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1 A DESCIDA DOS IDEAIS Autor: Pietro Ubaldi Tradutor: Manuel Emygdio da Silva P R E F Á C I O Para compreender o significado do presente livro devemos vê-lo enquadrado no seio da Obra da qual faz parte. Esta é composta de 24 volumes, ligados sucessivamente um ao outro como anéis de uma cadeia. Cada um deles representa uma fase da construção, um por andar, de um edifício único que é a Obra. Tal estrutura não foi premeditada e se deve ao fato de que cada volume foi vivido pelo autor, e o desenvolvimento da sua série representa o espontâneo amadurecimento do seu pensamento e personalidade. Vejamos, pois, em que ponto da Obra, em relação aos outros, se encontra o presente escrito. O termo central dela é o livro: O Sistema, preparado pelo outro: Deus e Universo, sendo o leitor conduzido através desse último, e completado por A Grande Síntese que o precede, projetando uma visão mais próxima e acessível, isto é, o aspecto evolutivo do nosso universo. Colocadas assim as bases teóricas da doutrina, o volume O Sistema é desenvolvido mais detalhadamente por outro: Queda e Salvação. Chegados a este ponto, e havendo sido exposta toda a teoria, com os volumes que se seguem, entra-se na fase das suas conseqüências e aplicações; ele é agora transportada ao terreno prático da sua realização como controle de sua verdade. Entramos na fase de conclusão da Obra. Assim nasceu o volume: Princípios de Uma Nova Ética, que se refere a problemas de moral, psicanálise, personalidade humana etc. a ele se segue o presente volume: A Descida dos Ideais, que aborda ao invés, o problema religioso. Tema importante, dado que é através das religiões que se realiza na terra a descida dos ideais, tema que interessa à vida no seu ponto central: a evolução (a salvação com retorno a Deus). Estamos preparando o volume sucessivo a este: Um Destino Seguindo Cristo, no qual se avança sobre as conseqüências mais concretas e realísticas aplicações das

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A DESCIDA DOS IDEAIS

Autor: Pietro Ubaldi Tradutor: Manuel Emygdio da Silva

P R E F C I O

Para compreender o significado do presente livro devemos v-lo enquadrado no seio da Obra da qual faz parte. Esta composta de 24 volumes, ligados sucessivamente um ao outro como anis de uma cadeia. Cada um deles representa uma fase da construo, um por andar, de um edifcio nico que a Obra. Tal estrutura no foi premeditada e se deve ao fato de que cada volume foi vivido pelo autor, e o desenvolvimento da sua srie representa o espontneo amadurecimento do seu pensamento e personalidade.

Vejamos, pois, em que ponto da Obra, em relao aos outros, se encontra o presente escrito. O termo central dela o livro: O Sistema, preparado pelo outro: Deus e Universo, sendo o leitor conduzido atravs desse ltimo, e completado por A Grande Sntese que o precede, projetando uma viso mais prxima e acessvel, isto , o aspecto evolutivo do nosso universo. Colocadas assim as bases tericas da doutrina, o volume O Sistema desenvolvido mais detalhadamente por outro: Queda e Salvao.

Chegados a este ponto, e havendo sido exposta toda a teoria, com os volumes que se seguem, entra-se na fase das suas conseqncias e aplicaes; ele agora transportada ao terreno prtico da sua realizao como controle de sua verdade. Entramos na fase de concluso da Obra. Assim nasceu o volume: Princpios de Uma Nova tica, que se refere a problemas de moral, psicanlise, personalidade humana etc. a ele se segue o presente volume: A Descida dos Ideais, que aborda ao invs, o problema religioso. Tema importante, dado que atravs das religies que se realiza na terra a descida dos ideais, tema que interessa vida no seu ponto central: a evoluo (a salvao com retorno a Deus). Estamos preparando o volume sucessivo a este: Um Destino Seguindo Cristo, no qual se avana sobre as conseqncias mais concretas e realsticas aplicaes das

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teorias bsicas, sendo apresentadas em forma vivida por um indivduo que as aplica, transportando-as para a mesa das experincias e provas da realidade cotidiana, em contato com os fatos, tal como se verificam em nosso mundo. A viso global das verdades universais observada de novo em particular, transferida para outro nvel e dimenso, em funo de outros pontos de referencia situados em nosso plano de evoluo. Assim esta atual zona de pensamento torna-se complementar da anterior, porque aquela teoria longnqua da realidade de nosso mundo, enquanto que esta, pelo contrrio, prope-se, ao submet-la a controle experimental, de demonstrar-lhe a verdade. Com Um Destino Seguindo Cristo a segunda Obra vai chegando ao fim.

Os outros volumes, surgidos ao longo do caminho, representam ramificaes dos conceitos fundamentais, exposies colaterais exemplificativas e complementares, para melhor iluminar, demorando-se em problemas secundrios. Trata-se de digresses sadas do tema central que, no entanto, o comprovam e o aprofundam, porque ele o ponto de referencia de toda a Obra. O quadro completa-se no s em sentido universal, como tambm particular, composto de tantos elementos quantos so os vrios volumes, ligados ao longo da linha de desenvolvimento de um processo lgico nico, exposto por continuidade. S agora, que estamos no final e com um olhar retrospectivo abarcamos todo o caminho percorrido, pode aparecer de maneira evidente, sendo possvel formar uma viso de conjunto, a unidade fundamental de toda a Obra.

Os volumes finais dos quais o presente faz parte, so importantes no s porque derivam de um sistema conceptual orgnico, mas tambm porque, em de vez de se apoiarem numa doutrina particular, se apiam sobres bases positivas e universais, como o so as leis que regem a vida e representam o pensamento de Deus, tal como se manifesta em ao em nosso plano de evoluo. Estas leis existem e, para funcionarem, como de fato sucede, no necessitam de modo algum, de nossas opinies. Elas caminham independentemente das verdades sustentadas por qualquer grupo humano, seja partido ou religio, e vemos que continuam funcionando indiferentes ao fato de as negarmos ou ignorarmos. Elas abraam a vida integralmente, inclusive a vida espiritual monopolizada pelas religies. O ponto de referencia portanto slido e est a

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visvel, atual, objetivamente controlvel, sem necessidade de mistrios, de revelaes, de f, de reconstrues histricas, de fatos longnquos. um pensamento sempre presente, que sabe falar e fazer-se entender nos fatos, castigando-nos com as suas reaes vivas e a sua lgica inflexvel.

S com tal viso realista que abarca todos os aspectos da vida, incluindo os espirituais, se podem convencer as novas geraes. Com esta finalidade de bem, a usamos e oferecemos, para salvao dos valores espirituais, apresentando-a numa forma positiva, tal como hoje se exige para que uma idia possa ser aceita. Novas correntes de pensamentos esto agora amadurecendo rapidamente. O Catolicismo, obrigado a mover-se para no ficar atrs, abandonado, est chegando em ltimo lugar, ofegante, e apressa-se em atualizar-se. Lana Conclios, neles vota a favor do princpio da liberdade de conscincia, procura um dilogo com as outras Igrejas crists, abre os braos aos irmos separados, mas para que eles faam o esforo maior de aproximao em seu favor. Em resumo, agita-se para salvar a sua posio de domnio.

Por outro lado, o autor, a quem no interessa esta luta de grupo para defesa prpria, v-se constrangido a resolver seus graves problemas, que so de outra natureza e trata de solucion-los por si mesmo. Ele comea a pensar e no se adapta mais a representar o papel da tradicional ovelha do rebanho, s pelo fato de ser um fiel, obrigado obedincia da autoridade; assim no se detm em inteis dissenses tericas, dispondo-se pelo contrrio, a enfrentar e resolver por sua conta os seus prprios problemas. Pode achar inoportuno que uma religio, que ele v que no competente na matria, como o a cincia, deva imiscuir-se, sem ser consultada, nos seus assuntos. Ele pensa: sobre que bases positivas apoia-se o direito com que eles se arrogam de invadir a sua conscincia, de entrar num terreno que dele, onde, portanto, ilcita qualquer intromisso de estranhos? Para falar com Deus no se necessita de intrpretes e tradutores. Isto violao de domiclio espiritual. O indivduo consciente rebela-se a esta falta de respeito ao seu direito de pensar segundo a sua conscincia e conhecimento, tanto mais que semelhante invaso autoritria se faz em nome de Deus.

Por tudo isto nestes livros oferecemos o conhecimento para que o indivduo pense e compreenda por si

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mesmo, e forme uma conscincia prpria para sua vantagem e no a servio dos interesses de um grupo. Sem nenhuma imposio nem obrigao de crer, ele aceitar livremente, apenas se quiser, porque compreendeu e est convencido. No pedimos f, nem apresentamos mistrios, nem sequer um alto nvel teolgico. Explicamos tudo claramente para que cada um veja e julgue por si prprio. O jogo medieval da obedincia baseada no princpio da autoridade, no impressiona mais. Hoje, adeso no se chega por sugesto ou obrigao, mas por demonstrao e convico. Perante a no solicitada intromisso de terceiros na sua conscincia, o indivduo, por direito de legtima defesa, protege-se, como em pleno direito protege a sua casa e haveres contra qualquer invasor, at mesmo com maior direito porque a casa do esprito vale muito mais. Deve-se respeitar a propriedade individual e no h razes histricas ou teolgicas que possam autorizar a viol-la. E no entanto, estas violaes por parte de quem possua a autoridade, foram realizadas at ontem. Depois ela se atualiza e tudo fica como se nada tivesse sucedido, porque a autoridade, uma vez reconhecida, porque a mais forte, pode fazer e desfazer a sua verdade como melhor lhe convm. Isto pode suceder na mente humana, no porm nas leis da vida, em virtude das quais cada erro no se apaga gratuitamente, mas ao contrrio, tem de suportar as suas conseqncias.

O presente volume, por tratar de problemas religiosos, de atualidade. Com ele a Obra, depois de longo caminho, chega s suas concluses tambm neste terreno. Isto no momento em que o mundo se encontra perante problemas graves que exigem urgentemente soluo, e por isso se ps a pensar e tem necessidade de conhecimento. Encontramo-nos todos numa gravssima hora histrica de grandes decises e transformaes. J no serve o velho e cmodo mtodo de esperar que a autoridade espiritual decida para descarregar sobre ela as responsabilidades que nos pertencem. O indivduo deve cham-las a si, colocando-se de olhos abertos e nimo sincero com os seus problemas, perante as honestas e sbias leis da vida. Nestes livros procuramos ilumin-los imparcialmente para que ele encontre, por si prprio, o seu caminho. mas deve ser ele a pensar, a compreender, a decidir. No buscamos obedincia, seno compreenso. Queremos ajudar, mas a vida exige que tudo seja ganho com o prprio esforo. Ela hoje chegou a uma curva do seu caminho, depois do qual ser diferente e por isso exige

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mtodos diversos. para este novo trabalho que nestes livros procuramos preparar o leitor para enfrentar o futuro. Por isto aqui falamos de ideais e sua descida e o fazemos em forma positiva, porque agora trata-se de realiz-los a srio, passando das palavras aos fatos. Os ideais esto precisamente colocados neste futuro prximo, que se aproxima a grandes passos, e eles so a realidade insuprimvel, porque suprimi-los significa estancar o desenvolvimento da humanidade.

