a democracia digital e o problema da participação civil na decisão política

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revista Fronteiras – estudos midiáticos VII(3): 214-222, setembro/dezembro 2005 © 2005 by Unisinos A democracia digital e o problema da participação civil na decisão política O artigo trata da discussão sobre o emprego da internet como meio e ambiente de práticas políticas destinadas a reforçar a participação dos cidadãos no campo político. Primeiro, apresenta-se a idéia da internet como meio de participação popular no debate público, como instrumento de expressão de grupos da sociedade civil e de pressão sobre os produtores de decisão política e como recurso para a intervenção do público na esfera da decisão política. Examina-se, em seguida, a idéia de democracia digital ou da internet como possibilidade de incremento das práticas e oportunidades democráticas. Por fim, discutem-se os limites e as possibilidades da demo- cracia digital no nosso sistema político. Palavras-chave: democracia digital, esfera pública, democracia participativa. Wilson Gomes 1 L’articolo tratta della discussione relativa all’uso dell’internet come mezzo e ambiente di pratiche politiche destinate a rafforzare la partecipazione dei cittadini nel campo politico. In primo luogo, é presentata l’idea dell’internet come mezzo di partecipazione popolare nel dibattito pubblico, come strumento di espressione di gruppi della societá civile e di pressione sui produttori di decisioni politiche e come risorsa per l’intervento del pubblico nella sfera della decisione politica. In seguito, é esaminata l’idea della democrazia digitale o dell’internet come possibilitá di incremento delle pratiche e delle opportunitá democratiche. Infine, si discutono i limiti e le possibilitá della democrazia digitale nel nostro sistema politico. Parole-chiave: democrazia digitale, spazio pubblico, democrazia partecipativa. Digital democracy and the problem of civil participation in political decisions making. This article deals with the debate on the use of the Internet as both a medium and an environment of political practices designed to reinforce the involvement of citizens in politics. First it presents the Internet as a medium for citizen participation in the public debate, as an instrument to express the voice of civil society’s groups, as an instrument to put pressure on political decision makers, and finally as a resource for public intervention in the sphere of political decision making. It then examines the idea of digital democracy, i. e., the Internet as a means to develop democratic practices and opportunities. Finally it discusses the limits and possibilities of digital democracy in our present political system. Key words: digital democracy, public sphere, participatory democracy. 1 Professor Doutor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 09_Art07_Gomes.pmd 27/01/2006, 14:17 214

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A Democracia Digital e o Problema Da Participação Civil Na Decisão Política

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  • revista Fronteiras estudos miditicosVII(3): 214-222, setembro/dezembro 2005 2005 by Unisinos

    A democracia digital e o problema daparticipao civil na deciso poltica

    O artigo trata da discusso sobre o emprego da internet como meio e ambiente de prticas polticas destinadas a reforar a participaodos cidados no campo poltico. Primeiro, apresenta-se a idia da internet como meio de participao popular no debate pblico, comoinstrumento de expresso de grupos da sociedade civil e de presso sobre os produtores de deciso poltica e como recurso para ainterveno do pblico na esfera da deciso poltica. Examina-se, em seguida, a idia de democracia digital ou da internet comopossibilidade de incremento das prticas e oportunidades democrticas. Por fim, discutem-se os limites e as possibilidades da demo-cracia digital no nosso sistema poltico.

    Palavras-chave: democracia digital, esfera pblica, democracia participativa.

    Wilson Gomes1

    Larticolo tratta della discussione relativa alluso dellinternet comemezzo e ambiente di pratiche politiche destinate a rafforzare lapartecipazione dei cittadini nel campo politico. In primo luogo, presentata lidea dellinternet come mezzo di partecipazione popolarenel dibattito pubblico, come strumento di espressione di gruppi dellasociet civile e di pressione sui produttori di decisioni politiche ecome risorsa per lintervento del pubblico nella sfera della decisionepolitica. In seguito, esaminata lidea della democrazia digitale odellinternet come possibilit di incremento delle pratiche e delleopportunit democratiche. Infine, si discutono i limiti e le possibilitdella democrazia digitale nel nostro sistema politico.

    Parole-chiave: democrazia digitale, spazio pubblico, democraziapartecipativa.

    Digital democracy and the problem of civil participation in politicaldecisions making. This article deals with the debate on the use ofthe Internet as both a medium and an environment of politicalpractices designed to reinforce the involvement of citizens inpolitics. First it presents the Internet as a medium for citizenparticipation in the public debate, as an instrument to express thevoice of civil societys groups, as an instrument to put pressure onpolitical decision makers, and finally as a resource for publicintervention in the sphere of political decision making. It thenexamines the idea of digital democracy, i. e., the Internet as ameans to develop democratic practices and opportunities. Finallyit discusses the limits and possibilities of digital democracy in ourpresent political system.

    Key words: digital democracy, public sphere, participatorydemocracy.

