sobre o ensino não serão resolvidas sem o enfrentamento de

problemas sobre a natureza da Matemática.

Como Fossa, entendemos que “[É] razoável supor que a nossa concepção

sobre o que é a Matemática afetará a maneira com a qual a ensinaremos. Também

afetará a maneira de fazer pesquisas em Educação Matemática” (FOSSA, 1998,

p.11). No entanto, isso só será possível compreendendo-se a natureza do

conhecimento matemático, como afirma Silva (1999).

Não há prática ou teoria pedagógica que não seja de modo consciente ou não, influenciada, quando não determinada, por uma concepção filosófica sobre a natureza da Matemática. O educador precisa necessariamente responder às questões filosóficas fundamentais sobre o estatuto do objeto matemático, sobre a natureza da verdade matemática, sobre o caráter do método matemático, sobre a finalidade da Matemática, sobre o estatuto do conhecimento matemático enfim, antes de criar teorias, estabelecer objetivos, elaborar estratégias, desenhar métodos ou qualquer outra atividade teórica ou prática cuja finalidade última seja o ensino de Matemática. (SILVA, 1999, p.57)

As práticas educacionais no que se refere à Matemática se dão em sua

maioria no modelo de ensino descrito por Fossa (1998) como “ensino direto”, onde o

centro das atenções está na figura do professor, considerado como uma autoridade

cognitiva, uma vez que ele possui o conhecimento requerido. Para Fossa, o primeiro

passo na direção de uma mudança desse modelo consiste na compreensão por

parte do professor da especificidade do conhecimento matemático.

No entanto, o percurso do educador quando busca compreender a natureza

do conhecimento matemático apresenta seu primeiro obstáculo ao se deparar com o

entendimento de que os objetos matemáticos são, necessariamente, de natureza

abstrata. “Enquanto o questionador ingênuo parece pintar um quadro de objetos

matemáticos como parte da realidade física, de fato é quase impossível ao

61

matemático, como matemático, ‘sujar suas mãos’” (FOSSA, 1998, p.18). Até mesmo

os objetos mais simples, como números e retângulos, para não mencionar coisas

como equações e espaços vetoriais, não são entidades físicas.

Tomando como referência as concepções simplistas para os conceitos de

concreto e abstrato, concordamos com Fossa (1998). Além disso, como afirmou

Kant (2013),

[A] Matemática nos dá um exemplo brilhante de quão longe podemos ir no conhecimento a priori, independentemente da experiência. Pois ela se ocupa de fato com objetos e conhecimentos apenas na medida em que estes se deixam apresentar na intuição (KANT, 2013, p.50).

Defendemos que todos os objetos de estudo da Matemática não possuem

existência física, são abstratos, são estruturas pensadas em nossa mente, que

independem da experiência. Esse posicionamento leva, então, à seguinte questão:

se defendemos que os objetos matemáticos são estruturas elaboradas por nossa

cognição, como podemos conhecê-los (compreendê-los) e como nos posicionarmos

em face das várias correntes do conhecimento?

Essas questões são importantes, pois, compreendemos que é o fato de não

podermos verificar os objetos matemáticos por meio da experiência concreta,

sensorial direta, que dificulta seu entendimento. Do ponto de vista do ensino da

disciplina, o professor, em detrimento de uma defesa fervorosa e equivocada da

necessidade de verificação dos objetos, se perde durante o processo, ou por

abandonar completamente possíveis associações com o mundo real ou por se

agarrar cegamente à realidade empírica, tornando sua prática limitada e

insatisfatória.

O que nos parece viável, em termos epistemológicos, sobre os objetos de

estudo do conhecimento matemático é que, mesmo convictos das suas

especificidades de abstração e do quão possível é avançarmos nesse campo, de

modo que o conhecimento se torne cada vez mais desvinculado do concreto. Para

as práticas de ensino, em especial na Educação Básica, são necessárias

associações desses objetos a objetos concretos do mundo real.

Mas, conforme veremos a seguir, o resultado dessa associação, em termos

de proximidade entre o abstrato (objeto da Matemática) e o concreto (objeto do

62

mundo físico), tem uma variação que depende do objeto matemático que se esteja

estudando. O que estamos defendendo é que no conjunto de objetos de estudo da

Matemática, existe um grupo deles para os quais essa associação pode ser mais

significativa, enquanto que, para outros, essa relação se torna distanciada.

Mas, quaisquer entendimentos sobre a especificidade do conhecimento

matemático sempre estiveram longe de representar unanimidades. Portanto, ao

defender nosso posicionamento compreendemos as resistências que possam surgir,

afinal, elas servirão também para ratificar o processo dialético que deve marcar

qualquer investigação científica.

Uma prova dessa dialética está na quantidade de questões dessa natureza

que têm permeado a História da Matemática desde os seus primórdios,

desencadeando tendências teóricas na busca de respostas sobre o que é a

Matemática, ou, mais especificamente, de que se nutre o conhecimento matemático.

Atualmente existem muitas tendências no âmbito da Filosofia da Matemática.

O estudo de todas ou ao menos das mais significativas, tornaria essa pesquisa

inexecutável em face, dentre outras coisas, das nossas limitações teóricas frente às

exigências temporais de finalização. Assim, discutiremos algumas questões que têm

caracterizado o conhecimento da Matemática com seus principias interlocutores,

tentando buscar aspectos referentes ao entendimento sobre o concreto e o abstrato.

No entanto, como se trata de uma discussão que ‘navega’ em águas da

Filosofia e da Ontologia do conhecimento matemático, nossas compreensões

poderão, por vezes, apresentarem-se em desacordo com o entendimento de outras

pessoas. Entendemos que isso, além de ser característico de qualquer ensaio

científico, nesse caso, se configura como essencial para o aprofundamento teórico

da temática que estamos discutindo.

Demarcamos essa análise em duas partes: primeiro destacaremos as

concepções mais marcantes na Matemática até o início do século XIX. Em seguida,

refletiremos sobre as principais correntes teóricas surgidas a partir dos dois últimos

séculos e que ainda são seguidas por muitos e adotadas nas concepções

matemáticas de muitas práticas educacionais.

63

2.3. A concepção platônica: o antes e o depois.

Quaisquer que sejam as conclusões que alcançarmos com a discussão desse

ponto, elas estarão impregnadas de incompletudes, uma vez que, além do traço de

relativismo marcante, estamos tratando de um período temporal extremamente

longo, fatos que já demarcam a superficialidade das afirmações que ousaremos

pontuar. Cientes desses aspectos, pretendemos apontar algumas inferências que

possam aflorar relações entre o conhecimento matemático no período e as

concepções de concreto e abstrato.

Assim, faremos uma viagem no tempo, não demasiadamente preocupados

com os aspectos históricos, mas em usá-los para buscar as possíveis correlações

antes descritas, para três fases históricas: o período anterior ao vivido por Platão

(anterior ao V a.C); um outro demarcado pela existência de Platão e suas

concepções; um terceiro que começa com os seguidores de Platão e se estende até

o século XIX.

Precisamos esclarecer o entendimento que, por enquanto, estamos dando

aos conceitos de “concreto” e de “abstrato”, são carregados de relativismos. Basta

dizer que, sobre esse par conceitual, há diferenças grandiosas entre as concepções

do senso comum, da filosofia, da fenomenologia e da ciência de um modo geral.

Todavia, por enquanto, estamos denominando de concreto aquilo que está ao

alcance dos nossos sentidos, aquilo que podemos tocar, que é real, que é parte do

nosso cotidiano, que existe em matéria, enquanto abstrato é aquilo que está no

mundo das ideias, no pensamento, no nível simbólico. Nessa concepção, estamos

considerando que a realidade, dentre muitas outras coisas, é permeada por

elementos concretos e, portanto, quando nos referirmos a ela estaremos

considerando os objetos concretos que dela fazem parte e que estarão sendo

associados aos objetos abstratos da Matemática.

Outra questão é que está evidenciada a necessidade de adentrarmos, mesmo

que de modo superficial, na História da Matemática, pois, entendemos ser

necessário para buscar subsídios que aprimorem as reflexões. Não há como propor

uma reflexão sobre Matemática, ensino de Matemática, questões inerentes à

filosofia da Matemática, como é o caso da discussão sobre o concreto e o abstrato,

64

sem adentrar na questão histórica do conhecimento matemático. Lakatos (1978),

parafraseando Kant, comenta que,

[...] a história da matemática, à falta da orientação da filosofia, tornou-se cega, ao passo que a filosofia da matemática, voltando às costas aos fenômenos mais curiosos da história da matemática, tornou-se vazia. (LAKATOS, 1978, p.15)10

Além disso, compreendemos que o desconhecimento absoluto da História da

Matemática pode levar a incoerências danosas, principalmente, para os processos

de ensino. Para Silva (2007, p. 21),

[A] história da matemática tem lições importantes para a filosofia da matemática. A maior delas é que a matemática é um produto da cultura humana, não uma espécie de algo que caiu dos céus. Ela muda com o tempo, em função das culturas em que viceja e dos problemas práticos e teóricos que essas culturas enfrentam.

Concordamos com o pensamento de Silva (1999, p.52), sobre esta questão,

quando ele enfatiza que:

[A] ignorância da história da matemática e das vicissitudes da criação matemática, muitas vezes, induziram filósofos a desenvolver visões pouco realistas sobre a natureza da Matemática. Uma delas é que a Matemática é imune à experiência.

Pensamos que, para analisar possíveis concepções do concreto e do abstrato

relacionadas ao conhecimento matemático, uma boa diretriz é iniciar com uma das

questões que deve fazer parte da lista de inquietações no percurso dos que lidam

com a Matemática e seu ensino. Trata-se da grande indagação: o que é

Matemática?

Quando refletimos sobre a Matemática, surgem questões embaraçosas que,

em nosso entendimento, precisam ser enfrentadas, uma vez que servem para dar

maior significado às nossas ações, seja como matemáticos ou professores de

Matemática. Um exemplo disso são os objetos de estudo dessa Ciência. Como

sabemos, nas outras áreas de conhecimento, as questões sobre ‘o que se estudar’

10

Essa afirmação, como o próprio Lakatos esclarece, tem um teor de indignação e repúdio à dominação do formalismo que é a corrente teórica da filosofia da matemática que teve seu nascimento no século XVIII e era tão marcante à época. No entanto, está evidente a importância da relação entre a Filosofia e a História da Matemática.

65

são, de certo modo, bem demarcadas. A Geografia, por exemplo, estuda o meio

ambiente, as sociedades e suas relações com o espaço; a Zoologia estuda os

animais. Mas, o que estuda a Matemática?

Na tentativa de responder a essa pergunta, Silva (2007) afirma que “[A]

Matemática trata de números, figuras e outros objetos do gênero”. Davis e Hersh

(1985, p. 31), compreendem que a definição de Matemática muda, pois, cada

geração e cada matemático que representa uma dada geração, formulam uma nova

definição. Para esses autores, a Matemática pode ser definida, de uma forma pouco

sofisticada, como a ciência da quantidade e do espaço.

Ao refletirmos sobre as diferentes concepções acerca do que é Matemática, e

sobre seus objetos de estudo, caímos em outras indagações que só aumentam o

grau de dificuldade da resposta à pergunta inicial e que se distanciam ainda mais de

um consenso. Quais sejam: o que são os números? O que é uma figura geométrica?

O que é uma equação? Esses objetos são abstratos ou são concretos? Como

compreender um objeto matemático? Eles são criações nossas ou existem

independentemente de nós?

Defendemos que, assim como em outros campos do saber, a Matemática

carrega também o caráter de mudança. Diferentemente do que muitos pensam, as

concepções do que é Matemática, como se caracterizam seus objetos de estudo e

como devem ser os processos de ensino, mudam permanentemente. Diversos

eventos contribuem para essa contínua mudança no entendimento desses

elementos: influências de pensadores; processos socioculturais; o desenvolvimento

científico; dentre outros.

Considerando inicialmente as mudanças nas concepções sobre o que é

Matemática, utilizaremos argumentos estudados no âmbito da História da

Matemática, que começou a fazer parte da cultura primeiramente como técnica, para

atender a necessidades humanas mais imediatas, por meio de cálculos aritméticos e

geométricos elementares, e suas origens perdem-se no tempo. Boyer e Merzbach

(2012) fortalecem esse pensamento, ao expressarem que

[A] princípio as noções de número, grandeza e forma podiam estar relacionadas com contrastes mais do que com semelhanças – a diferença entre um lobo e muitos, a desigualdade de tamanho entre uma sardinha e uma baleia a dessemelhança entre a forma redonda da lua e a retilínea de um pinheiro. Gradualmente deve ter surgido da massa de experiências caóticas, a percepção de que há analogias: e

66

dessa percepção de semelhanças entre números e formas nasceram a ciência e a Matemática. (p. 24)

Essa compreensão de que um lobo, uma árvore e um carneiro têm algo em

comum – a unicidade -, pode ter sido, no entendimento dos historiadores, a primeira

forma de percepção abstrata de que certos grupos têm uma característica em

comum, a qual pode ser representada pelo que hoje chamamos de “número”, o que

representou um grande passo não apenas para a Matemática, mas para a própria

humanidade. Quando esse processo se deu, ou em que época ocorreu e aonde, e

que período temporal levou do aspecto simbólico até ao abstrato, são questões que

envolvem respostas bastante complexas e pouco conclusivas.

Há, no entanto, unanimidade de entendimentos entre os historiadores de que

tais fatos ocorreram de forma gradual e pode ter levado milhares de anos,

estimando-se seu início há mais de 300.000 anos (BOYER E MERZBACH, 2012).

Davis e Hersh (1985, p. 34), afirmam que “dificilmente existem culturas, por mais

primitivas que sejam que não exibam algum tipo de matemática rudimentar”.

Tais relatos apontam para uma direção que compreendemos como

fundamental na discussão que estamos propondo sobre o concreto e o abstrato:

parece claro que os fundamentos do conhecimento matemático, com seu caráter

simbólico-abstrato, tem sua origem a partir das muitas experiências do homem com

o mundo.

Não há dúvida que todo o nosso conhecimento começa com a experiência; pois de que outro modo poderia a nossa faculdade de conhecimento ser despertada para o exercício, não fosse por meio de objetos que estimulam nossos sentidos e, em parte, produzem representações por si mesmos, em parte colocam em movimento a atividade do nosso entendimento, levando-a a compará-las, conectá-las ou separá-las e, assim, transformar a matéria bruta das impressões sensíveis em um conhecimento de objetos chamado experiência? (KANT, 2013, p.45)

Essas considerações nos levam a conceber os primórdios da Matemática

advindos involuntariamente das necessidades do homem. Nessa perspectiva, os

processos primeiros são de um simbolismo para representação de quantidades e

que constituíram processo semelhante ao da aprendizagem de uma linguagem ou

idioma. Relacionado a isso, Devlin (2006) defende que todo ser humano traz consigo

dois elementos que o distingue dos outros animais: a capacidade para compreensão

67

dos processos matemáticos mais simples e para aprender uma linguagem de

comunicação com os seus semelhantes.

No entanto, tais considerações sobre a Matemática e, nesse caso, a

capacidade de abstração humana, ainda não é intencional, mas um processo

involuntário e natural para nós. Essas considerações já nos dão bases para que

voltemos à pergunta inicial: o que é a Matemática? É provável que qualquer pessoa

que não lide cotidianamente com a Matemática, responda essa questão dizendo que

ela é a Ciência que estuda os números. No entanto, para Devlin (2006), tal

afirmação estaria defasada em, pelo menos, 2.500 anos.

A resposta para o que vem a ser a matemática mudou diversas vezes desde aquela época. Até cerca de 500 a.C., a matemática era realmente algo que tratava de números. A matemática do antigo Egito, Babilônia e China consistia quase que inteiramente em aritmética. Era largamente utilitária e de uma variedade bem do tipo ‘livro de receitas’. Entre 500 a.C. e 300 d.C. a matemática se expandiu além do estudo dos números. Os matemáticos da antiga Grécia se preocupavam mais com a geometria. (...) Para os gregos, com ênfase na geometria, a matemática eram números e formas. (...) Depois dos gregos, embora a matemática progredisse em diversas partes do mundo – notavelmente na Arábia e na China -, sua natureza não mudou até meados do século XVII. (...) A matemática tornou-se o estudo dos números, da forma, do movimento, da mudança e do espaço. (DEVLIN, 2006, p.24-25)

As considerações de Devlin levam-nos a alguns indícios de como a

Matemática era vista no período anterior ao tempo em que viveu Platão, sob os

aspectos da sua relação com o concreto e com o abstrato. Como o uso da

Matemática era basicamente utilitário, havia, no nosso entendimento, uma forte

relação com a realidade concreta, com os objetos concretos, com o cotidiano das

pessoas. Nessa perspectiva, ficam implícitas as compreensões de que o tratamento

dado à Matemática estava muito próximo das aplicações a situações práticas, a

problemas enfrentados pelo homem no cotidiano. Essa concepção é reforçada por

Singh (1999), no seguinte fragmento:

[O]s povos egípcios e babilônios viam a Matemática como uma ferramenta para resolver problemas práticos. A motivação que conduziu à descoberta de algumas leis básicas da geometria era a necessidade de refazer a demarcação dos campos, perdida durante as enchentes anuais do Nilo. A palavra geometria significa “a medida da terra” (SINGH, 1999, p.29).

68

É importante destacar que falamos de ‘aplicações da Matemática em

situações concretas’ e não de ‘Matemática concreta’. Afinal, a concepção de

Matemática como ‘a ciência de estudo dos números’, tem por trás uma conjuntura

totalmente abstrata, a partir do aspecto de abstração que estamos a considerar

momentaneamente. Os números, as propriedades e operações geradas a partir

deles e as várias aplicações, inclusive nas medições de terra à época, são exemplos

claros dessa característica que carrega consigo também um forte simbolismo para

representações das mais variadas formas de pensamento.

Podemos afirmar, entretanto, que esse estágio já representa um nível

avançado do processo de abstração matemática. Devlin (2006), ao compreender

que possuímos um senso numérico inato, também entende que há duas ‘chaves’

que abriram a porta do mundo numérico superior a 3 (três) e que, até onde se sabe,

somente nossa espécie achou as duas. A primeira é a faculdade de contar. A

segunda é o uso de símbolos arbitrários para denotar números e, assim, lidar com

quantidades diversas por meio da manipulação de símbolos.

De acordo com Devlin, “[A]mbas as faculdades, a contagem e a

representação simbólica, estão entre o conjunto de faculdades (relacionadas) que

nossos ancestrais adquiriram entre 75.000 e 200.000 anos atrás (DEVLIN, 2006,

p.63). Para esse pesquisador, os registros encontrados na forma de pinturas e

entalhes em pedras com pelo menos 35.000 anos, evidenciam a existência de um

conceito de numerosidade, mas não implicam, necessariamente, num conceito de

número11, que é puramente abstrato.

A melhor prova atual que temos para a introdução dos números abstratos para contagem, diferentemente de marcações, foi descoberta pela arqueóloga Denise Schmandt-Besserat, da Universidade do Texas, nas décadas de 1970 e 1980, em sítios arqueológicos no Iraque, onde floresceu uma sociedade sumeriana muito avançada por volta de 8.000 a 3.000 a.C.. Essa cientista

11

Para Butterworth (1999), perceber numerosidades ao nosso redor é tão básico quanto enxergar as cores presentes em nossa volta. “As cores não estão no mundo físico, elas são um atributo construído pelo nosso cérebro, assim como os números. Quando vemos três vacas marrons, nosso cérebro automaticamente e involuntariamente nos diz que são três vacas e que elas são marrons” (tradução nossa). Para Butterworth, o ser humano tem uma capacidade inata para contagem e essa capacidade indica uma construção mental abstrata de número. Piaget não negava que bebês são capazes de discriminar conjuntos com 2 ou 3 elementos, mas ele não considerava essa habilidade como uma prova do conhecimento de número. Segundo ele, o conceito de número emerge aos 4 ou 5 anos de idade e representa uma síntese feita por abstração reflexiva das relações de ordem e de inclusão hierárquica (PIAGET, 1978)

69

encontrou peças de argila de diferentes formas, incluindo esferas, discos, cones, tetraedros, ovóides, cilindros triângulos e retângulos. Denise percebeu que aquelas intrigantes pecinhas de argila eram ‘contadores’ usados no comércio. Cada forma representava uma quantidade de um determinado item (DEVLIN, 2006, p.68).

Essas considerações trazem à tona desdobramentos interessantes para a

discussão sobre o concreto e o abstrato no âmbito do conhecimento matemático.

Implicam que, por muito tempo, houve uma ideia abstrata de quantidade, mas nada

parecido com a concepção de número dos dias atuais. No entanto, no período ainda

longínquo, mas bem mais próximo da nossa era, e em especial nos primeiros

séculos, a ideia de número teve um desenvolvimento extraordinário, aproximando-se

muito das concepções modernas que temos hoje.

A ideia original de designar números tendo um pequeno conjunto de símbolos básicos e colocando-os um ao lado do outro para formar ‘palavras’ numéricas é atribuída aos babilônios, por volta de 2.000 a.C. Como era constituído na base 60, o próprio sistema babilônico era difícil de usar, e assim não teve aceitação universal, embora ainda seja usado na geografia e na nossa medida de tempo (DEVLIN, 2006, p. 72).

Parece-nos simples, hoje, a ideia de juntar algarismos para formar números,

mas ela é o engenhoso resultado de séculos de desenvolvimento do que os

matemáticos denominam de ‘notação posicional’, que, em resumo, significa que a

posição de cada algarismo indica seu valor. Para que tenhamos uma ideia do largo

intervalo de tempo, quando comparado com as mudanças rápidas e grandiosas que

têm marcado todos os ramos do conhecimento nos últimos séculos, analisemos,

aproximadamente, como se desenvolveu o sistema de contagem que usamos

atualmente.

Porém, antes do sistema decimal que usamos atualmente, - ou até mesmo

paralelamente -, dependendo da região geográfica-, muitos outros sistemas de

contagem foram utilizados. Em algumas regiões predominou por muito tempo,

segundo Bergamini (1965, p. 16), o sistema de base 60, que surgiu antes de 1700

aC.

Tábuas cuneiformes dessa época indicam que já era usado para notáveis cálculos dos matemáticos súditos do Rei Hamurabi. Não tinham, ainda, símbolo para o zero. Deixavam espaço em branco para indicar posição não ocupada numa sequência. Mas, como

70

muitas vezes se esqueciam disso, os números ficavam ambíguos. Por volta do século 300 a.C., segundo período do qual os arqueólogos escavaram grande número de tábuas cuneiformes, havia aparecido símbolo para o zero: uma marca semelhante à letra W de cabeça para baixo. (...) O sistema de base 60 sobreviveu aos mesopotâmios que o inventaram e, durante séculos, foi a única notação posicional existente. (BERGAMINI, 1965, p.16-17).

Foi somente em torno do ano 500 de nossa era que os hindus desenvolveram

uma notação posicional para o sistema decimal. Tal configuração foi estabelecida ao

abandonarem os símbolos que vinham usando para algarismos maiores que 9

(nove) e padronizarem os nove primeiros algarismos. Embora sofrendo

modernizações posteriores, são esses os símbolos que ainda hoje usamos para os

algarismos de 1 a 9. O zero, embora importante, somente apareceu em estágio

posterior do desenvolvimento da notação posicional decimal, fato que também

constituiu um salto qualitativo, considerando-se os sistemas de numeração até então

utilizados. A história de sua evolução é rica, mas não será aqui objeto de discussão.

De acordo com Boyer e Merzbach (2012, p.30), inscrições em tumbas e

monumentos dão conta da existência de um sistema de numeração hieroglífica

egípcio tão antigo quanto as pirâmides, datando de cerca de 5.000 anos atrás e que

baseava-se na escala de dez.

Usando um esquema iterativo simples e símbolos diferentes para a primeira meia dúzia de potências de dez, números maiores que um milhão foram entalhados em pedra, madeira e outros materiais. Um traço vertical representa uma unidade, um V invertido indicava 10, um laço que lembra um pouco a letra C maiúscula valia 100, uma flor de lótus, 1.000, um dedo dobrado, 10.000, um peixe era usado para indicar 100.000 e uma figura ajoelhada (talvez o deus do Sem-fim) 1.000.000 (BOYER; MERZBACH, 2012, p.30).

Isso indica que, apesar de um uso bem diferente do que temos atualmente, a

ideia de um sistema com agrupamentos de dez unidades tem origem bem mais

longínqua do que possa parecer. Para alguns autores, como Boyer e Merzbach

(2012) e Bergamini (1965), talvez a explicação mais convincente para a escolha do

decimal esteja ligada a quantidade de dedos das mãos, pois, como atestam Boyer e

Merzbach (2012), em termos operacionais o sistema de base 60 seria bem mais

vantajoso.

71

Um fato significante para nossa discussão sobre o concreto e o astrato

relativo aos sistemas de contagem diz respeito ao entendimento de que, qualquer

que fosse o sistema de contagem adotado12, há uma forte relação com o aspecto da

abstração, pois tais sistemas usavam elementos simbólicos13 para representação de

quantidades numéricas, sem falar na abstração primeira, já embutida nos processos

de contagem, que é a ideia de numerosidade.

Figura 3: Representação do sistema de numeração egípcio

Fonte: Bergamini (1965)

Quando observamos o sistema decimal, com sua forma simbólica adotada

atualmente, não nos damos conta, em face da relação intrínseca que temos com o

mesmo, de todo o processo de construção simbólica e ligada ao aspecto abstrato

que há por trás. Porém, devemos ter em mente que esse simbolismo inicial foi

fundamental para o processo elaborado de abstração e possibilitou o

desenvolvimento de outras construções simbólicas e mais abstratas, como por

exemplo, o sistema posicional, que surgiu posteriormente.

No caso particular do conceito de número, o aspecto simbólico foi ainda mais

necessário, tendo em vista que não há no mundo da concretude objetos físicos que

12

Boyer & Merzbach (2012), deixam claro que foram muitos os sistemas de contagem: base

decimal, base vigesimal, base sexagesimal, dentre outras, que variavam em relação à região (Egito, Mesopotâmia, Grécia, Índia) e ao período temporal.

13 Há uma grande diferença entre simbolização e abstração. No entanto, para alguns autores

o simbolismo precede o processo de abstração. “Parece consensual entre os professores a necessidade de que no ensino fundamental a ação desenvolvida no ensino da Matemática evolua do observável, do concreto, do empírico e do manipulável para o simbólico, para o abstrato e para o formal” (MIGUEL, 2005, p.386).

72

representem diretamente o objeto da matemática “número”14. Assim, essa falta de

representatividade imediata e a importância do número para as atividades humanas,

exigiu a criação dos caracteres simbólicos para que a eles se pudessem associar as

quantidades.

Figura 4: Notação numérica ligada à escrita Brahmi e seus derivados imediatos.

Fonte: (IFRAH, 2000, p.397)

Em grande parte desse longo período de tempo, marcado pelas estruturações

dos mais variados sistemas de contagem e pelo refinamento simbólico dos mesmos,

culminando com o sistema decimal, o conhecimento da Matemática teve como

14

Sobre essa questão trataremos com mais detalhes no capítulo seguinte.

73

principal vetor de incentivo a busca de resposta para questões relacionadas aos

problemas do dia-dia. Esse cabedal de temas matemáticos explorados na solução

de questões do cotidiano tinha os números como elemento central.

No entanto, os estudos matemáticos independentes de aplicações e das

necessidades da vida cotidiana, gradualmente se expandiram, em especial a partir

da perspectiva da Escola Pitagórica15. Em uma visão filosófica, os pitagóricos

acreditavam que todos os fenômenos naturais pudessem ser explicados por

relações numéricas, isto é, propriedades matemáticas. Ou seja, defendiam que o

Universo como um todo podia ser expresso matematicamente, ou, numericamente.

Daí a afirmação que sustentava a doutrina pitagórica, “tudo é número e harmonia”,

mostrando a supervalorização dada aos números, em especial, ao estudo de suas

relações. “Ele (Pitágoras) percebeu que os números existem independentemente do

mundo palpável e, portanto, seu estudo não é prejudicado pelas incertezas da

indecisão” (SINGH, p.28, 1999).

O estudo de propriedades sutis envolvendo números era o fascínio da Escola

Pitagórica, que passou a conceber as relações numéricas totalemente

independentes da realidade, entrando num processo de completa abstração. Uma

prova disso reside na importante relação entre uma terna de números naturais que

leva o nome de ‘Teorema de Pitágoras’. No entanto, de acordo com Singh (1999),

[É] importante mencionar que, embora este teorema esteja eternamente associado a Pitágoras, ele já era usado pelos chineses e babilônios mil anos antes. Contudo, estas culturas não sabiam que o teorema era verdadeiro para todos os triângulos retângulos. Era verdadeiro para os triângulos que tinham testado, mas eles não tinham meios de demostrar que era verdadeiro para todos os triângulos que ainda não tinham testado (SINGH, 1999, p.40).

É possível conjecturar que Pitágoras e seus seguidores não conhecessem a

relação numérica, nem seu uso na resolução de problemas nem qualquer

demonstração sobre ela, mas, o que importa para nossa reflexão é que os

aprofundamentos que desenvolveram sobre essa relação e tantas outras ligadas aos

15

Escola fundada por Pitágoras (570 a. C. – 496 aC) e que tinha como ponto de partida estudar Matemática, Filosofia e Ciências naturais. A escola, por sua vez, também é conhecida como seita, irmandade, ou fraternidade pitagórica, pois além dos estudos, seguiam mandamentos e rituais até então secretos. Boyer (1974, p. 36) diz que tal escola era politicamente conservadora e tinha um código de conduta rígido.

74

números alargaram a distância entre o conhecimento matemático e os problemas

práticos do dia-dia. Antes, talvez já se conhecesse a relação, mas, em face da

preocupação em resolver questões ligadas à vivência das pessoas, com

necessidades reais de respostas, não se tenha visualizado, generalizado ou

abstraído o processo da forma como os pitagóricos o desenvolveram.

Foi um processo de abstração complexo que tornou possível a Pitágoras e

seus seguidores alcançarem a prova da propriedade matemática – Teorema de

Pitágoras -, que transformou essa relação de números em um dos teoremas mais

famosos de toda a história da humanidade e gerou a possibilidade de novas e bem

mais profundas investigações, como, por exemplo, no caso do último Teorema de

Fermat, como cita Singh (1999, p.46).

De modo indireto, Pitágoras contribuiu para o pensamento de Platão

estabelecendo que, em termos matemáticos, a verdade independe de opiniões e a

construção da lógica matemática se tornara o árbitro da verdade. Para Singh (1999),

esta foi a maior contribuição de Pitágoras para a civilização – um meio de conquistar

uma verdade que está além das fraquezas do julgamento humano.

Esses fatores indicam o avanço, em termos de abstração da Matemática no

período, mesmo sem abandonar suas aplicações aos problemas da realidade, que

continuaram em diversos segmentos das sociedades, tanto com elementos da

Geometria, como nas marcações de terras, como no uso dos números em

problemas relacionados ao dia-dia.

A partir do século IV a.C., período em que ainda não se tinha o sistema

decimal de contagem nos moldes do que temos hoje, a Matemática passou a gozar

de outras características, que diferentemente de épocas anteriores, agora passariam

a se fortalecer, graças às novas concepções filosóficas sobre o conhecimento

matemático, que tiveram Platão (430 a. C. – 347 a. C.) como o principal interlocutor.

Com isso, a Matemática ganhou uma nova perspectiva, aliando à concepção

anterior, baseadas nas ideias de Pitágoras, ligadas quase que totalmente aos

números, aos processos formais matemáticos. Nesse período, pode-se ainda

destacar a especificidade da Matemática para a resolução de problemas práticos,

especialmente inerentes à relação entre Geometria e Aritmética e às aplicações no

cálculo de áreas de terras usadas na agricultura.

75

No entanto, é nesse período que surgem elementos que fortalecem o aspecto

de abstração da Matemática, especialmente com as concepções de Platão, ao tratar

a Matemática como a ciência de estudo dos objetos de existência independente.

Machado (2009, p.20) afirma que, para Platão, “as formas matemáticas não eram

idealizações de objetos empíricos, mas, elas preexistiam independentemente deles

e a eles serviam de modelos”.

Da mesma forma, Bicudo (2006, p.30) reforça a visão platônica ao se referir à

realidade dos objetos matemáticos como “a das formas perfeitas, cuja existência

independe da ação humana. Existindo de maneira objetiva, sendo reais e perenes,

independentes da realidade mundana”. Essa concepção, de um modo mais geral,

está inserida no absolutismo, que compreende que o ato de conhecer partiria do

princípio das descobertas.

Percebe-se, então, que nesse período há uma expansão dos estudos que

desligam a Matemática das aplicações práticas e a concebem com uma aparente

independência. Essas concepções são reforçadas e ganham notoriedade pelo

entendimento de Platão de que a Matemática não era representada por objetos da

realidade e, assim sendo, poderia ser descoberta, explorada e estudada num

patamar distante e independente dos problemas da vida cotidiana.

As concepções de Platão, que ainda predominam em várias práticas

educativas da atualidade, deixaram marcas profundas em muitos campos do

conhecimento e reinaram absolutas principalmente nos primeiros séculos da nossa

era. Uma prova disso são os relatos históricos de adesão total ao pensamento

platônico, considerando-o como uma ideologia verdadeira para a vida e para o

conhecimento. Um exemplo dessa característica é um fragmento citado por Singh

(1999) e atribuído a Santo Agostinho:

(...) embora Deus pudesse ter criado o mundo em um instante ele decidiu levar seis dias de modo a refletir a perfeição do universo. E acrescentava que 6 não era perfeito porque Deus assim o quisera, e sim que a perfeição era inerente a natureza do número. ‘O número é perfeito em si mesmo e não porque Deus criou todas as coisas em seis dias. O inverso é mais verdadeiro, Deus criou todas as coisas em seis dias porque esse número é perfeito. E continuaria perfeito mesmo que o trabalho de seis dias não existisse’ (SINGH, p.32-33, 1999).

76

Esse é um exemplo claro de que, até mesmo no entendimento de estudiosos

da Filosofia que viveram nos primeiros séculos, era cultuada a concepção platônica

sobre o conhecimento. O que faz emergir até esse ponto é o indicativo de que no

período anterior à Pitágoras havia elementos abstratos envolvidos, como haverá

sempre em qualquer estudo do campo da Matemática.

No entanto, ao que nos parece, eles não eram estudados ‘soltos’ da

realidade, do contexto de onde as pessoas estavam inseridas, sem uma aplicação

prática. A partir das novas concepções, surgidas com Pitágoras e aprofundadas com

o pensamento de Platão e de seus seguidores, foi dada uma nova perspectiva ao

conhecimento matemático, ao ser demarcada a possibilidade de se estudar

Matemática sem a necessidade de relacioná-la a situações concretas, aos

problemas do cotidiano.

A expansão da Matemática para além do estudo dos números pode ser

demarcada no período que se estende por volta da metade do século V a.C. até o

século III dC, quando os matemáticos da antiga Grécia passaram a investigar as

relações entre números e Geometria, fato que culminou com o surgimento dos

números irracionais.

Para Singh (1999), foi somente com os gregos que a Matemática realmente

passou de um conjunto de técnicas para se medir, contar e calcular, para uma

disciplina acadêmica, que tinha tanto elementos estéticos quanto religiosos. Nessa

perspectiva, já estavam estabelecidas as concepções de que as assertivas que

fossem explicitadas com precisão podiam ser provadas logicamente através de

demonstrações formais.

Tais aspectos nos levam ao entendimento de que os primeiros povos que se

dedicaram à Matemática, como uma arte por si mesma, independente do mundo da

experiência, foram os gregos. E, ainda mais, podemos conjecturar que suas

invenções sobre formas puras e abstratas constituíram a base da Geometria de

Euclides que, por sua vez, representa a base de todo o conhecimento matemático

moderno.

Os matemáticos gregos acumularam um repertório completo de teoremas já demonstrados, para uso na demonstração de outros teoremas mais avançados. Além do mais, procuravam arrumar todos os teoremas um ao lado do outro, numa pirâmide invertida cada vez mais ampla de conhecimentos. O ponto no vértice dessa pirâmide podia inserir-se com firmeza na experiência quotidiana, mediante

77

alguns axiomas evidentes por si mesmos, tais como: a menor distância entre dois pontos é uma linha reta; ou duas linhas retas podem cruzar somente vez (BERGAMINI, 1965, p.41).

Daí, podemos mais uma vez ratificar, buscando um marco histórico para o

desligamento mais forte entre a Matemática e a realidade, que tal período se deu

com essa nova concepção de Matemática na Grécia. Até então, os objetivos do uso

de conhecimentos desse campo estavam presos às necessidades da vida e,

portanto, havia uma forte ligação entre Matemática e realidade. No entanto, com os

gregos, essas “amarras” com o concreto físico tornam-se mais frágeis, ao ponto de

total desligamento em alguns tópicos de estudo da Matemática.

