a decada perdida - dez anos de - marco antonio villa

5/28/2018 A Decada Perdida - Dez Anos de - Marco Antonio Villa

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Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro e poder, ento noss

sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.
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1 edio

2013


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V762d

13-06651

CIP-BRASIL. CATALOGAO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Villa, Marco Antonio, 1955-Dcada perdida [recurso eletrnico] / Marco Antnio Villa. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2013.recurso digital

Formato: ePubRequisitos do sistema: Adobe Digital EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-01-10158-7 (recurso eletrnico)

1. Partido dos Trabalhadores (Brasil) - Histria. 2. Brasil - Poltica e governo. 3. Livros eletrnicos. I. Ttulo.

CDD: 331.880981CDU: 331.105.44(81)

Copyright Marco Antonio Villa, 2013

Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, armazenamento ou transmisso de partes deste livro atravs de quaismeios, sem prvia autorizao por escrito. Proibida a venda desta edio em Portugal e resto da Europa.

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

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Produzido no Brasil

ISBN 978-85-01-10158-7

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Sumrio

presentao

Quadro de siglas e de abreviaes

2003

2004

2005

20062007

2008

2009

2010

20112012

Consideraes finais: a dcada perdida

ibliografia


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Apresentao

Este livro trata dos dez anos do Partido dos Trabalhadores no poder (2003-2012). Ana

portanto, os dois mandatos do presidente Luiz Incio Lula da Silva e os dois primeiros da gesto Dilma Rousseff.Reconstru os principais momentos de cada ano, destacando os fatos relacion

diretamente forma petista de assaltar, tomar e aparelhar o Estado para o seu procriminoso de poder, nas palavras do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Fede

Vivemos um tempo sombrio, uma poca do vale-tudo. Desapareceram os homens pblForam substitudos pelos polticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer prE rapidamente. No importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se fo

apanhados tm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livr-los de algcondenao.

Os escndalos de corrupo e foram tantos no representaram um ponto forcurva. Eram parte do projeto de poder, no qual no se dissociou, em momento alguminteresse pblico do partidrio e, algumas vezes, do simples atendimento aos intere

privados da sua liderana, como no escndalo do mensalo.So anos marcados pela hipocrisia. No h mais ideologia. Longe disso. A disputa pol

pelo poder, que tudo pode e no qual nada proibido. O Brasil de hoje uma socied

invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reao. uma Repblica bufa, Repblica petista.


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Quadro de siglas e de abreviaes

BC: Banco Central

BMG: Banco de Minas GeraisBNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e

Social

BOVESPA: Bolsa de Valores de So Paulo

BRICs: Brasil, Rssia, ndia e China

CCJ: Comisso de Constituio e JustiaCEF: Caixa Econmica Federal

CNT: Confederao Nacional do Transporte

COAF: Conselho de Controle de Atividades Financeiras

CONAB: Companhia Nacional de Abastecimento

COPOM: Comit de Poltica Monetria

CPI: Comisso Parlamentar de Inqurito

CPMI: Comisso Parlamentar Mista de Inqurito

CPMF: Contribuio Provisria sobre MovimentaesFinanceiras

CUT: Central nica dos Trabalhadores

DNIT: Departamento Nacional de Infraestrutura e deTransporte

EMBRAPA: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

FAB: Fora Area Brasileira

FMI: Fundo Monetrio Internacional

FUNASA: Fundao Nacional de Sade


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IBOPE: Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e EstatsticaINCA: Instituto Nacional do Cncer

INSS: Instituto Nacional do Seguro Social

INTERPOL: Organizao Internacional de Polcia Criminal

MP: Medida Provisria

MPF: Ministrio Pblico FederalMR-8: Movimento Revolucionrio 8 de Outubro

MST: Movimento dos Sem Terra

PCC: Organizao criminosa: Primeiro Comando da Capi

PF: Polcia Federal

PIB: Produto Interno Bruto

Selic: Sistema Especial de Liquidao e de Custdia

STF: Supremo Tribunal Federal

STJ: Superior Tribunal de Justia

SUS: Sistema nico de Sade

TCU: Tribunal de Contas da Unio

UNESCO: Organizao das Naes Unidas para a Educao, aCincia e a Cultura


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2003


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ERA O DIA 1 DE JANEIRO DE 2003. O presidente eleito Luiz Incio Lula da Silva, emocioncom voz trmula, caminhava, no Congresso Nacional, para encerrar o discurso de poSeria interrompido trinta vezes pelos aplausos entusiasmados da plateia formada por dezenas de chefes de Estado convidados cerimnia (entre os quais, Fidel Castro e HChvez), deputados, senadores, ministros e pelas mais altas autoridades da Repblica:

Quando olho a minha prpria vida de retirante nordestino, de menino que vendia amendoim e laranja nde Santos, que se tornou torneiro mecnico e lder sindical, que um dia fundou o Partido dos Trabalhadoacreditou no que estava fazendo, que agora assume o posto de Supremo mandatrio da Nao, vejo e seitoda a clareza e com toda a convico, que ns podemos muito mais.

Continuou:

Estamos comeando hoje um novo captulo na Histria do Brasil, no como nao submissa, abrindo msua soberania, no como nao injusta, assistindo passivamente ao sofrimento dos mais pobres, mas como altiva, nobre, afirmando-se corajosamente no mundo como nao de todos, sem distino de classe, etnia, screna.

E concluiu sem nenhuma modstia: Hoje o dia do reencontro do Brasil consigo meAgradeo a Deus por chegar at onde cheguei.

No longo discurso, usou 3.926 palavras. Em nenhuma delas fez qualquer meno pos por mais discreta que fosse aos governos anteriores. Nada disso. Pintou o pasrecente com cores sombrias: produziu estagnao, desemprego e fome; diante do fracassuma cultura do individualismo, do egosmo, da indiferena perante o prximo,desintegrao das famlias e das comunidades.

E mais:

Diante das ameaas soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurana pblica, do desreaos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econmico, social e moral do psociedade brasileira escolheu mudar e comeou, ela mesma, a promover a mudana necessria. Foi parque o povo brasileiro me elegeu Presidente da Repblica.

A poltica externa seria orientada por uma perspectiva humanista; faria a reforma agrno apenas por uma questo de justia social, mas para que os campos do Brasil produmais e tragam mais alimentos para a mesa de todos ns; e, suprema ironia, d

entusiasmado: ser honesto mais do que apenas no roubar. tambm aplicar com efici


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e transparncia, sem desperdcios, os recursos pblicos.E concluiu: O combate corrupo e a defesa da tica no trato da coisa pblica s

objetivos centrais e permanentes do meu governo. preciso enfrentar com determinaderrotar a verdadeira cultura da impunidade que prevalece em certos setores da

pblica.Encerrou o discurso com um viva o povo brasileiro, mais adequado a um comcio do

a uma solenidade de posse. Registre-se cena grotesca protagonizada pelo senador Edu

Suplicy, que gritou trs vivas (sem ser acompanhado pelos presentes): um para Lula, opara Jos Alencar e o ltimo para o Brasil.

V-se que no economizou no autoelogio: utilizou catorze vezes a palavra mudatransformou seu governo, que sequer comeara, em marco histrico, numa nova pconduziria os brasileiros Terra Prometida, pois tinha uma trajetria de vida exemplalivraria o Brasil de todos os males, especialmente da corrupo.

O discurso uma mistura de ufanismo de Afonso Celso2com o revisionismo histricJosef Stlin3 foi muito aplaudido. Lula retirou-se do plenrio com dificuldade, secumprimentado efusivamente.

Uma catarse coletiva, como se a elite poltica presente cerimnia tivesse realizadoato de expiao. At o primeiro-secretrio da Cmara, o deputado Severino Cavalcantque, dois anos depois, estaria envolvido com o que ficaria conhecido como o mensalinhCmara aproveitou, antes de ler o termo de posse, para inserir um caco, algo patmas que, graas ao clima festivo, foi entendido com certa bonomia:

No posso deixar de dizer a Lula que temos a mesma origem. H 46 anos fui para So Paulo tambmpau de arara. Vindo da cidade de Joo Alfredo, sou hoje o primeiro-secretrio da Cmara dos Deputados.filho da cidade de Caets, hoje assume a Presidncia da Repblica. Vejam a coincidncia: dois homeagreste pernambucano.

Eram 16h30. Lula gastara 44 minutos para o discurso e quase metade deste tempo simplesmente conseguir sair do plenrio.

O dia comeara com muito calor. Milhares de pessoas os nmeros variam entre 100 m200 mil estavam na Esplanada dos Ministrios.4E shows com vrios cantores popu

de Gilberto Gil dupla sertaneja Zez Di Camargo e Luciano distraam o pblico.Para Lula a cerimnia de posse iniciara s 14h, quando partiu da Granja do Torto, o

estava hospedado, com destino Catedral de Braslia, onde se encontrou com Jos Alen


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vice-presidente.De l, dirigiram-se ao Congresso Nacional, a bordo do Rolls-Royce modelo 1953, o

deu um ar no s a esta posse de repblica bananeira, alm do que o veculo voltarapresentar defeito mecnico, tendo de ser empurrado pelos seguranas.

Depois de ter passado uma hora no Congresso Nacional, seguiu para o Palcio do Planonde era esperado por Fernando Henrique Cardoso. Recebido com um abrao efusivo (que FHC tinha conhecimento do discurso proferido por Lula no Congresso?), encaminha

se ao parlatrio, onde o recm-eleito receberia a faixa presidencial, ocasio em protagonizaram uma cena de comdia pastelo: ao retirar a faixa e coloc-la em LFernando Henrique derrubou seus culos, Lula agachou-se para peg-los e ento q

bateram cabea.Lula teria dito ao antecessor: Aqui voc tem um amigo. Ainda no campo da chanch

os presidentes e suas esposas deram-se as mos e levantaram os braos, sendo seguidos pque estavam atrs.

Neste clima esportivo, pouco depois aps mais cumprimentos das autoridades prese Lula conduziria Fernando Henrique at o elevador, onde se despediram mais uma Estranhamente, porm, o ex-presidente no desceu a rampa do palcio, como estava preve optou por uma sada de servio.

Aps ter dado posse aos ministros, foi a vez de Lula, cinquenta minutos depois, Desceu a rampa, pegou novamente o Rolls-Royce e se dirigiu ao Palcio da Alvoradameio aclamao popular, onde recepcionaria as delegaes estrangeiras.

Toda a cerimnia e foram pouco mais de trs horas teve um diretor, o publicitrio DMendona. Dois anos depois, quando surgiu o escndalo do mensalo Duda entre os

, ficou-se sabendo que parte dos gastos da festa fora paga por Marcos Valrio, pprincipal do esquema, que acabaria condenado, em 2012, a mais de quarenta anos de pris

Naquele dia, porm, tudo foi festa, ainda desconhecida a ligao entre o PT e Ma

Valrio. Mesmo assim, o ato de expiao era considerado necessrio: um operrio no tinha trabalhado sequer uma dcada no ambiente fabril, o restante dos anos passou clder sindical e depois como poltico profissional chegara Presidncia da Repblica.