    1 Professor Doutor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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  • A democracia digital e o problema da participao civil na deciso poltica

    Vol. VII N 3 - setembro/dezembro 2005 revista Fronteiras - estudos miditicos 215

    O argumento liberal sobre acomunicao pblica2

    O eixo que vincula comunicao de massas e cida-dania j foi objeto de considerao, sob diversos aspectos,na pesquisa nas reas de comunicao e cincias sociais. Omodo mais tpico de considerao desta matria tem con-sistido em apresentar um ou vrios dos argumentos liberaistradicionais sobre o papel da comunicao de massa para asubsistncia da democracia. O mais tradicional desses ar-gumentos consiste em afirmar que o papel democrtico pri-mrio dos meios e agentes da comunicao de massa fun-cionar como co de guarda a vigiar o Estado, em defesa dointeresse pblico ou do domnio da cidadania, daquilo queneste artigo ser referido como esfera civil.

    Este argumento interessante e conserva parcial-mente a sua verdade, mas parece velho e extenuado. Comomuitos outros argumentos liberais tradicionais, tambm esteencontra o seu horizonte mais completo de sentido apenasnum perodo histrico no qual

    os meios consistiam principalmente em publicaespolticas com pequena circulao e o Estado estava do-minado ainda por uma elite pequena de proprietriosde terra. O resultado um legado de velhos ditos queconservam pouca relao com a realidade contempor-nea mas que continuam a ser repetidos acriticamentecomo se nada tivesse mudado (Curran, 1991, p. 82).

    Nas cercanias deste argumento, constituram-semuitos outros, que vo desde a idia tradicional dos meioscomo tribuna pblica, passando-se pela j desgastada idiada funo pedaggica da comunicao de massa, at a maisrecente e interessante proposta do jornalismo cvico, comopossibilidade de recuperao da noo de interesse pblicono interior da comunicao industrial.

    A diversidade e renovao dos meios e ambientesda comunicao pblica produziram equivalente varieda-de e persistncia dos argumentos que vinculam comunica-o de massa e cidadania. Num primeiro momento, pareci-

    am repousar na imprensa todas as esperanas de garantiasdo espao da participao civil na esfera da deciso poltica.Todos conhecem o princpio jeffersoniano que expressa demaneira apropriada a fase herica do jornalismo como cam-peo da esfera civil, segundo o qual se fosse o caso de se terque escolher entre um governo sem jornais e jornais semgoverno no se deveria hesitar um s momento em preferireste ltimo modelo. Isso tudo, apoiando-se na premissa deque a base do governo democrtico seria a opinio do povo.O princpio deveria, contudo, fazer-se acompanhar pelarestrio, freqentemente esquecida, de que preferir jor-nais a governos pressuporia assegurar que todo homemrecebesse esses jornais e fosse capaz de l-los.

    A substituio do modelo de jornalismo civil pelojornalismo de partido, primeiro, e a substituio posteriordeste pelo padro do jornalismo industrial contemporneo,situado na convergncia entre as indstrias da cultura, doentretenimento de massa e da informao, pem fim a estaperspectiva. Outros meios representaram outras expectati-vas, tambm destinadas ao esgotamento retrico por mui-tas e mui variadas razes. Como o rdio, por exemplo, queesteve no centro da retrica liberal-democrtica entre osanos 1920 e 1940 do sculo passado (Spinelli, 2000), ou aexperincia de televiso a cabo, entendida nos EstadosUnidos nos anos 1970 como a restituio comunidade e sociedade civil do controle pela emisso de informao po-ltica (Dahlberg, 2001).

    Uma variante mais recente do argumento liberalvem se constituindo ao redor de trs expresses-chave:internet esfera pblica democracia. Cunha-se o verbetedemocracia digital e formas semelhantes (democraciaeletrnica, e-democracy, democracia virtual, ciberdemocracia,dentre outras), ao redor dos quais se vem formando, nosltimos 10, 15 anos, uma volumosa bibliografia interessadabasicamente nas novas prticas e renovadas possibilida-des, para a poltica democrtica, que emergem da nova infra-estrutura tecnolgica eletrnica proporcionada por compu-tadores em rede e por um sem-nmero de dispositivos decomunicao e de organizao, armazenamento e oferta dedados e informaes on-line. Nesta literatura, discutem-sedesde os dispositivos e iniciativas para a extenso das opor-tunidades democrticas (governo eletrnico, voto eletrnico,

    2 Diferentes verses prvias deste artigo foram discutidas em 2004 em trs diferentes ocasies. Primeiro numa interveno em mesa-redonda do Cyberurbe: A Cidade na Sociedade da Informao, congresso internacional promovido pelo Centro Internacional deEstudos Avanados e Pesquisa em Cibercultura da UFBA. Depois, como conferncia inicial do II IBRICO, encontro internaci-onal de pesquisadores de comunicao de Portugal e Espanha, na Covilh, em Portugal. Por fim, na aula inaugural do curso dedoutorado do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social da UFMG. O artigo se beneficiou certamente dos debatesempreendidos e das crticas recebidas em tais ocasies.