[T]anto os babilônios quanto os egípcios haviam empregado uma geometria simplista na medição de terras e construções, mas, apenas como aplicação prática da numeração – em termos, por exemplo, do número de ladrilhos ou blocos de pedra necessários para a fachada de um palácio. Os gregos tinham uma ideia muito mais abstrata. Acreditavam que determinada forma tinha propriedade intrínsecas imutáveis, independentes de seu tamanho. Assim, um triângulo retângulo de 45º - que (entre outros) tem dois lados iguais – pode estender-se até à Lua, ou estar na cabeça de um alfinete, mas, de qualquer forma, permanece um triângulo retângulo de 45º (BERGAMINI, 1965, p.41).

No estágio posterior, o conhecimento matemático é marcado por vários

progressos em diversas partes do mundo – notavelmente na Arábia e na China -,

mas, conforme destacam Bergamini (1965) e Devlin (2006), as duas vigas mestras

da Matemática, constituídas pela Aritmética, Ciência dos números, e pela

Geometria, Ciência das formas e das relações espaciais, permaneceram com certa

prevalência nas concepções do conhecimento até meados do século XVII, quando a

Matemática se tornou o estudo dos números, da forma, do movimento, da mudança

e do espaço.

Nesse longo período ocorreram muitos progressos matemáticos,

especialmente relacionados ao desenvolvimento da Álgebra. De acordo com

Bergamini (1965), vários matemáticos hindus e mulçumanos tiveram papel

importante no estudo de equações algébricas. “Nesse processo não criaram novos

conhecimentos, mas, pelo menos, devido ao constante exercício, despiram a arte

das equações de sua aura de mistérios” (p.67).

78

Sobre o tratamento da Matemática próxima da realidade material (concreto

físico) ou despida de inferências da experiência (caráter abstrato), defendemos que

nesse longo período o que predominou foi a concepção de uma Matemática com

certa independência e com uma valorização cada vez mais crescente dos

aprofundamentos teóricos, como teoremas e demonstrações, que surgiram a partir

do desenvolvimento da própria Matemática, sobre conjecturas abstratas - em

detrimento das aplicações práticas.

A partir do século XVII a expansão do conhecimento matemático se deu com

o advento do tratamento analítico usado pela nova Geometria (Geometria Analítica),

traduzindo um ramo da Matemática em termos de outro, abrindo caminho para os

vários ramos avançados em termos de conhecimento matemático, contemplados, na

maioria das vezes, pela designação do campo de estudo hoje denominado de

Análise. Porém, paralelamente, surgiu uma variedade de questões nesse período,

conforme descreve Devlin (2006):

O cálculo infinitesimal foi desenvolvido no século 17; os números negativos passaram a ser usados comumente no século 18, a álgebra abstrata moderna, onde símbolos como x, y e z denotam entidades arbitrárias, tem apenas 150 anos (DEVLIN, 2006, p.20)

Não é difícil compreender que o período que se estende do século XVII até os

dias atuais se configura como o de maior expansão do conhecimento matemático e,

em especial da tendência abstracionista da Matemática. Segundo Devlin (2006), a

partir de 1750, houve um interesse crescente na teoria matemática, não apenas em

suas aplicações, à medida que os matemáticos procuravam compreender o que

estava por trás do enorme poder do cálculo infinitesimal. Para ele,

[A]o final do século XIX, a matemática havia se transformado no estudo dos números, forma, movimento, mudança, espaço e das ferramentas matemáticas que são usadas nesse estudo. Foi esse o início da matemática moderna (DEVLIN, 2006, p.25)

Ousamos em dizer que, associada a todo esse desenvolvimento do

conhecimento, fortaleceu-se progressivamente a concepção de que a Matemática

poderia avançar totalmente desligada da realidade. Se olharmos tal perspectiva sob

o ângulo de pesquisa acadêmica, compreenderemos que essa característica goza

79

de certa consistência dada à especificidade desse conhecimento, que é de natureza

abstrata. Porém, se lançarmos o olhar tentando compreender a relação entre a

Matemática e seu ensino, suspeitamos que tal característica tenha contribuído para

sérios problemas, culminando com concepções docentes equivocadas em sala de

aula.

A compreensão de que a Matemática, como ciência, goza da especificidade

abstrata não deve servir de justificativa para que o seu ensino se dê totalmente

desconectado da realidade. Devlin (2006), respondendo novamente à pergunta

sobre o que é Matemática, enfatiza:

[A] matemática é a ciência dos padrões. (...) os padrões estudados pelo matemático podem ser reais ou imaginários, visuais ou mentais, estáticos ou dinâmicos, qualitativos ou quantitativos, utilitários ou recreativos. Eles surgem no mundo à nossa volta, das profundezas do espaço e do tempo, e do funcionamento da mente humana (DEVLIN, 2006, p.26).

A partir da definição de Devlin, são perfeitamente aceitáveis as associações

da Matemática com a realidade, mas a complexidade e o nível de abstração

envolvidos na maior parte dos padrões matemáticos, podem fazer com que muitas

pessoas tendam a conceber um ensino de Matemática distanciado do mundo, da

realidade, baseado em uma prática totalmente voltada para o campo da formalidade.

Tal perspectiva pode ser dada em função desse aspecto ser contemplado

tanto na especificidade do conhecimento matemático como na notação

extremamente simbólica. Porém, como enfatiza Devlin (2006), a “limitação para lidar

com abstrações representa a maior barreira ao uso da Matemática, contudo, o

cérebro humano adquiriu essa capacidade quando adquiriu a linguagem, coisa que

todos nós temos” (p.29).

O grande desenvolvimento da Matemática nos últimos séculos impulsionou

novos embates sobre temas gerais filosóficos relativos à especificidade do

conhecimento matemático. Assim, grandes questões, antes postas à margem, como

o que é a Matemática, o que são os objetos de estudo da Matemática e como se dá

a relação entre a Matemática e a realidade, voltaram à cena, na busca de respostas

sedimentadas em contribuições não apenas de avanços na própria Matemática,

mas, também, de outras áreas, como a Psicologia, a Informática, e outras.

80

Algumas dessas contribuições decorreram de discussões no campo da

Filosofia da Matemática, que originaram diferentes correntes de pensamento, dentre

as quais destacamos, em nosso trabalho, o Logicismo, o Formalismo e o

Intuicionismo, em razão da temática que abordamos. A breve referência que

fazemos a essas correntes nos ajuda a refletir acerca da relação entre o concreto e

o abstrato, no conhecimento matemático.

2.4. O Logicismo, o Formalismo e o Intuicionismo.

As correntes filosóficas que destacamos em nosso estudo abarcam diversas

outras concepções mais recentes sobre a especificidade da Matemática e que

tiveram origem no início do século XIX. Na época, apesar do desenvolvimento

crescente da Matemática, a preocupação maior de quem estava inserida nas

pesquisas desse campo, residia nas aplicações em outras áreas de conhecimento.

Foi então que, sob o impulso, dentre outros, de Cauchy, Abel e Weierstrass, iniciou-se um movimento de retorno aos fundamentos, para clarificar certos pontos dúbios e assentar as diversas disciplinas matemáticas sobre bases sólidas. O movimento em apreço culminou com a chamada aritimetização da análise matemática. (COSTA, 2008, p.15)

Foi também nesse mesmo período que houve uma revolução no campo da

Geometria, tendo em vista o surgimento das Geometrias Não-euclidianas,

passando-concebidas não somente como estudo do espaço real, mas como

estruturas lógicas abstratas, dado que existem várias geometrias possíveis. Isso

levou a uma concepção, segundo Costa (2008), de que o matemático puro podia

estudar qualquer Geometria, cabendo ao físico saber qual categoria de espaço,

entre os tipos de espaços assim criados pelo matemático, deveria ser empregada no

estudo da realidade física.

Em meados do século XIX, a lógica formal teve um desenvolvimento

extraordinário, graças aos trabalhos de Boole, que pode ser considerado como o

fundador da lógica matemática ou da lógica simbólica, por tê-la dotado de um

simbolismo matemático e possibilitado uma análise mais profunda das operações

lógicas, lançando, assim, bases para um desenvolvimento cada vez maior da

81

Matemática. Essa percepção foi referendada nos estudos de Sousa (2008), em uma

investigação sob a orientação do prof. Dr John Andrew Fossa.

A partir do desenvolvimento das geometrias não euclidianas e da lógica, há

uma expansão do caráter abstrato da Matemática, fato que foi acentuado com o

entendimento e tentativa de reduzir a Matemática à Lógica, culminando com o

movimento chamado de Logicismo, que teve grande influência do trabalho realizado

por Leibniz.

Seus estudos tiveram como princípio a crítica aos limites da lógica aristotélica,

pois, por meio dela, só era possível demonstrar verdades conhecidas, mas não

revelar novas verdades. Tais pesquisas prepararam as bases para o que foi

chamado de Lógica Matemática Moderna. No final do século XIX, Gottlob Frege

defendeu a redução da Aritmética à Lógica, por acreditar ser a Aritmética a própria

Lógica.

Frege criou um sistema com um alfabeto, leis gerais e regras de inferência,

baseado na Lógica pura e na Teoria dos Conjuntos. O projeto erguido por Frege foi,

no entanto, derrubado por Bertrand Russel, que apresentou as contradições

presentes nos propósitos de Frege, comprometendo-os, através do que ficou

conhecido como “Paradoxos de Russel”. Frege não pôde concluir o seu ideal, ou

seja, justificar toda a Aritmética através da Lógica, mas, apesar disso, a escola

logicista deixou a sua marca ao confirmar a relação íntima entre Matemática e

Lógica. Para Costa (2008),

(...) o grande mérito do logicismo reside na circunstância de ter incrementado o progresso da logística e de haver patenteado que a matemática e a lógica são disciplinas intimamente ligadas entre si, na realidade, inseparáveis. No entanto, isto não significa ter sentido, hoje, querer alguém reduzir a matemática à lógica, pois a matemática atual situa-se inteiramente fora dos limites que o logicismo lhe quis impor. (COSTA, 2008, p.30)

Para Ponte et al (1997), havia axiomas que não eram proposições lógicas no

sentido do logicismo16 e, portanto, embora tendo uma enorme importância para o

desenvolvimento da moderna lógica matemática, a proposta se configurou em um

16

Segundo Snapper (1979) no contexto do logicismo uma proposição lógica é definida como uma proposição que tem generalidade completa e é verdadeira em virtude da sua forma em vez do seu conteúdo. Neste sentido, por exemplo, o princípio do terceiro excluído (p v ~p é sempre verdadeiro) é uma proposição lógica pois p pode ser uma proposição da matemática, da física ou outra qualquer.

82

fracasso, do ponto de vista da sua intenção inicial. Os logicistas consideravam que

nada havia de errado com a Matemática clássica, sendo os paradoxos originados

por erros dos matemáticos e não causados por imperfeições dessa ciência.

Contrapondo-se aos logicistas, os intuicionistas viam as contradições dos

paradoxos como indicações claras de que a Matemática clássica estava longe de ser

perfeita. O seu grande estruturador, Brouwer, entendia que não é a experiência nem

a Lógica que determinam a coerência e aceitabilidade das ideias, mas a intuição.

“Profundamente influenciado pela teoria de Kant relativa à intuição de tempo,

sustenta que os números naturais nos são dados por uma intuição fundamental que

é o ponto de partida de toda a Matemática” (PONTE et al, 1997, p.18).

Para Brouwer, a “matemática não se compõe de verdades eternas, relativas

a objetos intemporais, metafísicos, semelhantes às ideias platônicas” (COSTA,

2008, p.36). Um dos grandes méritos dessa corrente reside nas críticas postas à

Matemática tradicional, o que obrigou os estudiosos da época a reverem seus

fundamentos, inclusive gerando muito crescimento na área, a partir dos debates

realizados entre intuicionistas e formalistas. Entretanto,

(...) o ponto de vista do Intuicionismo é, pois, o de que a matemática é uma construção de entidades abstratas, a partir da intuição do matemático, e tal construção prescinde de uma redução à linguagem especial que é a lógica ou de uma formalização rigorosa em um sistema dedutivo. Admitem os intuicionistas a utilidade dos sistemas formais, mas os consideram produtos acessórios resultantes de uma atividade autônoma, construtiva. (KORNER, apud MACHADO, 2009, p.40).

O fato de se considerar a Matemática como uma construção a partir da

intuição do matemático possibilita o entendimento de que o aspecto da abstração

tem marcas profundas para os intuicionistas. Ora, se o conhecimento matemático

não pode se dar sob nenhuma hipótese, a partir da experiência, então fica evidente

que o caráter abstrato imperava.

Com o intuicionismo sobressai a ideia de que a Matemática é uma ciência que tem a sua origem no espírito e aí se exerce: a Matemática não possui nenhuma existência fora do espírito humano. As palavras e relações verbais constituem uma estrutura “imperfeita” para comunicar as ideias matemáticas que são criadas pela actividade do espírito (PONTE et al, 1997, 18)

83

Uma das principais críticas feita aos intuicionistas é que as suas teses quase

inviabilizam a atividade científica, por insistir “demasiadamente nos caracteres

intuitivo e construtivo das indagações matemáticas, bem como no papel secundário

da linguagem e do simbolismo em geral”. (COSTA, 2008, p.46). Razões como esta

levaram a comunidade matemática a considerar, quase universalmente, o programa

intuicionista pouco razoável e quase fanático. Foi para se contrapor ao que Hilbert

considerava como mutilações e deformações provocadas pelo Intuicionismo, que

emergiu o Formalismo.

A escola Formalista da Matemática tem raízes bastante profundas. Para

Lakatos (1978), essa corrente representa o último estágio na longa história das

filosofias dogmáticas da Matemática. Ela pode ser compreendida como a corrente

da Filosofia da Matemática que tende a identificar a Matemática com sua axiomática

formal. “O formalismo desliga a história da matemática da filosofia da matemática,

uma vez que, de acordo com o conceito formalista de matemática, não há

propriamente história da matemática” (LAKATOS, 1978, p.14).

O Formalismo teve suas bases fundadas por Hilbert, cujos princípios eram

que:

(...) a Matemática compreende descrições de objetos e construções concretas, extralógicas; estas construções e estes objetos devem ser enlaçados em teorias formais em que a lógica é o instrumento fundamental; o trabalho do matemático deve consistir no estabelecimento de teorias formais consistentes, cada vez mais abrangentes, até que se alcance a formalização completa da Matemática (MACHADO, 2009, p.29).

Por volta da segunda metade do século XIX, os formalistas, liderados por

Hilbert, pretenderam conduzir o trabalho dos matemáticos no sentido de estabelecer

teorias formais cada vez mais abrangentes, até alcançar a formalização completa da

Matemática. Essa empreitada tinha em sua essência a base fundada em elementos

constituintes de uma teoria formal: termos primitivos; regras para formação de

fórmulas a partir dos termos primitivos; axiomas ou postulados; regras de inferência

e teoremas.

Com o formalismo a Matemática torna-se um sistema formal que partindo dos axiomas e dos termos iniciais, se desenvolve numa cadeia ordenada de fórmulas, mediadas por teoremas, sem nunca sair de si mesma. Torna-se nem mais nem menos, do que “um jogo

84

linguístico” fundado exclusivamente nas próprias regras do jogo, como acontece, por exemplo, com o jogo do xadrez. Neste contexto, fazer Matemática consiste em manipular símbolos sem significado de acordo com regras sintácticas explícitas (PONTE et al, 1997, p.19)

De uma forma direta podemos afirmar que, do ponto de vista formalista, só se

começa a estudar qualquer coisa em Matemática quando são enunciadas algumas

hipóteses e inicia-se um processo de demonstração. Exemplos de tal

posicionamento estão inseridos por toda parte, sendo um dos mais influentes,

conforme destacaram Davis e Hersh (1988), o formalismo como estilo de exposição

matemática, presente na obra do grupo chamado coletivamente de Bourbakismo17.

Sob este pseudónimo, foi produzida uma série de textos básicos, em nível de

pós-graduação, sobre a Teoria de Conjuntos, a Álgebra e a Análise, que tiveram

uma enorme influência em todo o mundo, em especial nas décadas de 50 e 60 do

século passado, com reverberações posteriores.

No entanto, desde o primeiro quarto do século XX, a partir dos trabalhos de

Gödel, sabe-se que

(...) as pretensões formalistas não passaram de uma quimera: é possível uma demonstração formal de que em qualquer sistema formal suficientemente abrangente a demonstração de todas as proposições é impossível ou conduz a inconsistências. Mais especificamente, Gödel demonstrou que em sistemas formais que comportem uma interpretação da aritmética é impossível conciliar consistência com completude18. (MACHADO, 2011, p.39-40)

Uma análise sem maior aprofundamento dos discursos dos especialistas

sobre a Matemática e da forma como grande parte dos que atuam no meio científico

considera o conhecimento matemático, trará à tona o sentimento de que as

conclusões alcançadas por Gödel ainda não foram completamente digeridas. Assim,

17

O Bourbakismo se referente à corrente de pensamento do conhecimento matemático surgida a partir de um grupo de professores franceses, denominado de Bourbaki (pseudônimo), cujo objetivo inicial era o de fundamentar o ensino de Matemática sobre bases e procedimentos mais rigorosos. Defendiam a unidade na Matemática baseada em três estruturas-mãe: algébricas, topológicas e de ordem. Seus principais representantes eram Cartan, Chevalley, Dieudonné e Weil (DAVIS e HERSH,1988)

18O teorema da incompletude de Gödel é dividido em duas partes. Primeira parte: Seja S um sistema

formal tal que: (i) a linguagem de S contém a linguagem da aritmética, (ii) S inclui a aritmética de Peano, (iii) S

é consistente. Então existe uma sentença aritmética A verdadeira, mas não demonstrável em S. Segunda parte:

Seja S um sistema formal tal que: (i) a linguagem de S contém a linguagem da aritmética, (ii) S inclui a

aritmética de Peano, (iii) S é consistente. Então a consistência de S não pode se provada em S. (NAGEL &

.NEWMAN, 2001)

85

não é de admirar que a ideia do senso comum sobre tal conhecimento ainda esteja

presa a frases como a “Matemática é exata” ou na “Matemática tudo pode ser

provado”.

Segundo Davis e Hersh (1988), o estilo formalista penetrou gradualmente no

ensino de Matemática em níveis superiores e elementares e, finalmente, sob o nome

de Matemática Moderna invadiu até os níveis iniciais de escolaridade, em textos que

já incluiam elementos da Teoria de Conjuntos. O Movimento da Matemática

Moderna teve grande penetração no Brasil e suas influências no ensino já foram

amplamente discutidas por pesquisadores como Valente (2006), não sendo objeto

específico de discussão em nosso trabalho.

A perspectiva Formalista, em face da importância dada aos sistemas de

demonstração, a escrita simbólica e ao aspecto formal do conhecimento

matemático, carrega consigo talvez o mais forte elo entre Matemática e abstração.

Esse fator tem certamente um peso importante no atual modelo de ensino de

Matemática, sendo responsável por posturas didáticas excludentes e tradicionalistas

no âmbito da escola básica.

As correntes do Logicismo, Intuicionismo e Formalismo têm algumas crenças

em comum. Todas concordam, por exemplo, em reservar à Matemática um posto

único no conjunto do conhecimento humano. Para Silva (1999, p.48), contrariamente

às ciências naturais, a Matemática não é, creem os adeptos dessas correntes,

aberta a falsificação empírica, quer porque como lógica pura ela seja constitutiva da

própria razão e, portanto, anterior à experiência; quer porque, como um jogo formal,

a ela não caiba nenhuma noção própria de verdade que possa ser posta ao crivo da

experiência; quer ainda porque, como uma vivência essencialmente privada, ela não

esteja submetida senão à evidência interna.

Permeando estas concepções do conhecimento matemático, está a visão da

relatividade da crença na verdade absoluta da Matemática. Segundo essa

tendência, a Matemática é passível de erros e revisões, sendo resultado da

construção histórica da humanidade, principalmente para, a princípio, resolver

problemas prementes de uma determinada sociedade, não podendo “ser separada

do conhecimento empírico, da física e das outras crenças”. (BARALDI, 1999, p.90)

Tal concepção, denominada de falibilista, tem Imre Lakatos como seu

principal representante. A crise nos fundamentos da Matemática permite

86

vislumbrarmos críticas ao absolutismo, “pois todo fundamento solicita por mais

fundamento. A verdade matemática e a prova repousam sobre a lógica e a dedução.

Mas, e a lógica, sobre o que repousa?” (BICUDO e GARNICA, 2006, p.32). Para

Baraldi,

[A]s concepções falibilísticas permitem olhar a Matemática sem a preocupação dominante de encontrar fundamentos seguros e absolutos para esta ciência, aceitando que os matemáticos e seus produtos são falíveis, incluindo provas e conceitos (BARALDI, 1999, p.89-90).

Lakatos (1978) defende que é inaceitável a forma como a Matemática

tradicional é apresentada pelos logicistas ou formalistas: como uma estrutura

fechada, acabada e inquestionável, semelhante a “um processo mecânico que

transmite a verdade numa cadeia inquebrável, das hipóteses até as conclusões”

(DAVIS; HERSH, 1985, p.389). Sobre um texto de Lakatos, apresentado em um de

seus livros, Davis e Hersh (1986), comentam:

[E]m vez de apresentar símbolos e regras de combinação, ele apresenta seres humanos, um professor e seus alunos; Em vez de apresentar um sistema construído a partir de seus primeiros princípios, ele apresenta um choque de opiniões, raciocínio e contrarraciocínios. Em vez de matemática esqueletizada e fossilizada, ele apresenta a matemática crescendo a partir de um problema e uma conjectura, com uma teoria adquirindo forma sob nossos olhos, no calor do debate e da discordância, a dúvida cedendo lugar à certeza e em seguida a novas dúvidas (DAVIS; HERSH, 1986, p.388).

A Matemática não se desenvolve segundo uma linha ininterrupta de contínuo

progresso por simples acumulação de conhecimento (materializado em teoremas),

como quer fazer crer a perspectiva formalista, da qual o Bourbakismo é herdeiro.

Antes, entendemos que a imagem geométrica mais apropriada para o

desenvolvimento da Matemática é a espiral, pois, parafraseando Lakatos (1978),

[A] Matemática progride, segundo uma dialética de demonstrações e refutações aberta a toda sorte de influências, até mesmo de fatores empíricos e quase empíricos, antes que qualquer formalização seja possível. (SILVA, 1999, p. 52)

87

Machado (2009) entende que o pensamento matemático, por mais que tente

se libertar da experiência, se afastar da realidade e constituir-se em um sistema

independente, fechado, que se nutre de si próprio e que progride em função de suas

necessidades intrínsecas, parece trair-se, a cada momento, a revelar em suas raízes

os resíduos da experiência concreta. Sobre essa questão, Machado (2009) vai além,

ao comentar que

[A]lguns matemáticos procuram, intencionalmente, manter-se à distância de figuras geométricas ou objetos empíricos. É como se, não satisfeitos em se imaginar jogando xadrez, privilegiassem o jogo às cegas. Julgam com isso garantir certa assepsia nos resultados que procuram obter. Isto tem sido muito comum, por exemplo, a partir do final do século XVIII, quando um bom livro de Geometria Analítica não devia conter figuras para evidenciar que não dependia delas (MACHADO, 2006, p.52-53).

O certo é que, passada a primeira década do século XXI, com os avanços e

expansões gigantescas ocorridas em todas as esferas do conhecimento científico,

em especial, no conhecimento matemático, parece-nos que velhas questões nos

acompanham e que ainda ditam os costumes de atuação no contexto do ensino de

Matemática. Mudar tais posturas, atitudes e procedimentos, demanda

aprofundamentos teórico-filosóficos que devem começar desde a formação inicial

dos professores, para que se convertam em resultados nas metodologias

empregadas em sala de aula, ao se conceber o conhecimento matemático de modo

diferente, especialmente nos níveis básicos de educação.

Um bom começo, sem dúvida, reside em refletir sobre questões que deveriam

fazer parte das rotinas dos professores: como olhar a Matemática a partir do

contexto escolar e como posicioná-la frente às relações entre concreto e abstrato?

Como relacionar o conhecimento matemático aos problemas da realidade cotidiana?

A busca de respostas para estas e outras questões de mesma natureza

demandam estudos acerca dos conceitos nelas envolvidos, os quais, por sua vez,

levarão a indagações mais profundas, adentrando-se em campos psicológicos,

filosóficos e educacionais.

88

III. O Concreto e o Abstrato

3.1. Ampliando nossas discussões

As concepções sobre concreto e abstrato, no âmbito educacional, são

utilizadas por muitos agentes do processo de ensino (gestores, coordenadores e

professores), como noções ilustrativas de práticas muitas vezes não refletidas. Essa

perspectiva leva ao que podemos chamar de exagero no emprego desses conceitos,

trazendo como consequência a criação de fatores simplistas acerca dos seus

significados.

Talvez esse fato tenha contribuído para, ao longo do tempo, a partir de uma

concepção desprovida de aprofundamento teórico sobre a relação entre o concreto e

o abstrato, professores terem utilizado um viés mecanicista, vinculado à corrente

Formalista, para explicar e guiar suas práticas docentes demonstrando, muitas

vezes, uma posição equivocada frente aos anseios aos alunos e às novas

demandas formativas.

Tomando por base esses aspectos, pretendemos refletir sobre o binômio

concreto-abstrato, buscando compreender os diferentes entendimentos para tais

conceitos e quais as possíveis relações destes com os aspectos da vida cotidiana,

especialmente no que diz respeito à relação com a Matemática e o seu processo de

ensino.

Antes de buscarmos compreensões e/ou relações dos conceitos concreto e

abstrato no ensino de Matemática, convém destacarmos que eles são considerados

elementos importantes para a explicação de fenômenos da sociedade atual, dentre

eles os que envolvem aspectos de natureza econômica. Essa característica é

vislumbrada quando se busca entender a complexidade do mundo do trabalho, dos

fatores de produção e a relação destes com o conhecimento.

Há um consenso geral de que o conhecimento, em todas as épocas,

representou o bem primordial e que hoje se transformou, objetivamente, no principal

fator de produção e riqueza. Os universos do trabalho e do conhecimento já não

podem mais se separar nitidamente.

89

Centrando-se no aspecto econômico, de acordo com Machado (2004, p. 24),

o conhecimento se transformou num dos fatores principais agregados ao preço final

da maioria dos produtos da atualidade. Buscando compreender essa relação e

tomando por base os estudos no âmbito econômico de Boisot (1998), o

conhecimento pode ser representado por um ponto no espaço tridimensional onde

se intersectam três eixos de dimensões: concreto/abstrato; não

codificado/codificado; e difundido/não difundido (Figura 5), que variam de 0% a

100%.

Figura 5: Representação de valor do conhecimento.

Fonte: Boisot (1998)

A concepção adotada para os eixos referenciais, por Boisot, pode ser

interpretada da seguinte maneira: no eixo concreto/abstrato, ele considera que

quanto mais concreto é o conhecimento, no sentido de ser referido a um contexto

bem determinado e somente a ele, menos valor ele tem; por outro lado, quanto mais

abstrato, no sentido de poder transitar de um contexto para outro, mais valor ele

possui.

Fazendo referência aos eixos codificado e o não codificado, o autor entende

que quanto menos codificado alguém apresenta o que sabe, menor valor terá esse

conhecimento; por outro lado, quanto mais codificado ele for, maiores as

possibilidades de valorização. Finalmente, no terceiro eixo, o autor indica que o

concretonão codificado

codificado

não difundido

abstrato

difundido

90

conhecimento será menos valorizado quanto mais difundido ele for; e terá maior

valorização quando não é difundido.

Em resumo, para Boisot (1998), um conhecimento terá sua valorização

mínima quando se apresentar muito difundido, não for codificado e representar

aspectos de concretude. Por outro lado, terá valorização máxima se estiver bem

codificado, não for difundido e envolver alto nível de abstração.

As conjecturas de Boisot (1998), na concepção de Machado, traduzem certas

similaridades, mas, também, algumas contradições, quando analisadas do ponto de

vista educacional. De fato, os eixos concreto/abstrato e codificado/não codificado,

apresentam características que são pertinentes à educação, sejam elas equivocadas

ou não. No entanto, no que concerne ao par difundido/não difundido, considerar que

um conhecimento amplamente difundido seja menos valorizado pode representar os

padrões em voga na economia dos mercados, porém, em termos educacionais,

defendemos que ocorre o contrário.

Usamos essas considerações sobre o caráter do conhecimento a partir de

uma visão econômica para apontar, especialmente, uma das muitas considerações

feitas sobre os conceitos de concreto e abstrato e sua relação com o conhecimento.

Quando afirmamos que existem muitos usos desses termos estamos nos baseando

na polissemia que estes vocábulos evocam em todas as áreas. Para tanto, basta

considerarmos algumas definições postas a respeito desses conceitos.

Na língua portuguesa, de acordo com Ferreira (2001, p.172), concreto é “algo

que existe em forma material; de consistência mais ou menos sólida; claro, definido”,

enquanto que abstrato “é o que expressa uma qualidade ou característica separada

do objeto a que pertence ou que está ligada”. No dicionário The Oxford Escolar

(2009, p.69), temos que concreto “é algo real; objeto físico” e abstrato “é o que

existe no pensamento ou na teoria e não na matéria ou na prática” (tradução nossa).

De maneira geral, quando ouvimos referências aos termos concreto e

abstrato, de fato nos remetemos a uma concepção próxima das definições dadas

nos dicionários e carregadas de conotações positivistas. Ou seja, usa-se concreto

para referenciar a realidade, as coisas palpáveis e perceptíveis, aquilo que é

próximo, que é material. Já o conceito de abstrato é reservado por sua vez a

conotações como: imaginário puro, desmembrado da realidade, genérico e teórico,

distante, de compreensão difícil.

91

Para Wilensky (1991), acerca de qualquer objeto ao qual nos referimos,

sempre há mais do que aquilo que vislumbramos em um primeiro momento, sejam

palavras, ideias, sentimentos, histórias, descrições. Pensar um objeto concreto

qualquer é uma ação que está conectada diretamente a uma visão de mundo a partir

da qual o objeto (particular) ganha uma generalização.

De acordo com Wilensky, uma das consequências desta visão é que não

podemos mais considerar o simples critério sensorial para se falar de concretude,

uma vez que praticamente todos os objetos, todos os conceitos que entendemos,

são construídos por um indivíduo. Eles não são dados aos sentidos, mas, são

construídos ativamente. “Daqui resulta que, quando nós chamamos um objeto

concreto, não estamos nos referindo a um objeto "lá fora", mas sim a um objeto

"aqui dentro", das nossas construções pessoais do objeto” (WILENSKY, 1991, p.3)

Mas, entendemos que, nas práticas educativas, as concepções de concreto

ainda estão presas a significados pontuais. Para Meksenas (1992, p.93),

(...) essas conotações são facilmente percebidas nos discursos dos professores, por exemplo, quando procuram referir-se às práticas de ensino, afirmando que o essencial é a aula que lida com o cotidiano do aluno e para isso, deve-se sempre propor conteúdos concretos, evitando ao máximo as abstrações. Outros, com uma percepção mais sofisticada, admitem que as relações abstratas são importantes, mas, o caminho deve sempre partir do concreto ao abstrato.

Assim como ocorre com o par conceitual concreto/abstrato, também

observamos visões dicotômicas referidas aos pares forma/informal, ciência/senso

comum, prática/teoria, dentre outros.

Segundo Lefebvre (1979, p.110), o tão falado “milagre grego” legou-nos uma

concepção um tanto estreita do saber, culminando com a distinção entre

contemplação (entendida como abstração) e ação (entendida como concreto). Surge

daí o pensamento simplista sobre tais conceitos, influenciando a forma de conceber

vários campos do conhecimento, dentre eles, o conhecimento matemático. Uma vez

que se defende a ideia de que a Matemática é uma disciplina “contemplativa”, é

natural deduzirmos que só interessa a uma minoria de pessoas que tenham uma

“capacidade superior” para pensar.

No nosso entendimento, essa concepção de contemplação para o estudo da

Matemática foi responsável pelo surgimento de considerações equivocadas sobre

92

esse conhecimento, e que perduram até os dias atuais. Dentre elas, o entendimento

de ser a Matemática uma ciência com importância superior às outras; a ideia de que

a Matemática lida somente com a verdade e, por isso, não está sujeita a experiência

empírica; a noção de que a Matemática preexiste independente do mundo.

Observa-se um dogmatismo arrogante impregnando o professor de matemática (especialmente no curso superior) quanto ao tratamento dado ao conhecimento matemático (associado a um poder absoluto, exato, certo) trabalhado em sua prática pedagógica, na maioria das vezes reduzindo a Matemática a um sistema lógico fechado. (GRANDO, 1999, p.04)

Grando (1999) entende que o desenvolvimento histórico da Matemática

registrado em épocas de reinos e impérios governados por autoridades absolutas,

conferiu poder aos poucos detentores deste conhecimento, que o apregoavam em

uma postura de certeza e base lógica não questionável. Nesse contexto, a

perspectiva triunfante da abstração nos parece ter sido um dos pilares que tem

permeado tanto a Matemática como Ciência, como as práticas docentes de ensino

dessa área, ao longo do tempo.

3.2. O Concreto e o Abstrato no ensino de Matemática

A partir do enfoque conceitual que estamos considerando até agora para o

‘concreto’ e para o ‘abstrato’, somos levados a classificar que tudo o que há em

termos de conhecimento matemático se insere na perspectiva do mundo da

abstração.

No entanto, a partir de uma nova compreensão para esses conceitos,

conforme veremos mais adiante, essa classificação do conhecimento matemático

pode ser alterada. Com isso, defendemos uma dialética entre o concreto e o

abstrato para os objetos matemáticos estruturada na tese de que o nível de

abstração desses objetos é relativo e numa síntese de que a construção dos

conceitos matemáticos sobre tais objetos só é possível se os professores forem

devidamente formados, no sentido de compreender essa relatividade da abstração

dos objetos da matemática. A antítese desse processo dialético se configura pela

93

análise de que, em razão da formação dos nossos docentes não contemplar tais

aspectos, a construção de conceitos matemáticos fica comprometida.

O modo de conceber o concreto e o abstrato disjuntos tem fortes marcas de

um modelo de conhecimento linear, que os coloca em campos opostos e os reduz a

definições simplistas. Tal concepção, no nosso entendimento, pode ser responsável

por equívocos que trazem sérios danos para seu ensino. O entendimento de que as

dificuldades de aprendizagem em Matemática estejam ligadas ao caráter abstrato

dessa ciência é uma das justificativas equivocadas para o fracasso dos alunos

nessa área de conhecimento. Essa consideração remete ao entendimento

disseminado pela concepção platônica de ser a Matemática um conhecimento

contemplativo, e, assim, não “acessível” por muitos.

Mas, existem outras questões que estão enraizadas nas concepções gerais

sobre a Matemática e que podem também explicar as objeções e ‘medos’ dos

estudantes quando se trata de aprendê-la. Considerar, por exemplo, que a

Matemática é uma ciência exata, é um desses equívocos. “Como disse certa vez

Bertrand Russell: embora isso possa parecer um paradoxo, toda a ciência exata é

dominada pela ideia da aproximação” (SINGH, p.42, 1999).

De fato, tudo o que possamos imaginar de aplicações da Matemática está

marcado pelo processo de aproximação, uma vez que todos os eventos que

ocorrem no mundo físico têm limites finitos, ao passo que ao adentrar-se no campo

da abstração essas limitações desaparecem. Daí decorre o entendimento de que os

que pensam o mundo da Matemática dentro da perspectiva da exatidão, assim o

fazem por considerá-la de acordo com a concepção descrita acima, ou seja, uma

“ciência contemplativa”, de um conhecimento unicamente abstrato.

No entanto, isso não quer dizer que, para fugirmos das aproximações, das

limitações, da relatividade, o ensino da Matemática deva ser pautado puramente no

aspecto do abstrato, renegando ou ignorando a função precípua desse

conhecimento que é explicar o mundo, os seus objetos e as relações internas e

externas entre estes. Ao contrário, não deveríamos fugir desses aspectos pois eles

ocorrem cotidianamente em nossa vida.

Assim, entendemos que a questão central do ensino de Matemática, em

especial na Educação Básica, está resumida da seguinte forma: como ajudar ao

aluno a fazer a passagem da compreensão dos objetos reais, concretos, para os

94

objetos da Matemática? Dizendo de outra forma: como compreender os objetos

matemáticos a partir dos objetos concretos, que, quando muito, seriam

representações grosseiras dos primeiros?

Defendemos que a aprendizagem não se tornará significativa se as ações

educativas se concentrarem em apenas um desses pontos. Por isso, entendemos

que é fundamental que haja uma relação dialógica entre os elementos desse par –

concreto e abstrato – para dar sustentação e significado ao conhecimento e a

aprendizagem matemática.

Desligar completamente a Matemática das aplicações do mundo real e vê-la

como uma estrutura de conhecimentos acabados (inertes) e exatos, pode

desencandear uma série de problemas para o ensino, especialmente quando

estamos tratando de Educação Básica. Não podemos ter certeza do peso dessas

questões para a aprendizagem dos estudantes, mas, em face dos baixos resultados

da aprendizagem matemática em avaliações oficiais19, têm surgido questionamentos

críticos sobre as metodologias de ensino aplicadas em sala de aula e baseadas

exclusivamente em tais concepções.