Neste futuro prximo, a cincia prepara-se para demonstrar positivamente que o homem tambm esprito e que, como tal, ele sobrevive a morte; voltando depois a ter experincias no plano de nossa vida fsica, at percorrer todo o caminho evolutivo, afastando cada vez mais em ascenso, que se realiza com o retorno a Deus. Por este caminho se chegar a uma religio cientfica que eliminar tanto o materialismo ateu como as religies fidesticas. A cincia dominar positivamente o terreno que hoje ainda se encontra nebuloso, nas mos das religies. Em vez de lutarem, para eliminar-se, a cincia e f se completaro inteligentemente e de forma recproca. Teremos assim uma religio cientfica e uma cincia religiosa. A natureza universal da cincia positiva eliminar o esprito exclusivista que separa as religies atuais, para fazer delas, em vez de diversos aspectos de verdades em luta, uma s verdade universal.

No pelas vias tentadas do atual ecumenismo catlico que se chegar unificao do pensamento religioso mundial. Este ecumenismo tende a uma unificao muito mais restrita, entre parentes da mesma famlia religiosa. Ele pode, em substncia, reduzir-se a um chamado casa paterna no sentido da absoro de ortodoxos e protestantes no catolicismo, para que se submetam a Roma. Por outro lado a anttese plurissecular Reforma-Contra-reforma, prova que no seio da Cristandade, seja catlica ou protestante, prevaleceu o princpio involudo da rivalidade e luta, e no o espiritualmente superior do amor. Estamos, pois, situados no plo oposto daquela unificao qual o Amor Cristo devia estar. Eis que grande unidade de pensamento religioso no se poder chegar seno pelas vias da cincia. E espiritualmente isto representa uma grande vantagem, porque uma cincia sincera e honesta, esclarecendo as posies, reforar o verdadeiro esprito de religiosidade, que nas religies empricas atuais est desaparecendo. A religio cientfica, porque demonstrada como verdadeira, no pode permanecer no estado

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de hipocrisia, impossibilitando ser tomada a srio. Esta ser a religio do Terceiro milnio, feita no de autoridade e palavras, mas de livre convico e de fatos. No ser proselitista, sectria, fidesta, dogmtica, exclusivista, mas positiva, racional, demonstrada, convicta, universal. Nossa Obra ser compreendida quando o homem chegar a este mais avanado grau de evoluo.

A isto se chegar no s pela ao positiva e construtiva das foras do Sistema, mas tambm pela ao negativa e destrutiva das foras do Anti-Sistema, ambas ativas em nosso mundo. Do lado oposto ao de agora observado, vemos dois fatos convergentes que tendem a levar a uma guerra atmica. De um lado o velho egosmo, o esprito de domnio e o instinto de violncia, no obstante as religies, ficaram intactos no homem ainda fechado na lei da luta, qualidade involuda do plano animal situado no lado do Anti-Sistema. Do outro lado, com semelhante natureza, o homem chegou de improviso a ter em seu poder meios de destruio que, se antes eram limitados e portanto no podiam produzir seno efeitos limitados, hoje, sendo poderosssimos instrumentos de extermnio, podem chegar ao aniquilamento da humanidade. O homem no se encontra absolutamente preparado para saber usar com sabedoria semelhante poder novo, no tendo a sua forma mental progredido com a mesma rapidez e na medida daqueles poderes, antes ficando igual do primitivo e em grande parte dirigida por velhos instintos. Em tais condies, muito duvidoso que ele saiba fazer bom uso de tais meios. As duas condies, de fato, esto conectadas: imensos poderes e instintos atrasados. As divergncias entre os povos no sabem resolver-se seno com a fora, base de todo o direito. As religies aceitam este estado de fato. Para quem ainda no se armou, no resta seno esperar a sorte dos vencidos. assim que a posse da bomba atmica se tornou uma necessidade defensiva para todos. Hoje a guerra transferiu-se para esta nova dimenso. Assistimos uma corrida universal de produo dessas bombas, de maneira que o mundo se enche cada vez mais delas. Assim, cada dia aumenta a probabilidade de que se inicie uma exploso em cadeia, impossvel de ser detida, o que significa uma carreira para a morte.

A Obra surge neste momento histrico para explicar como funciona tudo isso, e assim levar compreenso e sabedoria. mais fcil no consider-la. Mas no se pode

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impedir que os fatos continuem a verificar-se segundo nossa tica, conduzindo-nos s mencionadas concluses. De resto, segundo as leis da vida, o involudo tarda em compreender e no sabe aprender a evoluir seno atravs da dor. A vida o sabe e assim o trata. Com semelhante bitipo no se pode chegar compreenso por outro caminho. a tal resultado conduziro dois fatos: 1) a evoluo que impulsiona o homem para a frente, amadurecendo sua mente; 2) a dor que o castiga, obrigando-o a pensar. em tal momento histrico e sobre semelhante quadro de acontecimentos apocalpticos que aparece a Obra da qual o presente volume faz parte.

S. Vicente Natal de 1965. I

A DESCIDA DOS IDEAIS ESTRUTURA DO FENMENO

Observaremos neste volume, sob vrios de

seus aspectos, um fato fundamental da tcnica de realizao da evoluo, isto , o fenmeno da descida dos ideais. Que significa isto, porm? Descida de onde? Costuma-se dizer do alto. Mas, que o alto? O alto o Sistema, que na ciso do dualismo representa o lado positivo, Deus, em oposio ao lado negativo, dado pelo Anti-Sistema, posio antagnica de anti-Deus. Para abreviar, indicaremos com a letra S o Sistema, e com AS o Anti-Sistema. O fenmeno central de nosso universo a evoluo, que representa o trabalho de reconstruo do Sistema, a partir das sua runas, que constituem o AS. Segue-se em conseqncia que, ento, a evoluo contm diversos graus de aproximao ao S. O homem ocupa um desses graus; o animal, um mais atrasado; o super-homem, um mais adiantado.

O alto significa portanto um grau mais evoludo, em comparao com um menos evoludo, que em relao ao primeiro pode-se definir de involudo. Descida dos ideais do alto significa transferir a lei de um nvel biolgico mais avanado a um menos avanado; significa, para quem vive neste nvel, uma antecipao da evoluo, porque a influncia do ideal permite realizar a passagem para aquele mais alto nvel biolgico.

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Ao conceito de descida dos ideais podemos dar uma base positiva, aderente realidade da vida, e aos efeitos daquele fenmeno, se poder dar depois um sentido espiritual, no s de evoluo biolgica positiva, mas tambm de ascese ideal de almas em direo ao cu. Usam-se neste caso outras palavras e imagens. Mas podemos saber-lhes o significado num positivo ponto de vista biolgico.

Uma tal colocao do problema d-nos a chave para compreender a estrutura e o desenvolvimento do fenmeno desta descida. Se de um lado temos o alto, que significa nveis de evoluo mais avanados, de outro temos o nosso mundo que representa os mais atrasados. O fenmeno da descida dos ideais dado pela conjuno destes dois termos, que se aproximam um do outro tomando corpo, o do lado S, no bitipo evoludo, e o do lado AS, no bitipo involudo. Na realidade trata-se de duas idias ou princpios distintos que, incorporando-se nestes dois bitipos opostos, entram em contato, atravs das aes e reaes de cada um deles, com a finalidade de realizar o fenmeno da evoluo. Nesta descida est empenhada a Lei de Deus que o dirige, como esto tambm os destinos do ser que trabalha apoiado naquela Lei que quer lev-lo a salvao.

Para compreender o fenmeno da descida necessrio, antes de tudo, compreender como funciona a lei biolgica terrestre no nvel humano e com que tcnicas evoluem as suas formas. A existncia no plano animal-humano baseia-se na lei da luta pela vida. No entanto no uma lei universal e definitiva, mas relativa a este plano, por isso destinada a desaparecer com a evoluo. Como pode isto suceder?

Eis o que se apresenta na realidade. O ser quer viver e por isso luta. Mas por que motivo, para viver, necessrio lutar? Porque o ambiente hostil, a vida, com o fim de assegurar-se a continuidade, cria com superabundncia, para depois selecionar os melhores, abandonando os outros morte. Assim, para cada espcie se encontra oportunidade e a favorece um ambiente adequado, potencialmente capaz de ocupar todo o planeta. Mas eis ento que, alm da adversidade dos elementos, surge a competio entre indivduos e raas, justamente, como conseqncia daquela superabundncia no gerar. Ora, quanto mais faltar a cada um o espao vital e os meios para sobreviver, tanto mais se torna feroz a luta sua conquista. assim que a

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luta se torna inevitvel e assume uma forma tanto mais feroz quanto mais primitivo o ser, porque quanto mais ele primitivo, tanto mais lhe hostil o ambiente que ele ainda no transformou para adapt-lo s suas necessidades. E quanto mais hostil o ambiente, tanto mais dura e violenta, feroz e desapiedada, a luta para sobreviver. Alm disso, corresponde aos princpios que regem a estrutura de nosso universo o fato de que a vida seja tanto mais carregada de dificuldades e dores, quanto mais involuda, isto , longe do S e prxima do AS. com a transformao do ambiente e conseqente melhor satisfao das prprias necessidades, diminui a necessidade de lutar, isto , a violncia e a ferocidade necessrias para sobreviver. Com o diminuir das resistncias hostis vida do homem, pode diminuir para ele, sem perigo, a soma de energia que ele deve consumir na luta. assim que o sistema de violncia tende pouco a pouco a ser eliminado.

Mas a luta com isso cessa por completo? No. A luta, para transformar o AS em S, no pode cessar seno no ponto final da evoluo, quer dizer, ao alcanar o S, com a anulao do AS. A luta nasceu da ciso no dualismo e no pode desaparecer at que esta ciso seja sanada e o dualismo reabsorvido na reunificao de tudo no S, com o retorno de tudo a Deus.

A luta no cessa, transforma-se. Quando a humanidade comea a reunir-se em grupos sempre mais vastos, a organizar-se em sociedade, a ajuda recproca no comum interesse da defesa torna menos dura a luta contra o ambiente, tendendo, portanto, a fazer desaparecer, como menos urgente, o sistema da fora e da violncia, que to profundas feridas deixa em quem lhes sofre os efeitos. Nesse momento comea, com a disciplina das leis, um processo de ordenao da vida e de cerco daquele sistema, o qual, se pode momentaneamente beneficiar a quem o pratica, constante ameaa para aqueles contra quem praticado. Que pode fazer ento o indivduo que desta maneira se encontra a lutar sempre menos contra um ambiente j dominado, sobretudo, pelos seus semelhantes que o cercam e o oprimem para torn-lo incuo, procurando guarnec-lo e prejudic-lo.

A luta se torna mais sutil, processa-se de forma legal e moral, tornada astcia, fraude, engano, dissimulao. Esta a fase atual na qual a violncia, pelo menos dentro dos limites de um pas, condenada como delinqncia,

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ainda que, se tiver lugar fora dele durante a guerra, considerada um ato honorfico e de valor. Se no entanto hoje a violncia condenada, a astcia e o engano esto em plena vigncia, como mtodo de luta pela vida. Com este mtodo, perante as leis, no se procura obedecer mas evadir-se, e perante o prximo, no se procura colaborar, mas explorar. Todavia ser agredido e roubado legalmente representa j um certo progresso em comparao com o ser assassinado na estrada. A prpria tcnica do delito est assim submetida evoluo e hoje podemos observar que com isso se evita sempre mais a violncia e o derramamento de sangue, que agravam a pena legal, e com artes mais sutis se procura a posse do que mais til, isto , o saque.