Para os ufanistas tupiniquins era como se a senzala tivesse, depois de sculos, ocupdemocraticamente a casa-grande. Ningum imaginou que se tratava de um processo muito complexo. Em vez da ruptura, a continuidade do que havia de mais arcaico na ordem senh

brasileira. Quem assumia a direo da casa-grande era um novo senhor demasiadammais arguto que os anteriores.


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A cobertura da imprensa foi apotetica. Reforou a falcia de que o pas vivia um mominigualvel na sua histria. O Globoconcedeu mais de uma dzia de pginas ao eventoacordo com Tereza Cruvinel, o povo esteve no centro da cena como em nenhuma outra pocarnavalizou a solenidade e lavou a alma.5

Mais frente, no mesmo jornal, Lula era descrito da seguinte forma: Ele um chopara desespero dos mdicos adora rabada e uma cachacinha, e j andou avisando: em vepriplos pelo circuito Helena Rubinstein (Paris, Roma, Londres e Nova York), prefere vipelas entranhas do Brasil.

Ah, a ingenuidade jornalstica! S no primeiro ano de governo, Lula viajaria ao dobrpases visitados por Fernando Henrique: 28 pases.6

Em outra matria, o foco foi o encontro entre os dois presidentes:

Com passos lentos e um largo sorriso, Lula subiu a rampa do Palcio do Planalto pela primeira vedisfarar a emoo de estar realizando um sonho cultivado durante treze anos. Do alto da rampa, Fern

Henrique o esperava de braos abertos. Lula mal conseguiu falar e abraou carinhosamente o antecessor.atrs, tambm emocionado, o chefe da Casa Civil, Jos Dirceu, caminhava lentamente, observando cada ddo momento histrico.

O clima de catarse histrica dominava. Tudo se passava como se fosse consequinevitvel natureza de Lula ter chegado Presidncia. Havia uma espcie de atmosferfinal da histria, com a vitria dos bons, simbolizados por Lula e... Jos Dirceu.

A Folha de S.Paulo usou a expresso que sintetizaria aquela cobertura jornalscelebrao. Foi uma comunho religiosa. Em um dos ttulos do caderno especial dedicao evento, o jornal registraria: Multido rompe segurana para celebrar a posse de Lula.

A palavra mais presente foi emoo. O lder do Partido Liberal, o deputado ValdeCosta Neto, futuro ru do processo do mensalo, declarou que estava comovido coclareza de Lula e sobretudo com a empatia com o pblico. Em mais de uma dzi

pginas, nenhuma crtica. O clima foi mesmo de celebrao. O Estado de S.Paulo tampdestoaria. At o ditador Fidel Castro seria elogiado a bem da verdade, duas veze

primeira quando teve comparada sua entrada em Havana, em 1959, festa que se assistirBraslia; a segunda, quando um entrevistador o chamou de um homem extraordinrio.Um jovem cineasta entrevistado resumiria o clima da cobertura: No comeo no era n

me interessava s no operrio, na vida do sindicalista. Mas agora me sinto cada vez mparte disso tudo.

A revista Veja, sempre contida, entraria tambm no clima de euforia, to caractersticBrasil. A primeira frase da reportagem Um dia para a histria resumiu muito bem o espda cobertura: A primeira semana de 2003 j est inscrita na histria brasileira. histri

chegada ao poder do ex-operrio que, durante o discurso de posse, resumiu em popalavras sua extraordinria biografia de retirante nordestino a presidente da Repblica.


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A formao do ministrio eram 34 ministros, cinco novas pastas criadas e desmembrada, a de Esportes e Turismo foi saudada como positiva pela revista. E Dirceu,7 elogiado: fez um discurso para a plateia, mas tornou-se conhecido no PT comdirigente que enquadrou as alas radicais do partido e trouxe a bandeira vermelha para

posio de centro-esquerda para ganhar eleies e no perd-las.At o filho do novo ministro seria louvado: alto, loiro, simptico, desimpedido, ()

no vai ficar em Braslia, para desconsolo das pretendentes em potencial, pois o paconselhara a no abandonar a empresa de informtica que montou, sob um argumirretorquvel: poltica coisa incerta e, exercida com honestidade, no d dinheiro. Dirdcada depois, seria condenado a dez anos e dez meses de priso, considerado chefquadrilha e corrupto durante o processo do mensalo.

Vejatambm demonstrou preocupao com os arroubos da multido e a facilidade como presidente atendia os desejos da massa: Nas multides podem estar desequilibradispostos prtica da violncia, e um presidente no pode correr riscos desse tipo

hiptese alguma. Vale ressaltar, contudo, que foi a nica publicao a destacar o discursocontinuidade da gesto Lula em relao do antecessor, especialmente no campo econmE advertiu que a cobrana logo viria. E veio. Um pouco tarde, mas veio.

A transformao de Lula no Dom Sebastio do sculo XXI contou com o empenho de toda

equipe, principalmente dos mais prximos. Para Antnio Palocci, seu ministro da Fazeera um lder obstinado, dono de um carisma inconfundvel e uma sabedoria poltica raramais: admirava a racionalidade que convive no interior de um homem que, como se sabum poo de emoes. Ricardo Kotscho, seu secretrio de Imprensa, considerou que, fato de a luta de Lula ter sido to longa, desgastante e intensa, a vitria, para ele, foi apuma consequncia natural da sua trajetria em busca do poder algo que haveria fatalmde acontecer um dia.8

Mas nada sequer se aproximaria do que escreveu Frei Betto no jornal O Dia, do Ri

Janeiro, em 28 de outubro de 2002. O frade dominicano sempre se destacou pelo cultditadura cubana e pela defesa intransigente do militarismo da esquerda brasileira, esquecer suas inovaes teolgicas, como a do desejo de que todos fossem filhos, na

pessoal e profissional, do casamento de Ernesto Che Guevara com santa Teresa a esco de vila ou Calcut.

O referido artigo, em forma de carta, era, segundo ele, uma homenagem ao eleito, dirigida me de Lula, falecida em 1980. Encerrava a carta dizendo que Lula ensinnao que possvel fazer poltica com decncia, vergonha na cara, tolerncia nas rela

pessoais e intransigncia nos princpios:


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Obrigado, dona Lindu, por ter dado ao Brasil um presidente com capacidade de liderana, transparnciae profundo amor ao povo, sobretudo queles que, como a sua famlia, conhecem na carne e no espsofrimento e a pobreza. O Brasil merece um futuro melhor. O Brasil merece este fruto de seu ventreIncio Lula da Silva.9

Lula era o Messias, e dona Lindu, Maria! Comeava o processo de santificao do receleito presidente operao que se valeria de categorias do mundo cristo, abandonand

interpretaes marxistas de lder operrio, revolucionrio, socialista.10

Logo, entretanto, o governo comearia a ter contato com o mundo real. A falta de capacidadministrativa e a inexperincia produziram os primeiros escorreges.

O ministro Roberto Amaral, da Cincia e Tecnologia, pouco afeito rea, resodefender publicamente a construo de uma bomba atmica, programa que fora abandondesde o governo Fernando Collor, quando se destruiu, na serra do Cachimbo, no Par,

poo que deveria ser usado no caso de uma detonao nuclear.Mais do que uma declarao, a entrevista do ministro criou um mal-estar com os vizin

do Brasil, levantando novamente o fantasma de uma corrida atmica na regio. Embointeno tenha sido desmentida, o episdio revelou uma absoluta falta de coordenaogoverno.

Buscando rapidamente construir um fosso que distinguisse sua gesto da anterior, incentivaria a realizao de devassas nos ministrios, no raro, porm, deparando-se cofato de que, apesar da mudana de governo, um mesmo partido permanecesse no control

pasta ou com influncia sobre seus escales inferiores.

O caso mais emblemtico ocorreu no Ministrio dos Transportes. Anderson Adauto, o nministro, anunciou que passaria pente-fino nos contratos da pasta e declarou que usarExrcito para construir estradas. Mas no faria uma coisa nem outra.

A reavaliao dos contratos no passou da fase de inteno, pois, uma semana depoidivulgados os propsitos, Adauto seria acusado de ter realizado negcios ilcitos coMinistrio... dos Transportes. Era mais uma reedio da piada do bode cuidando da horta.

O governo no tinha um projeto para as Foras Armadas. O Ministrio da Defesa acabocupado por um diplomata, Jos Viegas, que no era especialista na rea. Seguind

populismo lulista, o Exrcito, especialmente, seria lembrado para qualquer funo, sem


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distante de suas atribuies constitucionais.A exemplo do colega titular dos Transportes, que designara o Exrcito para const

estradas, tambm o ministro do Esporte se sentiria vontade para propor que os quafossem abertos prtica esportiva. J o ministro Jos Graziano, principal responsvel Fome Zero, aproveitaria a oportunidade para pedir a participao das Foras Armada

programa, e Cristovam Buarque, ministro da Educao, manifestaria o desejo de que atuasna campanha contra o analfabetismo tudo isso embora, no Brasil real, no tives

recursos sequer para o rancho dos recrutas.Nas Comunicaes, Miro Teixeira anunciou que reveria todas as concesses de rd

televiso realizadas em 2002. Mas nada revogou. Ciro Gomes, da Integrao Naciosuspendeu por trinta dias os pagamentos de seu ministrio, e tambm insinuou que suspeide irregularidade. Um ms depois, entretanto, retomou-os discretamente.

Pegaria muito bem, para a imagem daquele incio de governo, a suspenso da compruma dzia de jatos para a FAB. Era um assunto discutido h alguns anos. Lula proclamouos recursos (700 milhes de dlares) se destinariam ao Fome Zero. Esqueceu-se de lembcontudo, que os caas seriam pagos atravs de uma linha de crdito oferecida pelo vendedor. Desta forma, no havia qualquer recurso disponvel desta rubrica para ser aplicno Fome Zero. Mas a deciso teria grande repercusso internacional, reforando o mit

preocupao petista com o social e de extremo cuidado com o dinheiro pblico.Ainda em ritmo de campanha, Lula levou vrios ministros ao Nordeste. Queria

Guaribas, no interior do Piau, cidade smbolo da misria de ento. No foi possveinfraestrutura necessria para o deslocamento impossibilitava o espetculo, que fic

resumido a visitas s periferias de Teresina e Recife, mas com direito a fotos do presidcarregando crianas no colo, casas de pau a pique e muita pobreza.Lula confundia propositalmente compromisso com as mudanas sociais com sim

presena pessoal onde os problemas se manifestavam de forma crua. Todas estas acontariam com ampla cobertura da imprensa. Era uma sinalizao de como o governo agBons de marketing na oposio, os petistas davam sinais de que manteriam o estilogoverno.