No entanto, as investigações voltadas apenas para a forma como se ensina,

sobre as metodologias e recursos didáticos utilizados, deixam à margem das

discussões questões primordiais, que deveriam anteceder qualquer outra: o que são

os objetos de estudo da Matemática? Há alguma relação entre eles e os objetos

concretos? Se ela existe, qual é sua natureza e como contemplá-la no ensino dessa

disciplina escolar?

Nas últimas décadas, têm-se intensificado a utilização de exemplos do mundo

real para ensinar os conceitos matemáticos. A ideia defendida é a de que tornar

esses conceitos mais relevantes, em termos de ligação com o cotidiano, torna-os

mais fáceis de serem aprendidos, compreendidos pelos estudantes.

Esses procedimentos são realizados e justificados a partir de enfoques

distintos, no entanto, algumas vezes desprovidos de aprofundamentos teórico-

filosóficos. Alguns falam de contextualização, outros, de resolução de problemas, e

há ainda a denominação de tornar a “Matemática concreta”, questão que

discutiremos com mais ênfase no próximo tópico. O que se nota, nas perspectivas

consideradas, e que se traduz como elemento positivo nesse contexto, é uma busca

19

Como discutido na página 15

95

aflita de possíveis mudanças de rumo pedagógico para tornar a Matemática mais

compreensível, a aprendizagem matemática mais consistente e as aulas de

Matemática mais prazerosas.

Concordamos com a opinião de Giardinetto (1999), quando ele afirma que:

[...] [O]s conceitos escolares, na medida em que não apresentam uma relação imediata com a vida dos alunos, são regidos por procedimentos de ensino arbitrários, como que um amontoado de regras sem nexo que são impostas aos alunos (GIARDINETTO, 1999, p.04).

No entanto, em detrimento de tais posturas didáticas no ensino de

Matemática, percebemos, muitas vezes, um exagero na aplicação de tais modelos

metodológicos, gerando sérios obstáculos para a compreensão de conceitos,

promovendo efeito contrário ao imaginado para a aprendizagem. “Da necessária

valorização do conhecimento cotidiano, viu-se ocorrer uma supervalorização do

conhecimento cotidiano perdendo-se de vista à relação com o saber escolar”

(GIARDINETTO, 1999, p.05).

Por outro lado, os defensores de tais práticas argumentam que, quando bem

elaboradas e planejadas, essas abordagens contribuem para a melhoria da

aprendizagem. Esse embate sobre as vantagens ou não de se ensinar Matemática

buscando relacionar os seus conceitos a situações do cotidiano, tem recebido

destaque nos anos recentes.

Tentando demarcar esse conflito e algumas de suas consequências para o

desenvolvimento das práticas de ensino de Matemática, adentraremos em algumas

considerações extraídas de pesquisas desenvolvidas sobre essa temática, para,

depois, apontarmos nosso posicionamento frente a essa relação da Matemática com

a realidade e, mais especificamente, do concreto com o abstrato no conhecimento

matemático.

Kaminski et al (2008), ao estudar um grupo de universitários, buscando

entender a importância da ligação de conceitos abstratos da Matemática com

problemas do mundo real para a aprendizagem, defenderam que essa forma de

tratar o ensino de Matemática não traz benefícios para a compreensão dos

conceitos matemáticos. Para eles, o problema com os exemplos do mundo real é

que eles obscurecem a Matemática subjacente, e os estudantes não são capazes de

96

transferir o conhecimento para novos problemas, tendendo a lembrarem apenas do

que é superficial.

É possível que essas conclusões estejam ratificando o pensamento de

Giardinetto (1999), que mostrou não ser significante para a aprendizagem

matemática a supervalorização do conhecimento cotidiano, pois deixa-se à margem

o elemento essencial da aprendizagem escolar que é transpor os muros do

perceptível, do visual. Em outras palavras, para ele, a prática de sala de aula não

deve ficar presa aos limites do cotidiano.

Em resposta a pesquisa de Kaminski et al (2008), Mourrat (2008) e Stephen,

(2008), ressaltaram que os procedimentos adotados em tal estudo tendiam ao

favorecimento das conclusões delineadas. Na visão destes, o estudo não garante

que o modelo essencialmente abstrato de lidar com a Matemática nas práticas de

ensino seja o mais adequado para uma melhor aprendizagem.

O que se percebe é uma simplificação ou uma visão superficial no

entendimento sobre o abstrato e o concreto, com aproximações das concepções do

senso comum. Ou seja, o concreto é concebido apenas como algo que está ao

alcance do sujeito, que é palpável, que pode ser manipulado, enquanto o abstrato é

aquilo que não se pode tocar, que está apenas no pensamento.

Maia (2001), em uma pesquisa com mais de uma centena de professores de

Matemática, investigou que elementos do senso comum justificam o uso de duas

categorizações para essa área de conhecimento, sendo uma abstrata e outra

concreta. Ela direcionou seu estudo a partir da seguinte questão: “podemos falar em

matemática concreta, quando, na sua essência, a ciência matemática é um

construto mental, no sentido dado por Piaget à ação do homem sobre o mundo?”

(MAIA, 2001, p.2).

No levantamento feito por Maia (2001), os professores indicaram, a partir de

um conjunto de palavras, as que consideravam mais importantes, associadas à

Matemática dita concreta, assim como às associadas à Matemática dita abstrata

(Quadro1).

97

Quadro 1: Lista de palavras mais importantes associadas pelos professores à matemática concreta e à matemática abstrata

Matemática concreta Matemática abstrata

Palavra Quantitativo de

professores Palavra

Quantitativo de professores

Cotidiano 10 Raciocínio 22

Problema 10 Lógica 11

Cálculo 8 Álgebra 9

Lógica 8 Análise 7

Prática 8 Pesquisa 7

Raciocínio 8 Imaginação 6

Jogos 7 Abstração 5

Fração 5 Cálculo 5

Material didático 5 Dificuldade 5

Material concreto 4 Teorema 5

Fonte: MAIA (2001, p.12)

Nota-se que as palavras mais indicadas pelos professores, tanto para a

categoria de Matemática concreta quanto para a de Matemática abstrata, estão em

consonância com o entendimento geral, do senso comum, qual seja, o concreto está

associado ao cotidiano e manipulável, enquanto o abstrato está ligado a elementos

como o raciocínio e a lógica. Para Maia (2001), parece haver uma concepção

associando a Matemática concreta à facilidade e a Matemática abstrata à

complexidade, concebendo-se

[...] a lógica e a álgebra como elementos privilegiados da matemática abstrata e as quatro operações e a aritmética como expressões fundamentais da matemática concreta, refletem, de certa maneira, os distanciamentos que marcam os discursos dos especialistas. Matemática, disciplina da razão, do raciocínio lógico ou da simbolização e matemática, instrumento de profissionalização, do contar, do juntar ou do separar (MAIA, 2001, p.96).

No âmbito de qualquer concepção sobre Matemática, entendemos que a

análise dos conceitos de concreto e de abstrato precisa ser dividida em dois

aspectos: um relativo ao conhecimento matemático, no qual pretendemos

98

compreender como esses conceitos são considerados frente às correntes teóricas

da Matemática; outro, referente ao uso de tais termos nas práticas de ensino,

buscando entender de que modo tais concepções são inseridas nos contextos

educacionais.

Em termos epistemológicos, as ideias sobre a construção do conhecimento

matemático que têm dominado o cenário educacional estão diretamente ligadas a

duas correntes: o Empirismo e o Idealismo. Ambas defendem que a construção do

conhecimento se dá em uma via de mão única. Os empiristas compreendem que o

ponto de partida é o concreto e o ponto de chegada é o abstrato. Os idealistas

pensam o contrário, ou seja, defendem que se atinge o conhecimento partindo do

campo abstrato e chegando ao concreto.

O que vemos no ensino da Matemática são professores positivistas e, por outro extremo, professores essencialmente pragmáticos. Dessa forma, o professor com uma postura positivista, de modo autoritário, vai imprimindo na folha branca que é o aluno (tábula rasa) conceitos que não fazem sentido algum para ele e ali permanecem algum tempo em virtude apenas da capacidade de memorização. Em contraposição, tem-se o professor – e, de modo geral, o aluno e a sociedade – essencialmente pragmático que, de forma simplista, busca e valoriza apenas o que tem utilidade imediata para a solução dos problemas cotidianos. (GRANDO, 1999, p. 05).

Esse modelo, no entendimento de Grando (1999), é um grave equívoco no

percurso do ensino de Matemática. Por um lado, o conhecimento é exposto no seu

estado mais abstrato possível, no sentido de não apresentar qualquer ligação com o

concreto, o cotidiano. Por outro, pautam-se as ações explorando-se apenas as

relações possíveis e visíveis do conhecimento com o cotidiano. No entanto, segundo

a autora, a Matemática não pode ser ensinada de maneira utilitarista pragmática -

ela deve conferir ao detentor habilidades e competências mentais e motoras

necessárias para o mais efetivo exercício da profissão e da vivência cotidiana.

Nesse contexto, as noções de concreto e abstrato que estão sendo

consideradas se aproximam muito das noções contidas no senso comum. Ou seja,

concreto é algo real, objeto físico, palpável, de fácil entendimento, enquanto abstrato

é o que existe no pensamento ou na teoria e não na matéria ou na prática,

demandando complexidade.

99

Para Machado (2011, p.54), é muito difundida a concepção segundo a qual o

processo de conhecimento, de uma maneira geral, desenvolve-se numa ascensão

do concreto ao abstrato, da realidade aos modelos teóricos. Ele considera que tal

concepção frequentemente reduz a função do pensamento teórico à de uma via de

mão única, através da qual são criadas abstrações generalizadoras, que se tornam

cada vez mais abrangentes e, naturalmente, mais distantes do real. Em

consequência, a partir de um ponto de não retorno cuja localização é muito difícil de

precisar, tal concepção conduz à consideração das abstrações como um objeto em

si mesmo, mitigando ou elidindo seu verdadeiro papel.

Temos a impressão que por muito tempo imperou o entendimento de que o

processo de aquisição do conhecimento matemático ocorre em um sentido único,

sempre do concreto para o abstrato. Nessa direção, entendemos que haveria uma

interpretação equivocada da teoria construtivista piagetiana.

Piaget defendia que os processos de construção do conhecimento pela

criança deveriam ocorrer através de uma aprendizagem ativa, elemento central de

sua teoria. No entanto, essa ideia foi mal interpretada por alguns professores, que a

consideraram como sendo unicamente uma ação constituída pela manipulação

direta de objetos, através da experiência sensório-motora, baseada no uso dos cinco

sentidos.

Para Freitas (2001), após o fracasso do Movimento da Matemática Moderna,

fortaleceu-se, no ensino de Matemática, a crença de que, partindo da manipulação

de objetos concretos, a criança naturalmente desenvolveria o raciocínio abstrato.

Como marca dessa interpretação surgiram no ensino de Matemática, expressões

como “primeiro trabalha-se o conceito no concreto para depois trabalhá-lo no

abstrato”, ou seja, concreto e abstrato se caracterizando como dois elementos

dissociados.

O concreto seria identificado com aquilo que é manipulável e o abstrato com

as representações formais, definições e sistematizações teóricas. Essas

interpretações reducionistas constituem, em nossa visão, equívocos relativos aos

conceitos centrais destacados em nosso estudo e dos quais tratamos em seguida.

100

3.3. Equívocos sobre as concepções de concreto e de abstrato na

relação com o conhecimento matemático

No texto que segue argumentamos acerca das concepções, sobre o concreto

e o abstrato, presentes nos espaços acadêmicos e escolares, e que estão, muitas

vezes, carregadas de equívocos, os quais interferem diretamente no processo de

ensino, sobretudo, quando se trata da Educação Básica. Ao nos convencermos da

pertinência dessa afirmação, fica implícita outra questão, que não será abordada

nessa discussão, mas que também se configura em altamente significativa quando

se pensa em educação escolar e conhecimento matemático. Referimo-nos ao

processo de aprendizagem dos estudantes que, como se sabe, carrega marcas

indeléveis da forma como o ensino é conduzido, das concepções e das ações dos

docentes, em especial no caso da Matemática.

O primeiro equívoco, no nosso entendimento, que tem se apresentado no

meio escolar, estabilizando-se tanto nas concepções e nos discursos dos agentes

educacionais, como também no entendimento de conhecimento escolar daqueles

que não estão inseridos no mundo da escola (comunidade escolar de um modo

geral), diz respeito ao ‘peso’ que é dado à Matemática ou a responsabilidade que lhe

é atribuída pelos processos de abstração no âmbito da escola. A convivência

mínima no meio educacional indica tal característica e as dificuldades no percurso

do ensino e da aprendizagem de Matemática, são, quase sempre, justificadas por

essa via de análise.

O que enfatizamos em relação a esse aspecto é que, de acordo com a

concepção de concreto e de abstrato empregada no meio educacional - onde o

concreto é entendido como algo que está em nossa volta, manipulável, visível, e o

abstrato é aquilo que não podemos ter nas mãos, invisível, que está no mundo das

ideias -, não só a Matemática, mas todas as ciências são constituídas também de

processos abstratos, por mais que seus objetos de estudo sejam elementos do

mundo físico. Assim, reservar o ‘peso’ da abstração somente à Matemática, se

configura em um equívoco.

Os processos de abstração, sob este aspecto, são práticas comuns em todas

as áreas de ensino. Não teria sentido qualquer aprofundamento, em qualquer

disciplina, mesmo da Educação Básica, sem a inserção do pensamento abstrato, no

101

processo de constituição de conceitos. Tais elementos abstratos, que não fazem

parte da nossa realidade imediatamente acessível por meio dos sentidos, são

significativos não apenas para o entendimento dessa mesma realidade, mas,

também, para não limitarmos o conhecimento que qualquer indivíduo é capaz de

alcançar.

Assim, o elemento ‘abstração’ deve ser concebido como natural nos

processos de ensino, pois seria impossível avançar em termos de conhecimento,

especialmente matemático, em qualquer nível de escolaridade, sem adentrarmos no

mundo da abstração. Compreendemos que as formas mais complexas de

pensamento se tornaram instrumentos imprescindíveis, pois servem para o indivíduo

adquirir uma postura o mais intencional, crítica e coerente possível, frente à

realidade.

Defendemos, como Kosik, que “[A] práxis utilitária imediata e o senso comum

a ela correspondente colocam o homem em condições de orientar-se no mundo, de

familiarizar-se com as coisas e manejá-las, mas não proporcionam a compreensão

das coisas e da realidade” (KOSIK, 1985, p. 10). Algumas questões, que pensamos

serem particularmente esclarecedoras de nosso posicionamento, serão

apresentadas por nós no presente texto.

É relativamente corrente ouvirmos, de professores que atuam no ensino de

algumas disciplinas da Educação Básica, que os objetos que estudam e ensinam

têm natureza concreta, no sentido de que são apreensíveis diretamente por meio

dos sentidos, e que, por não lidarem com abstrações, os temas tratados se tornam,

por essa razão, mais acessíveis e compreensíveis para os estudantes. Para que

possamos entender esse discurso, e sobre ele fazer algumas ponderações,

consideremos, por exemplo, temas estudados nas Ciências Humanas.

Na Geografia estudam-se, desde os primeiros anos escolares, temas como ‘o

Estado’, ‘a Economia’, dentre outros. Em História, desde o Ensino Fundamental I,

trata de elementos como ‘Sociedade’, ‘Religião’, ‘Regimes políticos’, e outros. Nas

Ciências Exatas e da Natureza, como a Física e a Química, por exemplo, estudamos

força, aceleração, velocidade média, partículas minúsculas e até o espaço sideral.

Conceitos como o de eletricidade, átomos e seus constituintes, e tantas outras ideias

que compreendemos fundamentais para que tenhamos um entendimento maior do

mundo, são exploradas.

102

Na concepção de concreto e de abstrato que permeia a Educação Básica,

esses elementos, e tantos outros, podem ser considerados como objetos puramente

abstratos. De fato, só para exemplificar, pensemos na seguinte indagação: o que é o

Estado (quanto às suas dimensões físicas e políticas)? Onde vemos o Estado? Se

considerarmos como abstrato simplesmente aquilo que não podemos tocar, ver ou

manusear, não há nada mais abstrato que o objeto de estudo da Geografia

denominado Estado. Desse mesmo ponto de vista, o conceito histórico dessa

unidade, torna-se ainda mais abstrato.

Ou seja, se pensarmos em todas as dimensões que permeiam os objetos de

conhecimento das diversas Ciências, nos âmbitos social e cultural, inevitavelmente

lidaremos com o abstrato como um fator preponderante para que o indivíduo possa

agir de modo mais crítico e consciente, frente aos problemas que enfrenta no seu

dia-dia, seja como profissional ou cidadão.

Essa observação ressalta e dá força ao nosso posicionamento de que, a partir

das concepções simplistas que se tem de concreto e de abstrato, não somente a

Matemática, mas todas as outras disciplinas escolares são constituídas, em sua

grande maioria, de objetos que se enquadram nessa última categoria.

Ainda mais consolidada resulta esta observação quando analisamos alguns

objetos de estudo da Física e da Química. Provavelmente jamais seremos capazes

de ver uma força; não teremos condições de lidar com um átomo de outra forma que

não seja a partir do uso de aparelhos altamente sofisticados, que o ampliarão

centenas ou milhares de vezes, para que possamos ter uma ideia de como ele é.

Também não temos acesso às longínquas regiões do espaço onde estão

outras galáxias, outros planetas. No entanto, mesmo com as limitações dos sentidos

humano, precisamos, em muitas situações, estudar esses e outros objetos, sem

alcançá-los, tocá-los ou vê-los.

Esses exemplos já são suficientes para embasarmos nosso posicionamento

crítico sobre o discurso de muitos quando se referem às dificuldades observadas no

processo de aprendizagem em Matemática, ao advogarem que tais limitações

decorrem do fato de se tratar de uma ciência abstrata, no sentido de que mantém

distância do mundo cotidiano do estudante.

Se atuarmos como docentes a partir da concepção de que não devemos

transpor os ‘muros’ ditados pelo cotidiano, ou seja, que devemos atuar sem associar

103

o conhecimento científico aos objetos do contexto do aluno, à sua experiência de

vida, a seus costumes e a seus valores, estaremos incorrendo no risco de alijarmos

ou extinguirmos um dos significados mais importantes do processo educacional.

Entendemos que tais concepções fariam emergir limitações em todos os

campos da educação e, ao invés de contribuir para a aprendizagem dos estudantes,

traria um efeito excludente no que diz respeito ao acesso ao conhecimento científico

construído e organizado ao longo da história da humanidade e de fundamental

importância para a formação crítica do sujeito. Assim, defendemos que tal postura é

altamente equivocada, não condizendo como os requisitos exigidos para uma

educação de qualidade. E, os que dela fazem uso, em quaisquer disciplinas que

atuem, estarão comprometendo o verdadeiro sentido de educação que é transgredir

as barreiras limitadoras impostas pelos modelos sociais vigentes.

Outro fato que consideramos importante para reflexão está diretamente

associado ao desconhecimento por parte dos agentes educacionais das

capacidades inerentes ao processo de simbolização (representação) do ser humano

e, em um estágio adiante, de abstração. Pensar que a aprendizagem pode ser

prejudicada pelo aspecto abstrato dos conhecimentos e conceitos científicos,

significa desconsiderar a capacidade do ser humano em lidar com abstrações,

desde a sua infância.

Sobre isso, Devlin (2006), defende que todo ser humano traz consigo a

capacidade para compreensão dos processos matemáticos simples. No entanto, tais

considerações sobre a Matemática e, nesse caso, a capacidade de abstração, ainda

não é intencional, mas um processo involuntário e natural. O simbolismo, demarcado

essencialmente pela representação é a primeira capacidade desenvolvida pelo ser

humano e é essencial para o desenvolvimento do processo abstrato.

No entendimento de Piaget (1978; 1990), o pensamento é a inteligência

interiorizada que não mais se apoia sobre a ação direta no objeto, mas em imagens

mentais, no simbolismo, na abstração. Para ele, o ato de pensar de uma criança se

dá a partir do momento que constrói imagens mentais, quando representa

mentalmente os objetos que experienciou anteriormente, em decorrência de sua

inteligência inata. “Pensar, para essa teoria, é a capacidade de abstração construída

pelo indivíduo a partir do objeto empírico que foi experienciado, vivenciado e

interiorizado, em decorrência da sua inteligência inata” (BIAGGIO, 1998).

104

Como se dá esse processo se não houver a experienciação com o objeto

empírico? Sobre isso Piaget considera que a partir dos sete anos de idade,

aproximadamente, o ser humano desenvolve a capacidade de representação de

forma mais complexa. Nessa fase, ele começa a pensar simbólica e abstratamente,

a representar situações diversas através da linguagem, a considerar um objeto por

meio de um símbolo, de uma imagem mental (abstração). Mas, nas situações de

brincadeiras infantis, de acordo com Frobel (1887), a criança, naturalmente, recorre

ao processo de representação simbólica. Para o autor, esse processo faz parte do

desenvolvimento da criança e contribui diretamente para o amadurecimento

cognitivo com base na relação entre o jogo e a brincadeira.

A partir do entendimento de que o simbolismo, a linguagem simbólica e todo o

processo de representação se constituem como fatores naturais no desenvolvimento

humano e, ainda mais, representam os estágios iniciais para as etapas de abstração

mais elaboradas, que naturalmente ocorrem, é contraditório pressupor que um

possível aspecto abstrato possa ser um elemento dificultador para a aprendizagem

de algum conceito, de algum objeto do conhecimento.

Então, a tese de que os aspectos abstratos são responsáveis pela baixa

aprendizagem não se configura como verdadeira, seja qual for a especificidade do

conhecimento que se estude. A aprendizagem de qualquer objeto do conhecimento

requer representação simbólica, linguagem estruturada, processo de abstração, e o

ser humano (crianças, adolescentes e adultos), tem capacidade para tal.

Por isso, compreendemos que é necessário aprofundarmos as discussões

sobre aspectos determinantes no processo educacional, como os processos de

organização curriculares e a construção de diretrizes de ensino. Assim, pensamos

que o desligamento da postura tradicional de educação, com definições pontuais,

desconexas e discretas, poderia ser uma vertente importante para a melhoria da

aprendizagem. Quanto a esse ponto, entendemos que a análise das entrevistas

realizadas com os docentes descortina importantes elementos relativos aos

argumentos que sustentam a tese que defendemos.

105

3.4. Os indícios derivados das entrevistas

A análise das entrevistas que realizamos com os participantes de nosso

estudo, teve como objetivo investigar como tem se dado a relação entre o concreto e

o abstrato no ensino de Matemática. Por meio da interpretação de elementos

apresentados nas falas dos professores participantes, buscamos compreender

algumas concepções atuais acerca do conhecimento matemático, à luz dos

referenciais teóricos que já apresentamos.

O levantamento de informações que nos possibilitaram inferir acerca das

concepções dos docentes foi, como já afirmamos, feito com a ajuda de entrevistas

semiestruturadas, aplicadas a um grupo constituído de 07 (sete) professores de

Matemática. No Quadro 2 trazemos os dados relativos ao perfil dos entrevistados.

Quadro 2: Perfil dos professores entrevistados

Professor (a)

Tempo de Atuação

(em anos)

Esfera Administ

rativa

Nível de atuação

atual

Cursos de Pós-Graduação

Especialização

Mestrado

Carmem 1 E e M EF e EM Não possui Não possui

César 2 M EF Não possui Não possui

Sebastiana 5 E e F EM, ES Não possui Ensino de Ciências e

Matemática

Samuel 12 E e P EF, EM e

ES Não possui Educação Matemática

Valmiro 13 E ES e PG

Ensino de Matemática

Ensino de Ciências e Matemática

Armando 20 F EM, ES e PG

Urânio 21 F EM, ES e PG

M – Municipal; E – Estadual; F – Federal; P- Particular. EF – Ensino Fundamental; EM – Ensino Médio; ES – Ensino Superior; PG – Pós-Graduação.

No Quadro 2, e ao longo da análise das entrevistas, adotamos, para os

docentes, nomes diferentes dos originais para atendermos a prerrogativa de

preservação da identidade dos participantes. Os nomes utilizados para essa

finalidade são de professoras e professores de Matemática que fizeram parte da

nossa formação, no período que vai dos anos iniciais do Ensino Fundamental até o

curso de Graduação em Licenciatura em Matemática, e sobre os quais trazemos

algumas informações.

106

A professora Sebastiana fez parte da nossa formação nas etapas iniciais da

escolaridade, nos dando os primeiros suportes e nos incentivando para a

aprendizagem dos conceitos matemáticos basilares, até o atual 5º Ano do Ensino

Fundamental. O professor César nos acompanhou, como docente de Matemática,

do 6º Ano do Ensino Fundamental até o término do Ensino Médio, contribuindo

substancialmente para que nos apaixonássemos pela Matemática.

A professora Carmem foi a primeira professora de Matemática que tivemos no

Curso de Licenciatura em Matemática. Com ela, pudemos comprovar o quão

gigantesco é o conhecimento matemático e a valorizar a dedicação aos estudos, por

quem deseja se aprofundar em tal conhecimento. O professor Samuel nos mostrou

outras especificidades da Geometria, que ainda não havíamos estudado, e também

a relação desta com o ensino de Matemática. O professor Valmiro nos possibilitou

compreender o mundo abstrato do Cálculo e suas aplicações a problemas reais, em

aulas didaticamente organizadas.

O professor Armando nos deu subsídios para compreender os elos entre os

diferentes tipos de Geometria, fato que não vislumbrávamos na Educação Básica e,

finalmente, o professor Urânio, mostrou-nos elementos primordiais que um bom

professor de Matemática precisa desenvolver, para além do domínio dos conteúdos

específicos, e a base necessária para um professor se tornar um educador

matemático, ao explorar questões específicas da Matemática, das metodologias de

ensino e da didática de um modo geral.

Adotarmos os nomes de professores e professoras de Matemática que foram

decisivos na escolha profissional que fizemos como forma de homenagem a esses

docentes, mas também, como agradecimento aos professores que contribuíram com

nossa investigação. Salientamos, porém, que não há qualquer relação entre o teor

das falas dos professores entrevistados e o breve perfil apresentado, de nossos ex-

professores, mas há correspondência de gênero.

107

3.5. Caracterização das concepções de conhecimento matemático

presentes nas práticas de ensino

Para identificar as concepções de concreto e de abstrato dos professores

participantes de nosso estudo e analisar os resultados considerando as matrizes

teóricas que adotamos, utilizamos uma Entrevista semiestruturada (Anexo III)

composta de 14 (quatorze) questões, que tiveram como objetivo levantar o perfil dos

docentes; seu entendimentos sobre a especificidade do conhecimento matemático;

suas concepções de “concreto” e de “abstrato”; e as relações entre as concepções

de concreto e de abstrato e conhecimento matemático assumidas em suas práticas

de ensino.

As indagações sobre os aspectos profissionais do docente; sobre a formação

inicial e continuada; o espaço educativo de atuação; o tempo de docência; e

possíveis fatores que os levaram a enveredar pelos caminhos do ensino de

Matemática, nos trouxeram elementos relativos ao olhar do professor para a prática

de ensino de Matemática. Com base nas respostas relacionadas ao último ponto

explicitado, emergiu um elemento importante para estudos da área da formação

docente, mas que não é objeto central de nossa investigação: a decisão pela

escolha dos docentes em tornarem-se professores de Matemática se deve à

admiração, ao exemplo e ao incentivo de alguns dos seus ex-professores, o que fica

evidente nas considerações por eles apresentadas.

(...) [C]om incentivo da família e de alguns professores resolvi fazer a licenciatura em Matemática. (VALMIRO). (...) [A] admiração por bons professores que dominavam bem os conteúdos. (CÉSAR). (..) Quando cheguei no ensino médio, no primeiro ano eu tive uma professora muito boa em matemática. E ai como eu sempre me dava bem, sempre gostei de matemática, ai liguei uma coisa com a outra, sempre quis ser professora, então resolvi pegar uma disciplina em que eu me saio bem. Então por isso pensei em fazer licenciatura em matemática. (CARMEM). Observação de outros professores. A escolha por matemática foi com o histórico de alguns professores meus de matemática que eu ia admirando no percurso. (ARMANDO).

108

Acho que no ensino médio eu tive um professor que não só falava de matemática, mas, assim, eu gostava muito das aulas dele. Então acho que foi o primeiro elemento que me chamou mais atenção. (URÂNIO).

Esse aspecto reforça a importância que deve ser dada ao professor na

formação educacional, e em especial nos cursos de formação docente. Certamente,

sendo ele um potencial elemento motivador para a escolha de uma carreira

profissional, também o será para a disseminação de concepções sobre os

conhecimentos com os quais lida na docência, especialmente se o professor tomado

como referência, estiver presente na formação inicial do graduando, futuro professor

de Matemática.

Esse aspecto já fora ressaltado por Cury (1994), que o considera como uma

consequência de vários fatores:

As idéias veiculadas pela cultura matemática, a partir das principais correntes filosóficas da Matemática, disseminam-se entre os matemáticos, entre os autores de livros-texto, entre os pesquisadores em Educação Matemática, entre os responsáveis pelos currículos dos cursos de Licenciatura, enfim, entre aqueles que têm alguma influência sobre o futuro professor de Matemática. Esse professor tem, então, suas crenças primitivas reforçadas pelo consenso da comunidade e pela autoridade dos mestres (CURY, 1994, p.33).

Objetivando levantar indicativos da ligação entre os conteúdos matemáticos

de preferência de ensino do docente e o aspecto abstrato ou concreto vislumbrado

por ele nesse contexto, perguntamos: Qual (is) conteúdo(s) (tema(s)) de Matemática

você têm preferência para lecionar? Por quê? Nesse sentido, encontramos indícios

de relação entre o conteúdo preferido e a concepção que é adotada pelo professor

quando lhe foi solicitado que classificasse alguns objetos da Matemática em cinco

níveis, que vão desde o “concreto manipulável” até o “abstrato sem representação”.

(14ª questão da entrevista – Roteiro nos Anexos). No registro sobre os conteúdos

que preferem, destacamos as falas transcritas em seguida.

Tenho preferência por aqueles ligados à álgebra, como funções, por exemplo. (VALMIRO). Gosto de Medidas. Pelo fato do conteúdo de Medidas ter ampla aplicabilidade em várias situações do dia a dia. (CÉSAR)

109

Os temas básicos da geometria plana, especialmente, muito me interessam (SAMUEL). Geometria. Acho que há mais facilidade de mexer com materiais manipuláveis. (CARMEM). Trigonometria. (ARMANDO). Eu gosto da Matemática como um todo, mas a minha preferência é a parte de geometria. (SEBASTIANA).

Apenas um dos docentes externou que não tinha preferência, dizendo-se

confortável para lecionar qualquer conteúdo matemático da base curricular da

Educação Básica. Os outros apresentaram preferências que, quando confrontadas

com a classificação que fizeram dos objetos matemáticos da última indagação da

entrevista, estão inseridas nas categorias que vão de “concreto manipulável” a

“objeto abstrato de fácil representação”, não havendo identificação de objetos

matemáticos que fossem classificados posteriormente por eles como sendo “abstrato

sem representação”.

A professora Sebastiana, que disse preferir à Geometria, classificou todos os

objetos relativos a conceitos geométricos como “abstratos de fácil representação”,

enquanto a docente Carmem, que expressou a mesma preferência, considerou até

alguns dos objetos geométricos como manipuláveis. O professor César, que prefere

lecionar os temas relativos às medidas, classificou-os como objetos concretos e

manipuláveis.

Entendemos que nessa associação está presente um indicativo da objeção da

maioria dos professores em lecionar conteúdos matemáticos que classificam como

“objetos sem representação”, talvez por considerarem que a manipulação ou a

possibilidade de múltiplas representações facilita o processo de ensino. Esse

entendimento nos leva a relacionar a fala dos docentes às considerações de Maia

(2001), ao sugerir que há uma concepção associando a Matemática concreta (na

perspectiva de representação por manipuláveis, por aplicação imediata ao cotidiano)

à facilidade e a Matemática abstrata (na perspectiva de conceitos não

representáveis), à complexidade.

Outra interpretação da fala dos professores é a de que eles têm esta

preferência em virtude de considerarem os conceitos e/ou objetos matemáticos que

possuem os elos mais fortes com o cotidiano como os de maior possibilidade de

110

compreensão por parte dos estudantes. Isso está associado à ênfase que tem sido

dada ao uso de manipuláveis no ensino, conforme mostrou Giardinetto (1999).

A ideia que está por trás dessa concepção é que ao tornar esses conceitos

mais relevantes, em termos de ligação com o cotidiano, torna-os mais fáceis de

serem aprendidos, compreendidos pelos estudantes. No entanto, conforme mostrou

o autor, esse recurso é salutar desde que não limitemos a construção do

conhecimento aos limites do raio de ação dos sentidos.

Uma questão importante, especialmente quando analisamos as classificações

feitas pelos docentes sobre os objetos da Matemática em termos de concreto e de

abstrato, é buscar entender quais as concepções destes docentes sobre tais

conceitos. Assim, apresentamos uma lista de objetos (matemáticos ou não), por

meio de figuras e nomes, e pedimos para o docente classificar cada objeto como

concreto ou abstrato, objetivando, com essa classificação, ter indícios da concepção

do professor sobre algo ser concreto ou ser abstrato. Um resumo dos resultados

pode ser observado no Quadro 3.

Quadro 3: Classificação dada pelos professores aos objetos

Objeto

Professores

Carm

em

Césa

r

Se

ba

stia

na

Sa

mu

el

Va

lmiro

Arm

an

do

Urâ

nio

Um pensamento, uma ideia A A A A A A A

A equação da área de um círculo A A A A A A A

Um círculo C A A C ou A C A A

Um cubo C C C C ou A C C A

O número 8 A A A A A A A

As forças que atuam num corpo A A A C C A C

Uma cadeira C C C C C C C

As letras do alfabeto A A A A C C A

Uma reta A A A A A A A

Legendas: A – Abstrato; C – Concreto.

111

Nota-se que os únicos elementos da lista denominados, unanimemente, de

concretos ou abstratos foram, no primeiro caso, a cadeira, e, no segundo caso, um

pensamento, a equação da área de um círculo, o número 8 e uma reta. Nos demais

casos as denominações diferem, sendo um mesmo elemento considerado abstrato

por uns e concreto por outros.

Algumas das considerações dos professores estão diretamente ligadas ao

entendimento do senso comum sobre esses conceitos.

Um objeto concreto é aquele que sabemos que existe e podemos tocá-lo. Um objeto abstrato é aquele que existe, mas não podemos tocá-lo (CÉSAR). Concreto a gente imagina como, por exemplo, os objetos que existem disponíveis no laboratório de matemática, a exemplo os sólidos geométricos, são concretos. Abstratos, temos muito em Matemática, a gente tem que imaginar e deduzir. (SEBASTIANA) Considero que "Objetos Concretos" são elementos que são táteis/palpáveis ou que podemos sentir fisicamente sua interação com outros objetos. (SAMUEL) Um objeto concreto é aquilo que posso ver, ou seja, palpável. Um abstrato é aquilo que posso abstrair as ideias a partir do concreto. (CARMEM)

Ou seja, para estes docentes, em geral, algo é concreto se pode ser visto,

tocado, enquanto o abstrato está ligado à imaginação, às ideias. Tais

posicionamentos tem um caráter intuitivo, superficial, muitas vezes não reflexivo

sobre o sentido amplo de um conceito.

Nossas primeiras associações com o concreto muitas vezes sugerem algo tangível, sólido. Você pode tocá-lo, cheirá-lo, chutá-lo, é real. Um olhar mais atento revela uma certa confusão nesta noção intuitiva. Entre esses objetos que nos referimos como concreto existem palavras, ideias, sentimentos, histórias, descrições. Nenhuma dessas coisas pode ser realmente "chutada". Então, quais são esses objetos tangíveis aos quais estamos nos referindo? (tradução nossa) (WILENSKY, 1991, p.3).

O modo como Wilensky defende a concepção de concreto contempla

múltiplos fatores. Para ele, é quase sempre errado buscar o "significado real" de

qualquer coisa, pois, se ela tem apenas um significado dificilmente tem um

significado real. Foi uma perspectiva nessa direção que alguns docentes

112

consideraram para o entendimento de concreto. Para eles, essas reflexões devem

ser vistas de forma mais aprofundada, fazendo-se uma relação com o aspecto

psicológico, cognitivo.