Vejamos agora aonde nos levar este processo de evoluo da luta. A razo fundamental dela sempre a mesma, a de sobreviver, com menos esforo possvel. A vida est pronta a aceitar tudo o que leva a este fim, isto , o mximo rendimento em termos de bem-estar, com o mnimo dano prprio. Ora, o sistema astcia-engano contm ainda um mal, se bem que menor do que o da violncia: o prejuzo para os vencidos, os escravizados e os esmagados. A violncia mata a vtima. A astcia a deixa viva, mas arruinada. As feridas permanecem impressas no subconsciente e no se esquecem. Os vencidos, como antigamente, se queriam sobreviver, eram obrigados a fortalecer-se cada vez mais; agora, pela mesma razo, so obrigados a tornar-se cada vez mais astutos e inteligentes. Eis que tambm aqui, ainda uma vez o mal automaticamente levado sua auto-destruio.

Manifesta-se assim uma tendncia a cercar e circunscrever gradualmente o sistema da astcia, por duas razes: 1o) porque o homem se dar conta de quanto custoso, como dispndio de energia, o conseqente mtodo de desconfiana que impe um controle contnuo, e de quo contraproducente tal mtodo pelos atritos que produz e os danos que provoca no vencido, o que representa um material negativo que fica circulando na atmosfera que todos respiram e que no podem acabar seno caindo em cima de algum; 2o) porque existindo a probabilidade de que todos sofram estas duras conseqncias, se compreender que ameaa contnua e que falta de segurana tal mtodo representa, e quo mais vantajoso para todos, seguir pelo contrrio, o mtodo da sinceridade e colaborao.

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por este caminho que por fim o sistema de luta acabar por ser superado. Esta transformao corresponde a um processo de saneamento do separativismo, fruto da queda, alcanando a unificao, fruto da reconstruo evolutiva. Neste processo os elementos separados tendem sempre mais a reunir-se at se fundirem, reconstruindo o seu estado orgnico. Temos, pois, trs fases, nas quais o homem se encontra nestas possveis posies:

1o) Homem isolado, em luta contra a natureza. Mtodo da fora e violncia.

2o) Homem que se reagrupa em sociedade, deve portanto lutar menos contra a natureza, mas rival dos outros componentes do grupo. Desuso do mtodo fora-violncia e a sua substituio pelo da astcia-fraude.

3o) Homem que vive no estado orgnico de coletividade. Havendo com o mtodo precedente desenvolvido a inteligncia, acabou por compreender quanto contraproducente o sistema astcia-fraude e como vantajoso super-lo. Ento, para alcanar com menor esforo maior bem-estar, adota o mtodo da sinceridade-colaborao.

O problema o de desenvolver a inteligncia para chegar a compreender qual o mtodo de maior vantagem. Mas precisamente para alcanar este objetivo que o erro produz sofrimento, a ignorncia significa dano, at que, com uma conduta reta, se aprenda a elimin-lo. Vive-se e sofre-se precisamente para aprender.

A humanidade atual encontra-se na segunda das trs referidas posies. Assim se explica como na terra, hoje, os ideais, incluindo os representados pelas religies, tendem a manifestar-se em forma de hipocrisia e assim existe a indstria da explorao do sentimento religioso.

Este desenvolvimento em trs graus pode parecer tambm destruio de egosmo a favor do altrusmo, mas em realidade trata-se de uma sua dilatao e ampliao, e no destruio. A vida, sempre utilitria, no permite desperdcios inteis para os seus fins; assim no admite altrusmos somente negativos, totalmente improdutivos. Ela no passa, portanto, do egosmo a um altrusmo como fim em si mesmo, mas apenas quando isso representa uma vantagem. por essa razo que ela supera o mtodo da luta entre egosmos rivais e o substitui pelo mtodo mais produtivo da solidariedade humana. A vida alcana

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o altrusmo, no atravs de sacrifcios contraproducentes, porque so renncia antivital, mas atravs de um egosmo vital porque utilitrio, sempre mais vasto. Ento o altrusmo no mais um automutilar-se em favor do egosmo dos outros, mas torna-se um ver-se a si mesmo refletido nos outros e incluindo-os no seu prprio egosmo. Assim se forma o primeiro ncleo destinado a dilatar-se sempre mais. Comea com um pequeno egosmo do casal, do qual nasce depois o do grupo familiar, de onde se chega depois a grupos sempre mais vastos: a aldeia, a casta, o partido, a nao e por fim a humanidade. Trata-se de um progressivo processo de unificao segundo o princpio das unidades coletivas. Fora do grupo, isto , do recinto da confraternizao, existe a guerra, mas dentro h liames de interesses comuns, e no prover tambm a sobrevivncia dos outros atraioar-se a si mesmo. Quanto mais o grupo de que se faz parte aumenta, tanto mais o egosmo se dilata e a guerra afastada para mais longe, para limites cada vez mais distantes. Quando esta aliana de egosmos se tornar universal, no haver mais lugar para a guerra. Ter desaparecido aquilo que chamamos de egosmo, isto , aquele egosmo restrito a um s indivduo, porque ele se haver estendido tanto at abraar todos num egosmo universal, que ento chamamos altrusmo. Hoje, o multiplicar-se dos contatos, devido aos novos meios de comunicao, comea a encaminhar a humanidade para ampliaes altrustas cada vez maiores do velho egosmo.

Segundo as trs mencionadas fases de evoluo, verifica-se igualmente um outro fato: sucede que os meios fraudulentos substituem os violentos e depois os mtodos colaboracionistas substituem os fraudulentos. Agora a humanidade se encaminha para entrar nesta terceira fase. Assim se transformar tambm para o homem a lei da luta pela vida. Trata-se, de resto, de uma fase j alcanada, se bem que em forma mais simples e limitada, por exemplo, pelas abelhas e pelas formigas, o que prova que a vida j conhece tais mtodos. A cada passo em frente no caminho da evoluo, diminui primeiro a violncia em favor da fraude, mal menor que substitui o maior, a fraude, por sua vez, diminui em favor da sinceridade e colaborao. Com isto se explica tambm porque, em nosso mundo, existe a mentira, portadora de uma funo biolgica, e como a evoluo levar sua futura eliminao.

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Ser uma grande conquista e um alvio para todos libertar-se do peso da hipocrisia, da fadiga de pratic-la e de suport-la. Com o desenvolvimento da inteligncia a humanidade chegar tambm a isto, como acontecer em relao guerra. As religies e a moral representam a descida dos ideais e trabalham neste sentido, para libertar a humanidade dos mtodos fraudulentos da luta pela vida, substituindo-os por um sentimento de solidariedade social, de ajuda recproca num estado de colaborao e convivncia pacfica. O que impede de se chegar a viver numa posio para todos mais vantajosa, somente a ignorncia. E no h outro mtodo para elimin-la, seno sofrer as duras conseqncias do estado atual. Sofrer at ser obrigado a procurar melhor aquela posio e, com a experincia adquirida encontr-la mais facilmente. Depois, para permanecer a, com o desenvolvimento da inteligncia, compreender que isso o melhor. Trata-se de conquistar novas qualidades, porque no adianta sobrepor novos sistemas econmicos, sociais, polticos a indivduo imaturos. Desenvolvendo o esprito de associao, trata-se de eliminar o atvico antagonismo individual, de modo que as foras dos indivduos isolados no se eliminem, destruindo-se numa luta recproca, mas ao contrrio, se possam somar num estado de cooperao. Assim se obtm um rendimento imensamente maior e muito fcil resolver o problema da sobrevivncia, biologicamente fundamental.

Na terceira das trs referidas fases, a orgnica, a atividade que se substitui luta de tipo 1 e 2, o trabalho. O ambiente onde vive foi gradualmente domesticado com a civilizao, com as leis e a educao. A violncia se eliminou da vida social, tendo-se compreendido por fim, como contraproducente agitar-se tanto para enganar-se reciprocamente. Pode-se ento alcanar a terceira fase, num ambiente no mais hostil, entre companheiros no mais rivais, no h necessidade de usar o mtodo da luta, que inicialmente era necessrio para sobreviver, porque agora, trabalhando todos juntos, o problema da sobrevivncia est resolvido. Mas adiante observaremos que outros problemas possam depois surgir, quando se supere tambm esta fase. Veremos quais perigos oferece um bem estar assegurado, para um bitipo a isso ainda no habituado, provido da velha forma mental proporcionada aos mtodos de vida precedente. Neste capitulo basta haver

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constatado a necessidade biolgica pela qual a evoluo deve levar realizao do princpio de solidariedade social, baseado sobre o fato positivo, da utilidade de associar-se para melhor vencer na luta pela sobrevivncia. assim que se passa da fase de antagonismos entre egosmos rivais, da colaborao. Nesta nova posio, o indivduo se sentir muito mais protegido e com mais potencialidade, porque se encontrar no mais isolado dentro de uma natureza hostil e entre companheiros inimigos, mas como elemento funcionando dentro de um grande organismo.

A utilidade de associar-se para vencer na luta pela vida um fato positivo. J que utilitria, inevitvel que ela evolua nesta direo. Por isso, fatal que se acabe passando ao sistema orgnico de cooperao, em substituio ao atual de guerras econmicas, luta entre classes sociais, guerras armadas para a destruio universal. Mas como poder, na prtica, surgir uma substituio to radical de mtodo? O da fora, como o da astcia, mesmo que o segundo seja mais refinado que o primeiro, so sempre dois sistemas baseados, num egosmo, fechado em si mesmo, e na conseqente desonestidade para com o prximo. Ora, abrir este egosmo em direo ao prximo, com a conseqente honestidade para com ele, constitui uma profunda transformao de tipo biolgico, um salto evolutivo para um nvel superior, um amadurecimento que leva a um modo de conceber a vida totalmente diverso, o que no fcil realizar. De que meios dispe a natureza e que mtodos ela usa para alcanar o objetivo?

O processo j est em ao, o que podemos observar. Para eliminar o atual regime de rivalidade no h outro meio seno a reao das vtimas, as quais devero impor com a persuaso dos meios coercivos, o sistema da honestidade, de modo que quem pratica o regime da rivalidade fique ferido, nico processo para compreender que no salutar repetir o erro. Quando os dbeis e os ingnuos no se deixarem mais enganar, tendo a indstria da mentira deixado de dar fruto, no haver mais razo para que ela continue sendo praticada, e ento ela ser abandonada como se faz com todas as coisas que j no do proveito. Mas, para que isso seja assimilado como qualidades do indivduo, necessrio que, por longa repetio, os desonestos constatem pela sua experincia, os resultados danosos do seu mtodo para eles prprios, adaptando-se, ento,

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a outro mtodo que no produz aqueles resultados, e muito ao contrrio, oferece vantagens anteriormente desconhecidas, tornando-se por fim, deste modo, vantajoso para todos. Trata-se de vencer todas as resistncias da ignorncia que faz acreditar no contrrio, trata-se de mudar de forma mental, passando para uma nova, o que representa uma verdadeira criao biolgica. Para fixar-se na raa, tudo isso deve entrar nos hbitos sociais atravs de um esforo tenaz de imposio, um impulso constante nesta direo.