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  • Wilson Gomes

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    voto on-line, transparncia do Estado, etc.), at novas opor-tunidades para a sociedade civil na era digital(cibermilitncia, formas eletrnicas de comunicao alter-nativa, novos movimentos sociais) (Hill e Hughes, 1998).Vai-se, assim, das alternativas contemporneas para o jogopoltico (partidos, eleies e campanhas no universo digital)at a discusso sobre regulamentao de acesso e controlede contedo na internet, passando-se pelas questes dasdesigualdades digitais (excluso digital).

    No que tange ao nosso tema, o veio mais importanteconsiste na discusso das conseqncias que as ferramen-tas e dispositivos eletrnicos das redes contemporneas,principalmente a internet, comportam para aimplementao de um novo modelo de democracia capazde incluir de maneira mais plena a participao da esferacivil na deciso poltica. A questo em tela sobre se asnovas tecnologias da comunicao podem, de fato, alterarpara melhor as possibilidades da cidadania nas sociedadescontemporneas.

    Democracia e participao

    Um pressuposto fundamental desta discusso noser desenvolvido com a extenso adequada neste artigo,por razes de espao, mas diz respeito a aspecto delicadoda experincia democrtica. Trata-se da participao polti-ca do cidado comum nas democracias liberais de hoje. Apremissa bem conhecida: a democracia constitucional temcomo seu fundamento a idia de soberania popular. Dapremissa, passa-se promessa: a opinio do povo deve pre-valecer na conduo dos negcios de concernncia comum,a vontade pblica deve ser servida nas decises que afetama coisa pblica. A consolidao da experincia democrticamoderna, principalmente atravs dos modelos de democra-cia representativa, findou, entretanto, por configurar umaesfera da deciso poltica apartada da sociedade ou esferacivil. O mbito da deciso poltica constitudo, ento, poragentes em dedicao profissional e por membros de

    corporaes dedicadas ao controle e distribuio do capitalcirculante nesta esfera os partidos , dotando-se dealtssimo grau de autonomia em face da esfera civil. Cons-titucionalmente, as duas esferas precisam interagir apenasno momento da renovao dos mandatos, restringindo-se opapel dos mandantes civis deciso, de tempos em tempos,sobre quem integrar a esfera que toma as decises propri-amente polticas.

    O exame sobre as razes da excessiva autonomizaoda esfera da deciso poltica e da crescente atrofia das funesda esfera civil no que respeita aos assuntos do Estado, ao lado daformulao de alternativas, tericas e prticas, para o crescimen-to dos nveis de participao civil nos negcios pblicos, tem setransformado no tema central e na grande novidade da teoria dademocracia nas ltimas dcadas. Conhecem-se, a partir da, arenovao de modelos de democracia participativa (Pateman,1970), as perspectivas de uma democracia forte (Barber, 1984)e, ultimamente, de democracia deliberativa3, modelos que semultiplicaram na virada do sculo. Neste contexto, era naturalque a discusso sobre o ambiente, os meios e os modos dacomunicao pblica como ferramenta para uma maior presen-a da esfera civil na conduo dos negcios pblicos encontrassea discusso sobre modelos de democracia voltados para o incre-mento da participao civil. Ademais, todas as restries apre-sentadas na literatura especializada sobre as parcas convicesdemocrticas e a baixa qualidade civil ou republicana da comu-nicao industrial de massa, somadas aura no-elitista, no-governamental, no-corporativa da internet, foram razo sufici-ente para assegurar a esta ltima um lugar particular na discus-so sobre democracia e participao popular.

    A vinculao entre democracia e participao civil napoltica possui diferentes nfases, cada uma delas portando con-sigo um especfico repertrio de conseqncias tericas e prti-cas4. H, a rigor, uma escala que vai crescendo em intensidadedesde graus mais moderados de reivindicaes at formas maisradicais de defesa da participao popular. Para ficarmos numatrade didaticamente confortvel, um tipo de participao mode-rado aquele representado pelo fortalecimento da presena daesfera civil na cena poltica, mediante variadas formas que vodesde a formao de um consistente e expandido debate pbli-co sobre temas de relevncia poltica, passando pelas manifesta-

    3 A bibliografia sobre democracia deliberativa j bastante extensa. Para ficarmos apenas em algumas obras centrais, cf. Dryzek,1990; Fishkin, 1991; Benhabib, 1996; Bohman, 1996; Gutmann e Thompson, 1996; Nino, 1996; Bohman e Rehg, 1997; Elster,1998; Macedo, 1999; Dryzek, 2000; Fishkin e Laslett 2003.

    4 Na verdade, pelo menos trs modelos de democracia disputam neste momento o lugar de alternativas democracia representativano seio da discusso sobre internet e participao poltica civil: o modelo liberal-individualista, que importante para a ideologia-internet na forma do ciber-libertarianismo; o modelo comunitarista, que h bem pouco tempo disputava com o modelo liberalclssico o predomnio no ambiente anglo-saxo e o modelo deliberacionista, de origem habermasiana, que se tornou predominantena dcada de 90 em ambientes de lngua inglesa.