A diferença está na materialidade das coisas; por exemplo, meu pensamento e as equações são ideias, elas não se materializam por si só, a cadeira construída é concreta, a cadeira na minha cabeça é abstrata. (VALMIRO) Se eu pensar sobre um óculos, eu estou pensando sobre algo concreto. O conteúdo do pensamento é que vai me levar ao entendimento de óculos. (...) A Matemática ela funciona na cabeça da gente. A Matemática é um conjunto de ideias. Tudo que a gente pensa de Matemática, que a gente vá pensar em concreto, na verdade são aplicações dessas ideias em algumas situações específicas. Por exemplo, a geometria, euclidiana especificamente, ela é extremamente abstrata e só funciona na cabeça da gente, ela só existe nas ideias. (ARMANDO) O concreto é algo que eu possa tocar, como essa mesa. Já um número, um símbolo, como o 3, é uma representação, então se é uma representação, para mim, ele passa a ter uma compreensão de significado. Mas, para uma pessoa que não teve contato da nossa cultura, aquilo ali nada mais é do que um desenho, uma representação de algo que ele não tem a compreensão. (URÂNIO)

Observamos que os docentes entrevistados defendem o uso de objetos

concretos para dar significado aos conceitos matemáticos no ensino de Matemática

nos anos iniciais de escolaridade. Esse ponto emergiu quando pedimos a opinião

dos professores sobre uma possível relação entre o aspecto abstrato da Matemática

e as dificuldades de aprendizagem.

O professor Urânio entende que o mais importante no processo de

aprendizagem matemática está no início da vida estudantil e nesta fase é

fundamental o uso de material concreto manipulável.

Uma dificuldade está na questão da condução do processo, quando se começa a trabalhar com Matemática, ainda na fase de criança, no ensino fundamental 1. O nível de compreensão deve ser dado muito na base do concreto, no sentindo de fazer uma operação matemática de adição do tipo, você tem duas tampinhas e, o professor pega, num outro recipiente, três tampinhas de garrafa, quantas tampinhas temos? O aluno vai fazer uma associação ali, com objeto palpável, visível pelo menos, que pode ser até mesmo um desenho que ele faz no caderno para poder compreender aquela situação matemática e compreende. (URÂNIO)

113

O concreto, nessa concepção, está sendo considerado para simbolizar

quantidades, como auxilio no ato de representar. Os professores concordam em

relação à natureza abstrata da Matemática, mas ocorreram divergências quanto a

creditarem esse fato às dificuldades de aprendizagem na disciplina. Para alguns, as

considerações sobre a Matemática já estão formadas no meio social e estas fazem

com que o aluno ingresse na escola com ideias equivocadas.

Como falei pra você, as pessoas já vem pra escola com a concepção meio formada no meio da família, dos amigos, de que Matemática muito complexa, nem todo mundo entende, Matemática não é pra todo mundo. É essa a concepção que eles chegam a escola e acabam tendo dificuldades na aprendizagem. (SEBASTIANA) O conhecimento matemático é abstrato sim, mas que pode ser aplicado em situações concretas ou com objetos concretos. Acredito que uma das formas de melhorar a aprendizagem desse conhecimento é por meio de experiências didáticas e concretas. (SAMUEL) Não vejo as dificuldades de aprendizagem como uma particularidade exclusiva da Matemática. Os nossos alunos não vão bem em muitas matérias da Educação Básica. (VALMIRO)

Pelos recortes apresentados, os docentes não consideram o fator ‘abstração’

como elemento limitador do processo de aprendizagem em Matemática, mas

apontam os processos metodológicos como os fatores mais significativos para a

aprendizagem matemática. Nessa direção, houve quem destacasse a importância

das formações continuadas, que possibilitam as mudanças de concepções sobre os

processos metodológicos de ensino e sobre a própria Matemática e seus objetos,

como afirmou o professor Valmiro:

Com as formações continuadas, especialização e outras oportunidades de reflexão, fui percebendo que a forma como via a matemática tinha relação direta com as escolhas metodológicas, particularmente quando conheci o movimento da Educação Matemática, comecei a questionar a forma como dava aulas. (VALMIRO)

Concordamos com Fossa (1998) e Silva (1999), no entendimento de que as

concepções sobre o conhecimento matemático têm interferências diretas na escolha

do viés metodológico a ser seguido no processo de ensino. Por isso, questionamos

114

sobre o modelo metodológico seguido pelo professor, considerando a relação entre

concreto e abstrato. Estávamos interessados em saber se o professor guia sua

prática por um modelo de ensino que parte do concreto com o desejo de alcançar o

abstrato; se no modelo que tem início no abstrato alegando que isso é necessário

para compreender o concreto; se atua fazendo o diálogo entre o concreto e o

abstrato; ou, ainda, se aplica uma concepção metodológica distinta desses vieses.

As respostas possibilitaram-nos definir dois modelos lineares distintos de

ensino: Modelo A: Atua-se a partir de uma concepção completamente ligada ao

concreto (manipulável), e se vai, aos poucos, distanciando-se da realidade,

chegando-se ao abstrato geral, totalmente desconectado do concreto; e Modelo B:

começa-se pelos aspectos formais abstratos, entendendo-se que, assim, será

possível compreender o concreto. Não observamos considerações que pudessem

estar associadas ao o uso de uma relação dialética entre o concreto e o abstrato.

Na justificativa de adoção do Modelo A, destacamos as falas dos professores

Valmiro, Samuel, Carmem e Urânio.

(...) Isso me levou a pesquisar e desenvolver sequências de aulas que partiam quase sempre de experiências concretas para os alunos, especialmente no Ensino Fundamental, ou seja, um jogo, uma atividade com dobraduras, uma observação, construção de algum experimento, depois ia formalizando o conteúdo. (VALMIRO) Partir do concreto para o abstrato é um dos caminhos que acho mais coerente para a compreensão do abstrato. A expectativa de aprendizagem considera que o mais simples venha primeiro, e muitos dos meus (nossos!) alunos consideram que o concreto é mais fácil de compreender que o abstrato. Não posso discordar absolutamente deles. (SAMUEL) Do concreto para o abstrato. Mas, na escola particular é difícil, porque não há brechas para isso, tem que passar todo aquele conteúdo então não podia digamos ‘perder tempo com isso’. Pra gente professor a gente sabe que não é perder tempo, mas, para a escola não tinha condição de fazer do concreto para o abstrato. (CARMEM) Acho que depende muito do conteúdo; depende muito do aluno que você tem; do tempo. Vamos pegar aqui um exemplo, se eu estou dando aula numa turma de Proeja, então tenho que trazer situações, quer sejam concretas ou abstratas, mas eu tenho que trazer situações que façam parte da realidade dele. E aí a gente tem que sair um pouco da questão do currículo, do conteúdo específico e tentar trazer uma matemática mais próxima da realidade do aluno. (URÂNIO)

115

Essa característica também foi observada por Giardinetto (1999) e Machado

(2011). Para Giardinetto, tal concepção pode levar à supervalorização do cotidiano

do estudante e, assim, limita-se o processo de aprendizagem de conceitos

científicos construídos social e culturalmente. Machado entende que esse modelo é

insuficiente, pois, a partir de um determinado ponto, em face do esquema linear de

compreender a construção do conhecimento, abandona-se a relação do

conhecimento com o concreto e situa-se o processo exclusivamente no campo da

abstração, desconectado-o da realidade.

Na justificativa de adoção do Modelo B, destacamos as falas dos professores

César, Armando e Sebastiana.

Sempre partir da teoria à prática, do abstrato aplicado ao concreto. Isto, claro, quando possível. Não havendo tal possibilidade, podem-se criar situações reais, fictícias ou imaginárias (fictícia/ imaginária = fora da realidade do aluno) para que o conhecimento ensinado tenha alguma aplicação. (CÉSAR)

Dependo do conteúdo que eu vou tratar, dependendo da maturidade dos meus alunos, eu posso partir de uma aplicação que eles tenham o conhecimento, saibam e percebam essa aplicação muito claramente, mas, não percebam o conteúdo, o conceito matemático que sendo aplicado ali e ai eu trago essa ideia. Outro, dependendo da maturidade do aluno eu posso tratar diretamente de um conceito mais abstrato e partir pra manipulação dele e aplicação. (ARMANDO) Isso é bastante relativo. Em alguns momentos até que é possível você sair do concreto pra chegar ao abstrato, muito embora isso é um pouco complexo, porque a matemática é abstrata, agente precisa imaginar as coisas pra poder chegar a algumas conclusões. Quando você pensa, por exemplo, no estudo de cálculo, no ensino superior, tem coisas que não dá pra fazer relações diretas com o concreto. A matemática é rigorosa a gente não pode esquecer disso. (SEBASTIANA)

Esses dois modelos de atuação no ensino de Matemática, no nosso

entendimento, são limitadores da aprendizagem, em virtude de considerar o

concreto e o abstrato como elementos que não dialogam. Assim, pauta-se a prática

apenas em um dos focos, sem associação entre eles.

Adotando a perspectiva de Grando (1999), poderíamos distinguir dois grupos

dentre os professores entrevistados: uns como professores positivistas e outros

116

como professores pragmáticos. Os positivistas atuam de modo autoritário, como que

preenchendo o “recipiente” cognitivo do aluno; os pragmáticos, em contraposição,

atuam de forma simplista, buscando e valorizando apenas o que tem utilidade

imediata para a solução dos problemas cotidianos, resultando na problemática

estudada por Giardinetto (1999).

Defendemos que a relação entre o concreto e o abstrato deve ser concebida

e explorada de modo mais aprofundado nas práticas de ensino de Matemática, de

modo que, atuar na perspectiva de um único modelo (A ou B), nos parece um

equívoco do sistema de ensino. Ressalve-se, entretanto, que, involuntariamente ou

inconscientemente, em algum momento serão utilizadas estratégias de ensino que

dialoguem com os dois modelos. Entendemos que o problema, quando isso ocorre,

reside no não aprofundamento desse diálogo.

Nosso entendimento é que as dificuldades de aprendizagem matemática não

se acabam com a simples opção entre um modelo ou outro, como sendo eles

mutuamente excludentes, mas podem ser minimizadas pela relação dialética e

permanente entre o concreto e o abstrato. Tal perspectiva se assemelha ao

comentário feito por Brolezzi (1996) sobre a relação entre o discreto e o contínuo:

Trata-se de caminhar com ambas as pernas, a da ideia do discreto e a da continuidade, na construção dos conceitos matemáticos, explorando, no ensino, essa interação. Entendemos que a riqueza de uma abordagem que leve em conta ambos os aspectos, ajuda a desenvolver melhor os conceitos matemáticos, pois muitos deles têm

origem nessa interação. (BROLEZZI, 1996)

No contexto das concepções superficiais de concreto e de abstrato, uma das

possibilidades para que se desenvolva essa relação se dá na associação entre o

conhecimento matemático escolar, os conceitos (ou objetos) matemáticos, e as

questões práticas da vida do estudante, com seus objetos perceptíveis, reais,

captados pelos sentidos. Esse fato tem sido característico no conhecimento

matemático.

Ao longo da história da humanidade, conforme nos mostram vários autores

(BERGAMINI, 1965; BOYER & MERZBACH, 2012; DAVIS & HERSH, 1985), os

primeiros estudos em Matemática se deram para atender as necessidades da

sobrevivência humana. Assim, a associação de obejtos de estudo da Matemática

117

aos obejetos manipuláveis deveria ser um processo natural. Porém, realizado com

base no diálogo entre o concreto e o abstrato.

Sobre essa relação, os professores foram unânimes em considerar tal

associação importante, citando até algumas situações metodológicas de ensino que

podem ser desenvolvidas. No entanto, os argumentos utilizados expuseram

situações diferenciadas. Foram elencados conceitos mais favoráveis à associação,

cuidados que se deve ter ao associar os objetos da matemática com objetos reais,

vertentes metodológicas que antecedem essa relação.

Conteúdos de Geometria básica foram citados como exemplos dessa

associação:

Por exemplo, se está trabalhando o Cilindro da geometria espacial, você traz uma situação de resolução de problemas, o aluno vai ter uma compreensão, que o que está estudando apesar de uma representação muito matemática tem como ver uma aplicação, uma direção, um sentido, então isso é interessante, pelo menos eu acho que tem sido interessante essa experiência. (URÂNIO) Você vai ensinar, por exemplo, geometria ou álgebra também e aí você pode fazer algumas relações com a prática vivida por aquele estudante: medições, cálculo de áreas, por exemplo, num certo terreno, você pode até de repente fazer numa aula de campo, e fazer com essas coisas aconteçam de forma próxima à realidade do estudante. (SEBASTIANA)

Um professor relatou que antes da associação dos objetos matemáticos com

a realidade, deve-se lembrar da importância da história dos conceitos, caso

contrário, se estará ensinando uma Matemática desvinculada do desenvolvimento

humano e social, uma vez que cada conceito tem uma história e, assim, o seu

surgimento sempre está ligado à necessidade de resolução de um problema

levantado em cada época vivida:

O contexto dele é importante, porém, é um fator. A gente pode pensar o seguinte: quando eu estou ensinando determinado conteúdo, tem outro aspecto importante que o aspecto histórico. Quando esse conteúdo foi desenvolvido ele procurou resolver algum problema. Então que problema foi resolvido com esse conteúdo? Quando se resolveu? Como se resolveu? (ARMANDO)

118

Esse entendimento está coerente com o que pensa Ernest (1991) sobre a

especificidade do conhecimento matemático. Para ele, os conceitos matemáticos,

são construções históricas sociais e, assim sendo, apesar da ausência de

materialidade, possuem ligações com o cotidiano, com a realidade das pessoas.

Mesmo os conceitos matemáticos mais complexos, através de uma cadeia de

significações podem ser relacionados a objetos matemáticos mais simples de fácil

percepção das suas representações com os objetos concretos.

Silva (2007) entende que a Matemática é um produto da cultura humana, não

algo que caiu dos céus. Compreendê-la nesse âmbito significa considerar que o

conhecimento matemático sofre transformações com o tempo, em função das

culturas em que viceja e dos problemas práticos e teóricos que essas culturas

enfrentam. Esse entendimento exige que se pense sobre os objetos de estudo da

Matemática, uma vez que, por trás deles, há um conjunto de questões importantes:

como aplicá-los a problemas significativos para os estudantes? Como concebê-los

em termos de concreto e de abstrato?

A especificidade da natureza dos objetos matemáticos, nesses termos,

também foi tema de investigação de Maia (2001). Uma das questões do seu

questionário de pesquisa, aplicado a um grupo de 127 professores de Matemática,

era: que grau de relação a Matemática estabelece com a realidade? A Tabela 1

resume os resultados por ela obtidos.

Tabela 1: Frequências de respostas sobre o grau de relação que a matemática estabelece com a realidade

Não respondeu Nenhum Fraco Médio Forte Muito forte

Totais(%) 24,0 0,0 2,4 10,2 26,0 59,0

Fonte: Maia (2001, p.90)

Na interpretação de Maia (2001), ao constatar que 85% dos docentes

consideraram forte ou muito forte a relação da Matemática com a realidade, já que é

dada grande importância a essa relação, é necessário compreender como ela está

sendo processada no ambiente “sala de aula”. Segundo ela, essa relação seria

direta, uma vez que propriedades matemáticas seriam acessíveis através da

119

manipulação, da observação. Para a autora, esse é um conhecimento de senso

comum que precisa ser superado para que o ensino de Matemática possa avançar.

Tal perspectiva está coerente com a nossa defesa de melhor compreensão da

relação entre concreto e abstrato.

A maioria dos docentes por nós entrevistados atribuiu também uma relação

estreita entre a Matemática e a realidade, trazendo indícios de sua percepção

acerca da Matemática e seus objetos de estudo. Além disso, possibilita que se

compreenda a tendência teórico-metodológica que seguem em suas práticas

docentes.

O professor Valmiro argumentou que se deve separar a Matemática Ciência

da Matemática presente no currículo escolar. Para ele, na primeira, de fato, os

objetos são todos abstratos, mas, na segunda, os objetos matemáticos são usados

em aplicações da realidade a todo momento. Nota-se que o professor se refere a

aplicações, representações, mas, não aos objetos matemáticos, em si, como

concretos.

Segundo ele, “[P]or vezes os matemáticos são surpreendidos com aplicações

ou representações daquilo que repousavam apenas em suas anotações, no mundo

de suas ideias. Já a Matemática do Currículo Escolar, essa sim traz inúmeros

exemplos de aplicações”. Essa distinção entre a Matemática dos matemáticos e a

escolar foi amplamente discutida pela didática francesa e tratada por meio do que se

denomina de “transposição didática”20.

No entanto, não só nas considerações deste docente, mas, na fala dos

demais, também ficou evidenciada a importância do uso dos objetos concretos no

desenvolvimento do currículo matemático e para as metodologias de ensino de

Matemática, seja através de representações ou a partir de aplicações em situações

problemas.

O professor Samuel afirmou que entende a Matemática como uma ciência

composta essencialmente por elementos/objetos abstratos, assim como o professor

Armando. Para a professora Sebastiana, a Matemática é abstrata, mas é possível

estabelecer relações com o concreto. Identificamos, nas concepções dos três

20 Segundo Chevallard (1991), um conteúdo de saber, tendo sido designado como saber a

ensinar, sofre a partir de então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a ocupar um lugar dentre os objetos de ensino. “O “trabalho” que de um objeto de saber a ensinar o torna um objeto de ensino, é chamado de transposição didática” (CHEVALLARD, 1991, p. 39).

120

professores que, no cerne da questão estão as representações, aplicações do

conhecimento matemático e não os objetos matemáticos em sua essência, como

podemos observar a partir das transcrições de suas falas.

Eu consigo ver as duas coisas. Por mais que a gente, no desenho de um círculo, não seja um círculo, seja apenas uma representação dele, mas, ele ajuda a construir um conceito. (...) eu acho que a compreensão do conceito, ela passa, por você se apegar a algum elemento ao seu redor e esse elemento ao seu redor pode ser um desenho, pode ser um objeto ou uma situação que seja colocada. (URÂNIO) No conjunto dos objetos matemáticos há uma ‘mistura’ entre realidade (concretude) e abstração. Na matemática, e também na vida, nos deparamos com questões que podem ser resolvidas através da intuição, do raciocínio lógico (pensamento), essencialmente matemático. Outras só podem ser resolvidas manualmente, diante da situação (concreto), como é o caso de se medir, se necessário, a altura ou largura de uma porta. (CÉSAR) A gente vê muita gente falar que não gosta de matemática, mas em algum momento vai tá usando a matemática, mesmo que não saiba que um assunto que estudou em sala de aula. (CARMEM)

Nas argumentações apresentadas, a maior evidência da importância que eles

atribuem ao ato de referenciar os objetos da Matemática a partir de objetos da

realidade, foi observada quando se questionou se eles viam Matemática no mundo

que os cerca. Mesmo nesse âmbito, foram reforçadas as concepções dos docentes

de que a Matemática, na essência, lida com o abstrato, como podemos observar nas

seguintes falas:

Acho que no mundo em que vivemos no seu crescimento, no seu desenvolvimento, nós conseguimos ver uma representação matemática, nesse sentido sim. (URÂNIO) Tudo que nos cerca, por trás tem muita coisa onde a matemática está presente. Ela é abstrata, mas as relações que são da matemática estão nos objetos. (SEBASTIANA) Quando a gente olha e vê matemática ao nosso redor em todo canto, são na verdade as aplicações dessas ideias. (ARMANDO) Considero que a Matemática nos proporcionar ferramentas que modelam abstratamente a realidade que nos cerca. (SAMUEL)

121

Sejam objetos concretos ou abstratos que estejam ao redor, sempre há algo de matemática neles ou relacionado a eles. (CÉSAR) (...) já no ensino médio, encontramos vários conteúdos matemáticos que são importantes apenas do ponto de vista matemático, ou seja, que não correspondem diretamente a aplicações na nossa realidade. (VALMIRO)

Há uma consonância dessa concepção dos professores com o pensamento

de Devlin (1997) sobre a relação entre Matemática e mundo. Em defesa da

mudança de concepção da sociedade sobre o que é a Matemática, ele sugeriu um

projeto midiático para valorização dessa ciência, apontando duas questões que

considera como centrais: “A matemática torna o invisível visível. (...) A matemática é

a ciência dos padrões” (DEVLIN, 1997, p.33 e 34).

Para sustentação do seu posicionamento, com relação a primeira questão,

Devlin (1997), apresentou uma lista com diversas situações aonde o conhecimento

matemático está presente para explicar fenômenos que nossos sentidos não são

capazes de perceber. Daí, a sua defesa da presença da Matemática em nosso meio,

na resolução de vários problemas, em diversas aplicações.

Ao condensarmos os diferentes modos como os professores entrevistados

concebem diferentes objetos de estudo de Matemática, em termos de concreto e

abstrato (Quadro 3), percebemos que, majoritariamente, eles entendem que os

objetos da Matemática são abstratos, mas, de fácil representação, especialmente

aqueles estudados no âmbito da educação básica.

Chamou-nos a atenção a observação de algumas classificações de objetos

da Matemática como “concretos manipuláveis”. Percebemos que tais classificações

foram dadas (na maioria) pelos professores com menor tempo de formação e de

atuação. Isso é um indicativo, a nosso ver, que as formações continuadas

contribuem para uma melhor compreensão dos objetos matemáticos, com base nas

concepções de concreto e de abstrato que estamos considerando até agora.

122

Quadro 1: Classificação dos professores para alguns objetos matemáticos

Objeto matemático

Professores

Ca

rme

m

sa

r

Se

ba

sti

an

a

Sa

mu

el

Va

lmir

o

Arm

an

do

Urâ

nio

Número natural F F F F F F F

Número complexo S D S D S D D

Ponto, um vértice. F M F F F F F

Par ordenado F F D F S D F

Segmento de reta F M F F F S F

Conjunto numérico D F D F D S D

Figura geométrica F F F F F S F

Expressão algébrica D F F F D D D

Equação S D F F D D F

Conjunto dos Reais S F D D D S D

Função F F D F F S F

Gráfico de uma função F M F F F D F

Matriz F F F F F D D

Cilindro M M F F M F F

Vetor D F D F D D F

Espaço vetorial S N S S D S D

Espaço amostral S F D F D S D

Medida (10 metros) F F F F F D M

Esfera M M F F M F F

Algarismo F D D F N F F

Legendas: M - Objeto concreto manipulável;

N - Objeto concreto, mas, não manipulável;

F - Objeto abstrato de fácil representação;

D - Objeto abstrato de difícil representação;

S – Objeto abstrato sem possibilidade de representação.

A classificação de que muitos objetos matemáticos, apesar de abstratos,

podem ser representados facilmente, leva-nos ao entendimento de eles consideram

123

que o ensino pautado com base nessa associação, com metodologias de ensino que

são planejadas dentro dessa perspectiva, contribui para uma melhor aprendizagem.

O uso de vários registros de representações no processo de ensino de

Matemática é apontado por Duval (2012) como essencial para a compreensão dos

conceitos. Em contraposição a esse fato estariam as práticas educativas que

vislumbram a Matemática como desconectada da realidade, com um fim em si

mesma e, em relação aos problemas reais, uma ciência neutra.

Surgem três questões que entendemos como centrais para os processos de

ensino de Matemática: como os processos de representação devem ser pensados

para os objetos matemáticos que permitem fácil representação? Como os processos

de representação devem ser pensados para os objetos matemáticos de difícil

representação? Como agir metodologicamente, no ensino de Matemática, com os

objetos matemáticos que não possuem representação?

Se limitarmos o processo metodológico à possibilidade de representação

(associação) dos objetos da Matemática aos objetos concretos, considerando-se o

concreto e o abstrato a partir desse enfoque superficial, do senso comum,

certamente estaremos deixando à margem uma gama de conceitos matemáticos

que, a nosso ver, não possuem possibilidades de associação aos objetos concretos.

Aceitando a significância desse grupo de conceitos para a formação do

indivíduo, e, portanto, a necessidade de lecioná-los, a possibilidade de inseri-los no

processo é atuar admitindo a impossibilidade de representá-los concretamente e

pautar o processo com base numa dialética entre o concreto e o abstrato, mas,

concebendo o concreto de modo diferente.

3.6. Outras concepções para o Concreto e para o Abstrato

Na tentativa de sintetizar as discussões relativas aos resultados das

entrevistas, consideremos o seguinte questionamento: o que devemos considerar

como concreto e como abstrato, quando ensinamos Matemática? Se tentarmos

responder a essa pergunta com considerações objetivas e dicotômicas, estaremos

indo de encontro aos princípios norteadores da nossa pesquisa que são a

relatividade, o contínuo, a subjetividade e a dialética, elementos que defendemos

como característicos da relação entre concreto e o abstrato.

124

No nosso entendimento, precisamos basear nossa concepção sobre a

Matemática e, em especial, sobre seu ensino, dentro do enfoque dialético por nós

estabelecido. Mas se faz necessário que explicitemos mais uma vez qual a vertente

dialética defendemos, tendo em vista os vários entendimentos relativos à dialética,

no âmbito do conhecimento ao longo da história.

Para Melo Neto (2002), com base em considerações etimológicas, podem ser

considerados, pelo menos, quatro conceitos principais da dialética: a dialética como

um método de divisão, vista por Platão; a dialética como lógica do provável,

presente em Aristóteles; a dialética como lógica, segundo Kant; a dialética como

síntese dos opostos, a partir das formulações de Hegel/Marx. Para Melo Neto,

estes quatro conceitos são pautados em quatro doutrinas que exerceram ‘forte’

influência na história da dialética, respectivamente: a doutrina platônica; a doutrina

aristotélica; a doutrina estóica; e a doutrina hegeliana.

Entendemos que a superação do significado cotidiano tanto do termo

"abstrato" quanto do termo "concreto", poderá ser efetivada a partir de uma

abordagem segundo os princípios do materialismo histórico-dialético que faz

emergir, para esses conceitos, não apenas novos significados, mas uma integração

em uma concepção, a nosso ver, qualitativamente superior do processo de

conhecimento, compatível com o aprofundamento e domínio de uma lógica que

contribua para a compreensão e transformação da realidade social.

A dicotomia entre abstrato e concreto no ensino de Matemática será superada

com a adoção consciente de uma concepção de conhecimento como algo

verdadeiramente dinâmico e relacional. Sem isso, as críticas ao cotidiano escolar

não ultrapassam o nível das constatações superficiais e pouco contribuem para a

busca de soluções efetivas.

O processo dialético que defendemos para o ensino de Matemática pauta-se

na tese de que o nível de abstração dos objetos matemáticos tem um caráter

relativo, uma vez que a concepção de abstrato é inerente ao sujeito, é

idiossincrática. Com isso, não se pode atribuir que um determinado objeto

matemático possua o mesmo nível de abstração para todas as pessoas. A antítese

desse processo dialético está no fato de que a formação inadequada dos nossos

professores, com respeito a esse aspecto epistemológico da Matemática, contribui

para a fragilização no processo de construção de conceitos matemáticos na escola.

125

Ao se considerar abstrato e concreto como elementos disjuntos, ao conceber

os objetos da Matemática inseridos exclusivamente no viés da abstração, estar-se-á

dificultando a significação da aprendizagem de conhecimentos desse campo. A

síntese desse processo dialético é definida pela afirmação de que é possível haver

construção de conceitos matemáticos por todos os estudantes, desde que os

professores sejam devidamente preparados para atuar compreendendo as

relatividades no processo de abstração dos objetos matemáticos.

A relação dialética que entendemos ser necessária entre o abstrato e o

concreto retira a presunção de um entendimento unidimensional de cada conceito,

ou seja, falar em concreto nos remete a admissão da existência do abstrato da

mesma forma que qualquer referência que se faça ao abstrato só fará sentido com o

olhar também no concreto. Esses elementos, em qualquer esfera de análise, estarão

complementados um pelo outro, sendo o nível de concretude e de abstração

referidos a um objeto, fatores idiossincráticos.

Com esse olhar, as concepções que se tem desses conceitos, especialmente

no contexto educativo, nos parecem extremamente limitadas, pelo que interpretamos

das falas dos professores entrevistados, não respondendo à complexidade do

mundo e as características do processo de ensino e de aprendizagem da

Matemática. Basta verificar que, se considerarmos como concreto apenas aquilo que

tem existência física (existência material), algo que podemos ver e que podemos

tocar, estaremos admitindo que quase tudo que estudamos nas escolas não está no

âmbito da concretude.

No entanto, em detrimento de um discurso simplista e segmentado, onde a

fragmentação e a polaridade parecem ditar as regras sobre as concepções de

conceitos inseridos no âmbito educacional, nossas primeiras associações com a

palavra ‘concreto’ muitas vezes sugerem algo tangível, sólido, algo que podemos

tocar, cheirar, manusear, que é real.

Em contrapartida, é bastante comum ouvirmos afirmações que transferem

para esse termo um entendimento diferente desse modelo comumente usado para

sua definição. Expressões como “ideia concreta”, “história concreta”, “pensamento

concreto” ou “exemplo concreto”, indicam uma outra concepção para o concreto, que

entendemos não ser vivenciada e tomada como referencial nas abordagens

escolares de ensino.

126

Machado (2011, p.49) comenta que “quando, por exemplo, recomenda-se o

uso de material concreto nas aulas de Matemática, quase sempre se adota a

concepção de algo manipulável, visível, palpável”. Para ele a dimensão material é

uma importante componente da noção de concreto, embora não esgote o seu

sentido. Há outra dimensão igualmente importante, apesar de bem menos

ressaltada, que é seu conteúdo de significações.

Mesmo entre especialistas, os modelos mais abstratos de geometrias não euclidianas ou da mecânica quântica, ou ainda toda uma classe de experiências científicas para as quais não se vislumbra ainda qualquer possibilidade tecnológica de realização, admite-se com frequência que mantém seus vínculos com a realidade concreta pela via do conteúdo das significações. (MACHADO, 2011, p.54)

Esse posicionamento sugere que precisamos ser mais cautelosos nas

referências que fazemos ao concreto e ao abstrato. Machado indiretamente afirma

que devemos entender tais conceitos com mais profundidade e isto nos força a

retirarmos do cabedal de construções cognitivas algumas concepções que temos –

trazidas em grande parte da força do senso comum -, desse par conceitual.

Imersos numa concepção científica que tem por base o paradigma cartesiano,

inserido por sua vez na corrente Racionalista de conhecimento e responsável pela

estruturação e organização dos modelos educacionais, quase sempre enveredamos

pelos caminhos da trivialidade. Exaltamos e confiamos cegamente na racionalidade

objetiva, deixando à margem das análises questões que trazem consigo um forte

aspecto de subjetividade, como é o caso do conteúdo de significações de um dado

objeto. Para Meneghetti e Bicudo (2003), com base na história da Filosofia da

Matemática, grande parte dos que lidam com a Matemática buscam fundamentar o

saber matemático inteiramente na razão.

Buscando outra concepção, a partir desse ponto defenderemos que o

entendimento ou classificação de concreto ou de abstrato, para um objeto dado, é

estabelecido pelo grupo de significações que este objeto tem para o sujeito, fato que

está diretamente associado ao conjunto de especificidades próprias, intrínsecas do

objeto e também ao cabedal de construções cognitivas tomadas a partir dos

conhecimentos prévios que o sujeito já possui do referido objeto. Ou seja, a base

cognitiva do indivíduo (aluno) é que determina o que é concreto para ele.

127

Samara e Clements (2009) defendem que há dois tipos de concreto.

Postulamos que existem dois tipos diferentes de conhecimento concreto. Alunos com conhecimento concreto-sensorial precisam de material sensorial para dar sentido a um conceito ou procedimento. O concreto-integrado é o conhecimento que está ligado em formas especiais (CLEMENTS & MCMILLEN, 1996). (...) O que fortalece o concreto-integrado é a combinação de ideias separadas em uma estrutura interligada de conhecimento (trad. nossa). (SAMARA e CLEMENTS, 2009, p.146)

Os autores entendem que nas fases iniciais da aprendizagem as crianças

necessitam do tipo definido como concreto-sensorial, e estes servem para dar

sentido aos conceitos, às ideias. “A maioria das crianças, até os 5,5 anos de idade,

não resolvem os problemas sobre ‘qual é o maior número’ sem o suporte de objetos

concretos”. (LEVINE, et al, 1992, tradução nossa). Nessa perspectiva o material

concreto manipulável é fundamental para os esquemas de ação dos alunos

(CORREA, NUNES, e BRYANT, 1998; MARTIN, 2009).

De acordo com Samara e Clements, o conhecimento concreto-integrado seria

aquele adquirido por diferentes vias, por formas diversas, numa combinação de

vários elementos, aspectos dos objetos físicos, das ações executadas sobre eles e

das representações simbólicas, interligados em uma forte estrutura mental. Portanto,

a discussão não deve ser baseada simplesmente sobre o que é ou não concreto.

Dependendo do tipo de relacionamento que o sujeito tenha com o conhecimento, ele

pode ser concreto-sensorial ou concreto-integrado.

Para Samara e Clements (2009), o que em última análise faz ideias

matemáticas tornarem-se ideias concretas-integradas não são suas características

físicas, mas o seu significado completo, ligado a outras ideias, aplicações e

situações. Por isso, defendem que os melhores objetos manipuláveis são aqueles

que ajudam aos estudantes na construção, fortalecimento e conexão de várias

representações de ideias matemáticas.

De forma semelhante ao pensamento de Samara e Clements (2009),

compreendemos que a instancia física é importante nas primeiras etapas de

aprendizagem e, por isso, é fundamental buscar os representantes manipulativos

mais adequados para a compreensão do conhecimento matemático. O que os

autores chamam de concreto-sensorial está bem próximo do que estamos

chamando de concreto material (ou objeto manipulável). O que os autores definem

128

como concreto-integrado se aproxima do que estamos definindo como concreto

cognitivo. Estabeleceremos que apenas o conhecimento que ainda não está

integrado na estrutura cognitiva do estudante, poderá ser considerado abstrato.

O enfoque da nossa discussão traz em seu cerne o aspecto ontológico uma

vez que discute a natureza dos objetos matemáticos. No entanto, compreendemos

que trazemos com mais ênfase aspectos epistemológicos, uma vez que nos

aprofundamos na análise de como construir ou elaborar ou significar conceitos

matemáticos. Assim, partimos do seguinte entendimento: os objetos matemáticos

possuem diferentes níveis de abstração. Os menos abstratos são aqueles com

representações que têm ligações diretas a objetos reais. Os mais abstratos são

aqueles que possuem representações que não se inserem no contexto real,

legitimadas pela linguagem, simbologia, dentre outros.

Como já referido na nossa tese, o nível de abstração de um objeto

matemático é relativo. No nosso entendimento, ele depende de quatro aspectos

principais. O primeiro aspecto é que a abstração de um objeto não está relacionada

apenas à sua complexidade, mas depende da estrutura cognitiva de quem o explora.

Cada sujeito traz consigo um conjunto de informações (ideias, experiências,

observações, prévias definições) que é único. Isso leva a consideração de que

qualquer objeto possui níveis de abstração diferentes para duas pessoas.

Outro elemento que interfere no nível de abstração dos objetos matemáticos é

a natureza de suas representações. Se um objeto matemático possui

representações com repercussão no mundo físico ele terá um nível de abstração

maior que um objeto que só possui representação no campo da simbolização.

Porém, além da natureza da representação deve-se considerar que o modo como

essas representações são exploradas no processo de ensino também interfere no

nível de abstração dos objetos. Mesmo que um objeto possua diversas formas de

representação por objetos concretos manipuláveis, se isso não for explorado no

processo de ensino é possível que não traga contribuição para a concretização

cognitiva do conceito.

Por fim, entendemos que outro fato que relativiza o aspecto de abstração dos

objetos matemáticos é o lugar desse mesmo objeto na rede intradisciplinar, ou seja,

como ele se relaciona com os demais objetos matemáticos. Numa primeira instância,

quanto mais significados o objeto possuir, maior será o seu nível de abstração.

129

Assim, qualquer conhecimento (ou novo conhecimento) está inserido em um

determinado nível de abstração e de concretude que varia de sujeito para sujeito,

em decorrência da estrutura cognitiva que cada um possui e também do próprio

objeto. No entanto, independentemente da situação cognitiva e do objeto do

conhecimento do qual se esteja tratando, haverá duas possibilidades a serem

consideradas: (1) O físico (material, palpável, sensorial) pode ser considerado como

instância do primeiro nível de abstração (A1); ou (2) O físico não representa o

primeiro nível de abstração e há entre estes um “vazio de significação” ou um

“obstáculo de representação”.

Entendemos que a base cognitiva de qualquer pessoa, especialmente em

idade escolar, já tenha alcançado níveis de abstração superiores ao nível físico. Isto

significa que, em termos de conhecimento matemático, alguns elementos abstratos

inicialmente já sejam considerados como elementos concretos (concretos

cognitivos). Consideraremos que, independente do aspecto do objeto, do tipo de

conhecimento e da sua materialidade ou não, a partir do momento em que este se

incorpora à base cognitiva do indivíduo, ele passa a ser entendido como um objeto

concreto.

Essa característica tem bases assentadas no enfoque psicológico. Em outros

termos, entendemos que as concepções de concreto e de abstrato de cada indivíduo

dependem diretamente dos elementos constituídos em sua estrutura cognitiva,

levando-nos a expandir o entendimento que, agora, o concreto, é concebido como

algo que está completamente compreendido e estruturado em nossa mente.