A histrica herana socialista do PT estava a todo o momento presente. Era necessportanto, alimentar os setores partidrios imediatamente insatisfeitos com o rumo do govrecm-iniciado.

A Carta ao povo brasileiro, de junho de 2002, considerada decisiva para a eleiLula, sinalizara claramente a disposio do PT em abandonar o velho discurso socialista

antigas campanhas e o compromisso de manter a estabilidade econmico-financeira


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povo, no caso, era o grande capital estrangeiro e nacional. O principal mentor da cAntonio Palocci, contaria em detalhes como chegara concluso do documento, e fez quede mencionar Joo Roberto Marinho, das Organizaes Globo, como aquele que deu o verde para a finalizao do texto.11

A aliana com o grande capital, efetuada desde o incio da campanha presidencial, fortalecida com a nomeao de ministros confiveis aos investidores nacionais e estrangeAlm do qu, a direo do partido abandonara o discurso socialista a prtica, por sua

no o era desde a conquista dos primeiros executivos municipais, ainda nos anos 1980.Entretanto, para demonstrar que ainda representava o papel de socialista quatro

depois, em entrevista, declararia: nunca fui de esquerda , Lula compareceu ao FSocial Mundial, em Porto Alegre. Discursou entusiasticamente. Mas, em seguida, viajoSua, onde participaria do Frum Econmico Mundial, em Davos.

Foi recebido como estrela. E adorou. Apresentou-se como a ponte entre os dois fruma espcie personalista de terceira via, nem socialismo, nem capitalismo. Era a esinternacional, em grande estilo, de Lula, que ganhou pontos entre os grandes investidores governantes das maiores potncias.

Sempre pragmtico, Lula teve tempo, em meio a uma agenda carregada, de se encontradentro do Palcio do Planalto com Marcos Valrio, o organizador financeiro do mensa

Foi a 14 de janeiro de 2003. Seria ento apresentado ao publicitrio mineiro por Jos DirPresidente, este aqui o Marcos Valrio, um publicitrio l de Minas que est ajudangente naquele negcio das dvidas do PT.

Valrio ajudou o PT. Uma semana depois, o banco Rural depositaria R$ 10 milheconta do partido. No mesmo dia, foram depositados quase R$ 100 mil na conta da empressegurana pessoal de Lula, Freud Godoy, dinheiro destinado a pagar as despesas de Lula o translado de parentes e amigos para a posse.

Valrio intermediou para suas empresas de publicidade 12 e para os bancos Rur

BMG negcios privilegiados com o governo. Bastaria citar, por exemplo, a concefeita por Lula, a 17 de setembro de 2003, ao BMG, que deteve a exclusividade, por meses, da concesso de emprstimos consignados aos funcionrios pblicos federais, alcanariam, no perodo, a soma de R$ 3 bilhes. O faturamento do banco crerepentinamente: mais de 200%.13A prspera sociedade entre o publicitrio e a alta dire

petista prolongar-se-ia por mais de dois anos ainda, interrompida somente aps as denndo deputado Roberto Jefferson, em maio de 2005.


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No incio de fevereiro, em chapa nica, o petista Joo Paulo Cunha foi eleito presidentCmara. Os partidos entraram em acordo e aceitaram a proporcionalidade das bancadas cinstrumento para formar a mesa da casa. No Senado, Jos Sarney elegeu-se com votos ddos 79 senadores presentes sesso. Dos catorze senadores do PT, treze compareceravotaram em Sarney. A ausente foi a senadora Helosa Helena.

Com dois aliados no comando das duas casas do Congresso, Lula procurava manter relao tranquila com o Legislativo e garantir a aprovao das reformas defendidacampanha e, principalmente, no discurso de posse. Mantinha o dando que se recebetradicional da poltica nacional desde a redemocratizao de 1985.

Ainda antes do Carnaval ficaria pronta a primeira proposta governamental de reforma:

Previdncia dos funcionrios pblicos. Era o incio de uma batalha que se estenderia por ano.O PT iniciava ento o processo de redefinio de sua base poltica de apoio. Se a C

ao povo brasileiro significara uma guinada econmica do partido para posies considerde centro, a proposta de reforma da Previdncia consistia num claro indcio de qufuncionrios pblicos muito ruidosos, mas eleitoralmente pouco expressivos edeixados de lado e de que o partido, portanto, estava procura de uma base eleitoral mmais ampla e significativa em termos eleitorais, aquela composta pelos mais pobres;

isso, precisaria construir mecanismos econmicos que permitissem obter este apoio.Em mais uma sinalizao, considerada um aceno para acalmar o mercado, foanunciados cortes no oramento, no valor de 14 bilhes de reais, sem poupar educao, se reforma agrria, pontos at ento tidos como prioritrias pelos petistas. Somente na social, porm, os cortes alcanariam 5 bilhes de reais.

O objetivo era atingir um supervit primrio de 4,5% do PIB. Dias depois, o Banco Ceelevaria em um ponto a taxa Selic, que alcanou 26,5%, e aumentaria o depsito compulsdos bancos em 8 bilhes de reais, contendo ainda mais o crdito e, por tabela, o consumo.

O partido estremeceu. Os chamados radicais liderados pela senadora Helosa He protestaram. Baixaria, ento, o centralismo democrtico. Em rpida resposta, Jos Gene Jos Dirceu especialmente esse, que, apesar de ter deixando a presidncia do PT assumir a Casa Civil, era o dirigente mximo, de fato, do partido no s exigiam que toos parlamentares seguissem a linha da direo partidria como ameaavam os dissidentes

punies.

*


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A avaliao positiva do presidente nas pesquisas cairia nos primeiros dois meses de goveSe, em janeiro, era de 56,6%, em maro teria queda acentuada, para 45%. Um sinal clarque a retrica teria de ser substituda pela ao.

Lula se esforaria. Basta recordar que foi ao Sindicato dos Metalrgicos de So Berndo Campo e tentou justificar o marasmo do governo usando suas conhecidas metforas: de esperar nove meses para nascer. Depois, onze meses para andar. Depois, doze meses pfalar papai e mame. Por que vou fazer as coisas com pressa?

Encantados pelo poder, os petistas comeavam a saborear os privilgios, aqueles mesmoscombateram durante duas dcadas. Agora, porm, era a vez deles. Estavam satisfeitos. Tinengordado; muitos trocaram de mulher (optando pelas mais novas, claro); deixaram de

a cerveja e a cachaa e passaram a pedir, nos restaurantes, a carta de vinhos. Mudaram aforma de dirigir o olhar. No mais pediam. Passaram a ordenar. E como gostaram deste npapel!

Lula, em maro, utilizou um veculo oficial para passear com a cadela Michrecordando, por instantes, o episdio que envolvera o ministro do Trabalho do govCollor, Antonio Rogrio Magri, e o translado de seu co, e que geraria a pitoresca fraseministro de que cachorro tambm gente. Mas Magri era Magri, e Lula era Lula. Logo, foi esquecido.

Em junho, o ministro Jos Dirceu usaria avio da FAB para fazer campanha polticaCruzeiro do Oeste, Paran, para seu filho, futuro candidato a prefeito. No ms seguintministro da Justia Mrcio Thomaz Bastos faria uma viagem particular valendo-se dehelicptero da Polcia Federal.14Os tempos do moralismo verbal petista tinham ficado trs, bem para trs.

O MST que no dera trgua ao governo de FHC (que assentou 635 mil famlias), mas com a ascenso de Lula, mantivera uma atitude inicial retrada aos poucos daria alsinal de vida, retomando lentamente as invases, embora muito mais como uma satisfasua base de apoio. Em janeiro, promoveu a primeira, em Rondnia. Em maro, inv

prdios pblicos e terras, alm de acampar na Esplanada dos Ministrios, em Braslia.


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O programa Fome Zero, em trs meses, j era um fracasso. No conseguia sair do paPorm, consumira 42 milhes recursos pblicos em viagens, estudos e divedespesas administrativas. Simbolizava bem o governo. No menos que 24 milhes de qude alimentos se encontravam pessimamente armazenados e sem canais de distribuio.

As contas bancrias que receberiam as doaes em dinheiro ainda no tinham sido seabertas. Jos Graziano, formulador do programa, ficaria mais conhecido no pelo trabamas por uma frase preconceituosa dita numa entrevista: Se eles, os nordestinos, continuavindo para c, ns vamos ter de continuar andando de carro blindado.

Pouco depois, o gabinete de Mobilizao Social um dos instrumentos do Fome Zeque tinha na direo Oded Grajew e Frei Betto seria despejado do 3 andar do PalciPlanalto, deslocado para um anexo, de modo a que, no lugar, fosse instalada a primeira-dadona Marisa. Era a primeira vez que a esposa de um presidente tinha gabinete em plena do governo.

Muita reunio e pouca ao prtica sintetizariam este momento. Anunciou-se, por exem

que, para fazer o Plano Plurianual (PPA), obrigao constitucional, que normalmengoverno elaborava e encaminhava ao Congresso, desta vez haveria uma ampla consulsociedade. Mas o prprio governo, em seguida, esquecer-se-ia da ideia absolutaminexequvel. Os petistas no tinham entendido a complexidade de administrar a Unio, imaginavam ainda frente de algum sindicato ou de uma cidade.

Mesmo assim, os primeiros cem dias de governo seriam considerados positivos. Supuse algo muito pior. Desde a campanha eleitoral excetuados os exageros retricos sinalizao era de que Lula continuaria a poltica econmica de FHC, at porque no t

outra proposta.Era mais seguro deixar tudo como estava e aguardar alguma mudana positiva no ceneconmico mundial. A cotao do dlar cara, assim como o risco Brasil. As constadeclaraes do ministro Palocci e a poltica conservadora do Banco Central designado para presidi-lo Henrique Meirelles, recm-eleito deputado federal pelo PSDBGois, e que tinha sido presidente mundial do Banco de Boston reforavam os sinaique, no campo econmico, dificilmente haveria alguma turbulncia. Uma guinada em relao passado recente de um partido que tinha entre seus principais lderes, inclusive aqu

que falavam como porta-vozes da rea econmica quem apoiasse o no pagamentodvida externa; os mais moderados defendiam uma auditoria da dvida. Tambm discordado acordo com o FMI feito pelo presidente Fernando Henrique, e criticavam a metsupervits primrios de 3% do PIB.

Apesar, portanto, da presso interna do PT sobre o governo Lula, os anncios do nsalrio mnimo (240 reais) e do reajuste do funcionalismo pblico (1%) reforariam amais esta tendncia de alinhamento poltica econmica dos tucanos. Ironicamente, GusFranco, ex-presidente do Banco Central, escreveu: O que deu certo no governo,

primeiros cem dias, foi o que no mudou.