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  • A democracia digital e o problema da participao civil na deciso poltica

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    es da vontade popular em todas as dimenses da esfera devisibilidade pblica, at as formas de organizao popular no-governamental voltadas reivindicao, mobilizao e forma-o da opinio e da vontade pblicas e presso sobre governosem particular e sobre a esfera poltica em geral. Uma participa-o popular um pouco mais radical representada por modelosem que se verifica a interveno da opinio e da vontade civil nadeciso poltica relevante no interior do Estado. Neste caso, afronteira, preservada integralmente no grau mais moderado daescala, entre sociedade civil e sociedade poltica, entre mandan-tes e tomadores de deciso, torna-se mais difusa, e s funesopinio, demanda de explicao (o ato dos mandantes a quecorresponde a prestao de contas dos mandatrios em regi-mes republicanos) e manifestao acrescenta-se a funo in-terferncia na deciso poltica. Nos dois modelos, contudo, aparticipao civil compatvel com a alternativa de democraciarepresentativa; o que h aqui de particular apenas a reivindi-cao de que a autenticao civil da esfera poltica no se atenhaexclusivamente a mecanismos eleitorais, devendo levar em con-ta, ademais, o respeito pela disposio e opinio pblicas. H,portanto, espao na escala para um terceiro modelo de participa-o popular na poltica, ainda mais radical, em que a esfera pol-tica dispensada e as funes de deciso seriam assumidas pelaesfera civil, como ocorre no iderio da democracia direta.

    Em conformidade com tais modelos, a discusso sobreinternet e democracia participativa ganha diversos contornos ecomea a formar diferentes tradies. Aos graus mais modera-dos5 de participao democrtica, corresponde, por exemplo, amaior parte das discusses sobre internet e participao popu-lar a partir do conceito tardio de esfera pblica. No seu centro,desenha-se um modelo de participao poltica do cidado pormeio de um debate pblico relevante, constante e influente,onde se formam a vontade e a opinio pblicas, mas ondetambm seriam constitudos os insumos fundamentais para aproduo (pela esfera poltica) de uma deciso legtima sobreos negcios pblicos.

    Para o modelo seguinte, a questo central da democra-cia a deciso poltica, e o seu problema principal consiste emcomo incrementar os nveis de participao civil na decisoconcernente aos negcios pblicos. Este tipo de compreenso mais comum nas discusses sobre internet e participaopopular em parte da literatura sobre democracia deliberativa.A questo aqui no apenas do debate pblico, mas de comotornar o sistema e a cultura poltica liberais mais porosos esfera civil a ponto de possibilitar a sua interferncia na produ-

    o da deciso poltica (Buchstein, 1997; Dahlberg, 2001;Downey e Fenton, 2003; Gimmler, 2001 e Savigny, 2002).

    Por fim, a idia de participao da cidadania entendidacomo ocupao civil da esfera poltica encontra na internet aspossibilidades tcnicas e ideolgicas da realizao de um idealde conduo popular e direta dos negcios pblicos. Esta pers-pectiva sustentada basicamente pelas teorias libertrias dademocracia e pela sua verso anrquico-liberal da internet.

    A democracia digital

    Em todos os modelos, a experincia da internet vista, ao mesmo tempo, como inspirao para formas departicipao poltica protagonizada pela esfera civil e comodemonstrao de que h efetivamente formas e meios paraa participao popular na vida pblica. A democracia digi-tal (e outros verbetes concorrentes) , neste sentido, umexpediente semntico empregado para referir-se experi-ncia da internet e de dispositivos que lhe so compatveis,todos eles voltados para o incremento das potencialidadesde participao civil na conduo dos negcios pblicos.

    Podemos buscar sintetizar a discusso genrica so-bre democracia digital, ainda que de forma apressada, emum conjunto bsico de asseres.

    A democracia digital se apresenta comouma oportunidade de superao das de-ficincias do estgio atual da democra-cia liberal.

    Parte-se da percepo de que as instituies, osatores e as prticas polticas nas democracias liberais estoem crise, sobretudo em funo da fraca participao polticados cidados e da separao ntida e seca entre a esfera civile a esfera poltica. Isso significa, de algum modo, a crise deum padro simblico da experincia democrtica que pre-tende que o cidado, o povo, a esfera civil, em suma, sejaaquele que governe. Como as democracias representativascontemporneas atriburam integralmente ao colegiado dos

    5 Tome-se com cautela o termo moderado. A rigor, trata-se do grau menos radical de uma escala superior. A escala anterior, que aquise pretende superar, representada pelos padres adotados pela democracia representativa liberal, que faz com que a sociedadepoltica detenha o monoplio da deciso dos negcios pblicos e restringe o papel eficaz da sociedade civil sua dimenso eleitoral.O grau mais moderado nesta segunda escala, portanto, mais radical que o mais radical dos padres da escala anterior.

