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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE ESTUDOS DA INFÂNCIA (DEDI) DISCIPLINA: INFÂNCIA E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL PROFª MÁRCIA MARIA E SILVA ABRIL/2013
A DESCOBERTA DA INFÂNCIA PHILIPPE ARIÈS
A DESCOBERTA DA INFÂNCIA
Até o sec. XII a arte medieval desconhecia a infância . Não tentava representá-la.
É provável que não houvesse infância. Não era provavelmente concebida.
Até o fim do séc. XIII não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido.
Essa recusa em aceitar na arte a morfologia infantil é encontrada na maioria das civilizações arcaicas.
O sentimento de infância corresponde a uma consciência da particularidade infantil, que distingue a criança do adulto ou jovem.
Assim que a criança tinha condições de viver sem a exigência de atenção direta da mãe, ingressava na sociedade dos adultos e não mais se distinguia deles.
O primeiro sentimento de infância – a paparicação – surgiu no meio familiar.
O segundo proveio de fonte exterior à família ( séc XVII). Viam nela frágeis criaturas de Deus que era preciso preservar e disciplinar.
Os historiadores da literatura (MGR Calvé) fizeram a mesma observação a propósito da epopeia, em que crianças-prodígio se conduziam com a bravura e a força física dos guerreiros adultos.
Os homens do séc X-XI não se detinham na imagem da infância. Não havia interesse nem realidade na imagem de infância.
Conclui-se que no domínio da vida real, a infância era um período de transição logo ultrapassado, uma lembrança logo perdida.
Por volta do sec. XIII-XIV surgiram alguns tipos de criança um pouco mais próximas do sentimento moderno.
Surgiu o anjo representado por um rapaz muito jovem, uma criança mais ou menos grande.
O segundo tipo de criança seria o modelo e o ancestral de todas as crianças pequenas da história da arte: o Menino Jesus, ou Nossa senhora, menina.
A infância se ligava ao mistério da maternidade da virgem e ao culto de Maria.
Um terceiro tipo de criança apareceu na fase gótica: a criança nua. O menino Jesus só apareceria nu no final da Idade Média.
Durante o sec. XIV e XV esses tipos medievais evoluiriam, mas não como no sec. XIII O anjo adolescente ainda se apresenta na pintura religiosa sem grande alteração. Mas houve ampliação e diversificação.
Aspectos graciosos, ternos e ingênuos da primeira infância começam a se apresentar: a criança buscando o seio da mãe; preparando-se para beijá-la; brincando com brinquedos tradicionais da infância, a criança comendo seu mingau...
Diferentes infâncias santas começaram a surgir com ou sem suas mães.
Essa iconografia (sec. XIV) coincidiu com um florescimento de histórias de crianças nas lendas e contos pios. Manteve-se até o séc. XVII também em outras artes, como tapeçaria e escultura.
Dessa iconografia religiosa finalmente destacou-se uma iconografia leiga entre o sec. XV e XVI. Não havia a representação da criança sozinha, aparecia sempre com sua família,seus companheiros de jogos( muitas vezes adultos), na multidão ( no colo de sua mãe, a criança na escola ( está inspirou a produção até o séc. XIX)...
Há duas ideias sugeridas nessas cenas: os pintores gostavam de representar as crianças com adultos por sua graça e por seu gosto pitoresco, anedótico, representando uma infância “engraçadinha”.
Há uma tendência a separar o mundo das crianças do mundo dos adultos. Há um anúncio do sentimento moderno da infância ( a paparicação, o tom engraçadinho, anedótico).
No séc. XV, o retrato e o putto (criança nua). Ela apareceu de início no túmulo de seus professores não no de seus pais. Ninguém pensava em representar o retrato de uma criança que tivesse sobrevivido e se tornado adulta ou que tivesse morrido pequena.
A infância era apenas uma fase sem importância, que não fazia sentido fixar na lembrança; não se considerava que a criança morta fosse digna de lembrança, ainda no século XVII. As pessoas não podiam se apegar muito ao que ainda era uma perda considera eventual.
Montaigne (pensador séc. XVI): Perdi dois ou três filhos pequenos, não sem tristeza, mas sem desespero.
Molière ( dramaturgo francês séc. XVII): A pequena não conta.
Não se pensava que a criança já contivesse uma personalidade de um homem. Elas morriam em grande número; a opinião comum não reconhecia “ nas crianças nem movimento na alma, nem forma reconhecível no corpo.
Não devemos nos surpreender com essa insensibilidade, pois era natural nas condições demográficas da época.
Devemos nos surpreender com a precocidade do sentimento da infância, enquanto as condições demográficas continuavam a ser desfavoráveis. Estatisticamente esse sentimento deveria aparecer mais tarde.
O gosto novo pelo retrato indicava que as crianças começavam a sair do anonimato em que sua pouca possibilidade de sobreviver as mantinha. Essa atitude mental não eliminava o sentimento contrário. Coexistiram até o séc. XVIII.
A ideia de desperdício desapareceu com o surgimento do malthusianismo (a doutrina de Thomas Robert Malthus (1766-1834), que fundamentalmente defendia a necessidade de impor um limite à reprodução do ser humano, pois o crescimento demográfico implicaria sempre falta de alimentos - http://www.infopedia.pt/$malthusianismo ).
Afora as efígies funerárias, os retratos de crianças isoladas de seus pais continuaram raros até o fim do séc. XVI.
No início do sec. XVII os retratos com crianças representadas sozinhas se tornaram numerosos. Passaria a ser modelo favorito: pequenos príncipes, filhos de grandes senhores, filhos de burgueses ricos, crianças da mesma família. Esse costume nunca mais desapareceu.
A consciência comum parece ter descoberto que a alma da criança também era imortal. Essa importância dada à personalidade da criança se ligava a uma cristianização mais profunda dos costumes.
Algumas famílias então fizeram questão de vacinar suas crianças.
Há que se notar a importância do séc. XVII na evolução dos temas da primeira infância. Foi no séc. XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns.
Foi também nesse séc. que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o centro da composição.
O séc. XVII deu a criança um lugar privilegiado com inúmeras cenas de infância de caráter convencional: a lição de leitura, a lição de música, os grupos de meninos e meninas lendo, desenhando, brincando...
A descoberta da infância começou, sem dúvida, no século XIII.