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Encerrando-se o ms de abril, Lula entregou ao Congresso as reformas previdencirtributria. Montara uma grande operao de marketing, bem ao seu estilo. Em passeata, sdo Palcio do Planalto em direo ao Congresso, acompanhado de 27 governadoresministros, dez prefeitos de capitais e dezenas de assessores. Queria, com isso, simbolizarcompromisso com as reformas, embora a maior oposio aos projetos viesse de seu pr

partido, dos setores logo apelidados de radicais.

No quinto ms de governo, o presidente estava ainda em lua de mel com a imprensa, quese cansava de elogiar seus longos e constantes discursos. Em janeiro, falara sete vezesfevereiro, seis; em maro, pularia para dezesseis; e, em abril, chegaria a 25 quase umdia.

Lula tentava estabelecer uma nova linha de conduta para o presidente. Buscava, assimcontato direto com os cidados, dispensando intermedirios, desqualificando os outros poderes e elaborando ideias de senso comum, como se fossem complexos pensamefilosficos.

Diferentemente de seus antecessores, era nos palanques que se sentia em casa, longrotina burocrtica dos despachos no Palcio do Planalto. Retirando o radicalismo do disce associando a fala ao cotidiano, apresentaria suas analogias como explicaes sociolgda gesto governamental.

Disse: O bom tcnico de futebol no aquele que comea ganhando. aquele que termganhando. Porque o que vale o fim do jogo. Pegando um p no discurso nacionalistapresente no Brasil do regime militar, comearia a destacar a necessidade de fortalecautoestima nacional, dissolvendo as contradies sociais: Esta a hora de cada brasile

brasileira pensar menos em si mesmo e mais no pas.Alguns paralelos histricos eram bizarros, mas agradavam as plateias. Falaria,

exemplo, que, se Jesus Cristo precisou ser crucificado para salvar a humanidade, porcada um de ns no pode colocar um pouco do nosso sacrifcio para salvar este imenso B

que precisa tanto de ns?E at elogiaria o facnora Lampio, imputando ao cangaceiro o que nunca disse:

queremos uma segurana pblica em que a justia seja igual para todos, e no uma justiacuida com mais carinho daquele que tem alguns contos de ris em conta bancria. Cdizia Lampio, em 1927: Neste pas quem tiver trinta contos de ris no vai para a cadeia

Tambm fez pregao religiosa, como se fosse um pastor (e aproveitaria para atacLegislativo e o Judicirio): No tem chuva, no tem geada, no tem terremoto, no tem feia, no tem um Congresso Nacional, nem um Poder Judicirio. S Deus ser capa

impedir que a gente faa esse pas ocupar o lugar de destaque que ele nunca deveria


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deixado de ocupar.

O ms de junho seria marcado pela polmica reforma da Previdncia, a emenda constitucin 41. Os principais pontos consistiam na taxao dos servidores inativos da Unio e

estados, no aumento da idade mnima para aposentadoria (homens, sessenta anos; mulh55), na exigncia de no mnimo vinte anos de servio pblico para que o funcionrio pudaposentar-se, na limitao da aposentadoria do funcionrio pblico ao teto do INSS, pde R$ 2.400, e num valor mximo de proventos tanto para os ativos como para os inativos

Era mais radical que a proposta que Fernando Henrique Cardoso conseguira aprova1998, atravs da emenda constitucional n 20.

No programa de governo apresentado para as eleies de 2002 j estava claro qpartido proporia modificaes: A criao de um sistema previdencirio bsico univepblico, compulsrio, para todos os trabalhadores brasileiros, do setor pblico e privadsistema deve ter carter contributivo, com benefcios claramente estipulados e o valor do e do teto de benefcios de aposentadoria claramente definido.

No entanto, houve protestos do PT, dos sindicatos que tinham uma antiga vinculao copartido e at do Poder Judicirio e do Ministrio Pblico. No Congresso da CUT, Lula svaiado da primeira vaia no se esquece por uma parte do plenrio. Num palco sempre tivera como seu, daquela vez encontrava oposio.

No final de junho, pressionada por uma grande manifestao liderada pelos servidpblicos, a bancada do PT na Cmara Federal racharia no momento de aprovar um documde apoio reforma: 32 a favor e 22 contra.

Como sinal dos tempos, alis, era ento sistematicamente elogiado como parlamecumpridor das ordens do Planalto o vice-lder do governo na Cmara, professor Luiz(PT-SP), considerado um arete contra os radicais.

E Lula falava (e como!). Sempre criando frases de efeito que tivessem impacto imediatconjuntura. Uma das quais resumiria as aes de sua gesto: Todo mundo sabe que nu

aceitei o rtulo de esquerda. Fazia questo de dizer que no era de esquerda, tanto consumo externo quanto para consumo interno, do PT.15

O governo contabilizaria, entre suas vitrias, a adeso do PMDB. Era essencial o apoipartido para aprovar as reformas e alcanar maioria confortvel no Congresso.

As constantes crticas do vice, Jos Alencar, sobre a poltica de juros criariam vrias s


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ustas no Planalto. Alencar vocalizava as ressalvas dos empresrios, que imputavam s ataxas de juros o baixo investimento no setor. Os consumidores tambm estavam insatisfecom os juros dos cartes de crdito e do cheque especial.

O governo mantinha uma poltica econmica conservadora. E, por estranho que pareram lderes da oposio que saam em defesa do Banco Central. O senador Arthur Virg(PSDB-AM), por exemplo, atacaria duramente Alencar: A opinio dele abilolada. Comvice-presidente desses, a gente torce pela sade do Lula.

Leonel Brizola, bem a seu estilo, era direto e centrava fogo no presidente: O quesurpreende que o Lula se mostre to indeciso, vacilante e, por que no dizer, frouxo.

O balano do primeiro semestre no seria nada positivo. O nmero de desempregaumentara em 560 mil, a informalidade se mantivera e a renda diminura. A taxa Selic fechem 26% (cara 0,5% em junho).

O MST, que se mobilizara timidamente nos primeiros meses do ano, retomoumanifestaes, num tom acima, e invadiu vrias propriedades com o intuito de pressionadministrao petista pois tambm sua liderana era contestada. Os sindicatos funcionrios pblicos romperam com o governo. Naquela conjuntura, j no mais servicomo massa de manobra para o PT. Podiam ser descartados e o seriam.

Vrios ministros tiveram desempenho decepcionante. E o destaque seria o enorme p

concentrado na Casa Civil. Todos os atos do governo passavam pela chancela de Jos Dirprincipalmente as nomeaes para os mais de 20 mil cargos comissionados. Lula at brinccom o centralismo de Dirceu: O problema do Z que s vezes ele quer mandar mais doo presidente.

A Lula cabiam como um chefe de Estado num regime parlamentarista as funerepresentao. Jos Dirceu era, informalmente, o primeiro-ministro. O decreto 4.734, de 1unho, dava-lhe amplos poderes: Fica delegada competncia ao Ministro de Estado Chef

Casa Civil da Presidncia da Repblica para, observadas as disposies lega

regulamentares, praticar os atos de provimento de cargos em comisso do Grupo-DireAssessoramento Superiores DAS no mbito da Administrao Pblica Federal.

No satisfeito, o pargrafo primeiro do decreto estendia ainda mais a competncinomeao da Casa Civil, abarcando todas as secretarias especiais, o gabinete pessoa

presidente, a assessoria especial da Presidncia e a Secretaria de Imprensa e ComunicaEm resumo, todo o governo estava nas mos do chefe da Casa Civil.

Nesta poca, Dirceu ainda estava em lua de mel com a imprensa e ela com ele, regise. Era visto como o duro, como aquele que colocara rdeas nos radicais petistas, e

elogiado pela gesto do governo e por seu papel de executivo exemplar: Eu ode


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incompetncia. Eu no tolero a incompetncia.16

Em julho, o MST, que sempre funcionara como um brao do PT, promoveria as manifestamais fortes desde o incio da Presidncia de Lula, agora contra a interrupo da refo

agrria. O governo desapropriara 200 mil hectares, mas instalara apenas 2.500 famlianmero muito distante da meta de 60 mil para 2003.

O MST, que se mantivera pouco atuante at ento, com protestos espordicos de tempotempos, precisava dar alguma satisfao s bases, que estavam inquietas. Ademais, lderes observavam a presena e o crescimento de outros movimentos agrrios dispostdisputar suas massas. Era necessrio agir. As invases atingiriam fazendas em So PaMinas Gerais, Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paran e Par. Mas n

propriedades rurais, pois tomariam tambm prdios pblicos e atacariam e saqueariam pode pedgios em estradas.

O objetivo central no era a reforma agrria. Nada disso. Tratava-se de uma manobra fortalecer a liderana do MST, impedir o crescimento de movimentos rivais e mostragoverno que a direo tinha ainda o controle dos miserveis do campo e poderia usquando bem desejasse.

Dias depois, no entanto, numa reunio do movimento no Rio Grande do Sul, Joo PStedile, o eterno chefo do MST, deixaria essas motivaes polticas de lado, vestir

fantasia de revolucionrio e iria direto ao assunto, pois o pblico para o qual falava era ouA luta camponesa abriga hoje 23 milhes de pessoas. Do outro lado h 27 mil fazendeEssa a disputa. Ser que mil perdem para um? O que nos falta nos unirmos. Para cada

pegaremos um. No vamos dormir at acabar com eles.

Na primeira semana de julho, o governo tomou uma importante deciso: a de unificaprogramas assistenciais. As bolsas, at ento espalhadas, seriam reunidas. Como Beneda Silva17 no mostrara aptido para exercer suas atribuies na Secretaria EspeciaAssistncia e Promoo Social, que tinha status de ministrio, o responsvel inicial por da

primeiros passos na centralizao dos programas foi o todo-poderoso Jos Dirceu. Eincio do Bolsa Famlia denominao criada pelo publicitrio Duda Mendona.


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Com a convocao extraordinria do Congresso, aumentaria a tenso entre os funcionpblicos e a liderana do governo, pois este, querendo aprovar, a qualquer custo, a reformPrevidncia, montara um rolo compressor.

A 23 de julho, na comisso especial que tratava do projeto, o governo conseguiria apra proposta, por trinta votos a oito. Na ocasio, servidores foram impedidos de entraCmara, cujo presidente, o deputado Joo Paulo Cunha, pedira reforo do batalho de choda Polcia Militar para conter os manifestantes.

Era mais uma inovao do PT: os policiais agiram dentro do prdio da Cmara e autorizao de seu presidente, caso nico na histria do Parlamento brasileiro.18

No incio de agosto, a reforma da Previdncia seria aprovada pelo plenrio da CmaA base governista, no entanto, rachara: foram 296 votos a favor e 56 contra nmero amuito distante do qurum constitucional. O governo teve de contar, portanto, com a oposiseus 62 votos salvadores.

Alguns votos contrrios reforma, apenas trs, vieram da bancada do PT. Houve tam

uma ausncia e oito abstenes. Os oitenta parlamentares petistas restantes seguiraorientao do partido. A oposio tambm se dividira. O PSDB teve 29 deputados a favtrinta contra. O PFL alcanaria proporo semelhante: 36 favorveis e 38 contrrios.