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  • Wilson Gomes

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    representantes a capacidade de realizar a deciso polticasobre os negcios pblicos, o mbito social da poltica se vcindido nitidamente entre a esfera civil, cuja nica funo formar e autorizar a esfera poltica nas eleies, e a esferapoltica, cuja funo principal produzir a deciso polticana forma de lei e na forma de decises de governo. H, pois,uma esfera civil, o mbito da cidadania, considerada o cora-o dos regimes democrticos, que autoriza, mas no gover-na, e h, por outro lado, uma esfera poltica cujo nico vn-culo constitucional com a esfera civil de natureza basica-mente eleitoral (cf. Gomes, 2004). O modelo de democra-cia representativa entra, portanto, em crise.

    A alternativa histrica democracia representativa a democracia direta, vencida historicamente por inade-quada a sociedades de massa e complexidade do Estadocontemporneo que exige profissionalismo (isto , dedi-cao exclusiva, formao e competncia) de quem governae de quem legisla. A introduo de uma nova infraestruturatecnolgica, entretanto, faz ressurgir fortemente as espe-ranas de modelos alternativos de democracia, queimplementem uma terceira via entre a democracia repre-sentativa, que retira do povo a deciso poltica, e a democra-cia direta, que a quer inteiramente consignada ao cidado.Estes modelos giram ao redor da idia de democraciaparticipativa e, nos ltimos dez anos, na forma da democra-cia deliberativa, para a qual a internet , decididamente,uma inspirao.

    A democracia digital se apresenta comouma alternativa para a implantao deuma nova experincia democrtica fun-dada numa nova noo de democracia.

    As expresses democracia eletrnica,ciberdemocracia, democracia digital, e-democracy referem-se em geral s possibilidades de extenso das oportunida-des democrticas instauradas pela infra-estruturatecnolgica das redes de computadores. Por trs destas ex-presses, h um conjunto de pressupostos a respeito dainternet e da participao poltica civil:

    a. A internet permitiria resolver o problema da par-ticipao do pblico na poltica que afeta as demo-cracias representativas liberais contemporneas, pois

    tornaria esta participao mais fcil, mais gil e maisconveniente (confortvel, tambm). Isso particu-larmente importante em tempos de sociedade civildesorganizada e desmobilizada ou de cidadania semsociedade;b. a internet permitiria uma relao sem intermedi-rios entre a esfera civil e a esfera poltica, bloque-ando as influncias da esfera econmica e, sobretu-do, das indstrias do entretenimento, da cultura eda informao de massa, que nesse momento con-trolam o fluxo da informao poltica;c. a internet permitiria que a esfera civil no fosseapenas o consumidor de informao poltica, ou im-pediria que o fluxo da comunicao poltica fosseunidirecional, com um vetor que normalmente vaida esfera poltica para a esfera civil. Por fim, a internetrepresentaria a possibilidade de que a esfera civilproduzisse informao poltica para o seu prprioconsumo e para o provimento da sua deciso.

    O que a democracia digital como experi-ncia deve assegurar a participaodo pblico nos processos de produode deciso poltica.

    H, digamos assim, alguns graus de participaopopular proporcionados pela infra-estrutura da internet, queparecem satisfazer diferentes compreenses da democra-cia. So os cinco graus de democracia digital, corresponden-tes escala de reivindicao dos modelos de democraciaparticipativa6.

    O grau mais elementar aquele representado peloacesso do cidado aos servios pblicos atravs da rede(os servios de Estado entregues em domiclio ou a cida-dania delivery). No mesmo nvel est a prestao de infor-mao por parte do Estado, dos partidos ou dos represen-tantes que integram os colegiados polticos formais. Arigor, a democracia digital de primeiro grau implanta-se deforma acelerada em toda a parte e neste momento estmais ou menos estabelecida, em suas dimenses essenci-ais, na maior parte dos Estados liberais contemporneos.Serve at mesmo como plataforma de autopromoo dosgovernos, que facilmente designam estruturas tecnolgicas

    6 Este artigo formula um gradiente de democracia digital que se aplica genericamente maior parte das democracias liberaisconhecidas. Para o tratamento mais especfico da realidade brasileira, recomendo um artigo de doutorando do meu grupo depesquisa que aplica a idia de graus de democracia digital na anlise de portais no poder executivo das nossas capitais (Silva, 2005).

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  • A democracia digital e o problema da participao civil na deciso poltica

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    destinadas ao provimento de servios e informaes p-blicas on-line de democracia eletrnica ou cidade-digital,desfrutando, ao mesmo tempo, de uma aura demodernidade e de convico democrtica. No faltam,naturalmente, iniciativas srias que tendem a facilitar avida do cidado no que respeita quelas iniciativas emque ele era, a princpio de maneira penosa, forado alidar com a burocracia do Estado. Eficincia da gesto,diminuio de custos da administrao pblica e substi-tuio da terrvel burocracia estatal pela nova burocraciadigital tornam a democracia digital de primeiro grau van-tajosa para os governos e confortvel para o cidado. Ci-dado que, na verdade, um cliente ou usurio.