O Evangelho entendido apenas no seu aspecto negativo, de sacrifcio, santifica o indivduo que o pratica, mas encoraja os desonestos com o seu mtodo de explorao. Enquanto os prejudicados no reagirem, a sua pacincia funcionar como fabrica de vtimas. Se os crucificadores de Cristo tivessem recebido uma lio imediata, no teriam ficado encorajados pelo seu fcil sucesso, que lhes ensinou uma verdade totalmente diferente, isto , que no o amor, mas a fora e o engano que so premiados. Estamos na terra e no nos cus, e aqui a realidade biolgica ensina-nos que o ideal, para enxertar-se na vida, deve seguir as suas leis neste seu nvel. Em relao terra, a crucificao de Cristo pode ter tido a funo de um escndalo, mostrando ao mundo, durante milnios a vergonha da humanidade, para que compreenda a m ao e deixe de repetir semelhantes crimes. O que representa aquela crucificao perante o cu? Ao mundo no lhe interessa sab-lo. Hoje se culpa os judeus por deicdio, como se pudesse matar Deus. Se isto fosse certo eles seriam os seres mais poderosos do universo. No entanto aquele delito no foi apenas de um povo, mas de toda a humanidade, que o repetiu at hoje, perseguindo inocentes, inclusive em nome de Deus. Segue-se que esse escndalo to grande no deu resultados positivos.

As resistncias das coisas velhas so imensas. E enquanto o egosmo das vitimas, seguindo as leis do plano humano, no conseguiu organizar-se para impor ao egosmo dos que provocam os danos e obrig-los a respeitar os direitos de todos, haver sempre lugar para os desonestos, para sua vantagem e prejuzo dos demais, e jamais se passar fase de acordo e equilbrio em que se supere esse sistema. Este fato justifica e torna necessria a presena das leis e as respectivas sanes punitivas para estabelecer uma ordem na sociedade. Mas justifica, tambm, a rebelio quando essas leis no

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respondem justia, esto feitas por um grupo dominante a seu favor: revoltar-se para estabelecer uma ordem que d vantagem cada vez menos a uma parte e seja mais universal, que defenda os interesses de um nmero sempre maior de pessoas, at chegar a abranger a todos. Ento se ter realizado o salto biolgico e se viver num regime de altrusmo, justia, honestidade. Permanece ento, de p o princpio fundamental de que a vida no d nada gratuitamente e oferece apenas aquilo que ganhamos com nosso esforo. O ser quis realizar a descida do S para o AS e agora so suas as conseqncias. Para executar a subida do AS para o S, cabe-nos o trabalho de conquistar e construir. Cristo apenas nos mostrou o caminho, colocando-se frente com o exemplo. Compete-nos percorr-lo com os nossos ps. Isto significa que o ideal nos oferecido do cu como uma proposta de trabalho. Cabe pois ao homem traduz-lo em realidade, vencendo todas as resistncias que se oponham reconstruo. Agora que examinamos as bases positivas do fenmeno da descida dos ideais, podemos melhor compreend-lo e ver porque eles descem ao ambiente humano, cuja lei fundamental a luta pela vida; e poderemos compreender por que, no obstante tanta diversidade, eles procuram enxertar-se num ambiente que a sua absoluta negao. Isto se explica, porm, com a lei da evoluo. Aquele que no caminho da ascenso est em posio mais adiantada submetido a um processo que para ele retrocesso involutivo, a fim de que seja possvel realizar aquilo que para o mundo, que em relao a ele est em posio atrasada, constitui um avano evolutivo. Dizemos ele porque os ideais tomam corpo (dado que tudo na terra adquire uma forma), numa pessoa viva que os afirma e os lana, e em seguida nas instituies que os representam e os transmitem. Precisamente assim se organizam as religies, que so o canal mais importante da descida dos ideais terra. Como se realiza ento o fenmeno, que sucede quando a realidade, verdadeira do cu, pretende enxertar-se naquela to diferente realidade biolgica, verdadeira em nosso mundo?

Na terra, de fato, est o homem sujeito a leis bem diferentes, que nada tem de ideal, que o obrigam a ocupar-se em primeiro lugar do problema da sobrevivncia. natural portanto que para este objetivo ele procure utilizar-se do que encontra, inclusive os ideais, os quais, pelo contrrio, querem

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utiliz-lo para os seus fins, que so totalmente diferentes. Aos ideais interessa a salvao da alma, a grandeza do esprito, mesmo que seja com o sacrifcio da vida terrena; ao homem interessa sobretudo aquela vida, porque concreta e presente, e s quando se trata de deix-la que se interessa pela outra. As duas posies esto invertidas, uma em relao outra. natural, ento, que cada um dos dois princpios para no se perder nesse antagonismo, deve buscar o interesse mtuo. assim que quando uma religio dita normas de vida para transformar o homem, este procure transform-las num meio para satisfazer as suas necessidades de vencer na sua luta pela vida. Deste modo ele adapta a religio s suas prprias comodidades, de maneira que lhe sirva e, se no lhe serve, no a aceita. Se a memria de Cristo chegou at ns, isto se deve em grande parte concesso do imperador Constantino, que permitiu o poder temporal dos papas, pelo que o sacerdcio se tornou hierarquia, administrao de bens, atividade poltica, e carreira. Mas para que se continuasse a falar de Cristo no havia outro meio seno transform-lo em algo deste mundo. Mal necessrio, tanto mais grave quanto mais primitiva a humanidade, mas que com o tempo vai desaparecendo, porque tarefa da evoluo elimin-lo. inevitvel portanto que, para que a aceitao de um ideal seja possvel na Terra, ele deva baixar ao nvel daquele que vai aceit-lo, que o dono do ambiente terrestre onde o fenmeno deve realizar-se. Isto deve acontecer para que ele no fique excludo da vida.

Os seres nos quais tomam forma os dois princpios opostos so por um lado o bitipo do gnio, do santo, do profeta, do super-homem, isto , o evoludo e por outro lado o bitipo normal animal-humano. O primeiro o motor da evoluo, o elemento ativo; o segundo o elemento passivo, que se deixa arrastar pelo primeiro. Um ideal demora milnios para ser assimilado. Quando j cumpriu a sua funo, porque o ideal foi todo utilizado num sentido evolutivo, ento aparece outro mais adiantado, de maneira que a humanidade possa continuar progredindo. No fundo trata-se de uma troca, em que cada um dos dois termos d e em compensao pede alguma coisa: o ideal oferece-se pedindo ao homem o esforo necessrio para progredir, e o homem, trata de ganhar o mais que pode com a menor fadiga possvel, mesmo materialmente, utilizando apenas o ideal na Terra para esta finalidade. assim que surgem os seus

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representantes, os ministros de Deus, a casta sacerdotal, que, pelo fato de cumprir um servio, estabelece a indstria da religio, que a base terrena indispensvel para que o ideal possa tomar forma no plano humano.

Para os cidados da Terra tudo est em seu lugar, conforme a lei do seu plano. Deste modo se explica como os ideais no se nos apresentam ntegros na Terra, mas torcidos e adaptados por terem sido levados ao nvel humano. Naturalmente isto adequado ao homem normal que fez para si o trabalho desta adaptao, mas no para quem assume os ideais a srio e por esta razo se encontra isolado e, inclusive, excludo e condenado. Nestes escritos tomamos o partido deste ltimo, perante a destruio dos valores morais, tratando de salvar o que se possa. Quem se encontra deslocado na Terra no o involudo que est em sua casa, no seu ambiente, mas sim o evoludo, que procura levar para ali o ideal. Para poder realizar a sua misso, encontra-se ele na posio no merecida de condenado a um retrocesso involutivo, o que um castigo tremendo. o mesmo que condenar um homem culto e civilizado a viver entre antropfagos, transformados em seus semelhantes, e a cujos hbitos deve adaptar-se. Ele, que tem por instinto a prtica da sinceridade e da colaborao, deve viver submerso num mundo de hipocrisia e fraude. Anteriormente vimos quais so os diversos graus de evoluo.

Podemos assim entender o que significa transportar um indivduo do terceiro grau ao segundo, o martrio necessrio para que ele possa realizar, no seio de um ambiente biolgico involudo, o trabalho de arrast-lo a um nvel mais alto.

Transportando ao mundo dos involudos, o evoludo encontra-se em condies de inferioridade na luta para a sobrevivncia. Se para ele existem compensaes celestiais, isto coisa que para o mundo no interessa. O mundo entendeu de Cristo apenas as duas coisas que lhe serviam: mat-lo quando estava vivo, explor-lo depois de morto. O homem do terceiro grau evolutivo, de tipo evanglico, seguidor de Cristo, pelo fato de repelir o mtodo fora-violncia, bem como o de astcia-fraude, no apto para sobreviver no ambiente terrestre. Ento o ideal ser somente levado a termo por poucos pioneiros, rapidamente liquidados, e nunca se poder realizar no seio de nossa humanidade. Isto no entanto significaria o fracasso dos

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planos de evoluo. Mas se isto no pode acontecer, como a vida soluciona o problema?

Os primeiros seguidores do ideal so poucos, mas tm de arrastar consigo, com a palavra e o exemplo, a muitos. A descida dos ideais ter alcanado o seu objetivo quando, por terem sido aceitos em massa, eles tenham chegado a ser um fenmeno coletivo. Antes desta ltima fase do seu desenvolvimento, os ideais se encontraro no mundo apenas no estado de germe. Cristo at agora apenas uma semente que busca crescer. Quantos milnios faltaro para que possa chegar a ser uma rvore.

Da se conclui que a moral evanglica, pelo que respeita evoluo, isto , no salvao dos poucos casos isolados, mas da humanidade, de tipo coletivo, ou seja, no realizvel seno numa sociedade de tipo inferior, formada de involudos, aquela moral, como sucedeu com Cristo, rapidamente liquida o indivduo que a vive. Ora, a vida pode sacrificar na sua economia a poucos indivduos quando isto lhe sirva para os seus superiores fins evolutivos, mas no pode perder toda a massa a favor de quem precisamente se realiza este sacrifcio. O problema fundamental da vida o da sobrevivncia e s secundariamente, quando haja uma oportunidade, o da evoluo. Eis que o Evangelho para poder verdadeiramente realizar-se, no como pregao, mas como prtica, presume um estado de reciprocidade que possvel aparecer, somente quando a humanidade, por evoluo, haja alcanado a terceira fase, a da organizao coletiva, na qual a moral do dever no se resolve numa espoliao por parte de quem no a aplica em prejuzo de quem a aplica, mas resulte de um equilbrio dado pela correspondncia dos direitos e deveres de cada um com os direitos e deveres do prximo. Somente ento o Evangelho ser aplicvel em grande escala, porque representar no uma ameaa mas uma ajuda para a sobrevivncia.

Se praticar o Evangelho pode ser antivital para o evoludo isolado no atual mundo involudo, que de fato tem o cuidado de no o aplicar, esse Evangelho pode, pelo contrrio, outorgar vantagem e bem-estar num mundo de evoludos, onde s se pode usar o mtodo da terceira fase, o da sinceridade e colaborao, que o nico que pode permitir a eliminao da luta com o mtodo da no-resistncia. Transformar-se por si s em cordeiro entre os lobos, serve apenas para ser devorado por eles

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e assim engord-los. Por isto o evoludo no pode tornar-se involudo, j que o seu destino est marcado. Seria absurdo que a vida, a longo prazo, desperdiasse as suas energias com o fracasso daquilo que ela possui de melhor. Eis que todo este jogo sobre o qual se baseia a descida dos ideais no poder terminar seno alcanando o objetivo para o qual existe, isto , uma deslocao da humanidade em sentido evolutivo.