Esse processo ocorre em virtude da amplitude do pensamento humano, que

de tão complexo, constitui um tipo de atividade que nos diferencia de todas as outras

espécies. “Podemos pensar praticamente em qualquer coisa que quisermos: objetos

reais que nunca vimos, mas dos quais simplesmente ouvimos falar ou sobre os

quais lemos; ou objetos puramente fictícios”. (DEVLIN, 2006, p.142). É necessário

lembrar essa característica da mente humana relativa aos processos de ensino, para

que não caiamos no equívoco de limitar o processo aos fatos e objetos perceptíveis

aos sentidos.

Essa consideração levanta um questionamento, relativo ao pensamento

humano, que, segundo Devlin (2006), os filósofos discutem interminavelmente: como

é possível pensarmos sobre algo que não existe? Segundo Devlin (2006, p.143), a

130

resposta a esta questão está no fato de que o objeto dos processos de pensamento

são símbolos, isto é, coisas que representam outras coisas.

Os símbolos que formam os objetos dos nossos pensamentos podem também representar versões imaginárias dos objetos reais, tais como bananas imaginárias ou cavalos imaginários, ou até mesmo objetos inteiramente imaginários reunidos de representações simbólicas de objetos reais do mundo, tais como uma banana de ouro ou um unicórnio. (DEVLIN, 2006, p.143)

Devlin (2006) considera o pensamento abstrato em termos de quatro níveis,

como representado na Figura 6. Na categorização de Devlin (2006) são

considerados níveis de abstração do pensamento humano de um modo geral.

Tomando como referência esta classificação e pensando no caso específico do

conhecimento matemático, concordamos com ele ao enfatizar que os objetos

matemáticos são inteiramente abstratos, que não têm ligações diretas com o mundo

real, com o concreto. No entanto, defendemos que associações dos objetos

matemáticos a objetos concretos, quanto mais substanciais, mais fortes,

possibilitarão mais resultados significativos no processo de aprendizagem e maiores

facilidades de incorporação à base cognitiva do indivíduo.

Figura 6: Níveis do pensamento abstrato de acordo com Devlin (2006).

Fonte: Devlin (2006, p.143)

Abstração

de nível 1

Os objetos sobre os quais pensamos são todos objetos reais

acessíveis à percepção no ambiente imediato. Entretanto,pensar em objetos do ambiente imediato pode muito bemenvolver imaginá-los se deslocando para diferentes lugares do

ambiente. Por isso, é razoável encarar esse processo comopensamento abstrato, mesmo que os objetos desse

pensamento sejam todos objetos concretos no ambienteimediato.

Abstração

de nível 2

Nesse nível, estão inseridos os objetos reais familiares a quem

pensa, mas que não são acessíveis à percepção no ambienteimediato.

Abstração

de nível 3

Os objetos de pensamento podem ser objetos reais que o

indivíduo conheceu de alguma forma, mas que nuncaencontrou, na realidade, ou versões imaginárias de objetosreais, ou variações imaginárias de objetos reais, ou

combinações imaginárias de objetos reais.

Abstração

de nível 4

Nesse nível está inserido o pensamento matemático. Os

objetos matemáticos são inteiramente abstratos; eles não têmligações simples ou direta com o mundo real, ou que não sejaabstraída do mundo a partir de relações e ideias criadas pela

mente.

131

Entendemos que os objetos de estudo da Matemática podem ser

categorizados a partir de níveis de abstração, levando-se em consideração a

possibilidade deles apresentarem ligações ou relações ou ainda representações com

objetos concretos. Ou seja, existem elementos matemáticos que têm uma

aproximação mais direta com objetos reais do que outros, sendo este enfoque, para

nós, o parâmetro para os níveis de abstração. Exemplos característicos são objetos

estudados na Geometria Básica, como círculos, polígonos, retas, dentre outros.

Evidentemente, imersos no aspecto da formalidade matemática, nunca

veremos os objetos matemáticos definidos como uma reta, um círculo, um triângulo.

Mas, podemos construir representações associativas dessas estruturas. Esses tipos

de objetos estão inseridos no que vamos chamar de primeiro nível de abstração dos

objetos da Matemática. A associação direta, que diremos ser o físico (concreto)

instância de nível de abstração 1, caracteriza a primeira possibilidade (P1) da

relação entre objetos matemáticos e objetos do mundo real.

Na segunda possibilidade (P2), os objetos matemáticos inseridos no nível de

abstração 1 não apresentam uma relação direta com os objetos concretos. Há um

vazio entre o nível físico (concreto) com estes objetos da Matemática. Um exemplo

de objeto matemático que se insere nessa categoria é o conceito de número. O que

representa, em termos de concreto imediato, um número? Não há como representar

esse objeto com nenhum objeto do mundo real. Qualquer associação que se faça,

entre um número e um objeto real, se enquadra num estágio de abstração que já

tem absorvido o primeiro.

Assim, temos o objeto matemático ‘número’, que não carrega uma relação

direta com nenhum objeto concreto. Ou seja, dois livros que vejo à minha frente

nada me dizem sobre o número 2; um par de sapatos também não mostra ligação

direta com esse número. Isso significa que há um vazio (um fosso) entre esse objeto

da Matemática e os objetos do mundo real (objetos concretos materialmente).

Diante das considerações que levantamos, elaboramos uma categorização

dos níveis de abstração dos objetos da matemática. Na Figura 77, temos a primeira

possibilidade, quando o nível físico é instância do primeiro nível de abstração.

132

Figura 7: Níveis de abstração do conhecimento matemático quando o nível

físico é instancia do primeiro nível de abstração

Fonte: Autoria própria (Sugerida pelo pesquisador John Andrew Fossa).

Essa classificação de abstração do conhecimento matemático está

organizada de modo a avançar cada vez mais no processo de abstração, o que

pode levar ao completo desligamento dos objetos da matemática de objetos reais.

Porém, ao considerar o aspecto relativo à base cognitiva, mesmo que os objetos

estejam desligados do nível físico (concreto material) isto não indica que para o

sujeito eles não sejam concretos, afinal a base cognitiva é que determina o que é

concreto e o que é abstrato para o indivíduo.

No primeiro nível de abstração estão inseridos todos os objetos matemáticos

que possibilitam uma instanciação direta com o nível físico, com o concreto

manipulativo, imediato e sensorial. Nessa configuração se inserem, em especial, os

conhecimentos da geometria básica, dada à possibilidade de representação dos

objetos dessa área da matemática por objetos concretos. Nesse nível, não estão

sendo consideradas definições matemáticas, conceitos, propriedades, dentre outros.

O que se vislumbram são as representações diretas, simples e sensoriais de

objetos matemáticos por objetos reais. Há uma relação direta entre este nível de

abstração do conhecimento matemático e o primeiro nível de abstração do

conhecimento humano colocado por Devlin (2006). Para ele, os objetos sobre os

Nív

el d

e a

bstr

açã

o 5

Nív

el d

e a

bstr

açã

o 2

Nív

el d

e a

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o 3

Nív

el d

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o 4

Nív

el d

e a

bstr

açã

o 1

Nív

el f

ísic

o (C

on

cre

to)

Dialética entre os níveis de abstração

Nível de abstração 1 = Nível físico (concreto)

133

quais pensamos são todos da realidade imediata e, para nós, os objetos da

Matemática, apesar de não possuírem uma existência real, apresentam uma relação

direta com os objetos da realidade imediata.

No segundo nível de abstração são considerados os mesmos objetos da

Matemática do primeiro nível, mas, agora, conceituados, definidos. Nessa etapa, às

relações ou representações de objetos matemáticos através de objetos reais

começam a ser fragilizadas uma vez que surgem elementos, símbolos e conceitos

que aumentam o caráter de abstração. Aqui, por exemplo, um triângulo deixa de ser

apenas representado por um objeto com uma região triangular e passa a depender

de outras coisas (arestas, vértices, definição, linguagem matemática). Nesse nível

também podem ser colocadas às aplicações que se faz de tais objetos na resolução

de problemas.

O nível de abstração 3 que consideramos, engloba as propriedades dos

objetos matemáticos e as relações entres estas e as relações entre os objetos. Tais

aspectos podem ser estudados numa desconexão completa do mundo real. No

entanto, mesmo neste nível são usadas representações (postas no nível 1),

definições, simbologia e propriedades (constantes do nível 2). Note-se que, nessa

etapa, o distanciamento relativo aos objetos concreto (reais) se eleva e é possível

que o sujeito já compreenda a característica de abstração que marca o

conhecimento matemático.

No nível de abstração 4 se inserem todos os conhecimentos matemáticos dos

objetos representados no nível de abstração 1 que, na educação básica, são

explorados de modo independente da realidade e com uma linguagem própria e

formal. Aqui estão contempladas as equações e inequações, os sistemas de

equações, as representações gráficas, os teoremas, as demonstrações, dentre

outros.

Por fim, no nível de abstração 5, estão inseridos todos os conhecimentos

matemáticos relativos aos objetos da Matemática do nível 1 de abstração, não

apresentam relação imediata com objetos da realidade, e são estudados,

majoritariamente, nos cursos superiores. São exemplos desses conhecimentos, os

aprofundamentos trigonométricos e geométricos, dentre outros. Porém, mesmo

nesse estágio, graças ao processo dialético realizado nas etapas anteriores, que

possibilita a ascensão do abstrato para o concreto cognitivo, os conhecimentos

134

prévios darão suporte para que o novo conhecimento tenha significado para o

estudante.

Numa outra vertente do conhecimento matemático estão inseridos os

conhecimentos que, em suas bases, não apresentam relação direta com o nível

físico (concreto imediato). Basta tomarmos como exemplo os conjuntos numéricos,

que têm suas construções assentadas na ideia de número. Conforme Devlin (2006),

o ‘número’ talvez seja o elemento mais simples e mais abstrato do mundo da

Matemática.

Notemos que, diferentemente de um objeto da Geometria, que possui uma

representação imediata no mundo real, nos termos em que estamos tratando, o

‘número’ não encontra qualquer forma real que possa representá-lo. Esse

argumento nos leva a considerar que, para um grupo de objetos da Matemática,

existe um vazio representativo, um fosso de significação, entre eles e os objetos

reais. Por esse motivo, construímos uma segunda configuração para os níveis de

abstração do conhecimento matemático, representada pela Figura 8.

qwee

Figura 8: Níveis de abstração do conhecimento matemático, quando o nível

físico não é instancia do primeiro nível de abstração.

Fonte: Autoria própria (Sugerida pelo pesquisador John Andrew Fossa).

Nív

el d

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bstr

ação 5

Nív

el d

e a

bstr

ação 2

Nív

el d

e a

bstr

ação 3

Nív

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bstr

ação 4

Nív

el d

e a

bstr

ação 1

Nív

el f

ísic

o (C

oncre

to)

Dialética entre os níveis de abstração

Nível de abstração 1 ≠ Nível físico (concreto)

Vazio de representação ou ‘fosso’ de significação entre o Nível

físico e Nível de abstração 1

135

Nessa estruturação, a grande diferença se encontra no primeiro estágio,

enquanto do segundo nível de abstração em diante, do mesmo modo que

descrevemos na estrutura anterior, haverá uma relação direta com o(s) nível(is)

anterior(es), uma vez eu este(s) funcionará(ão) como base(s) de conhecimento(s)

concreto(s), em termos de estrutura cognitiva.

Há algumas questões a serem consideradas relativas ao conhecimento

matemático, considerando-se as organizações elaboradas na Figura 7 e na Figura 8.

Uma delas diz respeito à diferenciação ou distinção que fazemos entre objetos de

estudo da Matemática e suas respectivas relações com os objetos físicos (concretos

imediatos). Compreendemos que, já no início do processo educacional, nas

primeiras etapas de construção do conhecimento por parte do indivíduo, alguns

conhecimentos matemáticos apresentam mais relações com os objetos da realidade

que outros.

Isso acentua a necessidade de fortalecimento metodológico no processo de

ensino, no sentido de buscar meios para dar melhores significados aos objetos de

estudo da Matemática. Assim, a indagação que emerge é a seguinte: que recursos

metodológicos devem ser utilizados para que a relação entre os objetos do

conhecimento matemático e os objetos concretos seja o mais forte possível,

considerando as duas categorizações de abstração do conhecimento matemático?

Quaisquer encaminhamentos direcionam a consideração de que os processos

metodológicos e os recursos didáticos a serem utilizados devem ser diferenciados

para conhecimentos matemáticos diferentes, fato que se contrapõe às práticas de

ensino utilizadas, pois estas, em sua maioria, são uniformizadas independentemente

do nível de ensino e do conhecimento matemático envolvido.

Outro fator significativo é que sejam respeitadas as etapas de concretização

cognitiva do conhecimento. Como dissemos, todo o conhecimento matemático é, por

natureza, abstrato (no sentido comum do termo). Porém, ao passo que o indivíduo o

compreende, (re) significando-o a partir dos elementos já constituídos em sua

estrutura cognitiva, os conhecimentos prévios, que podemos chamar de objetos

concretos cognitivos, ele passa a ser também um concreto cognitivo e, assim o

abstrato passa a ter significado, ganha vida para o indivíduo, passa a fazer sentido.

É nesse aspecto que, no nosso entendimento, reside o maior problema do

processo de ensino de Matemática. Quem não gosta dos conhecimentos

136

elementares da Matemática, quem não os compreende, possivelmente, nunca

‘colocou o pé’ no mundo matemático e está preso aos aspectos sensitivos físicos

dos objetos concretos materiais. Para estas pessoas a Matemática não faz sentido

algum, é distante do mundo e de suas estruturas cognitivas, não representa uma

construção social e cultural.

A transformação dessa concepção só será efetivada se partirmos do primeiro

nível de abstração, buscando elementos do mundo real que possam ter relações, ou

representações, ou significações desse conhecimento para o indivíduo, numa

dialética entre o concreto e o abstrato. Com o primeiro nível de abstração bem

estabelecido e sendo transformado no concreto cognitivo, poderá se avançar no

processo para os estágios seguintes.

Compreendemos que em todas as etapas do processo é necessário que se

leve em consideração metodologias que possam contemplar a dialética entre os

níveis de abstração. “As relações teoria/prática, concreto/abstrato não tem se dado

dialeticamente, mas, com o intuito que uma leve à outra” (GRANDO, 1999, p.07).

Significa que o percurso que leva a um nível de abstração só será possível fazendo-

se o diálogo com o concreto já estabelecido, seja este cognitivo ou real (material).

Um elemento importante para o alcance de níveis de abstração cada vez mais

elevados, expandindo o concreto cognitivo, é a partir da observação do nível de

significação que o sujeito atribui ao objeto em estudo, pois, com ele se pode

repensar o processo metodológico buscando fortalecer a mediação dialética entre os

conhecimentos prévios (concretos cognitivos) e o novo conhecimento.

Construímos uma figura representativa do modo como se dá e como é

formado, em nosso entendimento, o que denominamos de grupo de significações. A

partir dessa compreensão poderemos avançar na defesa desse modo diferenciado

de conceber o concreto e o abstrato (

Figura 9).

137

Figura 9: Significações atribuídas por um sujeito a um objeto

Fonte: Autoria própria

Estamos denominando de objeto da realidade, qualquer objeto artificial ou

natural, que tem materialidade21. No entanto, a materialidade do objeto não está

condicionada à possibilidade de acesso ao mesmo. O fato de não conseguirmos

adentrar no contexto do mundo atômico, não indica que os átomos não existem.

Assim, poderíamos elencar uma gama de objetos que, para nós, são inacessíveis,

mas, que tem existência definida, tem materialidade e, portanto, são objetos da

realidade, mesmo que essa realidade não seja àquela do nosso contexto, do nosso

cotidiano, da nossa percepção.

21

Estamos considerando materialidade a partir do entendimento de que a matéria é a realidade exterior e independente do nosso entendimento e que não necessita deste para existir, exprimindo apenas a realidade objetiva que nos é dada pelos sentidos.

138

Porém, sendo os objetos inacessíveis, mesmo que objetos da realidade, para

que possamos ter acesso ao grupo de suas significações diretas faz-se necessário,

para fortalecimento dessas significações, usarmos algum artifício que nos possibilite

uma melhor compreensão da materialidade desse objeto. É quando lançamos mão

do que estamos chamando de representações do objeto. Uma análise mais

aprofundada indicará que o termo ‘representações de um objeto’ tem sido usado em

muitas situações e correntes teóricas.

Estamos utilizando o entendimento de que, é a partir da uniformidade

conceitual atribuída a um objeto, que este passa a ter uma existência (objeto da

realidade), que associa suas características (dimensões, cores, forma, dentre outras)

ao conceito que lhe é atribuído. No entanto, a não acessibilidade ao objeto levará ao

que se pode entender como o objeto desprovido de um ou mais atributos essenciais

– que variam de objeto para objeto. Nesse caso, dizemos que não se trata do objeto

em sua totalidade, mas, sim de uma representação do mesmo.

Para dar mais significado ao que estamos propondo, consideremos uma

situação que se coaduna com o pensamento exposto. Quando pensamos no objeto

“mesa” imediatamente somos tomados de informações (ou atributos) que se

associam ao conceito “mesa”. Isso ocorre porque em algum tempo (ou período

temporal), em algum lugar (ou num contexto social e cultural) definiu-se que um

objeto com determinados atributos essenciais seria chamado de mesa.

Uma mesa é um objeto acessível, podemos adentrar em seu contexto, vê-la,

tocá-la, medi-la, usá-la. Sobre ela fazemos classificações que podem ser

comprovadas ou verificadas. Mas, a fotografia de uma mesa, não é uma mesa; o

desenho, até mesmo arquitetônico de uma mesa, não é uma mesa. Nesses casos

estamos falando de representações do objeto ‘mesa’. E, é fácil perceber que, em

qualquer modo de representação, há a ausência de pelo menos um dos atributos

essenciais que servem para ‘dar existência’ ao objeto ‘mesa’.

Esclarecidos tais posicionamentos sobre ‘objetos da realidade’, necessitamos

elucidar outra questão importante. Trata-se dos objetos que não possuem

materialidade e que, portanto, são inacessíveis por definição. Os exemplos mais

característicos de tais objetos são os estudados pela Matemática. Uma reta, um

ponto, uma equação, uma figura geométrica, dentre outros, são ‘coisas’ que,

139

conforme nos mostrou Duval (2003), só podemos ter acesso às suas variadas

formas de representação.

A compreensão em matemática implica a capacidade de mudar de registro. Isso porque não se deve jamais confundir um objeto e sua representação. Ora, na matemática, diferentemente dos outros domínios de conhecimento científico, os objetos matemáticos não são jamais acessíveis perceptivamente ou instrumentalmente. (DUVAL, 2003, p.21)

Duval (2003), define o conceito de ‘representações semióticas’, como sendo

as representações relativas a um sistema particular de signos, a linguagem, a escrita

algébrica ou os gráficos cartesianos, e que podem ser convertidos em

representações “equivalentes” em um outro sistema semiótico, mas podendo tomar

significações diferentes para o sujeito que as utiliza. Com isso, defende que o

processo de ensino-aprendizagem em Matemática, em face da característica de tal

conhecimento, faz uso natural desse sistema de representação.

Basta abrir qualquer manual de matemática para constatar, na mesma página, vai-e-vens incessantes entre frases em língua natural, fórmulas literais, expressões em língua formal, figuras geométricas ou gráficos cartesianos. (DUVAL, 2009, p.64)

Segundo ele, a diversidade de representações que se possa fazer de um

objeto de estudo da Matemática, além de ser uma característica fundamental para

que sejam atingidos os níveis mais elevados de compreensão do objeto, possibilita

ao sujeito os tratamentos, que são transformações realizadas dentro de um mesmo

registro e as conversões, que são as transformações de representações que

consistem em mudar de registro conservando os mesmos objetos denotados.

A particularidade da aprendizagem das matemáticas considera que as atividades cognitivas requerem a utilização de sistemas de expressão e de representação além da linguagem natural os das imagens: sistemas variados de escrituras para os números, notações simbólicas para os objetos, escritura algébrica e lógica que contenham o estatuto de línguas paralelas à linguagem natural para exprimir as relações e as operações, figuras geométricas, representações em perspectiva, gráficos cartesianos, redes, diagramas, esquemas, etc. (DUVAL, 2009, p.13)

140

O processo de representação semiótica é usado em todas as áreas do saber

educacional, uma vez que, de acordo com as definições de Duval (2003), até

mesmo as formas primeiras de registros da linguagem podem ser considerados

como um tipo de representação semiótica. No entanto, é a partir do maior

distanciamento entre o conhecimento a ser estudado e o contexto do aprendiz que

os modos de representação passam a ser substanciais no processo de ensino. Em

outros termos, estamos defendendo que seja qual for a área de estudo e o tema em

questão, quanto mais se avança no nível educacional, mais as representações serão

importantes, sejam estas de objetos da realidade ou de objetos sem materialidade

definida como no caso dos objetos de estudo da Matemática.

Independentemente da situação, a análise do próprio objeto ou da sua

representação (ou de várias representações) leva ao que estamos denominando de

significações diretas que, em linhas gerais, são contempladas pelas caracterizações,

conceitos e proposições relativas ao objeto em estudo. Nesse aspecto, os elementos

sensitivos são os mais importantes para o fortalecimento das significações, sendo

complementados pelos códigos dos sistemas de linguagem envolvidos e pelas

propriedades dimensionais.

As significações diretas podem ser interpretadas como todas as resultantes

imediatas próprias do objeto que o sujeito percebe, identifica, classifica, conceitua e

dimensiona. Note-se que quanto mais próximo estejamos do contexto do objeto,

maior será o grau de significância direta. De modo análogo, quanto maior o número

de representações para um objeto, mais haverá possibilidades de compreensão do

mesmo, pelo processo de significações diretas.

Do outro lado, mas não no sentido de oposição, inserido num contexto da

subjetividade plena, temos as Significações Indiretas. Essas são possibilitadas pelo

sentido que o sujeito atribui na relação com o objeto e pelos fatores psicológicos

idiossincráticos. Tais elementos são explicados a partir de variáveis como emoção,

afetividade, conhecimento prévio, experiência, dentre outros. O contato com um

objeto ou com a representação de um objeto faz emergir um conjunto de reações de

significância desse objeto que são únicas para cada sujeito e que dependem das

variáveis elencadas anteriormente.

Uma característica importante desse tipo de significações é o fato de que elas

são possibilitadas pelo objeto, mas, estão situadas no sujeito e não no objeto.

141

Enquanto que no outro, as significações são observadas e estruturadas pelo sujeito,

mas, se encontram no objeto (Figura 10).

Figura 10: Relação entre o sujeito e o objeto

Fonte: Autoria própria

O fato de estruturarmos o conjunto de significações a partir de duas vertentes,

às significações diretas e às indiretas, não representa que temos dois polos

independentes ou desconexos. Defendemos que há uma dialética entre os dois

tipos, uma dependência recíproca desses dois tipos de significações, cada um

dando sustentabilidade ou fortalecimento ao outro, cada uma complementando a

outra. As significações indiretas, como a harmonia entre o sujeito e o objeto, a

valoração que o sujeito atribui ao objeto, a afetividade, dentre outros, se fortalecem

substancialmente com o maior número possível de significações diretas.

Do mesmo modo, o conhecimento de especificidades do objeto, propriedades

e definições, são fortalecidos pelo maior grau de significações indiretas. Essa

relação é, a nosso ver, uma relação dialógica e contínua entre os dois polos. Cada

processo de significação, ao passo que fortalece o outro polo, contribui para o

enriquecimento do conjunto de significações deste.

É a partir do entendimento do processo de significações que damos um outro

entendimento às concepções de concreto e de abstrato. Para tal, partiremos com o

seguinte princípio: o nível do aspecto de abstração em um objeto é concebido pela

não compreensão dos elementos, características e propriedades desse objeto, que é

o resultando de pouca significação ou um número pequeno de significações. Assim,

entendemos que quanto maior o grupo de significações que um sujeito tem de um

objeto, maior será o aspecto de concretude do objeto para ele. Por outro lado, o

142

nível de abstração que o sujeito considerará sobre o objeto, será tanto maior, quanto

menor for o conjunto de significações.

Esse entrelaçamento que liga os conceitos de concreto e de abstrato ao

grupo de significações, para torna-se mais claro, necessita de algumas

considerações, que farão emergir, por consequência, a compreensão de que em

qualquer estágio de conhecimento (ou de contato) de um sujeito com um objeto, é

quase impossível a não existência, para esse sujeito, tanto aspectos concretos como

abstratos relativos ao objeto, seja este de qualquer natureza.

Ou seja, se as concepções sobre o concreto e sobre o abstrato estiverem

ligadas ao processo de significação, conforme descrito anteriormente, dificilmente,

dado qualquer objeto, um indivíduo o considerará completamente abstrato ou

completamente concreto (Figura 11). Entendemos que essas perspectivas poderão

trazer fortes mudanças especialmente no âmbito do conhecimento matemático.

Figura 11: Relação entre um sujeito e as suas concepções relativas aos aspectos concreto e abstrato

Fonte: Autoria própria

143

Outra questão importante nesse entendimento, diz respeito aos estágios de

concretude e de abstração. O aumento de elementos no conjunto de significações

de um objeto e o fortalecimento destas alteram as análises dos aspectos relativos ao

concreto e ao abstrato. De fato, dado um estágio de relação (contato) entre um

sujeito e um objeto, tem-se, em princípio, um nível de concretude (C) e um nível de

abstração (A).

Ao explorar esse objeto ou a(s) sua(s) representação(ões), numa relação

dialógica, estar-se-á, naturalmente, elevando-se o número de significações, diretas

e/ou indiretas, relativas ao objeto e, assim, alterando-se as concepções que se têm

relativas ao concreto e ao abstrato, passando-se aos níveis e . (Figura 12).

Esse processo, que tem como marca fundamental a continuidade, se

configura no ir e vir entre o nível de concretude que se caracteriza e ‘ganha vida’ a

partir do grupo de significações e o nível de abstração, marcado essencialmente

pelos elementos do objeto ainda não compreendidos ou não significativos para o

sujeito. Logo, em qualquer etapa, pode-se avançar na análise do objeto, o que leva

a outro patamar de fortalecimento do nível de concretude e a uma compreensão

muito mais nítida do objeto. Porém, esse avanço não indica que os aspectos

abstratos cessarão, e, novamente, todo o processo pode ser retomado.

Figura 12: Estágios do processo de compreensão relativo às concepções de concreto e de abstrato

Fonte: Autoria própria

Para a Dialética, o concreto deve ser considerado como ponto de partida e

ponto de chegada do processo de conhecimento. “O concreto ponto de partida é o

144

concreto sensorial, empírico, captado nas suas ‘formas fenomênicas’” (KOSIK, 1985,

p.10). Nesse estágio, afloram as propriedades mais acessíveis por meio das

sensações do sujeito, o que lhe confere um conhecimento superficial e fragmentário.

Já o concreto ponto de chegada, é um concreto apreendido na multiplicidade de

suas determinações, no conjunto de suas significações, isto é, na revelação de sua

essência, de suas propriedades mais intrínsecas inacessíveis à apreensão sensorial.

O concreto ponto de chegada é um concreto síntese de suas determinações.

Do concreto sincrético ao concreto síntese, o pensamento necessita operar

analiticamente, isto é, do todo sincrético, o pensamento precisa separar, dividir os

aspectos manifestados de modo imediato, de forma a esmiuçar cada aspecto de per

si. Isto se dá por meio das abstrações. Nesse momento de análise, o pensamento

eleva-se a níveis cada vez mais abstratos, chegando a relações de máxima

generalidade, num processo de depuração das abstrações.

No entanto, esse movimento analítico não se encerra em si mesmo, pois,

revela-se como uma etapa necessária à apropriação do concreto na sua

multiplicidade de relações. Assim, as abstrações são mediações necessárias para

superação do concreto caótico, sincrético, para um concreto enquanto "rica

totalidade de determinações e relações numerosas" (MARX, 2008, p. 218).

Esse processo de mediação, que dentre outras coisas, se dá pela

compreensão das relações e significações do objeto e de suas partes, com seu

interior e exterior, possibilita um avanço na interpretação do concreto, trazendo mais

suportes significativos do objeto para o sujeito. Pode-se dizer que a partir desse

entendimento, a cada estágio de mediação, o objeto se torna mais concreto para o

sujeito.

Também se infere que em cada etapa, o conhecimento sobre o objeto, sua

compreensão e suas relações, são fortalecidas, possibilitando maiores ganhos de

aprendizagem para o sujeito. Tal especificidade se apresenta com certa semelhança

ao pensamento de Ausubel et al (1980), relativamente às noções de conhecimentos

prévios. De fato, os elementos ligados ao nível de concretude que se tem de um

objeto, numa etapa qualquer do processo de assimilação do conhecimento de um

objeto, são fundamentais nas investigações dos estágios seguintes, e as novas

relações observadas darão maior significância àquelas encontradas em etapas

anteriores.

145

Da forma como concebe o concreto e o abstrato nas práticas docentes de

Matemática, percebe-se uma ausência de relação entre ambos. Tal concepção

unilaterializa e deforma o abstrato. Na verdade, a dicotomia concebida distorce os

dois polos da relação: distorce o concreto, pois, o reduz ao empírico; e distorce o

abstrato, pois o reduz a um de seus momentos, que é o domínio de certas fórmulas

matemáticas.

Com isto, os aspectos do processo de elaboração dos conceitos matemáticos

se reduzem a seu resultado em detrimento de sua relação com sua gênese, fazendo

com que os procedimentos de ensino se limitem à operacionalização estéril dos

conceitos na sua forma já elaborada, não os apresentando enquanto um momento

(o resultado) do processo de elaboração.

Compreendemos que essa concepção necessita ser superada. E, para isso,

propomos uma mediação associada às estratégias metodológicas diversas possíveis

de utilizarmos no ensino de Matemática, em particular as ferramentas da tecnologia

computacional, que poderão contribuir na representação dos objetos matemáticos,

enriquecendo ás possibilidades de significações e determinações, e propriedades no

processo de mediação. Os recursos computacionais favorecem o entendimento, a

visualização e a apreensão de propriedades que, no modelo estático tradicional que

impera nas práticas de ensino, não se apresentam de forma tão evidentes.

Por isso, no item seguinte trazemos nossos argumentos de defesa de que,

independente da corrente teórica de aprendizagem, há uma forte relação da

tecnologia com o conhecimento matemático, desde os primórdios dos recursos

computacionais. No entanto, nos parece, que o uso dessa ferramenta como meio de

facilitação do ensino e da aprendizagem de Matemática, tem sido bastante reduzido

e, quando se efetiva, não é associado a uma mediação que possibilite o

aproveitamento completo de tais recursos.

146

IV. Concretização cognitiva do conhecimento

matemático na educação básica

Defendemos ao longo das secções anteriores, relativamente aos aspectos de

abstração e de concretude do conhecimento matemático, uma reconfiguração das

concepções de concreto e de abstrato para o ensino de Matemática. O concreto que

antes era concebido como algo materialmente próximo, acessível pelos sentidos,

pertencente ao contexto do indivíduo, agora, pode ser expandido para além dessa

realidade. Nesse âmbito, ele pode não ter materialidade, mas, tem existência na

estrutura cognitiva do sujeito. É nesse sentido que falamos de concreto cognitivo.

A partir dessa configuração a questão precípua passa a ser: como construir

possibilidades metodológicas que possam ter como base a relação dialética entre o

concreto e o abstrato, favorecendo que os conceitos matemáticos se tornem

concretos cognitivos? Primeiro, defendemos que, no processo de ensino de

Matemática da educação básica, deve-se buscar sempre uma associação direta

entre os conceitos (objetos) matemáticos e os objetos concretos materiais

manipuláveis. No entanto, dependendo do nível de abstração do objeto matemático,

essa associação direta poderá não ser possível, exigindo que se recorram às formas

não triviais de representação desses objetos e à observância dos conhecimentos

prévios estabelecidos, que constituem o concreto cognitivo.

Portanto, no planejamento metodológico para o ensino de qualquer conceito

matemático deve ser observado o nível de abstração desse conceito, com base nas

categorias mostradas na Figura 7 e na Figura 8, para, a partir daí, buscarmos o

melhor encaminhamento metodológico. Isso significa que se deve analisar o objeto

matemático em estudo, buscando possibilidades de associações diretas a objetos

concretos materiais. Em caso afirmativo, deve-se fazer uso dos recursos auxiliares

didáticos que possibilitem essa associação, inclusive objetos manipuláveis,

acessíveis aos sentidos.

Porém, não havendo possibilidades de associação direta, constatando-se o

vazio de significação entre o objeto matemático e os objetos concretos materiais,

deve-se buscar um recurso metodológico para fazer o diálogo entre os

conhecimentos prévios, que nesse sentido são entendidos como concretos

cognitivos, e os elementos matemáticos novos, em estudo.

147

Assim, surge um segundo elemento que é fundamental no processo de

ensino de Matemática: a representação. Quanto maior o conjunto de representações

e quanto mais significativas forem, em termos de visualização, maiores serão as

possibilidades de compreensão do objeto matemático, como já tratamos

anteriormente.

Da mesma forma como ocorre com a sociedade, em termos de dinâmica

sociocultural, ocorre com as várias facetas do conhecimento e com os processos

didáticos relativos a estes. Ou seja, transformam-se continuadamente, a partir de

novos estudos, novas investigações, novas diretrizes e novas conjunturas sociais.

Por isso, sempre existiram diversas possibilidades de representação dos objetos

matemáticos e, portanto, várias maneiras metodológicas de se atuar didaticamente.

A metodologia que contempla os jogos didáticos, o uso da História da Matemática, a

resolução de problemas, o uso de metáforas, dentre outras, são exemplos

metodológicos nessa área.

Compreendemos que cada uma dessas metodologias tem sua importância e

entendemos também que elas podem e devem ser utilizadas de modo simultâneo.

No entanto, defendemos que qualquer modelo metodológico deve estar embasado

em uma concepção dialética que contemple o aspecto concreto, seja este material

e/ou cognitivo, e o aspecto abstrato dos objetos matemáticos.

Nesse sentido, as transformações advindas do desenvolvimento tecnológico

trouxeram novos horizontes para a relação entre o conhecimento, o professor e o

aluno, especialmente no que concerne aos modos de representação dos objetos do

conhecimento científico. No caso do ensino de Matemática, defendemos que

qualquer modelo metodológico pode fazer uso das possibilidades geradas pelas

novas tecnologias para seu enriquecimento didático e para o fortalecimento da

relação dialética entre o concreto o abstrato.

Em particular, os recursos da tecnologia computacional possibilitam uma

diversidade de representações, tanto de objetos matemáticos que são facilmente

representáveis também por objetos concretos quanto àqueles que não possuem

representação por objetos manipuláveis. Por isso, entendemos que os recursos

tecnológicos computacionais se configuram como auxiliares significativos no

processo de ensino de Matemática, tendo em vista às possibilidades de

representações que demandam, favorecendo também a ativação dos

148

conhecimentos prévios e possibilitando a relação dialética entre o abstrato e o

concreto, seja este material ou cognitivo.

As transformações causadas pelo advento das novas tecnologias,

especialmente os recursos computacionais, que tiveram um crescimento progressivo

desde a última década do século passado, têm modificado as formas de

comunicação e, por consequência as ações humanas, em todas as esferas da

sociedade. No espaço escolar, essas mudanças são responsáveis por alterações

nas práticas de ensino e nos processos de aprendizagem, ainda que de modo não

muito generalizado, e, por isso, têm exigido novas adaptações, tanto por parte dos

professores e alunos, quanto das instituições educativas.

Esse aspecto está diretamente alinhando ao pensamento de Moreira (2002),

que define o computador como uma ferramenta com potencial para alterar um dado

sistema social ou a atividade mental do indivíduo que o utiliza. Ela ressalta que deve

ser considerado o fato de que a relação do indivíduo com o instrumento é uma

relação de mediação e, por isso mesmo, dialética. Assim, o computador media a

ação do homem sobre o mundo ao mesmo tempo em que sofre alterações advindas

desta ação. Essas alterações trazem novas possibilidades de utilização e, por

consequência, novas mudanças nos instrumentos e no meio onde ele é utilizado.

Além do mais, os recursos computacionais possuem características que os

fazem singulares entre os diversos elementos que são responsáveis pelas

mediações da atividade humana.

O grau de alteração que o computador pode ocasionar está diretamente ligado ao uso que o ser humano dará a ele e este uso está limitado pelo meio social a que este pertence. Dessa forma, o computador só poderá trazer alguma alteração enquanto estiver envolvido na atividade humana; de outro modo, não terá influência alguma sobre o viver da sociedade. A influência que o computador traz no cotidiano social está ligada às funções para ele determinadas pela sociedade. (MOREIRA, 2002, p.21)

A função que os computadores desempenham nas práticas educativas tem

sofrido redefinições desde os primeiros projetos de uso desse recurso na escola. A

filosofia educacional que acompanha o uso desta tecnologia entende que este

recurso pode ser utilizado de diversas formas, dependendo dos objetivos envolvidos

149

na tarefa a ser realizada. Defendemos o uso do computador como instrumento

educacional, como recurso auxiliar nas metodologias de ensino, uma vez que,

[...] o computador pode ser utilizado para solucionar problemas que antes eram solucionados exclusivamente pela mente humana, como é o caso de resolução de cálculos complexos, elaboração de gráficos ou a simulação de atividades que requerem o raciocínio humano, como programas simuladores. (MOREIRA, 2002, p.14)

Nesse contexto, já foram superadas as fases de resistências dos sujeitos

envolvidos, quanto à possibilidade do uso da tecnologia como elemento auxiliar nas

práticas educacionais. Negar a presença da tecnologia computacional nos

ambientes escolares é ir de encontro a uma configuração social imersa num mundo

permeado, cada vez mais, por objetos tecnológicos, onde predominam os

conhecimentos e os artefatos computacionais. Estes recursos já fazem parte da

realidade do ambiente escolar, ainda que indiretamente.