    O segundo grau constitudo por um Estado queconsulta os cidados pela rede para averiguar a sua opi-nio a respeito de temas da agenda pblica e at, eventu-almente, para a formao da agenda pblica. Numa de-mocracia digital de segundo grau, a esfera poltica possuialgum nvel de porosidade opinio pblica e considera ocontato direto com o pblico uma alternativa s sonda-gens de opinio. Estados ou administradores pblicos maissensveis opinio e vontade populares organizam fer-ramentas eletrnicas para a discusso pblica de projetosimportantes, freqentemente provenientes do Executivo,e a extenso, incluso e consistncia do exame e debatepblicos vo depender da sinceridade deliberacionista doagente pblico. Sinceridade, alis, que pode ser materiali-zada no formato do dispositivo tecnolgico empregado.

    Nestes dois graus mais elementares, o fluxo decomunicao parte da esfera poltica, obtm o feedbackda esfera civil e retorna como informao para os agen-tes da esfera poltica. So as formas tpicas sintetizadasna frmula G2C (ou vetor government to citizen), quevem se popularizando nos ltimos anos. O vetor vai,naturalmente, do governo para o cidado. Os graus su-periores, entretanto, supem um fluxo de comunicaocuja iniciativa est na esfera civil ou que produz efeitodireto na esfera poltica, entendida como esfera daefetivao da deciso poltica.

    O terceiro grau de democracia digital represen-tado por um Estado com tal volume e intensidade na suaprestao de informao e prestao de contas que, dealgum modo, adquire um alto nvel de transparncia parao cidado comum. Um Estado cuja esfera poltica se ori-enta por um princpio de publicidade poltica esclarecida.Neste caso, porm, o Estado presta servios, informaes econtas cidadania, mas no conta com ela para a produ-o da deciso poltica. Neste modelo h um encaixe maisou menos adequado entre os fluxos de demanda de expli-caes cuja origem , evidentemente, a esfera civil e a pres-

    tao de contas de um Estado, em todos os seus poderes,que se explica aos seus cidados.

    O quinto grau, evidentemente, representado pe-los modelos de democracia direta, onde a esfera polticaprofissional se extinguiria porque o pblico mesmo con-trolaria a deciso poltica vlida e legtima no interior doEstado. Trata-se do modelo de democracy plugn play, dovoto eletrnico, preferencialmente on-line, da conversodo cidado no apenas em controlador da esfera polticamas em produtor de deciso poltica sobre os negciospblicos. O resultado do estabelecimento de uma de-mocracia digital de quinto grau seria, por exemplo, umEstado governado por plebiscitos on-line em que esfe-ra poltica restaria exclusivamente as funes de admi-nistrao pblica.

    Uma democracia digital de quarto graucorresponderia a determinados modelos de democraciadeliberativa. diferena da democracia de quinto grau, ademocracia deliberativa combina o modelo de democraciaparticipativa com o modelo de democracia representativa.A esfera poltica se mantm, mas o Estado se torna maisporoso participao popular, permitindo que o pblicono apenas se mantenha informado sobre a conduo dosnegcios pblicos, mas tambm que possa intervirdeliberativamente na produo da deciso poltica. A es-fera civil, neste caso, no cessa as suas funes na forma-o eleitoral da esfera poltica (nica funo que lhe atri-buem as constituies liberais contemporneas), mas dealgum modo teria interveno na esfera da deciso pol-tica, fazendo valer nela o resultado da deliberao pbli-ca. Uma deliberao pblica que, dentre outras coisas,serve-se dos meios eletrnicos de interaoargumentativa. A democracia digital deliberativa teriaque ser uma democracia participativa apoiada em dispo-sitivos eletrnicos que conectam entre si os cidados eque lhes faculta a possibilidade de intervir na decisodos negcios pblicos.

    Como no se conhece nenhum Estado com nveiseficientes de implementao do terceiro, quarto e quintograus, tampouco parece plausvel se detalhar os aspectose dimenses envolvidos na produo da deciso polticapor parte do pblico. Sabe-se que as possibilidadesplebiscitrias da internet j se provaram eficazes, assimcomo as ferramentas fundamentais para os fruns pbli-cos de toda a natureza. No se sabe, todavia, que efeitosuma taxa muito intensa de transferncia da deciso pol-tica para a esfera civil por meios eletrnicos produziriasobre a sociedade poltica no seu formato atual, nem comoconciliar a deciso civil com uma gesto do Estado forma-da por representantes eleitos. Trata-se, na verdade, de

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  • Wilson Gomes

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    modelos absolutamente tericos, mas com grande efeitoprtico, sustentando a imaginao de formas de participa-o popular na poltica contempornea e a elaborao eexecuo de projetos destinados a reformar a qualidadedemocrtica das nossas sociedades.