Por todos estes motivos, apesar do evoludo realizar uma grande funo biolgica, o ideal evanglico transportado para o terreno da realidade da vida, torna-se uma utopia, como coisa fora do lugar. A sociedade humana funciona com princpios opostos. No o estado orgnico colaboracionista que prevalece, mas o sistema de grupos dentro do qual se entrincheiram os interesses, espcie de castelo medieval, fechado e armado contra todos os outros castelos. Ento uma pessoa no apreciada pelo seu valor, mas conforme esteja dentro ou fora do prprio grupo. Eis a primeira pergunta que se formula: ele, um dos nossos? Se o , perdoa-se-lhe muita coisa. Se no o , ainda que seja santo, ele sempre um inimigo, estando portanto no erro e por isso devendo ser condenado. Se, se apreciam as qualidades de um indivduo, isto no se faz imparcialmente, seno em funo da possibilidade de ser explorado ao servio de um grupo. Porque o objetivo maior a sobrevivncia e tudo se concebe e se faz em funo dela. O grupo formou-se e existe precisamente para este fim, no qual todos os membros esto sumamente interessados. Esta a fora que os mantm unidos, porque a unio que os fortifica para defenderem-se e vencer. Assim, a apreciao de uma pessoa muito diferente, conforme ela se encontre dentro ou fora do grupo. As valorizaes humanas so deste modo torcidas em funo desta necessidade de luta. Se quisermos julgar objetivamente um indivduo pelo que realmente , deveramos, primeiro, despoj-lo das suas atribuies exteriores, prescindir da sua posio social, despi-lo de todos o arreios com que se cobre e se esconde, porque s ento poder aparecer sua verdadeira pessoa em vez dos seus sucessos sociais.

Na Terra tudo existe portanto em funo da luta. O indivduo deve ocupar-se, em primeiro lugar, deste trabalho. Ele vale na medida em que utilizado para este fim. Eis que a parte mais dolorosa da vida do evoludo, se no morre antes, a da glorificao, porque, se com isto ele conseguiu

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enxertar um pouco de ideal na vida, comea ento a sua explorao, sendo submetido a finalidades humanas, buscando-se a sua adaptao quando nasce o seu emborcamento, a servio do mundo. A maior paixo de Cristo no foi certamente a do Glgota, mas a sua crucificao longussima, que j dura dois mil anos, a servio dos interesses dos homens. Para o evoludo a vida no pode ser seno misso e sacrifcio, e o seu triunfo est na morte, que o liberta do grande sofrimento do retrocesso involutivo e o restitui ao seu plano de vida. assim que a sua posio negativa no mundo torna-se positiva no cu. Ele trabalhou para a realizao da evoluo, explicou com a palavra, contribuiu com o exemplo, para que se compreendesse a utilidade do mtodo da honestidade e colaborao em vez do da fora e do engano. O mundo se riu dele tratando-o como um ingnuo, e quando abria os braos para colaborar, os outros farejando nele o honesto incuo, o escravizaram e espoliaram. A morte liberta o evoludo de tudo isto e o restitui ao seu mundo, feito, pelo contrrio de justia. L ele deixa de ser um inepto, porque l a sabedoria do indivduo consiste em conhecer o mistrio do ser e consequentemente em atuar com retido, e no na descoberta dos enredos do prximo para tirar proveito.

Que podia fazer ele na Terra? A sua posio aqui clara. Na Terra ele estrangeiro. Tivemos que falar dele, porque o instrumento da descida dos ideais, nosso tema atual. Continua sendo cidado do Seu mundo to diferente e desce para viver a sua verdade que no pode ser desmentida. Se esta sua posio lhe impe tremendos deveres, desconhecidos do involudo, para ele representa ela tambm um direito e uma fora. Cada ser funciona segundo a lei do seu plano ao qual fica ligado, e que seja como utilidade ou como fardo, ele leva consigo para onde for. O evoludo que, por sua natureza no entra na luta do mundo, e no entanto tem de resolver o problema da sua sobrevivncia, para que seja possvel o comprimento de sua misso, deve possuir os seus meios de defesa e proteo. Trata-se de um cordeiro que tem de sobreviver entre os lobos, de um evanglico que usa o mtodo da no resistncia num campo de batalha. E a defesa deste indivduo interessa vida, porque ela dele necessita, tendo-lhe entregue a tarefa, para ele fundamental, de promover a evoluo. Ser possvel que ao involudo inconsciente e destruidor tenha sido deixado o poder de liquidar o evoludo, impedindo assim o desenvolvimento da evoluo?

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Ser possvel que o mal vena realmente o bem, e o que inferior vena o superior? Mas se certo que o evoludo um exilado em Terra estrangeira, verdade tambm que a lei de sua ptria o segue e o protege a fim de que se cumpra a sua misso. Se aquela lei permite que o involudo o elimine, o permite s quando chegou a hora em que o evoludo convm ir-se embora, porque a sua misso se cumpriu. A Lei de Deus a verdadeira dona de tudo, inclusive do involudo e do mundo. Ningum pode deter o processo da descida dos ideais Terra, que realizam os objetivos da evoluo. Os obstculos ficam limitados no espao e no tempo, e lhes foi dado o poder de resistir, mas no de vencer.

Eis o significado, a tcnica, os instrumentos e as conseqncias da realizao na Terra do fenmeno da descida dos ideais.

II

A HUMANIDADE EM FASE DE TRANSIO EVOLUTIVA

inevitvel que as concepes humanas sejam antropomrficas porque foram conquistadas por um crebro humano, como resultado das experincias vividas e portanto em funo dos conhecimentos adquiridos no ambiente terrestre. Como pode a mente humana, que um produto de nossa vida, conter elementos de juzo e unidade de medida que ultrapassem os limites dela? A nossa capacidade de conceber baseia-se e eleva-se sobre elementos oferecidos pelos nossos sentidos, que representam uma abertura para o exterior circunscrito somente uma amplitude determinada do real e a uma determinada ordem de fenmenos. Tudo o que estas vias de comunicao no deixam passar, no percebido, e para ns, portanto, como se no existisse. por conseguinte com um material bem limitado, ou seja, aquele que ns podemos obter deste modo, que foi construda no passado a nossa forma mental, que o instrumento com o qual hoje julgamos. No podemos pois elevar as nossas construes ideais seno com este instrumento e sobre estas bases simples, dado que no possumos outros elementos. Da, tudo o que est mais alm destes limites encontra-se fora de nossa mente, isto , no

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concebido, nem concebvel. E, se pretendemos elevar-nos a concepes superiores, no podemos faz-lo seno com estes nossos meios, ou seja, com a nossa mente limitada, que tende a reduzir tudo s formas do seu concebvel, porque, por fora das coisas, no pode e no sabe pensar seno antropomorficamente.

Se ns percebemos s uma pequena parte da realidade, o que haver mais alm desta? Apenas recentemente, com meios indiretos, pelas vias da cincia, o homem comeou a dar-se conta de tudo isto. E viu, tambm, que nem sequer esta parte que percebemos realidade, mas apenas uma interpretao dela, porque obtida atravs dos nossos sentidos limitados, e pensada com o instrumento de nossa mente, relativa ao ambiente terrestre. Pode acontecer, ento, que o produto de nossa interpretao seja somente uma distoro da realidade, e o que julgamos ser no passa de uma projeo antropomrfica construda por ns com as idias fornecidas pela nossa vida.

Mas h ainda um outro fato que influi sobre o nosso modo de conceber. Se tudo o que existe est englobado no transformismo universal, nem sequer as nossas concepes lhe podem escapar, o que faz com que elas sejam relativas e progressivas. indiscutvel que se o universo se transforma por evoluo, tambm por evoluo, se transforma o rgo mental com o qual o percebemos e julgamos. Portanto, tudo visto sucessivamente de diversos modos, cada um dos quais representa uma realidade, relativa a quem observa e ao momento em que observa. Eis que no possumos das coisas seno estas nossas sucessivas e relativas representaes, feitas por ns mesmos, julgamos ter alcanado uma realidade, mas esta a realidade que o observador alcana por si mesmo naquele dado momento, e que varia com o observador e o momento, isto , de um observador para outro, e, com o decorrer do tempo, para o mesmo observador. assim que as nossas verdades no expressam outra coisa seno a maneira pela qual so vistas e concebidas para cada um, num dado momento. Elas so, portanto, relativas ao observador e progressivas no tempo.

Uma vez que isto depende da estrutura do ser humano, tudo permanece verdadeiro tambm no campo das verdades filosficas, religiosas, morais, sociais etc. Todas as formas de existncia parece no serem possveis se no forem consideradas como um vir-a-ser, e o homem deu-se conta de que

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tudo movimento, tanto no universo fsico, no dinmico, como no espiritual. No campo das verdades acima mencionadas, o transformismo evolutivo ainda mais evidente, porque a psique mais mvel e varia mais rapidamente com a evoluo em funo das fases sucessivas que ela atravessa. Tambm aquelas verdades esto em contnuo movimento, so relativas e progressivas. Este o patrimnio mental que nos dado possuir: limitadas representaes antropomrficas e verdades em marcha.

No entanto, este mesmo progressivo relativismo leva consigo implcita a sua compensao. A idia do transformismo em marcha exige a idia de um ponto de chegada, que tambm ponto de referncia, sem o qual qualquer movimento no se pode apreciar. Ento, a idia mesma de verdade relativa e progressiva nos leva necessariamente idia oposta e complementar, de verdade absoluta e imutvel. O movimento exige uma meta, um ponto situado fora dele, em funo do qual se realize. Transformismo e relatividade progressiva por si ss no se mantm, necessitando de um absoluto que cumpra a funo oposta, servindo de suporte. A isso leva o prprio princpio do dualismo universal, pelo qual cada posio existe em funo do seu oposto, com cuja unio somente possvel reconstruir a unidade, reunindo assim as duas metades divididas. como o reencontrar-se do positivo e negativo e ao contrrio, para formar um s e mesmo circuito.

A fugidia mobilidade contnua se apoia na solidez do imvel, do qual necessita para que tudo no se perca num futuro imenso sem equilbrio, orientao e significado. Esta fluidez deve ser um movimento na ordem, pois de outra forma levaria ou mesmo j teria levado, tudo h muito tempo a naufragar no caos. A instabilidade no admissvel seno em funo de uma estabilidade, assim como a relatividade no se sustm seno em relao a um absoluto. Na lgica da estrutura e funcionamento do universo, h necessidade de um ponto mega, que no seja somente o ponto final da evoluo, como um seu ponto csmico, ltimo produto do processo ascensional, mas que seja ponto de partida e de chegada, o Alfa e o mega de todo o transformismo dado pela existncia; seja ainda o centro de todo este imenso fenmeno que o abrace, o dirija, o resuma e o justifique; um ponto no qual se inicie e se resolva a instabilidade do vir-a-ser, a corrida do movimento, a relatividade de tal transformstico modo de existir em formas e dimenses sempre

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mutveis, enfim um ponto no qual tudo deve finalmente deter-se, porque alcanou a sua plenitude no aperfeioamento total do imperfeito, completando o incompleto, na superao final de todas as dimenses.

a prpria idia do relativo no qual vivemos que nos leva por reflexo idia do absoluto, mesmo que no nos seja dado conhec-la diretamente. Se o nosso relativismo nos nega a concepo do absoluto, e se o nosso antropomorfismo no pode alcan-lo, nem por isso ele deixa de existir. Pelo contrrio, justamente a nossa posio unilateral, e por isso mesmo incompleta que, exigindo seja completada, nos indica a oposta, somente na qual isto pode realizar-se. precisamente o fato de estarmos colocados num lado do ser, que se faz sentir a necessidade da presena do seu outro lado, s em funo do qual se pode completar o nosso tipo de existncia.