O quebra-quebra no Congresso era inevitvel. Seguranas e manifestantes travaverdadeira batalha campal. O prdio da Cmara acabaria depredado.

Enquanto isso, a vida seguia bela (e como!) no Palcio da Alvorada e na Granja do Torto.ameno e tranquilo o cotidiano de Lula sombra do poder. Iniciou-se a construo deavirio para emas e patos, e no faltaram recursos para um ginsio de esportes com salfisioterapia. A Granja do Torto receberia tambm nova iluminao e novas churrasqueiras

Uma polpuda verba fora reservada para o enxoval do presidente: dezenas de lenquarenta jogos americanos coloridos, toalhas, colches, taas de cristal e at roupealgodo de... fio egpcio! A justificativa era a de que o antecessor sucateara toda a estru

das residncias presidenciais.J em agosto resultara em celeuma a compra de 2 mil latinhas de cerveja, 610 garrafa

vinho e 150 jogos de cristais (lapidados mo e de primeira qualidade) para a PresidnEm seguida, a aquisio de seiscentos quilos de bombom Sonho de Valsa, 2 mil vidro

pimenta envelhecidas em barril de carvalho, 7 mil pacotes de biscoitos recheados e 6barras de chocolate ao leite crocante acabaria momentaneamente suspensa para ajustestudo devido ao escndalo produzido pela divulgao do edital.


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Se o governo encerrava agosto com vitrias expressivas um ms que a tradio polidentificava com graves crises polticas, como o suicdio de Getlio Vargas e a rennciJnio Quadros , a entrevista dada pelo presidente do STF, Maurcio Corra, serviria coducha fria.

De acordo com o ministro, Lula havia abandonado ideias que defendera durante dcaVivia viajando e deixara o governo nas mos de Palocci e Dirceu. Sustentava ainda que estaria aplicando a mesma agenda poltica e econmica adotada por Fernando HenriqPara ele, o presidente no a mesma pessoa que se apresentou na campanha. Esdeslumbrado com o poder:

O poder algo contagiante. O presidente tem uma origem humilde. um operrio que chegou ao poder lindo, mas algum que tem helicptero e jato disposio, que desce onde quiser, que tem aquela criadtoda, at aquelas mulheres bonitas que vo l visit-lo, pode mudar de comportamento. Isto tudo encanta.

Maurcio Corra atacou as mudanas previdencirias e defendeu o que considerava um diadquirido dos juzes o que deixaria o governo preocupado, pois a Cmara tinha apaprovado a reforma em primeiro turno. Havia ainda, portanto, alguma gua a rolar.

Em setembro, Benedita da Silva seria acusada de ter ido Argentina para uma atividadfim religioso e no governamental. Em Buenos Aires, participou do 12 Caf AnualOraes. Teria, de acordo com noticirio, arranjado um compromisso oficial marcaddia anterior com a ministra argentina da Promoo Social somente para emprlegalidade a uma viagem pessoal bancada com recursos pblicos, na qual se faria aacompanhar de uma assessora, tambm beneficiada com o pagamento das despesas recebimento de dirias.

No era o primeiro caso envolvendo a ministra. Em maio, viajara a Portugal nas me

condies, ou seja, com objetivos religiosos acima dos governamentais. Era quase fundamentalista em um pas de Estado laico.

No mesmo ms de setembro, pouco antes do passeio em Buenos Aires, Benedita foraEstados Unidos. Resolveria, no entanto, antecipar a viagem em cinco dias e assim dar esticada at Nova York, tudo pago com dinheiro pblico afinal, nem ela era de ferro.

Ao se realizar um balano dos primeiros cem dias do governo Lula, Benedita surgiria ca ministra cuja milhagem saa pelo ladro: era quem mais tinha viajado. Visitara qu

pases: Paraguai, Argentina, Frana e Blgica.Depois de quase um ms de polmica, resolveria depositar o dinheiro gasto na viagem


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encontro com evanglicos Argentina. Argumentou que no queria criar constrangimento o presidente Lula (?), e que teria, se possvel for compreender o raciocnio, tomaddeciso de depositar em juzo o valor do transporte que fiz na Argentina e fao issoentender que tenho razo para tal e que provarei que esta viagem oficial que fiz Argentem fundamento. Pouco adiantaria. Depois de longa agonia, em 21 de janeiro de 2acabaria demitida.

Paralelamente s primeiras denncias contra ministros, comearia a ficar mais clara a fode governar de aparelhar a mquina de Estado do PT. Em oito meses, o partido fi15 mil nomeaes para cargos de confiana. E ainda restavam mais 6 mil vagas a se

partidariamente ocupadas. A indicao era precedida por um atestado ideolgico petistnada consta e, especialmente, o um dos nossos garantiam o emprego.

O ex-guerrilheiro Jos Genono, presidente do PT, tentava justificar aquela sedepreenchimento: Fomos eleitos para mudar. Alm de transformar a mquina estatalcorreia de transmisso do partido, de acordo com os princpios leninistas, o pagamobrigatrio do dzimo aumentara, de forma significativa, a receita partidria. Estimava-seo PT recolheria algo em torno de 15 milhes de reais por ano a partir de 2003.

O festival de nomeaes no exagero supor que, no total, tero chegado a 40 miinclua as empresas e os bancos estatais, suas diretorias e seus conselhos.

A Funasa (Fundao Nacional de Sade), vinculada ao Ministrio da Sade, sempredesejada pelos corruptos devido aos recursos fabulosos que movimenta. Em 2000, um decdefinira que os coordenadores regionais da fundao deveriam ser funcionrios de carrcom pelo menos cinco anos de experincia em cargos de direo. Os petistas mudariam Afinal, o decreto dificultava o aparelhamento da Funasa. Tinham razo. E como superaobstculo? Incluram um preferencialmente ao texto. Ou seja, o indicado deveria

preferencialmente e no necessariamente, como antes um funcionrio de carreira mais de cinco anos em cargos de direo. Aquele acrscimo retirava o carter terminativ

decreto anterior. E isso se repetiria em toda mquina estatal.O caso do Instituto Nacional do Cncer (Inca) viraria referncia para o estilo petist

aparelhamento do Estado. Conhecido pela excelncia no combate ao cncer, o Inca sentregue, sob a gesto do PT, a uma senhora cuja experincia anterior consistira na dire

parques e jardins da prefeitura carioca. No hospital, portanto, faltava de tudo: remdmaterial de limpeza, equipamentos. Mas no faltavam petistas em todos os postosconfiana.20


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Lula visitaria Cuba em setembro. Nada falou sobre a represso e as centenas de prpolticos. J silenciara em abril, sempre conivente com a ditadura castrista, quando o regfuzilou trs opositores e condenou quatro priso perptua.

Frei Betto, presente na comitiva, diria ter ressalvas a Cuba, mas de um modo mpeculiar, por meio do qual o religioso podia se manter fiel ditadura: Adoto um princos inimigos denuncio em pblico; os amigos critico em particular. Sou amigo dos cubansolidrio revoluo.21Democracia, liberdade e direitos humanos so bons, mas longe, longe, de Cuba.

Outubro seria um ms ruim para o governo, pois, logo de incio, foram divulgadapesquisas de opinio pblica. A confiana em Lula caa sistematicamente. Em maro, es

em 80%; em junho, em 76%; em setembro, baixara a 70%. Um nmero ainda favorvel,dvida, mas que no escondia a curva descendente. A avaliao positiva de seu govreproduzia a mesma tendncia de queda: 75%, depois 70% e afinal 69%.

Tambm naquele ms, acusaes de corrupo e de improbidade administrativa atingio titular da pasta dos Esportes Agnelo Queiroz. De incio, o pagamento de dirias ao mini

pelo Comit Olmpico Brasileiro, quando da realizao dos Jogos Pan-americanoRepblica Dominicana. Vale ressaltar que Queiroz viajara com todas as despesas cobe

pelo governo brasileiro.

O ministro, porm, consideraria esta duplicidade que custara 11 mil reais uma mfalha administrativa, e s se manifestaria a respeito quando denunciado pela ex-jogadorbasquete Paula, dois meses aps o fato. Queiroz fez questo e isto se transformaria ncaracterstica dos petistas no poder de demonstrar indignao: Isso que est sedivulgado tem um objetivo: transformar uma falha administrativa em um motivoexplorao, para questionar a honestidade do ministro, do ministrio e do governo Lula.

O mesmo Queiroz no mesmo ms de outubro envolver-se-ia em nova enrascada. comemorar seus 45 anos, assessores resolveram organizar uma festa, mas se valeram, pa

envio de convites, da estrutura do ministrio. Era, registre-se, uma festa surpresa. O minisupostamente, de nada sabia, e os funcionrios responsveis seriam advertidos por maisfalha administrativa.

Tambm em outubro, o secretrio Nacional de Segurana Pblica, Luiz Eduardo Soa

pediria demisso, muito pressionado pela divulgao de um dossi que o acusava de


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contratado, como consultoras, a atual, a ex-mulher e a ex-cunhada, todas considerespecialistas na rea.

Na ocasio, surgiram denncias de que o dossi estava vinculado ao interesse de um bapons em um negcio milionrio, a criao de um cadastro nico de identificao civil,

no contaria com o apoio do secretrio. De acordo com Soares, porm, Jos Dirceu tamestaria por trs da fritura. O secretrio denunciara, inclusive, escutas clandestinas emgabinete. Pedira, a propsito, o apoio do presidente do PT, mas Jos Genono silenci

Restou-lhe pedir demisso.

Ainda naquele ms, o deputado Fernando Gabeira pediria desfiliao do PT. Protescontra a poltica ambiental, especialmente a liberao do plantio de transgnicos, e se insuante a postura de Lula quando da visita a Cuba, omisso em relao aos presos e persegu

polticos da ilha.Segundo Gabeira, era uma iluso imaginar que se transformaria o Brasil pelo Estado,

alto. O pas s poderia ser transformado pela sociedade: Nossa gerao no podcontentar em estar no governo. Temos que dizer tambm por que estamos no governo, infelizmente isso no aconteceu. E conclua: No digo que o sonho acabou. Sonhei o soerrado.

A reforma agrria que caminhava lentamente tambm entrara no rol das denncias. Ufazenda no Paran teria sido desapropriada por R$ 132 milhes. Causariam perplexidarapidez do processo e o fato de que a rea pertencia Unio, de modo que se trat

portanto, de operao ilegal. E mais: no era possvel instalar 1.500 famlias num terrenmata nativa e de reflorestamento. No passado, Lula acusaria ali uma maracutaia. Agora

entanto, era ele o governo.

O ms de outubro terminaria com nova denncia. Em dez meses, Lula gastara, com viagedirias, o dobro que Fernando Henrique no mesmo perodo de governo: quase R$ 20 milh

A explicao de Guido Mantega, ento ministro do Planejamento, para o fato foi dign

pas da piada pronta: A ao do nosso presidente em matria de relaes exteriores m


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superior, haja vista os resultados que temos.Ah, se fosse um presidente no petista...