Não há como isolarmos a escola dos avanços tecnológicos que transformam a sociedade atual. As tecnologias adentram o campo escolar por meio de políticas públicas ou pelos usos informais que alunos e professores fazem destes recursos. Entretanto, o aproveitamento dessa nova situação em processos pedagógicos que contemplem o aprender dos alunos depende da (re) construção de práticas, currículos, metodologias que podem não corresponder aos paradigmas seguidos na educação atual. (SILVA e LIMA, 2013, p.162)

Logo, os agentes do processo educacional têm que enfrentar esse novo viés

fazendo uso dele para trazer ganhos significativos ao processo de ensino e à

aprendizagem dos estudantes. Em particular, defendemos que tais recursos podem

ser significativos para processos metodológicos que tenham como base a relação

dialética entre o concreto e o abstrato.

No entanto, diversos estudos (KENSKI, 2009; MOREIRA, 2002; MORAN,

2006; SIMÕES, 2008), têm evidenciado a complexidade de integração desses

recursos com o processo de ensino. Para Kenski (2009), os maiores desafios dessa

integração, no sistema educativo brasileiro, estão na relação entre professor e aluno,

uma vez que se tem de lidar com alunos que já possuem conhecimentos avançados

150

e acesso pleno às últimas inovações tecnológicas e com alunos que se encontram

em plena exclusão tecnológica.

Ele também vê fatores de complexidade nas diferenças entre as realidades

socioeconômica das escolas, indo de instituições de ensino equipadas com as mais

modernas tecnologias digitais aos espaços educacionais precários e com recursos

mínimos para o exercício da função docente. Além disso, enfatiza a fragilidade da

formação profissional para enfrentar esses e tantos outros problemas que permeiam

o ambiente educativo.

Sobre esse último ponto destacado por Kenski (2009), entendemos que o

empecilho é configurado, especialmente, pela formação inicial e/ou continuada dos

professores que é, geralmente, frágil, nesse contexto, não contribuindo para a

mudança de concepção sobre o modelo de educação em que atuam. Assim, o uso

dos recursos da tecnologia computacional, quando ocorre, é prioritariamente no

sentido de legitimar o atual modelo com enfoque de transmissão de conhecimentos

por parte do professor.

De acordo com Bittar (2006) e Brandão (2005), ao se referirem ao ensino de

Matemática no sistema educativo brasileiro, os professores, sejam eles de ensino

fundamental, médio ou superior, não têm efetivamente integrado de maneira

significativa a tecnologia em suas aulas. No entanto, as novas tecnologias têm

reconfigurado o modo de se conceber o conhecimento, revolucionando o

entendimento de certas questões, a busca de resultados, os cálculos, as análises de

problemas sociais.

Na Matemática, apesar da variedade de exemplos aonde se percebe uma

forte relação do conhecimento com as tecnologias computacionais, ainda há

resistência em se admitir tais interligações, fato configurado pelas correntes teóricas

que têm demarcado esse campo. Essa discussão, além de outras questões, foi

levantada por Silva já em 1999.

A rigor, a Matemática vive em constante crise de fundamento, da descoberta dos incomensuráveis entre os gregos até a querela atual suscitada pelo uso de computadores como instrumentos não apenas heurísticos, mas de demonstração matemática, passando pela descoberta das geometrias não euclidianas e pela introdução dos números imaginários no cálculo algébrico, a Matemática está constantemente revendo os seus fundamentos. (SILVA, 1999, p. 47).

151

Entendemos que diversas questões estão no cerne do embate dessa relação

entre tecnologia e conhecimento matemático. Defendemos que os recursos das

tecnologias baseadas em arranjos computacionais são auxiliares importantes para

que se faça a relação entre o concreto e o abstrato, tanto o concreto em termos

materiais (manipuláveis) como o concreto a partir da concepção psicológica

(concreto cognitivo). Pois,

[o] conhecimento não é produzido somente por humanos, mas também por atores não humanos. As tecnologias são produtos humanos, e são impregnadas de humanidade, e reciprocamente o ser humano é impregnado de tecnologia. Neste sentido, o conhecimento produzido é condicionado pelas tecnologias (BORBA e PENTEADO, 2003, p. 305).

Há uma infinidade de possibilidades da inserção das tecnologias

computacionais no ensino de Matemática, desde as mais simples - apenas com

observações ou aplicações de algoritmos -, até situações mais complexas, como a

exploração gráfica de funções, as representações geométricas espaciais, entre

outros. O uso da tecnologia como auxiliar nos processos de ensino deve ser

justificado, inclusive, pela sua importância para o desenvolvimento da própria

matemática. Diferentemente do que se concebe no senso comum, a Matemática,

como todas as outras Ciências, vive em constante evolução, com problemas

considerados insolúveis por grandes períodos de tempo.

A busca de respostas consistentes para eles tem, gradualmente, feito uso dos

recursos tecnológicos, em especial o computador, que, apesar das suas limitações,

contribui diretamente, tanto para a redução de tempo em atividades que antes só

poderiam ser desenvolvidas com lápis e papel, como para a interpretação,

manipulação e compreensão de objetos matemáticos.

Sobre essa questão, são pertinentes as considerações de Ponte e Canavarro

(1997, p.01), ao afirmarem que

[U]ma parte importante da investigação em áreas como a análise numérica, a matemática discreta, os sistemas dinâmicos, a investigação operacional, a lógica e a ciência da computação faz-se hoje com forte recurso à utilização do computador. (...) O uso cada vez mais intensivo de computadores para o processamento e transmissão de informação está a levar ao surgimento de novos conceitos e novas práticas na investigação nesta ciência.

152

Desde a origem do computador, que teve por trás o desenvolvimento de

várias pesquisas, inclusive na área do conhecimento matemático, a Matemática e a

tecnologia caminham juntas. O olhar dos matemáticos frente aos recursos da

computação tem sofrido alterações ao longo do tempo. É cada vez maior o número

dos que usam, de alguma forma, os computadores em suas pesquisas.

Relativamente ao desenvolvimento da Matemática como campo de pesquisa,

há diversos exemplos que mostram a utilização dos computadores como auxílio no

estudo de temas complexos da matemática. Já em 1999, Silva (p.55), declarava

que demonstrações assistidas por computadores, por exemplo, estavam mudando a

noção de demonstração matemática.

A busca pela demonstração do Último Teorema de Fermat é um exemplo do

uso da tecnologia computacional como auxilio na pesquisa matemática. Ao longo do

percurso de investigação, foram desenvolvidas novas técnicas e conjecturas

matemáticas, só sendo ela demonstrada por completo em 1995, por Andrew Wiles,

em uma prova onde foram utilizados também recursos computacionais.

Singh (1999), ao descrever a história desse grande enigma discorre que

[D]epois da segunda guerra mundial, equipes de matemáticos e cientistas dos computadores demosntraram o Último Teorema de Fermat para valores de n até 500, depois para valores até 1000 e 10000. Na década de 1980, Samuel S. Wagstaff da Universidade de Illinois elevou o limite para 25000 e mais recentemente os matemáticos já podeiam afirmar que o Último Teorema de Fermat é verdadeiro para todos os valores de n até 4 milhões. (SINGH, 1999, p.169)

Um dos grandes obstáculos encontrados pelos matemáticos ao usarem o

computador para obter indícios da prova do Ùltimo Teorema de Fermat foi o infinito.

Conforme descreve Sing(1999, p.170), “não se pode chegar ao infinito através da

simples força bruta dos esmagadores de números computadorizados”. Mas, é

aceitável que ele foi uma ferramneta importantíssima auxiliando em cálculos

extensos, no teste de algorítmos e lançando aos matemáticos evidências, para cada

maior valor de n, da veracidade da afirmação de Fermat.

O uso dos recursos da tecnologia computacional nas pesquisas matemáticas

mostra a forte relação entre tais recursos e o desenvolvimento do conhecimento

matemático. No entanto, no que concerne a utlização do computador nas práticas de

153

ensino, talvez esteja distoando do que vem ocorrendo nas outras ciências. No geral,

ainda nota-se na comunidade dos professores uma amarra aos preceitos clássicos

da Matemática, onde impera a supervalorização da escrita numa linguagem própria,

apenas à lapis e papel.

A integração da tecnologia computacional com o ambiente escolar traz

transformações nas práticas de ensino que podem levar a consequências relevantes

para a aprendizagem. Compreendemos que, quanto mais adequadamente

planejadas forem as ações didáticas que utilizam recursos tecnológicos, maior será

a possibilidade de contribuição dessas metodologias de ensino para o fortalecimento

da compreensão dos conceitos pelos estudantes.

Diversas pesquisas (KAPUT, HEGEDUS, 2007; LAZAKIDOU & RETALIS,

2010; REED, DRIJVERS, KIRSCHNER, 2010; HOYLES E JONES, 1998; JONES,

2001; MARRADES E GUTIÉRREZ, 2000) apontam benefícios ligados ao uso de

tecnologias para o fortalecimento da aprendizagem matemática.

Para nós, um dos fatores preponderantes para que se faça uso das

tecnologias no processo de ensino é a riqueza de representatividade dos objetos

matemáticos. Pois, os recursos computacionais, além de permitir representações de

objetos concretos manipuláveis, favorecem a representação de objetos matemáticos

que não podem ser associados a objetos do contexto do estudante. Com isso, é

possível que se atue baseado num processo dialógico entre o concreto e o abstrato.

A base para sustentarmos que o uso das tecnologias é importante para o

processo de ensino de Matemática, em especial na Educação Básica, configurando-

se como auxiliares significativos para a relação dialética entre o concreto e o

abstrato, está no entendimento de que o processo de representação é um fator

essencial para a aprendizagem nesse nível de ensino. Esse processo não só é

importante, mas, de acordo com Duval (2003), quanto mais possibilidades de

representação de um objeto matemático um estudante explora, maiores serão as

chances de compreensão e, consequentemente, de aprendizagem.

Associamos a esse entendimento o aspecto dialético, defendendo que quanto

maior o conjunto de representações de um objeto mais forte se tornará a relação

entre os aspectos de concretude e de abstração do referido. Daí, vemos nos

recursos da tecnologia um forte aliado para que se estabeleça o diálogo entre o

154

concreto e o abstrato, aproveitando-se as diversas formas de representação que a

tecnologia favorece.

Porém, nessa perspectiva não se deve compreender o concreto apenas como

sinônimo de objeto físico manipulável. Um objeto representado na tela de um

computador pode ser uma extensão de um objeto concreto e, assim, manipulações

realizadas nele com a ferramenta computacional, também serão válidas. É dentro

desse contexto que os computadores podem fornecer representações que são tão

significativas para os alunos como os objetos físicos (YERUSHALMY, 2005). Além

disso, as pesquisas indicam que, em comparação com os seus respectivos físicos,

as representações em computador podem ser mais administráveis e flexíveis

(BROWN, MCNEIL, E GLENBERG, 2009; KAMINSKI et al., 2009; UTTAL et al.,

2009).

Não estamos negando a importância dos objetos concretos físicos

manipuláveis para o processo de aprendizagem, entretanto, eles não são os únicos

determinantes na significação dos conceitos e ideias matemáticas (GAGATSIS,

2003; MARTIN et al., 2007; UTTAL et al, 2009), uma vez que quando mais se

alcança níveis elevados de abstração mais frágeis se tornam as ligações ou

associações dos objetos matemáticos com objetos da natureza citada.

Assim, quanto mais se avança nos níveis de ensino deve-se buscar que os

alunos associem a concepção de concreto ao nível de compreensão que possuem

(concreto cognitivo), indo além da ideia de manipulação e, portanto, reconfigurando

a ideia sobre o que é concreto.

Portanto, embora os objetos manipuláveis tenham um lugar importante na aprendizagem, seus aspectos físicos não são essenciais como apoio a significação de ideias matemáticas. Os alunos podem fazer uso de materiais concretos para construir significado inicialmente, mas eles devem refletir sobre suas ações com objetos manipuláveis. Quando os educadores falam de compreensão concreta, eles não estão sempre se referindo a fisicalidade. Professores de classes intermediárias e posteriores esperam que os alunos tenham uma espécie de "compreensão" "concreta" que vai além dos aspectos manipuláveis. (SAMARA e CLEMENTS, 2009, p.146 – Traduçao nossa)

Nessa perspectiva, as representações possibilitadas pelos recursos das

tecnologias computacionais ganham mais consistência e passam a ter maior

importância para o processo de ensino.

155

Vários estudos referentes ao uso dos recursos computacionais em aulas de

Matemática (ROCHA, 2008; SOARES, 2009; GARCIA, 2013; HENSBERRY &

PERKINS, 2015; KEBRITCHI et al, 2010) enfatizam que um dos aspectos mais

positivos desse processo é a motivação dos estudantes. Compreendemos que isso

é significativo, no entanto, pensamos que a importância desses recursos vai além

dessa característica. Ainda mais significativo é o enriquecimento do cabedal de

representações dos objetos matemáticos, em particular daqueles não possuem

associação direta com objetos concretos físicos.

Nesse contexto, as chances de que ocorra a compreensão do objeto

matemático em estudo serão maiores, até porque, com a riqueza da

representatividade, será mais fácil o desenvolvimento de ações metodológicas

centradas na relação dialética entre o concreto, seja este manipulável ou cognitivo, e

o abstrato. Essa perspectiva do uso dos recursos computacionais no processo de

ensino está coerente com o que Ausubel et al (1981) denominam de ‘organizadores

prévios’ que, segundo eles, servem de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o que

ele deve saber para que ocorra uma aprendizagem significativa22.

Portanto, estamos justificando o uso dos recursos computacionais a partir de

um enfoque que vai além das variáveis observadas em estudos recentes sobre o

uso desses recursos no processo de ensino. Ou seja, pensamos que o uso dessas

ferramentas, além de servir de motivação, inclusão social, interatividade e

comunicação, poderá contribuir para que os objetos matemáticos sejam

representados de modo distinto do que tem ocorrido em larga escala no modelo

tradicional de ensino.

Pensemos em situações corriqueiras da sala da aula, e em alguns objetos

matemáticos. Por exemplo, os objetos geométricos básicos unidimensionais

(segmento, polígonos, arestas, vértices, medianas, bissetrizes, alturas, dentre

outros) são passiveis de associações diretas a objetos concretos manipuláveis. No

entanto, eles podem ser explorados através de computadores a partir de softwares

específicos, possibilitando a visualização dinâmica, interativa e rápida de muitos

elementos, que a partir dos seus referidos manipulativos não seria possível.

22Aprendizagem significativa é o conceito central da teoria da aprendizagem de Davi Ausubel. De acorodo com Ausubel et al (1980), a aprendizagem significativa é um processo por meio do qual uma nova informação relaciona-se, de maneira substantiva (não - literal) e não - arbitrária, a um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo.

156

Defendemos que as mudanças conceituais sobre a Matemática e seus

objetos de estudo, especialmente na educação básica, trarão transformações para o

processo de ensino. Dentre elas, a concepção de uma relação dialética entre o

concreto e o abstrato durante o estudo de conceitos matemáticos, que entendemos

ser fundamental para que se fortaleça a compreensão e a aprendizagem daquilo que

se ensina, pelos estudantes. Nessa perspectiva, dentre tantas propostas

metodológicas, estudadas no âmbito da Educação Matemática, apostamos no uso

da tecnologia computacional como auxílio no processo de ensino.

Se crianças e adolescentes usam o computador em casa, na escola eles deveriam utilizá-lo de forma mais inteligente não só para jogar games, mas para aprender Matemática e outras disciplinas. É possível, por exemplo, trabalhar a álgebra com o uso de planilhas, que ajudam a entender conceitos, encontrar padrões e perceber o que acontece quando algumas operações são realizadas. (KILPATRICK, 2009).

A mudança de compreensão da relação entre o concreto e o abstrato,

contribuirá para a superação do pensamento de que saber matemática, ser

matemático e gostar de matemática é sinônimo de saber fazer grandes cálculos,

lidar com grandes equações e viajar num mundo de pura abstração.

157

Considerações Finais

Não é raro, ao chegarmos ao final de uma jornada como a que trilamos,

termos mais perguntas que respostas; mais dúvidas que certezas, sendo uma

dessas últimas a de que, a partir de nossa investigação (das leituras realizadas, das

interpretações das entrevistas e das reflexões), nossa forma de conceber o

conhecimento matemático foi bastante modificada.

Porém, pelas exigências acadêmicas, isso não é suficiente para a finalização

de um trabalho dessa natureza. Exigem-se resultados concisos e claros coadunados

com objetivos previamente definidos. Assim, nós nos desgarramos do paradigma

com ranço positivista, comum nas pesquisas científicas, e ousamos dizer que não

temos resultados claros, inquestionáveis e irrefutáveis.

Julgamos, entretanto, que a pesquisa atende aos princípios básicos definidos

por Eco (1997), para qualificar um trabalho como uma tese:

(1) A pesquisa debruça-se sobre um objeto reconhecível e definido de tal modo que é igualmente reconhecível pelos outros. O termo objeto não tem necessariamente um significado físico; (2) A pesquisa deve dizer sobre o objeto coisas que não tenham já sido ditas ou rever com uma ótica diferente coisas que já foram ditas; (3) A pesquisa deve ser útil aos outros; (4) A pesquisa deve fornecer os elementos para a confirmação e para a rejeição das hipóteses que apresenta e, portanto, deve fornecer os elementos para uma continuação pública (ECO, 1997, p.54-55)

Construímos um olhar diferente para a Matemática, para os objetos do

conhecimento matemático. Com esse trabalho, contribuímos com as discussões

sobre a relação entre o concreto e o abstrato no ensino de Matemática, a partir de

diferentes entendimentos sobre esses conceitos. Estamos defendendo uma

concepção dialética dos aspectos de concretude e abstração para as metodologias

de ensino, a partir do pensamento dialético de Kosik (1976).

A dialética não considera os produtos fixados, as configurações e os objetos, todo o conjunto do mundo material reificado, como algo originário e independente. Do mesmo modo como assim não considera o mundo das representações e do pensamento comum, não os aceita sob o seu aspecto imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas do mundo do objetivo ideal, perdem a

158

sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade para se mostrarem como fenômenos derivados, como sedimentos e produtos da práxis social da humanidade (KOSIK, 1976, p.16 e 17).

É com esse entendimento que apresentamos algumas considerações

relativas aos objetivos que traçamos. A partir da interpretação da fala dos

professores, pareceu-nos que seu entendimento sobre o concreto e o abstrato é

semelhante às concepções do senso comum, ou seja, o concreto é algo que está ao

alcance direto de nossos sentidos, tem materialidade, enquanto que o abstrato é

algo que está no contexto das ideias.

Esse entendimento de professores de Matemática também foi apontado por

Machado (2011) e Maia (2001). Para Machado, essa visão interfere no processo de

ensino, tendo em vista a exclusão de vários elementos importantes ligados ao

campo das significações. Para nós, a fala dos docentes é um reflexo do

entendimento da sociedade de modo geral, ao considerar concreto como algo

manipulável e abstrato no sentido de pensamento com complexidade.

No entanto, a partir da interpretação das falas dos docentes podemos

estabelecer que há uma preocupação em relacionar o conhecimento matemático

escolar com os problemas do cotidiano, com objetos concretos. Porém, não foi

possível identificar a observação de uma relação continuada e dialética entre o

concreto e o abstrato. Pareceu-nos, pelas falas dos professores, que há sempre o

desejo de relacionar a Matemática a situações reais, mas, com o propósito apenas

de introduzir os conceitos matemáticos, perdendo-se o elo entre o concreto e

abstrato rapidamente. Isso se dá pelo modo superficial do entendimento que

possuem acerca desses conceitos.

Tomando como referencial esse entendimento reduzido de concreto e de

abstrato, podemos dizer que o conhecimento matemático é essencialmente abstrato.

Os objetos da matemática não têm existência material. No entanto, Boyer e

Merzbach (2012) e Bergamini (1965) defendem que durante muito tempo o

conhecimento matemático foi utilizado pelos humanos como auxilio para resolver

problemas práticos da vida. Com isso, interpretamos que a relação entre os objetos

da Matemática e os objetos concretos (em termos de represtação e aplicação) se

dava de forma mais acentuada. No entanto, já na nos últimos séculos a.C., a partir

das concepções platônicas, a concepção sobre a Matemática e seus objetos de

159

estudo, sofreram significativas alterações. A Matemática passou a ser estudada de

modo independente dos problemas práticos da vida.

A perspectiva platônica, segundo a qual os conceitos matemáticos são

descobertos, e não construídos, ainda está presente em muitas práticas de ensino,

sendo responsável pela adoção de posturas didáticas aonde o conhecimento

matemático e os objetos da realidade pouco (ou nada) dialogam. No entanto, desde

as duas últimas décadas do século XX, têm surgido movimentos de defesa da

ligação entre o saber matemático e os objetos do nosso cotidiano (BARALDI, 1999;

BICUDO & GARNICA, 2006; CARRAHER, CARRAHER, & SCHLIEMANN, 2006;

GIARDINETTO, 1999; ERNEST, 1991).

Porém, de acordo com Giardinetto (1999), houve uma supervalorização do

saber cotidiano, com a defesa de que o conhecimento matemático escolar deveria

ser útil à vida do estudante. Essa concepção levou a dois modelos: de um lado,

aqueles que passaram a atuar presos aos limites do cotidiano e, do outro, os que

continuaram atuando imersos no paradigma da desconxão com à realidade.

As respostas dos professores que entrevistamos possibilitaram-nos definir

dois modelos lineares distintos de ensino: Modelo A: atua-se a partir de uma

concepção completamente ligada ao concreto (manipulável), e se vai, aos poucos,

distanciando-se da realidade, chegando-se ao abstrato geral, totalmente

desconectado do concreto; e Modelo B: começa-se pelos aspectos formais

abstratos, entendendo-se que, assim, será possível compreender o concreto. Não

observamos considerações que pudessem estar associadas ao o uso de uma

relação de diálogo entre o concreto e o abstrato.

Para nós, o ato de conhecer é uma ação que requer múltiplas variáveis, que

envolve o objeto, o sujeito, os saberes prévios do sujeito em relação ao objeto, as

significações do objeto para o sujeito e, também, as relações do objeto e do sujeito

com o contexto social e cultural que os circunscreve. A partir dessa concepção, a

relação entre o concreto e o abstrato é altamente significativa na aquisição do

conhecimento. No entanto, em face de uma visão discreta desses termos, nos

pareceu que os professores atuam seguindo o modelo linear sugerido por nós.

Porém, é possível que as metodologias de ensino de Matemática sejam

construídas contemplando uma relação indissociável entre o concreto e o abstrato.

Com isso, deve-se entender que os objetos do conhecimento matemático, apesar de

160

não possuirem materialidade, representam uma construção social e cultural, na

perspectiva do que propõe Ernest (1991). Eles são construções socialmente aceitas

e, assim, possuem uma relação direta com a realidade, com os problemas do

cotidiano, tem um forte impacto sobre as nossas vidas, tais como "dinheiro", "tempo"

(horas), "gênero", "justiça" e "verdade”.

Por isso, os objetos da Matemática podem ser classificados, em níveis de

abstração, a partir da possibilidade de associação desses objetos aos objetos

concretos físicos. Para um grupo de objetos matemáticos, sua representatividade

por objetos concretos é tão forte que o primeiro nível de abstração pode ser

considerado como o nível físico. No entanto, para outros, há um vazio de

significação entre o nível físico e o primeiro nível de abstração.

Essa classificação dos objetos matemáticos associada a uma reelaboração

das concepções de concreto e de abstrato deverão definir as ações docentes com

relação ao conhecimento matemático. O concreto não deve se restringir aos

aspectos sensitivos, às especificidades materiais do objeto, uma vez que, como diz

Wilensky (1991), tudo que há no mundo, um objeto (ou de sua representação), tem

por trás um forte cabedal significativo para quem o explora. Machado (2011) também

entende a importância do conteúdo das significações do objeto matemático e

enfatiza que em muitas práticas de ensino, tais fatores são ignorados.

Na proposta que defendemos, a relação do conhecimento matemático com a

vida deve ser valorizada, no entanto, não é um modelo linear do concreto para o

abstrato ou do abstrato para o concreto. Eles não são polos opostos, desconexos e

incomunicáveis. A exploração do abstrato tem como base o concreto inicial, que por

sua vez será transformado, passando a ter maior relevância na estrutura cognitiva

do sujeito a partir da exploração das perspectivas abstratas. Estas, com o processo

de exploração, ascendem para patamares de concreto cognitivo. Desse modo,

mesmo que um objeto não tenha materialidade, a partir dos saberes prévios,

presentes no concreto material ou no concreto cognitivo, ele passará ao nível de

concreto cognitivo e servirá de “ponte” para a próxima etapa, em uma relação

dialética.

Em suma, nossa ideia é posta do seguinte modo: dado um objeto matemático

a ser estudado, busca-se compreender se o mesmo possui fácil representatividade

com objetos concretos físicos. Havendo tal possibilidade explora-se o seu

161

representativo físico, através de uma relação dialética entre o concreto e o abstrato,

levando-se em consideração o conteúdo de significações desse objeto. Não

havendo como associá-lo a um objeto concreto físico, busca-se alguma forma de

representação do mesmo, seja simbólica, gráfica, pictórica, dentre outras. Daí

explora-se o modelo de representação a partir da dialética entre o concreto cognitivo

e o abstrato, considerando-se os aspectos significativos possibilitados pela

representação.

Essa perspectiva nos levou ao seguinte questionamento: que materiais

didáticos devem ser utilizados para contemplar uma metodologia de ensino com

essas características? Pensamos que existem várias maneiras metodológicas de se

atuar didaticamente a partir do enfoque que estamos propondo: Metodologia que

jogos didáticos, com a História da Matemática, com a resolução de problemas, com

o uso de metáforas, dentre outras.

A partir das concepções de concreto e de abstrato que defendemos e dos

níveis de abstração que pensamos para os objetos da Matemática, a escolha do

material ou recurso didático tem grande importância. Dependendo do objeto

matemático, pensamos que vários recursos podem e devem ser utilizados de modo

simultâneo, desde que sejam embasados numa concepção que contemple o

aspecto concreto, seja este material e/ou cognitivo, e o aspecto abstrato dos objetos

matemáticos.

No contexto do ensino de Matemática e, para contemplar a relação que

estamos propondo, o processo de representação23 tem importância central. Logo,

julgamos que os melhores recursos didáticos serão aqueles que possibilitem o

conjunto maior de formas de representação24. Nesse sentido, os recursos da

tecnologia computacional trouxeram novos horizontes para a relação entre o

conhecimento, o professor e o aluno, especialmente no que concerne aos modos de

representação dos objetos do conhecimento científico.

No caso do conhecimento matemático, possibilitaram uma diversidade de

representações, tanto de objetos matemáticos que são facilmente representáveis

23

A representação do objeto não constitui uma qualidade natural do objeto e da realidade: é a projeção, na consciência do sujeito, de determinadas condições históricas petrificadas (KOSOK, 1976).

24 Conforme ressaltamos na classificação dos objetos matemáticos, existem objetos que não

possuem associação direta com objetos concretos materiais. É possível que não possuam sequer algum tipo de representação direta. Neste caso, devem-se buscar metodologias que contemplem as representações simbólicas.

162

também por objetos concretos quanto àqueles que não possuem representação por

objetos manipuláveis.

Por isso, a partir dessa concepção de concreto que estamos adotando,

entendemos que os recursos tecnológicos computacionais se configuram como

auxiliares significativos no processo de ensino de matemática, tendo em vista às

possibilidades de representações que demandam, favorecendo também a ativação

dos conhecimentos prévios e possibilitando a relação entre o abstrato e o concreto,

seja este material ou cognitivo.

Reforçamos que, nessa perspectiva, o concreto não é apenas sinônimo de

objeto físico manipulável. Com isso, um objeto representado na tela de um

computador pode ser uma extensão de um objeto concreto e, assim, manipulações

realizadas nele com a ferramenta computacional, também serão válidas. É dentro

desse contexto que os computadores podem fornecer representações que são tão

significativas para os alunos como os objetos físicos (YERUSHALMY, 2005). Além

disso, as pesquisas indicam que, em comparação com os seus respectivos físicos,

as representações em computador podem ser mais administráveis e flexíveis

(BROWN, MCNEIL, E GLENBERG, 2009; KAMINSKI et al., 2009; UTTAL et al.,

2009).

Não estamos negando a importância dos objetos concretos físicos

manipuláveis para o processo de aprendizagem. Pelo contrário, defendemos que

sejam utilizadas metodologias que contemplem vários recursos. No entanto, eles

não são os únicos determinantes na significação dos conceitos e ideias matemáticas

(GAGATSIS, 2003; MARTIN et al., 2007; UTTAL et al, 2009), uma vez que quando

mais se alcança em níveis elevados de abstração mais frágeis se tornam as ligações

ou associações dos objetos matemáticos com objetos concretos manipuláveis.

Ao propor metodologias de ensino que utilizam recursos tecnológicos

estamos cientes dos problemas estruturais que existem nos ambientes escolares e

que travam a adoção de propostas como esta. Mas, entendemos que a

acessibilidade a estes recursos está sendo massificada e, portanto, o professor

precisa aproveitar significativamente essas ferramentas nos processos de ensino.

Finalmente, por se tratar de um trabalho que gerou tantas respostas para as

perguntas que nós nos fizemos inicialmente, quanto novas questões, surgem

diversos caminhos para a continuidade de investigações na área. Por exemplo:

163

como a relação entre o concreto e abstrato está sendo concebida nos cursos de

formação de professores de matemática? Como a relação entre o concreto e o

abstrato está sendo explorada nos Livros Didáticos de Matemática? Como repensar

o currículo de matemática para contemplar a relação dialética entre o concreto e o

abstrato, tornando a matemática mais próxima dos aspectos sociais e culturais?

Quais as concepções dos professores de matemática quanto aos aspectos

psicológicos e cognitivos no processo de aprendizagem?

Questões como estas precisam ser enfrentadas a partir do entendimento de

que o concreto e o abstrato estão indissociavelmente ligados nas atividades dos

seres humanos e que abstrair e concretizar são ações presentes na construção do

conhecimento. Para entender a importância que esses fatores desempenham nesse

processo convém refletir sobre os movimentos que ocorrem entre estas ações.

Dessa forma, o processo de aprendizagem matemática perderá o caráter de

linearidade e o conhecimento matemático será ressignificado para os estudantes.

164

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Anexos

I. Requerimento para o entrevistado informando sobre a pesquisa

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Linha de Pesquisa: Processos de Ensino e Aprendizagem

Prezado (a) Professor (a):

Sou aluno da Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da

Paraíba (Curso de doutoramento) e desenvolvo uma pesquisa que investiga

questões concernentes ao processo de ensino de Matemática na Educação Básica.

Na etapa inicial do processo de desenvolvimento da pesquisa, necessito

conhecer algumas concepções docentes ligadas aos objetos do meu estudo.

Sendo assim, gostaria de contar sua importante contribuição, que se

materializará a partir de uma entrevista a ser realizada em local e horário a serem

definidos posteriormente.

Convém ressaltar que todas as suas opiniões serão objetos de interpretação

do pesquisador e utilizadas exclusivamente para fins científicos. Sob nenhuma

hipótese, seus dados profissionais e/ou pessoais serão informados/utilizados em

qualquer fase ou contexto dessa pesquisa.

Desde já agradeço sua contribuição.

Luís Havelange Soares (Doutorando)

Rogéria Gaudêncio do Rêgo (Orientadora)

176

II. Termo de consentimento do entrevistado

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PARA PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA CIENTÍFICA

Prezado (a) Senhor (a):

Eu, Luís Havelange Soares, aluno do Curso de Doutorado em Educação da Universidade Federal da Paraíba, orientando da Professora Rogéria Gaudêncio do Rêgo, estou desenvolvendo uma pesquisa que estuda as contribuições, para o Ensino de Matemática, da mediação dialética entre o concreto e o abstrato.

Tal estudo tem como objetivos: discutir a relação entre o concreto e o abstrato no conhecimento matemático, a partir de correntes teóricas da Filosofia da Matemática; Identificar as concepções de concreto e de abstrato adotadas no ensino de Matemática básica e suas matrizes teóricas; Avaliar a relação entre o abstrato e o concreto e o ensino de matemática.

A finalidade deste trabalho é contribuir para a melhoria do ensino de matemática, com especial atenção para a Educação Básica. Por entendermos que a aprendizagem em matemática é diretamente influenciada pelo modelo de ensino que se segue, pensamos que ao pôr em prática novas concepções sobre a Matemática, seus objetos e seu ensino, poderão emergir elementos fortalecedores da aprendizagem e da relação entre os estudantes e o conhecimento matemático.

Solicitamos a sua colaboração como entrevistado, como também sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos da área educacional e publicar em revista científica. Por ocasião de qualquer publicação dos resultados, seu nome será mantido em sigilo.

Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o(a) senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pelo pesquisador(a). A qualquer momento, o(a) senhor(a), poderá decidir por não participar do estudo, ou desistir do mesmo. Estamos à sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa.

Luís Havelange Soares Pesquisador

Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse documento.

______________________________________ Assinatura do Participante da Pesquisa

ou Responsável Legal Contato do Pesquisador (a) Responsável: Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para o pesquisador: (83)8813-0280 ou (83) 33310280 Endereço: Rua Vigário Calixto, 1379, apto 101, Catolé, Campina Grande. E-mail: [email protected] ou [email protected] Ou

177

Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba Campus I - Cidade Universitária - 1º Andar – CEP 58051-900 – João Pessoa/PB. (83) 3216-7791 – E-mail: [email protected]

III. Roteiro da entrevista

Roteiro da entrevista 1. Informações profissionais:

1.1. Curso(s) de formação superior concluído(s)? (graduação)? 1.2. Curso(s) de Pós – Graduação concluído(s)?

2. Há quanto tempo leciona Matemática?

3. Quais os níveis de ensino que leciona (ou já lecionou)?

4. O que lhe motivou a ser professor de Matemática? Por que escolheu esta profissão?

5. Qual (is) conteúdo(s) (tema(s)) da matemática você têm preferência para lecionar? Por

quê?

6. Em sua opinião, há alguma diferença entre a Matemática e as outras disciplinas escolares? Por quê?

7. Classifique cada “objeto” apresentado abaixo, de acordo com a concepção, como concreto ou abstrato:

7.1. Um pensamento, uma ideia 7.2. Equação da área de um círculo 7.3. Um círculo 7.4. O número oito 7.5. As forças que atuam num corpo 7.6. Uma cadeira 7.7. As letras do alfabeto 7.8. Uma reta

8. Como você diferencia um objeto concreto de um objeto abstrato?

9. Há muito são evidenciadas dificuldades de aprendizagem em matemática nas escolas de nível básico no Brasil. Parte desse problema é creditada, pela comunidade escolar, ao aspecto abstrato da Matemática. Como você avalia essas concepções sobre a relação “aprendizagem x conhecimento matemático”?

10. As metodologias de ensino são consideradas como fatores basilares para um bom desenvolvimento das atividades docentes. No entanto, as concepções sobre o conhecimento matemático têm interferências diretas na escolha do viés metodológico a ser seguido. Considerando os aspectos de “concreto” e de “abstrato” como você direciona sua prática docente no ensino de matemática? Parte do concreto e tem por objetivo

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atingir o abstrato? Parte do abstrato para depois aplicar no concreto? Age de outra forma?Qual? Por quê?

11. Especialmente nas duas últimas décadas têm-se intensificado investigações na área do

ensino de matemática buscando-se elementos (teóricos, metodológicos) que possam garantir uma melhor aprendizagem. Uma das questões defendidas por muitos, diz respeito a uma associação entre o conhecimento matemático escolar e às questões práticas da vida do estudante. Qual a sua opinião sobre esse entendimento?

12. A relação entre matemática e realidade é tema de discussão desde os primórdios da

humanidade. Alguns entendem que a Matemática é composta, completamente, por elementos abstratos. Outros compreendem que no conjunto dos objetos matemáticos há uma ‘mistura’ entre realidade (concretude) e abstração. Os dois fragmentos abaixo são exemplos de tais posições: “Enquanto o questionador ingênuo parece pintar um quadro de objetos matemáticos como parte da realidade física, de fato é quase impossível ao matemático, como matemático, ‘sujar suas mãos’” (FOSSA, John Andrew 1998). “O pensamento matemático, por mais que tente libertar-se da experiência, constituir-se num sistema independente, que se nutre de si próprio, que progride em função de suas necessidades intrínsecas, parece trair-se, a cada momento, a revelar em suas raízes os ‘resíduos da experiência concreta’”. (MACHADO, Nilson José, 2009).