A esta concepo de uma estabilidade definitiva o homem pode haver chegado tambm porque alguns aspectos da realidade acessvel a ele lhe indicaram , se bem que em sentido relativo. O transformismo em que ele est submergido pode de fato apresentar-lhe algumas zonas ou fases de imobilidade, a qual pode, no entanto, verificar-se, apenas como temporrio descanso, uma aparente pausa no caminho, uma suspenso momentnea do movimento. Este movimento, apesar disso, continua, mas em vez de se verificar numa manifestao exterior, verifica-se como amadurecimento profundo no qual a existncia prepara as suas mutaes, perceptveis s quando elas chegam a manifestar-se na forma exterior. assim que o vir-a-ser da existncia pode parecer suspenso, dado a iluso da imobilidade definitiva, e tambm que, no meio da relatividade, podem surgir pontos que paream fixos e definitivos, momentos de estabilidade, que podem fazer crer terem alcanado a imutabilidade, apesar de no serem mais do que repousos e paragens passageiros no transformismo. Verdadeiramente no passavam de transitrias posies de equilbrio, prontas a romper-se para retomar o caminho, no so seno um momentneo estabilizar-se de foras contrrias que no equilbrio dos impulsos se neutralizam. nesta posio esttica de movimento relativo que, sem a desintegrao atmica, a matria parecer eternamente estvel conforme se julgou no passado. Isto no impede que ela esteja pronta a transformar-se em

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energia, ao serem rompidos os seus equilbrios atmicos internos.

O vir-a-ser da existncia no se detm jamais. No possvel, porm, um transformismo que no seja um meio para alcanar um fim, um processo sem soluo, um movimento eternamente numa determinada direo. Possvel somente ser um transformismo compensado com um movimento contrrio e complementar, em funo de um ponto de partida e de chegada, dentro dos limites de um dado percurso ou processo transformstico. Se queremos aprofundar para compreender a natureza daquele movimento, temos de chegar ao conceito de involuo e evoluo, entendidos como os dois perodos opostos e complementares do mesmo ciclo. S assim tal movimento no se anula no vazio, mas complementa-se com a sua fase contrria, em funo do seu ponto de referencia fixo, de partida e de chegada, que lhe imprime uma direo sem a qual ele no pode existir. Assim a simples idia de movimento vir-a-ser aperfeioa-se, mudando-se naquela mais exata de transformismo em direo involutiva e de transformismo em direo evolutiva. Tal ento o duplo movimento no qual consiste o vir-a-ser e a existncia. Isto significa que em nosso universo no se pode existir seno movendo-se em direo involutiva ou movendo-se em direo evolutiva: ou progredindo ou retrocedendo, ou afastando-se ou avizinhando-se de Deus, princpio e fim, porque em funo de Deus que tudo existe. A estase, neste processo de ida e volta, no pode ser constituda seno por perodos transitrios, que tarde ou cedo so retomados no movimento da existncia.

O transformismo no pois uma qualquer mutao desordenada, ao acaso, mas sim um movimento bem regulado, fechado dentro de normas de um processo fenomnico bem definido e disciplinado. Sem um tal princpio de ordem que o dirige, difcil imaginar como ele se possa realizar. Ora tudo isto implica a existncia de um esquema diretivo, de um plano pr-estabelecido que determina o caminho e, ao longo dele, as fases de descida e de ascenso. Deve haver ento diferentes nveis de evoluo, diversas alturas ou graus progressivos no modo de existir, posies biolgicas mais ou menos avanadas, conforme o caminho executado para cada ser em relao ao ponto final de todo o processo, em direo ao qual tudo converge. Eis como pde nascer e o que significa a idia de progresso. Eis como

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transcorre o fenmeno do gradual desenvolvimento do ser por evoluo. Vimos estes conceitos desenvolverem-se, ligados uns aos outros num progressivo concatenamento lgico.

Chegados a este ponto, podemos explicar melhor o significado do conceito de verdades relativas e progressivas de que falamos anteriormente. O que estabelece o grau de nosso conhecimento o nvel de evoluo alcanado pelo instrumento que possumos para este fim, ou seja, nossa mente. O conhecimento existe portanto em funo da evoluo, progride com o aperfeioar-se deste instrumento e a sua amplitude dada por seu desenvolvimento. Na natureza tudo j est compreendido e resolvido, e tanto assim que ns j encontramos tudo no estado de funcionamento. Somos ns que temos ainda de chegar a compreender e a resolver. No indivduo mais evoludo a dificuldade no reside tanto no compreender quanto no fazer compreender aos menos evoludos do que ele, os quais, s vezes, levam sculos antes de chegarem compreenso. Esta a histria dos gnios incompreendidos.

O que impede o conhecimento so os prprios limites do instrumento mental que o indivduo tem de utilizar para alcan-lo. E super-los representa um esforo ao qual o ser se rebela. A agilidade para executar tal trabalho tanto menor quanto mais involudo o ser. Quanto mais atrasado, mais se aproxima da inrcia da pedra, da qual se encontra mais perto evolutivamente. Tem horror s mudanas, ope resistncia a toda renovao de idias, uma vontade anti-esforo, para paralisar a ascenso que o incomoda. Esta tendncia estagnao chama-se misonesmo e devida ao impulso que tem o subconsciente de ficar agarrado ao que armazenou no passado, que representa a linha de conduta mais segura porque j foi provada pelo existncia, e forma o seu patrimnio que tanto esforo lhe custou para conquistar. Prefere assim, por preguia, no construir outro patrimnio, quando para viver basta o que j possui.

Os vrios graus de conhecimento que a evoluo nos oferece alcanam-se com tipos variados de inteligncia, proporcionados ao nvel biolgico conquistado pelo indivduo. Para as formas superiores de conhecimento os primitivos esto completamente imaturos. Podem receb-lo, aprend-lo, repeti-lo, possu-lo em aparncia, mas uma coisa a erudio e outra saber pensar. O involudo no um estpido, mas necessrio compreender qual o seu tipo de inteligncia.

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Esta sempre a do seu nvel evolutivo animal-humano, possuindo assim a relativa sabedoria, para ser utilizada no seguinte: sabedoria dirigida defesa da vida, resultado do caminho percorrido no passado, limitada a fins imediatos, feita para resolver os problema prticos, prximos, e no os altos, tericos, longnquos. A tal bitipo basta-lhe a sagacidade comum, a habilidade do engano e saber tirar proveito de tudo. Com isto ele se cr inteligente e de fato esta a sua inteligncia.

Mas o tipo de inteligncia se transforma com a evoluo e se eleva para enfrentar e resolver outros problemas bem diferentes, que para o tipo precedente ficam fora do concebvel. Assim entre evoludo e involudo poder encontrar-se o mesmo desnvel de compreenso que existe entre um homem e um animal. Com a evoluo, a inteligncia coloca problemas sempre mais vastos, gerais, mais prximos dos princpios diretores, no centro do conhecimento. em direo a este centro que avana o ser, afastando-se da periferia ou superfcie, onde funciona a realidade prtica exterior. Temos assim outro tipo de inteligncia, feita para outros trabalhos e dirigida a outros fins. Ela abraa horizontes e concentra vises imensas, rene em si, em sntese, espaos conceptuais amplssimos, libertando-se por abstrao da infinita multiplicidade do particular. Poder-se-ia chamar a isto olho telescpico, feito para ver longe, em comparao com outro que se poderia chamar olho microscpico, feito para ver perto. Trata-se de fato de uma inteligncia pequena, limitada ao contingente, descentrada na multiplicidade do particular, desorientada e dispersa em mil fatos pequenos dos quais escapa o significado no seu plano diretor. Mas evoluindo, com a capacidade de v-los, se ampliam sempre mais tambm os horizontes percebidos.

Os dois tipos de inteligncia no se compreendem. O primitivo, justamente porque ignorante, cr possuir toda a verdade, completa e definitiva. O evoludo, pelo fato de saber, chega a compreender quanto mais amplo o conhecimento, para alm das limitadas possibilidades humanas, e portanto quanto ele ainda desconhece. O primitivo liquida rapidamente todos os maiores problemas do conhecimento, suprimindo-os, limitando-se aos da vida animal. Para ele s so importantes estes. Para ele o pensador um inepto para a vida, perdido entre nuvens, fora da realidade, uma coisa intil, que se

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deve eliminar. Forma mental, desejos, emoes e dores so diversos.

Os problemas em que o primitivo se coloca e tem de resolver so os mais simples dos que os do evoludo, mas como acontece com este, so sempre proporcionais sua inteligncia. Quem se encontra ainda envolvido nas necessidades materiais deve, para sobreviver, ocupar-se destas. O interesse por outros problemas mais adiantados pode surgir somente quando os primeiros j tenham sido resolvidos, isto , numa fase de civilizao mais alta, na qual a vida seja menos violenta e feroz, direitos e deveres estejam estabelecidos e garantida para o indivduo a satisfao das necessidades materiais, de maneira que estas no o ataquem e o distraiam e ele possa dirigir-se a outros trabalhos, construindo uma forma mental adequada a estes.

Continuemos seguindo o fio de nossa lgica, para ver at onde nos leva. Vimos no universo uma previso e coordenao de trabalho, o que implica a presena de um pensamento diretor. Este plano no qual se move o processo involutivo-evolutivo no pode ser outra coisa seno o produto de uma inteligncia, suprema neste caso, que somente pode ser a de Deus. E isto porque tudo isso pode derivar e depender somente de Quem esteja por sobre toda a criao, de Quem, para poder disciplin-la, esteja em condio de compreend-la com a Sua mente e possu-la com a Sua potncia, o que s Deus pode fazer. Eis ento que aquele plano no outra coisa seno a Lei de Deus, imposta como regra da existncia, base da ordem do universo.