    A forma mais democrtica de assegurarparticipao na deciso poltica se datravs de debate e deliberao.

    O princpio rousseauniano de soberania popularparece requerer que o povo participe de processos abertos ejustos de debate e deliberao sobre os negcios pblicos.Por outro lado, mais fcil identificar deliberao na comu-nicao mediada por computadores, compreendendo-acomo debate ou entendendo-a como produo de decisoargumentada e discutida, do que indicar como tal delibera-o precisamente produz algum efeito na produo da de-ciso poltica que conta no interior do Estado. A rigor, emparte considervel dos casos trata-se de uma esfera pblicano-deliberativa ou simplesmente daquilo que podemoschamar de conversao civil, quando a reivindicao da de-mocracia forte seria uma esfera pblica deliberativa civil.

    Neste contexto, h autores que se ocupam basica-mente da deliberao, mas no se preocupam em mostrarcomo a deliberao popular na internet poderia gerar efei-tos sobre a esfera dos decisores polticos. Chegam mesmo amostrar, com muita capacidade, as caractersticas de umadeliberao adequada, mas no se preocupam em mostrarse tais caractersticas se realizariam, por exemplo, nas deli-beraes off-line. D mesmo a impresso que alguns tra-balham com o modelo de uma espcie de sociedade civilorganizada e hiperengajada em deliberaes, quando tal-vez esta democracia confortvel da internet seja mais apro-priada para uma esfera civil desengajada e desorganizada.

    Das possibilidades e limitesda democracia digital

    O que dizer disto tudo? Bem, os graus mais elemen-tares de democracia digital no causam problemas tericos,pois mantm as estruturas atuais e adicionam algumas van-tagens da internet s prticas polticas democrticas contem-porneas. Tampouco o grau mais extremo causa um autnti-

    co problema, haja vista que o modelo de democracia direta dificilmente sustentvel em sede terica, exceto para os maisradicais libertrios e para os gurus da internet. Resta exami-nar os graus intermedirios inspirados nas idias de esferapblica e democracia deliberativa, na tentativa de evidenciarsuas virtudes e seus limites.

    Antes de tudo as virtudes, a comear pelo fato real deque, para quem tem acesso a um computador e capital culturalpara empreg-lo no interior do jogo democrtico, a internet umrecurso valioso para a participao poltica. Nesse sentido, igual-mente um fato que a internet oferece numerosos meios para aexpresso poltica e um determinado nmero de alternativasque podem influenciar os agentes da esfera poltica. Por issomesmo, tem nos seus dispositivos um repertrio de instrumen-tos para que os cidados se tornem politicamente ativos.

    No rol das vantagens polticas da internet, insiste-secom freqncia nas novas possibilidades de expresso quepermitem a um cidado ou a um grupo da sociedade civilalcanar, sem maiores mediaes institucionais, outros cida-dos, o que promoveria uma reestruturao, em larga escala,dos negcios pblicos e conectaria governos e cidados. Nes-se sentido, a internet pode desempenhar um papel impor-tante na realizao da democracia deliberativa, porque podeassegurar aos interessados em participar do jogo democrticodois dos seus requisitos fundamentais: informao polticaatualizada e oportunidade de interao. Alm disso, ainteratividade promoveria o uso de plebiscitos eletrnicos,permitindo sondagens e referendos instantneos e o votorealizado desde a casa do eleitor.

    D-se tambm o fato de que, com a internet, adquirire disseminar informao poltica on-line tornou-se rpido,fcil, barato e conveniente (Baber, 2003). Por fim, a informa-o disponvel na internet freqentemente desprovida dascoaes dos meios industriais de comunicao, o que significaque, em geral, no distorcida ou alterada para servir a inte-resses particulares, nem a foras do campo poltico nem indstria da informao.

    Num passo adiante, as perspectivas mais utpicas,por fim, freqentemente especulam que uma comunicaopoltica mediada pela internet dever facilitar uma democra-cia de base (grassroots) e reunir os povos do mundo numacomunidade poltica sem fronteiras. Passada, entretanto, afase entusiasmada da literatura onde facilmente se deixavapassar a idia de que a internet resolveria todos os problemasda comunicao poltica, comeam-se a destacar as insufici-ncias dessa infra-estrutura (Wilhelm, 2000).

    Antes de mais nada, porque os pblicos da Idadeda Internet foram em geral expandidos de forma a incluir,por exemplo, mulheres e diferentes classes sociais. Todavia,mesmo nas democracias liberais mais arraigadas temos um

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  • A democracia digital e o problema da participao civil na deciso poltica

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    sistema social onde o pblico no importa ou importa muitopouco na produo da deciso poltica (Papacharissi, 2002,p. 18). Em suma, apesar do fato de a internet prover espaoadicional para a discusso poltica, ela tambm atingidapelas blindagens antipblico do nosso sistema poltico, oque diminui consideravelmente a real dimenso e o realimpacto da opinio pblica tanto on-line quanto off-line.