O petismo vivia um trimestre tenebroso. Agora, as acusaes alcanavam o governado

Roraima, Flamarion Portela, que aderira ao PT aps ser eleito em 2002. A Polcia Feddesarticulou um enorme esquema de corrupo envolvendo folhas de pagamento fantasma6 mil funcionrios. Um desvio, de acordo com a PF, de mais de R$ 200 milhes.

Inicialmente, o partido saiu em defesa de Portela. O argumento era de que tudo passaria de intriga de adversrios polticos. Genono fez questo de vir a pblico:governador tem trabalhado para fazer uma limpeza em Roraima. Meses depois, no entaPortela acabaria expulso do PT expulso que no passava de ato de pera bufa. Afinalesposa, Angela Portela, seria eleita senadora pelo partido em 2010.

O mais trgico que, depois de muitas idas e vindas judiciais, o crime de corrupacabaria prescrevendo e os milhes de reais, supostamente desviados, jamais retornaao errio. Ningum foi condenado.

O PT, que tratava a coisa pblica como propriedade partidria, agia como senhor da cgrande quando se relacionava com os mais fracos.Ricardo Berzoini, ministro da Previdncia, resolvera fazer o recadastramento

aposentados e pensionistas com mais de noventa anos. Para tanto, exigia sim: exigia os beneficirios comparecessem s agncias do INSS, e chegou a afirmar que bloqueari

pagamentos daqueles que no efetuassem o recadastramento.Foi um Deus nos acuda. Da noite para o dia, milhares de idosos maiores de noventa

tinham de se deslocar s agncias. A repercusso seria pssima e obrigaria o ministro a vo

atrs. Seguindo fielmente a cartilha petista, porm, colocou a culpa no em sua desastgesto, mas, claro, no governo anterior: Infelizmente essa situao que vivemos, de tertantos indcios de fraudes, consequncia da omisso administrativa do passado.

Em 10 de dezembro, depois de tramitar por 225 dias, a reforma da Previdncia foi finalm

aprovada no Senado. Obteve 51 votos favorveis e 24 contrrios (entre os quais o


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senadora petista Helosa Helena).Eram necessrios 49 votos para obter o qurum constitucional, e o governo contou

preciosas doze adeses da oposio, sete do PFL e cinco do PSDB, sem as quais venceria, pois os partidos da base haviam rachado novamente.

Um episdio bizarro marcaria a sesso: o senador Nei Suassuna mais conhecido exibio de extravagantes gravatas do que pela atuao parlamentar votara contra, seguele, por um equvoco. Era a favor, mas se atrapalhara no complexo instante de escolher e

as alternativas sim e no.

No dia 14, o Diretrio Nacional do PT com 55 votos a favor e 27 contra expulsotrs deputados federais que votaram contra a reforma, Luciana Genro, Bab e Joo Foalm da senadora Helosa Helena. Alguns petistas, como a ministra Marina Silva, opta

por no comparecer reunio.Os mais aguerridos defensores da expulso e que discursaram no encontro foram

senadores Alosio Mercadante, Ideli Salvatti e Cristovam Buarque e os deputados CaAbicalil e Paulo Delgado. A direo partidria exultou. O secretrio de organizao SPereira que, dois anos depois, ficaria notabilizado pelo presente recebido de construtora, um jipeLand Rover disse que o confronto com os radicais era inevitvel no mudassem sua prtica e discurso.

A reunio do Diretrio Nacional ocorreu no luxuoso hotel Blue Tree Park, em Brasliaia longe o tempo de reunies em sindicatos e auditrios improvisados. Em 2003, o PTpoder e gozava amplamente deste privilgio.

Se, de um lado, os radicais, no raro petistas histricos, eram expulsos do partido, cont

com o apoio entusistico de Lula, de outro o presidente solidificava a aliana poltica Sarney e seu grupo.

O estreitamento das relaes vinha desde a campanha eleitoral, mas se intensificarincio do governo, quando o velho cacique conseguiu quarenta cargos para seus afilh

polticos, como a presidncia da Eletronorte, que tinha um oramento de R$ 1 bilhoesfera paroquial, dos quarenta postos federais no Maranho, Sarney avidamente abocan36. Estava mais poderoso do que na poca da ditadura, como salientaria o deputado peDomingos Dutra, seu adversrio local de mais de duas dcadas.

Lula pelas mos de Jos Dirceu dera corda e muitos benefcios aos partido


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base no Congresso. Eles cresceram. O PMDB saltou de 69 deputados, em fevereiro, parem outubro. No mesmo perodo, o PTB registraria crescimento notvel: tinha

parlamentares e, oito meses depois, 55.22O PP fora de 43 para 47, e o PL, de 33 paraEnquanto isso, as bancadas oposicionistas minguavam: o PSDB contava ento comdeputados (perdera doze), e o PFL, com 67 (perdera oito).

Os choques no interior do PT tinham tambm reflexo nos dilemas econmicos. A polseguida por Palocci encontrava opositores dentro do prprio governo. Era o caso do BNDe de seu presidente, Carlos Lessa.

Suas constantes declaraes pblicas criticando, implicitamente, Palocci causasucessivas saias-justas. Alm do qu, Lessa no aceitava estar subordinado ao ministroDesenvolvimento, o empresrio Luiz Fernando Furlan.

O ano se aproximava do fim. A popularidade de Lula estava em 41%, abaixo dos 43%FHC em seu primeiro ano de mandato. O governo no deixara qualquer marca. Os projetoimpacto haviam fracassado. O Fome Zero, por exemplo, no decolara. Frei Betto,

coordenador, logo se afastou.Curiosamente, no entanto, o programa fazia sucesso no exterior; sucesso que s poderiaatribudo marca, ideia, ao que deveria ter sido porque, na prtica, jamais resultados positivos a apresentar. Acabaria virando motivo de chacota no Brasil.

Dois episdios simbolizaram bem a seriedade com que o governo tratava o Fome Zerprimeiro, ainda em maro, uma feijoada para arrecadar doaes evento patrocinado socialitecarioca Vera Loyola, que ento doaria a gargantilha de ouro da sua cadela Perepe aproveitaria o ato para dissertar sobre Lula e os radicais do PT: Se eles no e

contentes, os incomodados que se mudem. Dois meses depois, a joia seria leiloada, por Rmil, para a me do ex-senador Luiz Estevo, o nico na histria do Senado a ser cassadoseus pares.

Em agosto, o segundo: Jos Dirceu ganhara um Rolex do presidente do PTB, o depuJos Carlos Martinez, e, representando o papel de um republicano sincero, decidira do

presente ao Fome Zero. A Caixa Econmica Federal, porm, ao examin-lo, constataria trase de um relgio falso.


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O crescimento do PIB fora pfio: 1,1%. O PIBper capita cara 0,9%. E houve um crescimento da dvida externa, para US$ 215 bilhes.

Algumas mudanas marcariam as exportaes brasileiras nos prximos anos. A Ctransformara-se no segundo maior comprador de produtos brasileiros, especialmente minde ferro e soja, e em um momento de preos altos.

A reforma agrria era ainda s promessa: das 60 mil famlias a serem assentadas, ap36 mil haviam sido agraciadas com um lote de terra. Paralelamente, o nmero de assassinem reas de tenso no campo crescera: em 2002, foram 43 mortos; em 2003, 73 nmque refletia o recrudescimento dos conflitos, de 743 para 1.335.

Apesar dos fracos resultados internos no primeiro ano de mandato, internacionalmente

amealhara enorme prestgio. Sinal de que sua capacidade de comunicao era superior gestor pblico. Sua biografia ajudava. E muito. Decisiva mesmo, porm, fora a guinada pacentro poltico, movimento que o transformou no queridinho da imprensa e dos investidinternacionais.

Seria considerado, em uma pesquisa sobre a elite latino-americana, o melhor presidentregio. O fato de que abandonara o embolorado manual econmico de esquerda era vcomo marco positivo. O curioso que tudo isso ocorria duas dcadas aps a queda do mde Berlim. Lula simplesmente aceitara o bvio. Mas era louvado como se reinventasse a r

O presidente aproveitaria o prestgio para agregar um acentuado tom terceiro-mundisdiplomacia brasileira. Em um ano, visitara 21 pases do chamado Terceiro Mundo. Era forma de dar, internamente, alguma satisfao aos setores de esquerda do PT, aborreccom aquela poltica econmica to distante do velho programa petista. E tambm de resgum velho antiamericanismo do Itamaraty, cuja origem remontava aos tempos Ernesto GeHavia ainda o interesse em robustecer a candidatura do Brasil como membro permanentConselho de Segurana da ONU algo que vinha sendo proposto desde a gesto de FHC

Neste contexto, a ltima viagem internacional de Lula em 2003 seria frica um

de resultados econmicos inexpressivos, por So Tom e Prncipe, Moambique, AngNambia e frica do Sul. Pases que, somados, representavam pouco mais de 1% do valorexportaes brasileiras. Ademais, ao longo dos anos, por vrias vezes o governo do Br

perdoaria dvidas dos pases africanos para alegria dos ditadores daquele continente.Da viagem, portanto, restaria somente um fato significativo. Na capital da Nambia, em

improviso, Lula disse: Quem chega a Windhoek no parece que est em um pas africPoucas cidades do mundo so to limpas, to bonitas arquitetonicamente e tm um povoextraordinrio. A frase desastrada seria alterada, na traduo, pelo intrprete brasileiro,

suprimiu a palavra limpas.


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Notas

1Lula recebeu, no segundo turno, 52.793.364 votos. Seu oponente, Jos Serra, ficou com 33.370.739votos.

2Afonso Celso autor do clebre Por que me ufano do meu pas, editado pela primeira vez em 1900. O livro simbdurante dcadas o patriotismo exacerbado e levemente xenofobista.

3 Josef Stlin governou com mo de ferro a Unio Sovitica de 1922 a 1953. O perodo, entre outras singularidades,

caracterizado pela manipulao do passado histrico russo e, especialmente, da revoluo socialista de 1917.

4Estudo efetuado pelaFolha de S.Paulo , em 22 de janeiro de 2003, chegou a nmero bem inferior: 71 mil presentes po

5Tereza Cruvinel, em 2007, seria convidada por Lula para assumir a direo da recm-criada TV Brasil, logo apelidaLula News.

6Ver: VISITAS internacionais do Presidente Lula e visitas ao Brasil de Chefes de Estado e de Chefes de Governo (22010). Braslia: Ministrio das Relaes Exteriores, 2011.

7 Segundo Secco, sem a capacidade de direo e o punho forte de Dirceu nas decises mais difceis [] o PT nochegado vitria em 2002. O mesmo autor destaca que, de acordo com Perry Andreson, Dirceu foi o arquiteto do mo

PT e estrategista da vitria de Lula. Ver SECCO, Lincoln.Histria do PT-1978-2010 . So Paulo: Ateli, 2011. p. 200.