Qual seu posicionamento sobre essa questão? Comente-o.

13. Recordo uma aula de Matemática no Ensino Médio, na qual o professor, para introduzir determinado conteúdo, falou a seguinte frase: “Queridos alunos: a matemática está presente em quase tudo que nos cerca. Para aonde olhamos, vemos matemática. (...)”. Você concorda com essa argumentação do professor?

14. Classifique cada objeto de estudo de matemática quanto ao aspecto de concretude ou

abstração em: A. Objeto real (concreto) manipulável; B. Objeto real (concreto), mas, não manipulável; C. Objeto abstrato, mas, de fácil representação por objetos concretos reais; D. Objeto abstrato e de difícil representação por objetos concretos reais; E. Objeto abstrato sem possibilidade de representação por objetos reais (concretos).

a) Um número natural b) Um número complexo c) Um ponto (um vértice) d) Um par ordenado e) Um segmento de reta f) Um plano g) Um conjunto numérico enumerável h) Uma figura geométrica i) Uma expressão algébrica j) Uma equação (por exemplo, uma quadrática) k) Um conjunto numérico l) Uma função m) Um gráfico de uma função n) Uma matriz o) Um cilindro p) Um vetor q) Um espaço vetorial r) Um espaço amostral s) Uma medida (por exemplo, 10 metros)

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t) Uma esfera u) Um algarismo

IV. Transcrição das entrevistas

IV-A) Transcrição da Entrevista com a Professora “Carmem”

Pesquisador: Primeiramente gostaria de agradecer por está participando da pesquisa e dizer que em qualquer momento você poderá me solicitar uma cópia do trabalho. Também quero dizer que será uma das primeiras pessoas a receber uma cópia do trabalho final, mesmo que seja em PDF, isso eu estou garantindo para todas as pessoas que estão participando.

Pesquisador: Oh professora: Terminou o curso agora, correto?

Professor: Correto

Pesquisador: Consequentemente ainda não fez nenhum curso de pós-graduação, certo.

Professor: Certo. Ainda não.

Pesquisador: Já leciona matemática ou lecionou? Em que níveis?

Professor: Ensino..., na verdade foi um projeto do “mais educação”, do sexto ao nono ano, agente tinha que trabalhar com matemática de uma forma diferente. Então, geralmente era com jogos com materiais manipuláveis e passei dois anos nesse projeto. Depois eu passei três meses numa escola particular lecionando do sexto ao oitavo ano. E agora vou começar do sexto ao sétimo ano na prefeitura de Maçaranduba.

Pesquisador: Muito bem, legal. E a quanto tempo você, mais ou menos, leciona? Vamos pensar assim, desde a sua primeira aula.

Professor: A primeira aula faz uns três anos.

Pesquisador: Então você..., agente pode dize que você já lecionou no ensino fundamental.

Professor: Isso.

Pesquisador: E ensino médio.

Professor: Ensino médio, eu lembrei agora, que já lecionei mais foi por pouco tempo. Eu substitui um professor por três meses numa turma do primeiro ano.

Pesquisador: OK

Pesquisador: É, de forma grosseira, qual foi o motivo que levou você a ser professora de matemática?

Professor: Primeiro foi a ... por minha avó ser professora. Então desde novinha, como ela me criou, eu comecei a admirar ela nessa profissão e sempre quis ser professora ai quando cheguei no ensino médio, foi no primeiro ano eu tive uma professora muito boa em matemática. E ai como eu

180

sempre me dava bem, sempre gostei de matemática, ai liguei uma coisa com a outra, sempre quis ser professora então vou pegar uma disciplina que eu me saio bem. Então por isso pensei em fazer licenciatura em matemática.

Pesquisador: correto, ok.

Pesquisador: existem conteúdos que você tem preferência para ensinar?

Professor: Geometria

Pesquisador: Por quê?

Professor: Acho que mais, mais assim, mais facilidade de mexer com materiais manipuláveis.

Pesquisador: certo. Ok

Pesquisador: Em sua opinião existe diferença entre a matemática e as outras disciplinas? E se existe, você vê alguma diferença ...

Professor: diferença como assim?

Pesquisador: ... diferença eu quero dizer assim, a característica da matemática, nesse aspecto, é mais difícil é mais fácil, é igual todo mundo tem capacidade de aprender?

Professor: todo mundo tem capacidade de aprender o difícil é que, eu tiro por experiências próprias, que o professor ele não chega, ele não mostra de onde é que vem a matemática, então muita gente vai aprender como se a matemática fosse, tivesse sido criada. Não, vai assim, assim, assado. Eu acho que tem toda uma história. Ai o aluno passa não gostar dessa disciplina. Então não vejo diferença de matemática para as outras disciplinas tem dificuldade, claro, toda disciplina tem suas dificuldades mas, não vejo não.

Pesquisador: Certo. Legal.

Pesquisador: Eu vou é...falar com você agora algumas coisas e eu quero que você me diga se o que eu falar é uma coisa concreta ou abstrata. De acordo com sua concepção, o que você pensa.

Pesquisador: Um pensamento, uma ideia

Professor: abstrato

Pesquisador: Uma, ..., a equação da área de um círculo, que é PI r ao quadrado.

Professor: abstrato

Pesquisador: um círculo

Professor: concreto

Pesquisador: um cubo

Professor: concreto

Pesquisador: o numero oito

Professor: o número 8? Abstrato

Pesquisador: as forças que atuam num corpo

Professor: abstrato

Pesquisador: uma cadeira

Professor: concreto

Pesquisador: as letras do alfabeto

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Professor: Ai, ai.... abstrato

Pesquisador: uma reta

Professor: vou de abstrato

Pesquisador: uma equação do segundo grau

Professor: também abstrato

Pesquisador: Bom, então agora você vai me dizer, não precisa se aprofundar muito, pode ser de forma curta, como você diferencia qual a diferença entre um objeto concreto e um abstrato?

Professor: um objeto concreto é aquilo que posso ver, ou seja, palpável. Um abstrato é aquilo que posso abstrair as ideias a partir do concreto.

Pesquisador: Veja bem: tem muita gente que fala que a dificuldade de aprender matemática, principalmente no nível básico, está pelo fato de muitos considerarem a matemática como uma ciência abstrata. Como você avalia essa concepção? Você acha que a dificuldade de se aprender matemática é porque ela é abstrata?

Professor:Creio que seja. No pensamento das pessoas. Mas agente sabe que não é porque é abstrata.

Pesquisador: Então de acordo com sua concepção de abstrato e concreto, como você, as vezes que você já ensinou, como você diferenciou, ou melhor como você atuou ou mediou a sua prática docente? Partindo do concreto para chegar ao abstrato ou a apresentando logo o abstrato para entender ou alguma outra forma.

Professor: Bom. No projeto “Mais educação” eu parti do concreto para o abstrato. Porque como tinha que ser aula diferente e ai era obrigado que agente usasse aquilo, então agente começava sempre manipulando alguma coisa. Já na escola particular foi difícil, porque não davam brechas para isso, tinha que passar toda a aula aquele conteúdo então não podia digamos ‘perder tempo com isso’, né, pra gente professor a gente sabe que não é perder tempo, mas, para a escola não tinha condição de fazer do concreto para o abstrato.

Pesquisador: Muito bem. Ok.

Pesquisador: É....Muitos acham que a gente deve ensinar sempre relacionando com o contexto do aluno, a vida, os problemas do dia-a-dia. Qual a sua opinião sobre isso, dá pra fazer isso em matemática ou não dá?

Professor: Dá

Pesquisador: Sempre dá?

Professor: Nem sempre mas na maioria das vezes dá sim.

Pesquisador: Certo

Professor: No ensino básico dá.

Pesquisador: Têm dois caras, um é o Jonh Fossa, inclusive teve aqui um dia desses, ele defende que a matemática é praticamente tudo abstração. Tem uma citação dele que diz assim: “(....)”. Tem outro, que o Nilson Machado, que acha o pensamento matemática por mais que tente se libertar da experiência ele se nutre, ele progride, das necessidades do dia-a-dia. Ele tá ligado à experiência. Aí eu lhe pergunto? No geral, matemática, você acha que ela é mesmo abstrata ou que ela surge das experiências das necessidades básicas?

Professor: Ai, ai, difícil.

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Professor: Eu estou mais com o segundo.

Pesquisador: Dá para relacionar todo, qualquer conhecimento com alguma coisa da realidade?

Professor: Dá porque, a gente tira de muita gente mesmo que não goste de matemática, mas em algum momento ele vai tá usando a matemática, mesmo que não saiba que um assunto que estudou em sala de aula.

Pesquisador: Veja bem. Eu recordo aulas de matemática que professores meus disseram assim: Para aonde a gente olha vê matemática. Você concorda com isso?

Professor: Concordo.

Pesquisador: OK

Pesquisador: Agora eu vou falar algumas coisas e você vai classificando de acordo com o seguinte aspecto: (.....). Então vamos lá:

Pesquisador: Um número natural

Professor: Ele é abstrato fácil de representar

Pesquisador: Um número complexo

Professor: Abstrato sem representação

Pesquisador: Um ponto, um vértice.

Professor: Vou de concreto não manipulável

Pesquisador: Agora um par ordenado

Professor: Abstrato e fácil de representar

Pesquisador: Um segmento de reta

Professor: Concreto e fácil de representar

Pesquisador: Um conjunto numérico enumerável, por exemplo os naturais que é enumerável.

Professor: Eu posso juntar um grupo, alguns elementos enumerar eles ele é concreto. Mas se eu tiver pensando no conjunto todo, abstrato difícil de representar.

Pesquisador: Uma figura geométrica.

Professor: Uma figura geométrica? Concreto e fácil de representar.

Pesquisador: Uma expressão algébrica

Professor: Abstrato e difícil de representar

Pesquisador: Uma equação, por exemplo, a quadrática.

Professor: Vou de abstrato sem representação

Pesquisador: E, ... , um conjunto numérico qualquer, por exemplo os reais.

Professor: Também abstrato sem representação.

Pesquisador: Uma função

Professor: Ah meu Deus.

Pesquisador: Pense, por exemplo, f(x) = 2x².

Professor: Vou de abstrato, fácil de representar, por exemplo um desenho.

Pesquisador: Um gráfico de uma função

Professor: abstrato e fácil de representar

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Pesquisador: Uma matriz

Professor: Abstrato e fácil de representar

Pesquisador: um cilindro

Professor: concreto manipulável

Pesquisador: Um vetor

Professor: Abstrato, difícil de representar

Pesquisador: Um espaço vetorial

Professor: Um espaço vetorial? Eu vou de abstrato sem representação

Pesquisador: Um espaço amostral

Professor: Abstrato sem representação

Pesquisador: Uma medida, por exemplo, 10 metros.

Professor: Abstrato de fácil representação

Pesquisador: Uma esfera

Professor: Concreto manipulável

Pesquisador: Um algarismo

Professor: Abstrato, de fácil representação.

Pesquisador: Beleza, garota. Muito obrigado

Professor: Ai! Complicado esse negocio de abstrato e concreto.

Pesquisador: Tem mais alguma coisa que você queira acrescentar.

Professor: Não, não tem não. Apesar de serem perguntas simples complicam para responder.

Pesquisador: Então, querida, obrigado mais uma vez.

Professor: De nada, se precisar de mim eu estou à disposição.

IV-B) Transcrição da Entrevista com a Professora “Sebastiana”

Pesquisador: Eu quero primeiro agradecer a você por ter aceitado participar e dizer que você é a primeira pessoa que está sendo entrevistada. Eu estou analisando primeiro as concepções de professores sobre matemática. O que é a matemática? A partir daí é que eu vou aplicar essa pesquisa em sala de aula pra tentar provar o que eu estou defendendo na minha tese.

Pesquisador: Você é formada em Matemática?

Professor: Licenciatura em Matemática, concluída em 2009. Cursando mestrado

Pesquisador: Você fez algum curso de especialização?

Professor: Não, fui direto para o Mestrado.

Pesquisador: Você já Leciona Matemática?

Professor: Leciono no IFPB e já lecionei em escola Municipal e escola Estadual

184

Pesquisador: Quais os níveis de ensino que leciona ou que lecionou?

Professor: Já lecionei todos, fundamental, médio, médio integrado, subsequente e superior

Pesquisador: Quanto tempo faz que você terminou a graduação

Professor: Terminei em 2009

Pesquisador: Passemos a perguntas mais subjetivas. O que lhe motivou a ser professora de matemática?

Professor: Bem. Desde criança gostei de matemática e ai eu tenho matemática por amor, por gostar mesmo, não feito na intenção de ser docente, eu gostava mesmo. Aí quando cheguei no curso ai fui me adaptando com a dinâmica e aí eu vi que queria ser professora.

Pesquisador: Na sua carreira como professora de matemática quais os conteúdos ou temas da matemática que tem preferências para ensinar? Se tem, porque?

Professor: Você pergunta em termos de conteúdo?

Pesquisador: Sim, tem algum que gosta mais de ensinar?

Professor: Eu gosto da matemática como um todo mais a minha preferência é a parte de geometria. Gosto muito, inclusive minha pesquisa é voltada para a parte de geometria.

Pesquisador: E qual a razão de gostar mais de geometria?

Professor: Bem, acho que em virtude de já ter lido muito sobre e também pelo fato do ensino de geometria ser decadente sobretudo nas escolas, ainda mais nas escolas municipais e estaduais.

Pesquisador: Agora me diga uma coisa: Você acha, na sua opinião há alguma diferença entre a disciplina matemática e as outras disciplinas escolares, ou seja, a Matemática tem algum diferencial que você não pode compara-la com as outras ou não? Ou está no mesmo conjunto? Eu falo isso porque há alguém que diga que a matemática é uma disciplina especial, ela é diferente das outras. O Que é que você acha?

Professor: Bem, eu acho que isso é uma construção social, não é,as pessoas já pensam dessa forma, eu vejo a matemática como as outras. Então a dificuldade maior de ensinar é em virtude disso, em virtude do obstáculo que as pessoas já encaram, que tem dificuldade de entende-la como as outras. Mas, em termos de disciplina não vejo diferença não.

Pesquisador: Eu peço que cada objeto falado por mim, você classifique como concreto ou abstrato.

Pesquisador: Pensamento

Professor:: abstrato

Pesquisador: Equação da área de um círculo

Professor: abstrato

Pesquisador: Um círculo

Professor: abstrato

Pesquisador: Um cubo

Professor: concreto

185

Pesquisador: O número oito

Professor: abstrato

Pesquisador: As forças que atuam num corpo

Professor: abstrato

Pesquisador: Uma cadeira

Professor: concreto

Pesquisador: As letras do alfabeto

Professor: abstrato

Pesquisador: Uma reta

Professor: abstrato

Pesquisador: Como você diferencia um objeto concreto de um objeto abstrato?

Professor: Bem. Deixe eu pensar um pouquinho. Bem. Concreto a gente imagina como, por exemplo, os objetos que existem disponíveis no laboratório de matemática, a exemplo os sólidos geométricos, são concretos. Abstrato temos muitos em matemática, agente tem que imaginar, deduzir.

Pesquisador: Então na sua concepção, a diferença está que o concreto eu posso manipular, é isso?

Professor: Na minha concepção é isso, diante do conhecimento que tenho é isso.

Pesquisador: Veja bem. Por muito tempo a gente escuta sobre dificuldades de matemática na educação básica. Parte desse problema alguns autores defendem que é dado pelo aspecto abstrato da matemática. Você acha que a dificuldade em aprender matemática está relacionada com esse caráter abstrato da matemática.

Professor: Eu penso que sim, também. Como falei pra você, as pessoas já vem pra escola com a concepção meio formada no meio da família, dos amigos, de que a matemática muito complexa, nem todo mundo entende, matemática não é pra todo mundo. É essa a concepção que eles chegam a escola e acabam tendo dificuldades na aprendizagem.

Pesquisador: As metodologias de ensino são consideradas como fatores basilares para um bom desenvolvimento das atividades docentes. No entanto, as concepções sobre o conhecimento matemático têm interferências diretas na escolha do viés metodológico a ser seguido. Quer dizer, a metodologia que sigo é influenciada diretamente pelas concepções que tenho. Considerando os aspectos de “concreto” e de “abstrato” como você direciona sua prática docente no ensino de matemática? Parte do concreto e tem por objetivo atingir o abstrato? Parte do abstrato para depois aplicar no concreto? Age de outra forma?Qual? Por quê?

Professor: Você pergunta quando eu trabalho...

Pesquisador: Quando você está ensinando matemática.

Professor: Em qualquer dos níveis?

Pesquisador: Sim em qualquer dos níveis.

Professor: Isso é bastante relativo, né. Em alguns momentos até que é possível você fazer algumas relações entre do concreto pra se chegar ao abstrato muito embora isso é um pouco complexo, porque a matemática é abstrata né, matemática agente precisa imaginar as coisas pra poder chegar a

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algumas conclusões. Em alguns momentos é possível, você vai ensinar geometria, você a partir dos sólidos você consegue fazer algumas relações de modo que os alunos conseguem a compreender melhor a parte abstrata. Mas você não pode esquecer o rigor da própria matemática. Não pode esquecer a parte abstrata.

Pesquisador: Então você acha que, dependendo do nível de ensino, cabe ou é possível, você partir de elementos concretos buscando atingir o abstrato. Mas se for um nível mais elevado você já pode entrar no ensino da matemática partindo do abstrato.

Professor: Exato. Quando você pensa, por exemplo, no estudo de cálculo, no ensino superior, tem coisas que não dá pra fazer relações diretas com o concreto. A matemática é rigorosa a gente não pode esquecer disso.

Pesquisador: Nas duas últimas décadas têm-se intensificado investigações na área do ensino de matemática buscando-se elementos (teóricos, metodológicos) que possam garantir uma melhor aprendizagem. Uma das questões defendidas por muitos, diz respeito a uma associação entre o conhecimento matemático escolar e às questões práticas da vida do estudante. Qual a sua opinião sobre esse entendimento?

Professor: Bem. Também tem-se momentos e momentos. Nem sempre é possível passar de níveis. Na educação básica é mais favorável, educação básica que eu falo, sobretudo o ensino fundamental. Mais favorável você vai ensinar, por exemplo, geometria ou álgebra também né, e aí você pode fazer algumas relações com a prática vivida por aquele estudante: Medições, cálculo de áreas, por exemplo, num certo terreno, você pode até de repente fazer numa aula de campo, e fazer com essas coisas aconteçam de forma próxima a realidade do estudante.

Pesquisador: Alguns entendem que a Matemática é composta, completamente, por elementos abstratos. Outros compreendem que no conjunto dos objetos matemáticos há uma ‘mistura’ entre realidade (concretude) e abstração. Os dois fragmentos abaixo são exemplos de tais posições:“Enquanto o questionador ingênuo parece pintar um quadro de objetos matemáticos como parte da realidade física, de fato é quase impossível ao matemático, como matemático, ‘sujar suas mãos’” (FOSSA, John Andrew 1998). “O pensamento matemático, por mais que tente libertar-se da experiência, constituir-se num sistema independente, que se nutre de si próprio, que progride em função de suas necessidades intrínsecas, parece trair-se, a cada momento, a revelar em suas raízes os ‘resíduos da experiência concreta’”. (MACHADO, Nilson José, 2009). Ai eu lhe pergunto o seguinte: Qual seu posicionamento sobre essa questão? Você acha que a matemática é totalmente abstrata ou você acha que ela tem aspectos abstratos mas depende da realidade.

Professor: Bem. A matemática é abstrata mas há relações que se pode fazer com o concreto.

Pesquisador: Numa aula de Matemática no Ensino Médio, na qual o professor, para introduzir determinado conteúdo, falou a seguinte frase: “Queridos alunos: a matemática está presente em quase tudo que nos cerca. Para aonde olhamos, vemos matemática. (...)”. Você concorda com essa argumentação do professor? Por quê?

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Professor: Bem. Em parte sim, né. Porque tudo que nos cerca, por trás tem muita coisa onde a matemática está presente. Muitas coisas dependem dela, ou melhor, praticamente tudo depende dela. Na verdade ela é abstrata, mas as relações que são da matemática estão nos objetos.

Pesquisador: Certo. Então eu estou vendo matemática nessa porta. Essa frase você acha que tem que ser repensada. Quer dizer: existem relações da matemática que eu posso fazer a partir dela.

Professor: Exato. Exatamente essa é a minha concepção.

Pesquisador: Agora eu gostaria que você classificasse alguns objetos como:

Objeto real (concreto) manipulável;

Objeto real (concreto), mas, não manipulável;

Objeto abstrato, mas, de fácil representação por objetos concretos reais;

Objeto abstrato e de difícil representação por objetos concretos reais;

Objeto abstrato sem possibilidade de representação por objetos reais (concretos).

Pesquisador: um número natural

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um número complexo

Professor: objeto abstrato sem representação

Pesquisador: um ponto, um vértice.

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um par ordenado

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: um segmento de reta

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um conjunto numérico

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma figura geométrica

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma expressão algébrica

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma equação

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: o conjunto dos números reais

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma função

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: um gráfico de uma função

188

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma matriz

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um cilindro

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um vetor

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: um espaço vetorial

Professor: objeto abstrato sem representação

Pesquisador: um espaço amostral

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma medida (10 metros)

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma esfera

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um algarismo

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: Tem mais alguma coisa eu você queira acrescentar e que não foi perguntado?

Professor: Não. As perguntas foram bem claras e espero ter ajudado. Desculpa pelas minhas limitações.

Pesquisador: Excelente. Agradeço muito a você.

IV-C) Transcrição da Entrevista com a Professora “Cézar”

Pesquisador: Professor, eu gostaria de lhe fazer umas perguntas sobre coisas relacionadas ao ensino de Matemática. Tudo bem? (...) Mas, antes vou lhe perguntar algo sobre a sua formação.

Pesquisador: Você é formado em Matemática?

Professor: Licenciatura em Matemática

Pesquisador: Você fez algum curso de especialização?

Professor: sou aluno de especialização em matemática

Pesquisador: Você já Leciona Matemática?

Professor: Atualmente não leciono

Pesquisador: Quais os níveis de ensino que leciona ou que lecionou?

Professor: Já lecionei 6 meses numa turma de 4º ano e 1 ano na educação infantil (multisseriado: Pré I, Pré II e 1º ano).

Pesquisador: Passemos a perguntas mais subjetivas. O que lhe motivou a ser professor de matemática?

189

Professor: Eu acho que foi a boa facilidade em aprender os conteúdos da disciplina me motivou a ser professor de Matemática, como também, admiração por bons professores que dominavam bem os conteúdos. Na escola e também fora dela, sempre ajudei meus colegas tirando dúvidas, explicando algum conteúdo que não entenderam. Esse fato foi fundamental para a escolha desta profissão.

Pesquisador: Na sua carreira como professor de matemática quais os conteúdos ou temas da matemática que tem preferências para ensinar? Se tem, porque?

Professor: Medidas (superfície, volume e capacidade). Pelo fato do conteúdo de Medidas ter ampla aplicabilidade em várias situações do dia a dia

Pesquisador: Agora me diga uma coisa: Você acha na sua opinião que há alguma diferença entre a disciplina matemática e as outras disciplinas escolares?

Professor: vejo diferença não, acho que é igual as outras.

Pesquisador: Eu peço que cada objeto falado por mim, você classifique como concreto ou abstrato.

Pesquisador: Pensamento

Professor:: abstrato

Pesquisador: Equação da área de um círculo

Professor: abstrato

Pesquisador: Um círculo

Professor: abstrato

Pesquisador: Um cubo

Professor: concreto

Pesquisador: O número oito

Professor: abstrato

Pesquisador: As forças que atuam num corpo

Professor: abstrato

Pesquisador: Uma cadeira

Professor: concreto

Pesquisador: As letras do alfabeto

Professor: abstrato

Pesquisador: Uma reta

Professor: abstrato

Pesquisador: Como você define um objeto concreto e um objeto abstrato?

Professor: Eu penso que um objeto concreto é aquele que sabemos que existe e podemos tocá-lo. Um objeto abstrato é aquele que existe, mas não podemos tocá-lo.

Pesquisador: Você acha que a dificuldade em aprender matemática está relacionada com o caráter abstrato da matemática.

Professor: O conhecimento matemático é resultado de um processo de experiências que se apresentam de forma intencional, ocasional ou por necessidade durante a vida de uma pessoa, que vão de conhecimentos

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básicos até os mais avançados. A aprendizagem de uma pessoa está relacionada ao meio em que vive, ou seja, ela aprende o que o meio tem pra lhe ensinar, como acontece também na escola. Na escola, o professor ministra um conhecimento formalizado de maneira organizada. Dificilmente um aluno quer aprender conhecimentos que ele não sabe qual será sua utilidade. Atualmente, os discentes devem entender e participar da aprendizagem.

Pesquisador: Considerando os aspectos de “concreto” e de “abstrato” como você direciona sua prática docente no ensino de matemática? Parte do concreto e tem por objetivo atingir o abstrato? Parte do abstrato para depois aplicar no concreto? Age de outra forma?Qual? Por quê?

Professor: Sempre partir da teoria à prática, do abstrato aplicado ao concreto. Isto, claro, quando possível. Não havendo tal possibilidade, pode-se criar situações reais, fictícias ou imaginárias (fictícia/ imaginária = fora da realidade do aluno) para que o conhecimento ensinado tenha alguma aplicação. Porque na ótica do estudante faz mais sentido e o deixa mais motivado aplicar um conhecimento na sua realidade. Caso contrário, para ele seria “perca de tempo” e “chato” fazer ou estudar algo que não tivesse finalidade. Esta é minha opinião de professor e aluno.

Pesquisador: Nas duas últimas décadas têm-se intensificado investigações na área do ensino de matemática buscando-se elementos (teóricos, metodológicos) que possam garantir uma melhor aprendizagem. Uma das questões defendidas por muitos, diz respeito a uma associação entre o conhecimento matemático escolar e às questões práticas da vida do estudante. Qual a sua opinião sobre esse entendimento?

Professor: Eu sempre achei que o conhecimento matemático associado ao cotidiano dá um incentivo maior para que o aluno aprenda a solucionar problemas, ser crítico, além de poder utilizar critérios antes realizar qualquer ação no seu meio usando o conhecimento adquirido.

Pesquisador: Alguns entendem que a Matemática é composta, completamente, por elementos abstratos. Outros compreendem que no conjunto dos objetos matemáticos há uma ‘mistura’ entre realidade (concretude) e abstração. Os dois fragmentos abaixo são exemplos de tais posições:“Enquanto o questionador ingênuo parece pintar um quadro de objetos matemáticos como parte da realidade física, de fato é quase impossível ao matemático, como matemático, ‘sujar suas mãos’” (FOSSA, John Andrew 1998). “O pensamento matemático, por mais que tente libertar-se da experiência, constituir-se num sistema independente, que se nutre de si próprio, que progride em função de suas necessidades intrínsecas, parece trair-se, a cada momento, a revelar em suas raízes os ‘resíduos da experiência concreta’”. (MACHADO, Nilson José, 2009). Eu pergunto: Qual seu posicionamento sobre essa questão? Você acha que a matemática é totalmente abstrata ou você acha que ela tem aspectos abstratos mas depende da realidade.

Professor: No total dos objetos matemáticos há uma coisa como uma ‘mistura’ entre realidade e abstração. Na matemática, e no nosso cotidiano a gente se depara com questões que podem ser resolvidas através da intuição, do raciocínio lógico (pensamento), essencialmente matemático. Outras só podem ser resolvidas manualmente, diante da situação do concreto, como é o caso de se medir, se necessário, a altura ou largura de uma porta.

191

Pesquisador: Numa aula de Matemática no Ensino Médio, na qual o professor, para introduzir determinado conteúdo, falou a seguinte frase: “Queridos alunos: a matemática está presente em quase tudo que nos cerca. Para aonde olhamos, vemos matemática. (...)”. Você concorda com essa argumentação do professor? Por quê?

Professor: Concordo. Sejam objetos concretos ou abstratos que estejam ao redor, sempre há algo de matemática neles ou relacionado a eles. Uma das particularidades mais notável da matemática é ser a base para o entendimento de outros conhecimentos. Daí, temos a noção de sua amplitude, influência e valor.

Pesquisador: Agora eu gostaria que você classificasse alguns objetos como:

Objeto real (concreto) manipulável;

Objeto real (concreto), mas, não manipulável;

Objeto abstrato, mas, de fácil representação por objetos concretos reais;

Objeto abstrato e de difícil representação por objetos concretos reais;

Objeto abstrato sem possibilidade de representação por objetos reais (concretos).

Pesquisador: um número natural

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um número complexo

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: um ponto, um vértice.

Professor: objeto concreto manipulável

Pesquisador: um par ordenado

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: um segmento de reta

Professor: objeto concreto manipulável

Pesquisador: um conjunto numérico

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma figura geométrica

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma expressão algébrica

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma equação

Professor: objeto concreto de difícil representação

Pesquisador: o conjunto dos números reais

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma função

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um gráfico de uma função

192

Professor: objeto concreto manipulável

Pesquisador: uma matriz

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um cilindro

Professor: objeto concreto manipulável

Pesquisador: um vetor

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um espaço vetorial

Professor: objeto concreto mas não manipulável

Pesquisador: um espaço amostral

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma medida (10 metros)

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma esfera

Professor: objeto concreto manipulável

Pesquisador: um algarismo

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: Valeu colega. Muito obrigado

IV-D) Transcrição da Entrevista com o Professor “Valmiro”

Pesquisador: Primeiro quero agradecer por aceitar participar da minha pesquisa, muito obrigado mesmo. Vou lhe fazer umas perguntas sobre coisas relacionadas ao ensino de Matemática, ao que você pensa sobre os objetos da matemática. OK? Vamos começar?

Pesquisador: Você é formado em Matemática?

Professor: Sou graduado em Licenciatura em Matemática

Pesquisador: Você fez algum curso de Pós - Graduação?

Professor: Eu fiz Especialização em Ensino de Matemática e Mestrado em Ensino de Ciências

Pesquisador: Há quanto tempo você é professor de matemática?

Professor: Faz 11 anos

Pesquisador: Já lecionou em que níveis?

Professor: Já lecionei todos os níveis da educação básica, agora estou dando aula no curso superior.

Pesquisador: Porque você escolheu, ou decidiu, por ser professor de matemática?

Professor: Inicialmente escolhi a profissão de professor por vocação, com incentivo da família e de alguns professores resolvi fazer a licenciatura em

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Matemática. Acho que foi isso influenciado pela carência de profissionais nessa área, principalmente no meu município.

Pesquisador: Você tem alguma preferência por algum tema ou área da matemática, para lecionar?

Professor: Não. Eu gosto de lecionar qualquer conteúdo na área de matemática, no entanto, tenho preferência por aqueles ligados a álgebra, como funções, por exemplo.

Pesquisador: Agora me diga uma coisa: você vê alguma diferença entre a matemática e as outras disciplinas escolares? Ou seja, você a considera mais importante, ou menos importante?

Professor: Não. Eu acho igual as outras. Eu acho que existem problemas gerais, em todas: a formação docente, a falta de investimentos sérios e planejados na Educação Básica, o desestímulo com a profissão docente são alguns dos motivos.

Pesquisador: Eu falar alguns objetos e quero que você classifique cada um como concreto ou abstrato.

Pesquisador: Pensamento

Professor:: abstrato

Pesquisador: Equação da área de um círculo

Professor: abstrato

Pesquisador: Um círculo

Professor: concreto

Pesquisador: Um cubo

Professor: concreto

Pesquisador: O número oito

Professor: abstrato

Pesquisador: As forças que atuam num corpo

Professor: concreto

Pesquisador: Uma cadeira

Professor: concreto

Pesquisador: As letras do alfabeto

Professor: concreto

Pesquisador: Uma reta

Professor: abstrato

Pesquisador: Agora me diga como você caracteriza um objeto concreto e como caracteriza um objeto abstrato?

Professor: Para mim a diferença está na materialidade das coisas, por exemplo, meu pensamento e as equações são ideias, elas não se materializam por si só, a cadeira construída é concreta, a cadeira na minha cabeça é abstrata

Pesquisador: Você acha que a dificuldade em aprender matemática está relacionada com o caráter abstrato da matemática? Será que isso tem fundamento?

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Professor: Bom (...) Eu acho... Minha avaliação parte do princípio de que o professor precisa compreender melhor o processo de aprendizagem. Muitas vezes repetir uma definição pode não levar o sujeito a aprender sobre aquilo, não é? Temos que aprender diagnosticar quais as melhores ferramentas para ajudar o aluno a compreender certos conteúdos, que exigem mais maturidade. Não vejo as dificuldades de aprendizagem como uma particularidade exclusiva da matemática, os nossos alunos não vão bem em muitas matérias da Educação Básica.

Pesquisador: Vamos tratar um pouco de metodologia. Considerando os aspectos de “concreto” e de “abstrato” como você direciona sua prática docente no ensino de matemática? Parte do concreto e tem por objetivo atingir o abstrato? Parte do abstrato para depois aplicar no concreto? Age de outra forma?Qual? Por quê?

Professor: Quando trabalhei com a educação básica, durante um tempo não vi a necessidade de variar a metodologia, embora algumas vezes trabalhasse com atividades alternativas, como algum jogo, desafio, ou seja, por um algo tempo a minha concepção de que a Matemática na Educação Básica era estática, me fez dar aulas nesse sentido. Com as formações continuadas, especialização e outras oportunidades de reflexão, fui percebendo que a forma como via a matemática tinha relação direta com as escolhas metodológicas, particularmente quando conheci o movimento da Educação Matemática, comecei a questionar a forma como dava aulas. Isso me levou a pesquisar e desenvolver sequencias de aulas aulas que partiam quase sempre de experiências concretas para os alunos, especialmente no Ensino Fundamental, ou seja, um jogo, uma atividade com dobraduras, uma observação, construção de algum experimento, depois ia formalizando o conteúdo. No Ensino Médio, quase sempre começava questionando os alunos com um problema ou uma abordagem histórica, para depois trabalhar com o conteúdo de uma maneira mais formal.

Pesquisador: Nas duas últimas décadas têm-se intensificado investigações na área do ensino de matemática buscando-se elementos (teóricos, metodológicos) que possam garantir uma melhor aprendizagem. Uma das questões defendidas por muitos, diz respeito a uma associação entre o conhecimento matemático escolar e às questões práticas da vida do estudante. Qual a sua opinião sobre esse entendimento?

Professor: Minha opinião, e que deve ser analisada com a devida reflexão, pois muitas vezes o professor compreende colocações teóricas como necessidades ou imposições imediatas, o conhecimento matemático tem características, cuja contextualização só pode ser encontrada em sua lógica interna, nem por isso deixam de ser importantes na formação dos sujeitos, entendo também que o currículo da Educação Básica necessita de mudanças, pois muitas das questões práticas da vida do estudante pedem a compreensão de outros conteúdos, como por exemplo, a teoria dos grafos.

Pesquisador: Agora vamos entrar numa questão específica dos objetos matemáticos. Alguns entendem que a Matemática é composta, completamente, por elementos abstratos. Outros compreendem que no conjunto dos objetos matemáticos há uma ‘mistura’ entre realidade (concretude) e abstração. Os dois fragmentos abaixo são exemplos de tais posições:“Enquanto o questionador ingênuo parece pintar um quadro de objetos matemáticos como parte da realidade física, de

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fato é quase impossível ao matemático, como matemático, ‘sujar suas mãos’” (FOSSA, John Andrew 1998). “O pensamento matemático, por mais que tente libertar-se da experiência, constituir-se num sistema independente, que se nutre de si próprio, que progride em função de suas necessidades intrínsecas, parece trair-se, a cada momento, a revelar em suas raízes os ‘resíduos da experiência concreta’”. (MACHADO, Nilson José, 2009). Eu pergunto: Qual seu posicionamento sobre essa questão? Você acha que a matemática é totalmente abstrata ou você acha que ela tem aspectos abstratos mas depende da realidade.

Professor: Concordo em parte com ambos os autores, as defesas dos seus argumentos são válidos, no entanto, temos que considerar de que matemática estamos falando, estamos falando da matemática ciência? Ou da matemática presente no currículo da educação básica? Se estivermos falando da ciência matemática o argumento de Fossa é forte, porém ele é fraco ao taxar a possibilidade da presença do real como impossível. Eu acho que Nilson apresenta um argumento mais interessante porque ele não nega essa característica da matemática, ou seja, por vezes os matemáticos são surpreendidos com aplicações ou representações daquilo que repousavam apenas em suas anotações, no mundo de suas ideias. Já a Matemática do Currículo Escolar, essa sim traz inúmeros exemplos de aplicações.

Pesquisador: Meu amigo, você já deve ter dito ou já ouviu a seguinte frase: “Queridos alunos: a matemática está presente em quase tudo que nos cerca. Para aonde olhamos, vemos matemática. (...)”. Você concorda com essa argumentação? Por quê?

Professor: Eu acho que já disse e também já ouvi. É uma argumentação interessante, mas ao mesmo tempo pode constituir-se numa armadilha, afinal de contas já no ensino médio, encontramos vários conteúdos matemáticos que são importantes apenas do ponto de vista matemático, ou seja, que não correspondem diretamente a aplicações na nossa realidade.