Esta Lei no letra morta, escrita em palavra, mas, pelo contrrio, est viva e em ao, porque pensamento e vontade, idia e realizao. Quando a criatura de desvia dela, a Lei volta a chamar para o caminho reto o desviado que dela se afastou. Impele-o a voltar a ela para seu bem, mesmo porque no tolervel uma infrao Lei, que representa um atentado integridade do plano de Deus, uma tentativa de destrui-lo, a fim se substituir a vontade suprema pela vontade da criatura rebelde. Eis que a reao da Lei tem a sua funo, que a da defesa deste plano que quer e deve permanecer absolutamente ntegro para ser realizado. Porque nele que est a salvao do universo, dado que determina o caminho de regresso de tudo a Deus, enquanto o ser procura sair da rbita

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traada pela Lei, para impor o seu desvio. Esta sada do plano estabelecido para tentar uma rbita diversa anti-Lei, deve ser liquidada. Este o princpio fundamental e na Terra cada lei o repete, reagindo seja com a priso, seja com o inferno, porque a reao punitiva a nica coisa que o involudo capaz de compreender e o que o pode induzir a obedecer. Se no tivesse em questo o seu dano, o transgressor no se ocuparia para nada da lei, que permaneceria uma afirmao terica, sem nenhum resultado prtico. Assim a reao da Lei assume forma de dor para o violador, que se justifica da parte da Lei como sua legtima defesa, porque ela representa o plano de Deus, anteposto a salvao do ser. Eis que em ltima anlise a dor santa e sbia porque uma medida providencial de proteo, que obriga assim a criatura a tomar o caminho da sua salvao, que consiste no regresso a Deus.

O plano da Lei guia o caminho da evoluo e determina que ele deve avanar em direo a Deus, seu ponto final. Evoluir significa progredir num processo de divinizao, o que quer dizer aquisio de qualidades mais altas do ser, colocadas no cimo da escadaria da subida, isto , potncia de pensamento, inteligncia, sabedoria, bondade, espiritualidade, que so as qualidades de Deus. Se esse caminho avana nesta direo, ele tem de consistir num desenvolvimento mental e espiritual. Este de fato o caminho que vemos ter a evoluo percorrido at hoje, subindo desde a matria, atravs da vida vegetal e animal at o homem, que justamente se distingue pelo seu desenvolvimento cerebral. A histria de nossa passada evoluo nos mostra que por aquele trecho, tal era a direo impressa ao caminho do plano diretor, o que nos autoriza a crer que, uma vez estabelecido que esta a lei que guia o fenmeno, ela tem de continuar a desenvolver-se no mesmo sentido, segundo o mesmo princpio.

A conseqncia desta lgica que a humanidade, no por comando de castas religiosas ou de teorias filosfico-morais, mas por lei positiva de evoluo, pelos princpios de uma biologia mais ampla, do passado, presente e futuro, tem de continuar a seguir o seu caminho j traado, que consiste em divinizar-se cada vez mais, o que significa avanar em direo espiritualidade. E se isto o que a Lei quer, cada desobedincia levar fatalmente reao, como vimos, isto , sano contra quem tente desvios fora da linha traada.

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portanto no sentido da espiritualizao que deve realizar-se o crescimento evolutivo. A histria do passado mostra-nos qual deve ser o nosso futuro. Se o crescimento evolutivo no trecho percorrido at agora foi dirigido neste sentido, evidente e justamente esta qualidade que ter de acentuar-se cada vez mais no trecho a percorrer no futuro, porque a evoluo um processo nico e agora estamos realizando a continuao dele.

Descoberta importante esta, porque nos mostra qual deve ser a direo a seguir agora em nosso caminho evolutivo, e a Lei quer que nos movamos neste sentido, sob pena das suas reaes dolorosas em caso de desobedincia. O passo atual perigoso, porque o homem alcanou uma madureza mental que o coloca ante o dever de tomar sobre si as responsabilidades que tal madureza acarreta. O homem, neste momento, chegou a um desenvolvimento mental e de conscincia que o capacita a assumir-se a si mesmo, no funcionando mais como um animal guiado pelo instinto, mas com conhecimento do plano diretivo da vida, a direo do processo evolutivo no seu planeta, fazendo-se operrio inteligente de Deus, colaborador na execuo da Sua Lei. O homem agora no pode mais aceitar cegamente, s por f, a descida dos ideais do Alto, concedida por revelao, mas deve inteligentemente compreender o seu significado e a funo, e obrar ativamente para traduzi-los em realidade na Terra.

Os fatos confirmam estas afirmaes. Hoje, realmente a humanidade encontra-se numa curva ou virada biolgica, em fase de transio evolutiva, pelo fato dela passar de um tipo de trabalho, inferior, que lhe imposto pela necessidade da luta pela sobrevivncia fsica num ambiente hostil, a um tipo de trabalho superior, dirigido ao desenvolvimento da mente e do esprito, em ambiente civilizado. A ferocidade e a fora bruta servem agora cada vez menos para os fins da vida, qual interessam cada vez mais a cultura, o pensamento, a inteligncia, porque lhe so mais teis. E a vida, sem hesitar, escolhe sempre o mais til para a sua afirmao e para a sua continuao .

O tipo de vida que nos espera no futuro est ento evidentemente traado: este no outro. Este aquele que a Lei quer no momento atual de nosso desenvolvimento evolutivo; estas so hoje para ns as diretivas do plano de Deus; este o comando ao qual Ele exige que se obedea. Se o homem no seguir esta linha de conduta, se situar numa posio anti-

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Lei, com as conseqncias dolorosas que vimos. Ento, se o homem, aproveitando o progresso alcanado e as descobertas que o libertam do trabalho fsico e de tantas duras necessidades materiais, utilizar tudo isto somente para divertir-se e dirigir a inteligncia em sentido destrutivo em lugar de criador, para o mal em vez de para o bem, ento certamente a Lei reagir enchendo o mundo de dor, porque, como vimos, cada violao leva ao correspondente pagamento doloroso. Ento a humanidade ficar fora da Lei, abandonada a si mesma para destruir-se com as suas prprias mos.

A concluso a que chegamos aqui que a humanidade hoje se encontra na encruzilhada: ou ela segue a linha da evoluo segundo o plano de Deus, que o da espiritualizao, avanando em direo ao Sistema para adquirir as suas qualidades, ou pelo contrrio, continuando a seguir a psicologia do passado, feita de egosmo e agressividade destrutiva, se prestar a fazer um uso louco dos novos potentssimos meios dos quais dispe. No primeiro caso, poder alcanar uma verdadeira civilizao; no segundo se autodestruir e a supremacia da vida sobre o planeta passar a outras raas animais inferiores que substituiro a humana. Espiritualizao significa conscincia, sentido de responsabilidade e da justia no uso dos novos poderes; significa assumir inteligentemente as diretrizes da vida sobre a Terra, a do homem e a dos seus co-inquilinos, no j com a forma mental tradicional do involudo, mas com a do evoludo. Insistir na psicologia do passado agora pode significar a morte.

Impulsionar a humanidade em direo sua inteligente espiritualizao pode significar salv-la da destruio. Da conclui-se como grande a importncia do trabalho que realizam todos os que na Terra trabalham para a descida dos ideais que contm o programa do desenvolvimento futuro da humanidade e nos indicam de que modo deve continuar a atuao do plano de Deus, agora na Terra, para realizar esta nova fase do processo evolutivo. No entanto o mundo considera muitas vezes estes indivduos como iludidos, fora da realidade e os condena, os chama de sonhadores carentes de sentido prtico, enquanto eles, neste momento, representam por ventura a nica salvao para a humanidade na sua atual fase de transio evolutiva.

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III

O CRTICO MOMENTO HISTRICO ATUAL. INCIO DE UMA NOVA ERA

Tratemos de compreender em profundidade

o significado do momento histrico atual. O que salta primeiro vista o seu aspecto negativo, que o mais prximo e se encontra j em ao. Trata-se de um processo de destruio de valores do passado, conquistados com tanto esforo nos ltimos milnios. Assistimos disperso dos mais preciosos tesouros da espiritualidade, que premissa indispensvel para uma sbia direo da conduta humana. E paralelamente vemos que nada se reconstri no lugar do que se vem destruindo espiritualmente, que no surgem e no se afirmam novos valores daquele tipo em substituio aos antigos, de maneira que se fica num vazio. A espiritualidade est em liquidao porque as suas velhas formas no convencem mais, porque se adaptam cada vez menos mente moderna, e no se sabe ainda substitu-las por outras novas, racionais e cientficas. As religies apresentam suas verdades num modo fidestico, base de mistrios, e absolutista-autoritrio, com o que se trata de suprir a falta de provas, o que afasta o homem de hoje, que assim vai em busca de outras verdades: as cientficas, mais positivas, demonstradas, praticamente utilizveis. Hoje se pretende impor o problema da vida em forma diferente do passado, sobre bases claras e concretas e no sobre abstraes tericas colocadas fora da realidade da vida. Entretanto, entre o velho que no serve mais e o novo por construir, sucede que a conduta humana fica desorientada e, faltando-lhe diretivas superiores, vai deriva, retrocedendo involutivamente em direo animalidade. Assim os progressos da tcnica so usados ao inverso, no se fazendo dele um meio para alcanar fins superiores, mas sim para engordar no bem-estar ou para se matarem todos com a guerra atmica. Assim, no meio de tanto progresso, o mundo fica a merc dos impulsos elementares, adequados mais a perd-lo do que a salv-lo.

Procuremos compreender o que est acontecendo. Quando um fenmeno chega sua maturao, tende irresistivelmente a precipitar-se na concluso. Ele ento como um parto e deve necessariamente realizar-se. A vida, no

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entanto, oferece-lhe os meios, estimula os impulsos, prepara tudo para que o fenmeno se cumpra com facilidade. Se o indivduo, em vez de seguir a Lei at o fundo, se nega, ento todo o processo no qual se encontra envolvido desmorona-se sobre ele e o que estava preparado para um progresso em direo ao melhor se transforma num retrocesso em direo ao pior. Este o tremendo perigo que pesa sobre a humanidade de hoje, isto , que ela se arrune por no querer fazer bom uso dos novos poderes conquistados. Ora, precisamente sucede que, enquanto eles, para no se tornarem mortferos nas mos de um inconsciente, teriam a necessidade de ser dirigidos por uma nova sabedoria, ainda mais consciente e decisiva do que a dos sculos passados, neste momento no temos nada alm dos rudimentos da antiga, sem saber como substitu-la. O perigo grave enquanto a humanidade, absorvida no detalhe e sem dar-se conta do que acontece nas linhas gerais, est arriscando o seu futuro,, est jogando o seu futuro destino. Neste ponto do caminho da evoluo ela se encontra numa bifurcao: se responder ao apelo ascensional da vida, subir a um plano biolgico ou nvel evolutivo mais avanado, e portanto de maior civilizao e menos luta, dificuldade e dor; se no responder, retroceder a um plano biolgico ou nvel evolutivo mais atrasado, isto , ao estado selvagem do primitivo e correspondente dura forma de existncia. O momento crtico porque est em jogo a salvao, a imediata, positiva, controlvel neste mundo, aquela que todos compreendem e tomam a srio, porque no uma f discutvel, mas sim uma realidade biolgica. Se no se aceita, se no se atende ao convite, amanh a humanidade poder chorar sobre as suas runas, porque em vez de dar um passo adiante para evoluir em direo ao melhor, ter querido retroceder um passo para involuir em direo ao pior. Quem conhece a estrutura das leis da vida sabe que tudo isto pode suceder.