8 Ver, respectivamente: PALOCCI, Antnio. Sobre formigas e cigarras . Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 22 eKOTSCHO, Ricardo.Do golpe ao planalto: uma vida de reprter. So Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 234.

9BETTO, Frei. Calendrio do poder. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. p. 39. Para a citao teolgica, ver p. 314.

10Na biografia de Lula, verdadeira hagiografia, inmeras vezes buscada uma associao do biografado com o Salvadodona Lindu com Maria. Um exemplo: Agradecendo a Deus pela graa, Lindu pediu aos cus que seu beb sobreviv

Talvez os cus tenham ouvido suas preces, talvez um anjo tenha passado naquele momento e dito amm (ver PARDenise.A histria de Lula: o filho do Brasil. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 33-34).

11Ver PALOCCI, Antonio. Op. cit. Especialmente as pginas 25-37.

12Os gastos de publicidade serviram para divulgar as realizaes governamentais e, de acordo com Roberto Jefferson, pesquema de compra de apoio parlamentar. Segundo o deputado, com publicidade, entre 2001 e 2004, os gastos da Petrsaltaram de R$ 129,8 milhes para R$ 218,8 milhes um aumento de 68,5%. A Caixa tambm inflou seus gastos

publicidade, saltando de R$ 66,3 milhes para R$ 179,9 milhes entre 2003 e 2005 um aumento de 171,3% (JEFFERRoberto.Nervos de ao . Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. p. 84).

13Ver CABRAL, Otvio. Dirceu: uma biografia. Rio de Janeiro: Record, 2013. p. 190-191. De acordo com Dirceu, outro encontro, na Granja do Torto, entre ele, Valrio e Lula (p. 259-260). Os encontros entre Dirceu e Valrio foram constantes, como a longa conversa em 1ode fevereiro de 2003 (p. 193).

14 Em entrevista Veja, o ministro Bastos fez questo de dizer que estava perdendo dinheiro como ministro da JSegundo ele, suas retiradas mensais eram de 250 mil reais e, como ministro, recebia apenas 8 mil reais (Veja, 5 de mar2003).

15 At Denise Paran, sua bigrafa, teve de reconhecer: Embora fosse conservador politicamente, ao contrrio de osindicalistas da diretoria, Lula no se negava a conversar com todos (PARAN, Denise. Op. cit., p. 111).

16Entrevista para Veja, Pginas Amarelas, 30 de julho de 2003.


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17 Benedita da Silva chegou ao ministrio aps ter sido derrotada na eleio para o governo do Rio de Janeiro por RoMatheus. Na formao do novo governo, ela ligou e suplicou para o presidente: Agora quero voc cuidando de mimatendida. Lula disse que pretendia aproveit-la, pois rene qualidades polticas, mulher e negra. Ver BETTO, op. cit., p

18 Comenta Lcia Hippolito: Foi um presidente da Cmara, um deputado do PT, quem trouxe a polcia para dentCongresso Nacional, o que chocou todo mundo, porque proibido por lei. Embora o deputado Joo Paulo tenha tentado exque a tropa de choque apenas passou por uma ala da Cmara, a verdade que a polcia entrou no Congresso. E conEste triste espetculo marcar para sempre a biografia do atual presidente da Cmara. (HIPPOLITO, Lcia.Por dent

overno Lula. So Paulo: Futura, 2005. p. 41 e 43). E a atuao de Joo Paulo no mensalo ainda era desconhecida...

19Recorda o lder do PTB poca, Roberto Jefferson: Constatou-se que os saques feitos por Marcos Valrio no Banco e no Banco do Brasil coincidiram com o troca-troca partidrio para PL, PTB, PT e PP, partidos da base aliada do govSegundo o COAF, entre agosto e outubro de 2003, quando estava sendo votada a reforma da Previdncia, Valrio sacou Rmilhes (JEFFERSON, op. cit., p. 247).

20O PT tomou para si o Estado. Se em 2003 as aes viraram escndalos, no ano seguinte seria at considerada natutomada da Embrapa pelos petistas. Era uma empresa modelo. Era. Caram subidamente o nmero de patentes requeridque no caiu foi o nmero de petistas em todos os cargos de direo. Antes de ser um pesquisador competente, era neceser petista.

21BETTO, op. cit., p. 194.

22De acordo com Jefferson, outro fator que fez a bancada do PTB aumentar foi o empenho do prprio Jos Dirceuencaminhou para o PTB diversos deputados que, insatisfeitos com seus partidos, o procuravam querendo apoiar o governono podiam ir para o PT (JEFFERSON, op. cit., p. 169).


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2004


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SE O GOVERNO TINHAdesempenho cinzento, o mesmo no poderia ser dito da estrutura ergpara as constantes viagens do presidente Lula pelo Brasil e, especialmente, ao exterior.

Nem bem o ano comeara, a 15 de janeiro, e o Ministrio do Planejamento anunciasubstituio do Boeing 707 da Fora Area Brasileira, conhecido como Sucato, aeronque transportara, desde 1986, todos os presidentes da Repblica. Em seu lugar surgiriamoderno avio, oAirbus ao custo de US$ 56,7 milhes.

A nova aeronave recebeu instalaes especiais, que incluam uma sute presidencial, aumentar o conforto de Lula e que seria bem usada. O luxo decorrente das exigncia

presidente aumentou o preo da aquisio em US$ 13,5 milhes. Ele, no entanto, consideaqueles gastos absolutamente naturais e justificveis, embora seja fcil imaginar creagiria o PT se estivesse na Presidncia, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso.

De acordo com Guido Mantega, o Sucato no reunia mais condies de transportar, segurana, o presidente. Alm disso, o Boeing 707 tinha restries para pousar em alaeroportos do Primeiro Mundo, o que, segundo o ministro, causava constrangimentos.

Logo o avio receberia um apelido: AeroLula.

Depois de muitas conversaes, idas e vindas, o PMDB acabaria entrando, oficialmentegoverno.23 Como de hbito, o partido lutou por ministrios que tivessem bom caixa. exame oramentrio inicial se tornara pr-requisito fundamental para qualquer apoio

PMDB, que s aderia a preo de ouro.Desta vez, porm, o partido no teve, ao menos de partida, o xito esperado. Ficou comministrios das Comunicaes, reservado ao deputado Euncio de Oliveira, e da PrevidSocial (mais apetitoso), entregue ao senador Amir Lando.

Ricardo Berzoini, to querido pelos aposentados mais idosos, no perdera o empregomudara de ministrio, transferido para o do Trabalho. Nesta dana das cadeiras, Aldo Reviraria ministro, da Coordenao Poltica,24e o deputado Eduardo Campos assumiria a pda Cincia e Tecnologia at ento ocupada por outro membro do PSB, Roberto Am

que deixara, como marca de sua passagem pelo ministrio, a defesa da bomba atmtupiniquim.

Jaques Wagner foi para o Ministrio do Trabalho. Benedita da Silva, que virara espcie de ministro-zumbi desde o episdio da viagem a Buenos Aires, acabou trocadaPatrus Ananias, ex-prefeito de Belo Horizonte, considerado um bom gestor e que ficencarregado de dar operacionalidade ao programa Bolsa Famlia, uma vez que fora extinMinistrio da Segurana Alimentar, fulminado pelo fracasso do Fome Zero um sucmiditico, mas um desastre administrativo.

Tarso Genro seria o novo ministro da Educao, no lugar de Cristovam Buarque, demi


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por telefone quando em visita oficial a Portugal. Registre-se que, antes de viajar, perguntado a Lula se podia ir tranquilo, recebendo sinal positivo.25

O ex-ministro, portanto, fez questo de que um amigo o fotografasse em Lisboafrente Casa Havaneza,26ao lado de uma esttua de Fernando Pessoa no instante em q

presidente telefonou para desempreg-lo.Havia tambm o caso dos ministros que deixaram o governo sem que sequer tive

entrado, to nulas foram suas presenas, como Emlia Fernandes, da Secretaria Especia

Mulher.

A 13 de fevereiro, explodiria o escndalo Waldomiro Diniz, principal assessor polticoJos Dirceu. A revista pocadivulgou uma fita gravada, em 2002, pelo bicheiro (cham

pela imprensa, de empresrio de jogos) Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.No vdeo, Waldomiro cobrava propina do bicheiro para o PT e para ele prprio

chantagista no era qualquer um. Ocupava o importante posto de subchefe de AssuParlamentares da Presidncia da Repblica. Era um homem de Dirceu, embora j tivesse acusado de comandar esquema de cobrana de propina quando presidiu a Loterj, a loteriestado do Rio de Janeiro, tambm em 2002.

Na denncia, o Ministrio Pblico Federal afirmaria que Diniz tinha por hbito copropina e assim buscava nova fonte de recursos. Os envolvidos foram acusados dos cr

de estelionato, corrupo ativa e passiva e concusso (exigir dinheiro ou vantagem em rdo exerccio de uma funo).Devido pssima repercusso do episdio, o assessor acabaria exonerado. Curiosame

porm, quando o escndalo veio tona, Waldomiro Diniz trabalhava na elaborao de medida provisria que legalizaria os bingos do pas, mas que acabou abortada ali.27

A minoria no Congresso quis aproveitar a oportunidade e abrir uma CPI. Encontrariaentanto, forte resistncia no governo, que fez de tudo para impedir uma investigindependente. A oposio s conseguiria instaur-la mais de um ano depois, em junho

2005, logo apelidada de CPI do Fim do Mundo, pois estabelecida num momento em qbase governamental encontrava-se rachada em decorrncia das denncias de RobJefferson sobre o mensalo.

Aquele fevereiro de 2004 pode ser considerado o marco do fim da lua de mel eimprensa e governo. E no s: havia ento certo ar de cansao ante a verborragia presidene a pobreza de resultados prticos.


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A acusao que enredava um assessor muito prximo ao todo- poderoso Jos Dirceuacendera a luz amarela no Planalto, apesar do esforo do ministro em negar qualquer relcom Diniz: Estou decepcionado, muito decepcionado, disse.

De acordo com Luiz Eduardo Soares, ex-secretrio do governo, Waldomiro Darrecadaria, por ms, R$ 300 mil e ainda haveria mais um assessor de Dirceu envolv

Na ocasio, o ministro teria chegado a pedir demisso; que Lula no aceitou, sem deixarexpusesse suas razes. Fora o primeiro tiro na honorabilidade do governo e justamentcolaborador mais influente.

Jos Dirceu passaria semanas emparedado, e precisaria pedir ajuda aos velhos caciqueCongresso sempre, claro, tendo de pagar o devido preo. Tambm tentaria, de todamaneiras, justificar as relaes com o ntimo assessor. Numa entrevista Veja, falou:

Ele coordenava e articulava minhas relaes com os deputados e senadores, para as votaes, paarticulaes polticas. Eu despachava com ele regularmente, toda semana. E falava com ele todos os d

Waldomiro Diniz no assinava atos administrativos, no tinha poderes legais para isso. Era um assessor poE no verdade que ele fosse o principal assessor da Casa Civil.