Pesquisador: Agora eu gostaria que você classificasse alguns objetos como:

Objeto real (concreto) manipulável;

Objeto real (concreto), mas, não manipulável;

Objeto abstrato, mas, de fácil representação por objetos concretos reais;

Objeto abstrato e de difícil representação por objetos concretos reais;

Objeto abstrato sem possibilidade de representação por objetos reais (concretos).

Pesquisador: um número natural

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um número complexo

Professor: objeto abstrato sem representação

Pesquisador: um ponto, um vértice.

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um par ordenado

Professor: objeto abstrato sem representação

196

Pesquisador: um segmento de reta

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um conjunto numérico

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma figura geométrica

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma expressão algébrica

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma equação

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: o conjunto dos números reais

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma função

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um gráfico de uma função

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma matriz

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um cilindro

Professor: objeto concreto manipulável

Pesquisador: um vetor

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: um espaço vetorial

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: um espaço amostral

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma medida (10 metros)

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma esfera

Professor: objeto concreto manipulável

Pesquisador: um algarismo

Professor: objeto concreto não manipulável

Pesquisador: Meu amigo, muito obrigado.

Professor: Já acabou? Não tem de que, rapaz. Se precisar dê um alô.

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IV-E) Transcrição da Entrevista com o Professor “Samuel”

Pesquisador: Eu quero logo, dizer que agradeço por ter aceitado participar da minha pesquisa. E reforçar o que você leu no termo de consentimento. Tudo da nossa conversa será tratado exclusivamente para fins de pesquisa. Sem qualquer exposição pessoal nem profissional, ok? Fique bem tranquilo. Então vamos conversar um pouco sobre questões do ensino de matemática.

Pesquisador: Você é formado em Matemática, não é?

Professor: Sim. Licenciatura em Matemática

Pesquisador: Você tem mestrado não é mesmo?

Professor: Matemática e Mestrado em Educação Matemática

Pesquisador: Há quanto tempo você é professor de matemática?

Professor: Faz 11 anos

Pesquisador: Já lecionou em que níveis?

Professor: Ensino Fundamental, do 5º ao 9º ano (durante 4 anos); Ensino Médio (durante 5 anos); Ensino Superior (durante 7 anos, atualmente).

Pesquisador: O que lhe motivou a ser professor de Matemática? Por que escolheu esta profissão?

Professor: Eu tinha interesse e desejava fazer o curso de Ciência da Computação, mas não consegui a aprovação no vestibular. Ingressei na Licenciatura em Matemática como segunda opção no primeiro vestibular que fiz. Tentei mudar, fazer outros processos seletivos mas sem êxito fui cursando Matemática. Em um certo momento do curso de formação inicial, talvez por volta do quarto ou quinto semestre letivo, durante o desenvolvimento as competências necessárias à profissão, não conseguia me imaginar longe da docência. Sentia uma sintonia muito forte com os processos de ensino e os de aprendizagem da Matemática, sentimento esse que me impulsionava a buscar assumir a docência como profissão.

Pesquisador: Você tem alguma preferência por algum tema ou área da matemática, para lecionar?

Professor: Os temas básicos da geometria plana e espacial muito me interessam, como também as relações entre grandezas, desde da discussão inicial das proporções até o estudo de funções. Gosto destes assuntos por que percebo as dificuldades que muitos

Pesquisador: Agora me diga uma coisa: você vê alguma diferença entre a matemática e as outras disciplinas escolares? Ou seja, você a considera mais importante, ou menos importante?

Professor: Acredito que as dificuldades na aprendizagem da matemática estão nas escolhas metodológicas para o processo de ensino. Um planejamento bem feito, escolhendo métodos e técnicas adequadas aos conteúdos e as necessidades dos alunos, deve ser o foco inicial do docente. Por isso que eu acho que a formação profissional é o que lhe permite fazer essas boas escolhas

Pesquisador: Eu falar alguns objetos e quero que você classifique cada um como concreto ou abstrato.

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Pesquisador: Pensamento

Professor:: abstrato

Pesquisador: Equação da área de um círculo

Professor: abstrato

Pesquisador: Um círculo

Professor: concreto ou abstrato, depende do contexto.

Pesquisador: Um cubo

Professor: concreto ou abstrato, depende do contexto.

Pesquisador: O número oito

Professor: abstrato

Pesquisador: As forças que atuam num corpo

Professor: concreto

Pesquisador: Uma cadeira

Professor: concreto

Pesquisador: As letras do alfabeto

Professor: abstrato

Pesquisador: Uma reta

Professor: abstrato

Pesquisador: Então o que é um objeto concreto e o que é um objeto abstrato, para você?

Professor: Considero que "Objetos Concretos" (...) são elementos que são táteis/palpáveis ou que podemos sentir fisicamente sua interação com outros objetos.

Pesquisador: Você acha que a dificuldade em aprender matemática está relacionada com o caráter abstrato da matemática? Como você vê isso? Qual a sua opinião sobre isso?

Professor: De modo geral, quando afirmações são feitas sem a possibilidade de experienciá-las, mesmo que seja no campo das abstrações, torna-se bem mais difícil a aceitação. O conhecimento matemático é abstrato sim, mas que pode ser aplicado em situações concretas ou com objetos concretos. Acredito que uma das formas de melhorar a aprendizagem desse conhecimento é por meio de experiências didáticas e concretas.

Pesquisador: As metodologias de ensino são consideradas como fatores basilares para um bom desenvolvimento das atividades docentes. No entanto, as concepções sobre o conhecimento matemático têm interferências diretas na escolha do viés metodológico a ser seguido. Agora quero ouvi-lo sobre metodologia de ensino. Considerando os aspectos de “concreto” e de “abstrato” como você direciona sua prática docente no ensino de matemática? Parte do concreto e tem por objetivo atingir o abstrato? Parte do abstrato para depois aplicar no concreto? Age de outra forma?Qual? Por quê?

Professor: Concordo com a afirmação. Pensando nisso, costumo fazer muitas analogias entre os elementos matemáticos devem ser abordados, os objetos abstratos, e situações que figuram elementos concretos ou abstrações já

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conhecidas e/ou que são mais facilmente compreendidas. Partir do concreto para o abstrato é um dos caminhos que acho mais coerente para a compreensão do abstrato. A expectativa de aprendizagem considera que o mais simples venha primeiro, e muitos dos meus (nossos!) alunos consideram que o concreto é mais fácil de se compreender que o abstrato. Não posso discordar absolutamente deles.

Pesquisador: Nas duas últimas décadas têm-se intensificado investigações na área do ensino de matemática buscando-se elementos (teóricos, metodológicos) que possam garantir uma melhor aprendizagem. Uma das questões defendidas por muitos, diz respeito a uma associação entre o conhecimento matemático escolar e às questões práticas da vida do estudante. Qual a sua opinião sobre esse entendimento?

Professor: Fazer uma verdadeira contextualização do conhecimento matemático escolar dentro do universo de conhecimento do estudante é uma coerente opção metodológica e que já comprovei que tem bons resultados.

Pesquisador: Agora vamos entrar numa questão específica dos objetos matemáticos. Alguns entendem que a Matemática é composta, completamente, por elementos abstratos. Outros compreendem que no conjunto dos objetos matemáticos há uma ‘mistura’ entre realidade (concretude) e abstração. Os dois fragmentos abaixo são exemplos de tais posições: Uma de Fossa (1998) que diz: “Enquanto o questionador ingênuo parece pintar um quadro de objetos matemáticos como parte da realidade física, de fato é quase impossível ao matemático, como matemático, ‘sujar suas mãos’”. Outra de Nilson Machado (2009), que diz: “O pensamento matemático, por mais que tente libertar-se da experiência, constituir-se num sistema independente, que se nutre de si próprio, que progride em função de suas necessidades intrínsecas, parece trair-se, a cada momento, a revelar em suas raízes os ‘resíduos da experiência concreta’”. Eu pergunto a você: Qual seu posicionamento sobre essa questão? Você acha que a matemática é totalmente abstrata ou você acha que ela tem aspectos abstratos mas depende da realidade.

Professor: Eu entendo que a Matemática é uma ciência composta essencialmente por elementos/objetos abstratos, mas isso não impede que possamos discutir e refletir experimentalmente sobre conceitos matemáticos. Mesmo no fragmento do Fossa, com o "quase impossível", ele deixa uma pequena brecha para o matemático "sujar suas mãos". Esse fragmento denuncia essa possibilidade que coloco na experimentação. Quando Machado fala sobre os "resíduos da experiência concreta", suponho que esteja se referindo aos conhecimentos matemáticos surgidos a partir da necessidade humana, a partir de problemas reais e concretos. Mas observe: quando resolvendo um problema que é modelado por uma equação e como resultado encontramos duas raízes, mas uma delas não faz sentido para o problema em questão, a ignoramos. Entretanto, essa não deixa de ser uma raiz para a equação, nem deixa de existir, apenas não serve para a resolução do problema.

Pesquisador: Nobre amigo, você já deve ter dito ou já ouviu a seguinte frase: “Queridos alunos: a matemática está presente em quase tudo que nos cerca. Para aonde olhamos, vemos matemática. (...)”. Você concorda com essa argumentação? Por quê?

200

Professor: Minha professora do Ensino Médio também falava algo com essa mesma ideia, e brincávamos dizendo: Depende quem é o dono dos olhos. Essa frase é celebre e muitos já escutaram e a pronunciaram sem parar para refletir sobre olhar e ver. Acredito que até eu mesmo já disse isso, sem esse cuidado. Mas, hoje enxergo diferente, pois, nessa situação especifica, considero que a Matemática irá nos proporcionar ferramentas que modelam abstratamente a realidade que nos cerca. Eu acho que é melhor dizer assim: Queridos alunos... para onde olharmos, podemos ver/fazer associações matemáticas...

Pesquisador: Bom. Diante do que conversamos até aqui eu gostaria que você classificasse alguns objetos como de acordo com o seguinte critério. Ou então você pode pensar em outro que esteja nessa lista.

Objeto real (concreto) manipulável;

Objeto real (concreto), mas, não manipulável;

Objeto abstrato, mas, de fácil representação por objetos concretos reais;

Objeto abstrato e de difícil representação por objetos concretos reais;

Objeto abstrato sem possibilidade de representação por objetos reais (concretos).

Pesquisador: um número natural

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um número complexo

Professor: objeto abstrato sem representação

Pesquisador: um ponto, um vértice.

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um par ordenado

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um segmento de reta

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um conjunto numérico

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma figura geométrica

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma expressão algébrica

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma equação

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: o conjunto dos números reais

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma função

Professor: objeto abstrato de fácil representação

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Pesquisador: um gráfico de uma função

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma matriz

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um cilindro

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um vetor

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um espaço vetorial

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: um espaço amostral

Professor: objeto abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma medida (10 metros)

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: uma esfera

Professor: objeto abstrato de fácil representação

Pesquisador: um algarismo

Professor: objeto abstrato de fácil representação

IV-F) Transcrição da Entrevista com o Professor “Armando”

Pesquisador: Professor, formado em Matemática, ok. Curso de pós-graduação, tem não tem?

Professor: Especialização em Matemática básica e Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática.

Pesquisador: Há quanto tempo é professor de matemática?

Professor: 20 anos

Pesquisador: 20 anos?

Professor: 20 em sal de aula, graduado a 18 anos.

Pesquisador: Quais os níveis que já lecionou? Todos?

Professor: Fundamental, médio, superior e pós-graduação.

Pesquisador: Qual o principal motivo para escolha de ser professor de matemática?

Professor: Observação de outros professores. A escolha por matemática foi com o histórico de alguns professores meus de matemática que eu ia admirando no percurso. A vontade inicial foi ser professor, matemática veio no processo, durante a carreira.

Pesquisador: Tem algum conteúdo ou temática de matemática que tu preferes ensinar?

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Professor: Trigonometria

Pesquisador: Por quê?

Professor: Porque quando começou a ter essa afinidade com a matemática foi quando eu tive a oportunidade de ter uma disciplina específica de trigonometria no ensino médio.

Pesquisador: Que interessante. Em tua opinião, há realmente essa coisa do senso comum de diferenciar a matemática de outras ciências? Existe no senso comum a ideia de que a matemática é especial, ou está num pedestal acima das outras. Como tu vês isso?

Professor: No senso comum existe, esse, esse,..., essa ideia, não é, muitas vezes trazida a cabo até por professores de matemática mesmo que trazem, fazem com que essa realidade aconteça, deixa de ser um mito para ser uma realidade. Mas, quando a gente percebe toda a construção do conhecimento humano agente percebe que matemática é uma partizinha ali de um conjunto muito amplo. Nem pior, nem melhor, nem mais difícil, nem mais fácil. Com suas particularidades assim como história tem, economia tem, e por ai vai.

Pesquisador: Certo. Veja bem: É, vou te fazer algumas perguntas relativas ao conceito de concreto e abstrato, aos conceitos de concreto e abstrato. E aí você responda com o que você tem na cabeça. Sem que você tem um cabedal de coisas construídas aí, o objetivos é esse, e então responda a partir de todo esse seu conhecimento. Ok! Primeiro eu vou dizer alguns objetos e você vai classifica-los como concreto ou abstrato ou então se acha que não deve classificar, discordar se outra classificação você diz.

Um pensamento, uma ideia

Professor: abstrato

Pesquisador: a equação da área de um círculo

Professor: abstrato

Pesquisador: um círculo

Professor: abstrato

Pesquisador: um cubo

Professor: concreto

Pesquisador: um número qualquer

Professor: abstrato

Pesquisador: As forças que atuam num corpo

Professor: abstrato

Pesquisador: uma cadeira

Professor: concreto

Pesquisador: as letras do alfabeto

Professor: concreto

Pesquisador: uma reta

Professor: abstrato

Pesquisador: Então agora, como você diferencias um objeto concreto de um abstrato?

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Professor: A, a, ..., ideia do, do,..., abstrato é que ele é uma ideia e que funciona. E que funciona. Porém, e ai eu voltar para o português, eu não vou toca-lo, não vou pega-lo como um objeto concreto. E ai vem – eu não sei se posso fazer alguns comentários nessa parte aí...

Pesquisador: pode sim, fique à vontade.

Professor: quando você fala, um pensamento é abstrato. Porém, se eu pensar sobre um óculos, kkk, eu tou pensando sobre algo concreto. O conteúdo do pensamento é que vai me levar. E aí qual é a ideia, já que estamos falando de matemática. A matemática ela funciona na cabeça da gente. A matemática é um conjunto de ideias. Tudo que a gente pensa de matemática, que a gente vá pensar em concreto, na verdade são aplicações dessas ideias em algumas situações específicas. Por exemplo, a, a..., a geometria ela é, a geometria euclidiana especificamente, ela é extremamente abstrata e só funciona na cabeça da gente, ela só existe nas ideias. A gente, como é que a gente nessa limitação concebe que uma reta é infinita, nessa limitação que a gente tem é infinita. Porém essas ideias funcionam, quando a gente vai lá para o papel e ainda mais quando aplica essas ideias em outros campos.

Pesquisador: Muito bem. Legal. Bom: Éh, não sei se você concorda mas eu acho que há uma, no meio educacional escolar, na escola básica mais, uma argumentação de que as dificuldades de aprendizagem em matemática residem no fato dela ser uma ciência abstrata. Como você avalia isso? Essa concepção? Realmente, ..., como tu vês essa relação entre aprendizagem matemática e abstração.

Professor: Ela é abstrata sim, mas, se a dificuldade for essa, ninguém vai aprender, porque ela é abstrata. Então a dificuldade não pode ser, não pode estar colocada em algo que é inerente à matemática. Porque se eu quero tirar esse aspecto de abstração no sentindo de facilitar a aprendizagem eu vou tá desconfigurando a matemática. De ou jetio ou de outro eu tenh que levar o aluno a essa abstração não é tirando esse aspecto abstrato e nem negando, pois quando nego, descaracterizo e aí eu vou está ensinando algo que não é matemática.

Pesquisador: Na tua prática, assim, vamos pensar na sua prática, éh, éh, como tu direciona, ou tem direcionado: tenta sair do aspecto concreto, buscando atingir o abstrato, tenta apresentar logo o conteúdo em termos abstratos para entender melhor o concreto ou faz de outra forma?

Professor: Isso aí, é, ele é, digamos assim, variável dependo do conteúdo que eu vou tratar, dependendo da maturidade dos meus alunos, eu posso partir eh, eh, de uma aplicação que eles tenham o conhecimento, saibam e percebam essa aplicação muito claramente mas não percebam o conteúdo, o conceito matemático que sendo aplicado ali e ai eu trago essa ideia. Outro, dependendo da maturidade do aluno eu posso tratar diretamente de um conceito mais abstrato e partir pra manipulação dele e aplicação.

Pesquisador: Certo. Algumas pessoas aí, tão defendendo que em detrimento da associação do ensino de matemática ao contexto do aluno, muita gente tem, tem, tem chegado a discrepância de deixar muita coisa da matemática, buscando aproxima-la muito da realidade do aluno. Qual é a tua opinião sobre isso, é, deve-se tá sempre buscando o contexto do aluno, aproximando, em qualquer nível, ou em algum nível mais? Que é que você acha disso?

204

Professor: O contexto dele é importante, porém, é um fator. A gente pode pensar o seguinte: quando eu tou ensinando determinado conteúdo, eh, tem outro aspecto importante que o aspecto histórico. Quando esse conteúdo foi desenvolvido ele procurou resolver algum problema. Então que problema foi resolvido com esse conteúdo? Quando se resolveu? Como se resolveu? Esse problema ainda é um problema hoje? Esse conteúdo ainda resolve outros problemas. Então eu acho que apresentando esse foco, eu acho que a gente traz algo interessante pra que o aluno comece a perceber os problemas da realidade dele, do contexto dele, e busque entre os tanto contextos e conceitos matemática aquele que possa resolver aquilo ali. Não é? Porque se não a gente vai tá ensinando matemática desfigurando de novo alguma coisa. Por quê? Poruqe se eu penso no contexto de um o cara que tá do lado dele na sal de aula tem outro contexto, as vezes totalmente diferente. É uma aula pra um, uma aula pra outro. Apensar mesmo quando eu tento padronizar um pouco, cada um vai receber de uma maneira diferente. O que preciso fazer ele pensar é que aquilo ali, teve, eh, eh, teve influência histórica de algum problema que foi resolvido ou tá para se resolver, assim como, ele precisa pensar nos problemas dele e ele mesmo chegar pelo menos a caminhar no inicio daquela velha resposta, pra que serve, vai Server pra mim, como vai servir pra mim, então sim ou não. Não posso dizer sim ou não, isso serve ou isso não serve. Deixa ele dizer sim ou não mas, pra dizer sim ou não ele tem de saber.

Pesquisador: Certo. Essa aqui você já respondeu indiretamente mas vamos lá. Fossa disse a seguinte coisa, veja só: “Enquanto o questionador ingênuo parece pintar um quadro de objetos matemáticos como parte da realidade física, de fato, é quase impossível ao matemático, como matemático, sujar suas mãos”. Aí Nilson Machado, disse o seguinte: “O pensamento matemático, por mais que tente libertar-se da experiência, constituir-se num sistema independente que se nutre de si próprio, que progride em função de suas necessidades intrínsecas, parece trair-se a cada momento, a revelar em suas raízes os resíduos da experiência concreta”. Afinal, na tua opinião, a matemática é abstrata ou ela tem raízes no concreto, pode se classificar algumas coisas concretas, enfim como pensa isso?

Professor: Ela é abstrata

Pesquisador: Ok. Então, você já deve ter ouvido em alguma aula, que eu já ouvi e já falei, e talvez você já tenha falado: “para aonde olhamos vemos matemática”. E aí? Essa argumentação quando escutamos ou falamos está baseada em que?

Professor: Nas, partindo do que eu disse que era abstrato, quando a gente olha e vê matemática ao nosso redor em todo canto, são na verdade as aplicações dessas ideias.

Pesquisador: Beleza. Para terminar eu te dar cinco classificações: (....). Então comecemos: Número natural?

Professor: abstrato de fácil representação

Pesquisador: Número complexo

Professor: abstrato de difícil representação

Pesquisador: Um ponto, um vértice

Professor: abstrato de fácil representação

Pesquisador: Um par ordenado

205

Professor: abstrato de difícil representação

Pesquisador: um plano

Professor: abstrato sem qualquer representação

Pesquisador: um segmento de reta

Professor: idem

Pesquisador: um conjunto numérico enumerável

Professor: abstrato sem representação

Pesquisador: uma figura geométrica

Professor: abstrato sem representação

Pesquisador: uma expressão algébrica

Professor: abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma função

Professor: uma função?(silêncio). Abstrato sem representação

Pesquisador: o gráfico de uma função

Professor: abstrato de difícil representação

Pesquisador: um cilindro

Professor: abstrato de fácil representação

Pesquisador: um vetor

Professor: abstrato de difícil representação

Pesquisador: um espaço vetorial

Professor: abstrato sem representação

Pesquisador: um espaço amostral

Professor: abstrato sem representação

Pesquisador: uma medida

Professor: abstrato de difícil representação

Pesquisador: uma esfera

Professor: abstrato de fácil representação

Pesquisador: um algarismo

Professor: abstrato de fácil representação

Pesquisador: Beleza. Tem alguma coisa que quer falar a mais.

Professor: Eu acertei? (risos)

Pesquisador: Não errou nada. (risos)

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IV-G) Transcrição da Entrevista com o Professor “Urânio”

Pesquisador: Professor,

Professor: diga aí meu amigo:

Pesquisador: Curso de matemática somente ou tem outra graduação?

Professor: Não. Graduação apenas a Licenciatura em Matemática.

Pesquisador: E Pós – Graduação?

Professor: Ensino de Ciências e Matemática.

Pesquisador: Mestrado, não é?

Professor: Mestrado. E tenho também especialização em ensino de matemática.

Pesquisador: Há quantos anos atua como professor de matemática?

Professor: 21 anos.

Pesquisador: Todos os níveis já lecionou?

Professor: Já, já. Já tive experiência, com, do sexto ano até o ensino superior. Também tive a oportunidade também, de trabalhar com, é....., então com curso de aperfeiçoamento em capacitação para professores.

Pesquisador: Qual foi a questão, assim, motivadora, principal, para você ser professor de matemática?

Professor: Assim, eu tive alguns elementos interessantes que me conduziram pra matemática né, acho que no ensino médio. eu tive o professor Pedro Lúcio. Era um cara que não só falava de matemática, mas, assim, eu gostava muito das aulas dele. Então é, é, ..., acho que foi o primeiro elemento que me chamou mais atenção. O fato de ter sido um aluno que nunca tive problema, dificuldade com a matemática enquanto aluno. E aí, assim, eu diria assim, que esse processo na verdade, como muitos, né, por conta da questão salarial, eu entrei no curso de licenciatura em matemática, mas tinha também feito vestibular na época na Universidade Federal para Engenharia Mecânica, que meu pai era mecânico de carro e eu trabalhava ajudando ele né, então a coisa foi meio assim né, vamos fazer uma Universidade, na outra né, passei na UEPB, comecei a cursar, gostei do curso, tive alguma dificuldade no primeiro período, mas consegui ser aprovado em todas as disciplinas, e me adaptei a Universidade, aquela coisa que tinha que estudar não porque alguém ia dar uma, uma, nota, mas porque você precisava aprender pra puder se sobressair. Depois fui fazer, quando terminei o curso de graduação, fui aprovado no curso de engenharia mecânica, mas aí eu já tava lecionando, eu já tinha conseguindo uma boa carga horária numa escola particular de Campina Grande, que pagava um salário bom, equiparável a um professor de Universidade em inicio de carreira, né. E assim, comecei a ver que podia né, sobrevivier né, ganhar uma renda interessante e fazendo aquilo que eu gostava então fiz a opção a partir daí de me dedicar a ser professor, a docência em matemática, desistindo assim do curso de engenharia. E assim, sempre gostei de ajudar, sabe, de ver alunos ali, motivados, interessados. Então, isso foi uma coisa que me chamou muito a atenção.

207

Pesquisador: Então retomando. Tem preferência para lecionar alguma temática do conteúdo de Matemática?

Professor: Em que nível?

Pesquisador: Nível educação básica.

Professor: Não. Sempre lecionei todos os temas e séries. Claro, que não no mesmo ano, então nunca vi problemas, trabalhar com nenhum conteúdo não.

Pesquisador:Como vocâ analisa, uma concepção que eu acho que ainda reina essa concepção, especialmente no senso comum, eu acredito que ainda exista a ideia de considerar a Matemática uma ciência especial, uma ciência, talvez pelo os índices de reprovação, sei lá, alguém acha que a Matemática está num pedestal acima das outras. Como você analisa isso?

Professor: Eu acho que isso é fruto de uma cultura, né. Não é só a questçao de achar. É uma coisa que está consolidade na sociedade e até mesmo por algums professores né, de matemática que sentem bem né, eu não diria assim “bem”, talvez sistam prestigiandos no sentido que detém uma disciplina que tem um grau de dificuldade maior do que as outras que portanto tem um nível de cobrança a ser dado, que tem que ser superior, inclusive pelos demais colegas professores de outras áreas, que muitas vezes admitem que se o aluno não passar em matemática né, nas notas, ele não teria condições de seguir nas séries seguintes, teria que ficar retido. Então assim, eu acho que é um processo que não vem de hoje, é um processo de desconstrução de muitas coisas, e também é um processo de reformulação na questão do ensino. Eu acho que não é salutar para o professor de matemática essa importância toda que muitas vezes se quer dá a matemática. É mais uma disciplina que tende a complementar a formação do individuo, assim como precisa ser revista a questão dos conteúdos, o que ensinar, modernizar isso, e também a formação, tanto os professores de matemática como os demais professores, até mesmo os professores da área de pedagogia. Que acho que muitos dos ranços das dificuldades de ensino de matemática se dão por uma questão de muitas vezes você pega um aluno que tem já uma série de preconceitos em relação à matemática.

Pesquisador: Certo. Bom, é....., como eu trato na pesquisa de, da relação entre concreto e abstrato, então eu vou citar alguns objetos e você vai me dizer se considera concreto ou abstrato,ou você acha que existe uma outra classificação.

Pesquisador: Um pensamento uma ideia é uma coisa concreta ou abstrata?

Professor: Abstrato

Pesquisador: A equação da área de um círculo

Professor: Abstato

Pesquisador: Um círculo

Professor: Abstrato

Pesquisador: Um cubo

Professor: Abstrato

Pesquisador: Um número

Professor: Um número. Conceito abstrato.

Pesquisador: As forças que atuam num corpo.

208

Professor: As forças que atuam num corpo? Esclareça.

Pesquisador: Força. Por exemplo, a gravidade.

Professor: Algo concreto

Pesquisador: Uma cadeira

Professor: algo concreto

Pesquisador: As letra do alfabeto.

Professor: Abstrato

Pesquisador: Uma reta

Professor: Abstrato

Pesquisador: Então como você diferencia um objeto concreto de um objeto abstrato.

Professor: Algo que seja, é...., eu possa,..... boa pergunta. É..., bom. Um exemplo mais grosseiro, algo que eu possa tocar como essa mesa, né. Já um número, um símbolo, como o 3 é uma representação né, então se é uma representação né, para mim, que tive uma instrução nesse sentido, ele passa a ter uma compreensão de significado, né. Mas, para uma pessoa que não teve contato da nossa cultura, aquilo ali nada mais é do que um desenho, uma representação de algo que ele não tem a compreensão.

Pesquisador: Há evidencias que as dificuldades de aprendizagem de aprendizagem de matemática são dadas pelo aspecto da abstração da matemática. Alguns pesquisadores discutem isso, né. Como você avalia isso?

Professor: Eu vejo o seguinte, que uma dificuldade está na questão da condução, que quando se começa trabalhar com matemática, criança é, eu digo um aluno que tá no ensino fundamental 1, então ele tá no nível de compreensão que se dá muito na base do concreto, no sentindo você operar, fazer uma operação matemática de adição do tipo, você tem duas tampinhas e, o professor pega num outro recipiente três tampinha de garrafa, e pede para o aluno identificar agora né, quantas tampinhas temos, né. O aluno vai fazer uma associação ali né, com objeto palpável visível pelo menos que pode ser até mesmo de repente até mesmo um desenho que ele faz no caderno para poder compreender aquela situação matemática e compreende. Mas, essa passagem ela tem que ser depois, o aluno tem que ser conduzido a fazer uma representação disso que pode ser através de um desenho que seria o três mais o símbolo da mais e do dois e o símbolo da igualdade para que ele tenha um significado e assim ele possa dar um salto, ele consiga fazer essa passagem. Mas, essa passagem ela não se dá, eu diria assim, imediatamente, é algo que é feito aos poucos e dependendo do nível de situação que você queira apresentar para o aluno. Então é muito importante que os professores envolvidos nesse processo, e ai esse processo não se dá apenas lá no ensino fundamental 1, se dá inclusive no ensino superior né, quantos conceitos você tá trabalhando mesmo numa aula de analise e muitas vezes o professor vai recorrer ali a uma representação de um desenho, de uma simbologia, ou de um software pra que o aluno consiga ter aquela ter aquela compreensão de, de, do que se está se trabalhando ali em nível de matemática. Então acho que perpassa por ai, esse cuidado e essa retomada, inclusive entender também que o aluno, os alunos, que estão ali, eles tem um nível de transição que se dá em momentos diferentes, muitas vezes se está trabalhando com uma turma

209

com 20 indivíduos e esta passagem não vai acontecer com os 20 indivíduos, com aquela mesma abordagem deu naquela aula, ou naquele momento, então é importante que isso seja retomado, isso seja analisado e naqueles em que você perceber uma situação de não compreensão de um conceito que se crie alternativas como aula de reforço, momentos de estudo, momentos individualizados para que o aluno possa avançar. Infelizmente a escola está muito blocada, no sentido de que se tem que colocar 20, 30 ou 40 indivíduos num ambiente e esperar que aqueles 20, 30 ou 40 indivíduos tenham a compreensão ao mesmo tempo e muitas vezes a escola não está preparada para que o professor tenha um horário para atender o aluno que disponibilize horários para que o aluno pessoas procurar pessoas para avançar né, quando sentir necessidade.

Pesquisador: Certo. Bom, então pensando na sua prática docente, e nessas concepções, enfim, metodologia de ensino, tal, como você pode classificar a sua prática, no sentido de concreto e abstrato. Tem sido partindo do concreto para atingir o abstrato, ou tem sido, primeiro aspecto abstrato para depois entender o concreto, ou ambas dependendo do nível ou do objeto matemático ou alguma outra?

Professor: É...... É, devido a questão de você, de ter, vivenciado, como eu disse desde a aula de ensino fundamental no sexto ano até o superior, acho que depende muito do conteúdo pedende muito da, do aluno que você tendo ali, do tempo, né, então vamos pegar aqui um exemplo, se eu estou dando aula numa turma de proeja então tenho que trazer situações, né, quer sejam concretas ou abstratas, mas eu tenho que trazer situações que façam parte da realidade dele, né, e aí a gente tem que sair um pouco da questão do currículo, do conteúdo especifico e tentar trazer uma matemática mais próxima da realidade do aluno. Você tá trabalhando uma aula que de repente tá explorando algum conceito de goemetria espacial, então, por exemplo, então você tem que trazer material, você tem criar situações para que o aluno ele possa perceber essa interação, ele possa manipular o material, então acho que isso ajuda muito, né. De repente um outro conteúdo que não permite essa visualização essa manipulação né, ai voc~e tem que tentar encontrar outra estratégia para inserir uma proposta que envolva resolução de problemas, ou você traga um exemplo que seja interessante, ou seja, é sempre importante que se traga uma situação que ajude na aproximação do aluno para o conteúdo.

Pesquisador: Nesse aspecto a realidade do aluno é fundamental?

Professor: É. Compreender a realidade do aluno, o nível do aluno que você tem, não é, então se está numa turma, vamos supor, de ensino superior, em que você percebe que a turma tem um nível em relação aquele conteúdo, você for partir daí, né, eu acho que o aluno, inclusive, não vai sabe, se ele já tem um nível de compreensão interessante do conceito então vocz~e pode trazer algo já mais abstrato, então acho que depende muito desse público. E sempre tendo esse cuidado de fazer essa aproximação e tentando dosar, que algo difícil, mas eu acho que é algo, dentro da minha experiência de professor, eu acho que eu tive situações sempre interessantes e gratificantes, quando a gente consegue fazer essa aproximação, visualizar, por exemplo, se está trabalhando o Cilindro da geometria espacial, né, e você traz uma situação de resolução de problemas, né, o aluno ele vai ter uma compreensão, que o que está estudando apesar de uma representação muito matemática tem como ver

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uma aplicação, né, uma direção, um sentido, então isso é interessante, pelo menso eu acho que tem sido interessante essa experiência.

Pesquisador: Certo Rômulo. O Fossa disse a seguinte coisa: “Enquanto o questionador ingênuo parece pintar um quadro de objetos matemáticos como parte da realidade de física de fato é quase impossível ao matemático, como matemático, sujar suas mãos”. Ai o Nilson Machado, por sua vez, falou o seguinte: “O pensamento matemático, por mais que tente libertar-se da experiência, constituir-se num sistema independente que progride em função de suas necessidades intrínsecas, parece trair-se a cada a revelar suas raízes no resíduo da experiência concreta”. E aí, que é que você acha, a matemática afinal é toda concreta, tem algo concreto e tem algo abstrata, o que é que tu acha?

Professor: Veja só. Quando você pegando aí, ..., eu acho as duas coisas. Eu consigo ver as duas coisas. Por mais que a gente, no desenho de um círculo, não seja um círculo, seja apenas uma representação dele, mas, ele ajuda a construir um conceito. Então você tá se apegando a uma ideia de um concreto, né, para poder compreender um conceito abstrato, certo. Então por mais distanciamento, muitas vezes o professor de uma álgebra ou análise ou uma geometria euclidiana plana, queira dar, mas ele tem todo um recorte a instrumentos, a representações, através de desenho ou um material, para que o aluno ele possa ter a compreensão daquele conceito. Eu acho que as coisas podem ser trabalhadas, tendo é claro esse cuidado de dizer, oh, aqui eu preciso largar aquilo que é concreto no sentido de palpável, né, e dar um salto mas, eu acho que a coisa passa por aí, eu acho a compreensão do conceito, ela passa, por você se apegar a algum elemento ao seu redor e esse elemento ao seu redor pode ser um desenho, pode ser um objeto ou uma situação que seja colocada.

Pesquisador: Você já deve ter ouvido falar muitas vezes. Eu já ouvi e já falei muito também a seguinte frase: “Queridos alunos, a matemática está presente em quase tudo que nos cerca. Para onde olhamos vemos matemática.” Você concorda com essa afirmação?

Professor: Em parte. Não é. Você tá relacionando ao, a estrutura que nos cerca, a sala de aula, a sala de aula, aos prédios da cidade, quando você olha vê aspectos geométricos sim. Mas, eu não posso dizer que, por exemplo, a emoção ao escutar um poema, né, ali tem uma representação matemática, né, ou a emoção que um pai sente ao ver um filho, depois de algum tempo ausente, com uma reconciliação, então acho que depende das situações. Então aço que no sentido de que no mundo qem que vivemos no seu crescimento, no seu desenvolvimento, nós conseguimos ver uma representação matemática, nesse sentido sim.

Pesquisador: Agora eu vou dar para você cinco classificações e vou listar alguns objetos para você classificar.

1ª classificação: objeto concreto manipulável

2ª classificação: objeto concreto mas, não manipulável

3ª classificação: objeto abstrato de fácil representação

4ª classificação: objeto abstrato de difícil representação

5ª classificação: objeto abstrato sem possibilidade de representação

Pesquisador: Um número natural

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Professor: (risada) Abstrato e de fácil representação

Pesquisador: Um número complexo

Professor: Abstrato e de difícil representação para os nossos alunos

Pesquisador: Para nossos alunos como assim? Eu acho que está falando de educação básica.

Professor: É. Porque eu vejo assim. É algo que parece não interessa-los muitas. Nesse sentido parece que é algo que tá distante.

Pesquisador: Um ponto. Um vértice.

Professor: Um ponto?

Pesquisador: Sim um ponto no sentido de vértice de uma figura.

Professor: Abstrato de fácil representação.

Pesquisador: E um par Ordenado?

Professor: Também

Pesquisador: Um plano

Professor: Abstrato e de fácil representação.

Pesquisador: Uma figura geométrica qualquer?

Professor: Abstrato e de fácil representação.

Pesquisador: Uma equação?

Professor: (risadas) Abstrato e de fácil representação.

Pesquisador: Um cilindro?

Professor: Abstrato e de fácil representação.

Pesquisador: Uma matriz?

Professor: Abstrato e de difícil representação.

Pesquisador: Uma medida? Um metro, por exemplo.

Professor: Algo concreto.

Pesquisador: Uma esfera

Professor: Abstrato

Pesquisador: E para terminar, um algarismo?

Professor: Abstrato.

Pesquisador: Representável ou não?

Professor: Representável. De fácil representação.