    No resta dvida quanto ao fato de a internet pro-porcionar instrumentos e alternativas de participao polticacivil. Por outro lado, apenas o acesso internet no capaz deassegurar o incremento da atividade poltica, menos ainda daatividade poltica argumentativa. Flaming, conflitos, fragmen-tao, inconcluso, tudo isso alm de qualquer limite racional,aparecem como constituindo a natureza da discusso on-line em um grande nmero de pesquisas empricas sobrecomunicao poltica por meio da internet. Pesquisas de-monstram, ademais, que as discusses polticas on-line, em-bora permitam ampla participao, so dominadas por unspoucos, do mesmo modo que as discusses polticas em geral.Em suma, apesar das enormes vantagens a contidas, a co-municao on-line no garante instantaneamente uma esfe-ra de discusso pblica justa, representativa, relevante, efetivae igualitria. Na internet ou fora dela, livre opinar s opi-nar. Alm disso, com o predomnio de democracias digitais deprimeiro grau, os sites partidrios so em geral meios de ex-presso de mo nica, e os sites governamentais se constitu-em como meios de delivery dos servios pblicos mais do queformas de acolhimento da opinio do pblico com efeito so-bre os produtores de deciso poltica. Assim, se por um lado,a internet permite que eleitores forneam aos polticosfeedbacks diretos a questes que eles apresentam, indepen-dentemente dos meios industriais de comunicao, por outrolado, no garantem que este retorno possa eventualmenteinfluenciar a deciso poltica.

    Na verdade, pesquisas sugerem que a esfera polti-ca virtual de alguma maneira reflete a poltica tradicional,servindo simplesmente como um espao adicional para aexpresso da poltica mais do que como um reformadorradical do pensamento e das estruturas polticas.

    Alm disso, nem toda informao poltica nainternet democrtica, liberal ou promove democracia.A mesma possibilidade de anonimato que protege a li-berdade poltica contra o controle de governos tirnicos eo controle das corporaes reforo considervel paracontedos e prticas tirnicas, racistas, discriminatrias eantidemocrticas na internet (Gomes, 2002). Por fim, ainformao on-line em princpio disponvel para todosaparelhados para tanto, mas no fcil ter acesso egerenciar vastos volumes de informao. Organizar, iden-tificar e encontrar informao uma tarefa que requer

    habilidades e tempo, que muitos no possuem. Em suma,o acesso informao poltica no nos torna automatica-mente cidados mais informados e mais ativos.

    Em outros termos, quem pode ter acesso infor-mao on-line, pode gerenci-la e, eventualmente, podeproduzi-la, est equipado com ferramentas adicionais paraser um cidado mais ativo e um participante da esferapblica. Por outro lado, tecnologias tornam a participaona esfera poltica mais confortvel e acessvel, mas no agarantem. Seja porque a discusso poltica on-line estlimitada para aqueles com acesso a computadores e internet, seja porque aqueles com acesso internet nonecessariamente buscam discusses polticas, seja, enfim,porque discusses polticas so freqentemente domina-das por poucos.

    Na verdade, isso s surpreende quem partilha dacrena de que o meio a mensagem e de que um conjuntode dispositivos e oportunidades, per se, transformam men-talidades e prticas. Os meios, instrumentos, ferramentasque constituem a internet so apenas mais um recursodentre os dispositivos sociais da prtica poltica, ainda novo,ainda pouco experimentado, ainda em teste. Situa-se numconjunto j estruturado ao redor de outros dispositivosinstitudos e consolidados. O seu lugar se constituir natenso com tais dispositivos, mas tambm com as formasj estabelecidas no conjunto deles, isto , com o sistema ea cultura poltica. Assim, por mais que a internet ofereainditas oportunidades de participao na esfera poltica,tais oportunidades sero aproveitadas apenas se houveruma cultura e um sistema polticos dispostos (ou forados)a acolh-los. Contudo, as circunstncias histricas em quese encontram as democracias liberais contemporneas,umas menos outras mais, parecem menos disponveis participao dos cidados nas suas instncias de produ-o da deciso poltica do que as nossas convices repu-blicanas recomendariam. Por outro lado, as prprias carac-tersticas da cultura poltica compartilhada pelos nossoscontemporneos parecem indicar tudo menoshiperengajamentos dos indivduos em programas e posi-es polticas, disposio a integrar de modo durvel for-mas organizadas da assim chamada sociedade civil, inte-resse em grandes e constantes participaes em debatessisudos sobre temas severos. Nesse sentido, talvez nemtoda a debilidade de participao poltica contempornease explique em termos de dificuldade de acesso, raridadede meios e escassez de oportunidades. A abundncia demeios e chances no formar, per se, uma cultura da parti-cipao poltica. Isso no quer dizer, por outro lado, queno se devam explorar ao extremo todas as possibilidadesdemocrticas que a internet comporta.

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  • Wilson Gomes

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