Uma pesquisa do Datafolha apresentaria um pssimo resultado para o ministro: 67%entrevistados achavam que deveria deixar o governo.

Neste momento, surgiam tambm as primeiras denncias contra Delbio Soares, tesourdo PT, personagem ainda desconhecido do grande pblico. Envolviam trfico de influn

constantes visitas ao Palcio do Planalto e, inclusive, viagens com o presidente ao exteriosem que tivesse qualquer cargo ou funo no governo.28

Na mesma entrevista Veja, Dirceu sairia em defesa do companheiro:

No vejo problema de o tesoureiro do PT participar de uma viagem do presidente. O Delbio foi dirsindical, dirigente da CUT, militante do PT, uma pessoa pblica. No est impedido por ser tesourei

presena dele no Palcio do Planalto, na Casa Civil, muito rara. Ele no vem aqui tratar comigo questtesouraria. Vem discutir poltica. So questes que at poderiam ser tratadas na sede do PT. Mas aqui se g

em agilidade. E, quando ramos oposio, pedamos liberao de verbas. Agora, que somos governo, vparar de pedir? No vejo como presso.

As acusaes especialmente as que pesavam sobre Dirceu desgastariam o PT. Afdurante dcadas o partido se apresentara como o campeo da tica e da moralidade pblE, at ento, as denncias que frequentemente atingiam as prefeituras administradas

petistas no haviam alcanado a cpula partidria. Aquele ano de 2004 era o pontoinflexo.

No dava mais para esconder. Mesmo assim, as acusaes ainda eram imputadas a des


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pessoais, e assim eram absorvidas pela sociedade. De modo que as respostas de Dircesobre as prticas delubianas, que considerava absolutamente normais, e, suprema ironrespeito das constantes visitas do tesoureiro petista ao Planalto, que aprovava, em nomagilidade no encontrariam a devida repulsa da opinio pblica.

O crdito que o PT adquirira ao longo de trs dcadas estava arranhado, mas ainda resi

A 13 de maro, o governo conseguiria barrar mais uma CPI: a de Santo Andr, para investa morte do ex-prefeito Celso Daniel. A justificativa era pfia: o requerimento no logreunir a assinatura de ao menos 27 senadores requisito mnimo.

Inicialmente, o documento contava com 28 assinaturas, nmero suficiente, mas a do senTeotnio Vilela Filho (PSDB-AL) seria cancelada porque seu suplente, Joo Tenrio (PSDAL), tambm assinara. Ademais, com atuao decisiva do presidente do Senado, Jos Sa(PMDB-AP), os lderes governistas convenceriam dois senadores Papalo (PMDB-AP) e Paulo Octvio (PFL-DF) a retirar seus nomes do requerimento. AssimCPI acabou arquivada.

Trs anos e meio depois do brbaro assassinato do prefeito de Santo Andr, Celso Danmorto em janeiro de 2002, novos indcios do crime surgiriam. A reabertura do inqurito2005, viria na esteira de denncias e revelaes que devassavam as relaes perigosas ePT, governo e empresrios.

O caso expunha tambm a cobrana sistemtica de propina nas prefeituras petistas coobjetivo de financiar o partido. Pouco antes de morrer, Daniel era o homem mais cotado coordenar a campanha de Lula Presidncia. O misterioso assassinato, portanto, asuspeitas. Seria um crime poltico?

Para a polcia e para o PT, no. Tratara-se apenas de um crime comum.No entanto, o irmo do prefeito morto, Joo Francisco Daniel, revelaria que C

comandava um esquema de propina que envolvia empresas prestadoras de servioprefeitura de Santo Andr. O assassinato seria consequncia de um desentendimento

empresrios, e teria como mandante Srgio Gomes da Silva, o Sombra, que estivera coprefeito na noite do crime. Ainda de acordo com o irmo, Celso tentava acabar com o ctrs (dinheiro desviado, para fins pessoais, das propinas destinadas ao PT).

Cinco dias aps o assassinato, Joo Francisco, segundo relataria, recebeu um telefonde Gilberto Carvalho,29 no qual o esquema lhe teria sido revelado. Os recursos desviateriam sido repassados a Jos Dirceu e servido para pagar gastos das campanhas de MSuplicy prefeitura de So Paulo, em 2000, e de Lula Presidncia da Repblica, em 200

De acordo com o legista Carlos Delmanto Printes em entrevista concedida em agost

2005 , Celso Daniel foi cruelmente torturado antes de morto. Segundo Printes


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sequestradores praticaram o chamado esculacho, ou seja, deram tiros ao cho, prximos ao prefeito, simplesmente para amedront-lo. Alm disso, o mdico identifvrios hematomas no corpo de Daniel.

Em busca de uma agenda positiva e miditica , o governo promoveria a primeira EFome Zero primeira e nica, registre-se. Evento que sequer deveria ter ocorrido, dadoo ministrio responsvel, o da Segurana Alimentar, fora extinto semanas antes. Lulaentanto, aproveitaria a ocasio para distribuir frases panfletrias.

Disse que era mais fcil acabar com a fome do que com as guerras, e dissertou um posobre Deus e suas obras. Discurso oco, sem contedo, por meio do qual, na verdade, tenresponder a uma preocupao: os nmeros de uma pesquisa, a ser ainda divulgada, indicavam queda da aprovao popular a seu desempenho pessoal.

Essa consulta opinio pblica sucedera duas vitrias do governo, vitrias importapara o PT, mas muito impopulares junto sociedade: o arquivamento da CPI do caso SAndr e a legitimao, pela Comisso de Constituio e Justia do Senado, da decisSarney de no indicar representantes para a CPI dos Bingos.

Coube aos senadores Aloizio Mercadante e Renan Calheiros liderar o movimento barrao das duas CPIs. Preocupava o Planalto ento o fato de a oposio no Sen(composta por PFL, PSDB e PDT, e frequentemente reforada por senadores de ou

partidos) ser mais representativa do que na Cmara, possuindo um pblico consistentenas palavras de Mercadante para apresentar requerimentos por CPIs:

H uma deciso da maioria, configurada ontem como constitucional e regimental pela CCJ, de no peinvestigao poltica agora. A oposio quer ter um palanque em ano eleitoral. Ora a CPI dos bingos, oraWaldomiro Diniz, agora a de Santo Andr. Est obsessivo, parecendo msica de uma nota s.

Se manobrava, com energia, para evitar investigaes de grande potencial explosivo, quecomprometiam a imagem, ficava clara para o governo, entretanto, a urgente necessidadconstruir uma agenda positiva no Congresso. Aquele, ademais, era ano de eleimunicipais. O PT precisava minimizar os desgastes.

Maro terminara e o governo pouco realizara, engessado por uma crise de origem interna,


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crescia sobretudo em decorrncia das srias divises dentro do PT e pelo fogo amigo, vez que as lideranas partidrias mais expressivas se consumiam na fogueira das vaidaPara agravar o quadro, Jos Genono, presidente do partido poca, jamais teve qualdomnio sobre as diversas tendncias petistas. Na luta de todos contra todos, o PT fidebilitado.

Os partidos da base, naturalmente, aproveitaram o momento para tambm tirar casquiAt o PL, de Valdemar Costa Neto, exigiria a demisso de Palocci alis, num momento

que o ministro mais questionado era Dirceu. Daquele perodo, contudo, fortalecidos mesairiam alguns caciques do PMDB, mais at do que o prprio partido; entre eles, clarsenador Jos Sarney.

A divulgao de uma pesquisa IBOPE dedicada confiana dos brasileiros no presid deixaria o Planalto ainda mais preocupado. A centralidade de Dirceu na administracobrava alto preo. Era como se o governo no pudesse funcionar sem ele. E as constadeclaraes desastradas de Lula fortaleciam esta interpretao.

Se para Jos Dirceu, pessoalmente, aquilo era muito positivo, pois o fortalecia em temde crise, a fragilidade de Lula naquele momento estimulava at mesmo Fernando HenrCardoso que deixara o governo, em 2002, muito desgastado a iniciar conversaes se candidatar novamente em 2006.

A paralisia da gesto federal era evidente, e alguns projetos lanados acabariam viramotivo de piada. Um deles, o programa Primeiro Emprego. Criado em novembro de 2cinco meses depois gerara, em todo o Brasil, nfimos 577 empregos. Em quatro estaAmap, Acre, Mato Grosso e Rio Grande do Norte, conseguira o incrvel feito de no csequer uma vaga de trabalho.

Por outro lado, a severa gesto econmica j apresentava alguns resultados e tudo indique o PIB cresceria 3%. No Congresso coisa que s ocorre no Brasil , eram

parlamentares da oposio os que defendiam a poltica econmica do governo, enquanto o

base de apoio inclusive do PT atacavam aquela administrao conservadora.

Abril seria marcado por uma srie de invases do MST, mobilizao que o grupo chamouabril vermelho. Os sem-terra reivindicavam a intensificao da reforma agrria. Noanterior, 36 mil famlias haviam sido assentadas, e Lula prometera multiplicar o nmero

quatro em 2004. At ento, porm, pouco mais de 10 mil tinham sido contempladas.


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Curiosamente, entre 1998-2001, durante o segundo governo FHC, a mdia fora de 95famlias assentadas por ano.

No meio do ms de maio, os jardins do Palcio da Alvorada e da Granja do Torto ganhapor determinao da primeira-dama, Marisa Letcia Lula da Silva, novos canteiros de flvermelhas, e em formato de estrela smbolo do Partido dos Trabalhadores.

Estabeleceu-se uma polmica, com protestos por todo lado. O governo quis transferesponsabilidade para os jardineiros, contratados do governo do Distrito Federal. Masresposta, o porta-voz da Novacap (empresa responsvel pela administrao da capdeclararia que o trabalho s fora feito porque determinado pela primeira-dama.

O Plano Piloto, onde se localiza o Palcio da Alvorada, patrimnio cultural

humanidade. Qualquer alterao em seu projeto pressupe autorizao do IPHAN, entre ourgos. Um dos criadores de Braslia, o arquiteto Oscar Niemeyer sempre subservientegovernantes amigos preferiria no tratar do imbrglio, antes alegando que, aacreditava, tudo fora feito com boa vontade.

Com efeito, o estilo personalista de governar tambm se manifestaria no PalcioPlanalto, que recebeu uma exposio em que se destacavam fotografias com vrias fasevida de Lula, bem como a caneta que usara no dia da posse e as folhas de seu primdiscurso.

Enquanto a primeira-dama que, registre-se, no dera qualquer declarao pblicadezesseis meses de govern

a decada perdida - dez anos de - marco antonio villa

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