O tema da descida dos ideais interessa sobretudo neste momento; porque eles nos apresentam o programa a realizar, enquanto evolutivamente representam uma antecipao de estados mais avanados que esperam ser realizados por ns no futuro. Chegou a hora da escolha, o momento da curva decisiva, do salto numa direo ou noutra. Procuremos fazer compreender o que est acontecendo, orientados pelo tratado nos precedentes volumes da nossa Obra, porque sem a premissa de um sistema filosfico-cientfico

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completo no possvel chegar a concluses positivas. As espetaculares realizaes da cincia mostram-nos que se est preparando algo de excepcional na historia da humanidade. Algo se est movendo nas vsceras do fenmeno evolutivo e por isso inconscientemente o mundo se encontra numa ansiosa agitao, desconhecida no passado. Se falha o salto, no se sabe como e onde se ir cair. E perigoso tentar s cegas. Seria necessrio mover-se orientados no seio do organismo fenomnico universal dentro do qual existimos e de cujas reaes no podemos prescindir, para saber o que se deve fazer, sabendo quais so as conseqncias do que se faz. necessrio sermos sbios e previdentes, e s com conhecimento e conscincia poderemos s-lo. Tentando em nossos volumes realizar uma sntese universal, tratamos de dar uma contribuio neste sentido. tudo isto urgente porque o fenmeno evolutivo est exercendo presso para realizar-se e por isto corre em direo concluso do atual perodo e incio de um outro, para resolver, de qualquer maneira, nossa escolha, ou a favor da humanidade com o seu progresso, ou de seu dano com o retrocesso. A deslocao em direo a novos equilbrios j est iniciada. Enquanto a vida avana, o homem no compreende o que est sucedendo e resiste amarrado ao passado com a sua velha forma mental. Adiante dele h uma estrada cheia de luz, ao longo da qual a vida o impulsiona, mas ele continua olhando para trs, para um mundo cheio de trevas. Tal o tempestuoso contrate entre os impulsos opostos do momento atual. Mas ningum pode mudar a fundamental razo do ser que evoluir, nem pode paralisar o irrefrevel anseio de progresso, de que constituda a vida. Quem tem inteligncia, conscincia e meios, deveria ajudar a avanar o mais rapidamente possvel neste caminho que leva salvao com a superao.

A humanidade deve escolher entre as duas direes a tomar. O caminho um s: o da evoluo. Mas se pode percorr-lo para frente ou para trs. Adiante se encontram os mais requintados valores de ordem psquica e espiritual. O homem tem hoje nas mos poderes jamais possudos. Que uso far deles? Servir-se- para tornar-se sempre mais rico, egosta, corrompido, permanecendo no plano animal, ou, pelo contrrio, servir-se- para ascender a um plano mais alto, transformando-se cada vez mais num ser de pensamento e conscincia? Estes poderes podem ser utilizados nestas duas direes. Eles

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permitem um salto para a frente, de grandes propores, mas se mal usados podem levar a um grande retrocesso involutivo. Ou se constri um novo edifcio, ou se fica a descoberto entre as runas do velho. Estes um desses momentos da evoluo em que o ideal e sua realizao assumem um valor especial, diferente do costumeiro. Melhor dizendo, o ideal no mais, como se julga normalmente, algo de utpico, no positivo, estranho realidade prtica, mas ao contrrio, introduz-se nesta realidade como um necessidade vital, com um programa a ser realizado com urgncia. Um programa necessrio para a salvao, para no perder-se no retrocesso, mas principalmente para continuar a avanar ao longo do caminho da evoluo.

O que est em jogo imenso. Existe a perspectiva de um novo tipo de civilizao, de uma era de bem-estar, de libertao da escravido do trabalho e com isto de novas atividades muito mais altas e inteligentemente orientadas, realizadas por um bitipo humano mais evoludo, com outra forma mental. Isto o que est amadurecendo na profundidade do fenmeno da evoluo. verdade que a vida no apresenta ao ser tais problemas, nem solicita desenvolvimentos semelhantes quando no chegou hora. Antes que esta chegue, a vida prepara longamente o fenmeno para que possa realizar-se, rodeia-o de condies adequadas, depois o protege e ajuda para que chegue a realizar-se. Mas quando tudo est pronto e amadureceu o momento da sua realizao, a vida exige do ser um esforo proporcional s suas capacidades e o responsabiliza se da sua parte falta a resposta adequada, deixando nesse caso recair sobre ele as conseqncias. Ento a Lei de Deus se apropria do fenmeno e dela no possvel fugir. permitido somente alterar as posies de cada um em relao a ela, isto , violar-se a si mesmo. Verifica-se o dito fenmeno do retrocesso involutivo. Ela automaticamente castiga quem, chegado o momento em que tudo amadureceu e est pronto para avanar, no aceita a oferta, dela quer fazer mau uso, segue o impulso evolutivo em direo inversa, e em vez de utilizar os novos meios dirigindo-se em direo ao S, aproveitando-os dirigindo-se em direo ao AS. Querendo assim repetir o motivo da revolta inicial, inevitvel que as conseqncias sejam as mesmas; o precipitar-se de cabea no abismo, para ficar ali sepultado, emborcado, como sucedeu a primeira vez, at que no tenha sido realizado o trabalho de regresso ascensional.

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No h dvida que hoje em dia a tcnica cientfica e a organizao industrial permitem cada vez com menor trabalho alcanar uma maior produo, isto , com menor esforo um maior bem-estar. J se fala de dar, alm do Sbado, tambm a Sexta-feira, e de reduzir as horas de trabalho dos outros quatro dias. Ora, o perigo reside no fato de que tal abundncia de tempo e enriquecimento de meios no seja usado em sentido evolutivo, isto , no como um capital utilizado para realizar um trabalho mais alto, mas em sentido involutivo, ou seja, capital dissipado em satisfaes de tipo inferior, no para facilitar um impulso mental e espiritual, mas para abandonar-se, em descida, embrutecendo-se em materialidade. Saber o homem fazer bom uso do aumento de poder que ele hoje tem nas mos? Depois de longos estacionamentos de milnios durante os quais a humanidade jazia em posio esttica que julgava definitiva, chegou a hora na qual tudo tende a dinamizar-se para pr-se em movimento seguindo um princpio oposto e deslocar-se para alcanar novas posies. Mas o caminho est traado pela Lei e, como j deixamos entrever, no pode verificar-se a no ser ao longo do percurso involutivo-evolutivo. Ou se avana em direo ao S, ou se retrocede em direo ao AS. O perigo reside no fato de que, em vez de melhorar dirigindo-se em direo ao S, este movimento deslize em direo ao pior, deslocando-se para o AS. No 1 caso caminha-se para a salvao; no 2 caso, para a perdio.

O fato no novo na histria, e se bem que em propores menores, j se verificou. Poderia suceder para toda a humanidade aquilo que sucedeu no passado para as classes sociais chegadas fase de aristocracia, que a da vitria segura e posio privilegiada estabilizada na riqueza e no cio. Ento aquelas classes sociais, chegadas quele ponto de sua ascenso, em vez de continuar o esforo evolutivo, se deixaram descansar, gozando o fruto do passado trabalho de conquista. Sucedeu ento que, terminado o esforo e o exerccio, perderam a capacidade e com isto o poder. Iniciou-se a corrupo, o enfraquecimento e a descida, para dar lugar a outras classes sociais que sobem do fundo onde se sofre e se luta, mas se aprende e se avana. Esta a histria da ascenso, florescimento e queda das civilizaes. Antigamente este fenmeno abarcava s um limitado grupo humano, deixando a outro a possibilidade de substitu-lo logo que aquele decaa. Mas no caso atual o

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fenmeno se estenderia a toda a humanidade, j que brevemente, com a tcnica e o trabalho, ela acabar por encontrar-se nas condies de abundncia nos quais se encontrava o imprio romano no seu apogeu ou a aristocracia francesa antes da revoluo. O perigo est em que agora, se toda a humanidade chegar a elevar o seu nvel econmico, se difundam nela as perigosas caractersticas dos ricos, anteriormente limitadas a uma s classe social, as que corrompem e destroem, por inconscincia dilapidadora, no cio e bem-estar gratuito. Isto o que poder suceder para a humanidade se ela no souber transformar a abundncia, fruto dos seus novos poderes produtivos, num instrumento para um renovado esforo a fim de continuar avanando, em vez de preguia e gozo.

Superado o trabalho material, o novo labor deveria ser de tipo intelectual, cultural, espiritual. Havendo-se libertado o homem da antiga forma de esforo penoso, que o embrutecia, atando-o necessidade de satisfazer as suas necessidades mais elementares, seria indispensvel, para no retroceder, que ele continuasse ainda a sua atividade, mas dirigindo-a a conquistas mais altas. O homem no entanto o mesmo de antes, com idntica forma mental. Subsiste portanto o perigo de que ele continue comportando-se como no passado, isto , que em vez de encaminhar-se em direo a mais altas conquistas, comece a exceder-se em satisfaes de tipo inferior, seguindo os seus impulsos de involudo, entregando-se assim ao abuso com a excessiva satisfao dos instintos mais atrasados, em vez de se entregar conquista de um progresso ulterior. Pode-se chegar, ento, ao despertar e fortalecimento da besta em vez da construo do anjo ou do super-homem.

O bem-estar, posto assim nas mos de um dado tipo biolgico ainda no bastante consciente para saber fazer bom uso dele, poder produzir mais mal que bem. Constituir portanto para ele no uma vantagem mas um dano, porque ento a sua atividade, encaminhada em direo extrovertida em vez de introvertida, se dirigir no ao desenvolvimento da parte espiritual, mas apenas multiplicao de comodidades do corpo, com o fim em si mesmo, evolutivamente de escassa importncia. Tomar o bem-estar material no como meio de progresso, mas como o maior objetivo da vida, prostituio do esprito, emborcamento de posies, continuao do caminho em descida em vez de em ascenso.

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Assim ao ideal se substituir o utilitarismo; f criadora, o cptico cinismo; fraternidade, o egosmo; ao progresso, o estacionamento. O perigo est em que ele termine transformando-se em regresso, num requinte e potencializao de animalidade. Tanto progresso ser intil se a humanidade quiser entregar-se ao ideal de viver somente para gozar a vida, e se ela se detiver numa exteriorizao com o fim em si mesma, em vez de fazer do progresso um meio para alcanar uma interiorizao que utilize os valores materiais para desenvolver os espirituais.

Se o momento perigoso, ele no entanto tambm maravilhoso porque oferece possibilidades desconhecidas noutros tempos. O que impele a vida sempre para diante um irrefrevel anseio em direo a felicidade. o S que sempre chama e atrai desde longe. A felicidade no se pode encontrar seno evoluindo em direo ao S. O erro consiste em busc-la no inverso, isto , involuindo em direo ao AS. Caminhando para trs para satisfazer-se com o pior em vez de com o melhor, se acaba por encontrar, em lugar de alegria, dor. Ora, necessita-se muito mais de sabedoria, a fim de no matar ningum, para dirigir um automvel numa corrida, ou um avio, do que uma simples carroa! Eis o que se pode conseguir com tais meios! Existir no entanto hoje, tal sabedoria ou teremos de conquist-la duramente, errando e pagando? Temos, com a libertao do trabalho material, a possibilidade de dispor de muito tempo; mas que uso saberemos fazer de semelhantes vantagens? Rara a oportunidade presente e cumpre-nos aproveitar as circunstncias atuais, que no ser fcil venham a repetir-se. O homem encontra-se perante perspectivas ilimitadas, com liberdade e poder, mac tambm com uma responsabilidade desconhecida nos sculos passados, lanado velozmente em direo a radicais mudanas de vida, com imensa possibilidade de novas realizaes e proporcionadas conseqncias de alegria ou dor. Damo-nos conta porventura de q